Língua Portuguesa V -...

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Governo FederalDilma Vana Rousseff

Presidente

Ministério da EducaçãoAluísio Mercadante

Ministro

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaJoão Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do EstadoRicardo Vieira Coutinho

Governador

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBAMarlene Alves Sousa Luna

Reitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação

Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPESecretaria de Educação a Distância – SEAD

Eliane de Moura Silva

Assessora de EADCoord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB

Cecília Queiroz

Língua Portuguesa V

Denize de Oliveira Araujo

Campina Grande-PB2012

Editora da Universidade Estadual da Paraíba

DiretorCidoval Morais de Sousa

Coordenação de EditoraçãoArão de Azevedo Souza

Conselho EditorialCélia Marques Teles - UFBADilma Maria Brito Melo Trovão - UEPBDjane de Fátima Oliveira - UEPBGesinaldo Ataíde Cândido - UFCGJoviana Quintes Avanci - FIOCRUZRosilda Alves Bezerra - UEPBWaleska Silveira Lira - UEPB

Universidade Estadual da ParaíbaMarlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto GráficoArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: [email protected]

469A663p Araújo, Denize de Oliveira.

Português V./Denize de Oliveira Araújo;UEPB/ Coordenadoria Institucional de Programas Especiais, Secretaria de Educação à Distância._Campina Grande: EDUEPB, 2012. 127 p.: Il.color.

ISBN 978-85-7879-113-1

1. Língua Portuguesa. 2. Estudos Linguísticos. 3. Interação Verbal. 4.Organização de textos. 5. Educação à Distância. I. Titulo. II.UEPB/ Coordenadoria Institucional de Programas Especiais.

21. ed.CDD

Sumário

I UnidadeSituando a interação no campo dos estudos linguísticos.....................7

II UnidadeA Interação Verbal na perspectiva de Jakobson, Benveniste e Goffman......................................................................21

III UnidadeBakhtin e suas contribuições para a compreensão da relação linguagem e interação .......................................................37

IV UnidadeCaracterísticas gerais da interação..................................................51

V UnidadeA dinâmica de construção do texto falado.......................................67

VI UnidadeInteração na sala de aula...............................................................85

VII UnidadeA argumentação na interação verbal...............................................99

VIII UnidadeEstratégias de argumentatividade na organização dos textos...........113

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I UNIDADE

Situando a interação no campo dos estudos linguísticos

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Apresentação Nesta primeira unidade, propomos um recorte de al-

guns estudos que contribuíram direta ou indiretamente para a consideração da interação no âmbito dos estudos linguís-ticos. Ao chegar nessa etapa do curso, você já deve ter com-preendido que o fenômeno linguístico não recebeu o mesmo tratamento e que a própria linguística recebeu influência de outras áreas de estudo, tais como, a psicologia, a sociolo-gia, a filosofia, entre outras. O reconhecimento de que a língua não é um mero produto social, um código linguístico, à disposição do falante que, ao atualizá-lo transmite o seu pensamento de forma transparente ao seu ouvinte, levou a consideração de um sujeito ativo, que age com e sobre a linguagem e de um interlocutor que responde ativamente, processo em que ambos, falante e ouvinte, autor e leitor, se constituem mutuamente por meio do uso que fazem da linguagem.

Por isso, contamos com a sua participação efetiva e interativa, é claro, para uma construção conjunta do conhe-cimento. É importante destacar que se surgir alguma dúvida durante o estudo do material, procure o tutor ou professor responsável pela disciplina. Para isso, envie mensagens a eles solicitando esclarecimentos, bem como discuta com os colegas sobre os questionamentos em relação às leituras re-alizadas. Bom estudo!

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Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você seja capaz de:

• Conhecer algumas contribuições no âmbito da psico-logia e da etnometodologia para a abordagem inte-racionista da linguagem;

• Reconhecer a concepção bakhtiniana de linguagem como fundamental para a inserção da interação no âmbito dos estudos linguísticos;

• Relacionar exemplos práticos de situações dialógicas com os pressupostos da(s) teoria(s) apresentada(s).

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Iniciando nossa conversa...Nesta unidade, trataremos brevemente de abordagens que consi-

deram a dimensão interacional da linguagem e das relações sociais na constituição dos sujeitos e de seus reflexos na compreensão do fenô-meno linguístico.

Antes de iniciarmos nosso estudo, recorra a seus conhecimentos prévios sobre interação. Pense nas situações em que você interagiu com outras pessoas, nos propósitos dessas interações, em como você atuou ao usar a linguagem e reagiu à “voz” do outro.

Atividade IA partir de suas reflexões, procure responder:

1. O que é interação?

2. Que relação pode existir entre linguagem, pensamento e interação?

3. A partir da análise do cartum abaixo, responda: Podemos dizer que a interação entre pai e filho foi bem sucedida? Escreva sobre as conclusões às quais você chegou.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Continuando nossa conversa...O interacionismo surge nos estudos linguísticos não só em oposição

à visão internalista e ao psicologismo da abordagem estruturalista, em que o fenômeno linguístico é tratado de modo abstrato, objeto exclusi-vo de investigação não importando quem, como, quando ou para que (se) faz uso da língua, mas também como alternativa para o impasse clássi-co da Linguística entre internalismo (intralinguístico – código linguístico) x externalismo (extralinguístico – sociedade, cultura, tempo, lugar), ao se considerar que o uso da linguagem é resultado não só das condi-ções intra, mas também extralinguísticas de sua produção e recepção.

Até então o foco de análise dos estudos linguísticos era tão somente a estrutura linguística, o fragmento, ou seja, uma linguística eminentemen-te frasal, em detrimento da totalidade da linguagem. Não se considerava o uso da linguagem como resultado das condições intra e extralinguís-ticas de sua produção e recepção, como produto e processo da intera-ção humana, da atividade sociocultural, considerando-se suas condições múltiplas e heterogêneas de sua constituição e funcionamento.

Atividade IIEssa visão da língua teve seu reflexo no ensino de língua durante

muito tempo. Para verificar isso, veja um exemplo de atividade propos-ta, retirada do livro didático de língua portuguesa Português: ideias e linguagens:

Treino linguístico

Transforme as frases seguintes em interrogativas indiretas. Siga o modelo:

O que ele disse?

Preciso saber o que ele disse.

a) Isso é tão horrível assim?

b) Você vai ser engenheiro como seu avô?

c) Que planos são os seus?

Transforme as frases nominais (sem verbo) em frases verbais (com verbo):

- Pelo menos nos próximos anos...

- Não voltarei, pelo menos nos próximos anos.

a) - Claro que não!

b) - Nada disso.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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c) - Terça-feira à noite.

d) - Alguma reclamação?

e) - Tão mal quanto você.(CASTRO, M. C., vol. 7, São Paulo: Saraiva, 1999)

ReflitaQue tratamento é dado à língua nesses tipos de atividades? Apresente suas reflexões.

Continuando nossa conversa...Somente a partir do século XX, a interação1 passa a ser objeto de es-

tudo. Inicialmente ela é tratada sob o viés da psicologia e da etnometo-dologia. Segundo, Morato (2004), os estudos e reflexões desenvolvidos no campo da Psicologia por Jean Piaget (1896-1980) e Lev S. Vygotsky (1896-1934) foram fundamentais para o entendimento da interação como um problema teórico para a Linguística. Um dos principais inte-resses sobre os quais ambos se voltaram diz respeito à reflexão sobre o lugar da interação da criança com o meio circundante no desenvolvi-mento da linguagem e da cognição. Entretanto, a forma como cada um trata dessa questão é bastante diferente. Vejamos, brevemente, pontos importantes sobre a maneira como esses autores concebem a questão da linguagem e sua influência sobre o desenvolvimento da cognição.

Nas primeiras fases de aquisição da linguagem falada, Piaget esta-belece uma diferença entre o que ele chama de linguagem não-comu-nicativa ou egocêntrica e a linguagem comunicativa ou socializada. No primeiro tipo a criança usa a linguagem para falar de si mesma, como se pensasse em voz alta. Semelhante a um monólogo, a criança não tenta se comunicar, nem espera resposta e nem se preocupa em saber se alguém a ouve. São conversas egocêntricas que não levam em conta a presença de um interlocutor. Já no segundo tipo a criança começa a interagir com o outro, pois ela tenta estabelecer uma espécie de comu-nicação, informando-o sobre qualquer coisa que possa interessar a ele e influenciar sobre seu comportamento ou conduta, seja por meio de pergunta, pedido, ordem, reclamação, ameaça. Mesmo que faça refe-rência ao fator social, Piaget parece relegá-lo a um segundo plano em sua teoria.

Vygotsky, por outro lado, defende que mesmo a fala mais primitiva da criança é essencialmente social, pois a função principal da fala, tanto nas crianças quanto nos adultos é a comunicação, o contato social. A fala egocêntrica serve de instrumento para que a criança planeje e encontre a solução de um problema ao realizar sozinha certas atividades, tais como

1 Brait (2010) define a interação como “um componente do processo de comunicação, de significação, de construção de sentido e que faz parte de todo ato de linguagem. É um fenômeno sociocultural, com caracterís-ticas linguísticas e discursivas passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas (p.220).

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desenhar, brincar etc. À medida que a criança cresce, essa fala vai sendo internalizada.

Diferentemente de Piaget, Vygotsky entende que a gênese e o de-senvolvimento cognitivo estão diretamente ligados à linguagem e às in-terações sociais. A depender da forma como a fala é utilizada nessas interações com adultos e colegas mais velhos, formam-se novas e mais complexas funções mentais, de modo que, por meio das trocas comuni-cativas, pensamento e linguagem se desenvolvem. A partir do momento em que a criança passa a controlar o ambiente em sua volta e seu pró-prio comportamento, dizemos que as estruturas construídas nesse proces-so sociointeracional foram internalizadas. Esses processos de internaliza-ção são constituídos pela história das relações reais entre a criança e as outras pessoas, dando origem às funções psicológicas superiores, como a consciência, o planejamento etc., de origem sociocultural.

Na perspectiva vygotskiana, portanto, é na interação com o outro que o indivíduo se transforma em ser sociohistórico, num processo em que a cultura é essencial à sua constituição. Nesse sentido, temos uma abordagem sociointeracionista para a qual todo conhecimento se cons-trói socialmente, nas relações com os outros. Nesse processo dialógico, o adulto atua como um regulador das formas culturais de comportamen-to que, ao serem internalizadas, dispensam a mediação. As informações recebidas pela criança, então, são reelaboradas num tipo de linguagem interna, individual, ou seja, a apropriação que ela faz da experiência social parte do social, da interação com outros e, paulatinamente, é in-ternalizada. Sendo assim, as formas historicamente determinadas e so-cialmente organizadas de operar com as informações influenciam o co-nhecimento individual, a consciência de si e do mundo.

Atividade IIIVeja na tirinha abaixo o diálogo entre a mãe e o filho. É possível

relacioná-lo à teoria vygotskiana? Comente.

Fonte: http://www.infoescola.com

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Faraco (2005) aponta a obra do norte-americano George Herbert Mead (1863-1931) como marco dos estudos sobre interação. Mead fazia parte de um movimento chamado de interacionismo simbólico2 que se opunha ao psicologismo individual. Postulava também que o indi-víduo se constituía a partir dos significados construídos nas interações sociais, de modo que ele não poderia ser apreendido apenas por meio da análise de sua interação com um objeto qualquer, como advogava a teoria piagetiana, por exemplo. Sob seu ponto de vista, o self (a subje-tividade) é uma realidade sócio-simbólica, logo não se pode apreender o sujeito a partir dele mesmo, pois sua constituição já seria um efeito da interação. Nesse processo constitutivo do sujeito, reconhecia o papel da linguagem como fundamental, enquanto ação intersubjetiva que, ao ser internalizada, torna-se ação intrasubjetiva. Além disso, o social aqui é essencialmente heterogêneo, cheio de contradições e conflitos, permeado de diferentes valores e atitudes, o que tornaria impossível uma visão determinista, mecânica, sobre os efeitos dos processos inte-racionais.

Também associado a esse movimento, Erving Goffman, linguis-ta norte-americano, voltou-se para as particularidades dos contextos interativos. Viu a necessidade da investigação das interações face-a--face, pois entendia que as estruturas sociais, culturais e políticas da sociedade à qual pertenciam os interlocutores estariam representadas nos encontros sociais, essencialmente interacionais. Ele denominou de territorialidade interacional o espaço ocupado por dois ou mais indiví-duos interagindo, inaugurando uma nova metodologia de análise dos fenômenos sociais, que se voltava para o entendimento do que ocorria nas situações de comunicação, utilizando-se de técnicas etnográficas, isto porque sentia a necessidade não apenas da descrição das culturas, mas também da análise das interações sociais como forma de constru-ção de significados por meio do uso da linguagem.

No final da década de 60, Harold Garfinkel publica a obra Studies in Ethnomethodology (Estudos sobre Etnometodologia), marco de uma nova abordagem da sociologia norte-americana. Se o foco das análi-ses sociológicas, de base marxista, era, até então, o macrossocial, na etnometodologia esse foco se volta para o micro. Interessava a comu-nicação interpessoal e os processos que a caracterizam ou constituem, portanto, o modo como os indivíduos interagem e se comportam em diferentes situações do cotidiano. Para os etnometodólogos, a compre-ensão do mundo social só pode ser apreendida por meio da compreen-são da linguagem usada pelos indivíduos nas suas práticas cotidianas. A tradição dos estudos interacionais no âmbito da etnometodologia e da etnografia da comunicação tem tentado mostrar que não só respon-demos constitutivamente aos contextos imediatos, mas também que as práticas culturais moldam as atividades de interação.

Sob esse aspecto interacionista, o filósofo russo Mikhael Bakhtin (1895-1975) trouxe, definitavemente, uma grande contribuição para a Linguística ao introduzir em seu estudo a ideia da interação socioverbal, segundo a qual o indivíduo deve ser apreendido nas relações sociais concretas. Nessa perspectiva, a linguagem é a expressão e o produto

2 Movimento inaugurado por George Mead, psicólogo norte-americano. Volta-se, em linhas gerais, para a investigação da gêne-se da subjetividade (mais precisamente do self) no processo de interação verbal.

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da interação social e, por meio de uma perspectiva histórica e social, é possível não só apreender a linguagem, mas também a criação ide-ológica e, sendo esta apreensão baseada no critério social, torna-se possível identificar na voz de cada indivíduo a voz do outro.

Vê-se, portanto, que a perspectiva bakhtiniana da linguagem abrange uma dimensão ideológica, cuja realidade é essencialmente dialógica.

É a partir dessa concepção de linguagem, na qual se assume como realidade fundamental o seu caráter dialógico3, que a Bakhtin interes-sam as vozes do discurso e, sendo o discurso sempre social, pois dis-cursa com outros discursos, interessam as vozes com as quais interage o discurso interior, o monólogo, a comunicação diária, os gêneros de discurso, a literatura e demais manifestações culturais, privilegiando-se o “dito” dentro do universo do “já-dito”. Nessa dimensão, as palavras que usamos se baseiam na “palavra do outro”, numa perspectiva ideo-lógica própria e, por este motivo, possui vida, e é sempre uma opinião concreta, uma visão de mundo que se contrapõe a outras. Mais do que os diferentes significados da palavra dicionarizada, importa a sua cir-culação discursiva, o sentido que a palavra enunciada assume em uma determinada situação. A linguagem poderá ser empregada de diver-sos modos, dependente da situação, pois esta determina os diferentes lugares sociais do sujeito e, consequentemente, a própria circulação discursiva. A ideia é a de que não ocorre um processo passivo entre o que se enuncia e o que se compreende.

Portanto, Bakhtin se opõe radicalmente à abordagem estruturalista do fenômeno linguístico. Em sua clássica obra Marxismo e filosofia da linguagem defende que

A verdadeira substância da língua não é constituí-da por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação ou das enunciações. A inte-ração verbal constitui assim a realidade fundamen-tal da língua. (1995, p.123)

Para Bakhtin o individual não pode ser separado do social, como dois pólos opostos, o que ocorre na visão saussuriana da linguagem na medida em que considera a fala como fenômeno individual e o sistema linguístico como fenômeno social, estável e imutável, pré-existente ao falante, a quem não resta outra alternativa a não ser a de reproduzir os seus elementos idênticos a eles mesmos. Na visão saussuriana, os elementos linguísticos são vistos como objetivos, sendo a sentença sua unidade preferida de análise. Na visão bakhtiniana, novos significados são atribuídos aos mesmos elementos linguísticos em diferentes e novos tempos e contextos. Nessa dinâmica da linguagem como fenômeno social, o sujeito se constitui ao ouvir e assimilar as palavras e os discur-sos do outro (sua mãe, seu pai, seus colegas, sua comunidade etc.). As palavras e discursos ao serem processados se tornam, em parte, as palavras do sujeito e, em parte, as palavras do outro.

3 O diálogo no Círculo de Bakhtin não diz respeito aos diálogos no sentido comum do termo, tais como, os diálogos entre os personagens de uma narrativa, a troca de turnos entre participantes nas práticas con-versacionais ou as práticas conversacionais em geral. Mas, sim, o que ocorre no diálogo, as forças que não só atuam nele, mas tam-bém condicionam a forma e as significações do que é dito nele.

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Atividade IVAnalisando o texto abaixo, podemos perceber que apesar de se referir ao mesmo tema, as falas da mãe e do pai, em resposta à solicitação da criança, refletem discursos divergentes. Após a leitura do mesmo, apresente um comentário relacionando a situação ao pensamento bakhtiniano.

Uma questão de genealogia

Uma garotinha pergunta à sua mãe:

“Mamãe, como se criou a raça humana?”

A mãe respondeu:

“Deus criou Adão e Eva e eles tiveram filhos, netos.bisnetos e assim se foi formando a raça humana”.

Dois dias depois, a garotinha faz a mesma pergunta ao pai. O pai respondeu:

“Há muitos anos existiram macacos que foram evoluin-do até chegarem aos seres humanos que vês hoje”.

A garotinha toda confundida foi ter com a mãe e disse-lhe: “Mamãe, como é possível que tu digas que a raça huma-na foi criada por Deus e o papai diga que a raça humana resultou da evolução a partir dos macacos?”

A mãe, depois de pensar um pouco, respondeu:

- “Olha, minha querida filha, é muito simples. Eu falei--te da minha família e o teu pai falou da dele!”

Fonte: http://mais.uol.com.br

Nessa perspectiva dialógica da linguagem, a unidade básica de análise linguística é o enunciado, ou seja, o produto de uma intera-ção entre locutores, e, de maneira mais ampla, o produto de toda conjuntura social complexa na qual ele nasceu. A interação se situa, nessa dimensão, em uma teoria social da enunciação. Nela conside-ra-se que cada enunciado não apenas é dirigido para uma resposta como também é profundamente influenciado pelo enunciado que ele antecipa como resposta. O princípio do dialogismo, nessa perspectiva, postula que todo enunciado é produzido e compreendido no contexto dos enunciados que o precederam e no contexto dos enunciados que o seguirão. Sem dúvida, Bakhtin influenciou decisivamente diferentes domínios e teorias da Linguística. Como bem aponta Morato (2004),

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicológica de interação, Bakhtin vincula as inte-rações verbais às interações sociais mais amplas, relacionando a noção não apenas com as situa-ções face a face, mas às situações enunciativas, aos processos dialógicos, aos gêneros discursivos, a dimensão estilística dos gêneros. Na perspectiva bakhtiniana, a interação verbal é a ‘realidade fun-damental da língua’, e o discurso o modo pelo qual os sujeitos produzem essa interação, um modo de produção social da língua. (p.330)

A partir do momento em que a Linguística introduz de forma defi-

nitiva as dimensões sociais, culturais e contextuais na análise dos fatos da linguagem, as preocupações se voltam para a compreensão não só de fenômenos comunicativos, mas também de padrões normativos próprios às interações.

Se o interacionismo postula que “toda ação humana procede de interação”, subtendemos que toda e qualquer análise linguística que desconsidere ou relegue a um segundo plano os falantes e as ações que exercem com e sobre a linguagem em função de suas intenções, de seus interlocutores e do mundo circundante seria parcial ou incompleta.

O reconhecimento da interação, por ser um objeto de estudo tão variável e multifacetado, colocou também o problema da delimitação da noção para a Linguística. É importante ressaltar que nem sempre as teorias linguísticas querem ou dão conta ou mesmo sejam compatíveis com uma abordagem interacionista da linguagem

Vion (1992 apud MORATO, 2004), chama a atenção para o fato de que mesmo que a definição mais expressiva do termo interação es-teja na sua própria base de forma da palavra: inter (ideia de influência recíproca) e ação (ideia de algo compartilhado de forma reflexiva), esta definição não estabelece diferença entre “trocas conversacionais, tran-sações financeiras, jogos amorosos ou lutas de boxe”, mas não deixa de implicar que “toda empreitada ou ação do sujeito no mundo se inscreve num quadro social, submete-se às regras de gestão histórico--cultural, não é nunca ideologicamente neutra (p. 316).

Logo, uma visão de língua que ultrapassa os limites do código, ao considerar seu aspecto interacional, pragmático e discursivo, centra-se, portanto, sobre as práticas de uso do código linguístico, e não no có-digo em si, em situações reais nas sociedades, nas culturas, em tempos e lugares específicos. Esta concepção de linguagem como interação subsidiará o nosso trabalho nas próximas unidades.

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Leitura recomendadaPara saber mais Etnometodologia, sugerimos a leitura do artigo A

etnometodologia e a análise da conversação e da fala disponível no site www.emtese.ufsc.br .

ResumoNessa unidade, vimos que a língua não é um mero produto social

à disposição do falante. Deve-se considerar que há um sujeito ativo que age com e sobre a linguagem e um interlocutor que responde ativamente. É com base nesses princípios que surge o interacionismo como uma alternativa para o impasse clássico da Linguística entre in-ternalismo x externalismo. Até então a linguagem era vista de forma estrutural, não se consideravam as condições intra e extralinguísticas de uma produção e recepção. A partir do século XX, Piaget (1896-1980) e Vygotsky (1896-1934) iniciaram as reflexões sobre o lugar da interação da criança com o meio circundante no desenvolvimento da linguagem. Vimos também as contribuições de Mead e Goffman dentro de uma corrente chamada de interacionismo simbólico que, opondo-se ao psi-cologismo individual, postulava que o indivíduo se constituía a partir dos significados construídos nas interações sociais. Para os etnometo-dólogos, a compreensão do mundo social só pode ser apreendida por meio da compreensão da linguagem usada pelos indivíduos nas suas práticas cotidianas de interação face-a-face. Por fim, Mikhael Bakhtin (1895-1975) trouxe, definitivamente, uma grande contribuição para a Linguística ao introduzir em seu estudo a ideia da interação socioverbal, segundo a qual o indivíduo deve ser apreendido nas relações sociais concretas, cuja realidade é essencialmente dialógica.

