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Literatura Portuguesa I

3º Período

Kyldes Batista Vicente

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EADCON – EMPRESA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA LTDA

Diretor PresidenteLuiz Carlos Borges da Silveira

Diretor ExecutivoLuiz Carlos Borges da Silveira Filho

Diretor de Desenvolvimento de ProdutoMárcio Yamawaki

Diretor Administrativo e FinanceiroJúlio César Algeri

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Diretor de EaD e Tecnologias EducacionaisMarcelo Liberato

Coordenador PedagógicoGeraldo da Silva Gomes

Coordenadora do CursoKyldes Batista Vicente

MATERIAL DIDÁTICO

Organização de Conteúdos AcadêmicosKyldes Batista Vicente

Coordenação EditorialMaria Lourdes F. G. Aires

Assessoria EditorialDarlene Teixeira CastroKatia Gomes da Silva

Revisão DigitalKatia Gomes da Silva

Projeto GráficoDouglas Donizeti SoaresIrenides TeixeiraKatia Gomes da Silva

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CapaFábio Varanda Carneiro

Material Didático – Equipe Fael

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RevisãoJuliana Camargo Horning

Programação Visual e DiagramaçãoDenise Pires PierinKátia Cristina Oliveira dos Santos Rodrigo Santos William Marlos da Costa

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Apre

senta

ção

A literatura é um dado da cultura. A reorganização da realidade engendrada por ela envolve dois momentos: o primeiro refere-se aos dados que são fornecidos ao artista pelo universo; o segundo diz respeito à transformação destes mesmos dados em linguagem. A análise de um texto literário exige que o situemos no tempo e no espaço, o que significa examinar suas relações com os demais fenô-menos culturais da época em que foi produzido.

O escritor vive ou viveu em um determinado momento histórico. Tem sua maneira específica de analisar o mundo como qualquer um de nós (visão de mundo). Embora seja individual, a visão de mundo recebe influências do meio em que cada um vive ou viveu: nenhum escritor deixa de incorporar em suas obras certos traços de época, concordando com eles ou questionando-os.

O público são os indivíduos que, após lerem a obra, podem dar sua opinião sobre ela. Um mesmo texto literário pode ser preferido por uns e desprezado por outros. O gosto individual não é inato. Ele recebe influências do meio social e do momento histórico de cada indivíduo.

Escritor, obra e público relacionam-se num processo de troca de influências, constituindo o chamado sistema literário. O estudo de Literatura Portuguesa, como de qualquer outra, deve partir da compreensão dos aspectos históricos, sociais, culturais e políticos que a envolvem.

Este caderno possui doze lições de Literatura Portuguesa: A formação de Portugal: aspectos históricos e geográficos; Cantigas trovadorescas; Traços Gerais do Humanismo em Portugal; O teatro popular: Gil Vicente; Traços Gerais do Classicismo em Portugal; A lírica camoniana: sonetos; Os Lusíadas: a epopéia portuguesa; O Barroco em Portugal; Arcadismo ou Neoclassicismo em Portugal; Traços Gerais do Romantismo; O Primeiro Momento do Romantismo em Portugal; Segundo e Terceiro Momentos do Romantismo em Portugal.

Que este material lhe permita o máximo aproveitamento possível da disci-plina em questão. Boa sorte!

Prof. Kyldes Batista Vicente

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Pla

no

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EMENTA

A poesia trovadoresca em Portugal. Gil Vicente, autores do Humanismo portu-guês. O Classicismo: obra épica e lírica de Camões. O pré-Romantismo na obra de Bocage. Romantismo: estrutura social e histórica portuguesa, características, principais autores e obras.

OBJETIVOS

Apresentar a Literatura Portuguesa no quadro histórico da formação e evolução da Nação lusa.

Promover a aproximação com os autores mais representativos da Literatura Portuguesa das origens ao Romantismo.

