Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Márcia Feijó de Araújo LINGUAGEM CORPORAL, DOCÊNCIA E TEORIA CRÍTICA RIO DE JANEIRO 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Márcia Feijó de Araújo

LINGUAGEM CORPORAL, DOCÊNCIA E TEORIA CRÍTICA

RIO DE JANEIRO

2014

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Márcia Feijó de Araújo

LINGUAGEM CORPORAL, DOCÊNCIA E TEORIA CRÍTICA

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado em Educação da Faculdade

de Educação da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como exigência

parcial, para obtenção do título de

Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Currículo e

Linguagem

Orientadora: Profª. Drª. Monique

Andries Nogueira

Rio de Janeiro

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2014

Márcia Feijó de Araújo

Linguagem Corporal, Docência e Teoria Crítica

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

exigência parcial, para obtenção do título de Mestre em Educação.

Rio de Janeiro, 24 de Abril de 2014.

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Professora Doutora Monique Andries Nogueira

------------------------------------------------------------------------------------

Professor Doutor Ari Fernando Maia

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Professor Doutor José Jairo Vieira

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me abençoar com tantos privilégios, Amém.

Aos meus pais, José Fabiano e Iaci, por me apoiarem em todas as fases da minha vida,

sempre com amor, dedicação, sabedoria e Arte, meus agradecimentos eternos.

Ao meu marido e companheiro, Paulo, pelo carinho, paciência e cuidados essenciais em

nossas vidas.

Aos meus amados filhos, Felipe, João Pedro, Antônio e Francisco, os quais multiplicam

muitíssimo o meu amor e me enchem de orgulho, felicidade e ternura a cada dia.

À minha querida orientadora, Monique Andries Nogueira, por me apresentar tão

importantes visões de mundo, como uma mestra da delicadeza e da Arte, sempre com

incansável dedicação e apoio, para muito além deste trabalho, obrigada.

Aos ilustres professores, Patrícia Corsino, José Jairo Vieira, Ari Fernando Maia e

Sinésio Ferraz Bueno por me acompanharem, generosamente, em meu processo.

Às queridas professoras do PPGE, Maria Margarida Pereira de Lima Gomes, Daniela

Patti do Amaral, Ludmila Thomé de Andrade, Sonia Maria de Castro Nogueira Lopes,

Rosanne Evangelista Dias e Miriam Waidenfeld Chaves, obrigada pelas caras

contribuições em minha formação.

Aos amigos participantes do GECULT , pelos encontros ricos, fraternos e muito alegres,

obrigada por tudo.

À secretaria do PPGE, em especial a Solange Rosa de Araújo, sempre companheira,

sábia e zelosa.

Aos queridos alunos/professores, participantes desta pesquisa, que compartilharam suas

vivências em todo o processo, muito obrigada.

Às minhas amigas Teresa Taquechel e Andréia Chiesorin por dividirem comigo os

desejos de expansão da Arte e da Dança para todos, obrigada.

Agradeço especialmente à Mestra Angel Vianna, por me formar na Arte, mostrar-me

como viver com arte e a lutar por ela. Muito obrigada sempre.

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RESUMO

Este trabalho tratou das possibilidades de uma educação corporal emancipadora

por meio de uma maior compreensão do corpo e de sua linguagem. Teve como objetivo

analisar a experiência de um grupo de professores participantes de um curso de

formação continuada, que tem como ênfase a expressão e a conscientização corporal,

realizado em instituição superior de ensino da dança no Rio de Janeiro. Tal investigação

teve como referencial teórico a Teoria Crítica, particularmente os estudos de T. W.

Adorno (1985, 1995, 2008) e seus comentadores tais como Nogueira (2008, 2010,

2012), Maia (2010, 2012) e Vaz (2006, 2008, 2012). Autores do campo da Arte e da

Dança também embasaram esta pesquisa, tais como Ostrower (1983, 2012), Laban

(1978,1990), Vianna (1990), Strazzacappa (2006, 2012) e Morandi (2006). Tratou-se de

pesquisa qualitativa que teve como instrumentos metodológicos a análise documental, a

observação participante e o questionário. Como resultado, verificou-se que uma maior

compreensão do corpo e da linguagem corporal nos docentes pode colaborar na

possibilidade de um projeto de educação para emancipação e contra a barbárie,

proporcionando uma melhoria didático-metodológica no atual desenho da educação

brasileira.

Palavras-Chave: Linguagem Corporal; Docência; Dança; Teoria Crítica.

ABSTRACT

This work dealt with the possibilities of an emancipatory body education

through a greater understanding of the body and its language. The goal of this work was

to analyze the experience of a group of teachers attending a continuing education course

at a higher educational dance institution in Rio de Janeiro, whose emphasis was on the

expression and awareness of the body. The investigation’s main theoretical reference is

Critical Theory, particularly the studies of T. W. Adorno (1985, 1995, 2008) and

commentators such as Nogueira (2008, 2010, 2012), Maia (2010, 2012) and Vaz (2006,

2008, 2012). Authors from the fields of Art and Dance, as such Ostrower (1983, 2012),

Laban (1978, 1990), Vianna (1990), Strazzacappa (2006, 2012) and Morandi (2006)

have also been referenced in this research. This qualitative research employed three

methodological instruments: document analysis, participant observation and

questionnaire. As a result, it was verified that a greater understanding of the body and of

body language by a faculty can enhance the possibility of developing an educational

project that promotes emancipation and against barbarity, providing a didactic-

methodological improvement in the present model of the brazilian education.

Key-Words: Body Language; Teaching; Dance; Critical Theory.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São

Paulo

CCCRJ – Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro

CEB – Câmara de Educação Básica

CES – Câmara de Educação Superior

CNE – Conselho Nacional de Educação

DH- Direitos Humanos

DME – Dores Musculoesqueléticas

DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho

DOU – Diário Oficial da União

EBPE/RJ – Escola Brasileira de Psicanálise e Etologia do Rio de Janeiro

FAV – Faculdade Angel Vianna

GDS – Godeliev Dennis Struff (método de estudo das cadeias musculares)

LER – Lesões por Esforços Repetitivos

LIMS/NYC – Laban Institute of Movement Studies / New York Center

ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PNL – Programação Neuro Linguística

RPG – Reeducação Postural Global

SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação

SME – Secretaria Municipal de Educação

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Simpro / RJ – Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UnB – Universidade de Brasília

UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

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SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................1

Capítulo 1 – Teoria Crítica e Corpo: novas leituras..............................12

1.1 – Uma Breve Trajetória do Corpo na Educação....................................12

1.2 – Corpo e Docência...............................................................................25

1.3 - Corpo e Formação Cultural através da Arte........................................31

1.4 – Corpo, Educação e Emancipação.......................................................43

Capítulo 2 – A Linguagem corporal e suas interfaces...........................48

2.1 – Linguagem Corporal e outros campos científicos..............................48

2.2 – Linguagem Corporal, Dança e Educação...........................................59

2.3 – Linguagem Corporal, Diferenças e Educação: Desafios à

Docência......................................................................................................65

Capítulo 3 – Uma Experiência de Formação de Professores em

Linguagem Corporal por meio da Arte da Dança.................................72

3.1 – O Objeto de Estudo: a instituição, o curso e o grupo

participante..................................................................................................72

3.1.1- Breve Histórico da Instituição...........................................................73

3.1.2- O Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo, Diferenças e

Educação ....................................................................................................75

3.1.3 – Identificação e Estrutura do Curso..................................................77

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ix

3.2 – Por dentro do “Corpo” Discente.........................................................87

3.3 – Consequências e Impactos do Curso..................................................90

Conclusão...................................................................................................96

Referências...............................................................................................100

Apêndice...................................................................................................106

Anexos......................................................................................................107

Foto 1 - .....................................................................................................108

Foto 2 - .....................................................................................................109

Foto 3 - .....................................................................................................110

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INTRODUÇÃO

A tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar

tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia.

(T.W.ADORNO)

Há cerca de 15 anos, tenho observado corpos de docentes exercendo suas

funções nos mais variados campos institucionais da educação. Reconhecendo seus

espaços, suas necessidades e suas especificidades, ministrava cursos de abordagem

corporal, com objetivos diferenciados, porém, sempre focalizados em aumentar a

capacidade expressiva e gestual dos docentes por meio de um melhor uso de seu próprio

corpo, compreendendo sua estrutura, o espaço em que se movem e, principalmente, a

consciência de ser e estar em si plenamente. Para tal objetivo, a sensibilização dos

corpos era o ponto fundante para todas as propostas e isso se fazia, e se faz, somente por

meio da experiência vivida, ou seja, praticando e experimentando as possibilidades

infinitas que os movimentos feitos pelo corpo humano podem gerar. Aos poucos, a

comunicação, que socialmente prima pela palavra dita em detrimento da não dita,

evidenciava-se na língua do corpo, da expressão do gesto, em harmonia com o estado de

espírito, surgindo com total clareza que, apesar de sua polifonia, simplesmente era

compreendida e aceita por todos. O que se vivencia a partir daí é uma possibilidade

mais plena de utilização do potencial corporal, não apenas em seu aprimoramento

mecânico, mas, sobretudo sensível, criador, criativo. Nunca vi ninguém não feliz com

tais possibilidades. Longe de parecer uma utopia, essa era e é a dinâmica do meu ofício.

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No entanto, essa observação, permeada ainda de muitos questionamentos, é uma

impressão pessoal, advinda de anos de experiência empírica, que precisaria ser

comprovada cientificamente, o que pretendeu-se com esta pesquisa.

Ao longo do tempo, uma observação minuciosa que se fez e se faz cada vez mais

presente, tornou-se, para mim, fator fundamental para os estudos de como se alcançar

uma educação emancipadora, que é: como afastar a possibilidade do fortalecimento da

barbárie. Na leitura dos corpos, nas falas reveladoras e na vida cotidiana dos envolvidos

no campo da educação, a presença inscrita na carne e no concreto do espaço, evidencia

a eminente barbárie da sociedade em que vivemos. A incidência desse espectro social

nos corpos humanos, tanto dos docentes como dos discentes, nos revela a urgência de

acessarmos vias de superação dessa realidade. Por meio da Teoria Crítica da Escola de

Frankfurt, particularmente dos estudos de Theodor W. Adorno acerca de Educação e

Emancipação, fundamentaremos nosso argumento sobre a possibilidade de uma

educação corporal emancipadora, capaz de reencontrar um ponto de equilíbrio entre a

barbárie e a democracia como experiência vivida em nosso próprio corpo. Para Adorno

(1995) o conceito de barbárie não descreve somente a violência, mas uma agressividade

primitiva, um ódio primitivo ou um impulso de destruição, uma tendência imanente que

caracteriza nossa civilização. Dito desta forma, posso ilustrar o impacto que as leituras

dos estudos específicos de Theodor W. Adorno têm sobre minhas hipóteses. É com

reverência e parcimônia que as utilizo, e me valho ainda de pesquisadores brasileiros

contemporâneos que, em seus múltiplos estudos, nos apresentam as possibilidades que a

Teoria Crítica oferece em termos de reflexão acerca de corpo, corporeidade, barbárie,

estética e formação cultural.

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Como o foco desta pesquisa é a linguagem corporal docente, o conceito de

formação cultural de professores foi tratado num diálogo com autores, tanto da Teoria

Crítica quanto da Arte/Educação, que consideram que a experiência estética que a Arte

proporciona é primordial na construção de uma prática docente sensível e crítica. Para

compreensão da Arte no corpo, transformando-se em linguagem do sensível,

discorreremos sobre a Dança na educação. Pretendeu-se abordar, ainda, como os

impactos de uma maior compreensão da linguagem corporal docente podem colaborar

na possibilidade de um projeto de educação para a emancipação e contra a barbárie,

proporcionando uma melhoria didático-metodológica no atual desenho da educação

brasileira. Para tal, analisamos a experiência de um grupo de professores participantes

de um curso de Pós Graduação Lato Sensu com especialização em Corpo, Diferenças e

Educação, em tradicional instituição superior de Dança no Rio de Janeiro. A linguagem

primordial desse curso foi a dança, com ênfase na expressão e conscientização corporal,

em consonância com suas múltiplas possibilidades no campo da educação.

A compreensão do corpo humano e de seu conteúdo simbólico preocupa os

cientistas desde sempre. Para entrarmos no cenário onde se dá a linguagem corporal,

nos ocuparemos de argumentar com os conceitos acerca do corpo vivo¹1 do homem. O

corpo humano constitui um capítulo especial na Sociologia, que o estuda como

fenômeno social e cultural, motivo simbólico e objeto de representações e imaginários.

Segundo Le Breton (2009), do corpo nascem e se propagam as significações que

fundamentam a existência individual e coletiva. Todas as ações, da mais simples à mais

complexa, envolvem a mediação do corpo. Por meio da atividade perceptiva que o

1 O termo corpo vivo do homem, é utilizado por Cleide Riva Campelo (1996, p.16) em sua dissertação de

mestrado, Cal(E)idoscorpos – um estudo semiótico do corpo e seus códigos, para afirmar seu objeto de

estudo: o corpo humano como texto da cultura sendo um “todo vital sistêmico”. Uma visão por nós adotada no desenvolvimento desta pesquisa.

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homem desenvolve a cada instante e que lhe permite ver, ouvir, saborear, cheirar, tocar

e sentir, o próprio homem assim, coloca significações precisas no mundo que o cerca,

sendo, simultaneamente, moldado pelo contexto social e cultural em que se insere. As

ações motoras básicas, assim como a expressão facial e corporal, são socialmente

moduláveis, mesmo sendo vividas de acordo com o estilo particular de cada indivíduo.

Porém, só fazem sentido quando relacionadas ao conjunto de dados da simbologia

própria do grupo social a que fazem parte.

Sobre essa comunicação entre os indivíduos e o mundo, podemos dizer que o

corpo é o vetor semântico (Le Breton, 2009) que evidencia essa relação por meio da

expressão dos sentimentos, do conjunto de gestos e mímicas, das sutilezas da sedução,

da relação com a dor e com o sofrimento, dos cerimoniais, dos cuidados pessoais, dos

processos educacionais. Le Breton diz: “Os sentimentos que vivenciamos, a maneira

como repercutem e são expressos fisicamente em nós, estão enraizados em normas

coletivas implícitas” (2009, p.52). E esses sentimentos, mensagens inscritas no corpo,

no rosto, na postura, nos gestos e na voz, são enviados visando os outros. Os motivos de

seu surgimento e a maneira como são simbolizados compõem o repertório das análises

de filósofos, sociólogos e cientistas de vários campos das ciências humanas.

Para provar que os gestos e as expressões faciais falam muito mais do que as

palavras, Albert Melrabian, um dos pioneiros em pesquisas sobre linguagem corporal,

apurou em seus estudos na década de 1950 que a mensagem na comunicação

interpessoal é transferida na seguinte proporção: 7% verbal (somente palavras), 38%

vocal (incluindo tom de voz, velocidade, ritmo, volume e entonação) e 55% não verbal

(incluindo gestos, expressões faciais, postura e demais informações expressas sem

palavras). O antropólogo, Ray Birdwhistell (1918-1994), outro pioneiro no estudo da

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comunicação não verbal, descobriu que as palavras correspondem por menos de 35%

das mensagens transmitidas numa conversa frente a frente. O restante, cerca de 65% da

comunicação é feito de maneira não verbal. Apesar de termos o aparato sensorial desde

que nascemos e, portanto, sabermos identificar rapidamente algumas expressões e ao

longo da vida aprendemos outras, o fato da linguagem corporal não ser considerada pelo

sistema educacional tradicional e ainda hoje, ser pouco estudada e difundida, uma

grande variedade de gestos e informações mais profundas passam despercebidos e,

muitas vezes, ao contrário, chocam por sua grande evidência e paralisam um

relacionamento; em quaisquer dessas situações, porém, como nunca foram trabalhadas

formas de dialogar com essa linguagem da natureza do corpo (não verbal), podem

provocar grandes abismos nas relações humanas.

A linguagem corporal, muitas vezes, é sutil e até inconsciente, num primeiro

momento. Sua percepção necessita de um olhar apurado, cuidadoso, sabedor de que o

corpo fala, mesmo involuntariamente. A percepção da linguagem corporal permite

descobrir a individualidade de cada um, revela a identidade do sujeito, demonstra seu

estado de espírito, suas condições de vida. Esse reconhecimento manifesto nas atitudes

de um docente, provavelmente o diferenciará dos demais, visto que a compreensão de si

o faz mais sensível ao outro, mais compreensivo, mais crítico e, portanto, mais

educador. Reconhecendo essa linguagem do corpo e fazendo uso de sua profunda

comunicabilidade e expressão, poderíamos acreditar que seria possível traçar estratégias

metodológicas mais abrangentes e multiplicar, qualitativamente, a maneira de oferecer

os fundamentos educacionais, de forma variada, criativa e específica a cada disciplina,

resguardando o potencial crítico que a natureza da conscientização pela experiência

produz nos sujeitos iniciados. Por meio dela, uma linguagem da complexidade da carne,

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os docentes sensibilizados, além de se reconhecerem como sujeitos conscientes de si,

poderiam obter relevantes diálogos com seus discentes, tanto sobre o aproveitamento

das atividades escolares, como possíveis leituras de situações adversas pelas quais um

aluno possa estar passando e, assim, conhecer as dificuldades, os medos e tudo aquilo

que dificilmente seria dito somente verbalmente. Mas, a principal consciência adquirida

com essa possibilidade é a insurgência contra a barbárie em todas as instâncias de

expressão da vida, desde a primeira infância.

Vivemos o avanço civilizacional da segunda metade do século XX, marco

relevante nos referenciais internacionais dos direitos humanos e, continuamos a assistir

à aprovação de tratados e protocolos que aperfeiçoam e aprofundam as convenções e

declarações que já existem. Porém, a crescente barbarização do mundo e uma pungente

violência cotidiana que incide sobre os corpos como, por exemplo, os castigos

corporais, em vigor há séculos, ainda são temas recorrentes. Podemos começar a listar

os traços da barbárie inscrita nos corpos desde a infância a partir dos altos índices de

violência contra as crianças no mundo inteiro. Os castigos corporais sobre as crianças

têm ocupado lugar de destaque nas preocupações de quem trabalha esta área específica

dos direitos humanos. Os índices mundiais são altos, assustadores. O problema é muito

sério e está enraizado no imaginário social que ainda acredita que bater nas crianças é

para o próprio bem delas.

Noções estabelecidas, tais como castigo razoável ou atitude legítima de

correção, advêm do fato de uma criança ser percebida, juridicamente, como propriedade

de seus pais ou tutores. Isto nos parece o equivalente moderno das leis que vigoram

desde um ou dois séculos atrás que autorizavam os mestres, os donos ou os tutores, a

baterem nos seus alunos, escravos ou servidores, assim como os maridos a baterem em

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suas mulheres. Adorno relacionava a imagem negativa que os professores suscitam a

este fato:

Por trás da imagem negativa do professor encontra-se o homem que

castiga, (...) mesmo após a proibição dos castigos corporais, continuo

considerando este contexto determinante no que se refere aos tabus

acerca do magistério. Esta imagem representa o professor como sendo

aquele que é fisicamente mais forte e castiga o mais fraco (1995, p.

105).

Estas violências podem corresponder a um ato de punição ou à reação impulsiva

dos pais ou de um professor irritado. Em todos os casos, são considerados uma violação

dos direitos humanos.

Um dos obstáculos fundamentais para que a violência social geral que se abate

desde a infância não cesse, é a continuada aceitação social de tais procedimentos

punitivos, principalmente porque também está arraigada na família (nosso primeiro

núcleo social). Quanto a isso, Adorno já advertia:

(...) a perpetuação da barbárie na educação é mediada essencialmente

pelo princípio da autoridade, que se encontra nesta cultura ela própria

.(...) por isso a dissolução de qualquer tipo de autoridade não

esclarecida, principalmente na primeira infância, constitui um dos

pressupostos mais importantes para uma desbarbarização. Mas, eu

seria o último a minimizar essas questões, pois os pais com que temos

que lidar são por sua vez, também produtos desta cultura e são tão

bárbaros como o é esta cultura. (1995, p. 166 e 167)

Por conta dessa naturalização da violência, as crianças continuam sendo

agredidas, humilhadas, violentadas física e psicologicamente, abusadas sexualmente por

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adultos, forçadas a trabalhos escravos, além de ser objeto no tráfico de humanos. Em

uma sociedade como a nossa, as pessoas nem registram os atos de violência que sofrem

em tantos níveis, e dizem que é por ignorância das leis ou mesmo por não acreditarem

em segurança ou justiça. Isto denota a natureza arraigada de que, há muito, somos

sujeitos passivos, reificados e integrados nessa regressão social sistematizada. O que

podemos fazer para quebrar o silêncio sobre a violência? Quer se trate também de

roubos, drogas, agressões, estupros, assassinatos ou mesmo os corpos degradados e

objetificados pelas práticas sociais alienantes e opressoras da indústria cultural2,tais

como a bulimia, a anorexia, a hipertrofia muscular, a massificação de próteses e

implantes meramente estéticos. E o conjunto radical que tudo isso, aliado à extrema

pobreza e à miséria, manifesta-se em “corpos precarizados” (ARROYO, 2012, p. 10)

pela invisibilidade social, pelo repúdio ou pelo preconceito? “No senso comum, soam

aos quatro cantos: Não há mais lugares seguros, a barbárie pode atingir a todos, a

qualquer hora do dia”. (LOBO, 2010, p.221).

Nossa hipótese de que uma educação corporal emancipadora possa ter uma

função reestruturante a cerca do pensamento crítico e que possa colaborar para uma

maior consciência política, apenas por certificar-se de ser um corpo político, inclui,

fundamentalmente, um respeito ao corpo humano capaz de romper com o fatalismo do

silêncio sobre todas as formas de barbárie. Uma vez que a vida social é continuamente

tecida com a naturalização da violência e com um conformismo generalizado, Adorno

aponta para uma possível desbarbarização através dos estudos a cerca dos mecanismos

de reprodução da violência e questiona as funções para as quais serve a escola:

2 O termo Indústria Cultural, do qual nos referiremos em toda esta pesquisa, foi utilizado pela primeira

vez por Adorno e Horkheimer no livro Dialética do Esclarecimento (publicado pela primeira vez em

1944), para referirem-se à “cultura de massa”. Ao longo deste trabalho esse conceito será aprofundado e bastante utilizado.