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AutoavaliaçãoVimos até agora alguns autores que contribuíram para a forma de

pensar o objeto da linguística. Para verificar como você compreendeu as informações aqui apresentadas, reflita sobre a questão a seguir: de que forma os estudos citados contribuíram para uma nova visão da relação en-tre linguagem e interação. Tente elaborar uma síntese.

Construa o seu glossário!Alguns termos apareceram ao longo dessa unidade e certamente

vão continuar a aparecer ao longo do nosso curso. Alguns podem ter sido novos para você ou mesmo se repetem no texto por marcarem uma mudança de paradigma nos estudos linguísticos. Procure pesqui-sar em fontes especializadas uma definição para esses termos e cons-trua o seu glossário.

Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hicitec, 1995.

BENTES, A. C. (orgs.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

BRAIT, B. O Processo Interacional. In.: PRETI, D. (org.) Análise de textos orais. 7.ed. São Paulo: Humanitas, 2012.

FARACO, C. A. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Disponível em: http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas, acesso em 19 de agosto de 2011.

MORATO, E. M. O interacionismo no campo linguístico. In.: MUSSALIM F.;

VOLOSHINOV, V. N.(BAKHTIN, M.). Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995. (Data do original:1929)

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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II UNIDADE

A Interação Verbal na perspectiva de Jakobson, Benveniste e Goffman

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ApresentaçãoNa aula passada vimos que foi Bakhtin o pioneiro a con-

ceber a interação verbal como “a realidade fundamental da linguagem”. A partir do momento em que as reflexões lin-guísticas abrem espaço para a especificidade do texto oral nas interações face-a-face, diferentes áreas do conhecimen-to empreenderam seus esforços na tentativa de compreen-der essa especificidade e tomar a interação como objeto de estudo. Nesta unidade, conheceremos alguns desses estu-dos que contribuíram para uma perspectiva interacional da linguagem.

Desejamos que você realize um bom estudo do conte-údo, procurando sempre esclarecer as dúvidas, questionar sobre o tema e discutir com os colegas sobre as teorias apre-sentadas, pois a interação é importante na construção do conhecimento.

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Objetivos

Ao final desta unidade esperamos que você seja capaz de:

• Associar as concepções de linguagem ao fenômeno da interação e suas contribuições para o ensino de língua;

• Apontar as características que diferenciam a interação em cada uma das abordagens apresentadas.

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Antes de iniciar nossa conversa...

Reflita sobre as situações do seu dia-a-dia em que você utiliza a linguagem, seja para falar ou para escrever. Suas intenções são sempre as mesmas? Em que elas diferiram? Comente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

O que provavelmente você percebeu, foi observado por alguns linguistas, dentre eles Roman Jakobson, para quem a linguagem não tinha como única função transmitir informa-ções. Por isso, trataremos a seguir da teoria da comunicação desenvolvida por ele e que foi utilizada em diversos livros didáticos durante muitos anos.

Linguagem e comunicação: contribuições de Roman Jakobson

O linguista Roman Jakobson considera a noção de comunicação como um papel central na relação entre a linguagem e o contexto social, bem como o sujeito e o uso que este faz da linguagem. A sua teoria das funções da linguagem supõe um sujeito capaz de falar e de ter diferentes atitudes, enraizadas na vida social, em relação ao que diz.

Preocupou-se com a seguinte questão: qual a função ou as fun-ções da linguagem? Se respondermos que é transmitir informações, esta visão parece insuficiente ou mesmo ingênua. Basta pensarmos em situações do nosso cotidiano para verificarmos que isso nem sempre

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acontece. Imagine o diálogo entre duas pessoas que estão se arruman-do para sair. Uma delas termina de se arrumar primeiro e fica esperan-do a outra. Ao olhar pela janela, diz “Vai chover!”. A outra responde “Estou quase pronta!”. Podemos dizer que nessa situação a primeira pessoa queria mesmo informar sobre a chuva que se aproximava ou apressar a outra que ainda não se aprontara? E a segunda pessoa ao responder quis apenas informar que estava quase pronta ou que a outra pessoa esperasse mais um pouco? Estas seriam apenas algumas das possibilidades.

A proposta de Jakobson é a de que a linguagem deve ser vista a partir do processo comunicativo amplo e, consequentemente, de seus aspectos funcionais. Considerou que, além do envio da mensagem de um remetente a um destinatário, outras condições são necessárias para a eficiência da mensagem: um contexto reconhecível pelo destinatário, de modo que a interpretação adequada de uma frase não depende apenas do que ela transmite, mas pode depender de frases ditas antes (contexto linguístico) ou de dados referentes à situação de comunicação ou mesmo da relação social entre os interlocutores (contexto extralin-erlocutores (contexto extralin-guístico); um código que seja conhecido pelo remetente e destinatário; e um contato ou canal físico e uma conexão psicológica que permita a troca de informações, já que a atividade de compreensão é essencial-mente cooperativa.

Foi a partir desses elementos que ele determinou seis funções da lin-guagem, a saber: função referencial (transmitir conhecimentos referen-tes a pessoas, objetos ou acontecimentos); função emotiva (exteriorizar a emoção do remetente em relação ao que ele fala); função conativa (influenciar o comportamento do destinatário, persuadi-lo); função fáti-ca (iniciar, prolongar ou encerrar um ato de comunicação); função me-talinguística (usar a linguagem para se referir à própria linguagem); e função poética (projetar o eixo da seleção sobre o eixo da combinação para produzir determinados efeitos).

Apesar de ter sido considerado um avanço para os estudos linguís-ticos, no sentido de conceber a dimensão comunicativa, o quadro de funções da linguagem proposto por ele trouxe consequências para o tratamento da linguagem como forma de comunicação e expressão. A sua inserção no ensino, por exemplo, acarretou certo equívoco ao tratar desses elementos constituintes da situação de comunicação, pois eram considerados como entidades ideais, fora de contextos reais de interação, prontas para cumprir seu papel, sem maiores problemas que pudessem afetar as condições de comunicação.

Podemos dizer que, embora o tratamento do fenômeno linguístico tenha sido alargado, os materiais didáticos destinados ao ensino de língua portuguesa restringiram a concepção de língua a um código, instrumento de comunicação, e aos seis constituintes envolvidos na co-municação. Acabou por dar um tratamento estrutural e desvinculado dos aspectos interacionais da língua, não superando, portanto, a con-cepção estruturalista.

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Apesar disso, a teoria da comunicação proposta por Roman Jakob-son não deixa de ser importante ao privilegiar o processo comunicativo e os aspectos funcionais da linguagem, pois inclui a atividade da fala. Ele descartou a homogeneidade do código linguístico, tão defendida na linguística de Saussure, pois entendia que a participação do sujeito falante em diferentes comunidades linguísticas implicava a escolha livre sobre o código, o que determinava “uma hierarquia de subcódigos”, conforme a mensagem, o interlocutor ao qual se dirige e a relação entre os sujeitos envolvidos na situação comunicativa, supondo, por-tanto, um sujeito capaz de falar e de ter diferentes atitudes em relação à linguagem.

Uma das críticas recebidas pelo modelo de comunicação de Jako-bson decorre do fato de não só simplificar a comunicação verbal a um processo mecânico, mas também de não se prestar à explicação de todos os tipos de comunicação, além disso, por não tratar da recipro-cidade característica da comunicação verbal.

Linguagem e (inter)subjetividade: contribuições de Émile Benveniste

Como reação ao modelo de comunicação em “mão única”, ou seja, do destinatário ao receptor, a partir da década de 50, diversos es-tudos propõem a comunicação verbal como um sistema essencialmen-te interacional, em que se consideram não apenas os efeitos sobre o receptor, como também os efeitos que a reação do receptor produzem sobre o emissor. Considera-se, então, a questão da reciprocidade, re-legada na teoria de Jakobson, ou da reversibilidade da comunicação.

E. Benveniste (1966) defendia que a língua serve de instrumento de análise da sociedade, aquela é o interpretante desta, logo a linguagem não pode ser concebida separada do homem, como um mero instru-mento de comunicação, porque é o lugar onde ele se constitui, “falan-do com outro homem”, ao assumir o status de sujeito.

Dentre os estudos de Benveniste sobre linguagem e sentido, a ques-tão da subjetividade foi fundamental para a linguística moderna. Para ele o homem se constitui na e pela linguagem por meio de algumas for-mas materializadas nos enunciados falados ou escritos. A partir delas é possível percebermos a subjetividade, momento em que o indivíduo se transforma em sujeito ao fazer uso da língua. Para entendermos como isso se dá, retomemos a discussão sobre a categoria de pessoa e sobre a questão da (inter) subjetividade desenvolvida por ele.

O autor estabelece a diferença entre a pessoa e não-pessoa, a partir da distinção entre as duas primeiras pessoas (eu e tu) da terceira

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(ele). Para ele, a presença/ausência do traço de pessoalidade não é suficiente para a definição da categoria de pessoa. É preciso considerá--la em termos de subjetividade. O par eu/tu ao ser assumido por um falante e por se definir na própria instância do discurso pertence ao nível pragmático da linguagem, logo sua tomada representa a (inter)subjetividade, única, móvel e reversível, enquanto o ele (a não-pessoa) pertence ao nível sintático, onde tem sua função de se combinar com a referência objetiva, independentemente da instância enunciativa que a contém. O ele não participa da enunciação como sujeito (locutor ou alocutário), entretanto, podemos dizer que está submetido à perspecti-va do eu, afinal, por meio da linguagem a relação com o mundo não deixa de ser mediada pelo eu.

Nessa perspectiva, tem-se o fundamento linguístico da subjetivida-de e da intersubjetividade, sendo esta condição da outra, em outras palavras, pensamos em subjetividade porque existe intersubjetividade. Para se colocar como sujeito na linguagem, o “eu” tem de estar cons-tituído pelo “tu”. A teoria da enunciação de Benveniste, portanto, se volta para a representação linguística que a enunciação oferece do sujeito. Isto quer dizer que a linguística da enunciação pressupõe a linguística das formas.

Ao se apropriar da língua, o falante passa de locutor a sujeito. Nes-sa perspectiva, a subjetividade se fundamenta pela categoria de pessoa mediante determinadas formas, como o pronome “eu”, por exemplo. A intersubjetividade, por sua vez, se fundamenta no pressuposto de que “Eu não emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu”. Em outras palavras, não há o eu sem o tu.

Para entendermos melhor como isso acontece, leia o texto abaixo:

A cada eleição que passa fica mais claro que o povo brasileiro não tem a menor consciência da importância do seu voto. Deixa passar a oportunidade de retirar de cena políticos desonestos, envolvidos em escândalos, que procuram beneficiar aos seus e a si próprios. E, o pior de tudo, achando que com voto de protesto (no caso da absurda eleição do “palhaço Tiri-rica”) alguma coisa vai melhorar. Como ficamos nós, os hones-tos, que conseguimos nossos bens a duras penas, com salários ínfimos, à mercê dos seus desmandos? Realmente, este não é um país sério!

Soraya Abreu Kretzchmar

Curitiba, PR(Revista Veja, ed. 2199, ano 44, n. 2, 12 jan. 2011, p.35)

O texto é uma carta do leitor, gênero textual em que o leitor ex-pressa opinião favorável ou não a determinado assunto veiculado pela revista. O assunto em questão diz respeito ao aumento dos salários dos

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parlamentares concedidos por eles mesmos que, na época, estava não só em evidência, como também provocou bastante polêmica.

Um estudo enunciativo do texto em questão leva-nos a anali-sar o uso das formas gramaticais, sintáticas e lexicais, por exemplo, a partir da instância enunciativa em que ele foi produzido. Isso significa considerarmos a situação comunicativa, portanto, os protagonistas do discurso (a intersubjetividade), a intenção do locutor, o tempo e o espa-ço da enunciação, elementos que, em parte, agenciam as escolhas lin-guísticas do enunciador e produzem os efeitos de sentido pretendidos, pois para Benveniste forma e sentido convivem no uso da língua e não fora dele.

Inicialmente observamos que, mesmo em se tratando de uma carta do leitor, não há um tu especificado, entretanto, é agenciado no discurso por meio do uso da 1ª pessoa do plural nas formas verbais “ficamos” e “conseguimos” e nas formas pronominais “nós”, “nossos” instaurando não só eu (locutor) e o tu (interlocutor), mas os brasilei-ros eleitores (intersubjetividade). Os tempos verbais usados marcam a perspectiva do enunciador em relação ao fato enunciado. O presente em “fica”, “tem”, “deixa”, “procuram”, “ficamos”, “conseguimos”, “é” remetem para situações simultâneas ao momento da enunciação. A ex-pressão “A cada eleição que passa” também ajuda a situar o interlocu-tor em relação ao tempo da enunciação, no caso a um tempo anterior, mais próximo ou mais distante da enunciação, em função da periodici-dade de eleições no país. Outra marca da presença do enunciador é o uso do advérbio “realmente”, indicando que o locutor não tem dúvida de que o país não é sério.

A intenção do locutor é claramente a de conseguir a adesão do alocutário, quer levá-lo a também se indignar com a falta de consciên-cia dos eleitores no momento de votar e, portanto, aderir à sua tese de que o voto não tem sido utilizado como um instrumento efetivo de com-bate à corrupção. Um dos recursos utilizados para isso aparece sob a forma de pergunta, cujo objetivo é o de mobilizar o interlocutor a dar respostas, mas ao mesmo tempo aponta para afirmações do locutor. Na verdade, é uma pergunta retórica que conduz a afirmação do tipo: a população honesta fica injustiçada perante a eleição de políticos que só visam se beneficiar.

Outros pontos poderiam ser analisados, entretanto, não é nosso objetivo uma análise exaustiva das marcas enunciativas do texto em questão. Pretendemos apenas mostrar, de forma breve, como a enun-ciação pode ser representada linguisticamente, uma análise que vai além de uma perspectiva meramente formal da língua.

Agora é com você!

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Atividade IPor que o enunciador decidiu utilizar os adjetivos “absurda” e “ínfimos” na carta do leitor apresentada? Que efeitos de sentido o locutor pretendeu provocar sobre seu interlocutor? Comente.

Podemos dizer que o uso das aspas na expressão “palhaço Tiririca” também marca a subjetividade do discurso? Reflita e comente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Benveniste afirma que a enunciação é colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização. Por isso que determinadas formas linguísticas da enunciação marcam a relação do locutor com a língua individualmente. No momento em que enuncia, o locutor trans-forma a língua em discurso e, por meio dele, estabelece relação com o outro e com o mundo.

Na teoria benvenistiana, ao fazer uso dos recursos do sistema for-mal da língua, o enunciador deixa suas marcas, seu ponto de vista, no discurso e, sendo este uso instanciado discursivamente, é único, irrepe-tível, logo, não se pode negar a singularidade do sujeito, nem a rela-ção (inter)subjetiva, mesmo que não seja marcada formalmente, aliás vale salientar que o interlocutor com quem se dialoga pode ser real ou imaginário, individual ou coletivo. Como bem colocam Teixeira e Flores (2005) sobre a concepção de sujeito em Benveniste, “não subjaz à lin-guística de Benveniste uma concepção idealista de sujeito porque a sua teoria da enunciação não fala do sujeito em si, mas da representação linguística que a enunciação oferece dele” (p.35).

Resumidamente, as ideias de Benveniste sobre as noções de lín-gua e de linguagem são concebidas fundamentalmente em função da subjetividade, cujo valor só é percebido nas relações dialógicas, (inter)subjetivas. Sendo assim, os sentidos só podem ser construídos interati-vamente no discurso por meio do uso da língua.

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Atividade IIImagine que o texto abaixo será utilizado em sala de aula.

Fonte: http://robertodearaujocorreia.blogspot.com

a. Que tratamento o professor de língua dará ao estudo do texto considerando as idéias de Jakobson?

b. Considerando esse mesmo texto, como seria o seu estudo com base na teoria da intersubjetividade de Benveniste?

c. Quais seriam os reflexos dessas posturas na relação do profes-sor com o objeto de ensino-aprendizagem de língua materna?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Linguagem e interação: contribuições de Erwing Goffman

E. Goffman, na linha da etnografia da fala, desenvolveu estudos em torno do comportamento verbal e da interação. Suas contribuições resultaram no advento da teoria da polidez, iniciada por Brown e Le-vinson (1987), e da Análise da Conversação (Sacks e Schegloff) que, enquanto campos da pragmática1, estudam o significado em situações de interação.

Antes de continuar nossa conversa...Reflita um pouco sobre as questões abaixo. O que você pode dizer

sobre elas?

• As pessoas, ao se relacionarem entre si, cooperam uma com as outras?

• Essa relação é conflituosa ou solidária?

• Que tipos de comportamentos regulam a interação humana?

• Existem regras ou princípios subjacentes a esses comportamen-tos? Quais?

• O que as pessoas realmente fazem ao interagir?

Continuando nossa conversa...Questões como estas foram examinadas por Goffman, em meados

da década de 50, cujo objetivo era o de descrever e analisar os pro-cedimentos de preservação da face (a autoimagem pública dos indiví-duos) na interação verbal. O autor entendia que nessa interação são desenvolvidas estratégias, a princípio, universais (embora variem de língua para língua e de cultura para cultura), que visam à ameaça da face do outro ou a sua preservação. Sendo um estudo de natureza so-ciológica, buscava-se a depreensão dos elementos rituais na interação.

Para os estudiosos da polidez, há uma tendência das pessoas em cooperar entre si para manter a face na interação, como forma de as-segurar a autoimagem de todos os participantes, é o que conhecemos hoje por princípio da polidez (Brown e Levison). Esse princípio daria conta das relações sociais estabelecidas e de sua organização.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

1 Em linhas gerais, é a teoria da dimensão social do uso linguístico. Seu ponto de partida foram os trabalhos dos filósofos da linguagem, particularmente John Austin e Paul Grice. De acordo com Barbara �ee-Grice. De acordo com Barbara �ee-dwood (2002), compartilha com a Análise da Conversação várias das noções filosófi-cas e linguísticas que foram desenvolvidas para lidar com o exame das interações ver-bais.

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Vejamos um exemplo de polidez na atenuação do discurso em que se percebe uma gradação no grau de preservação da face na sequên-cia abaixo:

a. Cale a boca agora!

b. Cale a boca, por favor!

c. Você poderia se calar, por favor?

d. Será que você poderia se calar, por favor?

Atividade IIICompare os itens de (a) a (d) e responda:

1. O que torna (b) uma forma mais atenuada do que (a)?

2. Que elemento de modalização torna (c) mais atenuada do que (b)?

3. Qual a forma em que há maior preservação da imagem pública ou da face do destinatário? Quais elementos justificam sua resposta?

Goffman e outros entendiam que por meio de uma conduta de polidez, há sempre um esforço por parte das pessoas em preservar a face, procedimento que se torna condição de interação. Sendo assim, evitam-se as ameaças à face e mesmo que venham a ocorrer são con-tornadas para que os objetivos interacionais sejam atingidos.

Na elaboração da face há uma orientação dupla: tanto se quer preservar a própria face, numa perspectiva defensiva, quanto se quer salvaguardar a face do outro por meio do respeito, da cortesia, da po-lidez, uma preservação implica a outra. E mesmo que esta preservação seja ameaçada, busca-se atenuá-la por meio de rodeios, de pedidos de desculpa, até recuperar a preservação antes ameaçada.

É interessante observar que, para Goffman, por mais pessoal que seja a face de um indivíduo, ela sempre estará associada às regras e convenções sociais. Um exemplo disso são os pedidos: “Você poderia me dar uma informação?” ou “Por favor, onde fica o ponto de ônibus mais próximo?”. Fazer um pedido a alguém implica ameaça a face por-que ocorre uma invasão da privacidade da pessoa, por isso os pedidos são feitos de forma atenuadora do grau de ameaça à face do outro.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Atividade IV Talvez você já tenha passado por uma situação que remete ao

que foi colocado anteriormente. Por acaso já precisou de um favor de alguém com quem há muito tempo você não entrava em contato ou com alguém que você não conhece? Como procedeu?

Veja a situação a seguir e analise-a considerando as marcas de preservação das faces na fala dos interlocutores.

Alta Velocidade

Já fazia um tempo que o policial estava de olho naque-le motorista apressadinho. Ele pensou:

“Amanhã esse cara não vai me escapar. Vou pará-lo e lhe darei uma multa daquelas bem salgadas. O engraça-dinho não perde por esperar”.

No dia seguinte o policial fez o sinal para que o mo-torista infrator parasse. O motorista atendeu prontamente e parou o veículo. Sem perder tempo o policial foi logo dizendo:

- hãm!...hãm! Até que enfim nos encontramos heim! Por acaso o senhor sabia que já faz alguns dias que eu estava a sua espera.

- Seu policial! Sinceramente, sinto muito! Eu juro que eu só fiquei sabendo disso há alguns minutos atrás e, como o senhor mesmo viu, eu vim o mais rápido que pude...

Edilson Rodrigues SilvaFonte: http://recantodacronica.blogspot.com

a. Quais são as faces dos interlocutores nessa situação? Eles seguem as convenções sociais, as regras que determinam suas faces nessa situação específica?

b. Para os estudos da polidez, os interlocutores tentam preservar a face nas situações de interação, numa relação de cooperação. Na sua opinião, os interlocutores cooperam em preservar as faces? Explique.

c. Quais são as marcas linguísticas utilizadas pelos interlocutores para a preservação da imagem pública? E quais elementos são utilizados de forma atenuada para atingir os objetivos dos interlocutores?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ResumoNessa aula vimos que a proposta de Jakobson é a de ver a lingua-

gem a partir do processo comunicativo amplo e, consequentemente, de seus aspectos funcionais. Entretanto, a teoria da comunicação proposta por ele acabou recebendo um tratamento estrutural e desvinculado dos aspectos interacionais da língua, não superando, portanto, a concep-ção estruturalista. Benveniste vai além ao entender que a língua serve de instrumento de análise da sociedade, e por esse motivo não pode ser concebida separada do homem, como um mero instrumento de comunicação, porque é o lugar onde ele se constitui, “falando com outro homem”, ao assumir o status de sujeito. Para esse autor, o homem se constitui na e pela linguagem por meio de algumas formas materiali-zadas nos enunciados falados ou escritos. Tem-se, assim, o fundamento linguístico da subjetividade e da intersubjetividade. Por sua vez, E. Go-ffman, na linha da etnografia da fala, desenvolveu estudos em torno do comportamento verbal e da interação. Suas contribuições resultaram no advento da teoria da polidez e da Análise da Conversação, que estudam o significado em situações de interação. Tendo como um dos objetivos descrever e analisar os procedimentos de preservação da face na interação verbal. Goffman e outros entendiam que por meio de uma conduta de polidez, há sempre um esforço por parte das pessoas em preservar a face, procedimento que se torna condição de interação.