Relacionar as obras literárias com o contexto histórico e identificar sua contribuição para a literatura universal.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

A formação de Portugal: aspectos históricos, geográficos e a poesia trovadoresca

Humanismo português: a crítica social a partir do teatro popular de Gil Vicente

O Classicismo: obra épica e lírica de Camões

Elementos formadores do Barroco em Portugal

Arcadismo ou Neoclassicismo: Bocage e a poesia pré-romântica

Romantismo: estrutura social e histórica portuguesa, características, prin-cipais autores e obras

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BIBLIOGRAFIA BÁSICA

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1999.

______. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 1997.

SANTILLI, Maria Aparecida. Paralelas e Tangentes: Entre Literaturas de Língua Portuguesa. São Paulo: Arte e Ciência, 2003.

SARAIVA, Antonio José. Iniciação à Literatura Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

SPINA, Segismundo. A Cultura Literária Medieval. São Paulo: Ateliê, 1997.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BERARDINELLI, Cleonice. Estudos camonianos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

CITELLI, Adilson O. Romantismo. São Paulo: Ática, 1993.

LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

______. Nau de Ícaro e Imagem e Miragem da Lusofonia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

MOISÉS, Massaud (org.). A literatura portuguesa em perspectiva. Classicismo, Barroco, Arcadismo. São Paulo: Atlas, 1993.

______. A literatura portuguesa em perspectiva. Romantismo, Realismo. Vol. 3. São Paulo: Cultrix, 1994.

RODRIGUES, Antonio Medina; DACIO AN, Francisco Achcar. LiteraturaPortuguesa. São Paulo: Ática, 1997.

SPINA, Segismundo. Era Medieval - vol. 1. São Paulo: Difel, 2006.

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Sum

ário

Aula 1 – A formação de Portugal: aspectos históricos e geográficos............ 9

Aula 2 – Cantigas Trovadorescas .......................................................... 17

Aula 3 – Traços Gerais do Humanismo em Portugal................................. 25

Aula 4 – O teatro popular: Gil Vicente................................................... 33

Aula 5 – Traços Gerais do Classicismo em Portugal................................. 41

Aula 6 – A lírica camoniana: sonetos..................................................... 49

Aula 7 – Os Lusíadas: a epopéia portuguesa.......................................... 55

Aula 8 – O Barroco em Portugal ........................................................... 67

Aula 9 – Arcadismo ou Neoclassicismo em Portugal................................ 75

Aula 10 – Traços Gerais do Romantismo.................................................. 83

Aula 11 – O Primeiro Momento do Romantismo em Portugal ...................... 91

Aula 12 – Segundo e Terceiro Momentos do Romantismo em Portugal ......... 99

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Aula 1A formação de Portugal: aspectos

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

compreender aspectos históricos da formação portuguesa;

perceber a localização geográfica de Portugal no contexto da Europa Ocidental;

conscientizar-se da periodização da literatura portuguesa em suas eras e época.

Pré-requisitos

Para compreensão dos conceitos trabalhados nesta aula, é importante que você tenha o entendimento da Idade Média como etapa do desenvolvimento histó-rico da humanidade, que se define por uma sociedade hierarquizada e com tendências à imutabilidade, e que tem na ideologia da Igreja o sustentáculo de suas pretensões e realizações.

Introdução

Nesta aula apresentaremos a você a fisionomia cultural portuguesa em suas relações com a América e com a África, sua localização geográfica, formato, extensão e limites. Faremos, também, considerações sobre os reflexos da loca-lização do território português sobre sua produção literária. A relevância da poesia no contexto da literatura portuguesa é outro ponto abordado, bem como a poesia contemporânea portuguesa e suas oscilações entre atitudes tradicionais e revolucionárias.