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Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a escola

tem apenas condições mínimas de resistir a isto. Mas se a barbárie, a

terrível sombra sobre a nossa existência, é justamente o contrário da

formação cultural, então a desbarbarização das pessoas

individualmente é muito importante. A desbarbarização da

humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência. Este deve ser

o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e suas

possibilidades. E para isso ela precisa libertar-se dos tabus, sob cuja

pressão se reproduz a barbárie. O pathos da escola hoje, a sua

seriedade moral, está em que, no âmbito do existente, somente ela

pode apontar para a desbarbarização da humanidade, na medida em

que se conscientiza disto. (ADORNO, 1995, p.116/117)

A questão é: como levar essa possibilidade reflexiva para o professor e sua

formação? Como obter uma nova compreensão do corpo, caracterizando-o como

político e expressivo, que auxilie na execução de novas metodologias, para que sejam

melhor desenvolvidas e ampliadas? Como sensibilizar para a urgência de uma educação

mais tolerante com as diferenças, com consciência crítica apurada sobre os valores

sociais impregnados pela Indústria Cultural e, ainda, com a possibilidade de vivenciar

os afetos humanos nos munindo ferozmente contra a barbárie? Numa atualidade global,

que pressupõe salas de aula compostas por múltiplas diferenças, acreditamos que por

meio de uma renovada visão do corpo, imbuída de sua memória, sua história, seus

direitos e de sua expressividade, possa-se viabilizar um aumento significativo no acervo

próprio da linguagem corporal individual do docente que, diante das experiências

impostas pela atualidade da história do homem, possam criar novos caminhos para uma

educação emancipadora.

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Esta pesquisa iniciou-se com os estudos acerca da temática do corpo na

Educação e de sua organização social desde o Renascimento, no primeiro capítulo.

Demonstramos os sentidos de corpo que foram fixados ao longo da história do homem,

analisando as disciplinas que lidam, diretamente, com os conceitos e práticas corporais.

Fez-se necessário um breve estudo das grades curriculares dos cursos de formação de

professores em universidades públicas do Rio de Janeiro, para apontarmos possíveis

formas de mudanças nas concepções de consciência física, social e criativa na profissão

docente da atualidade. Para tal possibilidade, discorremos sobre formação cultural

através da Arte, à luz da Teoria Crítica e da Arte/Educação, propondo uma possível

recuperação das potencialidades humanas diante da constatação do notável

empobrecimento das experiências culturais dos que se dedicam a lecionar. Terminamos

esse primeiro capítulo, relembrando e atualizando o conceito de educação e

emancipação, lançado por Adorno (1995), incluindo nossas observações acerca da

condição do corpo na atualidade, propondo uma possibilidade de autonomia perante tão

forte pressão exercida pela indústria cultural sobre os indivíduos.

O capítulo dois é destinado à linguagem corporal e suas interfaces com outros

campos científicos, sua conceituação, seus desdobramentos e sua função no campo da

educação. A linguagem corporal tem nesse capítulo sua matriz artística e a demarcação

histórica do momento em que se transforma em um dos conteúdos das variadas

propostas corporais nas artes cênicas no Brasil e, ainda, facilitadora de processos

educacionais. Terminamos esse capítulo, trazendo à luz um dos elementos que perpetua

a barbárie e desafia todo o campo da educação, que é a questão do preconceito diante

das diferenças. Abordaremos o fato de que a inclusão só ocorre quando aceitamos

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corporalmente as diferenças, desenvolvendo nossos argumentos acerca do

desenvolvimento do pensamento crítico, de uma reflexão não preconceituosa.

O terceiro e último capítulo, contém todas as informações sobre a observação

empírica desse grupo de professores que, por meio da Arte da Dança, da linguagem

corporal e da consciência do corpo, fazem uma (trans)formação continuada.

Apresentamos a instituição e a origem desse curso observado, sua estrutura e sua grade

curricular. Analisamos o corpo discente/docente participante dessa formação, suas

características iniciais, suas transformações, suas criações individuais e coletivas e o

desenvolvimento dos campos de atuação profissional, durante 18 meses, por meio de

observação participante, imagens (filmagens e fotos), trabalhos feitos para as

disciplinas, o de conclusão do curso (monografia), questionário e depoimentos.

Concluímos esse capítulo, relatando as transformações adquiridas pelos docentes/alunos

em suas vivências, observadas atentamente até o final do curso, que se realizou no

período entre março de 2011 e setembro de 2012.

A conclusão do trabalho tratou de relevar a importância de uma maior

conscientização corporal para os formados que, ao final, demonstraram saber cuidar de

seus corpos, com uma expressão mais criativa em seus movimentos e com um capital

adquirido para tornarem-se possíveis agentes de transformação dentro do campo da

educação.

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CAPÍTULO 1: TEORIA CRÍTICA E CORPO – NOVAS LEITURAS

Neste capítulo abordaremos as possibilidades conceituais sobre o corpo e suas

relações sociais sob a luz da Escola de Frankfurt, mais especificamente centradas nos

estudos de Adorno publicados no volume intitulado Educação e Emancipação. Para

tanto, iniciaremos com uma breve retrospectiva sobre a temática do corpo na Educação,

seguida de reflexões acerca das possibilidades de formação cultural e emancipação.

1.1 – UMA BREVE TRAJETÓRIA DO CORPO NA EDUCAÇÃO

(...) justamente quando é grande a ânsia de transformar, a repressão se

torna muito fácil (ADORNO)

Podemos encontrar, desde o Renascimento, manuais pedagógicos de formas de

educação do corpo. As regras diziam da apresentação do corpo em sociedade, sua

postura, seus gestos, vestuário e acima de tudo do “decoro corporal” (NÓBREGA,

2005). Norbert Elias (1990) discorre, minuciosamente, sobre um sistema de controle

corporal público vigente desde o início das sociedades ocidentais. Segundo M. Foucault

(2008), as disciplinas se instauram no decorrer dos séculos XVII e XVIII como formas

de dominação, visando produzir a eficácia e a docilidade dos indivíduos por meio do

cuidado meticuloso da organização do corpo na sociedade e comenta:

(...) o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera

simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no

corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que

antes de tudo investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade

biopolítica. (FOUCAULT, 2008, p.80)

Page 22: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

13

Já no advento do Iluminismo, onde a razão busca prevalecer, instaura-se a

ascensão da Ciência como saber máximo, a “nova religião do homem oitocentista”

(SOARES, 2005, p. 19). O corpo, essa matéria da existência, é compreendido no

domínio da Biologia, da Medicina e sua pauta social cientificista gira em torno de saúde

e higiene, marcando a sua notória obrigatoriedade nos currículos educacionais. Com

isso, as práticas corporais da ginástica, atividade que se adequou sobremaneira aos

ideais científicos da época, se multiplicam por toda a Europa para garantir boa saúde,

além de controlar as paixões, os desejos e as necessidades do corpo desde os primeiros

anos na escola. Porém, marcam definitivamente que o padrão corporal admitido exclui

por completo as diferenças. O corpo precisa ser aprumado, reto, vertical:

Quando os círculos científicos se debruçam sobre o seu conteúdo,

desejam aprisionar todas as formas/linguagens das práticas corporais

sob uma única denominação: ginástica. (...) Mas, a finalidade maior

foi, sobretudo, moralizar os indivíduos e a sociedade, intervindo

radicalmente, em modos de ser e de viver (SOARES, 2005 p. 20)

Cabe aqui demonstrar que os princípios de movimentos organizados pela

ginástica científica foram incorporados das festas populares, dos espetáculos

funâmbulos de rua e de circo, dos passatempos da aristocracia, bem como dos

exercícios militares. Mas, para que o Movimento Ginástico Europeu3 fosse aceito e

definitivamente incorporado politicamente, é exigido o rompimento com seu núcleo

primordial cultural localizado no campo dos divertimentos. O objetivo maior da

ginástica, desde então, torna-se potencializar a necessidade de utilidade das ações e dos

gestos num corpo adestrado para tal “melhoria”. Uma nova mentalidade prática e

pragmática, baseada no tecnicismo científico, são as metas de um espírito capitalista

3 Esta expressão é utilizada por Langlade & Langlade (1986) no livro Teoria general de La gimnasia,

Buenos Aires, Ed. Stadium, p. 526.

Page 23: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

14

estruturando-se na Europa, desde o século XVIII e encontrando-se corroborado pela

ciência e o avanço capitalista, em seu auge no século XIX, reforçando os imaginários

acerca dos triunfos da vida sobre a morte. Uma ideologia cientificista, junto com uma

filosofia biológica, conceituam e reforçam esse sistema.

Desde então, uma compreensão do corpo como “máquina” e uma visão

mecanicista do movimento humano prevaleceu e, de um modo geral, contribuiu para a

visão de que o corpo é um elemento central de controle e um acessório modelável por

meio do processo educativo:

O corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele

é o primeiro espaço onde se impõem os limites sociais e psicológicos

que foram dados à sua conduta, ele é o emblema onde a cultura vem

inscrever seus signos como também seus brasões (VIGARELLO,

apud SOARES, 2005, p.17).

Ao longo de todo o século XIX, os corpos foram moldados pelos códigos de

civilidade que a ginástica científica afirmou, configurando mais nitidamente na história

do homem ocidental, o início de uma “educação do corpo” (SOARES, 2005, p.17). Esse

discurso e essa pedagogia sobre o corpo, fundamentados na instrumentalidade, no

disciplinamento e na aprendizagem da civilidade vigorou, de modos diversos, até a

primeira metade do século XX. Aceitar o ser humano como predominantemente

biológico, massa corpórea educada para produzir, fez parte desse contexto reificado

pelo processo de industrialização, pois, o “corpo individual, passou a ser entendido

como apenas uma peça menor da engrenagem mercantil capitalista” (NÓBREGA,

2005).

Page 24: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

15

No início do século XX, o termo curriculum, no sentido como entendemos hoje,

começa a ser aplicado a partir de um livro da literatura educacional americana, escrito

por Bobbit, por volta do ano de 1918, “The Curriculum”, que teve grande influência,

justamente pelo fato de sua proposta parecer permitir à educação tornar-se

comprovadamente científica, porém, conservadora e capitalista. “O modelo de Bobbit

estava claramente voltado para a economia. Sua palavra-chave era ‘eficiência’. “O

sistema educacional deveria ser tão eficiente quanto qualquer outra empresa econômica”

(SILVA, 2011, p.23). Isso posto, a razão na forma utilitarista, mercadológica, foi

hegemonicamente se constituindo, desqualificando outras maneiras de pensar, de ser e

de produzir conhecimento. Nesse contexto, a busca por um corpo eficiente que

garantisse o progresso industrial, reduz o corpo humano a um mero organismo e, nessa

configuração, o corpo raramente seria considerado como uma pessoa. Mas, a orientação

dada por Bobbit, iria concorrer com vertentes mais progressistas, voltadas para a

construção da democracia, como a liderada por John Dewey, destaque entre as décadas

de 20 e 30, que considerava no planejamento curricular, os interesses e as experiências

das crianças e jovens, assim como sua grande influência no ensino das Artes

(BARBOSA, 2011, p.42). Essa abordagem foi difundida em todos os autores

progressivistas, no Brasil e no exterior.

Entre as décadas de 30 e 70, principalmente após a guerra, iniciam-se algumas

experiências embrionárias sobre novas abordagens corporais terapêuticas, psicológicas e

artísticas que, junto com a Filosofia e a Sociologia, influenciaram diretamente o campo

da Educação. A Filosofia vai ajudar a reorganizar essa compreensão através dos estudos

dos fenômenos do corpo e de sua complexidade e, assim, propor um novo ângulo de

visão. Por sua vez, a Sociologia toma a dimensão política como centro organizador da

Page 25: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

16

análise sobre a corporeidade4 e suas abordagens críticas sobre o capitalismo, que impõe

a dominação moral e material sobre os usos sociais do corpo favorecendo a alienação.

Historicamente, aqui no Brasil, foi no processo de industrialização e

urbanização, no estabelecimento do Estado Novo na década de 1930, que se mencionou

pela primeira vez nos currículos brasileiros, uma educação corporal obrigatória, capaz

de fortalecer os corpos dos trabalhadores, melhorando sua capacidade produtiva e

desenvolvendo o “espírito de cooperação”. Do final do Estado Novo até a promulgação

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um amplo debate sobre o

sistema de ensino brasileiro. Após 1964, a educação, de um modo geral, sofreu as

influências da tendência tecnicista e o corpo teve seu caráter instrumental reforçado:

voltado para o desempenho técnico e físico do aluno. Na década de 1980, o enfoque

passou a ser o desenvolvimento psicomotor do aluno e as relações entre corpo e

sociedade passaram a ser discutidas sob a influência das interfaces da educação com

outros campos das ciências humanas e, apontou-se então, para um papel da educação

física com conteúdos pedagógicos mais humanos (não apenas adestramento). A partir da

promulgação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, onde a Arte e a Educação Física são

legitimadas como componentes curriculares obrigatórios da Educação Básica,

incrementa-se uma nova discussão sobre a cultura corporal na atualidade. Os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1997, apresentam essa temática, a

educação do corpo, sob dois aspectos: a Educação Física e a Dança dentro da disciplina

Artes. Mas, em que ponto estamos?

4 Existem muitas classificações para o conjunto de aspectos que emanam do corpo humano. Nesta

pesquisa optaremos por utilizar o termo corporeidade, utilizado pela Sociologia que estuda o corpo, para denominar o próprio corpo enquanto fenômeno social.

Page 26: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

17

No campo das ciências sociais, segundo David Le Breton, a publicação de

Vigiar e Punir, em 1975, de Michel Foucault introduz uma ruptura ao mesmo tempo

epistemológica e política em relação às concepções sociais anteriores sobre o corpo na

sociedade ocidental. Em A Sociologia do Corpo (2009), Le Breton demarca bem essa

distinção, analisando o corpo na modernidade não mais como oposição entre o corpo e a

alma, mas entre o corpo e o homem, como se fosse um desdobramento destacado do

próprio homem, transformando-o num objeto a ser moldado, modificado, no sentido em

que, mudando as aparências do corpo, este é modificado. Le Breton constrói seu

argumento crítico da preocupação com a exacerbação da aparência, da ostentação do

corpo-objeto, promovido a mercadoria, baseando-se nos discursos de “libertação do

corpo”,5 onde o corpo é, então, colocado não como algo indistinto do homem, mas

como uma posse, um atributo, um outro, um alter ego (2009, p.10).

Diante de uma perspectiva crítica sobre o destino das sociedades e a história

humana no Ocidente de percepção do corpo, constatamos como desaprendemos a

conviver com a realidade corpórea e, aprendemos então, partindo da reversibilidade dos

sentidos, privilegiando a opinião consensual sem o próprio corpo. No entanto, buscamos

neste trabalho, demonstrar que o fenômeno da percepção de si, compreendido como um

acontecimento do e no corpo humano, pode resgatar esse saber crítico e libertador

diante de uma condição social opressora, que anula os sujeitos, mediados pelas relações

da indústria cultural – seja nos espaços de convivência ou pelos meios de comunicação

de massa.

5 Jean Baudrillard, em A Sociedade de Consumo (1970), deixa claro as ambiguidades da “liberação do

corpo”que após uma era milenar de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, o corpo tornou-

se “o mais belo objeto”, marcando sua inteira presença na publicidade, na moda, na cultura de massa, na

dietética, na terapêutica, levado a obsessão de juventude, elegância, virilidade, do culto ao prazer, tornou-se objeto de reverência...a retórica da alma foi substituída pela do corpo.

Page 27: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

18

Quando tomamos consciência de que o movimento é a essência da

vida e que toda a forma de expressão (seja falar, escrever, cantar,

pintar ou dançar) utiliza o corpo como veículo, vemos quão

importante é entender essa expressão externa da energia vital interior.

(LABAN, 1990, p. 100)

Dessa forma, retomando o próprio corpo como matriz sensória, a percepção é

identificada pelos movimentos corporais. O sentido dos acontecimentos está no corpo,

onde podemos fazer uma leitura dos aspectos visíveis e invisíveis do ser, do

conhecimento e da cultura. O corpo traz marcas sociais e históricas e, portanto, questões

culturais, de gênero e de pertencimento sociais podem ser lidas no corpo. O corpo

legitima a identidade e a existência de cada ser humano. Há que se educar para essa

realidade de se ser humano, formando cidadãos críticos frente ao conceito de modelo

ideal (Adorno, p.141, 1995) ou a evidente violência social naturalizada, fazendo-os

capazes de se emancipar perante uma doutrina social questionável.

Segundo Silva (2011, p.87), “são as relações de poder que fazem com que a

diferença adquira um sinal, que o diferente seja avaliado negativamente relativamente

ao não diferente”. Corroboramos com Silva (2011) de que os estudos críticos sobre os

conteúdos hegemônicos dos currículos estendem nossa compreensão dos processos de

dominação, e não nos deixam esquecer que algumas formas de poder são visivelmente

mais perigosas e ameaçadoras do que outras.

(...) através das relações de poder e controle, nos tornamos aquilo que

somos. Ambas nos ensinam, de diferentes formas, que o currículo é

uma questão de saber, identidade e poder (Ibid, idem, p.147).

Não podemos negar que os currículos são, definitivamente, um espaço de poder.

O currículo nos transmite a ideologia dominante, e assim a formação da consciência –

Page 28: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

19

dominante ou dominada – é determinada pela gramática social do currículo.

Entendemos que as escolas e universidades, por intermédio do currículo e da

organização do trabalho pedagógico, difundem normas, práticas e valores imersos em

conceitos reificados pela hegemonia política dos campos do saber. Aqui estamos,

justamente, analisando o conceito de corpo no campo da educação, diante das atuais

configurações dos sujeitos, tanto discentes quanto docentes, com suas distintas

diferenças, conjugados no mesmo processo. Observamos o quanto os discursos

educacionais reforçam as mesmas doutrinas de currículos e práticas cotidianas já

denunciadas pelos pesquisadores do próprio campo da educação.

Sobre esse aspecto da percepção do corpo nos discursos educacionais ao longo

de toda a educação formal, observamos não só as práticas mas, também, as imagens

impostas pelos instrumentos pedagógicos na fixação do sentido de corpo. Macedo

(2005) analisa documentos curriculares da disciplina de ciências, sobre a dimensão da

corporeidade na atualidade, criticando o argumento dos livros didáticos onde o corpo é

tratado como objeto de manipulação dos cientistas, fixando-se como algo externo a

esses próprios sujeitos. Essa autora enfoca em sua pesquisa, a forma como o sujeito

humano tem sido construído por esses dispositivos culturais, buscando entender como

eles corporificam estratégias de omissão e marginalização sociais. O primeiro aspecto

que observa é que tanto os PCNs quanto os livros didáticos retiram o corpo dos espaços

culturais que ocupam, e ainda há o “esquartejamento”, onde órgãos e partes do corpo

aparecem isolados e “cheios de vida própria”. Ainda para Macedo, a metáfora mais

marcante da objetivação do corpo é a quantidade de vezes que ele aparece comparado

com máquinas: “Até sua dimensão biológica é reduzida ao mecânico” (MACEDO,

2005, p.134). Também para Haraway, “mais uma forma de pensar o corpo humano

Page 29: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

20

como manipulável” (apud, MACEDO, 2005, p. 134). É preciso deixar claro que

estamos falando do conteúdo de ciências enquanto disciplina escolar e não das Ciências

Naturais em geral ou da Biologia. Existe aqui um saber convencionado sobre a

representação do corpo humano que, através de estudos específicos, pode nos aproximar

dos efeitos e das práticas na produção dos conhecimentos científicos sobre os sujeitos.

Silva (2005), em seus estudos sobre corpo e cultura dentro da disciplina de ciências na

educação básica, pontua:

Os materiais didáticos que circulam nos espaços das salas de aula de

ciências na educação básica apresentam imagens de um corpo

fragmentado, em que a sua anatomia e fisiologia, também

fragmentadas, são apresentadas de modo a estarem desconectadas de

outras visões ou versões de corpo, tais como: a idade, o(s)

pertencimento(s) cultural(is), a expressão de desejo e sentimentos, a

geração, a orientação sexual. (SILVA, 2005, p. 145)

Devemos lembrar que o corpo é o suporte da questão da identidade dos sujeitos.

Não podemos mais aceitar a fixação da ideia de que todos nós vivemos nossos corpos

universalmente da mesma maneira. Os currículos de ciências ressaltam nossa condição

de humanos, universalmente idênticos. Essa universalização da identidade humana, se

não problematizada, acaba por tirar do horizonte a discussão das diferenças, das

individualidades.

Referindo-se ao estabelecido binarismo corpo/mente como ainda sendo central

no processo educacional e na produção dos currículos na modernidade, Silva (1995),

nos diz que tanto os corpos discentes quanto os corpos docentes estão submetidos a um

“regime de esquecimento” e isso implica em uma certa negação, um ocultamento do

corpo docente, um processo de descorporificação e desencarnamento. Como resultado

Page 30: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

21

desse fato, tem-se um corpo melhor controlado, melhor disciplinado, mais sujeito a ser

moldado como identidade hegemônica, como corpo subalternizado. “Ao ter o corpo

como seu objeto (invisível), o currículo permite torná-lo útil, produtivo, instrumental,

capaz em determinadas direções e para determinados fins” (SILVA, 1995, p.203). Nesse

sentido o currículo é uma das tecnologias de produção e perpetuação desses corpos: “a

moldagem dos corpos, seu disciplinamento é não apenas um dos componentes centrais

do currículo, mas, provavelmente, um de seus efeitos mais duradouros e permanentes”

(Idem, Ibidem).

Para ressignificar a resistência e a emancipação, Lopes e Macedo (2011) nos

fazem a pergunta:

Como teorizar, por sua vez, a possibilidade de o sujeito atuar

imaginando e produzindo uma transformação social, sem

voluntarismos, visões românticas e dependentes de conceitos também

fixos e estruturados como consciência de si e do mundo? ( p. 181).

Diante da temática aqui abordada, poderíamos tomar o professor como um

possível transformador crítico que, por meio de uma conscientização política, seu

domínio e saber corporal, seja capaz de sensibilizar através da dialética dos corpos uma

forma de resistência à opressão estabelecida na vida em sociedade, alfabetizando e

emancipando as novas gerações contra a barbárie. Observamos os espaços concedidos

ao exercício do corpo nos currículos escolares: Educação Física e, algumas poucas

vezes, a Dança. Disciplinas ainda compartimentadas, com pouca carga horária e

questões polêmicas, que dificultam ainda mais o espaço dado ao corpo na educação.