AutoavaliaçãoEmbora os três autores aqui citados (Jakobson, Benveniste e Goff-

man) façam menção à interação verbal, cada um apresenta uma visão diferente para este fenômeno. Discorra sobre as principais ideias apre-sentadas por cada um deles.

Construa seu glossário!locutoralocutário sujeito enunciador polidez

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ReferênciasBARROS, D. L. P. de. A comunicação humana. In.: FIORIN, J. L. (org.). Introdução à linguistica: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral. 5. ed. São Paulo: Pontes, 2008.

JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. 22. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.

WILSON, V. Motivações pragmáticas. In.: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de linguistica. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

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III UNIDADE

Bakhtin e suas contribuições para a compreensão da relação linguagem e interação

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ApresentaçãoNesta aula, conheceremos um pouco melhor o pensamento bakhti-

niano, que tanto influenciou (e tem influenciado) as reflexões sobre o fe-nômeno linguístico. Ele é considerado pioneiro ao tratar dos estudos da interação ou do diálogo entre interlocutores. Dentro de uma perspecti-va sócio-histórico-discursiva, Mikhael Bakhtin, filósofo russo, entendia que, ao usar a linguagem, a sociedade estratificada deixa suas marcas de visão de mundo, de seus valores e de suas crenças, ou seja, de sua ideologia. Logo, é por meio das interações verbais que constituímos a linguagem e somos constituídos por ela.

Antes de começarmos, convidamos você a continuar sempre atento às leituras e dedicando-se aos estudos, pois assim estaremos interagin-do em busca de uma aprendizagem eficaz na formação de um docente competente.

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Objetivos

Ao final desta unidade esperamos que você seja capaz de:

• Apreender os princípios fundamentais da teoria bakhtiniana para a compreensão do fenômeno da linguagem;

• Aplicar esses princípios a situações práticas do cotidiano e do universo escolar.

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Iniciando nossa conversa...Bakhtin considerou que uma abordagem linguística que conceba o

enunciado como fenômeno exclusivamente da língua, ou como algo pu-ramente verbal, é insuficiente. De antemão, defendia a esfera social como determinante para os fatos linguísticos. Logo, procurou responder o que é a linguagem? ou o que é a palavra?. Para desenvolver seus conceitos fun-damentais, Bakhtin e Volochinov (1929), em sua clássica obra Marxismo e filosofia da linguagem, parte da crítica a duas linhas teóricas vigentes na linguística e na filosofia da linguagem de sua época: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. Vejamos do que se trata cada uma delas.

No primeiro caso, o fenômeno linguístico é visto como ato signifi-cativo de criação individual. Logo, o ato de fala individual é o funda-mento da língua. As mesmas leis que regem a criação da língua regem a psicologia individual. São essas leis o objeto de estudo do linguísta e do filósofo da linguagem. Busca-se explicá-las, descrevê-las, classificá--las, construí-las. Subjacente a esta perspectiva está a concepção de língua como um instrumento pronto para ser usado pelos indivíduos na forma de atos individuais de fala. Bakhtin percebia que fatores físicos, políticos e econômicos determinam os fatos da língua, mas para os linguístas da época isso tinha pouca ou nenhuma importância.

Quanto ao segundo caso, a crítica recai principalmente sobre a dicotomia fala x escrita preconizada na época que separa a língua (as-pecto social) da fala (aspecto individual). As leis (ou regras) que regem o sistema linguístico nada têm a ver com a realização individual da fala. Por isso, o objeto de interesse dos estudos linguístico é a língua (sistema estruturado), enquanto objeto externo ao indivíduo, já a fala por ser individual não poderia sê-lo. Daí a ênfase sobre as formas fonéticas, gramaticais e lexicais e seus traços idênticos, normativos para todas as enunciações. Entendia-se esta identidade como garantia da compre-ensão da língua por todos os usuários de uma mesma comunidade linguística. Estes, por sua vez, não poderiam modificá-la em função do seu caráter “indestrutível” e “peremptório”, mas apenas aceitá-la como tal. Afinal, sendo a língua um produto social coletivo é independente de todo ato criador ou criativo do indivíduo. Portanto, prioriza-se seu as-pecto normativo e, sendo assim, a norma escolhida serve de “espelho” para as correções linguísticas.

Atividade IDiante dessas duas vertentes de abordagem do fenômeno linguístico e antes de seguirmos com nossa exposição, pense um pouco e expresse sua opinião sobre a seguinte questão: a verdadeira essência da língua estaria no ato individual da fala (a enunciação) ou no sistema da língua? Comente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Bakhtin e a linguagem Para Bakhtin a linguagem não se apresenta como sistema, mas

como atividade. No momento em que o locutor faz uso da língua para suas necessidades enunciativas concretas, a forma da língua não é o mais importante, mesmo porque esta é sempre idêntica para os falan-tes de uma mesma comunidade linguística, independente do contexto. O que importa é o que essa forma significa em determinado contexto, ou seja, “um signo adequado às condições de uma situação concreta dada”, portanto, sempre variável e flexível (p.93). Bakhtin diz que quan-do materializamos a palavra não é o som, aspecto físico, a sua matéria, o que importa, mas o que ela significa ao ser materializada nas rela-ções sociais concretas. Afirma ele que “o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto” (p. 92).

Atividade IIRetome as ideias de Bakhtin apresentadas até aqui e mostre de que

forma a expressão “Vocês vão ter que me engolir!” pode ser relaciona-da a elas nas situações apresentadas abaixo.

Contextualização: Na Copa América de 1997, na goleada por 7 a 0 do Brasil sobre o Peru, Zagallo, o então técnico da seleção brasileira proferiu uma frase que se tornou conhecida no país inteiro: “Vocês vão ter que me engolir!” em resposta a sua não aceitação como técnico declarada pela torcida.

Essa mesma frase foi repetida em outros contextos por diferen-tes locutores e para diferentes interlocutores:

Situação 1

Fonte: http://jornaldaparaiba.globo.com/charges.php?pag=24

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Situação 2

Deputado mais votado no Brasil, Tiririca manda recado pelo twitter: “Vocês vão ter que me engolir”

Fonte: http://www.pop.com.br/popnews/noticias/politica

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Para Bakhtin, a palavra só existe em função do outro, ela é a “ponte” que liga os interlocutores pelo fato de não só proceder de, bem como se dirigir a alguém. Portanto, a palavra é produto da interação verbal entre locutor e interlocutor, organizados socialmente, de tal modo que a enunciação tomará forma em função dessa organização, dos papéis sociais assumidos pelos sujeitos interactantes e da própria situação so-cial mais imediata numa situação concreta de comunicação. A intera-ção verbal, enquanto fenômeno social, “é a realidade fundamental da língua”.

Ao ser enunciada a palavra exerce um efeito reversivo sobre a ati-vidade mental, esta é organizada por aquela e não vice-versa. Sendo assim, podemos dizer que é na interação que a consciência individual se constrói, tendo o “mundo da cultura” primazia sobre a consciência individual. Esta é constituída dialogicamente e se manifesta semiotica-mente, produzindo texto, num duplo movimento no contexto da dinâ-mica histórica da comunicação: “como réplica ao já dito e também sob o condicionamento da réplica ainda não dita, mas já solicitada e prevista, já que Bakhtin entende o universo da cultura como um grande e infinito diálogo” (FARACO, 2005, p.42). Ao enunciarmos, responde-mos ao já dito e ao mesmo tempo provocamos as mais diversas res-postas: adesões, recusas, críticas, ironias etc. Ou seja, é na prática real e concreta das interações verbais que falante e ouvinte formam a sua consciência linguística, entretanto a interação com a linguagem não se dá como se esta fosse meramente um sistema abstrato de formas e normas à sua disposição, porque

[...] não são palavras o que pronunciamos ou es-cutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou de-sagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN, 1995, p.95)

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Nesse sentido, Bakhtin diz que “mesmo os gritos de um recém--nascido são orientados para mãe” (p.114). Essa ação, orientada so-cialmente, do bebê corresponde à ideia de que desde sua origem a nossa atividade mental tende para a expressão e, a partir do momento em que a expressamos, o efeito é “reversivo”, ou seja, a expressão passa a estruturar a atividade mental, “a vida interior, a dar-lhe uma expressão ainda mais definida e mais estável” (p.118).

E, sendo assim, diante de um texto produzimos outro(s) texto(s), pois a atividade de compreensão não é passiva, mas, sobretudo, dialógica, ativa e responsiva. Isto porque os textos (conjuntos de signos verbais ou não) são a expressão de um sujeito social e historicamente situado, que tem uma visão de mundo, um universo de valores com o qual intera-ge. Daí os significados construídos terem uma dimensão plural, efeitos da interação onde atuam conjuntamente cosmovisões e orientações axiológicas dos sujeitos envolvidos. “De fato, a forma linguística, como acabamos de mostrar, sempre se apresenta aos locutores no contexto de enunciações precisas, o que implica sempre u m contexto ideológico preciso” (BAKHTIN, 1995, p. 95).

Isto porque são os contextos que determinam o sentido da palavra, mas nem sempre são convergentes, ao contrário, uma mesma palavra pode figurar em contextos mutuamente divergentes, de modo que toda efetivação de uma enunciação aponta sempre, com maior ou menor força, acordo ou desacordo em relação a alguma coisa, numa “situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto”. Ao adquirir a língua, o indivíduo não a recebe como um “pacote” a ser usado, mas “é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência”, em um processo de integração progressiva na comunicação verbal (p.108).

Atividade IIILeia a tirinha a seguir e analise, de acordo com o pensamento de Bakhtin, os diferentes significados da palavra “campo”, considerando a concepção sócio-histórico-discursiva da interação verbal.

Fonte: http://omaravilhosomundodaleitura.blogspot.com/2010/12/tirinhas-mafalda.html

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Continuando nossa conversa...Consequentemente, a atividade de compreensão consiste em en-

tender sua significação (da forma) num contexto concreto e não sim-plesmente reconhecê-la como tal. Em contrapartida, o receptor tam-bém reconhece a forma linguística como um signo flexível e variável (BAKHTIN, p.93). Portanto, locutor e receptor se empenham num pro-cesso de comunicação verbal, caracterizado por uma compreensão ativa.

Nesse processo de compreensão os interlocutores sempre têm uma atitude valorativa, responsiva em relação a determinado estado de coi-sas, a uma situação concreta e, sendo concretamente situado, todo e qualquer enunciado é um ato singular, irrepetível. Ou seja, a forma como nos posicionamos no mundo se dá em relação a valores. Esse posicionamento avaliativo é materializado na entonação, na palavra realmente pronunciada:

[...] eis por que a palavra não apenas designa um objeto como uma entidade pronta, mas também expressa por sua entonação minha atitude valora-tiva em relação ao objeto, em relação àquilo que é desejável ou indesejável nele, e, desse modo, movimenta-o em direção do que ainda está por ser determinado nele, transforma-o num mo-mento constituinte do evento vivo, em processo. (BAKHTIN, p. 32-33)

Além de expressar o meu posicionamento em relação ao mundo circundante, a palavra quando pronunciada se dirige a um interlocutor, mesmo que este não esteja presente. É em função desse interlocutor que nos situamos e adequamos o uso da palavra, por isso seu uso varia conforme a pessoa com a qual se interaja, seja ou não do mesmo gru-po social ou familiar, do mesmo nível socioeconômico ou não, como bem descreve Bakhtin:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da inte-ração do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu inter-locutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. (p.113)

Portanto, uma contribuição decisiva de Bakhtin para os estudos lin-guísticos é a de que as interações verbais concretas, de qualquer tipo, não podem ser compreendidas e explicadas fora da situação concreta

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de sua realização. Em suas palavras, “a língua vive e evolui historica-mente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abs-trato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes” (p.124).

Se a linguagem é concebida como fenômeno social, o sujeito se constrói por meio dela ao ouvir e assimilar as palavras e os discur-sos do outro do seu convívio social. Esse é o princípio chamado de dialogismo que postula que todo enunciado é produzido e compreen-dido no contexto dos enunciados que o precederam e no contexto dos enunciados que o seguirão, ou seja, cada enunciado ou palavra é uma resposta a uma enunciação anterior e, ao mesmo tempo, espera uma resposta. Essas palavras e discursos, ao serem processados, tornam--se, em parte, do sujeito e, em parte, do outro. Logo, todo discurso, segundo Bakhtin, constitui-se nessa fronteira entre o que é seu e o que é do outro, sendo o sujeito constituído hibridamente pelos discursos que o circundam, sendo essa constituição uma arena de conflitos e de confrontação dos vários discursos.

Nessa arena de conflitos, em que figura a linguagem, a ques-tão do poder está também imbricada e, assim como acontece com o sujeito, acontece na comunidade. Nela os discursos são concorrentes, conflitantes, ao que Bakhtin chama de polifonia ou heteroglossia. Ou seja, cada língua, assim como cada indivíduo, é formada por varian-tes conflitantes, sejam elas sociais, geográficas, temporais, profissionais etc., sujeitas à questão do poder. Essa constituição se dá em determina-do momento de sua história em que essas variantes são estratificadas vertical e hierarquicamente. Logo o conceito de poder é relativizado.

Atividade IVApós essa exposição, tente explicar, com suas palavras, porque o

pensamento bakhtiniano se opõe visivelmente ao subjetivismo idealista e ao objetivismo abstrato.

Aproveite e reveja a sua resposta para a questão colocada na ati-vidade 1 desta unidade. Como você se posiciona agora em relação à essência da língua? dica. utilize o bloco

de anotações para responder as atividades!

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A Interação na perspectiva bakhtiniana

Em Bakhtin, o conceito de interação é considerado como processo ver-bal e processo social. Nessa perspectiva interacional, a enunciação, um ato de fala determinado ou pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo de uma determinada comunidade linguística, vai ser definida como produto da interação social. Essa característica dialógica da linguagem se estende para todos os tipos de interação e coloca a necessidade de diferen-ciar as situações específicas em que ocorrem as interações, bem como de considerar o contexto histórico, cultural e social mais amplo.

A imbricação desses fatores é o que possibilita presumir aquilo que não está dito explicitamente num enunciado concreto, pois a coparti-cipação dos interlocutores na constituição de uma situação possibilita atuarem ativamente por meio das formas linguísticas, enunciativas e dis-cursivas mobilizadas nos textos, e a situação extraverbal integra-se ao enunciado, constituindo-se como parte essencial da significação desse enunciado.

Essa abordagem interacional permite observar nos textos verbais as relações interpessoais, intersubjetivas, o que nos remete a observação não apenas do que está dito, mas também do que está implícito, por meio das formas de dizer e de outros recursos, tais como entoação, ges-tos, expressão facial, elementos que, no dizer de Brait (2010) “revelam e mostram a interação como um jogo de subjetividades, um jogo de representações em que o conhecimento se dá através de um processo de negociações, de trocas, de normas partilhadas, de concessões” (p.221).

É da combinação de sua competência lingüística com outras com-petências que os falantes de uma dada língua se tornam capazes de fazer uso das formas linguísticas em diferentes contextos ou diferentes situações de comunicação com diferentes finalidades. Nesse processo não há apenas troca de informações e expressão de idéias, mas a cons-trução conjunta do texto, em que os falantes ao desempenharem seus papéis visam, sobretudo, agir sobre o outro.

Atividade V

A partir das considerações apresentadas nessa unidade sobre a perspectiva de Bakhtin sobre a linguagem e pensando na situação de sala de aula, mais especificamente no que concerne à metodologia, procure refletir sobre as situações apresentadas abaixo e, em seguida, associe-as às afirmações:

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Situação 1

Fonte: http://estudosintegrados.blogspot.com/

Situação 2

Fonte: http://chesabios.blogspot.com/

( ) Sala de aula tradicional em que conteúdos e metodologia são imu-táveis, fixos e estáveis.

( ) A postura do professor em sala de aula é determinada em função de suas experiências anteriores e concorrentes.

( ) A sala de aula é um fenômeno social e ideologicamente constituído marcada pelo conflito de vozes e valores mutáveis e concorrentes.

( ) Os conteúdos são preestabelecidos de forma unilateral, pelo pro-fessor ou pela instituição, independente de qualquer grupo espe-cífico de aprendizes.

( ) Metodologia unilateral garantindo a naturalidade da autoridade do professor.

( ) A sala de aula consiste numa estratificação, dinâmica e hierarqui-camente organizada, de vozes e valores.

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( ) O aluno aprendiz é visto como ser desprovido de um caráter social, vontade e voz próprias.

( ) A sala de aula é um lugar neutro e objetivo.

Leitura recomendadaSugerimos a leitura da obra clássica Marxismo e filosofia da linguagem, em especial do capítulo 6 – A Interação Verbal – em que o autor trata dentre outros aspectos da sua crítica ao subje-tivismo individualista em uma contun-dente crítica ao posicionamento forma-lista sobre a língua, e, principalmente, sobre os aspectos sociais e ideológicos

que se coadunam no processo enunciativo das interações verbais.

ResumoNessa aula vimos que Bakhtin inicia seus estudos defendendo que

a esfera social determina os fatos linguísticos e que parte de sua crí-tica recai sobre o subjetivismos idealista e o objetivismos abstrato. Ele percebia que fatores físicos, políticos e econômicos determinam os fa-tos da língua, mas para os linguístas da época isso tinha pouca ou nenhuma importância. De acordo com Bakhtin, no momento em que o locutor faz uso da língua para suas necessidades enunciativas con-cretas, a forma da língua não é o mais importante, mas sim o que essa forma significa em determinado contexto. Pois a palavra é produto da interação verbal entre locutor e interlocutor, organizados socialmente, de tal modo que a enunciação tomará forma em função dessa or-ganização, dos papéis sociais assumidos pelos sujeitos interactantes e da própria situação social mais imediata numa situação concreta de comunicação. Se a linguagem é concebida como fenômeno social, o sujeito se constrói por meio dela ao ouvir e assimilar as palavras e os discursos do outro do seu convívio social, princípio do dialogismo que postula que todo enunciado é produzido e compreendido no contexto dos enunciados que o precederam e no contexto dos enunciados que o seguirão, ou seja, cada enunciado ou palavra é uma resposta a uma enunciação anterior e, ao mesmo tempo, espera uma resposta. Portan-to, em Bakhtin, o conceito de interação é considerado como processo verbal e processo social.

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AutoavaliaçãoPartindo de uma visão social da linguagem, reflita um pouco e tente

responder à seguinte questão: qual a relevância das ideias bakhtinianas para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa?

Construa seu glossário!Dentro da perspectiva bakhtiniana, que definições poderiam ser da-

das aos termos abaixo.

LínguaSignoInteração

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 7. ed. São Paulo: Hicitec, 1995.

BRAIT, B. O processo interacional. In. PRETI, D. Análise de textos orais. 7 ed. São Paulo: Humanitas, 2010.

BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

_______. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Disponível em: http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas, acesso em 19 de agosto de 2011.

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IV UNIDADE

Características gerais da interação

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ApresentaçãoVocê já deve ter percebido que a interação é componen-

te essencial do processo de comunicação. Por meio dela nos relacionamos com o mundo, construímos significados e, sendo parte de todo ato de linguagem, é um fenôme-no sociocultural com características linguísticas e discursivas específicas. Nesta aula, iremos nos deter um pouco mais nas características que determinam que todo a atividade de linguagem é regulada e mediada pelas interações verbais e, sendo assim, implica um agir comunicativo.

Continuamos desejando que você realize um bom estu-do do conteúdo, procurando sempre esclarecer as dúvidas, questionar sobre o tema e discutir com os colegas sobre os conteúdos apresentados. Em caso de dúvida, procure o tutor ou o professor responsável pela disciplina, pois a interação é importante na construção do conhecimento.

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Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você tenha con-dições de:

• Caracterizar a interação como um fenômeno essen-cial na organização do texto escrito e oral, conside-rando os aspectos sociais, culturais, discursivos e lin-guísticos;

• Reconhecer os elementos linguísticos e extralinguís-ís-ticos que contribuem para a compreensão do texto oral;

• Apontar as características que diferenciam a interação autor-leitor e falante-ouvinte.

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Antes de iniciar nossa conversa...

Você já participou de alguma partida de um jogo qualquer com alguém? Pois bem, quando fazemos algo dessa natureza temos a nossa frente um adversário, e se ele ou eu iniciou o jogo, as nossas jogadas dependerão das jogadas do outro. Antes de jogarmos, analisamos a última jogada, às vezes até olhamos para o adversário na intenção de que algum gesto seu nos dê uma pista para a nossa próxima jogada, ou seja, o jogo é essencialmente estratégico. Se no jogo podemos ter ganhadores ou perdedores, podemos tê-los também no jogo que se joga ao usarmos a linguagem?

Iniciando a conversa

Você já deve ter compreendido que a língua concebida como uma “forma de (inter)ação” não se confunde com as formas gramaticais, lexicais ou sintáticas. Isto porque ela se manifesta nos processos discur-sivos, na enunciação concreta, e se concretiza nos usos mais variados de textos. Por isso, por meio dela, construímos sentidos, expressamos ideias, sentimentos, crenças, desejos. Entretanto, esses sentidos não es-tão presos nas estruturas linguísticas e nem se confundem com conteú-dos informacionais. Se assim fosse não existiriam os subentendidos ou as ambiguidades.

Além disso, como observa Marcuschi,

Se o autor ou falante de um texto diz uma parte e supõe outra parte como de responsabilidade do leitor ou ouvinte, então a atividade de produção de sentidos (ou de compreensão de texto) é sempre uma atividade de coautoria. Em suma, os sentidos são parcialmente produzidos pelo texto e parcial-mente completados pelo leitor. (2008, p. 241)

Dessa forma, os textos não podem ser concebidos como produtos prontos e acabados, mas como um processo e, se a língua é atividade interativa, o texto é um evento comunicativo, pois se acha “em per-manente elaboração”, onde convergem ações linguísticas, cognitivas, interacionais e sociais. Sendo o texto um evento que se dá na relação interativa, então,

Os efeitos de sentido são produzidos pelos leito-res ou ouvintes na relação com os textos, de modo

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que as compreensões daí decorrentes são fruto do trabalho conjunto entre produtores e receptores em situações reais de uso da língua. O sentido não está no leitor, nem no texto, nem no autor, mas se dá como um efeito das relações entre eles e das atividades desenvolvidas. (op.cit., p. 242)

A interação autor-leitor: breves considerações

Podemos dizer que a atividade de leitura é uma ativida-de de interação à distância. Autor e leitor encontram-se se-parados espacio-temporalmente, o que os une é a presença do texto. Já na interação face a face, a compreensão pode se apoiar em elementos extralinguísticos como gestos, expressões faciais, conhecimento partilhado dos interlocutores, em que a compreensão é praticamente simultânea à construção do texto, pois é possível ao falante fazer reajustes que ajudem ao leitor compreender a informação.