Entre as tendências contemporâneas, destacamos o Neo-Realismo: literatura social e engajada que faz a denúncia da miséria dos pobres em contraponto com a opulência dos ricos. A crítica literária também é considerada nesta lição, a ela, se seguem os nove momentos evolutivos da literatura portuguesa. Os aspectos históricos da formação de Portugal constituem o conteúdo com que fechamos esta aula.

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1.1 Primeiras aproximações sobre Portugal e a Literatura Portuguesa

País europeu de fisionomia particularmente voltada para a América e para a África e situado no Sudeste da Europa, Portugal ocupa a porção Ocidental da Península Ibérica, uma área de formato retangular, com 89.348 km² na parte conti-nental. No sentido Norte-Sul, possui 560km de comprimento. No sentido Leste-Oeste, da fronteira espanhola à Costa Atlântica, não ultrapassa 220km. Limita-se, geograficamente, com a Espanha (ao Norte e a Leste) e com o Oceano Atlântico (a Oeste e ao Sul). Além da parte continental, Portugal possui regiões autônomas: as Ilhas dos Açores (2.247km²) e a da Madeira (794km²), no Atlântico. Com elas, o país perfaz um território de 91.985km².

Trata-se, como você pode perceber, de uma faixa de terra entre a Espanha e o Oceano Atlântico. Essa localização do território português define algumas características de seu povo, muitas vezes refletidas em sua produção literária. A angústia geográfica é uma delas. Por causa dessa angústia, o escritor português opta pela fuga ou pelo apego à terra. A fuga dá-se para o mar, o desconhecido ou, transcendendo a estreiteza do solo físico, para o plano metafísico. A Literatura Portuguesa, portanto, oscila entre posições extremas, indo do lirismo de raiz ao sentimento hipercrítico, que faz dela um espaço de denúncia e/ou de resistência, na busca da construção de uma sociedade mais justa.

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A Literatura Portuguesa é rica de poetas. Sua poesia – apelo metafísico, atração amorosa da terra ou sentimento superficial, confissão dos estados de alma resultantes dos embates afetivos adolescentes – tem sido admirada, ao longo de nove séculos, dentro e fora do país. No mapa literário europeu, essa literatura se destaca pelas obras de Camões, Bocage, Antero de Quental, Fernando Pessoa e outros poetas.

A poesia contemporânea portuguesa apresenta poetas e tendências as mais diversas, alternando atitudes tradicionais e revolucionárias na poesia de Jorge de Sena, Eugênio de Andrade e Sophia de Mello Breyner Andresen, seus poetas mais representativos. Essa poesia se deixa influenciar pelas experiências concretistas

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Regionalismo aqui não é uma simples descrição de costumes e folguedos folclóricos, nem um regionalismo pitoresco para incentivar o turismo. O regionalismo deveria adquirir profunda signifi cação humana e universal na medida em que representasse uma nova tomada de consciência da realidade contemporânea.

brasileiras (Fiama Hasse Pais Brandão e Gastão Cruz) e pelo automatismo surre-alista, por meio de elementos emprestados da música, da pintura, da teoria da comunicação e do cinema (Herberto Helder e Ana Hatherly).

Mesmo assim, a poesia portuguesa contemporânea se encontra ofuscada pelo brilho da obra pessoana.

Antes da Segunda Guerra Mundial, os escritores portugueses começaram a trilhar novos caminhos. A nova ordem mundial, constituída a partir de então, funciona como pano de fundo para uma nova realidade literária, que engloba várias tendências denominadas, grosso modo, Tendências Contemporâneas. O Neo-Realismo é uma dessas correntes. Firmou-se na década de 1940, desenvol-vendo-se, principalmente, no romance. O Neo-Realismo produziu uma literatura muito mais voltada para o social, para a realidade exterior, na perspectiva da chamada literatura engajada, não se limitada a mostrar a miséria dos pobres em contraponto com a opulência dos ricos, mas em revelar as contradições de uma organização social em crise. Propunha-se, também, analisar a miserável condição da vida dos camponeses e do proletariado rural e a problemática do progresso industrial numa sociedade eminentemente agrária.