Tomando como foco a formação do professor e as possibilidades da criação de

meios para construir um conhecimento capaz de se opor à opressão social sobre a

Page 31: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

22

identidade e corporeidade de cada indivíduo e, dando à linguagem corporal sua

importância na educação atual, empreendemos uma observação sobre o lugar desta

temática nas grades curriculares de tradicionais cursos que formam os professores

atualmente.

Observamos a distribuição curricular das disciplinas que remetem à linguagem

corporal em três cursos de Graduação em Pedagogia em Universidades públicas na

cidade do Rio de Janeiro, lembrando que o pedagogo será responsável, na maioria das

vezes, pelo trabalho corporal com a criança pequena. São elas: a Universidade Federal

do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UNIRIO). Encontramos apenas uma

disciplina relativa à linguagem corporal em cada grade curricular. Na UFRJ a disciplina

“Linguagem Corporal na Educação” é oferecida no 3º período com uma carga horária

de 45h. Tanto na UERJ quanto na UNIRIO, a disciplina que mais se aproxima possui o

mesmo nome em ambas as instituições, “Corpo e Movimento”, e possui uma carga

horária de 60h, sendo também oferecida no 3º período da graduação.

O espaço dado a essa abordagem, de apenas um semestre, nas três instituições

observadas, nem sempre é uma prática corporal que, em primeiro lugar, sensibilize para

a experiência e, em segundo lugar, conscientize o futuro docente para os impactos dos

diversos vocabulários corporais que a atualidade dos discentes nos traz em nossas salas

de aula regulares. Muitas vezes, a disciplina é de cunho teórico-informativo, voltada

para a psicomotricidade ou jogos lúdicos. Ou mesmo, ressalta o caráter utilitarista e

instrumental de que o saber do corpo está a serviço de aprender “melhor” as disciplinas

hegemônicas, fortalecendo conceitos de como formar alunos com corpos dóceis

(Foucault, 2008), piorando ainda mais as possibilidades de um enfrentamento dentro da

Page 32: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

23

realidade. Uma possível abordagem de vivências com recursos de sensibilidade e

criatividade artística que possam propor a experiência estética do e no corpo como a

dança, por exemplo, precisaria de um período maior do que o destinado nos currículos,

para estudos mais completos e aquisição de alguma autonomia e prática metodológica.

Neste ponto, ocorre uma verdadeira luta pela hegemonia do saber do corpo e muitos

fatores complexos entram nessa política curricular, na qual não iremos nos aprofundar

no âmbito desta pesquisa, mas, que serão mais esclarecidos nos capítulos futuros. A

fixação do sentido de corpo, a compreensão da corporeidade e das diferenças nos

currículos, marcada pelo funcionalismo social ou pelo utilitarismo em detrimento do

próprio corpo e sua linguagem requer, de nossa parte, uma crítica em relação aos

conteúdos priorizados na formação docente. Consideramos muito pouco estabelecidas e

engajadas com a atual realidade social dos corpos, que nos reivindicam a todo instante,

a compreensão de suas individualidades, as disciplinas que poderiam formar novos

padrões de compreensão da corporeidade e de sua linguagem. Seria necessário um

espaço de tempo mais longo, que garantisse e priorizasse essa disciplina como

fundamental no pensamento de uma educação atualizada. Essa é uma primeira

constatação, como pode ser vista nessa breve análise; a presença de tais disciplinas nos

cursos de formação de professores é uma temática fundamental que precisaria ser mais

discutida, o que, todavia, não é nosso objeto nesse momento.

Pensar o lugar do corpo na Educação em geral e na escola, em particular, é

inicialmente compreender que o corpo não pode ser reduzido a um instrumento das

práticas educativas e nem tampouco apenas um produto das mídias da indústria cultural.

Ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar são produções de todo sujeito humano que é

corpo. Sabemos que as produções humanas são possíveis pelo fato de sermos corpo. E

Page 33: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

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corpos diferentes, dotados de “técnicas próprias” (MAUSS, 2011) e padrões motores

diversos, com suas variadas formas de ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar e

aprender precisam seguir seus destinos de corpos. Não se trata de incluir o corpo na

Educação. O corpo já está incluído: trata-se agora de promover uma nova e emancipada

visão do corpo.

Page 34: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

25

1.2 - CORPO E DOCÊNCIA

(...) há que se acrescentar a influência de antigas referências de

professores como escravos. O intelecto encontrava-se separado da

força física. (...) Este passado distante na história ressurge

permanentemente. (ADORNO)

Muitas profissões exigem do corpo humano um sobre-esforço, mas, há algum

tempo a vida profissional dos docentes vem ocupando uma série de pesquisas nas áreas

das ciências humanas e, sobretudo, na área da saúde. Corpos sofridos se apresentam

como detentores do melhor conhecimento acumulado pela história humana. Como

pode? Qual leitura paradoxal não é frequentemente feita por estudantes diante de tantas

contradições apresentadas como sendo o melhor caminho para o seu sucesso intelectual

(e acadêmico, profissional, político, social)? Ao fazermos a leitura da cena, podemos

imaginar a discrepância entre o que se diz verbalmente e o que se diz corporalmente.

Afinal, qual mensagem será captada? E de que forma aquela informação dicotômica irá

reverberar no aprendiz? Muitos questionamentos fazem parte de um processo dialético

acerca de esclarecimento para revelar-se o óbvio ainda não revelado.

A violência contida nos corpos docentes, muitas vezes, são despistadas por

grandes destrezas realizadas por profissionais que tratam de se adequar, magistralmente,

às sobrecargas da profissão. Porém, são lidas nas entrelinhas dos assuntos que realmente

ficam gravados na memória dos estudantes de todas as idades, pois eles sabem

perfeitamente, reconhecer e até imitar as particularidades, como postura, voz e humor

de seus professores. As evidências de que o magistério tem desgastado sobremaneira os

corpos docentes romperam todas as estatísticas transformando-se, a cada dia, em

números maiores e mais assustadores. As queixas iniciais nos contam acerca de dores

Page 35: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

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localizadas, fadiga, cansaço físico e mental, para depois transformarem-se em

disfunções, distúrbios e lesões crônicas, impedindo, não só a realização do próprio

lecionar, como também da vida diária, causando um mal estar generalizado para esse

indivíduo. A falta de tempo para cuidados pessoais tornam irracionais os esforços feitos

além dos limites físicos individuais e, assim, sem possibilidades de recuperação, as

lesões que podem ocorrer nas sobrecargas, evoluem para possíveis síndromes dolorosas

e crônicas. Geralmente, quando diagnosticadas, já estão em fase aguda, pois, os relatos

diretos sobre o uso indiscriminado de relaxantes musculares e anti-inflamatórios durante

grandes períodos, sem prescrição médica, que mascaram e aliviam provisoriamente as

dores já reincidentes, indicariam que os problemas com a saúde do corpo não vêm

sendo respeitados há algum tempo.

A ocorrência de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho

(D.O.R.T.), ou Lesões por Esforços Repetitivos (L.E.R.), corresponde acerca de 43%

das licenças médicas concedidas aos docentes da rede pública de ensino no Brasil,

segundo dados dos sindicatos dos professores no ano de 2013. Dentre as classificações

dessas doenças temos: tendinites, tenossinovites, bursites, epicondilites, miosites,

tenossivites, cervicobraquialgias, síndrome do túnel do carpo entre outras, segundo

informações no site do Sindicato dos Professores. Outro motivo de afastamento das

funções profissionais são as lesões nas cordas vocais, resultante de várias horas de

vibração em alta frequência e correspondem a uma média de 21% das licenças

concedidas. Porém, uma pesquisa concluída pelo Sindicato dos Professores do

Município do Rio de Janeiro (Simpro- Rio), dentre 1.579 docentes entrevistados, 93%

informaram ter ou ter sentido problemas na voz. Índice tão expressivo, não só nessa

pesquisa, mas em outros estados também porque, um dos empenhos atuais dos

Page 36: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

27

sindicatos de professores é encaminhar uma proposta ao Ministério da Educação, para

incluir a disciplina Técnica Vocal nos cursos de formação de professores. Os ouvidos,

também sofridos, se ressentem dos sons acima dos limites plausíveis e perdem suas

nuances auditivas, causando não só a surdez como grandes cefaleias. As posturas

inadequadas assumidas ao dar aula causam as Dores Musculoesqueléticas (D.M.E.)

localizadas, em grande parte, na coluna dorsal, pescoço e coluna lombar.

A não consciência corporal do professor os desprotege de qualquer

irracionalidade imposta pelas grandes dificuldades enfrentadas diariamente. Soma-se a

todo o esforço corporal, uma complexa administração de frequentes conflitos entre os

sujeitos envolvidos na instituição escolar: alunos, gestores, famílias, funcionários. Tudo

isso, ainda reforçado por um sistema de ensino extremamente burocrático, onde

planilhas, relatórios, diários, fichas, planos de aula, correção de deveres, ementas, dentre

outros documentos e exigências, nos mostrando que os esgotamentos se intensificam

causando muitos problemas além dos posturais, tais como os psicológicos, a hipertensão

e até a depressão. Neste ponto específico, depressão, debruçam-se as mais atuais

pesquisas sobre o quadro psicológico do professor e o objeto de estudo mais frequente é

a síndrome de burnout6. No Brasil, um dos maiores estudos já feitos sobre o tema é a

pesquisa de Wanderley Codo, da Universidade de Brasília (UnB), ao final da década de

1990, onde apurou informações de mais de 50 mil docentes. Seu trabalho demonstrou

que quase metade dos entrevistados apresentava algum sintoma da síndrome de burnout.

Segundo um breve levantamento nos sindicatos de professores do Rio de Janeiro

6 Burnout – o termo surgiu na Europa na década de 1970 e permitia uma abordagem dos sentimentos,

afetos e da saúde dos trabalhadores no estudo de fatores como a desmotivação, o desgaste emocional e a

sensação de exaustão. Esse tipo específico de estresse ocupacional – que impacta o exercício da profissão

– acaba por se estender para todas as dimensões da vida. O conceito caiu como uma luva na categoria dos

professores, e logo surgiu a ideia de um “mal-estar docente”. Revista Escola Pública, Edição 36, Nov. 2013.

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(Sinpro - Rio) e de São Paulo (Apeoesp), no ano de 2013, um pouco mais de 41% dos

professores afastados por problemas de saúde, tinham como causa sintomas de

depressão que foram relacionados com a síndrome. Segundo Souza7 (2013):

Entre os profissionais mais sensíveis à síndrome, o professor é a

categoria mais estudada. Movida pelas crenças nas possibilidades de

transformação pela educação, há um descompasso entre as

espectativas profissionais e a impossibilidade de alcançá-las. Da

mesma forma, as perspectivas sociais, familiares e dos dirigentes do

sistema educacional para que os professores tenham um desempenho

que seja capaz de superar as adversidades, sem lhes dar condições

para isso.

Muitos são os estudos sobre as condições psicológicas que perpassam a

profissão docente, no qual não poderemos nos deter no âmbito desta pesquisa, mesmo

reconhecendo que as doenças psíquicas adquirem padrões corporais muito prejudiciais

aos professores que lecionam desta forma, resultando em problemas maiores. Mas, nos

interessam especialmente, como os corpos munidos de seus sentimentos vêm

enfrentando as agressões de todas as ordens, sofridas diariamente pelos professores.

Violências ocorridas em sala de aula, nos corredores e na sociedade. Violência verbal

ou assédio moral (palavras ofensivas direcionadas ao professor), violência moral

(diferenciação entre níveis de ensino) e a violência até mesmo física de alunos contra

docentes. Essas evidências demonstram uma “cultura de barbárie” que não se esgota,

mas acomete diariamente a vida dos envolvidos. As agressões são reflexos de uma

mentalidade reificada que se utiliza da violência como um instrumento legítimo para

resolver conflitos, para não lidar com as diferenças, para disputar discordâncias ou

7 SOUZA, Aparecida Neri de, da Universidade Estadual de Campinas, uma das autoras do estudo

Condições de trabalho e suas repercussões na saúde do professor da educação básica no Brasil. Revista Escola Pública, Edição 36, Nov. 2013.

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mesmo como resposta à violência que vem do sistema educacional/social/sociedade. Na

história da educação, métodos punitivos e violentos foram usados para “corrigir” tudo

aquilo que era julgado inapropriado ou intolerável. Sendo assim, os estudantes, muitas

vezes, baseados em “estereótipos herdados” (ADORNO, 1995, p. 111), certamente

transmitidos por seus pais, parentes ou histórias ouvidas, nos trazem uma reprodução

dessa lógica social coercitiva, incutida há séculos por mecanismos de dominação e que

atingem, primeiramente, ao professor ali presente, representante de todo um sistema

paradoxal.

Adorno já se preocupava acerca da profissão docente e ao desprezo ofensivo

pelo professor, reunindo uma série de motivações subjetivas da aversão contra o

magistério, em especial as que são inconscientes, e discorre a cerca do conceito de tabu,

no sentido da sedimentação coletiva de representações que possam ter perdido sua base

real, mas que, “conservando-se, porém, com muita tenacidade como preconceitos

psicológicos e sociais, que por sua vez retroagem sobre a realidade convertendo-se em

forças reais” (Idem, Ibidem, p. 98). Ao comparar os limites profissionais de liberdade,

relacionados aos níveis de compreensões da sociedade, Adorno aponta outras profissões

igualmente intelectuais como os juristas e os médicos, por exemplo, que não se

subordinaram àquele tabu arcaico e, portanto, são consideradas livres: “Pode-se

perguntar por que o tabu arcaico, a ambivalência arcaica foram transferidos justamente

aos professores, enquanto outras profissões intelectuais ficaram livres deles” (Idem,

Ibidem, p. 103). Observou o quão profundo encontrava-se essa condição acerca dos

tabus do magistério em candidatos à profissão docente, e apontou uma espécie de

resignação, antes mesmo de começarem suas carreiras, refletindo nisso, não só suas

condições acadêmicas, como também respeito dos lugares sociais que ocupam: “eles

Page 39: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

30

sentem seu futuro como professores como uma imposição, a que se curvam apenas por

falta de alternativas” (ADORNO, 1995, p. 97).

Diante de tantas questões e, ainda, um legado histórico tão pesado sobre essa

profissão, como transformar os corpos dos docentes em atualizados e mais emancipados

capazes de reagir, legitimamente, com saúde física e emocional? A valorização

profissional é um papel político do professor, instituído pelo seu próprio corpo, munido

de sua potência e autoconsciência. A ausência de forças físicas e psíquicas prejudicam,

em muito, o exercício dessa autonomia social, da liberdade na qual Adorno apontava

como um dos processos mais arcaicos a serem superados socialmente, que pressupõem

a emancipação dos principais sujeitos da educação: o professor e o aluno, bem como

todo o sistema destinado a eles.

O crescente processo de adoecimento em tantos níveis nos docentes está

diretamente relacionado às políticas de formação de professores que, ainda, não

apresentam atualizações eficazes para o exercício dessa profissão, apesar de tantas

pesquisas realizadas. Para uma conscientização corporal necessária aos enfrentamentos

advindos da profissão, deveríamos ter visivelmente garantidos nos currículos de

formação de professores, as condições de obtenção de um corpo emancipado, isto é,

atualizado, conhecedor de seus limites e potências, bem como esclarecidos de seu tempo

sócio/histórico.

Page 40: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

31

2.3 – CORPO E FORMAÇÃO CULTURAL ATRAVÉS DA ARTE

Se não fosse pelo meu temor em ser interpretado equivocadamente

como sentimental, eu diria que para haver formação cultural se requer

amor; e o defeito certamente se refere à capacidade de amar.

(ADORNO)

Como o foco desta pesquisa foram os docentes, o conceito de formação cultural

de professores será aqui abordado tanto por intelectuais filiados à Teoria Crítica, quanto

por autores de referência no campo da Arte/ Educação.

O notável empobrecimento das experiências culturais, iniciado na infância e

perdurado nos ciclos seguintes da educação formal, se revela no raso repertório

acumulado ao longo da formação de um docente que, como num ciclo vicioso, repassa

esse vazio aos futuros discentes. Esse empobrecimento da natureza expressiva, do apuro

estético e do perceptível analfabetismo na Arte se agrava velozmente reificado pelo

fenômeno da alienação, ao contrário do que poderíamos esperar de um mundo

globalizado e munido de meios de comunicação tão rápidos como o pensamento.

Sobre isso, Adorno lançou uma tarefa bastante concreta para as pesquisas

educacionais, a respeito de teoria e prática, a partir da infância:

Seria preciso estudar o que as crianças hoje em dia não conseguem

mais aprender: o indescritível empobrecimento do repertório de

imagens, da riqueza de ‘imagines’ sem a qual elas crescem, o

empobrecimento da linguagem e de toda a expressão (ADORNO,

1995, p. 146)

Ostrower, na década de 1970, constatava esse mesmo empobrecimento apontado

por Adorno, considerando que a criatividade, esse potencial inerente ao homem, há

Page 41: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

32

muito fora desintegrado de sua função humana, não restrita somente à arte, mas, num

sentido global, um agir integrado em um viver humano. Relaciona a isso a alienação em

que se encontram os seres humanos, alertando que o estado de consciência dos sujeitos

continua sendo reprimido, manipulado, massificado e enrijecido e que, apesar de toda

uma tecnologia, conhecimentos sobre o mundo e bens materiais, nada altera essa

condição humana, ao contrário, até se agrava a cada dia, alienando-os de si mesmo.

(...) tentamos recuperar certos valores humanísticos, fornecer alguns

elementos para que se enfrente melhor uma época como a nossa, em

que dos sistemas e dos processos dirigidos de massificação só vemos

resultar um condicionamento muito grande para os indivíduos, um

aviltamento e um esmagamento do seu real potencial criador.

(OSTROWER, 2012, p.7)

A proposta de recuperação das potencialidades humanas que se convertem em

“necessidades existenciais”, nas palavras de Ostrower, consiste em desenvolver a

“percepção de si mesmo dentro do agir”, sendo isto um aspecto de extrema importância

e que distingue a criatividade humana. Sobre essa autoconsciência necessária aos

humanos, Adorno informa que o esclarecimento como consciência de si, é condicionado

culturalmente e, nos termos da indústria cultural, limita-se a uma semiformação8 que,

por sua vez, provoca uma regressão dos sentidos, revelando uma total dominação sobre

os sujeitos até mesmo nos aspectos mais subjetivos. Em ambos os autores, a temática do

retorno à experiência como prática autorreflexiva, que possibilitaria romper com as

limitações impostas pelos esquemas do capitalismo tardio de um mundo que não se

8 Termo criado por Adorno que constitui a base social de uma estrutura de dominação, que impõe uma

síntese pelo mercado dominante, uma falsa experiência restrita ao caráter afirmativo, ao que resulta da

satisfação provocada pelos bens culturais. Mas, uma satisfação que trava as possibilidades da experiência formativa provocando uma “regressão dos sentidos”. (ADORNO, 1995, p. 23)

Page 42: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

33

humaniza, é o aspecto primordial para uma reconciliação entre o homem (em sua

integridade física, psicológica, espiritual e política) e o mundo.

“Afinal, o que é isto, esta inaptidão à experiência? O que acontece, e o

que, se houver algo, poderia ser feito para reanimação da aptidão a

realizar experiências?” (ADORNO, 1995, p.149)

Com essa pergunta, Adorno pontua o problema da estrutura social que se

interpõe entre aquilo a ser experimentado e aquela camada estereotipada a que é preciso

se opor, para que a educação efetivamente caminhe em direção à emancipação, e essa

problemática não estaria somente relacionada ao colégio ou à universidade, “mas sim ao

conjunto da estrutura educacional, da pre-school-education até a formação para idosos”.

(Idem, Ibidem, p.151). Incluímos aqui, a perspectiva da formação docente direcionada a

uma educação emancipadora, e nossa tentativa de evidenciar que toda experiência

viabiliza-se através do corpo, da ação e do ato reflexivo, como sendo fundamentais para

o sentido mais profundo do que seja a consciência.

Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais.

Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a

experiência é idêntica à educação para a emancipação. (Idem,

Ibidem).

Para Ostrower, a percepção de si mesmo dentro do agir, representaria os modos

de ação mental a dirigir o agir físico, e o ato criador não existiria antes ou fora do ato

intencional:

(...) não haveria condição, fora da intencionalidade, de se avaliar

situações novas ou buscar novas coerências. Em toda criação humana,

Page 43: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

34

revelam-se certos critérios que foram elaborados pelo indivíduo

através de escolhas e alternativas (OSTROWER, 2012, p.11).

Mas, a respeito das escolhas e alternativas num mundo massificado, os critérios

devem ser analisados e levados em consideração para qualquer proposta em relação à

formação dos sujeitos, começando pela própria conscientização no âmbito dos critérios

para tal. É bastante conhecida a crítica que Adorno faz ao conceito de modelo ideal

(Leitbild), atentando o momento específico da heteronomia, o momento autoritário, ou

seja, o que é imposto a partir do exterior. “Nele existe algo de usurpatório. É de se

perguntar de onde alguém se considera no direito de decidir a respeito da orientação da

educação dos outros” (ADORNO, 1995, p. 141). Atualmente, a educação de uma

maneira geral, se apresenta em consonância com alguns modelos ideais preestabelecidos

acerca do comportamento no mundo globalizado, reificado pela indústria cultural que

penetra, sem cerimônias, e se difunde, principalmente, através dos meios de

comunicação de massa. Os estereótipos assumidos como valores sociais e padrões a

serem alcançados, definem todo um comportamento social revelado nas atitudes, nos

gostos, nas preferências, na estética, no próprio desejo, nos julgamentos e nas

manifestações destes, através de todos os signos e linguagens: tanto corporais, quanto

verbais. A formação cultural dos sujeitos, tolhida em face aos meios de comunicação de

massa e, mais especificamente, frente à televisão, que tem-se configurado um dos

maiores, talvez o maior, obstáculo a ser transposto na proposta de conscientização para

uma educação para emancipação, tem sido tema de estudo há algumas décadas. Para

Adorno, a incidência da televisão possui um duplo significado, separado em: - uma

função pedagógica, quando diretamente colocada a serviço da formação cultural,

objetivando conteúdos referentes à educação, no sentido de divulgação de informação

de esclarecimento; e - uma outra função formativa ou, em suas palavras, “deformativa”,

Page 44: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

35

onde os critérios que sustentam as preferências das pessoas é o modismo e a “falsa”

sensação de autonomia:

(...) compreendo “televisão como ideologia”(...) tentativa de incutir

nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento da realidade,

além de, como se costuma dizer tão bem, procurar-se impor às pessoas

um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos,

(...) existe ainda um caráter ideológico formal da televisão, ou seja,

desenvolve-se uma espécie de vício televisivo em que por fim a

televisão, como também outros veículos de comunicação de massa,

converte-se pela sua simples existência no único conteúdo da

consciência, desviando as pessoas por meio da fartura de sua oferta

daquilo que deveria se constituir propriamente como seu objeto e sua

prioridade (ADORNO, 1995, p. 80).