Na interação, por meio do texto escrito, isso não acontece, o que torna a responsabilidade do autor e do leitor pela construção do sen-tido maior. Os momentos de produção e de recepção não coincidem. Entretanto, no momento de produzir, o autor dispõe de mais tempo para pensar no que vai dizer, para quem vai dizer, qual a melhor forma para dizê-lo, sendo assim escreve e reescreve, até construir um texto suficientemente informativo, claro e relevante, guiado essencialmente pelo princípio interacional. O que está em jogo é a interação entre autor e o leitor por meio do texto. Em seu texto devem estar as pistas, tais como, os operadores e conectivos lógicos, as modalizações, os ad-jetivos, as nominalizações, por exemplo, necessárias para que o leitor consiga reconstruir o caminho percorrido pelo autor e, mesmo que não estejam explícitas, possam ser inferidas.

Nessa perspectiva interativa, a atividade de escrita supõe a existên-cia do outro, o tu, que, mesmo não estando presente, sua existência é inegável e imprescindível. Os interlocutores em interação (autor e leitor) não estão presentes simultaneamente, mas devem agir de forma coo-perativa e mútua para se ajustar às exigências da atividade. Ora, quem escreve, escreve para alguém, está em interação com outra pessoa. É essa pessoa o parâmetro para dizer o que se pretende dizer, o quanto dizer e como fazê-lo e o que caracteriza o ato inerentemente social da linguagem.

Nas palavras de Koch,

Nessa concepção interacional (dialógica) da língua, tanto aquele que escreve como aquele para quem se escreve são vistos como atores/construtores so-ciais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem

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e são construídos no texto [...]. O sentido da escrita, portanto, é produto dessa interação, não resultado apenas do uso do código, nem tão-somente das intenções do escritor. Numa concepção de escrita assentada na interação, o sentido é um constructo, não podendo, por conseguinte, ser determinado a priori [grifos da autora] (2006, p. 34-35).

Logo entendemos que, ao interagir com o outro, construímos con-juntamente o texto, não apenas trocando informações ou expressando ideias, pois se assim o fosse bastaria que conhecêssemos o nosso sis-tema linguístico e suas possibilidades de combinações para atuar na construção do sentido do texto, mas acionamos também nossa compe-tência textual, cognitiva, social e interacional. É em função da conjuga-ção dessas competências que nos tornamos capazes de usar as formas linguísticas com diferentes objetivos e produzir diferentes significações nas mais diversas situações de comunicação.

Atividade INa charge abaixo, o segundo locutor diz não ter entendido quase nada do que leu. Quais os possíveis motivos que o levaram a não entender quase nada, visto que a atividade de leitura não requer apenas conhecimento do código linguístico?

Fonte: http://www.sene.org.br/site/component/content/article/50-caricaturas/48-charges.htmldica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Não só a interação autor-leitor, bem como a interação falante-ou-vinte, da qual passaremos a tratar mais especificamente, são atividades situadas, contextuais, e essa contextualização é parte integrante dessas ações comunicativas. Portanto, a produção de textos é determinada por certas condições específicas, tais como a escolha do gênero textual, do assunto, dos interlocutores e do grau de intimidade, dos conhecimentos possivelmente partilhados, tudo isso tendo-se em vista a eficácia da comunicação.

A interação falante-ouvinte

E quanto à interação face a face? Em que ela se aproxima ou se diferencia da interação à distância?

Na interação face a face, fatores linguísticos e textuais também se combinam com fatores de ordem social, cognitiva e interacional com-partilhados pelos interlocutores. De forma que, “todos os destinatários de uma mensagem, mesmo aqueles que o são apenas indiretamente desempenham um papel importante no desenvolvimento da interação” (KERBRAT-ORECCHIONI 1990:89 apud BRAIT, 2010, p.227). Podemos dizer que todo evento de fala então depende do tipo de relação entre os interlocutores e de suas características, da situação imediata, do momen-to e das circunstâncias em que tal evento ocorre, enfim de uma conjun-ção de elementos que constituem o ambiente extralingüístico.

Ao jogar o jogo da linguagem numa situação específica, queremos muito mais do que transmitir informações, queremos agir sobre o outro, como fazemos no jogo e, ao acionarmos as nossas competências para atuar em qualquer evento comunicativo, outros aspectos atuam sobre a dinâmica das interações verbais, de acordo com Brait (p.222) seriam basicamente os seguintes:

• Quem é o outro a quem eu me dirijo?

• Quais são as minhas intenções ao falar e as formas escolhidas para isso?

• Que estratégias utilizo para que eu me faça compreender, com-preenda o outro e encaminhe a conversa da forma mais ade-quada?

• Como posso levar o outro a cooperar no processo?

Esses aspectos fazem parte da dinâmica dos processos interacio-nais. Considerá-los e saber lidar com eles implica o acionamento de competências linguísticas, das normas e estratégias de uso da língua para compreender e se fazer compreender, e de competências discur-

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sivas, das regras culturais, sociais e situacionais compartilhadas pelos participantes do evento conversacional1.

A ausência ou a presença de determinados aspectos permitem ca-racterizar níveis de organização e tipos diferentes de interação. Os ní-veis de organização vão depender do modo como os interlocutores participam do evento interacional e de como eles se inter-relacionam em função da situação específica de comunicação, como o grau de formalidade ou de informalidade ou de envolvimento entre eles.

Os diferentes tipos de situação em que acontecem as interações trazem consequências para os diferentes processos interacionais. Exteriorizamos e captamos aspectos exteriores à palavra. Como no jogo, prestamos atenção aos gestos, às expressões faciais, à postura corporal, procurando e interpretando indícios. Isso significa que o contexto interacional

[...] não é algo dado previamente, mas uma cons-trução negociada nesse jogo de intersubjetividades e que depende das diferentes competências dos participantes, de seus desejos e de suas intencio-nalidades, e principalmente da maneira como a interação começa e se desenvolve no intercurso conversacional. (BRAIT, p.231)

As formas de organização das interações preveem regras que conduzem a ou prescrevem determinados comportamentos ca-racterizadores do evento conversacional2. São essas regras de conduta ou interacionais, que variam de cultura para cultura, que nos possibilitam saber como interagir com os amigos, com o pro-fessor, com os pais, com o gerente do banco, com o caixa do supermercado. Conforme Brait (op.cit., 233),

Se por um lado o cumprimento dessas regras, en-quanto práticas reconhecidas e implícitas, eviden-cia um esforço dos interlocutores na direção da negociação que caracteriza o diálogo, a quebra autoriza uma série de inferências no sentido da percepção de um processo interacional polêmico, desarmonioso, conflituoso.

Logo, podemos depreender que, ao interagir num even-to comunicativo, o falante recorre a estratégias de formulação e reformulação, a estratégias que demonstrem maior ou menor envolvimento com o interlocutor ou com o assunto, além de es-tratégias de polidez (formas por meio das quais os participantes negociam seus papéis sociais). Ou seja, se a todo evento conver-sacional deve estar subjacente o princípio da cooperação, o seu rompimento provoca um efeito negativo no interlocutor sobre a situação, colocando-o numa situação de desagrado ou de inse-gurança.

1 Para os nossos propósitos aqui, toma-Para os nossos propósitos aqui, toma-remos a perspectiva conversacional no sentido mais amplo, como tratam alguns estudiosos, que recobre qualquer tipo de interação oral e se distingue conversação informal (espontâneas, não planejadas) e conversação formal (com algum tipo de pla-nejamento prévio).

2 Considerando-se o texto falado, concorda-mos com Brait para quem a conversação e interação são dois conceitos profundamen-te relacionados. Nas palavras da autora, “os participantes do ato conversacional engajam-se na conversação porque tem o propósito de interagir. Reciprocamente, é o desenrolar da conversação que possibilita a continuidade da interação. Assim sendo, [...]é necessário aproximar conversação e interação, uma vez que a conversação é o palco privilegiado da interação. (2010, p.243)

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Se a comunicação interpessoal, desenvolvida entre falantes e ouvin-tes, é concebida como uma relação dialógica, então os interlocutores devem se engajar numa atividade em que ambos se predisponham a adaptar sempre que necessário o diálogo às necessidades do ou-tro. Estando os interlocutores situados em um campo de ação comum, torna-se fundamental a capacidade de ação de cada um no sentido de contribuir eficazmente para o desenvolvimento da interação, em que cada ação de um sujeito deve servir de premissa para as ações poste-riores do outro. Não só o modo de participação dos interlocutores, bem como a maneira como se inter-relacionam irão defini-los em função do contexto situacional.

Diante das considerações colocadas até o momento, podemos falar em três níveis da interação:

a. Situacional: relaciona-se aos dados do espaço externo (“para que dizer?”, “quem fala a quem?”, “a propósito de que?”, “em que contexto espaço-temporal?”;

b. Comunicacional: relaciona-se às maneiras de falar em função dos dados da situação (“como dizer?”);

c. Discursivo: relaciona-se ao lugar de intervenção do sujeito fa-lante que, ao se tornar sujeito enunciador, deve satisfazer as condições da situação discursiva (“quem sou eu para lhe dizer desse modo?”).

Atividade IICom base na leitura realizada até esse momento, comente a afirmação a seguir:

Um ato de linguagem é uma interação pelo fato de fundar-se no olhar avaliativo dos parceiros, isto é, daqueles que participam desse ato com a aten-ção profundamente voltada para todos os aspectos que, de alguma forma, interferem nesse evento.(BRAIT, 2010, p.228)

Várias são as possibilidades de situações de interlocução. Brait (op.cit., p.234) apresenta as seguintes:

• Conversa informal, espontânea, travada entre amigos, conheci-dos, sem preparação prévia;

• Conversa informal, espontânea, travada entre desconhecidos, sem preparação prévia nem tema definido;

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

60 SEAD/UEPB I Português V

• Conversa entre pessoas pertencentes a níveis socioculturais di-ferentes;

• Conversa entre rivais ou adversários políticos;

• Encontro institucionalizado, formal, com objetivos definidos, em situações e contextos caracterizados por normas convenciona-lizadas.

Situações como essas e outras vão desde o extremo da informali-dade ao extremo da formalidade. Apesar dessa variação, os estudiosos apontam para aspectos, dentre outros, comuns e constantes do proces-so interacional numa conversação:

a. Presença de pelo menos dois interlocutores, protagonistas da situação de interlocução;

b. Alternância de papéis entre falante e ouvinte;

c. Troca de turnos;

d. Atitude cooperativa.

Nesse processo, a elaboração e a recepção do texto em andamen-to não se dão de forma unilateral. Isto quer dizer que as significações construídas pelo falante e as interpretações pelo ouvinte são possíveis por causa desse “estar-se fazendo” do texto conversacional, mesmo que de forma parcial ambos se engajam no “projeto de construção de senti-do do outro”. Por isso a interação pode ser definida como “negociação de sentido”. Na especificidade da conversação, no momento em que eu não compreendo ou não me faça compreender, as incompreensões são saneadas no intercurso conversacional.

É importante observar, como aponta Brait (op.cit.), que o evento conversacional, mesmo que se trate de uma atividade cooperativa ou que ocorra em contextos mais informais e “aparentemente” mais si-métricos, sempre evidencia, como nas diferentes formas de interação, manifestação de poder.

Português V I SEAD/UEPB 61

Atividade IIIAnalise a tirinha abaixo e identifique os elementos que nos permitem perceber a incompreensão ocorrida no ato comunicativo. Observe as expressões faciais e mostre o que elas nos revelam sobre a dinâmica da interação em questão?

Fonte: http://universomutum.blogspot.com

Continuando nossa conversa...Você já deve ter ouvido ou mesmo utilizou o enunciado “fala um

de cada vez”. Procure relembrar algumas situações em que tal frase foi proferida.

Essa frase tão utilizada nas situações cotidianas é uma norma con-versacional que atua como “um mecanismo central da organização do texto conversacional”. De acordo com Brait, esse mecanismo “demons-tra, por meio de uma série de aspectos, as estruturas de poder que governam a conversação: quem fala primeiro [...], as falas simultâneas

62 SEAD/UEPB I Português V

ou sobrepostas, os silêncios, as hesitações, o assalto ao turno1 do outro etc” (p.237). Tais aspectos vão determinar o grau de simetria ou assime-tria2 no processo de interação. Em suas palavras,

A caracterização dessa marca está diretamente li-gada ao tipo de interlocução focalizado. Das con-dições específicas da interação é que vão depender os efeitos psicológicos produzidos sobre os interlo-cutores e, ao mesmo tempo, são essas condições que vão determinar as características próprias da encenação discursiva. A tomada de turno ajuda a perceber não somente a negociação e a coopera-ção existentes na interação verbal, mas também a disputa pela palavra, o jogo de poder que se esta-belece durante o intercurso verbal. (op.cit., p237)

Logo, um elemento fundamental para a construção do texto oral é um assunto, um tema (tópico conversacional ou discursivo) sobre o qual a conversa ou o diálogo (o evento interacional) se desenvolva. A relação entre os interlocutores só poderá ser estabelecida a partir da presença desse aspecto. Através da maneira como ele vai sendo cons-truído pelos interlocutores, podemos, por exemplo, não só perceber as pistas interativas, bem como as marcas linguísticas do jogo intersubjeti-vo que evidenciam a “cumplicidade3” dos interlocutores na maneira de conduzir o tema. Por meio dele também os conhecimentos partilhados e outras particularidades vão sendo evidenciados, definindo melhor a autoimagem pública pretendida pelos interlocutores, bem como as es-tratégias utilizadas para constituir e impor essa dimensão persuasiva.

Atividade IVNo evento aula4, fortemente institucionalizado, os momentos de diálogo são basicamente caracterizados por perguntas e respostas na troca de turnos. Podemos dizer que a interação dialogada com trocas de turnos na sala de aula tem a mesma função na conversação espontânea? Para ajudá-lo (a) nessa reflexão transcrevemos um trecho de aula, retirado do livro Portos de passagem, de Wanderley Geraldi (1997, pp.145-147). Leia-o e procure anotar suas considerações sobre o que diferencia o diálogo na sala de aula do diálogo na conversação espontânea.

1 O turno corresponde às formas de parti-cipação de cada interlocutor na troca de papéis.

4 A interlocução em sala de aula será nosso objeto de estudo nas próximas aulas.

2 A simetria caracteriza um evento conversa-cional em que os interlocutores colaboram conjuntamente para o desenvolvimento do assunto (tópico conversacional ou discur-sivo). A assimetria, por sua vez, caracteriza um evento conversacional em que um dos interlocutores detém mais o turno conver-sacional, enquanto o outro faz intervenções apenas secundárias.

3 A cumplicidade, por meio das interven-ções, aponta para a aceitação do tópico e para a eficaz cooperação interativa.

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Exemplo:T1 P ‒ Psiu, descrição de pessoa. Eu vou dar um quadro pra vocês e

vocês vão completar esse quadro. Eu vou dar uma descrição de um pai. (Depois) cada um vai descrever a sua mãe, preste atenção gente.(...)Aqui nós vamos ver o tipo físico dele ... aqui nós vamos ver outros aspectos dele... Bom, no tipo físico esse pai é alto, gordo, loiro, cabelos e olhos castanhos ... depois, ele tem o nariz gran-castanhos ... depois, ele tem o nariz gran-de, boca pequena... braços e pernas compridas.(...)Agora outro aspecto: ele gosta de ser vestir bem, anda com os ombros caídos (...) fala alto, gesticula com as mãos...(...)Bom, além disso, podemos ainda falar sobre as preferências do pai. Então poderíamos falar o quê? Seu pai, por exemplo, que ele gosta de fazer?

T2 P ‒ De dormir!T3 P ‒ Então coloca: ele gosta de dormir, é a descrição, então não vai

inventar nada.Como aqui nós estamos descrevendo de um modo geral eu não peguei um pai definido né, o pai da Ana Cláudia ou do Claudi-nei, eu peguei um pai assim pra vocês terem uma idéia de como é feita a descrição...Vocês passam um traço embaixo e escrevem MÃE ou MINHA MÃE ... E aqui vocês vão descrever o tipo físico da mamãe e ou-tros aspectos da mamãe, assim gerais ... Outra coisa: quando vocês forem descrever, prestem atenção, lembrem-se daquele exercício que nós fizemos ...Olhos pretos como?

T4 A ‒ Carvão.T5 P ‒ Quem sabe? Fala! Ricardo ... como?T6 A ‒ Pichi.T7 P ‒ Piche. Não é pichi. Piche! Olhos pretos como?T8 A ‒ Jabuticaba.T9 P ‒ Certo! Olhos verdes como?T10 A ‒ Grama.T11 A ‒ Limão.T12 A ‒ Pêra.T13 A ‒ Árvore.T14 A ‒ Folhas.T15 P ‒ Chega. Agora outra coisa... não quero mais frutas... verdes

como?T16 A ‒ Esmeralda.T17 P ‒ Muito bem!

T: Turno P: Professora A: Aluno

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Ver a linguagem sob a ótica das dinâmicas das interações verbais, seja por meio dos textos falados ou dos textos escritos, possibilita-nos ve-rificar nelas as relações interpessoais, intersubjetivas, veiculadas através dos textos produzidos. Ao olharmos os textos produzidos sob este enfo-que, podemos observar não só o que está dito explicitamente, mas as for-mas do dizer por meio dos recursos propriamente linguísticos utilizados. No caso do texto oral, outros recursos também são verificados, tais como a entoação, os gestos, as expressões faciais etc. É através da observação desse conjunto de recursos que podemos ler os pressupostos, aquilo que está implícito, mas que se revela e mostra, como diz Brait (2010, p.221), “a interação como um jogo de subjetividades, um jogo de representa-ções em que o conhecimento se dá através de um processo de negocia-ção, de trocas, de normas partilhadas, de concessões”.

Momento para reflexão...

Voltando a questão colocada no início, podemos dizer de fato que há ganhadores ou perdedores no jogo que se joga com a linguagem? Procure refletir sobre essa questão e anote suas conclusões.

ResumoNessa aula, vimos que, por meio da língua, construímos sentidos,

expressamos ideias, sentimentos, crenças, desejos. Entretanto, esses sentidos não estão presos nas estruturas linguísticas e nem se confun-dem com conteúdos informacionais. Na interação entre autor e leitor, vimos que não é possível monitorar a compreensão do leitor, mas que ele precisa se esforçar para dar sentido e significado ao que lê. Já na interação face a face, a compreensão pode se apoiar em elementos extralinguísticos como gestos, expressões faciais, entonação em que a compreensão é praticamente simultânea à construção do texto. Esses fatores se combinam com fatores de ordem social, cognitiva e intera-cional compartilhados pelos interlocutores. A ausência ou a presença de determinados aspectos permitem caracterizar níveis de organização e tipos diferentes de interação. Logo, ver a linguagem sob a ótica das dinâmicas das interações verbais, seja por meio dos textos falados ou escritos, possibilita-nos verificar nelas as relações interpessoais, inter-subjetivas, veiculadas através dos textos produzidos.

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AutoavaliaçãoRetome os tipos de interação apresentados e complete o quadro

com uma síntese dos aspectos que as caracterizam.

Interação autor-leitor Interação falante-ouvinte

Referências

BRAIT, B. O processo interacional. In.: PRETI, D. (org.). Análise de textos orais. 7. ed. São Paulo: Humanitas, 2010.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.

______. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

66 SEAD/UEPB I Português V

Português V I SEAD/UEPB 67

V UNIDADE

A dinâmica de construção do texto falado

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ApresentaçãoNesta aula iremos tratar da construção do texto falado e

de suas características gerais, bem como sua organização e dinâmica. Esse é um dos aspectos importantes para com-preendermos o fenômeno da interlocução. Também consi-deraremos a conversação em seu sentido amplo, tal como a concebe Kock em seu livro A inter-ação pela linguagem, por envolver todos os eventos de comunicação da vida cotidiana e profissional. Nessa perspectiva, a interação face a face caracteriza-se como uma atividade de “coprodução discur-siva”, em outras palavras, os interlocutores engajam-se na produção do texto, colaborando um com o outro, utilizan-do-se de estratégias que atendam à necessidade pragmática e discursiva da situação.

Para os nossos propósitos contamos sempre com a sua participação efetiva na leitura e realização das ativida-des!

Português V I SEAD/UEPB 69

Objetivos

Ao final dessa aula, esperamos que consiga:

• Identificar as características do texto conversacional;

• Perceber como as marcas de subjetividade e intersub-jetividade estabelecem e mantêm a relação entre os participantes durante o diálogo.

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Antes de iniciar a conversa...Há momentos em que interrompemos uma conversa porque não

estamos entendendo, pois queremos compreender a informação ou mesmo participar do diálogo. Considerando que na oralidade é co-mum serem os referentes recuperáveis na própria situação discursiva, tente lembrar-se de alguma situação vivenciada por você em que, no meio da conversa, foi necessário solicitar que um dos interlocutores contextualizasse o que estava falando. Por que se fez necessária essa solicitação?

No texto abaixo, Millôr Fernandes simula o diálogo (ou conversa) entre duas mulheres. Leia-o e, em seguida, responda as questões que o seguem.

A vaguidão específica

“As mulheres têm uma ma-neira de falar que eu chamo de vago-específica.”

-Richard Gehman-

- Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.

- Junto com as outras?

- Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir al-guém e querer fazer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.

- Sim senhora. Olha, o ho-mem está aí.

- Aquele de quando cho-veu?

- Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domin-go.

- Que é que você disse a ele?

- Eu disse pra ele continuar.

- Ele já começou?

- Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde qui-sesse.

- É bom?

- Mais ou menos. O outro parece mais capaz.

- Você trouxe tudo pra cima?

- Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomen-dou para deixar até a véspera.

- Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atra-vanca a entrada e ele reclama como na outra noite.

- Está bem, vou ver como.