O Neo-Realismo português costuma ser identifi cado com a literatura regio-nalista do Nordeste brasileiro. José Lins do Rego, Rachel de Queirós, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Amando Fontes são os romancistas nordestinos que inspiram os escritores neo-realistas portugueses, sinalizando uma inversão de infl u-ências: antes, a Literatura Portuguesa infl uenciava a Literatura Brasileira; agora, é a Literatura Brasileira que infl uencia a Literatura Portuguesa.

Pensando sobre o assunto

A crítica literária não é o forte da Literatura Portuguesa. Só nas últimas décadas vem acontecendo com mais freqüência, sob a infl uência da crítica estrangeira.

Em termos gerais, a Literatura Portuguesa experimenta, atualmente, uma ampla diversidade de temas e experiências formais. O Surrealismo, o Existencialismo, o Nouveau Roman, o Concretismo são suas fontes de inspiração. Daí porque experi-menta todas as técnicas, aplica aos textos fortes elementos emprestados de outras linguagens, particularmente da cinematografi a e da pintura, conforme dissemos anteriormente. Enfi m, as mais signifi cativas e autênticas produções da Literatura Portuguesa contemporânea situam-se entre os pólos da ordem e da desordem.

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1.2 Passos da Evolução Histórica da Literatura Portuguesa

Portugal tem acompanhado as transformações histórico-literárias ocorridas no resto da Europa, particularmente na França. Em virtude disso, sua literatura pode ser dividida em três grandes eras: Era Medieval, Era Clássica e Era Romântica ou Moderna. Essas eras apresentam-se subdividas em fases menores, denominadas escolas literárias ou estilos literários.

ERA MEDIEVAL ERA CLÁSSICA ERA ROMÂNTICA OU MODERNA

Trovadorismo (1189 – 1434)

Humanismo(1434 – 1527)

Quinhentismo ou Classicismo (1527 – 1580)

Seiscentismo ou Barroco (1580 – 1756)

Setecentismo ou Arcadismo ou Neoclassicismo

(1756 – 1825)

Romantismo (1825 – 1865)Realismo (1865 – 1890)

Simbolismo (1890 – 1915)Modernismo (1915 – aos nossos dias)

Obs.: há quem reconheça, a partir de 1945, um novo período:

Neo-Realismo.

A Literatura Portuguesa está dividida, portanto, em nove momentos evolutivos fundamentais. Mas, atenção: as datas usadas para delimitar esses momentos são simples pontos de referência, uma vez que nunca se sabe, com precisão, quando começa ou termina um processo histórico. Elas funcionam como indício de que algo de novo está acontecendo e não caracterizam a morte definitiva do padrão esté-tico até aí em voga. As estéticas literárias sofrem um processo de interpenetração contínuo. Por isso, somente para efeito didático utilizamos a delimitação por datas.

Para escolha das datas-limite, o estudioso pode recorrer a dois critérios não-excludentes: o literário e o cultural. O critério cultural enfatiza a interdependência das mudanças culturais e se apóia em data de valor mais amplo para indicar o início de épocas histórico-literárias (Revolução Francesa e Romantismo). O critério literário isola o fato literário balizado pelo aparecimento de uma obra, de um escritor ou de um acontecimento apenas importante para a literatura (publicação em 1940, de Gaibéus, de Alves Redol, obra inaugural do Neo-Realismo portu-guês). Seja qual for o critério adotado, o que interessa é saber quando começou a atividade literária em Portugal.

A resposta a essa pergunta será construída no próximo item desta aula. Esperamos que as informações apresentadas até aqui sirvam para a construção de seu conhecimento sobre a Literatura Portuguesa e potencializem seu novo processo de leitura do mundo.