A partir de tal impacto social imposto e convertido em “vício”, o sujeito já não

consegue evitar o consenso da opinião pública e se submete aos efeitos de uma

subjetividade socializada. Os comprometimentos desencadeados por esse fator

característico da semiformação, anunciada por Adorno, são muitos, além da falta de

consciência de si e da regressão dos sentidos, que requerem nossa atenção quanto à

sistemática violência “invisivelmente” imposta aos indivíduos cotidianamente. Esses

são, também, mecanismos de perpetuação da barbárie desde a infância, quando das

simplificações das atitudes de extrema violência são apresentadas sob a forma de um

padrão estético comum em tempos neoliberais, através de desenhos animados, e assim

sucessivamente em toda a programação até as telenovelas, talk shows, filmes,

propagandas, séries e reportagens. Adultos e crianças realizam comportamentos

sistematizados por esses conceitos de coisificação dos sujeitos, dos sentimentos e de

Page 45: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

36

seus corpos e que são veiculados, transmitidos e incorporados pelos mais remotos

cantos do planeta com extrema aceitabilidade e acordança.

Nessa medida quero lembrar a relação perturbada e patogênica com o

corpo que Horkheimer e eu descrevemos na Dialética do

Esclarecimento. Em cada situação em que a consciência é mutilada,

isso se reflete sobre o corpo e a esfera corporal de uma formação não-

livre e que é propícia à violência. Basta prestar atenção em um certo

tipo de pessoa inculta como até mesmo a sua linguagem –

principalmente quando algo é criticado ou exigido – se torna

ameaçadora, como se os gestos da fala fossem de uma violência

corporal quase incontrolada. (ADORNO, 1995, p.126 e 127).

Para os atores do campo da educação, lidar criticamente com esse fenômeno

requer acuidade reflexiva sistemática, dado que todos os envolvidos sofrem do mesmo

mal. A proposta de Adorno e de Ostrower na recuperação da experiência formativa,

evidencia o fato de que o processo de conscientização se desenvolve junto ao processo

de promoção da espontaneidade, da criatividade, da originalidade e, portanto, promotora

fundamental de esclarecimento.

A constituição da aptidão à experiência consistiria essencialmente na

conscientização e, desta forma, na dissolução desses mecanismos de

repressão e dessas formações reativas que deformam nas próprias

pessoas sua aptidão à experiência. (Idem, Ibidem, p. 150).

Ostrower desejava acionar uma “mobilização latente seletiva” (2012, p.10) na

reeducação da integralidade do humano, lembrando que a consciência e a sensibilidade

fazem parte de uma herança biológica inata desde os “homínidas”, e que a cultura

representa o desenvolvimento social do homem. Com esses conceitos, define o homem

como “Ser consciente-sensível-cultural” (Idem, Ibidem, p. 11) e propõe a experiência

Page 46: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

37

com a arte como canal potente para recuperar esses valores humanos primordiais,

capacitando os sujeitos contra a opressão social alienante e, fundamentalmente,

resguardando o processo de criação: fator de extrema realização e constante

transformação humana.

A experiência vivida se dá no corpo e este, produto de uma sociedade de

consumo norteada por modismos e conceitos alienados, marcado pela presença

onipotente da barbárie social, apresenta, atualmente, grandes barreiras no processo de

sua integridade e libertação. Como se dá a formação cultural através do corpo? Que

conceitos devem ser superados e quais devem ser incorporados? Num sistema

educacional onde não se privilegia o processo de cognição aferido pelo corpo, este se

subalternaliza e converte-se em “obediente instrumento da ordem vigente” (ADORNO,

1995, p. 159).

A observação dos movimentos corporais se dá desde o nosso nascimento como

fator alfabetizante no mundo de códigos e signos físicos em que vivemos. Porém, a

apreciação estética dos gestos, os fenômenos de representação e as ordenações de cunho

expressivo das ideias artísticas, precisam ser gradativamente introduzidos no referencial

de cultura corporal humana. A indústria cultural se ocupa de representações e

estereótipos a respeito de comportamentos e modismos em relação ao que poderíamos

chamar de “artes do corpo” e suas múltiplas expressões. Desde a manifestação mais

popular até a mais erudita, todas têm o corpo como mediador das intenções. A

transformação dessas formas de expressão em meros produtos da indústria cultural

constitui grandes debates acerca da distinção entre arte e mercadoria, assunto no qual

não nos deteremos no âmbito desta pesquisa, mas que nos demonstram as diferenças

entre comportamentos reificados e os possuidores de autonomia, criatividade e

Page 47: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

38

legitimidade. Vaz e Mwewa (2008) discorrem sobre corpo e indústria cultural para falar

da capoeira como uma das mais importantes pedagogias dos corpos brasileiros.

Como se sabe, a globalização cultural tem como contra-face uma série

de mecanismos de exclusão econômica. Paradoxalmente, o crescente

isolamento e empobrecimento das populações de diversos países – que

faz com que coexistam vários “primeiros” e “terceiros mundos”

convivendo lado a lado – inclui uma parte da população nas esferas do

trabalho, e, como conquista e concessão, ela alcança a possibilidade

do tempo livre. As atividades culturais-corporais muitas vezes

funcionam como uma válvula de escape, como tentativas de amenizar

as tensões adquiridas cotidianamente no trabalho. Em uma realidade

na qual tudo tende a transformar-se em mercadoria, os bens culturais

não poderiam ter melhor sorte. (VAZ e MWEWA, 2008).

Podemos aferir esse conceito também no caso da dança, tanto as de origem

popular quanto as variações culturais de estilos. Em ambos os casos, tanto da dança

quanto da capoeira, encontramos o processo de aceitação dos clichês corporais, que

propiciam a não fluência do pensamento crítico, o não reconhecimento da autonomia

das linguagens do movimento corporal humano como um saber construído

historicamente e, muitas vezes, um patrimônio cultural imaterial da cultura mundial.

Brincadeiras e jogos motores populares, juntamente com as lutas, ginásticas, esportes,

manifestações culturais variadas, formas de alimentação, higiene, técnicas de trabalho e

cuidados corporais, também fazem parte da cultura corporal a que estamos imersos,

porém, sobre a formação cultural corporal, devemos apreciar todas as manifestações

artísticas de representação feitas pelo corpo humano. A dança, para alguns estudiosos, é

a manifestação mais antiga das artes, por se valer apenas do próprio corpo como

Page 48: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

39

instrumento de seus intentos criativos. O corpo é o primeiro suporte para a manifestação

da arte e o veículo primordial para a manifestação de todas as linguagens artísticas.

A formação cultural dos sujeitos, em sua multiplicidade de possibilidades,

precisa necessariamente, da sensibilização dos sentidos, das experiências práticas

envolvendo todas as formas de expressão do corpo, dos gestos harmônicos, seja da

fluência de um pincel, ou nos toques precisos das teclas de um piano, nos giros de um

bailarino ou nas cambalhotas de um circense, sejam quais forem suas vias de expressão,

precisam ser vivenciadas, apreciadas, questionadas, para que possamos desenvolver as

relações entre alteridade, espaço, tempo e as muitas formas de interação com obras de

arte, buscando não fragmentar os sujeitos em corpo e mente.

Para Nogueira (2008), no caso específico da formação cultural do professor, é

desejável que ele consiga, ao longo de sua vida profissional, um contato com o mundo

da cultura de forma intensa e diferenciada e também nos faz uma pergunta: “Um

professor assim formado teria condições de exercer uma prática docente melhor, que

possibilite também o enriquecimento cultural de seus alunos?” ( p.38). Continuando seu

discurso, num primeiro momento, as sugestões mais simples para se conseguir manter

uma frequência na formação cultural seriam: desde ir ao cinema, teatro ou shows, até

mesmo ler um livro literário dentre outras atividades, mas que essas experiências

enriquecessem e ampliassem seus próprios referenciais estéticos e promovessem novos

conceitos expandindo suas visões de mundo. E num segundo momento, resguardar o

direito a essas experiências através dos próprios currículos de formação docente, o que

notou-se muito complexo, prevendo que tornaria o programa muito extenso e passível

de novas exigências a cada época, capaz de se perder em fragmentações. Mas, que isso

mesmo que minimamente mantido, fosse pelo menos um incentivo ao futuro docente,

Page 49: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

40

da necessidade desse hábito para sua vida pessoal e profissional. O resultado dos

argumentos e pesquisas de Nogueira (2008), nos revela que em várias instâncias sociais,

existem assustadores dados de um profundo “desconhecimento sobre a importância do

papel da cultura na vida de qualquer indivíduo, sobretudo na daquele que se dedica à

formação de outras pessoas” (p. 41). Outro ponto definidor dessa problemática é o

“gosto”, campo fértil para reflexão neste assunto. O que dizer sobre o gosto massificado

e dominado pela indústria cultural? As preferências individuais acabam sendo as mais

veiculadas pela mídia e nem sempre, ou quase nunca, isso significaria a opção por uma

obra de arte.

Os docentes, contra uma massificação paralisante do uso pedagógico do corpo,

ou dos absurdos abusos relativos à sexualização dos corpos, precisariam desenvolver

uma consciência crítica sobre os conteúdos acerca dessa cultura de corpo e movimento

veiculada pela mídia. Suas formações deveriam incluir experiências corporais artísticas

e sensibilizadoras, capazes de fortalecer seus sentidos e seu senso crítico contra um

realismo supervalorizado que desvirtua os limites entre arte e mercadoria, capacitando-

os para fruição e para autonomia do uso das expressões artísticas corporais, fora dos

padrões condicionantes e alienadores impostos pela “indústria corporal das massas”.

Diante da necessidade de conscientização dos corpos, não só para o exercício do

esclarecimento, como também para expressão dos sentimentos de afeto e de amor

necessários para o ato de lecionar, como citado por Adorno na epígrafe deste capítulo, a

dança vem exercendo importante papel na educação contra a violência naturalizada

socialmente, que incide sobre os corpos. No sentido proposto por Laban (1990), a dança

traz em sua prática a possibilidade de fomentar a expressão artística no âmbito da arte

primária do movimento em dois sentidos: fruir criatividade e afetividade e cultivar a

Page 50: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

41

capacidade de tomar parte na expressão coletiva das tradições corporais da história da

humanidade. Para Vianna (1990), é por meio dos movimentos que nós nos tornamos

conscientes de nós mesmos, do nosso corpo e dos estados internos que expressamos ao

nos movermos.

Mas, se a dança é um modo de existir, cada um de nós possui a sua

dança e o seu movimento, original, singular e diferenciado, e é a partir

daí que essa dança e esse movimento evoluem para uma forma de

expressão em que a busca da individualidade possa ser entendida pela

coletividade humana. (VIANNA, 1990, p. 88)

As propostas atuais de experiência vivida no corpo, que respeitem seu tempo

orgânico, ou seja, o mais naturalmente compreensível para a construção de um saber

sobre nós mesmos, têm sido frequentemente suprimidas diante do imperativo da vida

moderna. A superficialidade regida pela lógica do prazer imediato, do consumo e da

produtividade que a indústria cultural exerce em nossa percepção, desorienta nossa

construção de uma consciência acerca do presente. O tempo atual é o da velocidade e a

pressa premente estabelecida como padrão de sucesso, produtividade e competência, se

reflete nos corpos automatizados, que os faz viver um vazio de si mesmos, aumentando

essa carência extrema, querendo obter mais e mais bens de consumo, que preencham o

sentimento de “insuficiência”. Uma compreensão e uma consciência de si ficam

prejudicadas e a percepção disso no outro, igualmente comprometida. Um processo de

consciência, ao contrário do que nos exige a urgência da contemporaneidade, subjaz um

tempo fecundo, destinado a desvelar formas de esclarecimento do tempo presente, nos

possibilitando através da experiência, meios possíveis de superação das ameaças e dos

perigos de uma vida vazia de significações consistentes para os sujeitos e seus pares.

Page 51: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

42

A consciência do movimento e a dança fazem parte de um processo

educacional que desenvolve a criatividade, a comunicação e a alegria

num percurso dinâmico, ao longo de toda a vida. (A. VIANNA, Apud,

CALAZANS, CASTILHO e GOMES, 2003, p. 9)

Para além dos períodos de formação dos sujeitos, a necessidade da relação com a

arte encontra-se ameaçada não só pela indústria cultural, como pela política cultural que

não apresenta oportunidade para nada que não seja por ela mesma sancionada de

antemão. Essa problemática, relacionada às expressões artísticas do corpo, que supõem

percepções estéticas sobre gesto e movimento construídas e apuradas pela história das

artes cênicas, encontra-se, nas últimas décadas, imbricada ainda numa atualidade crítica

na relação dos sujeitos com seus próprios corpos, assunto que discorreremos no

próximo capítulo.

Page 52: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

43

1.3 – CORPO, EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO

O amor-ódio pelo corpo impregna toda a cultura moderna. O corpo se

vê de novo escarnecido e repelido como algo inferior e escravizado, e,

ao mesmo tempo, desejado como o proibido, reificado, alienado. É só

a cultura que conhece o corpo como coisa que se pode possuir;

(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.191)

Na atual sociedade, o debate sobre o papel de destaque dado ao corpo-

objeto tem influenciado sobremaneira a formação de crianças e jovens, implicando em

problemas sociais muito graves, além da disseminação permanente de todo tipo de

preconceito. A incidência dessas distorcidas concepções massificadas atinge cidadãos

de todas as classes sociais e, nesta pesquisa, estão diretamente relacionadas às propostas

de redirecionamento da percepção do corpo e de sua linguagem dentro do campo da

educação.

O corpo humano tornou-se hipervalorizado e ao mesmo tempo descartável,

construído a partir de padrões de extremo consumo da indústria cultural e moldado

conforme a ideologia social vigente ou, nas palavras de Adorno, um modelo ideal. É

percebido que o real sentido da existência não é mais apenas ser, com suas

particularidades e diferenças: isso é adulterado e se resume ao ter, aparecer e consumir.

Segundo Silva (2012), o mais importante e necessário é alcançar o reconhecimento

diante dos outros: “(...) ser reconhecido significa ser percebido, para tanto é preciso

portar no corpo as marcas do sucesso, adotar um estilo de vida” (2012, p. 59). Faz-se

evidente, em nossa contemporaneidade, essa busca pelo modelo ideal de corpos,

comportamentos e aparências, produtos de uma indústria cultural, onde o maior

consumo incide justamente no corpo, na apresentação de uma autoimagem coerente

Page 53: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

44

com esse idealismo efêmero, trazendo uma imediata impressão de pertencimento social

e cultural, porém, causando uma superficialização e uma alienação das identidades. A

apresentação de uma autoimagem “coisificada” prevalece sobre uma concepção moral.

Para Türcke (2010), a respeito do comportamento esperado dentro dessa irracionalidade

seria, “(...) quem não chama a atenção constantemente para si, quem não causa uma

sensação corre o risco de não ser percebido” (2010, p. 37). A ideologia dominante da

atualidade preconiza que o sucesso, a aparência, o rendimento, a produtividade e o lucro

estão acima de tudo, agora sendo o corpo, o próprio produto do consumo. O culto ao

corpo não é opção, mas imposição social e, com isso, as diferenças aumentam

demasiadamente.

Segundo Le Breton (2012), a apologia ao corpo, numa sociedade individualista,

obscurece as referências conhecidas causando uma crise de significação e de valores

que abala a modernidade. Nesse sentido,

Um mercado em pleno crescimento renova permanentemente as

marcas que visam a manutenção e a valorização da aparência sob os

auspícios da sedução ou da “comunicação”. Roupas, cosméticos,

práticas esportivas, etc., formam uma constelação de produtos

desejados destinados a fornecer a “morada” na qual o ator social toma

conta do que demonstra dele mesmo como se fosse um cartão de

visitas vivo. (2012, p. 78)

Adultos, crianças e principalmente os jovens se moldam às convenções desse

fluxo irrefletido de controle social, corporal e comportamental imposto por uma cultura

de extremo consumo e superficialidades, muitas vezes, inadequados para as idades,

perversos e violentos aos próprios corpos, atribuindo-lhes valores difusos, provisórios,

questionáveis e preconceituosos. Essa cultura, que beneficia um status do corpo e um

Page 54: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

45

imediatismo das sensações de pertencimento e adequação, em detrimento da moral dos

sentimentos, privilegia o sucesso na aparência física, expondo os indivíduos ao olhar e

ao julgamento dos outros de acordo com um estereótipo, abandonando definitivamente

a possibilidade de um compromisso de formação e amadurecimento pessoal. Para Maia

(2010), tais estereótipos presentes, hoje, na educação formal e não formal, contribuem

significativamente, para a disseminação do preconceito, principalmente pela

possibilidade de exclusão que ameaça a todos os que não se adaptam:

Os corpos ideais que aparecem na indústria cultural fornecem um

padrão rígido que amálgama diversas dimensões (estética, moral e

psicológica). Cria-se uma “beleza empírica” sem substância e sem

conceito. Supõe-se um bem, uma finalidade para as ações humanas e

um conjunto de virtudes e vícios associados e, finalmente, supõe-se

que aqueles que não têm um corpo ideal sofrem, assim como se supõe

naqueles que se aproximam do ideal o gozo de participar dele.

(MAIA, 2010, p.28)

O problema da irracionalidade social nos apresenta grandes desafios e,

especificamente em relação à educação dos corpos, pressupõe-nos esse risco imanente

de comportamentos também irracionais diante da consciência de seus próprios corpos

possuidores de múltiplas diferenças sociais, de classes, de raças e de gênero. Atentamos

com isso para reificação do preconceito que, nas reflexões de Maia, é um dos sintomas

que a educação “produz nos sujeitos em condições de alienação; aquilo que deveria

servir à liberdade – o processo de apreensão do conhecimento – acaba por resultar na

servidão” (Idem, Ibidem p. 22). Maia constata que, no contexto atual, não há um

conjunto positivo de valores consensuais que possam ser utilizados para orientar a

formação que se oferece aos educandos, em vista de “crises” como a epistemológica, a

Page 55: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

46

estética e a ética, e aponta a intolerância como consequência de um ideal social abstrato

de que todos sejam iguais e que, como sequência dessa regressão, as marcas desiguais,

vergonhosas, são fadadas a serem eliminadas.

O condicionamento do corpo na escola (reprimido, superdirecionado, de

preferência imóvel para não dar trabalho ao adulto), é até hoje reconhecido como padrão

de bom comportamento. No entanto, testemunhamos o contrário disso há décadas nas

classes regulares, trazendo-nos corpos precocemente erotizados, portadores de todos os

estereótipos, explosivos, preconceituosos e violentos como que preparados para um

embate mortal, uma sobrevivência em tempos de grandes ameaças, fazendo com que

haja, cada vez mais, uma urgência na revisão das políticas e práticas educacionais.

Reificando os padrões vigentes e imutáveis das relações preconceituosas, autoritárias e

instrumentais que ainda dominam os argumentos e as práticas educacionais, apenas

segregamos, ainda mais, nossos discentes que, ao darem curso às suas vidas, levam as

marcas de todas as experiências vividas com ou sem sofrimento. As condições atuais de

possibilidades de uma educação para emancipação, como a proposta por Adorno, se

depara, frequentemente, com o não espaço de questionamento na própria ação de

transmissão de conteúdos e conceitos, favorecendo a “semiformação” socializada. Maia

aponta para os próprios materiais didáticos, oferecidos como produtos sempre mais e

mais atraentes:

A escola, convertida em indústria educacional, tem acompanhado a

indústria cultural, privilegiando a didática aos conteúdos, e

entendendo-a como um conjunto de procedimentos destinados à

facilitação e à racionalização dos processos de aprendizagem (2010, p.

24)

Page 56: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

47

Ainda para Maia (2010), o conhecimento, aos olhos da indústria educacional é

adquirido apenas de maneira funcional, sem profundidade, de forma rápida e palatável,

como um produto que rapidamente é trocado por outro. Os efeitos dessa lógica

desautorizam, ainda mais, o professor ali presente, detentor de conhecimentos que são

considerados efêmeros, superficiais e até inúteis. Está posta a cultura geral das

superficialidades em todas as camadas sociais.

Adorno (1995) ressalta o duplo caráter da cultura: o da autonomia e o da

adaptação e nos lembra que, diante de tão forte pressão exercida pela indústria cultural,

teríamos nós educadores a tarefa de fortalecer os mecanismos de conscientização,

autonomia e busca da emancipação dos sujeitos em todas as etapas sociais. “A exigência

de emancipação parece ser evidente numa democracia” (1995, p. 169):

A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de

adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo.

Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisso, produzindo

nada além de well adjusted people, pessoas bem ajustadas, em

consequência do que a situação existente se impõe precisamente no

que tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de

educação para a consciência e para a racionalidade uma ambiguidade.

(ADORNO, 1995, p.143)

Podemos aferir nessa ambiguidade o próprio caráter esclarecedor, onde a

proposta de educação por meio da experiência e do olhar crítico, fortaleça a consciência

e a atitude consciente e, justamente, por reconhecer e poder valorar o que se difere do

senso comum, possa-se alcançar a emancipação dos sujeitos. Muitas poderiam ser as

formas de diferir da indústria cultural e, uma delas, seria uma nova compreensão da

sensibilidade, da profundidade e da linguagem do corpo.