Millôr Fernandes

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a. A que corresponde a “vaguidão específica” sugerida pelo título do texto?

b. Podemos dizer que essa “vaguidão” é percebida sob o nosso ponto de vista. Entretanto, o mesmo parece não ocorrer sob o ponto de vista das duas personagens. Explique.

Iniciando nossa conversa...A Análise da Conversação: considerações iniciais

Nos estudos mais recentes sobre interação verbal a linguagem é definida como uma forma de ação conjunta entre falantes/ouvintes e ouvintes/escritores. Ao usar a linguagem realizamos ações individuais e sociais, ou seja, estamos sempre fazendo algo com a linguagem. Quando conversamos estamos realizando uma atividade social com a linguagem, aliás Luiz Antônio Marcuschi que, na década de 80, publi-cou o primeiro trabalho sobre Análise da Conversação no Brasil, reco-nheceu a conversação como “a primeira das formas de interação a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora” (1986, p. 14). A conversação é concebida aqui em seu sentido amplo como o resultado das interações verbais.

A Análise da Conversação (doravante AC), de base etnometodoló-gica (Garfinkel, Sacks, Schegloff e Jefferson), cujos estudos se iniciaram na década de 60, visava o estudo dos processos conversacionais e de seus mecanismos organizadores, com base no principio de que todas as formas de interação verbal podem ser observadas, descritas, anali-sadas e interpretadas. A prioridade da interação recai sobre o fato de que por meio dela se constrói a realidade social, ou seja, esta é cons-tantemente “fabricada” pelos interlocutores (atores sociais) em intera-ção. Nessa perspectiva consideram-se não apenas os recursos linguís-ís-

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ticos e paralinguisticos, bem como os fatores socioculturais partilhados num evento interativo.

A conversação é entendida como uma atividade comunicativa que tem sua organização própria, convencionalizada ou institucionalizada, sendo, portanto, guiada por normas e valores sociais subjacentes, aos quais os interlocutores podem recorrer para suas decisões interpretativas.

O principio metodológico aqui é fundamentalmente empírico. São válidos apenas os dados obtidos a partir de situações reais, empíricas. Essa vinculação situacional confere o caráter pragmático da conver-sação enquanto atividade linguística diária nas diferentes esferas da sociedade, como os diálogos entre familiares, amigos, namorados, as conversas telefônicas, as entrevistas etc.

Características gerais do Texto Conversacional

O texto conversacional é basicamente caracterizado pela alternân-cia dos papéis de falante e ouvinte entre os interlocutores numa de-terminada situação comunicativa. Ele sempre se inicia a partir de um tópico discursivo, ou seja, aquilo sobre o que se fala, é o conteúdo propriamente da conversa (ou diálogo), não importando a sua densida-de, ou seja, podemos tratar de assuntos sérios ou simplesmente “jogar conversa fora”. Sua construção depende basicamente de processo co-laborativo dos participantes envolvidos, a partir de seus conhecimentos de mundo, de seus conhecimentos partilhados, das circunstâncias em que ocorre a conversação, das pressuposições etc.

Sendo assim, no intercurso conversacional, procura-se estabelecer um tópico discursivo, mas para que esse processo se desenvolva sa-tisfatoriamente falante e ouvinte precisam se engajar efetivamente na atividade, em um acordo tácito, ou seja, ao se propor um tema a um interlocutor, supõe-se que este esteja de acordo ou o aceite para que o fluxo conversacional seja possível.

Além disso, o falante deve se preocupar não apenas em articular sua fala, mas tam-bém fazer com que seu inter-locutor direto consiga acom-panhar o tópico discursivo em andamento. O ouvinte, por sua vez, precisa prestar atenção e se esforçar para identificar o tópico. Além do aspecto propriamente linguís-ís-

tico, os participantes precisam estar atentos aos aspectos paralinguisti-paralinguisti-cos (entonação, gestos, olhares, movimentos do corpo).

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Muitas vezes a recuperação do tópico só é possível em função do contexto e do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Esses fatores passam então a ser determinantes para o estabelecimento da coerência do texto conversacional, uma vez que a conversação é uma atividade de (co)produção de sentido.

Ao elaborar conjuntamente o texto conversacional, os interlocutores participam ativamente estruturando o texto por meio de sequências ou turnos conversacionais, interrupções, hesitações, truncamentos, sobre-posições e silêncios, que também ocorrem na fala humana. As formas como eles participam instauram dois tipos básicos de interação: simé-trica e assimétrica. No primeiro caso, falante e ouvinte contribuem efe-tivamente para o desenvolvimento do tópico, ou seja, há uma simetria na participação de ambos com intervenções de caráter referencial. O direito à palavra é equitativo. Já no segundo caso, um dos interlocuto-res “ocupa a cena” com intervenções de caráter referencial, enquanto o outro contribui com intervenções secundárias que marcam apenas que está acompanhando o curso do desenvolvimento do tópico, são do tipo “ahn ahn”, “uhn uhn”, “certo”, ou com sinais indicativos de atenção, concordância, ou seja, há uma assimetria na forma de participação. Além disso, no diálogo assimétrico, conforme Marcuschi (1986), um dos participantes tem o direito de iniciar, distribuir e concluir a interação e “exercer pressão” sobre os demais participantes.

Os turnos correspondem à série de intervenções realizadas pelos interlocutores e podem ser de qualquer extensão. No caso da conversação simétrica, eles se justapõem e no da conversão assimétrica eles são inseridos ao turno nuclear em andamento e indicam que o ouvinte participa de forma decisiva do desenvolvimento do ato conversacional.

É importante notar que há um consenso entre os estudiosos de que os falantes, na organização do texto conversacional, não têm consciência de quando estão desenvolvendo o mesmo tópico, de quando mudam, interrompem, retomam etc. Aliás, a flutuação de tópicos é característica da dinâmica dos textos conversacionais, mas isso não os tornam incoe-rentes, pois os falantes são os responsáveis por estabelecer a relevância de cada um para dar continuidade do texto.

A partir desta constatação, a maneira como se organiza o fluxo do tópico conversacional pode se dar de forma contínua ou descon-tínua. No primeiro caso, a continuidade é verificada na organização sequencial dos tópicos, em que a abertura de um se dá em função do fechamento do outro precedente, marcada não só por elementos lin-guísticos, mas paralinguísticos também. No segundo caso, ocorre uma descontinuidade do tópico em andamento, quando um novo tópico é introduzido sem o encerramento do precedente, podendo este ser re-tomado ou não. No caso de ele ser retomado, as interferências foram apenas digressões1 ou inserções.

Sendo a conversação um texto construído “a quatro mãos”, no sen-tido de ser o resultado do trabalho cooperativo dos interlocutores, ele é planejado localmente. Portanto, seu planejamento e realização coinci-

1 Segundo Fávero (2010), “a digressão pode ser definida como uma porção de conversa que não se acha diretamente relacionada com o tópico em andamento. Assim, os fa-lantes estão desenvolvendo um tópico A (1ª etapa), o falante 1, por exemplo, introduz um tópico B (2ª etapa). Este tópico é desen-volvido e, momentos depois, é encerrado (3ª etapa). A seguir, o tópico A é reintroduzido (4ªetapa)” (p.59).

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dem no eixo temporal. Em conseqüência disso, “cada turno pode colo-car uma reorientação, mudança ou quebra do ponto de vista em curso” (MARCUSCHI, 1986). Daí porque o texto falado tende a se apresentar fragmentado. Ao se processar a fala, as unidades significativas são pro-duzidas “aos jatos ou aos borbotões”, a passagem de uma para outro é feito muito rapidamente, por isso mesmo falamos muito mais rápido do que escrevemos.

O processo de elaboração do texto conversacional também se re-laciona ao envolvimento ou distanciamento dos interlocutores com o assunto da conversa. As marcas do envolvimento podem ser do falante consigo mesmo ou dele com o ouvinte por meio uso de determinados recursos lingüísticos, tais como o uso de formas pronominais: eu, me/nos, nós (e seu substituto a gente)/você/tu. Outra marca também de envolvimento do falante com o ouvinte é o uso de expressões atenua-doras (lembra-se da preservação de face?): poderia, gostaria, pediria. Também marcam o envolvimento entre os interlocutores a presença de marcadores conversacionais2, expressões do tipo “certo”, “entendi”, “não é?”, “sei”, “lógico”, “ah sim”, que sinalizam para o interlocutor a compreensão do que está sendo dito e que ele pode continuar falando.

Na passagem de turno, é importante notar que a colaboração do outro interlocutor pode ser solicitada de forma explícita ou não. Essa transição pode se dá no momento em que o ouvinte percebe que o falante concluiu o turno, portanto, é uma capacidade intuitiva, pois nem sempre esse momento é evidente. Entretanto, alguns marcadores sinalizam o final de turno: a entoação ascendente e a descendente, a pausa conclusa, os marcadores verbais (sabe?, né?, entende?, não é?) ou os gestos. Em outras palavras, a passagem de turno corresponde a esperar a vez de falar a partir da ocorrência do que os estudiosos da conversação chamam de um lugar relevante para a transição (LRT). Esta regra nem sempre é seguida. Basta lembrarmos das nossas conversas com amigos ou mesmo nas salas de aula quando o professor faz uma pergunta e vários alunos respondem ao mesmo tempo. Entretanto, a falta de organização é apenas aparente, pois a harmonia ou a organi-zação é muito relativa nas conversações.

Dessa forma, a troca de turno pode ser requerida de forma explícita ou consentida de forma implícita, mas também pode ser por meio da “violação” de uma regra básica da conversa (fala um de cada vez), é o chamado “assalto ao turno”, em que um dos interlocutores invade o turno do outro, sem que a sua intervenção tenha sido solicitada ou consentida. Pode ocorrer durante as hesitações, as pausas, entonações descendentes do falante ou de forma brusca, provocando a sobreposi-ção de vozes.

Cabe ressaltar que o texto conversacional não tem regras absolutas de construção, por conta do seu próprio dinamismo de construção.

2 Marcuschi (1986) em seu livro “Análise da conversação” traz um estudo detalhado dos marcadores conversacionais.

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Atividade ICom base no que foi estudado até o momento, que características do texto conversacional o diferencia do texto escrito?

Marcadores ConversacionaisA escrita não pode ser tida, simplesmente, como uma representa-

ção da fala porque não consegue reproduzir muitos dos fenômenos da oralidade, tais como a prosódia, a gestualidade, os movimentos do corpo e dos olhos, entre outros. Em contrapartida, a escrita apre-senta elementos significativos próprios, ausentes na fala, tais como o tamanho e tipo de letras, cores, elemento pictóricos, que operam como gestos, mímica e prosódia graficamente representados. Na escrita, por ser uma modalidade de caráter mais formal, não é permitido muitos dos recursos que são utilizados na conversação.

Segundo Marcuschi, em seu livro Análise da conversação, os recur-sos conversacionais podem ser subdivididos em três tipos de evidências: verbais, não verbais e supra-segmentais.

Os verbais formam uma classe de palavras ou expressões altamente estereotipadas, de grande ocorrência e recorrência. Inserem-se no con-texto sem contribuir com novas informações. Os não verbais referem--se às expressões faciais, aos gestos, ao olhar que têm papel funda-mental na interação face a face. Os supra-segmentais são de natureza linguística, mas não de caráter verbal, a exemplo das pausas e do tom de voz.

Esses sinais servem de elo entre os falantes e mantém a interação através da troca de turno, mudança de falante, nas falhas de constru-ção, na reelaboração da fala, em posições sintaticamente regulares.

Quanto à fonte de produção, os marcadores são apresentados em dois grupos: sinais do falante e sinais do ouvinte. São exemplos de sinais do falante que orientam o ouvinte para o início de turno ou uni-dade comunicativa: “olha”, “veja”, “bom”, “então”, “aí”, “agora veja”, “digamos assim”; para o final de turno ou unidade comunicativa: “né”, “certo?”, “que acha?”, “entende?”, “de acordo”, “ta?”. E são exem-plos de sinais do ouvinte que orientam o falante: “sim”, “ahã”, “claro”, “será?”, “não diga”, “mesmo”, “como assim”, “duvido”.

Quanto às funções específicas, eles operam sob duas formas: con-versacional e sintática. Ao tratar das funções conversacionais, percebe-

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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mos que são considerados dois aspectos: sinais produzidos pelos falan-tes (que servem para sustentar o turno, preencher as pausas, dar tempo à organização do pensamento, monitorar o ouvinte) e sinais produzidos pelo ouvinte (que servem para orientar o falante e monitorá-lo quanto à recepção). Quanto às funções sintáticas, salienta-se que esses sinais podem ser responsáveis tanto pela sintaxe da interação como pela seg-mentação e encadeamento de estruturas linguísticas.

Os marcadores conversacionais têm caráter multifuncional, ou seja, operam como organizadores da interação e organizam e estruturam o texto. Finalmente, quanto à posição que eles ocupam, os sinais podem vir no início, no meio ou fim do turno. São sinais importantes na manu-tenção da interação.

Atividade IIDiante do exposto, leia o diálogo a seguir com o objetivo de identificar os marcadores conversacionais que mantêm a interação entre os interlocutores, atentando para a importância dos mesmos para a construção do texto.

L2: eh... você é carioca né?... quantos anos já... há quantos anos você mora no Rio?

L1: a vida inteira...

L2: nasceu aqui?

L1: nasci aqui...

L2: está ok... bom... e você eh... mora em Copacaba-na mesmo?

L1: não moro em Ipanema... mas queria te perguntar uma coisa... qual é a tua imagem você mora em Copaca-bana né? qual... qual a imagem que você faz de Ipanema?

L2: olha... eu...

L1: não é sobre o bairro não... eu quero saber como vivem as pessoas que moram lá...

L2: [

das pessoas... da vida ( )

L1: é... qual a imagem que você faz?

L2: olha... eu acho...

Português V I SEAD/UEPB 77

L1: pode ser franca... hein...

L2: está ok ((risos)) eu não vou malhar não... olha eu acho...

L1: não... mesmo se malhar...

L2: bom eh... está bom... eu acho ... pri/... primeiro lugar o bairro... acho um bairro espetacular... e acho que quem mora em Copacabana deseja à beça morar lá... bom... já estou entrando aqui no à be/ à... hein? agora e... quanto às pessoas que moram lá... eu tenho a impres-são que não são diferentes das outras que moram noutro bairro... só QUE... em vista do local eh... das possibili-dades e:... eh... e... do... do meio de... maior comunica-ção que parece que existe lá... diversão e tal... deixa assim elas mais à vontade mais... mais dadas... comunicativas isso... fazendo uma diferença entre as pessoas dos outros bairros né... agora... em relação ao pessoal que mora em Copacabana... eu sou bairrista hein sou bairrista... mas acho que... se comportam quase que da mesma maneira... só que... a evolução natural eh... transportar... a cidade se transportar sempre pra outro lugar outros... pra outros bairros né... quer dizer... bairros se transportam pra outros bairros... e que... dão mais condição de vida... de calma... tranqüilidade... e vai... vai por aí... é por aí... agora o pes-soal é legal... comunicativo...

L1: sabe o que que eu acho... eu

L2: [hã...

Fonte: http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/3

A construção do sentido no texto faladoJá dissemos em outros momentos que a construção do texto falado

é resultado de um trabalho colaborativo e coordenado de forma que a coerência não pode ser vista sob o ponto de vista individual. Além disso, a noção de colaboração não implica consenso ou concordância. A coordenação diz respeito ao tema e às ações num esforço conjunto de construção da coerência.

Marcuschi (1998), analisando dados do projeto NURC4 apresenta quatro atividades realizadas pelos interlocutores durante a interação com vistas à compreensão. São elas:

a. Negociação: é um “aspecto central para a produção de sentido na interação verbal enquanto projeto conjunto” (p.19). No caso de haver problemas de compreensão, o interlocutor sinaliza, verbalmente ou não, um problema no enunciado do outro. Este

3 Esse texto foi retirado do site http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/ e faz parte do acervo de textos do projeto NURC-RJ. Sugerimos que faça uma visite a essa página, não só para conhecê-la, mas também para ouvir a gravação dessa transcrição.

4 Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta (NURC), de âmbito nacional, consiste num considerável volume de gra-vações com falantes cultos realizadas em cinco capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador.

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geralmente faz reformulações com vistas a resolver o problema e dar prosseguimento à interação;

b. Construção de um foco comum: é “a presença de interesses co-muns e referentes partilhados, previamente existentes ou cons-truídos no processo de interação” (p.21), também chamada de “sintonia referencial”, entretanto, Marcuschi também observa que nem sempre é tarefa fácil manter essa sintonia;

c. Demonstração de (des)interesse e (não)partilhamento: é a exis- e (não)partilhamento: é a exis-partilhamento: é a exis-tência entre os interlocutores de interesses em comum e co-nhecimento partilhado, podendo ocorrer o não partilhamento dos mesmos conhecimentos ou dos mesmos interesses sobre os tópicos;

d. Existência e diversidade de expectativas: são as expectativas prévias que os interlocutores sempre têm nas situações de inte-ração e estão relacionadas ao contexto, às condições em que o encontro ocorre, aos conhecimentos partilhados. A partir de suas expectativas, o falante procura utilizar estratégias adequa-das a ela e confere a reação do seu interlocutor;

e. Marcas de atenção: são os sinais enviados pelos interlocutores que permite avaliar a atenção em relação ao tópico em anda-mento, ou seja, se ele está sendo compreendido ou não, ou mesmo se está sendo aceito ou não. Podem ser linguísticos ou paralinguísticos.

Como se vê a natureza da coerência na conversação é bem diversa e exige dos participantes um esforço interpretante mútuo, mesmo por-que o falante precisa interpretar as reações do outro para dar prosse-guimento (ou não) ao seu projeto de fala e, consequentemente, fazer valer o princípio da cooperação para que não acabe falando sozinho...

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Marcas da subjetividade e intersubjetividade nos textos conversacionais

Todo texto, independente de seu processo de construção, é um enunciado concreto, produto da enunciação que pressupõe um eu enunciador e um tu enunciatário, portanto, podemos afirmar que todo texto, escrito ou falado, tem uma natureza dialogal e é ela que deter-mina a sua produção. Na interação face a face, o reconhecimento da presença do outro e o desdobramento do sujeito se tornam mais marcantes. O “outro” é um ser concreto e, como tal, o discurso falado traz marcas específicas da sua presença. Ao conhecer o seu destina-tário, o destinador atribuirá ao seu texto características específicas em função do seu interlocutor. Disso resulta a participação ativa do leitor e do ouvinte na construção do texto. Podemos dizer que há uma code-terminação nas escolhas linguísticas, na explicitação maior ou menor de conhecimentos prévios, no estabelecimento dos implícitos, dentre outros aspectos.

No que diz respeito aos papéis e relações sociais nas relações de intersubjetividade seriam condicionados a partir de quatro dimensões:

a. As relações de status, que podem ser definidas previamente (professor/aluno, por exemplo) ou, então, estabelecidas duran-te o processo de interação;

b. O envolvimento afetivo: manipulação de sentimentos (positivos ou negativos) em relação ao interlocutor;

c. O contato: familiaridade entre os interlocutores e a freqüência com que as relações se estabelecem;

d. Orientação para a filiação (família, escola, local de trabalho), que contribui decisivamente para o estabelecimento da identi-dade social e da imagem recíproca dos interlocutores, podendo ser positiva ou negativa. (GALEMBERG, p.73-74)

Tal como acontece no texto escrito, as marcas da intersubjetividade também aparecem no texto falado com a função de instituir os papéis dos participantes da interação, o eu ou o outro, ou seja, o falante e o ouvinte. Os pronomes e as formas verbais são as marcas intrínsecas da subjetividade e da intersubjetividade, sendo o falante quem produz a maior parte das marcas de subjetividade e de intersubjetividade, isto porque sendo detentor do turno é ele o responsável pela formulação dos enunciados e pelo desenvolvimento do tópico.

Além dessas marcas, consideramos, de acordo com Hilgert (2005), que, diante das condições de produção do texto na interação face a face, em que a elaboração é praticamente simultânea ao planejamen-

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to, marcas de sua formulação tais como, hesitações, repetições, pará-frases, alongamentos, pausas, reformulações parafrásticas ou de cor-reção5 típicas desse tipo de interação também constituem marcas das relações intersubjetivas instauradas e são altamente funcionais para a dinâmica do processo de compreensão, pois o que está em jogo é a viabilidade dos propósitos do enunciador em relação ao enunciatário. Contudo, o autor faz uma observação importante, em sua palavras

Isso porém não significa que somente ao enunciador esteja reservado o fazer de atribuir sentidos e ao enunciatário o de interpretá-los. Significa muito menos que ao primeiro caberia codificar e ao último decodificar, concepção de comunicação, segundo a qual a língua assumiria a função de simples código. [...] Em outras palavras, o ouvinte determina a produção do falante, o que implica dizer que ambos, enunciador e enunciatário, são sujeitos da enunciação (pp. 125-126).

Enunciar, compreender e interpretar são atividades que se com-plementam na constituição da enunciação, logo a produção de sentidos diz respeito não só ao enunciador, mas também e funda-mentalmente, ao enunciatário. Nesse jogo interacional, mundos diferentes se encontram, simplesmente porque falante e ouvinte são pessoas diferentes. Dessa prática e dos papéis aí representados emergem valores socioculturais, que não só dão identidade aos sujeitos, bem como configuram sua visão de mundo.

Isso implica também dizer que o processo de compreen-são não está livre das “turbulências” de interpretação e de com-preensão, por isso “o falante adota estratégias preventivas para evitar que o ouvinte tenha problemas de compreensão e, portan-to, para estabelecer sintonia entre enunciação e interpretação” (HILGERT, p. 128). Entretanto, as estratégias utilizadas no proces-so interacional para “busca da compreensão” constitui “um fator de construção do sentido e de desenvolvimento da comunicação” (p.129).

Atividade IIIO exemplo a seguir foi retirado do capítulo Ação e mudança na sala de aula: uma pesquisa sobre letramento e interação, do livro Alfabetização e letramento (1998), organizado por Rojo. Trata-se de uma situação de sala de aula em que a professora descrevia o que é uma bula com o objetivo de alertar o leitor para os perigos da automedicação. É possível identificar se a professora considerou o aspecto intersubjetivo presente na interação? De que forma isso ocorreu? Explique.

5 Ingedore Koch, em seu livro “A inter-ação pela linguagem” (1995), traz um estudo detalhado desses aspectos do texto conver-sacional.

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D: Remédio de mato é meio

P1: Hã?

D: Remédio de agora num presta

P1: Como que num presta?