1.3 A formação de Portugal: aspectos históricos

Por circunstâncias histórico-culturais específicas, a Literatura Portuguesa nasce concomitantemente com a Nação onde se enquadra. Vejamos: a Península Ibérica, a mais Ocidental Península européia, teve, há cerca de 10.000 anos, um papel importante no encontro de vários povos. As várias culturas ali existentes,

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Devido à carência de documentos que possam confi rmar, com exatidão, a data da morte de D. Henrique, alguns historiadores acreditam que ela tenha ocorrido em 1112; outros defendem o ano de 1114. Pelo sim, pelo não, um fato é incontestável: D. Henrique morreu no século XII. Essas dúvidas acontecem porque trata-se de um tempo muito recuado na história.

no entanto, foram reduzidas, a partir do domínio romano e de sua imposição cultural, a um denominador comum. Esse domínio e imposição cultural aconte-ceram a partir do primeiro desembarque romano em 219 a.C. No século V, vários grupos bárbaros ocuparam a região ibérica e, mesmo tendo sofrido o

processo de romanização, destruíram a organização polí-tica e administrativa dos romanos. A sociedade formada nesse período tinha três níveis distintos: o clero, rico e politi-

camente poderoso; a nobreza, detentora das terras e do poder militar; e o povo, classe sem privilégio, em sua

maioria, trabalhadores do campo.

No século VII, em decorrência da invasão mulçumana, essa sociedade iria sofrer

profundas modifi cações. O domínio árabe prolongou-se por alguns séculos, variando de acordo com as regiões e fez-se sentir com maior vigor na região sul da península. O norte jamais foi conquistado: serviu de refúgio aos cris-tãos que de lá organizaram as lutas da reconquista para a retomada dos territó-

rios ocupados pelos árabes.

À medida que a reconquista progredia, a estrutura de poder e a organização territorial foram ganhando novos contornos. Leão, Castela e Aragão, reinos do Norte da Península, estenderam suas fronteiras em direção ao Sul. Ao reino de Leão, pertencia o Condado Portucalense. A origem de Portugal está ligada a esse condado e à história de dois casamentos: de Raimundo de Borgonha com Urraca e de Henrique de Borgonha com Tereza. As moças eram fi lhas de Afonso VI, rei que, no fi nal do século XI, lutava pela expulsão dos mulçumanos da Península Ibérica. Os rapazes eram cavaleiros enviados pela França para ajudar o mesmo rei em suas ações pela reconquista do território peninsular. O governo de Galiza, região da atual Espanha, foi dado como dote a D. Raimundo e D. Urraca. O Condado Portucalense (região situada entre os rios Minho e Tejo) coube a D. Henrique e a D. Tereza.

Saiba mais

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Sugestão de fi lmes sobre o assunto da aula: Tristão e Isolda, O Nome da Rosa.

Em 1112 ou 1114, com a morte de D. Henrique, D. Tereza toma as rédeas do governo, estreitando relações com os galegos, em especial com o Conde Fernão Peres de Trava. Por causa dessa aproximação que poderia trazer prejuízos políticos para o Condado Portucalense, o Infante Afonso Henriques, fi lho de D. Henrique e D. Tereza, rebelou-se contra a mãe e promoveu uma revolução que culminou na Batalha de São Mamede, em 24 de junho de 1128. Os revoltosos vencem e sagram o Infante seu soberano. Leão e Castela só reconhecem o reino em outubro de 1143. A partir de então, o Condado Portucalense torna-se um país autônomo. Tem início a Dinastia de Borgonha.

Você percebeu que Portugal surge no contexto das lutas pela expulsão dos mulçumanos da Península Ibérica, tornando-se independente do reino de Leão pelas mãos de Afonso Henriques, que viria se tornar o primeiro rei de Portugal e inauguraria a Dinastia de Borgonha.