Page 57: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

48

CAPÍTULO 2 : LINGUAGEM CORPORAL E SUAS INTERFACES

Neste capítulo, serão abordados conceitos acerca do termo Linguagem Corporal,

sua qualificação científica, seus desdobramentos sociais e sua função no campo da

educação. Para tal, recorreremos aos estudos específicos das expressões corporais nas

ciências humanas e suas interfaces com a cultura, com a Arte e com a educação por

meio de autores da Sociologia, da Ciência da Arte e da Arte/Educação. Finalizamos

com uma reflexão sobre os atuais desafios de um docente e as possibilidades de transpor

barreiras a partir de uma nova visão do corpo.

2.1: LINGUAGEM CORPORAL E OUTROS CAMPOS

CIENTÍFICOS

(...) pois o corpo é o único capaz de nos instruir sobre o valor de nossa

personalidade profunda. (...) A metáfora é talvez a verdade da

linguagem, e essa linguagem é talvez o corpo. Mas, como dizer o

corpo, como dizer o indizível do corpo? Criando uma nova linguagem.

(NIETZSCHE)

A linguagem corporal tem sua interpretação mais popularmente reconhecida,

identificando-a, simplesmente, como uma forma de comunicação não verbal. Muitas

disciplinas científicas se dedicam aos estudos das linguagens do homem partindo de

pressupostos distintos. Contribuem para esses estudos, além da Biologia, a Filosofia, a

Antropologia e a Sociologia, matérias como a Cinesiologia, a Paralinguagem, a

Programação Neuro Linguística (PNL), a Neurociência, a Psicologia, a Proxêmica, a

Page 58: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

49

Oratória, além da Semiótica e sua visão a partir da complexidade. Apresento a seguir

um breve mapeamento dos diferentes campos acerca do conceito de linguagem corporal.

Séculos de discussão e de definições concluíram que a linguagem, como

capacidade de expressão dos seres humanos, é uma conquista evolutiva, isto é, os

humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral, que lhes

permite expressarem-se amplamente por meio dos gestos, das palavras e das expressões

de todo o seu corpo frente às diversidades impostas por seu contexto ambiental e social.

O cenário onde conhecimento e criação são elaborados tem como centro o

cérebro humano e a Biologia explica-nos com clareza a evolução dessa aparelhagem

complexa. Pelas pesquisas de Paul MacLean (VIEIRA, 2006, p.67), define-se o modelo

do “cérebro triúnico”, expondo a evolução cerebral, ao longo de bilhões de anos, em

três etapas básicas. A primeira seria o chamado complexo reptílico ou paleoencéfalo,

com o hipotálamo - origem da agressividade, das pulsões primárias, da demarcação

territorial, cuja principal função é permitir formas básicas de permanência como

reprodução, exploração e autonomia num certo nicho ecológico. Na segunda etapa

temos o complexo límbico ou mesencéfalo, fonte básica de emoções, sentimentos e da

percepção e preocupação com o outro, (herança do cérebro dos antigos mamíferos). E o

terceiro subcérebro é o complexo do neocórtex, a última etapa da nossa evolução

cerebral, fonte de nossa racionalidade, da linguagem articulada e da lógica, é a sede das

aptidões analíticas, lógicas, estratégicas, que permitem ao homem abrir-se para o mundo

físico e social (Idem, Ibidem p.68). Atualmente, a leitura de MacLean do cérebro

triúnico não se sustenta mais diante das evoluções da neurociência, mas, Morin (2002)

diz que essa versão complexa é interessante porque revela uma herança animal

ultrapassada, mas não abolida. Para uma análise relacionada com uma proposta de

Page 59: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

50

exercícios em que se pratique a linguagem corporal, mostra-se muito reveladora das

pulsões do corpo em sua língua própria: razão/afetividade/pulsão (fonte da vontade).

As relações entre as três instâncias são não apenas complementares,

mas também antagônicas, comportando conflitos bem conhecidos

entre a pulsão, o coração e a razão; correlativamente a relação triúnica

não obedece à hierarquia razão/afetividade/pulsão; há uma relação

instável, permutante, rotativa entre estas três instâncias. A

racionalidade não dispõe, portanto, de poder supremo. É uma instância

concorrente e antagônica às outras instâncias de uma tríade

inseparável, e é frágil: pode ser dominada, submersa ou mesmo

escravizada pela afetividade ou pela pulsão. (MORIN, 2002, p. 53)

Assim emerge outra face da complexidade do homem, que integra os princípios

das necessidades mais básicas das expressões humanas, como a animalidade (mamífero

e réptil) na humanidade e a humanidade na animalidade. Morin acredita que o século

XXI deverá abandonar a visão unilateral que definiu o ser humano: pela racionalidade

(Homo sapiens), pela técnica (Homo faber), pelas atividades utilitárias (Homo

economicus), pelas necessidades obrigatórias (Homo prosaicus).

O ser humano é complexo e traz em si, de modo bipolarizado,

caracteres antagonistas: Sapiens e demens (sábio e louco); faber e

ludens (trabalhador e lúdico); empiricus e imaginarius (empírico e

imaginário); economicus e consumans (econômico e consumista);

prosaicus e poeticus (prosaico e poético). O homem da racionalidade é

também o da afetividade, do mito e do delírio (demens). O homem do

trabalho é também o homem do jogo (ludens). O homem empírico é

também o homem imaginário (imaginarius). O homem da economia é

também o do consumismo (consumans). O homem prosaico é também

Page 60: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

51

o da poesia, isto é, do fervor, da participação, do amor, do êxtase.

(MORIN, 2002, p.58)

Em qualquer estudo que nos propusermos a fazer a respeito do movimento

humano, devemos considerar a ação da massa do corpo e da gravidade, no tempo-

espaço em que se dá a vida e a complexidade em que se situa esse corpo.

Para cada passo que o homem dá durante a vida é imprescindível o

suporte físico-químico-biológico que lhe dá sustentação, sendo este

suporte o que o capacita como ser biológico e que potencializa seus

possíveis voos. E é a cultura, primeiro na forma do grupo familiar e

depois no grupo social, que possibilita a formação da identidade do

novo ser neste grupo e que vai possibilitar, em seus primeiros anos de

vida, o desenvolvimento de habilidades essenciais para a

sobrevivência do ser adulto. O biológico permite a vida; a cultura

possibilita a transcendência. O biológico garante herdeiros; a cultura

possibilita a eternidade. Enfim ambos permitem o desenvolvimento

neocortical dentro da mesma caixa craniana que encerra a história

reptiliana e límbica dos tempos paleolíticos. (CAMPELO, 1996, p.44)

Na Filosofia, o estudo da complexidade do corpo e de seus textos evidenciou

revolucionários pensamentos, abrindo potentes precedentes na proposta de reintegração

do corpo na história do homem. Como pontuou Nietzsche: “(...) não nos fatigamos de

nos maravilhar com a ideia de que o corpo humano tornou-se possível. (...) espantamo-

nos diante da consciência, mas o que surpreende, é acima de tudo o corpo” (2008, p.

498).

Também Artaud, o “artesão do corpo sem órgãos”, dramaturgo com

contribuições na Filosofia e na Arte, problematizou a linguagem corporal:

Page 61: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

52

É o ato que forma o pensamento. Visto que há signos no pensamento,

o inconsciente aparece ora como uma espécie de parasemiótica pré-

verbal, ora como o domínio dos signos que trespassam o corpo. O

inconsciente emerge, pois, de um certo modo, como uma linguagem,

ou como uma escrita da carne na qual a língua se funde ao mesmo

tempo em que se oculta.(Apud, LINS, 2002, p. 70)

Tomando como foco a criação de meios para ampliarmos o conhecimento dessa

“nova linguagem”, podemos observar e interpretar vários textos no conjunto de signos

das ações do corpo vivo do homem.

Segundo o semioticista russo Iuri Lotman (Apud, CAMPELO,1996, p. 15), texto

é “uma mensagem distinta que é claramente percebida como sendo diferente de um não-

texto e de um outro texto (...), linguagem é ao mesmo tempo um sistema de

comunicação e um sistema modelizante.” Por meio das linguagens, diferimos a unidade

mínima da comunicação que é o signo e, o texto vem a ser a unidade mínima da

cultura. Assim, percebemos ser importante analisar a linguagem corporal em seu

contexto cultural, histórico, geográfico e político e, desse ângulo, analisarmos também o

campo social e seus conflitos. Sabemos que a identidade cultural do indivíduo está

inscrita em seu corpo: “o de um indivíduo é o depositário da cultura de que participa

este indivíduo, portanto, o corpo é depositário de informação, sendo assim, um texto de

muitos subtextos” (CAMPELO, 1996, p.16).

A cultura é uma das formas que o homem encontrou de organizar os textos

inscritos na transcendência dos corpos em seu tempo e em seu espaço. São índices que

possuem uma dimensão de alta complexidade nos processos evolutivos da humanidade.

Enquanto linguagem, podemos analisar que ao se criar um sistema eficiente na

comunicação humana, percebemos os vários sistemas e subsistemas que se relacionam

Page 62: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

53

para que efetivamente haja “coesão e coerência entre os signos” (VIEIRA, 2006, p.91).

A coesão nos faz identificar a língua e a coerência nos revela sua eficiência

organizacional. Assim também se processará no corpo e na qualidade desse texto vivo,

sua coesão sintática e sua coerência semântica.

A linguagem verbal nasce através da linguagem do corpo. Nasce das

necessidades fisiológicas como fome, sede e abrigo. Nasce das expressões das emoções

trazendo o grito, o choro, o riso aos códigos do cotidiano. Como por imitação dos

gestos, como pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um sentido.

Representações sonoras imitativas dos sons da natureza (animais, rios, trovão, vento,

mar etc), ou seja, a linguagem nasce como uma onomatopeia das pulsões humanas, de

suas necessidades, numa relação constante com o seu meio e com o seu próprio corpo.

O corpo do homem é o palco da ação do desejo deste corpo. A

princípio, toda manifestação do desejo se dá por fenômenos

vegetativos, fenômenos simpáticos e parasimpáticos, que integram o

sistema nervoso autônomo que enerva os músculos lisos. Os

movimentos que ocorrem no sistema autônomo (músculos lisos)

atuam sinergeticamente com os músculos estriados. Portanto, a

manifestação do desejo e a manifestação das emoções são sempre

manifestações musculares: textos reveladores da história do corpo.

(CAMPELO, 1996, p.66).

Muitas informações emanam desse corpo vivo, não apenas com os gestos mas,

em seu próprio uso, como um instrumento técnico, como destacou Mauss (1872-1950),

um dos primeiros autores, senão o primeiro, a estabelecer os parâmetros teórico-

metodológicos do que hoje denominamos “sociologia do corpo”. O conceito de

“técnicas do corpo” é proferido por Mauss numa conferência em 1934 na Sociedade de

Page 63: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

54

Psicologia, e publicada no Journal de Psychologie em 1936, onde ele tenta

desnaturalizar um objeto que é excessivamente familiar para todos os seres humanos,

“na medida em que os encarna e com eles se confunde – o corpo” (FERREIRA, 2009).

Assim, propõe então o conceito de “técnica corporal” no sentido de dar conta das

diferentes formas como os homens, de sociedade para sociedade, sabem

tradicionalmente “servir-se de seus corpos” (MAUSS, 2011). Esse conceito, “técnicas

do corpo”, permite revelar-nos os meios como esse instrumento vivo que é

simultaneamente físico, mecânico e químico, é adaptado e se adapta ao contexto e no

contexto social em que se vive.

Todos cometemos, e eu cometi durante muitos anos, o erro

fundamental de só considerar que há técnica quando há instrumento.

Era preciso voltar a noções antigas, aos dados platônicos sobre a

técnica, quando Platão falava de uma técnica da música e em

particular da dança, e estender essa noção. (MAUSS, 2011, p. 407)

Chauí (2001) nos lembra que na Antiguidade a palavra técnica (techné)

correspondia à arte, significando habilidade, destreza, agilidade, instrumento, ofício.

Técnica, como extensão do homem para se relacionar com a natureza, e que junto com a

política impulsionam a realização humana. Sobre essa realização,

O corpo, ou a corporeidade, como alguns lhe chamaram para

justamente desencarná-lo, apresenta-se na forma de estrutura textual,

de sistema que “fala” na gestualidade que lhe é impressa, nas emoções

que expressa, nas técnicas que mobiliza, nas aparências que manifesta.

(...) Tal como sucede com a própria linguagem verbal, também a

“linguagem do corpo” se multiplica culturalmente, em diversas

línguas corporais. (FERREIRA, 2009)

Page 64: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

55

É nessa multiplicidade cultural, nesse contexto de muitos textos, que ocorre a

intertextualidade geradora de intersemiose9, onde o trabalho ou a função que o corpo

exerce se realiza através da Arte, e onde o fazer artístico e a própria obra de arte são

uma ação do coletivo partilhado e sua complexidade sistêmica.

O domínio da Arte é o domínio da intersemiose. A obra de arte é uma

emergência sistêmica que envolve vários níveis de textualidade, que

envolve a confluência de vários textos- diversos subsistemas sígnicos,

de naturezas muitas vezes bastante diversificadas, partilham um

mesmo espaço histórico, através de conectividade e coesão e cada um

exibindo propriedades ou funções partilhadas, funções essas que só

ganham sentido na coerência do todo sistêmico. (VIEIRA, 2006)

Nas manifestações culturais, populares ou não, a diversidade de textos nas suas

composições é bastante comum e eficaz, por exemplo: um auto popular envolve o

sistema formado pelos dançarinos, aquele formado pela coreografia, aquele formado

pela música, aquele formado pelo figurino. Cada um desses textos exige uma

organização interna coerente com o todo sistêmico e um vocabulário possível para que

se faça essa leitura intertextual.

Quando Rudolf Laban se refere à memória primitiva que teríamos do espaço e

em como os movimentos e a harmonia do corpo em dança refletem essa espacialidade,

ele está tratando da interação, real, que conecta o sistema vivo e seu meio ambiente.

Laban (1990) nos conta que na era pré-industrial de nossa civilização, os artesãos e os

camponeses possuíam uma vida de intenso movimento. Em cada um de seus trabalhos,

o corpo todo estava ocupado em suas múltiplas tarefas distintas. Tinham que pensar em

todo o processo porque cada um era o organizador de seu próprio ofício. A obtenção da

9 Termo que define a tradução de alfabetos diferentes; fazer um mapa entre os dois sistemas e traduzir

dando significado, exemplo: dança (texto corporal) + música (texto sonoro) = intersemiose

Page 65: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

56

matéria prima, a compra, o transporte, o próprio processo de produção e venda, estavam

a cargo de um só homem. Com o advento da industrialização, o homem tornou-se um

especialista em uma só função. Repetindo-a durante muitas horas por dia, sem ter que

pensar muito. O capitalismo eleva essa tendência e a concretiza no clichê “linha de

montagem” imortalizado, genialmente, por Charlies Chaplin no filme Tempos

Modernos (1936).

Laban observou que os trabalhadores dedicavam suas horas de ócio com

prazeres inadequados, pois careciam daquela integração de exaltação mental e corporal

que em épocas anteriores “emanava de orgulho pela independência no trabalho

organizado. Incidentalmente, o orgulho pelo trabalho encontrava sua expressão nas

danças festivas”. (LABAN, 1990, p.14)

Para Nietzsche, a linguagem enquanto capacidade comunicativa é uma questão

dual, pois ele as diferencia em duas possibilidades de linguagem: a metafísica e a

artística. Segundo esse autor:

O estado estético tem uma superabundância de formas de

comunicação, assim como uma extrema receptividade, para estímulos

e sinais. É o auge da comunicabilidade e da transmissibilidade entre os

seres vivos, - é a fonte das línguas. As línguas têm aqui seu lugar de

surgimento (Entstehungsherd): a linguagem sonora tanto quanto a

linguagem gestual e a linguagem do olhar. O fenômeno mais pleno é

sempre o começo: nossas capacidades de homens de cultura são

subtraídas de capacidades mais plenas. (...) Cada elevação da vida

aumenta a força de comunicação, assim como a força de compreensão

do homem. (2008b, p. 119)

Page 66: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

57

De acordo com este fragmento, a origem das línguas é o “estado estético”. Não

somente das línguas mas, antes disso, de uma linguagem corporal, do gesto, do olhar e

da expressão como um todo, que Nietzsche caracteriza como “mais pleno”. Desta

forma, o homem está em plena consonância com a vida, a tal ponto que é, ele mesmo,

“uma exalação da corporeidade florescente no mundo” (2008b). O “estado estético” fica

aqui exemplificado por ser uma forma de ânimo e vigor que toma o homem, causando-

lhe extrema sensibilidade e receptividade ao novo, ao mundo, suscetível a todos os

indícios de seu entorno, posto que este estado provoca o auge da “força que interpreta,

que se entrega, que preenche e poetiza”(Idem, Ibidem). Ainda para Nietzsche, como não

é possível apreendermos cada experiência enquanto “totalidade”, criamos modelos,

unidades, ideais, de maneira que a vida torne-se possível de ser vivida, então, podemos

dizer que a linguagem corporal nasce da ressignificação do que seja a atividade

comunicativa, trazendo-nos uma convenção, um conteúdo já estabelecido que é e será

revisitado como um vocabulário. Portanto, devemos permanecer atentos à linguagem

corporal e realizar uma “verificação rigorosa”, a fim de reconhecê-la enquanto uma

interpretação e uma revelação do primordial estado estético que a gerou.

Apesar de não ser considerado um teórico do corpo, Adorno demonstra como o

pensamento crítico que desenvolveu, ainda que não possa ser considerado nem filosofia

nem sociologia do corpo, traz relações importantes para essas disciplinas. Qualquer

reflexão adorniana sobre o corpo será um projeto de crítica aos dualismos imersos na

vida social, assim como os citados por Morin (2002), anteriormente. Em a Dialética do

Esclarecimento (ADORNO e HORKHEIMER, 1985) encontram-se muitos

pensamentos sobre a repreensão do corpo na história do homem, partindo do mito de

Ulisses e as Sereias, fazendo um paralelo com a subjetividade atual instaurada no corpo,

Page 67: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

58

capaz de internalizar a violência para garantir a existência social. Em Educação e

Emancipação (1995), Adorno nos apresenta, magistralmente, um dos pontos

fundamentais para uma mudança na educação:

Mas aquilo que caracteriza propriamente a consciência é o pensar em

relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e

estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este

sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é

apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde

literalmente à capacidade de fazer experiências. Eu diria que pensar é

o mesmo que fazer experiências intelectuais. Nesta medida e nos

termos que procuramos expor, a educação para a experiência é

idêntica à educação para emancipação. (1995, p.151)

Com essa proposta esclarecida de Adorno, damos continuidade aos nossos

argumentos partindo para o campo da Arte, em específico, o da Dança.

Page 68: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

59

2.2 – LINGUAGEM CORPORAL, DANÇA E EDUCAÇÃO

Aprender e elaborar conhecimentos de dança envolvendo

sensibilidade, sentimentos, opiniões a partir de elementos afetivos,

intuitivos sobre as pessoas e suas questões sócio-culturais, no mundo

em que vivem, é prática que necessita tornar-se mais presente nas

aulas em escolas (M.F.R. FUSARI)

A linguagem corporal tem neste capítulo sua matriz artística. É preciso

compreender seu conceito no campo da arte e para tal vamos traçar um pequeno

histórico da inserção desse termo nas artes cênicas para que possamos compreender sua

definição. A linguagem corporal é a língua expressiva do corpo, ou seja, sua expressão

corporal e está associada hoje a diversas práticas corporais, tanto na área da educação

somática10

, como no campo de conhecimento em dança e teatro, e também no campo da

comunicação, sob a perspectiva de linguagem não verbal. Na década de 1960, os

bailarinos Angel Vianna e Klauss Vianna, iniciaram o trabalho de expressão corporal no

Brasil, no Rio de Janeiro, pois já existia com esse nome na França, com Jacques

Lecoq11

, e na Argentina, com Patrícia Stokoe12

. Klauss Vianna introduz na história do

teatro brasileiro um novo conceito, baseado em seus estudos de anatomia humana,

alegando que o corpo possui reações a estados físicos e psíquicos, vinculados à

musculatura total do corpo humano, influindo diretamente na maneira como ela se

10 O termo “educação somática” é definido pelo norte-americano Thomas Hanna como “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o ambiente, estes três fatores agindo

em sinergia”. (STRAZZACAPPA, 2012, P. 18)

11 Jacques Lecoq - francês que, em 1945, funda uma companhia de teatro com Gabriel Cousin; em 1956

abre sua escola de mímica e teatro; e em 1977, cria o Laboratoire d’Étude Du Mouvement. (RAMOS,

2007, p.56)

12 Patrícia Stokoe - bailarina, coreógrafa e educadora argentina, viveu doze anos na Inglaterra e formou-

se em danças variadas, inclusive com Rudolf Von Laban. Em 1950, volta para a Argentina e divulga suas

experiências com o nome de “expressão corporal”. Seu objetivo era colocar a dança ao alcance de todos,

para expressão de sensações, emoções, sentimentos e pensamentos para se comunicar consigo e com os demais. (Ibidem)

Page 69: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

60

organiza e funciona. Institui uma nova forma de trabalho no corpo dos atores, partindo

dessa premissa, potencializando a técnica por meio de um corpo com consciência de

suas possibilidades expressivas para além das falas e dos gestos codificados e triviais.

O processo de expressão corporal na mesma medida que vai

desverbalizando – tornando as palavras cada vez mais sem sentido, vai

ampliando a percepção visual, tátil e motora. O indivíduo vai aprender

a existir em um mundo cada vez mais amplo, mais rico e mais

complexo. Basta isso para alterar consideravelmente as palavras.

Antes as pessoas viviam na convicção de que o dizível é o mais

importante ou quase tudo. Depois ele percebe que o indizível é maior.