D: (quase inaudível) Num sei

P1: Remédio de agora? E por que ceis acham que os médicos estudam?

D: Nã::o (+) Eles estudam pra ficar lá sentado (+) Ganhá dinheiro dos pobre (xxxx)

P1: A::h (+) Estudam pra ficá sentados (+) A::h (+) E você acha que (+) que que ele poder/ quando ele vai consultá ele vai dá aquele remédio lá:: de 1900, ou vai dá um remédio que

D: Um remédio de agora

P1: A::hh (+) Você num falou que o remédio é uma porcaria?

J: Não professora (+) ele (xxx)

P1: Cada vez fez o quê? Eles descobrem coisa nova não é?

D: Tem vei NE.

P1: Tem vez?

D: Tem vez (+) EU acho.

/.../

D: Eu tenho uma tia (xxxx) que num deu remédio pra ela (+) Remé-dio dela é remédio do mato.

/.../

P1: E não é um remédio?

D: Não um remédio (xxxx) Só remédio de planta.

P1: Então (+) essa planta (+) ela tá usando como um remédio para ela (+) E você num acha que é remédio?

D: É (+) É um remédio.

P1: Então’ (+) É uma planta.

D: Mas num é passada por médico.

Fonte: KLEIMAN, A. Ação e mudança na sala de aula: uma pesqui-sa sobre letramento e interação In: ROJO, Roxane (org.). Alfabetização e letramento. São Paulo: Mercado de letras, 1998, p.196-197.

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Sugestões de leitura Para aprofundar seus conhecimentos, sugerimos a leitura de

dois livros básicos:

Análise da conversação, de Luis An-tônio Marcuschi (Ática,1986). Neste livro, o autor mostra que a conversação é a atividade comunicativa mais comum na vida das pessoas e que possui uma organização própria. Por isso é necessário conhecer as habilidades e os mecanismos linguísticos para

ajudar na compreensão mútua e na resolução de conflitos na interação verbal.

A interação pela linguagem, Inge-dore V. Koch (Contexto, 1995). Nesta obra a autora apresenta como as condições de produção de linguagem interferem nas es-colhas linguísticas dos sujeitos envolvidos nas situações concre-tas de interação. Para isso, ela apresenta os recursos e estraté-

gias textuais e discursivos atualizados pelos falantes quando interagem socialmente por meio de uma língua.

Português V I SEAD/UEPB 83

ResumoNessa aula, vimos que na interação verbal a linguagem é definida

como uma forma de ação conjunta entre falantes/ouvintes e ouvin-tes/escritores e que, ao usar a linguagem realizamos ações individuais e sociais, ou seja, estamos sempre fazendo algo com a linguagem. Quando conversamos realizamos uma atividade social com a lingua-gem. Nessa perspectiva, a Análise de Conversação se volta para o estudo dos processos conversacionais e de seus mecanismos organi-zadores, com base no principio de que todas as formas de interação verbal podem ser observadas, descritas, analisadas e interpretadas. Vi-mos também que o texto conversacional é basicamente caracterizado pela alternância dos papéis de falante e ouvinte entre os interlocutores numa determinada situação comunicativa e que ele sempre se inicia a partir de um tópico discursivo, ou seja, aquilo sobre o que se fala e, para que esse processo se desenvolva satisfatoriamente, falante e ou-vinte precisam se engajar efetivamente na atividade. As formas como eles participam instauram dois tipos básicos de interação, simétrica e assimétrica, e os turnos correspondem à série de intervenções realizadas pelos interlocutores e podem ser de qualquer extensão. Por isso, a con-. Por isso, a con-versação um texto construído “a quatro mãos”, no sentido de ser o resultado do trabalho cooperativo dos interlocutores, sendo planeja-do localmente. Uma das características do texto conversacional são os marcadores conversacionais que têm caráter multifuncional, ou seja, operam como organizadores da interação e organizam e estruturam o texto. Apesar desse tipo de texto ser construído de forma colabora-tiva isso não implica necessariamente que sempre haja consenso ou concordância. Mas em um esforço conjunto busca-se a construção da coerência. Por fim, vimos que todo texto, independente de seu processo de construção, é um enunciado concreto, produto da enunciação que pressupõe um eu enunciador e um tu enunciatário, portanto, podemos afirmar que todo texto, escrito ou falado, tem uma natureza dialogal e é ela que determina a sua produção. Nesse jogo interacional, mundos diferentes se encontram, simplesmente porque falante e ouvinte são pessoas diferentes.

84 SEAD/UEPB I Português V

AutoavaliaçãoO tratamento do texto falado (conversacional) não se esgota com

essa abordagem, mas procuramos nos deter nas noções mais gerais. Retome essas noções e apresente seu ponto de vista sobre a seguinte questão: Conhecer a dinâmica dos textos conversacionais pode trazer algum benefício para a minha atuação nas minhas interações cotidia-nas e profissionais?

Referências DIONÍSIO, A. P. Análise da conversação. In: MUSSALIM, F. & BEN-

TES, A.C. Introdução à linguística: domínios e fronteiras. v.2, 5 ed. São Paulo: Cortez: 2006.

GALEMBECK, P. T. Marcas da subjetividade e intersubjetividade em textos conversacionais. In: PRETI, D. (org.) Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2002..

HILGERT, J. G. Entendendo os mal-entendidos em diálogos. In: Pre-ti, D. (org.) Diálogos na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2005.

KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1995.

MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. 6 ed., São Paulo: Ática, 2007.

_______. Atividades de compreensão na interação verbal. In: PRE-TI, D. (org.) Variações e confrontos. São Paulo: Humanitas, 1998.

WILSON, V. Análise da conversação. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de linguistica. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2009

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VI UNIDADE

Interação na sala de aula

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ApresentaçãoNesta unidade propomos apresentar como ocorre a dinâ-

mica da interação no contexto de sala de aula. Sendo assim, começaremos estudando como ocorre a interlocução na sala de aula, cujo objetivo é a construção de novos conhe-cimentos. Nosso enfoque aponta para o fato de que o aluno não é mais passivo e nem o professor é exclusivamente ativo na dinâmica de sala de aula, pois eles assumem, ao mesmo tempo, a condição de sujeitos interativos, participantes efe-tivos do processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, não basta deixar o aluno falar, mas essa fala deve ser valoriza-da pelo grupo e principalmente pelo professor, pois ainda é ele quem garante o sucesso da interação em sala de aula. Não temos a pretensão de esgotar toda a complexidade que envolve o tema, mas queremos que as considerações aqui apresentadas possam subsidiá-lo de alguma forma em sua prática docente.

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Objetivos

Ao final dessa unidade, esperamos que você consiga:

• Caracterizar a dinâmica interacional de sala de aula;

• Reconhecer as concepções de ensino que subjazem as práticas de interação no contexto de sala de aula.

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Antes de iniciar nossa conversa...

Nesse momento, gostaríamos que você tentasse resgatar lembran-ças de suas experiências como aluno em sala de aula. Você se sentia à vontade para falar, para tirar suas dúvidas, para responder ao que o professor perguntava ou mesmo se sentia motivado para fazer isso? Existiu algum professor que foi marcante para você? Em que ele se di-ferenciava dos demais?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

As experiências que você vivenciou como aluno foram próprias daquele momento, não são generalizáveis, não permitem extensão a outros alunos, a outras salas de aula, nem a qualquer outro momento. Passamos por elas como rotinas às quais fomos submetidos, muitas vezes, sem nos questionarmos, sem refletirmos sobre aquelas situações. Agora que estamos nos preparando para estar do outro lado do pro-cesso, propomos nesta unidade falar sobre interlocução em sala de aula. Mas desde já deixamos claro que não existem regras específicas, predeterminadas de sua organização, mas queremos torná-las visíveis e explicitar as possíveis ações nela desenvolvidas.

Fonte: http://www.educacao.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=3248

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Iniciando nossa conversa...Nos tempos atuais, em que a informação circula quase simultane-

amente ao desenrolar dos fatos, o conceito de aprendizagem já muito se distancia da ideia de que aprender é receber e reter informações. Muito mais do que isso, sabe-se que o ato de aprender pressupõe o desenvolvimento das habilidades de compreender, interpretar, analisar e relacionar as informações recebidas.

No caso do ensino de língua materna, é necessário também que o professor defina a concepção de linguagem subjacente a sua prática em sala de aula. Ao considerar o processo de interação como funda-mental para aquisição do conhecimento, devemos conceber a lingua-gem como forma de ação ou interação, pois acreditamos que o ensino de língua, para ter sentido, deve acontecer no espaço da interlocução, com características semelhantes às práticas discursivas (orais e escritas) extraescolares.

Nessa perspectiva, a linguagem é e deve ser vista como o lugar de interação, momento em que os falantes de uma língua buscam os significados para o que está internamente construído e para a sua res-significação. Acreditamos, com base em Vygotsky (2005), que a apren-dizagem só é possível quando o que se pretende ensinar materializa-se na interação social entre os sujeitos, mediada pela linguagem.

É importante destacarmos que, à medida que interagimos com o “outro”, constituímos nossas singularidades, tendo na pluralidade o princípio básico dessa relação interpessoal, pois, de acordo com Vygotsky, todo conhecimento internalizado é constituído do movimento social para o interno, ou seja, as experiências interpessoais (operação externa) reconstrói o intrapessoal (interno) por meio da linguagem. Ou seja, a linguagem tem duas funções, a comunicação externa com os seres humanos e a manipulação interna dos pensamentos.

Bakhtin (1997) explicita que a realidade só pode ser compreendida e apreendida por meio dos textos verbais (escritos e orais), dos textos não-verbais e dos modos de dizer realizados na concretude das inte-rações verbais. Nestas, o eu e o outro se inter-relacionam por meio da linguagem (a palavra é o território comum do locutor e do interlocutor), mas numa relação que tem um caráter social, que está além do contex-to enunciativo mais imediato e, por isso mesmo, submete-se também às coerções sociais mais substanciais. Nessa perspectiva, a linguagem, veiculada na sala de aula, institui uma interlocução essencialmente plu-ral, heterogênea, polissêmica da esfera escolar.

Trataremos, então, da forma como acontecem as interações verbais na sala de aula, voltando nosso olhar sobre a dinâmica desse processo, para os fenômenos que revelam aspectos dialógicos nessa situação es-pecífica, uma vez que a enunciação é socialmente dirigida, construída por interlocutores socialmente situados, logo, voltaremos o nosso olhar para aquilo que professor e alunos fazem para construir a interação, a significação.

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Sobre as Estratégias de Interação na sala de aula

A escola é um ambiente legitimamente institucionalizado para o de-senvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e para que ocor-ram a produção e a construção do conhecimento faz-se necessário não só a presença do professor e dos alunos, mas eles devem assumir seus papéis definidos socialmente.

Sendo assim, a sala de aula, com seus princípios organizacionais próprios, explícitos ou implícitos, também se constitui em uma situação social em que os atores se encontram face a face e por meio de suas ações nesse encontro se influenciam mutuamente para a produção de significados, de sentidos. Por isso constitui uma situação marcada es-sencialmente pela pluralidade de ideias, de pensamentos, de desejos, de sons e de gestos, de satisfação, de indiferença, de subjetividades...

Ao negociar ações e significados, os sujeitos envolvidos no proces-so constroem a interação em sala de aula. Esta interação não é dada a priori, pois é construída e reconstruída a todo momento, de acordo com o contexto, que envolve não apenas o espaço físico ou material, mas as pessoas nele envolvidas, suas expectativas e intenções, assumin-do uma dinâmica própria de ações e reações entre professor-alunos, alunos-alunos. Isto porque ao interagirmos com o outro estamos con-tinuamente interpretando e reinterpretando os nossos próprios atos e os dos outros. Além disso, devemos considerar que o próprio contexto regula as nossas ações, ou seja, estamos sujeitos às regras sociais de-terminadas por ele.

Quando se participa de uma interação verbal, os interlocutores usam, mesmo que intuitivamente, as regras interacionais que caracteri-zam uma dada situação social, o que os permitem agir de certa forma em eventos de interação de uma mesma natureza. Sendo a sala de aula uma situação social, um evento interativo, não se pode separar o verbal e o social, pois os eventos de interação representam o lugar onde são construídas a identidade do sujeito e a ordem social.

Na escola, o quadro da interação verbal é definido pela situação em que os interlocutores se encontram, pois, como determina a so-ciedade, o professor ocupa a posição superior, aquele que detém o poder do saber e de determinar as ações dos alunos e o aluno ocupa a posição inferior, aquele que não detém o saber e está na escola para adquiri-lo, legitimando o poder do professor e da sua imagem como autoridade. Os papéis a serem desempenhados por ambos são mar-cados claramente.

Na sala de aula tradicional o professor, sendo o detentor do co-nhecimento, monopoliza o turno e cabe ao aluno a função de ouvir e de assimilar as intenções comunicativas daquele. Essa postura relega ao aluno um papel passivo, cujo envolvimento será praticamente nulo.

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Atividade IObserve a transcrição1 a seguir e analise-a, segundo a concepção de linguagem como interação, os papeis da professora e do aluno. É considerada a opinião do aluno no momento em que ele participa da aula? Que imagem do professor é possível identificarmos nessa situação? Reflita sobre essa situação de sala de aula.

[5.04.91]

1 P: O que a 1ª série pega?

2 A: A bola.

3 P: Pega a bola colorida.

4 A: Professora, pega a bola colorida no colo.

5 P: Não, no colo, se pega o neném, a boneca.

(Na aula anterior os alunos haviam trabalhado um texto que con-tinha o seguinte enunciado: “Rita pega a boneca no colo”. A palavra “neném” também havia sido estudada em contexto sintático-semântico semelhante).

Em situações de sala de aula como estas, Bortolotto (1998) observa que o professor se preocupa em ser fiel à memória discursiva do mé-todo, impedindo-o de refletir sobre o peso de seu discurso como ins-trumento de poder e regulação, controlando o discurso do aluno para que todos os acontecimentos correspondam ao que foi previsto como adequado para aquela situação.

Nessa perspectiva, é o professor quem comanda e o aluno executa a tarefa, pois conforme Bourdieu (1983 apud SILVA 2002, p. 185-186), “a língua não é somente um instrumento de comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder. Não procura-mos somente ser compreendidos, mas também obedecidos, acredita-dos, respeitados, reconhecidos”.

Entretanto, pode ocorrer de essas regras sociais estabelecidas serem modificadas ou substituídas por meio de ações verbais e não-verbais também significativamente organizadas no momento de se concretiza-rem. Afinal, o delineamento da interação em sala de aula, em última instância, é dada pelo professor e pelos alunos. São eles os interactan-tes, os sujeitos responsáveis pelo significado que atribuem às ações que praticam e à situação da qual participam.

1 Esta transcrição foi retirada do livro A in-terlocução na sala de aula, de Nelita Borto-lotto (1998).

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Conforme Barros (1999), os enfoques das pesquisas sobre as es-tratégias de interação em sala de aula tem se voltado para a análise dos artifícios utilizados, sobretudo pelo professor, para a condução da interação numa direção desejada, concentrando seu interesse sobre os aspectos organizacionais dessa interação e para a identificação de me-canismos de formulação e reformulação pelo professor com o intuito de verificar o que ele faz para tornar a interação em sala de aula mais eficaz.

Sendo o diálogo da sala de aula do tipo assimétrico, a produção linguística entre professor e alunos não é igual, logo, também não é igual a distribuição de poder e do controle. O tipo simétrico caracteri-zaria as conversações diárias, entretanto, consideraremos a conversa-ção, conforme Koch (1995), em seu sentido amplo de interação ver-bal na forma dialogada, pois embora o discurso de sala de aula não seja propriamente uma conversação, determinadas características, tais como alternância de turnos, pares adjacentes (p.ex. pergunta-resposta), sobreposições e fechamentos, o silêncio se fazem presentes. Contudo a assimetria não deixa de ser constitutiva do discurso escolar porque, se na conversação a regra básica é falar um de cada vez, na sala de aula ela é exigida pelo professor. Se a este cabe comandar a comunicação na sala, então ele tem todo o direito de escolher o aluno que deverá tomar o turno, por exemplo.

Vejamos um exemplo de como isso acontece2:

(É a apresentação de uma aula em que a professora fala sobre a importância e utilidade da água).

(16.05.91)

77 A: Professora, eu sei mais uma.

78 P: Fala. Não aí ... vamos fazê assim ó. Pra dá chance pra todo mundo de repente tu tens ... tu tens mais uma Rafa ... ô, Ricardo, mais aí de repente a tua é de alguém aqui da equipe (referia-se à equipe do próprio Ricardo). Então, tu vai guardá a tua idéia e se ninguém falar a tua idéia, tu fala novamente, porque tem mais pessoas que querem falar. De repente, a idéia que tu tens é a idéia de alguém. Então, tu vai guardá a tua idéia e se ninguém falá, então, no final, tu fala, ta? [...]

__________2 Idem.

Na situação apresentada percebe-se que o aluno não é só instru-ído a demonstrar o que aprendeu, mas também a aprender que nem sempre se pode falar o que se quer, a qualquer hora. Assim, ao mesmo tempo em que vai construindo, vai incorporando contratos interacionais próprios do lugar de onde se fala (na escola), estabelecidos, no caso, pelo professor. (BERTOLOTTO, 1998).

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Atividade II

Fonte: http://paulabertho.wordpress.com/2011/04/06/2873/

Você consegue lembrar-se de algum momento de sala de aula, em que você (ou um amigo), na condição de aluno, foi impedido pelo professor de apresentar sua idéia sobre determinado assunto? Como você reagiu diante da situação? Que tal você apresentar qual foi a sua atitude? Houve alguma implicação desse fato para a sua vida escolar?

É interessante observar que o diálogo instaurado em sala de aula também difere daquele nas conversações espontâneas porque se nes-tas as respostas para as perguntas colaboram efetivamente para o an-damento do tópico discursivo, enquanto estratégia de interação, na troca de turnos por meio de perguntas e de respostas na sala de aula o mesmo não acontece, pois conforme Marcuschi (2005, p.46), muitas vezes as perguntas lançadas pelo professor tem o objetivo de “rever o tema, identificar um problema, aferir a posição do aluno ou prosseguir na exposição”. Logo, as respostas dos alunos não são usadas para a continuidade do tópico propriamente ou nem chegam a ser conside-radas.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Sobre este aspecto, Marcuschi apresenta uma importante distinção, qual seja:

Interatividade e diálogo não são sinônimos e se manifestam de forma diferenciada. É possível ser interativo sem dialogar, mas não o contrário. A interatividade é um fenômeno constitutivo e irredutível das relações interpessoais, ao passo que o diálogo é uma das muitas estratégias de efetivar a interação. [...] A interatividade tem a ver com a noção de dialogismo bakhtiniano (uma natural e necessária relação com o outro) e não tanto com a noção de diálogo da Etnometodologia e da Análi-se da Conversação. (2005, pp.46-47)

Modernamente, mesmo as aulas expositivas têm recebido inova-ções ao se proporem como dialogadas ou “interativas”, em que mesmo que o domínio seja do professor, os alunos são instigados a participa-rem, mas ainda numa relação assimétrica, pois é orientada para uma finalidade preestabelecida, em que o professor ocupa uma posição pri-vilegiada ao exercer um certo domínio sobre os alunos. Kerbrat-Orec-chioni (1992 apud SILVA 2002) aponta quatro marcas que instauram esse domínio: a quantidade de fala, os atos de linguagem efetuados, a iniciativa e a estrutura das trocas conversacionais. As trocas, que corresponderiam à interação entre professor e alunos se dão através do seguinte esquema: pergunta do professor, resposta do aluno e ava-liação do professor.

Consideramos que esse esquema pode sofrer alterações, já que a interação é produzida socialmente e suas regras podem ser (re) ne-gociadas pelos participantes em função do contexto. Na sala de aula pode ocorrer de o professor dirigir uma pergunta aos alunos e não obter nenhuma resposta, de estes não tomarem o turno nos lugares de transição indicados pelo professor, pode ocorrer a simultaneidade ou sobreposições de falas, inserções nas falas dos alunos entre si. No entanto, de forma explícita ou implícita, é o professor quem conduz as regras subjacentes às conversações nessa situação.

Sendo o professor o responsável (ou a autoridade) pela distribuição dos turnos, com o intuito de despertar e manter o interesse e a motiva-ção, ele poderá dar aos alunos um maior poder à palavra por meio da linguagem, promovendo a participação destes e proporcionando um maior envolvimento do aluno e um ambiente mais propício à aprendi-zagem. Esse processo requer a capacidade de interpretar as ações dos outros para ter as suas próprias consideradas adequadas. Isso porque em qualquer situação de fala, não basta que os falantes e ouvintes dominem a estrutura gramatical dos enunciados, os sentidos comuns. Ambos precisam também dominar os modos comuns de usar e de inter-pretar a fala. Ou seja, além do conhecimento linguístico, é necessário o conhecimento de regras para interpretar um enunciado como uma pergunta ou uma repreensão, para entrar em uma conversa e tomar o turno, para saber usá-lo adequadamente etc.

Português V I SEAD/UEPB 95

Nesse processo, o professor mantém-se como a autoridade e pos-sui o maior poder e isso, de certa forma, lhe dá o direito de manter, melhorar ou depreciar a imagem social de seus alunos. Goffman (1970 apud SILVA, 2005) afirma que os alunos até gostam de interagir du-rante a aula e frequentemente o fazem desde que a sua imagem social não seja ameaçada, isto porque quando há essa ameaça gera-se um conflito no aluno entre aquilo que ele pensa e o que o professor quer que ele pense.

Atividade IIIA escola tradicional não é vista como um espaço de diálogo, um

espaço que incentive o debate de idéias. Ao contrário, é vista com grande potencial castrador, onde ter dúvida é motivo de vergonha. É o espaço onde o professor ‹sempre sabe› e o aluno ‹sempre ignora›, onde um é o dono da verdade e o outro a desconhece totalmente. Com base na leitura do quadrinho a seguir, que concepção de ensino é possível identificar no professor que não considera a fala do aluno? Em que isso pode prejudicar no processo de ensino-aprendizagem? Apresente suas conclusões.

Fonte: http://www.scielo.br

Sabemos que no discurso ensino-aprendizagem, é a fala do pro-fessor que predomina. É o professor quem inicia a aula, quem encerra a conversação, mas há momentos em que essa “ditadura” é quebrada quando há intervenção do aluno em busca de esclarecimentos. Aceitar essa intervenção é permitir que o aluno dê outro significado ao que está escutando e pretende entender ao seu modo, de forma que ele possa,

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aos poucos, construir o conhecimento relacionando-o com o que ele já sabe.