(VIANNA, 1990)

O trabalho proposto por Klauss Vianna (1928-1992), hoje em dia, denomina-se

Técnica Klauss Vianna e constitui-se um marco nacional no trabalho de preparação

corporal de atores. Está diretamente ligado às artes cênicas no Brasil, tanto no teatro

quanto na dança, alicerçando toda uma concepção técnica, pedagógica e artística em

muitos profissionais da atualidade. Angel Vianna, que acompanhou todo o

desenvolvimento técnico sobre as expressões do corpo ao lado de Klauss Vianna, foi

responsável por aplicar didaticamente essa nova visão de proposta corporal em turmas

regulares de dança, expressão corporal e teatro. Dedicando-se a uma metodologia de

trabalho com o corpo numa proposta artístico-pedagógica abrangente, Angel Vianna,

além de ser bailarina, intérprete, coreógrafa, preparadora corporal e diretora de

movimento, cria uma escola, tornando-se uma mestra educadora para várias gerações de

profissionais nas áreas de artes, saúde e educação. Para ela, o termo “Expressão

Corporal” fora banalizado e renomeia seu trabalho em Conscientização do Movimento e

Jogos Corporais. Destaca Ramos:

Page 70: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

61

Angel Vianna passou a usar outro nome para designar seu trabalho,

uma vez que o termo “expressão corporal” não daria a dimensão exata

de sua extensão. Expressar, diz ela, é um ato inerente a qualquer ser

humano, do nascimento à morte. Em se tratando de atores e bailarinos,

pessoas que usam a expressão como veículo da arte, era necessário

definir esse trabalho de modo mais claro e objetivo. O corpo tem uma

memória muito aguçada, muito presente, registra tudo que acontece na

vida do indivíduo, e esse registro permanece para sempre. (...) Por isso

a prática foi chamada de Conscientização do Movimento, por ser o

modo pelo qual ela trabalha a expressividade. (RAMOS, 2007, p.24)

Nos seus estudos sobre educação somática e artes cênicas, Strazzacappa reúne,

em suas palavras, os “reformadores do movimento” (2012), examinando duas correntes

complementares de concepções das técnicas corporais nas artes do espetáculo vivo: uma

nascida do contato com estrangeiros e seus discípulos que se instalaram no Brasil e

outra gerada por teóricos e práticos brasileiros. O Brasil, após o período das duas

guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), abrigou artistas que traziam em suas

bagagens conhecimentos de estudos europeus e que aqui encontraram possibilidades de

desenvolvê-los. Neste grupo estavam: Maria Duschenes, discípula de Émile Jaques-

Dalcroze e de Rudolf Laban e os praticantes da técnica de M. Alexander, de

Feldenkrais, das Cadeias Musculares (GDS) e do Body-Mind Centering. No segundo

grupo, destacam-se: Luís Otávio Burnier (1956-1995), discípulo da última fase de

Decroux, Klauss e Angel Vianna e José Antônio Lima. Segundo Strazzacappa (2012),

esses foram os primeiros a impulsionar uma renovada abertura no campo das artes

cênicas, resultando em uma maior visibilidade, questionamentos e abertura de campos

de trabalho para as expressões e artes do corpo. Importante comentar que as ideias de

Rudolf Von Laban sobre dança educativa, somadas ao fato de os Vianna serem

Page 71: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

62

bailarinos e, além disso, estarmos num país tão dançante, propiciou-nos um terreno

fértil para uma compreensão sobre a possibilidade da dança fazer parte de nossos

currículos escolares desde a primeira infância, por seu caráter comunicativo, criativo e

construtor de um certo equilíbrio energético e conscientizador do uso do corpo, gerando

o sentimento de pertença à uma história cultural corporal.

No ano de 1971, a lei nº 5.692, instaura a educação artística como atividade e,

aos poucos, ocorre o processo de “disciplinarização”, com hegemonia das artes plásticas

em detrimento das outras linguagens. No entanto, os educadores de arte, brasileiros, em

consonância com reformas no ensino das artes também em outros países, já estavam

discutindo, atentamente, políticas que possibilitassem a valorização, a formação e o

aprimoramento dos professores de forma que pudessem garantir uma reforma de

pensamento em relação à compreensão da arte na educação. Quando em 1996, a Lei de

Diretrizes e Bases nº 9.394/96, a Arte é reconhecida como componente curricular

obrigatório, contempla-se as quatro linguagens artísticas (música, artes visuais, teatro e

dança).

O volume dedicado à Arte nos PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais,

elaborado em 1997, apresenta a divisão de conteúdos nas quatro linguagens artísticas

(música, artes visuais, teatro e dança). A dança, pela primeira vez, é oficialmente

compreendida como uma linguagem autônoma. Novos profissionais deveriam ser

estimulados a se formar nas diferentes linguagens para exercerem os cargos específicos,

porém, a polivalência acabou implicando na superficialização do ensino de arte,

seguindo a premissa de que: “se esse ensino nas escolas não tinha o objetivo de formar

artistas, então o profissional responsável pela disciplina não necessitaria ser um artista,

bastaria ser um professor” (MORANDI, 2006, p.84). Esse foi e ainda é um grande

Page 72: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

63

problema na conceituação do docente ideal para ministrar uma aula de artes. Os

questionamentos passam pela indagação de um paradoxo presente nessa situação, que é

a perda do significado da arte na vida desses profissionais tanto os polivalentes, quanto

os próprios licenciados que, quando se dedicam exclusivamente a dar aulas, ao invés de

exercer também sua arte, acabam de alguma forma se afastando dela: “quando um

profissional tem sua obra pra cumprir, ele dá liberdade para seus alunos trilharem seus

próprios caminhos. Quando não, ele busca no aluno a realização de sua obra”

(MORANDI, 2006, p. 85). Strazzacappa acrescenta: “o professor não precisa vivenciar

a dança profissionalmente, mas precisa dançar para compreender seus conteúdos, sua

importância e sua expressão” (2001, p. 65).

Especialmente na dança, as polêmicas são maiores. Sabe-se necessário ter

experiência aprofundada e amadurecida em todas as linguagens artísticas para exercer

seu magistério. Mas, a didática da dança pressupõe um entendimento corporificado dos

elementos que envolvem um fazer artístico com o corpo. A falta desse entendimento foi

justamente o que banalizou os termos expressão corporal, dança livre e outros, pois,

ainda hoje encontramos muitos educadores com essa compreensão instrumental e

funcional em que a dança foi rotulada. Encarada como recreação, diversão e

entretenimento ou ainda, oferecida fora do currículo escolar como uma atividade extra

nos contra turnos, muitas vezes a dança submete-se a apenas ilustrar a festa da

primavera ou o dia do índio. Temos ainda as festas juninas, vitrines explícitas de

coreografias empobrecidas e de reincidentes padrões sofríveis decorados remotamente e

aprendidos não sabemos como, por aqueles que “ensinam” os passos.

Um agravante muito específico é o fato de que a dança também é um conteúdo

programático da disciplina de Educação Física. Lembra a sabedoria popular que

Page 73: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

64

cachorro que tem dois donos morre de fome. Além da dança ser um dos quatro

componentes curriculares de Artes e um dos oito de Educação Física no bloco

“Atividades Rítmicas e Expressivas”. Uma das áreas de conhecimento da Educação

Física é, também, a “cultura corporal” que aborda temas como: esportes, ginásticas,

jogos, lutas, danças e mímica. A dança faz parte do currículo de educação física desde o

seu início, porém, oferecida no “Departamento de Educação Física Feminino” e sendo

assim, exclusivamente feminina e que até hoje habita o imaginário social, “o que

desencadeia um forte preconceito no ensino de dança para os meninos” (MORANDI,

2006, p.99).

Outro grande problema no debate acerca da dança e que atualmente é muito

polêmico, se concentra na habilitação do profissional para o ensino da dança. Embora a

dança e a educação física possuam interfaces, como o corpo e o movimento humano,

precisam respeitar e entender seus conceitos para não subjulgar as propostas, nem as

profissões. As questões que envolvem a regulamentação das profissões e os conselhos

federais que administram essas competências, ainda possuem grandes discordâncias em

suas concepções, o que caracteriza a falta de um conceito claro sobre o que é a dança.

Sobre essa questão, não poderemos nos deter, para não nos afastarmos do foco desta

pesquisa. Passaremos agora a discorrer sobre o preconceito como elemento que perpetua

a barbárie, desafiando todo o campo da educação.

Page 74: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

65

2.3– LINGUAGEM CORPORAL, DIFERENÇAS E EDUCAÇÃO:

DESAFIOS À DOCÊNCIA

“O que repele por sua estranheza é, na verdade, demasiado famiiar”

(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. )

Diante da alteridade em que se encontra uma sala de aula qualquer da atualidade,

parece-nos fundamental a ampliação dos mecanismos de diálogo entre professores,

alunos e gestores. Independente de estarmos citando a diversidade de uma sala de aula

regular, estamos vivenciando, há quase duas décadas, o processo de implementação de

uma política nacional de transformação social que implica na inserção de “todos”, sem

distinção de condições lingüísticas, sensoriais, cognitivas, físicas, psicológicas, étnicas,

sociais ou de gênero, no exercício pleno da cidadania. O termo “Educação Especial” é

oriundo dessa política nacional que preconiza: “Para incluir todas as pessoas, a

sociedade deve ser modificada, devendo firmar a convivência no contexto da

diversidade humana, bem como aceitar e valorizar a contribuição de cada um conforme

suas condições pessoais.” (BRASIL, 1994). Essa visão, assim colocada, pretende

focalizar as deficiências apenas como uma condição individual e assim minimizar, no

âmbito nacional, a origem do estigma que cerca essa população específica. Como

estamos, neste capítulo, observando a problemática do corpo humano com variações de

múltiplas deficiências no relacionamento entre professor/aluno, nos deteremos em tratar

mais especificamente desse segmento social, não podendo, no âmbito desta pesquisa,

abarcar todo o assunto que o termo diversidade nos apresenta. Para tal, analisaremos

essa premissa da lei, à luz da Teoria Crítica e dos estudos sociológicos sobre a condição

do corpo na contemporaneidade.

Page 75: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

66

Segundo Le Breton (2009), a sociedade faz da “deficiência” um estigma, quer

dizer, um motivo sutil de avaliação negativa da pessoa, como se em sua essência ela

fosse um ser “deficiente” ao invés de “ter” uma deficiência. Nesse sentido, é importante

observar que: perceber, ler, interagir e dialogar com essa diversidade para além das

deficiências, como também para outros grupos marginalizados ou estigmatizados,

através da linguagem corporal e de uma maior compreensão da corporeidade humana,

ampliaria em muito a qualidade das relações, o sentido de lucidez emancipatória diante

do conformismo social e um amadurecimento político, crítico e formador de alunos,

professores, enfim, cidadãos.

O tipo de aluno considerado especial em nossas escolas na atualidade, a

princípio e de uma maneira geral, caracteriza-se por registrar um funcionamento

corporal, perceptivo e intelectual significativamente abaixo ou acima da média,

consequência do seu processo particular de desenvolvimento, concomitante ou não, com

limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa, ou da capacidade do

indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade. Há ainda casos de,

no mesmo indivíduo, haver associação de duas ou mais deficiências primárias (mental/

visual/ auditiva/ física), com comprometimentos que acarretam atrasos no

desenvolvimento global e na capacidade adaptativa. Apesar de muitas vezes as pessoas

com deficiência apresentarem drásticas situações motoras ou psicológicas, num

primeiro momento, todos eles têm seus corpos singularmente estruturados, possuidores

de uma “certa eficácia” em sua maneira particular de agir com o ambiente e os fatos.

Desenvolveram-se como todo e qualquer indivíduo, de acordo com as estimulações que

obtiveram de seus históricos pregressos, seu meio de vida e de como se relacionam com

sua família. Desta forma, individualmente, toda e qualquer pessoa reconhece o mundo

Page 76: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

67

que a cerca através de sua sensopercepção. Essas informações fenomenológicas, que

nos afetam e nos moldam, podem atingir-nos apenas através de nossos sentidos como o

olhar, a audição ou mesmo pela sensibilidade da pele, mas, outras tantas experiências

somente são adquiridas pelo movimento, pela ação.

A ação motora dessas pessoas se caracteriza, às vezes, por desequilíbrios do eixo

vertical, sinsinesias de difícil redução, movimentos pouco flexíveis, bruscos e

imprecisão dos gestos. Possuem também, muitas vezes, perturbações da linguagem oral

(gagueira, blesidade, dislalia), fatores que freiam o desenvolvimento das funções de

expressão e entravam, mais ainda, a comunicação convencional. O conjunto de todos

esses fatores se altera notavelmente pela influência inconstante das emoções. A

presença de traços depressivos no comportamento desses alunos é, também, fator

relevante na informação desses corpos. Apesar de muitos terem acompanhamento

médico e terapêutico, o estado depressivo causa uma perda da força interna do

organismo (LOWEN, 1983, p. 59), força esta, que é combustível para impulsos e

sentimentos dos centros vitais e centrais do corpo e para as partes periféricas

(membros). Notamos, muitas vezes, que a ausência de estimulação em se relacionar

com as pessoas e os fatos não teria apenas relação com as possíveis questões ou

patologias diagnosticadas mas, também, com o grau depressivo, que é consequência de

uma autoestima oscilante e geralmente muito baixa. Dessa forma, os movimentos e a

expressividade se apresentam contidos, reprimidos, não existentes, ressaltando aqui a

importância de um olhar acolhedor, uma atitude corporal afetiva e uma linguagem não

verbal muito criativa, por parte dos relacionalmente envolvidos e, em nosso desejo, de

uma sociedade mais sensível. O convívio social nos apresenta um distanciamento

notório dessa desejável sensibilização, através de múltiplos estudos das ciências sociais.

Page 77: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

68

Le Breton (2009) nos mostra que as coercitivas etiquetas sociais de uso do corpo

regem as interações tanto nas atitudes como nos sentimentos:

O contato tácito que preside o encontro do homem que tem uma

deficiência e do homem ”válido” se sustenta pelo fato do fingir que a

alteração orgânica ou sensorial não cria nenhuma diferença, nenhum

obstáculo, mesmo que a interação possa ser incomodada por esse fato

que comumente adquire uma dimensão considerável (p. 74)

Tal dimensão, podemos conferir no rompimento do fluxo da comunicação

imediatamente e torna-se difícil, para alguém sem experiência, sustentar-se nesse

encontro. Questões múltiplas tais como: “como abordar esse homem na cadeira de rodas

ou com o rosto desfigurado? Como reagirá o cego à eventual ajuda para atravessar a rua,

ou o tetraplégico que tem dificuldades para descer da calçada com sua cadeira?” (Idem,

Ibidem). Para a pessoa com uma deficiência visível o questionamento é de outra ordem

passando, inevitavelmente, a perguntar-se como será aceito e respeitado em sua

dignidade em todos os encontros. Essa sutil violência é renovada em cada olhar, em

cada encontro, marcando ainda mais o estado depressivo, às vezes autopunitivo, de uma

situação marcada pela falta de clareza que cerca sua definição social. Le Breton nos

problematiza:

Ele nem é doente nem é saudável, nem morto, nem completamente

vivo, nem fora da sociedade, nem dentro dela (...) sua humanidade não

é posta em questão e, no entanto, ele transgride a ideia habitual de

humano (Idem, Ibidem, p. 76).

Quanto mais visível é a deficiência, mais suscita olhares causando a angústia e o

mal estar para todos os envolvidos, pois, as reações sociais, muitas vezes, variam do

horror ao espanto, da compaixão à reprovação.

Page 78: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

69

O homem portador de deficiência lembra, unicamente pelo poder da

presença, o imaginário do corpo desmantelado que assombra muitos

pesadelos. Ele cria uma desordem na segurança ontológica que

garante a ordem simbólica. ( LE BRETON, 2009, p. 75)

O corpo é o primeiro constituinte de nossa presença, de nossa aparência e esta

classifica nosso fator de pertencimento social e cultural sob a égide de uma

“normalidade imaginária13

”. O desejo de fundir-se nos códigos normatizantes de uma

sociedade já há muito corrompida por valores preconceituosos e segregadores, incute

nas pessoas que sofrem de uma deficiência qualquer, o sentimento de incompletude, não

pertencimento e, portanto, de uma marginalização que os mantém mais ou menos fora

da vida coletiva.

Essa violência, até então intransponível das sociedades, fundamenta e reifica o

preconceito de muitos outros segmentos sociais, também marginalizados, que trazem

em seus corpos as marcas, não só da “diferença” que os legitima, como as da barbárie

social a que estão expostos. Adorno (1995) nos faz compreender que para uma mudança

paradigmática a respeito desse domínio do preconceito na sociedade moderna, devemos

visar ao esclarecimento, pretendendo, por meio de uma educação emancipadora,

desenvolver valores, como o respeito às diferenças e aos direitos humanos. Nesse

sentido, “a exigência de emancipação parece ser evidente numa democracia”

(ADORNO, 1995, p. 169). Para tal, demonstra em seus estudos a origem dos elementos

repressivos e alienantes da cultura, desenvolvendo através de sua argumentação, meios

reflexivos para combater, principalmente a barbárie e, sua proposta, objetivamente,

designa a escola como agente fundamental para essa ação:

13 “Assim, a aceitação imaginária está na origem da normalidade imaginária”. (GOFFMAN, 1975, apud BRETON, 2009, p. 74)

Page 79: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

70

A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da

sobrevivência. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos

que sejam seu alcance e suas possibilidades. E para isso ela precisa

libertar-se dos tabus, sob cuja pressão se reproduz a barbárie. O phatos

da escola hoje, a sua seriedade moral, está em que, no âmbito do

existente, somente ela pode apontar para a desbarbarização da

humanidade, na medida em que se conscientiza disso. (...) Por isso,

apesar de todos os argumentos em contrário no plano das teorias

sociais, é tão importante do ponto de vista da sociedade que a escola

cumpra sua função, ajudando, que se conscientize do pesado legado de

representações que carrega consigo. (ADORNO, 1995, p.117)

Para Maia (2010), numa sociedade em que permanece a irracionalidade direta, é

presente a tendência a substituir a reflexão por reflexos condicionados ou por padrões

estereotipados de pensamento e ação, que tem sido diretamente alimentada pela

indústria cultural. Nesse sentido, um educador que não tiver condições de realizar essa

reflexão, não poderá levar os alunos ao desvelamento da repressão sob a qual vivemos

em tantos níveis sociais. Nesta pesquisa, nos detemos na possibilidade de averiguar se

uma experiência de formação continuada de professores que considere a diferença como

ponto fundante de uma pedagogia dos corpos possa ser um meio de colaborar com uma

educação emancipadora.

Sobre o vigor a respeito do modelo ideal conceituado por Adorno, essa

suposição abstrata da igualdade reforça o ideal social de que todos sejam efetivamente

iguais, fortalecendo a intolerância e não permitindo uma reflexão objetiva contra o

preconceito: “o preconceito é caracterizado por um agir fixo, orientado por padrões,

rótulos ou estereótipos rígidos que substituem o processo reflexivo e crítico que

acompanha a reflexão não-preconceituosa” (MAIA, 2010, p. 26).

Page 80: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

71

Com essa reflexão de Maia, sobre um agir fixo, desenvolvemos nossos

argumentos de “desfixar padrões” através de experiências educacionais que incluam as

variadas hipóteses de diferenças sejam físicas, mentais, étnicas ou outras, baseadas no

desenvolvimento da sensibilidade da expressão do corpo. Nesse sentido, existem várias

propostas pedagógicas de conscientização de si e de reconhecimento do outro, por meio

de variadas práticas de movimento que dialogam com o espaço, com outros corpos, em

outras línguas, ou seja, estimulam e sensibilizam para receber o diferente. Passaremos,

agora, a descrever sobre uma delas.

Page 81: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

72

CAPÍTULO 3 – UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE

PROFESSORES EM LINGUAGEM CORPORAL ATRAVÉS DA

DANÇA

Neste capítulo, iniciamos apresentando os motivos para a escolha dessa

instituição específica e desse curso de Pós Graduação em Formação de Professores

através da Linguagem da Dança como nosso objeto de estudo. Analisaremos o corpo

discente participante dessa formação por imagens, trabalhos de conclusão do curso,

questionários e entrevistas. Ao final, concluiremos a pesquisa ao observar as

consequências e os impactos do curso.

3.1 – O OBJETO DE ESTUDO: A INSTITUIÇÃO, O CURSO E O

GRUPO PARTICIPANTE

Há uma necessidade de uma formação adequada para um aprendizado

claro e transdisciplinar, integrando não só o trabalho científico e o

trabalho físico, mas também o desenvolvimento do ser humano

através da criatividade, comunicação e socialização. (ANGEL

VIANNA)

Para delimitar essa pesquisa sobre a linguagem corporal docente, diante de

tantos anos de observações empíricas sobre as atuais condições do corpo no contexto da

educação em nossa sociedade contemporânea, procurei objetivar uma instituição que me

apresentasse possibilidades reais de observação da aprendizagem, do desenvolvimento e

da aplicação direta da linguagem do corpo em sua metodologia. Para tal, não tive

dificuldade, pois conheço bem essa instituição, sua história, sua filosofia própria e sua

Page 82: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

73

legitimidade no campo da Arte, da Saúde e da Educação. A instituição escolhida é, hoje

em dia, uma Faculdade privada que possui um reconhecido e longo histórico no campo

das Artes Cênicas no Brasil. Sua fundadora, Angel Vianna, uma das mais importantes

bailarinas do país, foi homenageada pela importância de seu trabalho, com prêmios

nacionais e internacionais, destacando-se a Ordem ao Mérito Cultural e o

reconhecimento de Notório Saber pela Universidade Federal da Bahia. Por ser ela

mesma a mantenedora exclusiva da instituição, a Faculdade Angel Vianna se diferencia

das outras faculdades de Dança no Brasil por ter sua idealizadora e mentora pedagógica,

artística e filosófica, atuante até hoje, dentro e fora da instituição, realizando um

trabalho amplamente reconhecido socialmente.

3.1.1 Breve Histórico da Instituição

O histórico institucional inicia-se em 1983, quando Angel Vianna e seu filho

Rainer Vianna abrem, no Rio de Janeiro, o Centro de Estudos do Movimento e Artes,

com o nome “Espaço Novo”. Através do Curso Técnico de Bailarino, as principais

diretrizes do trabalho corporal foram fundamentadas: o corpo singular, o

reconhecimento de si mesmo, a consideração para com a cultura na qual o aluno está

inserido, a expressão da criatividade e o respeito ao outro. Ao final da década de 1980, o

Curso Técnico de Bailarino lança seus primeiros formandos, com atuação nas áreas de

arte, terapêutica e educação. Dentre esses, eu mesma me encontrava, no início de uma

carreira que viria a ter muitos diálogos com as possibilidades e diferenças humanas, um

legado da própria Angel Vianna para com seus alunos, relativo a um despertar sobre as

possibilidades de movimento, arte, estética e saúde para todos, inclusive para com as

deficiências. Concomitantemente, houve cada vez mais interessados em aprofundar-se

Page 83: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

74

nessa linha de pesquisa e trabalho corporal de Angel Vianna, o que levou à criação de

mais um curso de nível técnico: Recuperação Motora e Terapia Através da Dança, que

teve sua primeira turma em 1991. Dez anos depois, a Escola Angel Vianna passa a ser

Faculdade-Escola Angel Vianna, abrindo dois cursos de nível superior: Bacharelado e

Licenciatura em dança. Naquele momento, no Rio de Janeiro, contávamos apenas com

mais um curso de licenciatura em dança, em outra universidade privada. A primeira

licenciatura em dança numa universidade pública só iria ocorrer em 2010, dentro do

Departamento de Educação Física e Desportos da UFRJ. As devidas modificações para

a criação desses cursos foram feitas, mantendo-se as suas características específicas

dentro do panorama artístico e político, já construídos ao longo de sua existência desde

quando era somente escola técnica. Como Faculdade de Arte, incentiva a pesquisa nas

áreas de Dança, das Artes Cênicas, da Saúde da Educação através da concessão de

auxílio à execução de projetos referendados pelos grupos de pesquisa, pelos laboratórios

de estudos, pelo regimento interno e pelo conselho diretor, bem como aprovados pela

mantenedora. Em 2005, foi criado o Setor de Pós Graduação Lato Sensu, iniciando sua

atividade numa parceria com o Programa de Pós Graduação em Dança da Universidade

Federal da Bahia (UFBA), oferecendo o Curso de Pós Graduação Lato Sensu em

Estudos Contemporâneos da Dança. Em 2007, amplia suas atividades com a criação de

mais dois cursos: - Pós Graduação Lato Sensu em Terapia Através do Movimento:

Corpo e Subjetivação e - Pós Graduação Lato Sensu em Estética do Movimento: Dança,

Videodança e Multimídia. Seguindo um fluxo de procuras cada vez maiores, já com

autonomia, com possibilidades e desejos de aprofundamento nos diversos assuntos que

irromperam das inquietudes, das práticas e das pesquisas da instituição, em 2009,

iniciou-se o Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Formação de Preparador Corporal

nas Artes Cênicas. Em 2010, mais três cursos Lato Sensu foram abertos no Rio de

Page 84: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

75

Janeiro: Pós Graduação Lato Sensu em Performance; Pós Graduação Lato Sensu em

Sistema Laban/Bartenieff, com certificado internacional de equivalência do Laban

Institute of Movement Studies, LIMS/NYC - Centro Laban Rio e; Pós Graduação Lato

Sensu em Metodologia Angel Vianna. Ainda em 2010, a Faculdade Angel Vianna, abre

dois cursos fora do Rio de Janeiro, ampliando seus intercâmbios, após muitos anos de

insistência: Pós Graduação Lato Sensu em Teatro e Dança na Educação (Juiz de Fora,

MG) e Pós Graduação Lato Sensu em Práticas e Pensamentos do Corpo (Recife, PE).

Em 2011, mais um curso é lançado e este é, justamente, o objeto de estudo desta

pesquisa: Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo, Diferenças e Educação.

Ao todo, são 10 cursos de Pós Graduação Lato Sensu que se aprofundam,

partindo dos conhecimentos gerados e fomentados por uma proposta pedagógica ampla

de compreensão das expressões do corpo, e o meio de comunicação por excelência e,

que abrange todas as pesquisas, é a linguagem corporal.

3.1.2 - O Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo Diferenças e

Educação

Criado em 2011, esse curso de Pós Graduação Lato Sensu é regulado e

organizado com base na Resolução CNE/CES nº 1, de 08 de junho de 200714

e no

Regimento Interno da Faculdade Angel Vianna. Tem como sua justificativa atender uma

demanda de formação profissional para exercer o que o Estado Brasileiro após a

Resolução nº 2 CEB/CNE de 2001, estabeleceu como Diretrizes Nacionais para a

14 Conselho Nacional de Educação (CNE) e Câmara de Educação Superior (CES), Resolução CNE/CES

1/2007. Publicado no Diário Oficial da União, Brasília, 8 de junho de 2007, Seção 1, pág. 9; alterada pela

Resolução CNE/CES nº 5, de 25 de setembro de 2008, que estabelece normas para o credenciamento especial de Instituições não Educacionais para oferta de cursos de especialização.

Page 85: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

76

Educação Especial Básica: dar direito à educação de crianças e jovens com deficiência e

seu convívio com os demais alunos em escolas regulares. Essa Resolução veio a ser um

significativo passo na história da Educação Especial no Brasil, um avanço na

perspectiva da universalização do ensino com atenção à diversidade na educação

brasileira. Segundo a Resolução:

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às

escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com

necessidades educacionais especiais, assegurando as condições

necessárias para a educação de qualidade para todos (Art. 2, 2001).

Na época da criação desse curso, eu havia terminado um mapeamento pelo

estado do Rio de Janeiro, a respeito de alunos com deficiência matriculados em escolas

municipais e estaduais, ministrando cursos de formação continuada para professores,

gestores e cuidadores de crianças especiais nas escolas. Esse projeto chamava-se

“Cuidadores de Crianças” e era uma parceria da Secretaria de Educação do Estado do

Rio de Janeiro (SEERJ) e a Escola Brasileira de Psicanálise e Etologia do Rio de

Janeiro (EBPE – RJ). Mantinha uma equipe de oito profissionais que se dividiam em

fóruns locais e regionais, com uma duração de quatro anos e dez meses, tempo

suficiente para percebermos os grandes abismos entre a lei e a prática. Na época,

segundo estimativas do Ministério da Educação, eram seis milhões os brasileiros em

idade escolar portadores de necessidades especiais. Desses, menos de 12% - 702.603/

censo 2010 – estavam regularmente matriculados no Ensino Fundamental. No Ensino

Médio, eram cerca de menos de três mil e no Ensino Superior a quantidade de alunos

não chegava a duas centenas. Tais números evidenciavam um modelo excludente do

sistema de ensino brasileiro e colocavam para toda a sociedade o desafio de construir

coletivamente as condições para atender a essa diversidade.

Page 86: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

77

A proposta do curso era realizar uma formação que em sua gênese pudesse

romper as barreiras do preconceito, encontrando formas de diálogo, expressividade,

bem estar, práticas artísticas e somáticas, estudos e debates acerca do papel do professor

na atualidade. Não só na relação com as deficiências, mas com todas as manifestações

das diferenças, construindo possibilidades reais de uma ação pedagógica mais

consciente de suas possibilidades corporais, mais capaz e mais acolhedora, isto é,

multiplicadora de perspectivas.

Seus objetivos principais são os de promover a especialização de profissionais

da área da educação, da arte, da saúde ou outros, numa pesquisa e num aprofundamento

sobre corpo/ movimento através da consciência corporal, técnicas somáticas e

principalmente da dança como canal de fruição da arte. Do ponto de vista metodológico,

o curso se propôs a capacitar os alunos a fazer uso de diferentes procedimentos técnicos

e educacionais na diversidade. Nesse sentido, o curso foi estruturado em torno de quatro

eixos: prático; teórico, teórico/prático e seminários, de modo a promover o contínuo

desenvolvimento ao longo do seu processo, agregando valores e saberes paulatinamente

conforme o aluno fosse adquirindo maturidade na pesquisa de corpo-movimento e

maior domínio dessas habilidades.

3.1.3 – Identificação e estrutura do curso

Esse curso denomina-se Pós Graduação em Corpo, Diferenças e Educação

(CDE) e faz parte do Programa de Pós Graduações Lato Sensu da Faculdade Angel

Vianna (FAV) no Rio de Janeiro. O curso é destinado a profissionais das áreas de

Educação, Arte, Saúde e outras, com 20 vagas oferecidas (no caso da turma observada -

Page 87: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

78

que foi a primeira - preenchidas com excedente, totalizando 22 alunos), uma carga

horária de 400 horas em 18 meses (março de 2011 até outubro de 2012), sempre às

terças e quintas feiras de 19:00 às 22:30 horas. Possui duas coordenadoras

pedagógicas15

e mais uma coordenadora de seminários, fóruns e oficinas tendo a direção

geral da própria Angel Vianna.

Sua grade curricular possui disciplinas que compõem os quatro eixos numa

dinâmica trans e interdisciplinar, característica dessa instituição como um todo. A

seguir, uma breve descrição das disciplinas que compõem esse currículo:

Disciplinas Práticas:

1) Conscientização do Movimento e Jogos Corporais I e II – Essa disciplina,

nessa instituição, torna-se uma das mais importantes, justamente por ser a metodologia

de Angel Vianna. Totalmente prática, oferecida em dois módulos, exercita em primeiro

lugar o próprio aluno e depois confere-se sua aplicabilidade no campo da educação. Os

exercícios são sempre práticos sobre sensibilização, conscientização, comunicação e

criação com o próprio corpo em relação a si mesmo e com o outro, numa pesquisa

profunda de observação das estruturas corporais e sua complexidade. Para tal

aprofundamento, faz-se necessário exercitar a acuidade na percepção do movimento,

mesmo quando em pausa, além da compreensão do espaço que se ocupa, o estudo dos

ossos, articulações e grupos musculares através da pele, órgão de grande importância

nessa concepção de movimento. Os jogos corporais estruturam o potencial criador para

dinâmicas múltiplas, partindo de um melhor uso de si para um diálogo com o novo. É

15

Essa função é exercida por mim em parceria com uma profissional que formou-se junto comigo. Nós,

juntamente com a coordenadora dos seminários e a própria diretora, Angel Vianna, concebemos esse

curso para atender nossas observações relacionadas às extremas carências apresentadas pelos que se destinam à carreira docente.

Page 88: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

79

nessa disciplina que encontramos toda a concepção de linguagem corporal desta

pesquisa;

2) Sistema Laban – Os estudos de Rudolf Von Laban (1879 – 1958)

apresentam-se como um complexo sistema de linguagem próprio do movimento

humano. Compõe-se de estudos dinâmicos dessa mobilidade no espaço, decupando-a do

seu elemento mais simples até suas harmonias mais complexas. A experiência corpórea

pressupõe a observação em ação de muitos fatores, tais como: os níveis espaciais

(baixo, médio e alto), os planos espaciais (vertical, horizontal, diagonal e sagital), o

fator direcional no espaço (direto ou indireto). Juntamente com a observação das

qualidades do próprio movimento (forte, fraco, leve, pesado), considerando ainda o

tempo (acelerado, desacelerado) e o fluxo dos impulsos (livre, contido), formando um

rico sistema de comunicação e criação nas artes corporais cênicas;

3) Rítmo e Música – Essa disciplina é baseada na escuta e no entendimento dos

elementos da estrutura musical. Minuciosamente exercitada pelo corpo inteiro deixando

que a escuta desenvolva novos padrões de apreciação e fruição, observando os ritmos

pessoais internos em consonância com as sonoridades do mundo. São utilizadas uma

seleção de partituras e instrumentos musicais variados para que o desenvolvimento do

conhecimento em música com ressonância no corpo, possibilite os alunos a

compreenderem as estruturas e expressarem-se de forma harmônica em suas escolhas,

seja no canto, na dança, na escrita, no tocar um instrumento ou mesmo, em ouvir com

mais qualidade;

4) Danças Circulares – Essa disciplina rememora em experiências atualizadas,

os rituais de dança de vários povos do planeta que se encontram para dançar em círculo.

Pela história da dança apresentada em prática, os alunos reconhecem a potência da

Page 89: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

80

aliança entre os participantes desses rituais circulares que demonstram uma força de

aquisição de energia e poder pessoal coletivo. A compreensão de um coletivo

harmônico através do próprio corpo que, atravessado por ritmos orgânicos, muitas vezes

arcaicos, juntamente com múltiplas emoções e percepções sensórias, alcançam uma

forma de locomoção e desempenho motor complexos, chegando a uma euforia repleta

de afeto, legitimidade e fortalecimento. Fato este, que revigora o próprio corpo, desde

sua estrutura física até os sentimentos, como nos dizem os relatos de vários

participantes;

5) Danças Populares – Disciplina que reúne os conhecimentos práticos,

rítmicos e históricos das danças nacionais populares. Suas origens, seus territórios, suas

nuances cênicas e suas lutas de resistência em tempos de indústria cultural e

massificação da cultura geral. Sua prática envolve os cantos e as danças, muitas vezes

desconhecidos do próprio cidadão brasileiro. Um vocabulário corporal brasileiro é

composto e torna-se um grande capital em momentos de criação e busca de autonomia,

além da valorização de nossa própria cultura.

6) Contato-improvisação - Essa disciplina traz uma das técnicas de movimento

mais importantes para essa formação, que objetiva-se em dialogar profundamente

através do corpo. Criada pelo norte americano Steve Paxton, na década de 1970, esse

estilo de dança funda-se no tato, na troca de peso entre parceiros, causando uma

reciprocidade imanente em todas as superfícies do corpo que podem tanto servir de

apoio, como para abandonar seu próprio peso ou acolher o do outro. Desse encontro

tátil, ocorre um diálogo corporal, uma dança improvisada instantânea, impossível de se

premeditar, pois o desenvolvimento de novas formas corporais adaptativas não cessa de

fluir. Para tal objetivo, os exercícios de aula são paulatinamente sendo incorporados em

Page 90: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

81

duplas até serem compartilhados com todo o grupo. Neste momento, o encontro com a

diversidade dos corpos, dado apenas pelo tato, significa um aprofundamento

imensurável nos diversos níveis das relações humanas, podendo estruturar novas formas

de aceitação e diálogo com as diferenças;

7) Experiência Estética – A proposta dessa disciplina é realizar encontros de

criação estética, a partir da História da Arte Moderna e experimentar materiais diversos

que, baseado no que foi observado em cada primeiro momento da aula, inspirem o fazer

artístico em muitos níveis. Para ativar a expressão dos alunos, muitos materiais variados

foram utilizados e formas diferenciadas de apreciação foram sugeridas para que os

sentidos fossem estimulados. Puderam-se misturar linguagens artísticas como a

escultura e a dança, ou mesmo, a literatura e a pintura, dentre muitas outras formas,

resultando em uma exposição dos trabalhos feitos;

8) Eutonia – Essa técnica corporal, criada em 1957, por Gerda Alexander (1908

– 1994), desenvolve o corpo e a imagem corporal até alcançar uma consciência mais

plena e um conhecimento mais completo do corpo. Eutonia significa equilíbrio de

tensões (do grego eu: bom, harmonioso e do latim tônus: tensão). Para tal objetivo, essa

prática inclui, por meio de uma série de posturas e posições de domínio do corpo, uma

observação ativa, isto é, por meio de movimentos passivos que lentamente vão

verificando o controle de seus próprios corpos, suas inervações motoras e seu tônus

reflexo e, assim, os alunos vão aprendendo a equilibrar e controlar o tônus muscular de

todo o seu corpo. As aulas são tranquilas e muito calmantes, criando um ambiente

necessário para se obterem resultados profundos de autoconhecimento.

9) Técnica de Alexander e Voz – Faz-se muito importante para a

conscientização do corpo e da postura dos docentes a prática desta técnica. Diante dos

Page 91: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

82

altos índices de problemas vocais nos professores da atualidade, torna-se inquestionável

aprender como usar sua própria voz. E isso está associado ao uso do próprio corpo de

maneira consciente e regular. Frederick Mathias Alexander (1869 – 1955), Australiano,

ator e declamador, criou sua técnica para curar-se de sua própria doença respiratória e

uma frequente rouquidão e afonia, não curável com nenhum médico especialista.

Desenvolveu exercícios posturais para desfazer padrões corporais danosos ao sistema

vocal, respiratório e postural, sendo atualmente reconhecido no mundo inteiro. Essas

aulas se propõem a praticar movimentos cotidianos básicos, tais como sentar e levantar

de um banco, englobando também a compreensão da respiração e a projeção da voz.

10) Improvisação e Movimento Autêntico – A prática investigatória sobre

improvisação na dança constrói o momento presente, qualificando as escolhas dos

gestos e movimentos, desdobrando as ações e suas intensidades. Essa disciplina traz

também o Movimento Autêntico como técnica que se aprofunda nas temáticas de vida

individuais dos sujeitos, tornando-se, através dos movimentos mais profundos, uma

prática libertadora de sentimentos e emoções, possivelmente, guardados em recantos

escuros da memória do corpo e colocados à luz por meio de uma linguagem específica

desenvolvida nesta abordagem de movimento: mover-se observado por uma testemunha

e observar testemunhando um movedor. Com essa prática desenvolve-se a consciência

interna das questões próprias e a aceitação do outro com suas questões.

11) Elementos da Dança – Nessa disciplina, a dança é didaticamente

decomposta em seus elementos constitutivos para, justamente, fazerem-se visíveis e

compreensíveis. A compreensão do que se é a dança faz-se muito necessário e

esclarecedor enquanto linguagem autônoma dentro da perspectiva da Arte e da

Educação. As aulas se realizam de acordo com temas específicos que trazem os

Page 92: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

83

elementos da dança, separados ou conjugados entre si como, por exemplo, rolamentos,

saltos, deslizamentos e contrações ou temas como espaço, tempo, direções ou níveis,

dentre muitas outras possibilidades. As aulas firmam uma didática metodológica de

utilização da linguagem da dança no espaço, em permanente pesquisa, com os

princípios criativos elaborados individual e coletivamente;

12) Composição coreográfica – Essa disciplina é dada ao final do curso,

justamente, para que por meio dela a turma possa realizar um espetáculo de dança. Os

estudos são intensos desde o início, onde se estabelecem conhecimentos do que sejam

composições coreográficas. Uma visibilidade de estilos, conceitos e possibilidades é

estudada e debatida, coletivamente, para uma maior compreensão dos objetivos

determinados. As pesquisas e suas conclusões interferem diretamente na composição a

ser criada e roteiriza todo o trabalhado a ser realizado pelo grupo, desde o figurino até a

apresentação final no teatro.

Disciplinas Prático-Teóricas:

13) Laban, Psicomotricidade e Educação – Esta disciplina reúne os conceitos

já trabalhados na primeira fase em que a disciplina Laban é oferecida, com a

compreensão dos conceitos que a psicomotricadade traz para o campo da educação.

Baseando-se em textos esclarecedores de autores do campo, propostas de aplicação

prática são formuladas pelos alunos/professores que, com suas experiências de docentes,

traziam suas inquietudes para os debates acerca das abordagens onde o dinamismo do

corpo poderia ser examinado e conduzido por conhecimentos afins e esclarecedores.

14) Método Feldenkrais – A partir da leitura do livro “Consciência pelo

Movimento” (FELDENKRAIS, 1977), as aulas, em sua maior parte sempre práticas, de

Page 93: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

84

manipulação dos corpos e de movimentos para o autoconhecimento sugeridos por essa

técnica, terminavam com momentos específicos para os estudos dos textos de Moshe

Feldenkrais (1904 – 1984) que, em seus objetivos educacionais almejava a emancipação

dos corpos, por meio de uma movimentação consciente e reflexiva.

15) Corpo, Diferenças e Educação – É nesta disciplina que o contato com as

múltiplas deficiências era estabelecido. Estudos sobre as manifestações e classificações

das deficiências, leituras sobre as leis que garantem os direitos dessas pessoas, textos

sobre novas informações tais como acessibilidade, comunicação aumentativa e

tecnologias aplicadas, eram discutidos. As aulas práticas visavam lidar com os corpos

diferentes e seus sentidos de forma eficaz, porém, simples, criativa e respeitosa, sempre

através do Método Angel Vianna, onde as propostas constroem-se no próprio corpo que

se move de forma singular.

Disciplinas Teóricas:

16) O Corpo na Educação – A história do corpo na educação ocidental foi

apresentada desde a Idade Média até a atualidade. Autores do campo da Educação que

incluíram a compreensão dos corpos nos processos de aprendizagem como, Vigotsky,

Montessori, Piaget, Wallon, dentre outros, foram lidos em suas temáticas e tiveram seus

conceitos debatidos e atualizados. As correntes educacionais que seguem até os dias

atuais, também foram estudadas e reconhecidas, tornando-se mais compreensíveis para

que se façam novas propostas de educação que considerem o corpo como princípio

fundamental das percepções formadoras de conhecimento.

17) Teoria do Conhecimento e Arte – Esta disciplina trata da comunicação e

da memória ontológica, necessárias para a permanência do conhecimento e da espécie

Page 94: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

85

humana por meio da Teoria de Sistemas. De enfoque semiótico, ela discorre sobre a

leitura dos signos a respeito de Arte, Ciência e Filosofia, que trazem como núcleo

comum, os atos e processos de criação. Essa temática diz respeito à vida e à necessidade

da produção de autonomia e memória para garantir um mínimo de qualidade de vida,

sem a qual não há possibilidade de permanência em nossa sociedade.

18) Filosofia, Educação e a Experiência Estética – Essa disciplina

problematiza a despotencialização da vida no modelo dominante de escolarização nas

sociedades disciplinar (Michel Foucault) e de controle (Gilles Deleuze) e as

possibilidades de uma educação sensível que valorize e potencialize a experiência

estética na formação de crianças e jovens. Discute a pedagogização da infância; a

medicalização e a patologização da infância e da adolecência na escola e caracteriza e

discute o conceito de experiência estética, especialmente na formulação de John Dewey

e João Francisco Duarte Jr.

19) Filosofia das Diferenças: do corpo-em-movimento ao corpo-tempo –

Esse estudo filosófico pressupõe a dimensão corporal como ponto de partida. Trata-se,

nesse curso, de investigar as potências do corpo e do movimento através da percepção,

das afecções e ações corporais como experiência criadora tal como problematizada pelo

pensamento filosófico. Trata, ainda, do corpo-imagem e a percepção da mudança (Henri

Bergson) e das questões do corpo, do tempo, do devir e da Criação. (Gilles Deleuse).

20) Corporeidade na Dança e Anatomia Funcional – As duas disciplinas são

trabalhadas juntas nessa abordagem. O estudo do corpo baseado na anatomia e na

biomecânica e a relação com a percepção de seu universo simbólico. A pesquisa dos

significados e interpretações a respeito das possibilidades de movimentos das partes do

corpo e suas relações com o espaço interno/ externo, com o outro e com os objetos.