Quando estamos em sala de aula, devemos ver aquele espaço de aprendizagem como um lugar social, interativo, intersubjetivo e cons-truído entre um “eu” (professor) e vários “tus” (alunos) e a partir disso, é necessário considerar o saber do aluno, muitas vezes empírico, com o saber científico que traz o professor, amalgamando-os, a fim de que o processo educativo seja construído pela relação social estabelecida na sala de aula. Isso será possível se o professor valorizar as subjetivi-dades; se tiver um entendimento de que essas subjetividades têm como condição necessária de existência a intersubjetividade, expressada via língua, e que, nessa situação, dialógica, o sentido pode ser construído de forma recíproca.

Afinal de contas, se ensinar e aprender são processos interativos, professor e alunos precisam negociar e compartilhar as regras de sua participação, quem tem o direito de falar, quando e como fazê-lo, criando condições mais favoráveis para que a aprendizagem ocorra.

A realidade assimétrica da sala de aula não impede de o profes-sor encaminhar o processo interpretando adequadamente o discurso do aluno enquanto lugar de constituição e de transformação de seus valores socioculturais, mas também exige que o conduza conhecendo intimamente o seu objeto de ensino e de como ele pode ser construído pelo aluno como forma de contribuir para o sucesso de aprendizagem dele, criando as estratégias necessárias para a compreensão mútua, condição essencial para a aprendizagem.

Sugestões de filmes e de leitura

Para levá-lo a refletir sobre a interação na sala de aula, sugerimos que você assista aos filmes indicados e faça a leitura do livro proposto.

1. No filme, O sorriso de Monalisa, Katharine Watson (Julia Ro-berts) é uma professora de História recém contratada para le-cionar no conceituado colégio Wellesley. Ao conhecer de perto aquela realidade extremamente tradicionalista, decide questio-ná-la e refletir acerca das normas impostas e dos valores vigen-tes nela, levando suas alunas a uma mudança de atitude em relação aos padrões estabelecidos.

2. Em Sociedade dos poetas mortos, Robin Williams, um ex-aluno da tradicional Welton Academy, torna-se professor na mesma instituição. Nela, ele passa a atuar com uma metodologia de ensino que instiga os alunos a falar, a pensar, a ter suas próprias idéias.

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3. No livro A interlocução na sala de aula, Nelita Bortolotto (1998) destaca a atividade enunciativa do professor e dos alunos para a produção do texto escrito na sala de aula e de como as rela-ções de interlocução que se estabelecem nesse contexto interfe-rem no modo de aprender do aluno.

ResumoVimos, nessa aula, que a concepção de linguagem subjacente à

prática de sala de aula do professor é fundamental. Nessa perspectiva, considerar a linguagem como forma de ação ou de interação torna o processo de ensino e aprendizagem mais significativo pois, nessa di- pois, nessa di-mensão, ele adquire características semelhantes às práticas discursivas (orais e escritas) extraescolares. Uma vez que a interação em sala de aula se configura em uma situação específica em que alguns aspectos dialógicos são revelados, verificamos como ocorre a dinâmica desse processo, em que a enunciação é socialmente dirigida e construída por interlocutores socialmente situados, com base naquilo que professor e alunos fazem para construir a interação, negociando ações e signi-ficados. Também vimos que essa interação não é dada a priori, pois é construída e reconstruída a todo momento, de acordo com o contexto, que envolve não apenas o espaço físico ou material, mas as pessoas nele envolvidas, suas expectativas e intenções, assumindo uma dinâmi-ca própria de ações e reações entre professor-alunos, alunos-alunos.

AutoavaliaçãoApresente, em linhas gerais, as principais características da intera-

ção face a face no contexto de sala de aula.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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ReferênciasBAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BARROS, K. S. M. de. Produção textual: interação, processamento, variação. Natal: EDUFRN, 1999.

BORTOLOTTO, N. A interlocução na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1995

MARCUSCHI, L. A. O diálogo no contexto da aula expositiva: continuidade, ruptura e integração. In: PRETI, D. (org.) Diálogos na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2005.

SILVA, L. A. O diálogo professor/aluno na aula expositiva. In: PRETI, D. (org.) Diálogos na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2005.

_______. Estruturas de participação e interação na sala de aula. In: PRETI, D. (org.) Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2002.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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VII UNIDADE

A argumentação na interação verbal

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ApresentaçãoQuando interagimos com o outro, por meio da lingua-

gem, estabelecemos uma relação de fazer social, seja para informar, perguntar, pedir, ordenar, emocionar, convencer, ou seja, estamos sempre agindo sobre o outro nas diversas situações sociocomunicativas, influenciando-o de alguma forma e, para isso, selecionamos as formas que melhor se prestam a nossa intenção comunicativa. Nessa perspectiva, podemos dizer que todo uso da linguagem é argumentativo. Mesmo as crianças conhecem esse poder da linguagem. Já sentiu a dificuldade de fazer um delas desistir de uma idéia diante de uma negação?

Pois bem, são os nossos propósitos e finalidades comu-nicativos que nos situam perante nós mesmos e perante os outros em um concreto exercício da linguagem. E, sendo as-sim, cada vez que nos comunicamos, objetivamos algo por meio do uso da linguagem verbal ou não verbal, ou seja, num sentido amplo, argumentamos ao agir sobre o outro. Nesta aula, trataremos dessa dimensão argumentativa da linguagem, em que o dizer implica um fazer, mesmo que indiretamente, pois se todo ato de linguagem visa à pro-dução de efeitos de sentido, sempre estamos atuando para convencer alguém sobre alguma idéia ou a se comportar de uma determinada forma ou levá-lo a fazer algo.

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Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você consiga:

• Reconhecer a argumentação em sua dimensão prag-mática e discursiva.

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Antes de iniciar nossa conversa...

Na situação descrita na tirinha abaixo, o personagem Cebolinha interpela seu interlocutor com a solicitação de uma informação, o que se supõe uma resposta daquele (uma reação).

Podemos dizer que quando interpelamos o outro solicitando uma simples informação, queremos, de certa forma, influenciar o seu com-portamento. O interlocutor poderia se negar a responder ou mesmo não demonstrar nenhum interesse em colaborar com a nossa intenção comunicativa, entre outras possibilidades.

Na tirinha em questão, podemos dizer que o personagem Cebo-linha conseguiu agir sobre seu interlocutor? Que elemento linguístico evidencia isso?

Mesmo que o interlocutor tenha se mostrado disposto a colaborar nessa situação comunicativa, parece ter se frustrado com o desfecho da mesma. Que elemento visual confirma essa hipótese? Por que isso aconteceu?

Iniciando nossa conversa...Koch, em seu livro Argumentação e linguagem (2008), defende que

o ato de argumentar é o ato fundamental da comunicação humana, no sentido de que sempre orientamos o uso da linguagem (discurso) para determinadas direções e que esta, e não a função comunicativa, é a função principal da linguagem. Dessa forma, se argumentar é ten-tar agir sobre o outro, podemos dizer que todo texto tem esse objetivo como princípio básico.

Sendo assim, quando falamos ou escrevemos, não informamos ou declaramos apenas sobre algo, pois as frases ao serem enunciadas

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tornam-se ações, queremos que o nosso interlocutor desempenhe uma determinada ação ou compartilhe determinadas ideias. A ideia de ligar a palavra à ação teve como precursor John Austin. Em sua obra Quan-do dizer é fazer (1962), o autor introduz o conceito de “performativo”, definido como todo enunciado que realiza o ato que está sendo enun-ciado. Austin e, posteriormente, Searle desenvolveram a Teoria dos Atos de Fala, que adquiriu um campo amplo e diversificado de investigação no campo da pragmática, ao tratar da língua em contextos reais de co-municação. Tratemos brevemente dessa teoria.

A pragmática estuda a relação dos signos com os “intérpretes”. Nessa abordagem, os signos só podem ser entendidos a partir dos fatores extralingüísticos que os motivam, sejam eles sociais, culturais ou afetivos nas cenas comunicativas. Daí porque a inte-ração é o lugar ideal para a análise do modo como os participan-tes atuam nesse contexto. A palavra só adquire significado no uso que se faz da língua. É a teoria do uso social da língua. De acordo com Koch (2008), com o surgimento da Pragmática “o estudo do discurso e, em decorrência, o da argumentação ou retórica – pas-sou a ocupar um lugar central nas pesquisas sobre a linguagem”. Além disso, tal preocupação teve início no momento em que se passou a incorporar a enunciação ao estudo dos enunciados lin-güísticos, o que deu origem à Teoria da Enunciação (p.18).

A teoria dos atos de fala

A teoria dos atos de fala foi elaborada por John L. Austin e, pos-teriormente, desenvolvida por Seale, Straws e outros, que consideram que o uso das palavras em diferentes interações linguísticas determina o seu sentido. Ao estudar sobre essa questão, Austin descobre que determinadas sentenças são na verdade ações, mas que só terão sentido dependendo das condições em que forem proferidas.

Austin chama de ato de fala toda ação que é realizada através do dizer, por isso a necessidade de distinguir as diversas dimensões que um ato de fala possui. Ele introduziu o conceito de “performativos”, no sentido de que não se considera uma relação de verdade ou falsidade com os enunciados, como preconiza a semântica tradicional, mas o comprometimento do locutor com os atos realizados.

Para Austin dizer algo comporta três atos: o ato locucionário (é a transmissão da informação, constituída por um conjunto de sons, organizados de acordo com as regras da língua); o ato ilocucionário (momento em que se atribui uma determinada força ao ato locucioná-rio – pedido, ordem, pergunta...); e o ato perlocucionário (é o ato de provocar um efeito sobre o interlocutor a partir das intenções do falante – advertir, repreender, assustar, agradar...).

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É importante destacarmos que para o autor todo ato de fala é, ao mesmo tempo, locucionário, ilocucionário e perlocucionário, pois pro-locucionário, ilocucionário e perlocucionário, pois pro-cura sempre, através de um enunciado determinado, pronunciado com definidas intenções, provocar uma reação do interlocutor, que pode não ser a resposta esperada pelo locutor, pois isso depende da força ilocucionária do ato de fala.

Quando se estuda a Teoria dos Atos de fala, colocam-se em evi-dência duas formas de realização da fala que são: ato de fala direto, quando realizado por meio de formas linguísticas típicas daquele tipo de ato, e ato de fala indireto, quando realizado indiretamente por meio de formas linguísticas típicas de outro tipo de ato, ou seja, dizer algo, mas com outra intenção que não está explícita no momento da fala, por meio da linguagem.

Para exemplificarmos essas formas de realização, vejamos os exem-plos a seguir:

Exemplo 1:

Exemplo 2:

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br

No exemplo 1, a professora dá a ordem para que o aluno escreva algo no quadro e para isso usa o imperativo “escreva”, elemento ca-racterístico de um ato de fala direto. Já no exemplo 2, a relação entre

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a imagem e o enunciado “como arrumar uma coroa” sugere que o interlocutor “arrume uma coroa”, ou seja, que encontre uma mulher de meia idade. Considerando que é a propaganda de um plano de assistência funeral, pode-se inferir que o termo “coroa” significa coroa de flores. Esse uso indireto dos elementos possibilita um enunciado ser entendido ou ser interpretado de mais de uma forma. Nesse caso, po-demos dizer que a intenção comunicativa da propaganda é “se quiser ter os benefícios ou assistência necessários naquele momento em que você realmente vai precisar de uma ‘coroa’, adquira, compre o nosso serviço”. Ou seja, há momentos durante o processo comunicativo em que se faz uso de uma determinada forma linguística, mas com uma intenção diferente da que normalmente seria usada com a intenção de produzir determinados efeitos, dependentes, por sua vez, do contexto.

Atividade IAgora é com você:

Fonte: http://patocomfome.blogspot.com/2007_10_01_archive.html

Nessa propaganda, há uma intertextualidade com o logotipo de uma marca, a “Vivo”, uma empresa de telefonia. O anunciante aproveitou-se dessa dicotomia “vivo” versus “morto” para criar o efeito de humor. Interprete-a com base na teoria dos atos de fala.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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É importante destacarmos que o principal mecanismo interpretativo que intervém na decodificação dos atos de fala indiretos são as céle-bres máximas conversacionais do filósofo americano H. P. Grice.

Segundo Grice, o princípio básico que rege a comunicação hu-mana é o princípio da cooperação, isso porque quando duas ou mais pessoas iniciam a interação verbal, elas cooperam-se entre si para que a interlocução ocorra de forma desejada.

Esse princípio pressupõe quatro “máximas”, a saber:

1. Máxima da quantidade: não diga nem mais nem menos do que é necessário durante a interação;

2. Máxima da qualidade: só fale sobre aquilo que conhece como verdadeiro;

3. Máxima da relação (relevância): diga somente o que é impor-tante;

4. Máxima do modo: seja claro e conciso no que diz, evite a lin-guagem prolixa.

Vejamos a relevância dessas máximas em um evento comunicativo com a atividade a seguir, em que a (des)consideração de alguma delas pode ocasionar resultados não desejados ou não esperados.

Atividade II O texto abaixo descreve uma situação em que Ruy Barbosa, escritor reconhecido pelo uso rebuscado da língua, aborda um ladrão na tentativa de impedi-lo de levar os patos de sua casa. Após sua leitura, retome as máximas de Grice e explique por que o ladrão não soube como reagir ao ato de fala realizado por Ruy Barbosa.

“Conta a história que o grande jurista Rui Barbosa, num certo dia, ouviu barulho estranho no quintal de sua casa e foi verificar o que era. Deparou-se com um homem muito mal vestido que estava roubando aves. Rui Barbosa reverberou:

- Oh, bucéfalo anácroto! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito de minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Português V I SEAD/UEPB 107

por necessidade, transijo, mas se é para zombares de mi-nha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quin-quagésima potência do que o vulgo denomina nada.

O ladrão perguntou:

- Dotô, eu levo ou deixo os patos?”

Menezes (2006) observa que o postulado desses autores de ligar a palavra à ação assume uma importância fundamental na perspecti-va discursiva. Entretanto, essas ações não são aleatórias, pois devem atender a determinadas regras para que sejam adequadas às situações. Essas regras servem de parâmetros para a atuação dos interlocutores e de convenções de uso da linguagem. Conforme Searle (1981 apud MENEZES 2006), são quatro condições principais, a saber:

a. Condições de conteúdo proposicional: as formas linguísticas precisam ser reconhecidas pelo interlocutor e expressar uma orientação para sua ação futura no momento da enunciação;

b. Condições preparatórias: o locutor, em relação ao seu papel social, precisa ser reconhecido como tal pelo interlocutor;

c. Condições de sinceridade: desejo real do locutor de que a ação seja desenvolvida por seu interlocutor;

d. Condição essencial: obrigação do interlocutor em realizar a ação desejada pelo locutor.

Nessa dimensão ilocucionária ou perlocucional do ato, é preciso considerar que locutor e interlocutor são sujeitos de intencionalida-de, logo é preciso considerar as consequências dessa dimensão sobre o interlocutor em relação aos seus comportamentos, pensamentos, valores ou crenças. Isto porque “ao sustentar um argumento, podemos persuadir ou convencer alguém. Se eu o aviso de qualquer coisa, posso assustá-lo ou alarmá-lo, pedindo alguma coisa, posso levá-lo a fazê-la; informando-o posso convencê-lo” (SEARLE 1981, apud MENEZES, 2001). Uma propaganda publicitária, por exemplo, no momento da sua enunciação, tem uma finalidade persuasiva, que visa vender um produto, serviço ou ideia aos consumidores, os efeitos que ela provoca pertencem à dimensão perlocucional do ato de fala.

Perelman e Tyteca, no Tratado da argumentação (1983), observam que o que se pretende ao argumentar é obter a adesão de um auditó-rio1 a determinadas teses, mas observam também que isso só se torna possível ao se considerar suas condições psíquicas e sociais, pois a ar-gumentação pode não ter o efeito desejado, desconsiderando-se esses aspectos. Ou seja, não se argumenta ao acaso. Quando argumen-tamos queremos levar um “auditório” específico a realizar uma ação

1 O auditório é definido pelos autores como o “conjunto daqueles que o orador quer in-fluenciar com sua argumentação” (p.22).

108 SEAD/UEPB I Português V

específica. Portanto, mais do que conhecer o seu auditório, o “orador” deve procurar adequar-se a ele e usar as técnicas discursivas adequa-das. No dizer dos autores,

Não basta falar ou escrever, cumpre ainda ser ou-vido, ser lido. Não é pouco ter a atenção de al-guém, ter uma larga audiência, ser admitido a to-mar a palavra em certas circunstâncias, em certas assembléias, em certos meios. Não esqueçamos que ouvir alguém é mostrar-se disposto a aceitar--lhe eventualmente seu ponto de vista. (p.19)

Ainda conforme os autores, levar em conta as características desse auditório (o outro) é imprescindível não apenas para a preparação pré-via da argumentação, mas também para o seu desenvolvimento. “Com efeito, como a argumentação visa obter a adesão daqueles a quem se dirige, ela é, por inteiro, relativa ao auditório que procura influenciar” (p.21).

Nesse ponto, destacamos a distinção entre “convencer” e “persua-dir”, conforme os autores citados, explicitada por Koch (2008, p. 18):

Enquanto o ato de convencer se dirige unicamente à razão, através de um raciocínio estritamente lógico e por meio de provas objetivas, sendo, assim, ca-paz de atingir um “auditório universal”, possuindo caráter puramente demonstrativo e atemporal (as conclusões decorrem naturalmente das premissas, como ocorre no raciocínio matemático), o ato de persuadir, por sua vez, procura atingir a vontade, o sentimento do(s) interlocutor(es), por meio de ar-gumentos plausíveis ou verossímeis e tem caráter ideológico, subjetivo, temporal, dirigindo-se, pois, a um “auditório particular”: o primeiro conduz a certezas, ao passo que o segundo leva à inferên-cias que podem levar esse auditório – ou parte dele – à adesão aos argumentos apresentados.

Logo, seguindo a linha de pensamento de Menezes (2006),

Podemos falar de um certo consenso entre postu-ras teóricas dos campos da pragmática e da re-tórica para o tratamento da relação entre o dizer e o fazer. O ato de fala e a argumentação cons-tituem um espaço de organização do dizer que é governado por regras e limitações (Searle) ou pelo acordo (Perelman). A convergência é importante: aquilo que pode ser dito pertence ao repertório de práticas linguageiras reconhecido pela comunida-de em que se dá a relação discursiva. O sujeito de fala, portador de uma intencionalidade, orienta-se pelas representações linguageiras e convenções partilhadas entre os membros dessa comunidade, para que a sua fala seja adequada (p.92).

Português V I SEAD/UEPB 109

Isso quer dizer que as formas como os sujeitos compreendem e atu-am nas situações que envolvem valores e posicionamentos dependem da capacidade de se reconhecer as condições de produção, o que parametriza a produção dos discursos. No dizer de Menezes, “o sujeito intencional que detém a palavra utiliza determinadas estratégias, que correspondem a técnicas e à organização do dizer, que pareçam mais adequadas à situação” (p.92), com base no que ele supõe saber da competência linguística de seu interlocutor e reconhece ser pertinente quanto ao conteúdo proposicional e o sentido dos enunciados numa situação de fala partilhada. Ao comunicar, o locutor torna-se enunciador mobilizando determinadas estratégias com vistas a produzir determinados efeitos sobre o sujeito interpretante.

Ou seja, se projetamos sobre o nosso interlocutor um ponto de vista específico e queremos a sua adesão, implica dizer que os sentidos são construídos e reconstruídos pelos interlocutores, logo, não basta uma argumentação eficaz, mas também a forma como o nosso interlocutor interpreta o nosso projeto do dizer. Para isso, fazemos escolhas depen-dentes do auditório e da situação contextual específica. O processo argumentativo compreende uma atividade intersubjetiva (o auditório) e subjetiva. Um mesmo assunto pode ser tratado de diferentes maneiras, pode receber “juízos de valor” diferentes, assim como está sujeito a diferentes formas de recepção (interpretações) por parte de seu desti-natário.

Em outras palavras, se de um lado temos um sujeito que tenta con-vencer alguém de algo, levá-lo a agir de uma determinada forma, de outro, tem-se um sujeito que interpreta o que lhe é dito, que acredita ou não em seu interlocutor, que divide com ele ideias, sentimentos, desejos, crenças, ações. Entre esses sujeitos estabelece-se uma relação de interação enquanto fenômeno sociocultural e discursivo. Se é na interação que os interlocutores se constroem, os sentidos construídos nesse momento são, portanto, sempre plurais. Bakhtin já observava que os sentidos se constroem na relação, logo a intersubjetividade não é apenas condição do funcionamento da linguagem, mas também cria a subjetividade.

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Atividade IIIConforme Koch (2008, p.22), cada enunciação pode ter uma multi-

plicidade de significações, visto que as intenções do falante, ao produzir um enunciado, podem ser as mais variadas, não teria sentido a preten-são de atribuir-lhe uma interpretação única e verdadeira. O conceito de intenção é, assim, fundamental para uma concepção da linguagem como atividade convencional: toda atividade de interpretação presente no cotidiano da linguagem fundamenta-se na suposição de que quem fala tem certas intenções, ao comunicar-se.

Analisando a tirinha abaixo, o personagem Hagar compreendeu a intenção comunicativa de sua esposa Helga? Explique.

Fonte: http://www.xapopila.com/?p=3051

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Português V I SEAD/UEPB 111

Resumo Vimos, nessa aula, que o ato fundamental da comunicação hu-

mana é o ato de argumentar, pois o uso que fazemos da linguagem sempre é orientado para determinadas direções, para agir sobre o ou-tro. John Austin foi o precursor da ideia de ligar a palavra à ação e introduziu o conceito de “performativo” como todo enunciado que realiza o ato que está sendo enunciado. A partir de suas ideias foi desenvolvida a Teoria dos Atos de Fala, que considera os enunciados produzidos sob determinadas condições como ações. Logo, todo ato de fala é uma ação realizada através do dizer, que pode ser direto ou indireto. Os atos de falas também se relacionam às máximas de Grice que, segundo o autor, constituem o principal mecanismo interpretativo daqueles. Além disso, eles devem atender a determinadas regras que sejam adequadas às situações, pois não só o locutor, mas também o interlocutor são sujeitos de intencionalidade. Por isso, a dimensão ilo-cucionária e perlocucional dos atos deve levar em conta o auditório a quem se dirigem, daí a convergência entre a pragmática e a retórica, no sentido de que o discurso se dirige a alguém, um sujeito que tam-bém interpreta o dizer, por isso o reconhecimento das condições de produção deve parametrizar a produção dos discursos. O que está em jogo são os sentidos construídos e reconstruídos pelos interlocutores, por isso não basta uma argumentação eficaz, mas como o interlocutor interpreta o projeto do dizer.