Page 95: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

86

Uma abordagem morfológica funcional, para composição de novas formas de expressão

da linguagem corporal. Identificar na organização postural, as influências de padrões

psicomecânicos e os hábitos posturais (noção das Cadeias Musculares de Godeliev

Dennis Struff -GDS- e da Reeducação Postural Global – RPG- ).

21) Orientação de monografia. Discussão dos temas, reconhecimento das

regras para elaboração do trabalho, acompanhamento e aconselhamento dados

coletivamente no início e depois, individualmente, a cada estudante. Essa disciplina é

ministrada por vários professores doutores que lecionam nesse curso de especialização,

ao mesmo tempo, em salas diferentes. Isso ocorre após a escolha dos temas, assim, os

alunos se dividem entre os professores desejados para a orientação.

Seminários: Foram atividades complementares, oferecidas ao longo do curso

em horários alternativos dos sábados. Houve presenças constantes dos alunos que se

estimularam muito com as experiências trazidas pelos convidados. Os temas variaram

em: Comunicação aumentativa / Acessibilidade / Políticas de Inclusão / Teatro Novo /

Oficina de Dança e Diferença / Oficina: “Aquilo que une as experiências dos artistas,

dos terapeutas e dos que sofrem”.

Page 96: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

87

3.2 – POR DENTRO DO “CORPO” DISCENTE

A elaboração mental das sensações delimita o que somos capazes de

sentir e compreender corresponde a uma ordenação sensitiva dos

estímulos e cria uma barreira entre o que percebemos e não

percebemos. Articula o mundo que nos atinge, o mundo que chegamos

a conhecer e dentro do qual nós nos conhecemos. Articula o nosso ser

dentro do não ser. (OSTROWER, 2012, P. 13)

O Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Corpo, Diferenças e Educação, teve

seu início em março de 2011 e a finalização de sua primeira turma em outubro de 2012.

Inicialmente16

inscreveram-se 22 alunos, um excedente para um número de vagas de

apenas 20. Dentre os inscritos, 12 eram da Cidade do Rio de Janeiro; 3, de Niterói; 3, do

Rio Grande do Sul; 1 de Cuiabá, 1 de Goiânia, 1 de Portugal e 1 da Colômbia. Ao serem

questionados, os alunos que eram de fora da cidade e do país, responderam que vieram

para o Rio de Janeiro especificamente para fazer esse Curso e que pretendiam trabalhar

aqui durante o estudo. Ao perguntarmos como souberam do curso, as respostas se deram

nesta proporção curiosa: 4 ex-alunos da graduação em dança na mesma instituição; 4

alunos de cursos livres na mesma instituição; 7 procuraram na internet e 7 foram

aconselhados por amigos que frequentam a instituição.

Dividimos em três categorias específicas os perfis dos alunos que buscaram essa

especialização: a) Arte/Educadores – 9; b) Professores da Educação Básica – 6; e c)

Outras Profissões: - 7. Dentre os Arte/Educadores encontramos: musicoterapeuta;

professores de dança, de teatro, de artes plásticas e de fotografia. Dentre os da Educação

Básica, havia professores de Educação Física, pedagogo, coordenadora pedagógica,

16 Nesta análise numérica sobre os dados do curso, optamos em quantificar usando o numeral, ao invés de sua escrita por extenso.

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88

professores generalistas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. Dentre o que

denominamos “outras profissões”, havia Secretário Estadual de Cultura, psicólogos,

fonoaudiólogo, jornalista, psicomotricista e antropólogo.

Dos 22 alunos inscritos inicialmente, apenas 6 não completaram seus cursos,

justificando suas saídas por necessidades pessoais, externas ao próprio curso; Um

total de 16 alunos completaram todas as disciplinas, sendo que 2 não entregaram a

monografia de final de curso e não obtiveram seus diplomas.

Os temas dos trabalhos de final de curso foram livremente escolhidos pelos

próprios alunos. Apesar da variação temática, ao final, nos deparamos com uma

matriz única: Conscientização do movimento e jogos corporais. Disciplina que

caracteriza a Metodologia Angel Vianna, e que foi utilizada como sendo o

pensamento fundamental, ou seja, estrutura principal das abordagens desenvolvidas.

Esse fato demonstrou-nos a importância dessa metodologia como uma possibilidade

de educação dos corpos docentes, tornando-os capazes de articular a consciência

corporal, o saber sensível e a linguagem corporal. A seguir, os temas dos trabalhos

monográficos:

1- Corpo e Música nos Jogos Transferênciais na Clínica de Musicoterapia;

2- A Importância da Conscientização Corporal no Trabalho de Musculação;

3- Jogos Corporais e Composição Coreográfica na Dança Infantil;

4- Nossos Corpos Mudam Nossas Mentes: a autoeducação corporal como

promotora de resiliência;

5- O Corpo na Escola: um olhar para o movimento;

Page 98: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

89

6- Aula de Movimento: mamãe / bebê;

7- Vivências de um Corpo Disléxico;

8- O Corpo no Movimento de Criação;

9- As Atividades de uma Oficina de Teatro como Espaço Transicional: a

importância do jogo teatral para indivíduos com deficiência mental como

possibilidade de brincar;

10- A Política e o Sensível: a aula de arte como espaço de reflexão, questionamento

e ação;

11- Balé Clássico: psicomotricidade e ludicidade de 4 a 6 anos;

12- Movimento Falado: a audiodescrição como instrumento de inclusão e

sensibilização do expectador cego nos espetáculos de dança;

13- Treinamento Afetivo: relações entre as práticas corporais na Escola Angel

Vianna e o treinamento fisiológico na Escola Artcênica;

14- Dançar é Brincar? A dança como resistência ao modo de subjetivação

capitalista.

Page 99: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

90

3.3 – CONSEQUÊNCIAS E IMPACTOS DO CURSO

No início do curso, os alunos apresentaram suas expectativas em relação a essa

formação, comentando sobre seus caminhos pregressos até chegarem ali. Apresentaram-

se de forma verbal e também não verbal, ou seja, através da linguagem corporal

individual de cada um, que se reconheceram, desde o começo, expressando-se para além

das palavras. Ao longo de mais de 420 horas de aulas (porque contabilizamos também

os Seminários, Fóruns e Oficinas que foram oferecidos como atividades

complementares opcionais aos sábados), percebemos uma frequência sempre alta. Ao

longo do curso, as disciplinas práticas, quase sempre, exigiam um trabalho prático e um

trabalho escrito ou memorial sobre os estudos e descobertas que foram feitos durante

cada matéria. Geralmente eram entregues nas datas combinadas. Porém, os trabalhos de

disciplinas teóricas demoravam mais e às vezes muito para serem entregues. Havia

muita queixa dos alunos e pedidos de prazos maiores. Isso demonstra a força de

envolvimento que as disciplinas práticas suscitam nos alunos, trazendo resultados

imediatos às concepções finais solicitadas para cada disciplina.

Como estamos numa Faculdade de Dança, onde a linguagem do corpo ocupa um

lugar de destaque e grande importância, apresentações e mostras de Dança de alunos das

graduações, dos cursos técnicos e dos cursos livres, ocorrem várias vezes ao ano,

possibilitando que os alunos das Pós-graduações possam se apresentar cenicamente

também, tanto no próprio prédio da faculdade, que possui uma ampla sala multiuso, ou

no Teatro Angel Vianna, situado no 1º andar do Centro Coreográfico da Cidade do Rio

de Janeiro (CCCRJ), localizado na zona norte da cidade. A diretora, sempre presente e

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91

observadora, atualmente com mais de 87 anos e ainda ativa, dançando, criando e

coreografando, exige de seus alunos em qualquer grau, que se ousem na dança sem

medo, pois só assim serão capazes de se descobrirem maiores do que já são. Com esse

incentivo, nossos alunos/professores observados realizaram trabalhos coreografados

tanto no teatro, como nas salas de aula ao longo de todo o processo. Porém, ao final do

curso, além da escrita das monografias, a turma montou um espetáculo de dança sob a

direção de um professor/coreógrafo convidado, ministrante da disciplina – Composição

Coreográfica. Este processo de montagem, que em sua completude compreende todas as

etapas de uma produção artística, envolveu todos os alunos em funções múltiplas, além

da própria dança. Aqui, foram reveladas as ocupações profissionais por trás dos

bastidores. Numa pesquisa empírica sobre como realizar espetáculos de dança, com a

manipulação de equipamentos de som e de luz, confecção de figurinos, folders,

convites, enfim, tudo o que for da ordem dos eventos artísticos, foram concebidos e

realizados pelos próprios alunos.

Para muitos alunos, esse processo é tão novo e intenso que, ouso dizer, torna-se um

grande, senão o maior, impacto para quem o realiza. A seguir, analisaremos as respostas

dadas a um questionário enviado ao final do curso, justamente com o objetivo de

averiguar os impactos decorrentes das experiências vividas durante o curso. O

questionário foi bem simples e possuía as seguintes perguntas, além dos nomes (todos

se identificaram):

1) Qual é a sua atividade profissional atual?

2) Houve mudanças no seu modo de atuar profissionalmente após a conclusão

dessa pós-graduação? Poderia comentar?

Page 101: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

92

3) No início do curso, cada um, individualmente, expôs suas expectativas em

relação a esta especialização. Você atingiu as suas expectativas? Poderia

exemplificar?

4) Quais seriam as sugestões que você indicaria para uma boa continuação desta

pós-graduação?

Os questionários17

foram enviados via internet e, dentre os 16 concluintes que o

receberam, obtivemos o retorno de 15 respondidos. Definimos previamente a

divisão das perguntas em: 1) atividade profissional; 2) prática profissional; 3)

impactos do curso.

Dentre as respostas obtidas na pergunta nº 1, 10 mantiveram suas atividades

profissionais, agregando novas propostas; 4 permaneceram em suas áreas

profissionais, mas em novas atividades como gestoras de seus próprios projetos

educacionais: (3 dessas associaram-se e inauguraram um novo formato de creche em

funcionamento desde o segundo semestre de 2013 e a outra (1) pessoa lançou um

projeto social de arte e conscientização que logo, posteriormente, foi associado a

uma ONG Internacional, onde tornou-se coordenadora no Brasil e; 1 pessoa mudou

completamente de área profissional: tornou-se professora de consciência corporal.

Importante revelar aqui que essa aluna, especificamente, é deficiente visual e

tornou-se uma professora corporal para pessoas com deficiência.

Na segunda pergunta, as respostas foram nesta proporção: 14 disseram que sim,

que houve mudança em seu modo de atuar profissionalmente e 1 disse que não, nada

mudou. Os comentários citam, nesta ordem: em primeiro lugar, uma maior

17

Optamos por usar numerais na grafia da quantificação das análises das respostas do questionário.

Page 102: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

93

consciência de si, maior sensibilidade, maior tolerância com o outro, mais

autoconfiança, maior criatividade corporal, aquisição de possibilidades de diálogos

com a diferença, expansão das possibilidades da dança e da linguagem corporal e,

ainda, sobre um maior encorajamento pessoal em lidar com a própria vida. Outra

explicação que devemos considerar aqui, diz respeito à única resposta negativa

obtida nesta questão: essa aluna/professora possui uma dislexia e apresentou suas

questões durante o curso, porém, na conclusão de seu trabalho monográfico

escreveu sobre suas aquisições: “pude perceber que muitas aulas de corpo podem

servir de grande fonte de pesquisa para trabalhar com corpos que sofrem com isso.

(...) Consegui fazer uma ligação das aulas e de como elas poderiam servir de auxílio

para ajudar os disléxicos” (2011).

Na terceira pergunta, sobre as expectativas, para quem ainda as recordava (pois,

4 relataram que haviam se esquecido das demandas iniciais), 8 as atingiram e 3 as

superaram. Os exemplos discorreram acerca de um processo cuidadoso, bons

professores, grupo/turma afetuoso(a), ambiente acolhedor e uma grade curricular

diversificada.

A quarta e última pergunta traz as sugestões para melhorar o curso, a qual

podemos considerar também como uma avaliação crítica a respeito do processo de

implementação desse curso de especialização, lembrando que esta foi a primeira

turma. - Mudanças a respeito da ordem em que foram oferecidas as disciplinas

práticas foram muito comentadas. Desejavam vivenciar algumas antes de outras.

Houve 1 pessoa que não achou produtivo ter tanta filosofia ao invés de mais aulas

práticas e outras 4 que, ao contrário, desejavam mais tempo com as disciplinas

filosóficas. Houve crítica em relação aos materiais plásticos oferecidos para a

Page 103: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

94

elaboração das experiências estéticas, alegando que deveriam ser mais sofisticados e

mais variados. A maior queixa, porém, recaiu nos prazos concedidos para a entrega

dos trabalhos escritos, principalmente das disciplinas teóricas, onde os conteúdos

eram muito extensos e difíceis de serem elaborados em curto espaço de tempo.

Na observação participante, processo que ocorreu durante toda a duração do

curso (03/2011 – 10/2012), foi possível averiguar a aquisição paulatina de

aprofundamento e expansão da linguagem corporal, bem como, o processo de

maturação da consciência do corpo e de suas potências criativas. Neste sentido, o

uso do próprio corpo com cuidado e respeito, emergiu nas atitudes e nas falas livres

dos participantes durante conversas com os professores das diferentes disciplinas.

Uma assumida busca pela saúde e bem estar físicos, não se dissociaram de uma

presença qualitativa e confortável consigo mesmo emocionalmente, provando-nos

uma atitude mais emancipada e um pouco mais desvinculada de modelos ideais

impostos por uma mídia massificada. Uma autonomia adquirida, que se refletiu em

atitude de aceitação para com o outro, com o diferente, segundo relatos obtidos

durante o processo.

Grandes discussões foram vivenciadas a partir dos textos estudados nas

disciplinas teóricas, tais como a permanência dos gestos e movimentos corporais na

retina dos espectadores de uma dança ou, sobre o padrão do gosto numa sociedade

de consumo, ou ainda sobre uma cidade, ou melhor, um país sem acessibilidade

capaz de prover autonomia de deslocamento para portadores de deficiências, esses

temas, dentre muitos outros, tiveram intensa participação do grupo.

Os seminários que foram realizados em alguns sábados e reuniu importantes

nomes do fazer artístico como mediadores das diferenças, teve grande participação

Page 104: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

95

por parte dos alunos/professores, que praticaram a dança com cadeirantes e

portadores de paralisia cerebral, Síndrome de Down, dentre outros. Apresentações

de teatro, música, dança, filmes de cinema e exposições, todos realizados por artistas

especiais foram assistidos e apreciados, seguidos de conversas com os realizadores

das obras. Esse processo resultou numa formação e num incentivo à apreciação, ao

respeito e ao interesse em usufruir de novas concepções e expressões artísticas,

ampliando o conceito de estética na Arte.

Um inventário de experiências foi registrado por cada aluno/professor, com o

propósito de que esse material sirva de memória do processo vivido e que também

possa ser consultado em momentos de novas reflexões.

Observações importantes que podemos considerar ao final desta pesquisa: No

final do curso a turma era composta por quatorze mulheres e apenas um homem,

fato que nos sinaliza que uma instituição que é conhecida por ser de Dança, ainda

pode trazer um imaginário preconceituoso a respeito do homem no meio da dança,

mas, deixaremos esse assunto apenas como um objeto de estudo futuro. Outro fator

importante foi o fato de uma das alunas ser cega desde criança. Muito aprendizado

foi obtido por meio dessa convivência plena. Outra aluna compartilhou com a turma

suas questões vividas, desde a infância, pelo fato de ter dislexia e de como a dança e

o trabalho corporal sempre a ajudaram a se estabelecer socialmente. Um aluno tem

um filho com paralisia cerebral e compartilhou com o grupo muitas experiências

sobre o desenvolvimento e sobre os cuidados com essa criança, além de iniciar seu

filho no mundo da dança, acompanhando-o, desde então, em uma aula adequada

para crianças especiais. Um fenômeno que não poderíamos deixar de comentar foi o

fato de quatro alunas ficarem grávidas quase na mesma época. Gestaram e tiveram

Page 105: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

96

seus bebês durante o curso. O crescimento dos bebês e suas lindas fases foram

acompanhados de perto por todo um grupo apaixonado, que os tem como afilhados

para sempre. Esse fato específico qualificou, ainda mais, os aprendizados com as

diferenças, pois, foi criada, em muitos momentos, uma nova abordagem para lidar

com as gestantes em tantas fases diferentes e com os próprios bebês, que

frequentaram o curso até o fim junto com suas mães. Podemos dizer então que, ao

final, a turma recebeu mais quatro alunos novos, bem novos.

Page 106: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

97

CONCLUSÃO

Esta pesquisa tratou das possibilidades de uma educação corporal para os

docentes, baseada na conscientização do corpo, de sua linguagem e de sua expressão

criativa. O motivo para tal estudo foi adquirido ao longo de muitos anos de experiência

empírica trabalhando com os corpos de professores e profissionais ligados à educação,

acerca das necessidades e dificuldades pelas quais passavam no exercício de suas

funções. Chamava-me atenção, a condição sofrida de muitos corpos que traziam em

suas posturas e movimentos as marcas de uma profissão sobrecarregada de esforços e

múltiplas exigências, acarretando, não apenas o desgaste físico mas, também, fatores

que abalavam suas estruturas emocionais. Porém, a questão mais aguda dessa

problemática, foi a percepção da incidente barbárie inscrita nos corpos dos envolvidos

no campo de educação. Observava que as práticas corporais conscientizadoras e de

potencial criativo exerciam efeitos de facilitação imediatos nas expressões e

comunicações desejadas e que, conforme aumentavam a compreensão dos movimentos

corporais, usavam melhor seus corpos. Tais efeitos mostravam-me uma carência desse

conhecimento prático na formação desses profissionais e, por esse motivo, comecei esta

pesquisa.

Para aprofundar a pesquisa nessa temática utilizamos como principal referencial

teórico, a Teoria Crítica, que por meio dos estudos de T. W. Adorno, baseamos nossos

conceitos sobre as condições acerca do magistério, do legado sócio-histórico relativo a

essa profissão, da barbárie no âmbito educacional, das pressões que a indústria cultural

e o conceito de modelo ideal exercem sobre a sociedade e como isso contribui para a

semiformação dos sujeitos dentro e fora da escola, causando efeitos estereotipados de

comportamento, a regressão dos sentidos e a falta de perspectiva crítica. Nesta pesquisa

Page 107: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

98

evidenciamos por meio de dados atualizados que, tanto os docentes, com visíveis sobre-

esforços, violências sofridas e doenças adquiridas no exercício de suas profissões,

quanto os discentes que trazem em seus corpos reflexos de uma sociedade que perpetua

os mecanismos da barbárie em muitos níveis, nos mostram os comprometimentos

desencadeados por um sistema educacional ainda insuficiente para uma formação

atualizada, capaz de desenvolver cidadãos com consciência crítica para exercerem seus

papéis numa democracia. Para tal compreensão recorremos, também, aos conceitos que

os estudos da sociologia do corpo evidenciam na evolução do ser humano na sociedade,

da leitura dos signos que perpassam o corpo e da cultura a que se faz parte na

contemporaneidade. Sobre isso, discorremos a respeito de uma proposta de recuperação

da potencialidade humana por meio da formação cultural e da experiência com a arte,

objetivando o exercício de uma acuidade reflexiva sistemática capaz de promover

espontaneidade, criatividade, originalidade e, portanto, esclarecimento.

Para averiguar tais efeitos descritos nos estudos com a literatura específica e as

informações analisadas, acompanhamos a experiência de um grupo de professores

participantes em um curso de formação continuada por meio da Arte, no caso a Dança.

Esse curso teve como ênfase o desenvolvimento da linguagem corporal como principal

meio de expressão e a conscientização do corpo e de sua estrutura, como caminho

construtor de autonomia. Realizou-se em conceituada instituição superior de ensino da

dança no Rio de Janeiro, no período de março de 2011 até outubro de 2012. Tal

investigação aferiu por meio de pesquisa qualitativa, os efeitos emancipadores de uma

proposta pedagógica construída para atender uma demanda do atual desenho da

educação brasileira, onde os direitos instituídos pelas nossas leis, que visam uma

educação de qualidade para todos, sejam adquiridos nos processos formadores de todas

Page 108: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

99

as etapas do conhecimento. Percebemos, ao final, que o potencial de transformação dos

docentes formados, sensibilizou-os a respeito do uso de seus próprios corpos, fazendo-

os capazes de resguardarem-se em suas integridades físicas e, também, acerca de uma

maior sensibilidade de percepção e de comunicação com a diversidade de alunos de

uma sala de aula qualquer da atualidade. Tal sensibilidade adquirida e transformada em

ação nos pareceu ser um meio possível de alcançar uma educação emancipadora e,

principalmente, contra a perpetuação da barbárie.

Ao final, cabe-nos desejar que uma formação com esses objetivos, uma estrutura

assim pensada para a conscientização e sensibilização dos corpos, junto com o

fortalecimento do pensamento crítico por meio da experiência com a Arte, pudesse ser

oferecida nas universidades públicas, principalmente, àqueles que se dedicam ao ofício

de ensinar.

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100

REFERÊNCIAS

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........................... – O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição - Os Pensadores

– São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000;

............................. – Correspondência 1928-1940 / Adorno-Benjamin – São Paulo:

Editora Unesp, 2012;

............................ – Mínima Moralia: reflexões a partir da vida lesada – Rio de Janeiro:

Beco do Azougue, 2008;

ADORNO, T. W. e HORKHEIMER, M. – Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro:

Editora Zahar, 1985;

ARROYO, M. G. – Corpos precarizados que interrogam nossa ética profissional – in,

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106

APÊNDICE – O QUESTIONÁRIO ENVIADO AO FINAL DO CURSO

Page 116: Linguagem corporal, docência e Teoria Crítica

107

ANEXO – FOTOS DO GRUPO DE PROFESSORES/ALUNOS

OBSERVADOS

FOTO 1 – PARTE DA TURMA REALIZANDO UMA DANÇA

COREOGRAFADA PELO PRÓPRIO GRUPO, JULHO DE 2012;

FOTO 2 – AULA SOBRE ESPAÇO/TEMPO, NOVEMBRO DE 2011;

FOTO 3 – ALUNA DEFICIENTE VISUAL CONSTRUINDO UM

ESQUELETO EM JORNAL, OUTUBRO DE 2011.