AutoavaliaçãoElabore uma síntese em que você apresente os fatores que carac-

terizam a interação verbal como uma atividade fundamentalmente ar-gumentativa.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

112 SEAD/UEPB I Português V

Atividade complementarO filme “Tempo de matar” (A time to kill) mostra o julgamento de

um homem negro acusado de matar dois jovens brancos que haviam assassinado a sua filha. O foco central gira em torno do advogado de defesa e da promotoria que tentam influenciar o público com base em suas argumentações. Para isso, fazem uso de argumentos lógicos e gerenciam as emoções daquele público, o que determina o resultado final do processo.

Assista ao filme com o objetivo de identificar a forma como a defesa e a acusação desempenham seus papéis em busca da adesão do júri por meio de seus argumentos.

ReferênciaAUSTIN, J. Quando dizer é fazer. Trad.: D. Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. (Data do original 1962)

KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

MENEZES, W. A. Estratégias discursivas e argumentação. In: LARA, G. M. P. (org.) Lingua(gem), texto, discurso. Rio de Janeiro: Lucerna; Belo Horizonte, MG: ALE/UFMG, 2006.

PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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VIII UNIDADE

Estratégias de argumentatividade na organização dos textos

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ApresentaçãoNa aula passada, consideramos a argumentação numa

perspectiva ampla, inerente a todos os usos da linguagem, em sua dimensão pragmática e discursiva. Nessa aula, tra-taremos da argumentação, procurando identificar as ca-racterísticas linguísticas dos textos cujo objetivo explícito é convencer, ou seja, que buscam levar o interlocutor a uma reação ou a modificação de seu ponto de vista sobre algo no mundo. Nesse sentido, vários são os recursos ou estraté-gias de argumentação. O recorte feito aqui se justifica pela impossibilidade de, nesse espaço, abordá-los em toda a sua abrangência. Por esse motivo, apontaremos alguns desses recursos utilizados pelos locutores para defender determi-nadas ideias e obter os efeitos pretendidos (ou não) sobre o interlocutor, pois como vimos, usamos a linguagem não apenas para representar o mundo que nos circunda ou afir-mar algo sobre ele, mas, principalmente, para atuar sobre ele e sobre as coisas com o objetivo de obter os resultados pretendidos nas interações verbais por meio de nossas ações linguísticas.

Isso porque nem sempre agimos conscientemente para produzir efeitos de sentido que se concretizem em ações (verbais ou não) ou na mudança ou reforço de opiniões, ou seja, nem sempre estamos conscientes dos nossos propósitos argumentativos, mesmo que todo ato de linguagem tenha, de certa forma, esse aspecto. Por outro lado, podemos fazer disso o nosso objetivo explícito na interação verbal, oral ou escrita. Quando isso acontece, temos um texto argumenta-tivo, cuja intenção explícita é a de convencer o interlocutor ou conseguir a sua adesão. Passemos, então, a verificar al-

Português V I SEAD/UEPB 115

gumas das estratégias ou recursos de sua construção.

Antes de iniciar, lembramos que essa é nossa última uni-dade e desejamos que continuem os estudos sobre o con-teúdo abordado com entusiasmo e dedicação. Se sentirem dificuldades, procurem o tutor ou o professor responsável pela disciplina, mas não deixem de interagir, pois isso é uma ação muito importante para o sucesso da sua formação.

Objetivos

Ao final desta unidade, esperamos que você tenha con-dições de:

• Verificar a organização de textos argumentativos;

• Identificar estratégias de argumentação na organiza-ção dos textos.

116 SEAD/UEPB I Português V

Antes de iniciar a nossa conversa...

Leia o texto abaixo para responder as questões propostas.

Vencendo os erros

Use os equívocos identificados nas atividades para ajudar o aluno a superar barreiras e seguir aprendendo

Ninguém tem dúvida de que ensinar o que é correto está na raiz da profissão docente. Com base nessa concepção, por muitos anos se pensou que era papel do professor identificar os erros e puni-los. Prova disso é o próprio sistema de avaliação que se desenvolveu. Os estudantes são testados sistematicamen-te, muitas vezes recebendo notas baixas e, em casos extremos, sendo retidos no mesmo ano letivo. Afinal, aluno bom é só o que acerta.

Teorias desenvolvidas ao longo do século 20 vieram mostrar que a história não é bem essa e que o errado é quem pensa assim. Beira o impossível aprender algo sem antes cometer equí-vocos. Eles fazem parte da aprendizagem: são obstáculos que as crianças ultrapassam quando estão em busca do conheci-mento. “Muitos professores não compreendem que as respostas dadas por elas (mesmo que distantes do padrão apontado pela ciência) têm explicações lógicas e evidenciam avanços significa-tivos”, afirma Evelyse dos Santos Lemos, pesquisadora do Ensino de Ciências e Biologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.

Ver o erro como um indicador do raciocínio do estudante possibilita criar situações que o levem a por as ideias inadequa-das em xeque. É preciso analisar as incoerências, categorizá-las e problematizá-las. A chave é levar todos a pensar sobre o que não sabem e, com isso, aproximá-los do conhecimento espera-do para o nível em que estão. Um olhar atento é fundamental para entender os erros, que são de diferentes tipos.

Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/ Acesso em: 14/02/2012

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1. Quem seria o leitor interessado nas ideias apresentadas pelo texto?

2. O texto pretende convencer o leitor de qual ideia ou tese?

3. Por que o leitor deve seguir o que o texto recomenda?

4. Por que você acha que o autor do texto mencionou a fala de uma pesquisadora sobre o assunto?

5. Que provável atitude você acha que o leitor, a quem o texto se destina, teria em relação aos erros dos alunos?

As formas utilizadas nos textos para levar o leitor ou o ouvinte ao convencimento são chamadas de estratégias ou recursos argumenta-tivos. No caso específico do texto argumentativo, essas formas dão a indicação da orientação argumentativa nos textos, pois são elas que organizam e articulam os argumentos e devem contribuir para a con-secução de um determinado objetivo ou objetivos inter-relacionados pretendidos pelo produtor do texto. Lembre-se de que, como obser-vamos na aula passada, se temos, por um lado, um locutor que tenta convencer, por outro, temos o interlocutor que interpreta, que atribui julgamentos de valor, que acredita ou não, que compartilha ou não das mesmas ideias, no jogo interacional discursivo.

Iniciando nossa conversa... A produção de todo e qualquer texto é orientada por uma fi-

nalidade comunicativa, além disso, quem produz sempre procura de alguma forma convencer o leitor ou ouvinte acerca de alguma ideia ou obter a sua adesão. Nesse jogo, damos aos enunciados uma de-terminada orientação que levem nosso interlocutor a uma determinada conclusão e exclua outras. Ao agir assim, damos aos nossos enuncia-dos uma determinada força argumentativa. No texto, explicitamen-te argumentativo, essa ideia é chamada de tese. Para comprová-la, o autor mobiliza uma série de estratégias ou recursos que organizam a sua argumentação com vistas a obter o efeito desejado. É importante observar que a eficácia de um texto argumentativo depende não ape-nas de argumentos consistentes, mas também da escolha de recursos adequados que garantam uma organização textual condizente com a intenção comunicativa.

Na literatura encontramos alguns tipos de básicos de argumentos, vejamos:

a. argumentos baseados no senso comum ou consenso: são argumen-tos baseados no senso comum ou em experiências conhecidas, ou seja, em verdades que são aceitas culturalmente, sem que haja necessidade de serem comprovadas;

b. argumentos baseados em provas concretas: são argumentos que se apoiam em fatos, dados estatísticos, exemplos, ilustrações,

118 SEAD/UEPB I Português V

pesquisa e similares para comprovar a veracidade do que se diz, opondo-se às generalizações ou às opiniões pessoais. O texto recebe um tratamento mais objetivo, com aparência de exatidão e veracidade;

c. argumentos de autoridade: são argumentos que consistem na recorrência a fontes de informação de autores renomados ou de autoridades no assunto para comprovação de uma tese ou de um ponto de vista;

d. argumentos por raciocínio lógico: argumentos baseados em rela-ções lógicas, tais como de causa e consequência ou de condi-ção, por exemplo. Essa forma de argumentar dá ao texto uma maior consistência argumentativa, uma vez que, por meio do raciocínio, fica mais difícil contestá-lo. Por outro lado, o efeito contrário pode ocorrer se a argumentação não apresentar um raciocínio lógico correto, gerando a falsidade da argumentação.

É importante notar que esses argumentos não são excludentes para a construção do texto argumentativo, mas são recursivos. Em outras palavras, dependendo da situação comunicativa, do gênero textual, dos interlocutores, dos efeitos pretendidos na interação, o produtor do texto pode recorrer a diferentes tipos de argumentos com vistas a obter a adesão do leitor ou ouvinte.

Atividade IVoltando ao texto apresentado no início de nossa aula, que tipos de argumentos, dentre os apresentados, são utilizados para mostrar que a tese do texto é válida?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Atividade IINa tirinha abaixo, a personagem Hagar acredita que o mundo é plano. Com base em quais argumentos seu amigo Eddie tenta convencê-lo do contrário?

Fonte: http://hagarportugues.blogspot.com.br/2010/07/hagar-1.html

A partir da interpretação desse texto, e de seu estudo até esse momento, diga por que os argumentos utilizados no processo de construção do texto argumentativo nem sempre são eficazes.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

120 SEAD/UEPB I Português V

Koch (2008) aponta alguns tipos de relações de caráter argumen-tativo1 possíveis de serem apreendidas através das marcas linguísticas presentes nos textos. Dentre essas relações, a autora destaca:

1. As pressuposições;2. As marcas das intenções, explícitas ou veladas,

que o texto veicula;3. Os modalizadores que revelam sua atitude

perante o enunciado que produz (através de certos advérbios, dos tempos e modos verbais, de expressões do tipo: “é claro”, “é provável”, “é certo” etc.);

4. Os operadores argumentativos, responsáveis pelo encadeamento dos enunciados, estruturando--os em textos e determinando a sua orientação discursiva;

5. As imagens recíprocas que se estabelecem entre os interlocutores e as máscaras por eles assu-midas no jogo de representações, ou como diz Carlos Vogt, nas pequenas cenas dramáticas que constituem os atos de fala (p.33).

Trataremos, aqui, mais especificamente, dos operadores argumenta-tivos e dos modalizadores, muito embora as relações apresentadas este-jam, de uma forma ou de outra, inter-relacionadas. A autora, baseando--se em O. Ducrot, criador da Semântica Argumentativa, esclarece que os operadores argumentativos são “certos elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar (´mostrar´) a força argumentativa dos enunciados” (1995, p.30) ou a orientação dos mesmos, estabelecendo relação entre argumentos que têm a mesma força argumentativa em di-ção entre argumentos que têm a mesma força argumentativa em di- argumentos que têm a mesma força argumentativa em di-reção a uma conclusão ou argumentos que apresentam uma gradação de força em relação à conclusão, em que o argumento mais forte (de sentido mais positivo ou mais negativo) tende a se aproximar da conclu-são. Apresentamos o quadro representativo, proposto por Koch (op.cit.), desses operadores com suas respectivas funções e exemplos.

QUADRO DEMONSTRATIVO DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS2

(A) Operadores que assinalam o argumento mais forte de uma es-cala orientada no sentido de determinada conclusão. Sentido positivo: até, até mesmo, inclusive; sentido negativo: nem mesmo etc.

(B) Operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão: e, também, ainda, nem (= e não), não só... mas também, tanto... como, além de..., além disso..., a par de... etc.

(C) Operadores que introduzem uma conclusão relativamente a argumentos apresentados em enunciados anteriores: portanto, logo, por conseguinte, pois, em decorrência, consequentemente etc.

(D) Operadores que introduzem argumentos alternativos que le-vam a conclusões diferentes ou opostas: ou, ou então, quer... quer, seja... seja etc.

1 Não trataremos de todas as relações apre-Não trataremos de todas as relações apre-sentadas pela autora. Para um estudo mais detalhado, sugerimos a leitura dos livros Argumentação e linguagem (KOCH, 2008) e A interação pela linguagem (KOCH, 1995).

2 Para uma explicação mais detalhada des-ses operadores cf. Koch (1995).

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(E) Operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos, com vistas a uma dada conclusão: mais que, menos que, tão... como etc.

(F) Operadores que introduzem uma justificativa ou explicação re-lativamente ao enunciado anterior: porque, que, já que, pois etc.

(G) Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias: mas (porém, contudo, todavia, no entanto), embora (ainda que, posto que, apesar de etc).

(H) Operadores que têm por função introduzir no enunciado con-teúdos pressupostos: já, ainda, agora etc.

(I) Operadores que se distribuem em escalas opostas (ou para a afirmação total ou para a negação total): pouco/um pouco, quase, apenas (só, somente).

Esses elementos, muitas vezes, são os responsáveis pela força argu-mentativa dos textos. Nas palavras da autora,

Estes operadores articulam dois atos de fala, em que o segundo toma o primeiro como tema, com o fim de justificá-lo ou melhor explicá-lo; contra-por-lhe ou adicionar-lhe argumentos; generalizar, especificar, concluir a partir dele; comprovar-lhe a veracidade; convocar o interlocutor à concordân-cia etc., sendo assim, responsáveis pela orientação argumentativa dos enunciados que introduzem [...] (KOCH, 2004, p.131).

Atividade IIIPodemos observar que os operadores argumentativos reportam-se a elementos gramaticais. Leia o artigo “Os operadores argumentativos no discurso publicitário”, publicado no site indicado abaixo e, a partir de sua leitura e das considerações expostas até aqui, explicite por que a classificação gramatical não dá conta dos efeitos de sentido desses operadores no processo de enunciação.

}{http://www.uel.br/eventos/sepech/sumarios/temas/os_operadores_argumentativos_no_discurso_publicitario.pdf

122 SEAD/UEPB I Português V

Indicadores modais ou índices de modalidade

Também chamados de modalizadores têm como função indicar o modo como aquilo que se diz é dito, ou seja, eles veiculam diferen-tes modalidades para os enunciados. Koch (2008), na perspectiva da pragmática linguística, considera as modalidades “como parte da ativi-dade ilocucionária, já que revelam a atitude do falante perante o enun-ciado que produz” (p.73), e com valor argumentativo, pois reconhecer as intenções do falante, através do uso dos modalizadores, faz parte da constituição da significação dos enunciados. Vejamos o que nos diz a autora em sua obra “Argumentação e linguagem”.

O que importa ressaltar é o fato de que, ao produzir um discurso, o locutor manifesta suas intenções e sua atitude perante os enunciados que produz através de sucessivos atos ilocucionários de modalização, que se atualizam por meio dos diversos modos de lexicalização que a língua oferece (operado-res modais).

Entre os vários tipos de lexicalização possíveis das modalida-des podem-se citar:

performativos explícitos: eu ordeno, eu proíbo, eu permito, etc.;auxiliares modais: poder, dever, querer, precisar, etc.;predicados cristalizados: é certo, é preciso, é necessário, é

provável, etc.;advérbios modalizadores: provavelmente, certamente, ne-

cessariamente, possivelmente, etc.;formas verbais perifrásticas: dever, poder, querer, etc. + in-

finitivo;modos e tempos verbais: imperativo; certos empregos de

subjuntivo; uso do futuro do pretérito com valor de probabili-dade, hipótese, notícia não confirmada; uso do imperfeito do indicativo com valor de irrealidade, etc.;

verbos de atitude proposicional: eu creio, eu sei, eu duvido, eu acho, etc.;

entonação: (que permite, por ex.: distinguir uma ordem de um pedido, na linguagem oral);

operadores argumentativos: pouco, um pouco, quase, ape-nas, mesmo, etc.

KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2008 (p.85).

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De acordo com a autora, na produção de seus enunciados, o locu-tor pode construir seu discurso como autoritário, obrigando o interlocu-tor a aderir ao mesmo como verdadeiro: “é o campo da necessidade, da certeza, do imperativo, das normas” e, para isso, apresenta seus argumentos como incontestáveis, recorrendo à autoridade por meio de modalizadores do tipo: eu sei/todos sabem; é verdade; é necessário; é impossível; é dever de todos etc. Outra possibilidade é a de o locutor construir seu discurso na base da indeterminação, do crer. Diferente do discurso autoritário, nesse, “o locutor não impõe (ou finge não impor)” a sua verdade ou opinião, ele deixa “ao alocutário a possibilidade de aceitar ou não os argumentos apresentados, de aderir ou não ao dis-curso que lhe é dirigido” (p.86).

Leitura e filme recomendadosPara aprofundar seu conhecimento sobre o as-sunto tratado nessa aula, sugerimos a leitura do livro “Argumentação e linguagem”, de Inge-dore V. Koch (11 ed., 2008). Nele, autora aborda a relação entre discurso e argumenta-ção, dedica um capítulo às marcas linguísticas da argumentação, tratando-as de uma forma

bem aprofundada, além de apresentar questões voltadas para o ensino da argumentação e análise de textos diversos.

No filme O Grande Desafio, Mel Tolson (Denzel Washington) é um professor que vive no Texas e monta um grupo de debate com seus alunos universitários. Para isso, ele enfrenta o desafio de prepará-los para que saibam organizar o discurso e participar de debates na renomada universidade de Harvard.

124 SEAD/UEPB I Português V

Resumo

Nessa aula, vimos que as formas utilizadas nos textos para levar o leitor ou o ouvinte ao convencimento são chamadas de estratégias ou recursos argumentativos. Toda produção textual oral ou escrita é orientada por uma finalidade comunicativa, além disso, quem produz sempre procura de alguma forma convencer o leitor ou ouvinte acerca de alguma ideia ou obter a sua adesão. Para isso, o produtor mobiliza uma série de estratégias ou recursos que organizam a sua argumenta-ção com vistas a obter o efeito desejado. No entanto, é importante que ele não só selecione apenas argumentos consistentes, mas atente para a escolha de recursos adequados que garantam uma organização tex-de recursos adequados que garantam uma organização tex-tual condizente com a intenção comunicativa e que garantam a força argumentativa pretendida.

AutoavaliaçãoVeja o que nos diz Koch a respeito das modalidades:

O recurso às modalidades permite, pois, ao locu-tor marcar a distância relativa em que se coloca com relação ao enunciado que produz, seu maior ou menor grau de engajamento com relação ao que é dito, determinando o grau de tensão que se estabelece entre os interlocutores; possibilita-lhes, também, deixar claros os tipos de atos que deseja realizar e fornecer ao interlocutor “pistas” quanto às suas intenções; permite, ainda, introduzir moda-lizações produzidas por outras “vozes” incorpora-das ao seu discurso, isto é, oriundas de enunciados diferentes; torna possível, enfim, a construção de um “retrato” do evento histórico que é a produção do enunciado (2008, p.86).

Com base nas considerações apresentadas pela autora sobre mo-dalização e no seu estudo realizado agora, apresente uma análise do grau de engajamento do locutor a partir do uso de recursos modaliza-

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Português V I SEAD/UEPB 125

dores, bem como dos operadores argumentativos para a construção do texto transcrito abaixo.

TEXTO 1

ELOCUÇÃO FORMAL (EF)

Inquérito 356 Tema: Criatividade e redação no nível superior de ensino

Duração: 40 minutos Data do registro: 3/5/77

Informante: sexo feminino, 30 anos, formação universitária: Letras, carioca, pais cariocas, área residencial: Zona Sul.

[...]e vocês estão saindo da Faculdade de Letras e eu peço a vocês que... revejam tudo aquilo que vocês aprenderam e... se vocês não aprenderam... que vocês aprendam autodidaticamente ... porque isto funciona... também... que vocês leiam a gramática normativa... e leiam também... os princípios de Linguística... e saibam tirar aquilo que é es-sencial... aquilo que é realmente necessário... para o aluno... mostrem ao aluno que quando ele pega um texto e faz a análise sintática... ele não deve... absolutamente achar que gramática é uma coisa e língua é outra... comecem... da própria redação do aluno... mostrem a ele a necessidade de ele entender... o porque daquela frase dele... em todas as resenhas que eu corrigi desse primeiro ano... eu coloquei... “faça uma análise sintática do seu período”... porque há vários períodos de subordinadas sem principal... então... a partir daí... pode ser que o aluno comece... a vincular aquilo que seja estrutura do idioma... não só em termos de gramática normativa... com... a realidade que ele fala e escreve... porque na realidade o que ele faz não é absolutamente... utilizar os conceitos de gramática... ele continua a falar na gíria dele... no no... registro informal e... quando escreve alguma coisa... ele tem sempre medo... ele acha que aquilo não está correto e acaba come-tendo mesmo... ultracorreções... ou seja... coloca formas que estão incorretas mas que ele pensa que estão corretas... porque... ele é sem-pre corrigido quando ele diz “me dá um livro” e... o professor – anti-quado... naturalmente... porque o de hoje em dia nunca faria isso – diz a ele “não se começa frase com pronome átono”... então aparece na redação e aparece na resenha dos meu;S alunos da Facudade um ... verbo desse tipo... “poderia-se”... ham? Porque ele foi tão corrigido... porque ele nunca podia usar a próclise...né? Ele não podia dizer “me dá o livro”... então acha que quando ele escreve... ele tem de usar a ênclise... então... ele nunca... usou a mesóclise... que realmente... não é de... de uso corrente... e muito menos pensaria... que se ele colocas-se “ele” ou “ela se poderia transformar”... isto estaria correto porque há um sujeito antes... há uma palavra que permite a próclise... mas ele acha que a próclise por princípio está errada... porque a ênclise é mais certa... e me comete um erro desse tipo... E? A mesóclise realmente é muito pouco usada... embora em registros formais... em conferências...

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em... requerimentos a gente ainda use... mas pelo menos a próclise correta... ou seja... ele passa a usar uma linguagem do século dezes-seis...né? Porque a ênclise... ao futuro só se deu no século dezesseis... então... de tudo – e eu já estou passando da hora – de tudo eu só queria deixar a sugestão pra que vocês no nível médio procurem fazer a gramática... os conceitos normativos emergirem do próprio texto do aluno... que vocês não isolem... uma realidade da outra... e... dentro da Faculdade de Letras... no que for possível... nós estaremos aqui pra transformar aquilo que for transformável... tá? ((palmas))Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/ Acesso: 29/02/2012

ReferênciasKOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1995.

______. Argumentação e linguagem. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

______. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004 (Col. Texto e linguagem).

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