Saiba mais

Síntese da Aula

Nesta aula, vimos que a literatura é um traço da cultura. O contexto sócio-histórico é o pano de fundo dos estudos literários. Portugal é uma faixa de terra empurrada contra o mar. Essa localização geográfi ca defi ne aspectos relevantes da cultura portuguesa, presentes em sua produção literária. A Literatura Portuguesa é rica em poetas e nasce, concomitante, com a Nação, e sua evolução se faz através de nove momentos evolutivos fundamentais.

Atividade

Pesquise nas referências desta aula e na web elementos para construir um texto em que você discuta os seguintes pontos: a literatura como dado de cultura; as relações da cultura com o contexto sócio-histórico e geográfi co; o mundo fi ccional como uma reorganização dos dados da realidade.

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Comentário da atividade

Conforme você já percebeu, você produzirá um texto dissertativo a partir da leitura da Introdução de A Literatura Portuguesa; Capítulo I de A Literatura Portuguesa em Perspectiva, vol. 1; e Capítulos 1 e 2 da Primeira Parte do texto de Antonio Candido. Na web, a página do Instituto Camões é uma referência para estudos ligados à Literatura Portuguesa: www.instituto-camoes.pt. Os textos citados darão a você os caminhos para a elaboração do seu texto e também o direcionamento para discussões futuras, nas quais você poderá envolver seus colegas.

Referências

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

MONGELLI, Lênia Márcia de Medeiros. A Literatura Portuguesa em Perspectiva:trovadorismo e humanismo. vol. 1, São Paulo: Atlas, 1992.

Na próxima aula

Você vai conhecer as primeiras manifestações literárias de Portugal, que se convencionou chamar de Trovadorismo, e aconteceram na Idade Média. Vamos conduzi-lo à leitura de textos poéticos da época, as cantigas e levá-lo a conhecer um pouco do mundo medieval: os valores, a religião, as relações sociais, as mani-festações artísticas e a visão de mundo.

Anotações

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Aula 2Cantigas Trovadorescas

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

falar sobre a lírica trovadoresca portuguesa, expressão poética da Baixa Idade Média, situada no Trovadorismo.

Pré-requisitos

A compreensão dos aspectos históricos, políticos e geográficos estudados na primeira aula constitui o pré-requisito para esta aula.

Introdução

As cantigas trovadorescas, primeiras manifestações literárias portuguesas, surgem na Baixa Idade Média (séculos XII e XIII) e representam as primeiras tenta-tivas de libertação da cultura teocêntrica imposta pela Igreja em todo o período medieval. O modo de produção da Idade Média é o feudalismo, sistema social em que predominam grupos sociais fechados e impossibilitados de empreender mobilidade social. Nesse sistema, há uma profunda ligação de dependência de homem para homem, definida pela relação entre os senhores, proprietários da terra, e os servos, não-proprietários, mas presos a ela.

A sociedade feudal, conforme vimos na aula anterior, era formada por três níveis distintos: o clero, a nobreza e o povo. Ao povo (servos), competia traba-lhar; à nobreza, defender a sociedade, e à Igreja, orar por ela. Os nobres, defensores militares, podiam ocupar escalões superiores nesta hierarquia feudal e vassálica. A eles era reservado o direito à propriedade e ao poder público. Com isso, criava-se, em cada região, uma hierarquia de instâncias autônomas. A estrutura social portuguesa dos séculos XI a XIV apresentava típicos caracteres feudais: dentro dos coutos (se a propriedade fosse da Igreja) ou das honras (se fosse da nobreza), os senhores eram autoridade absoluta e só ao rei prestavam obediência, porque ele detinha os direitos de justiça suprema.

A organização social medieval é ratificada pelo espírito teocêntrico. A visão de Deus como ser absoluto e capaz de ditar as normas sociais, o comportamento

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Page 16: Literatura Portuguesa I 3º Período - TexSiTurAs Blog · Literatura Portuguesa I 3º Período Kyldes Batista Vicente Letras_3oPeriodo.indb 3 26/11/2007 17:30:38 01 LETRAS – 3º

A Cantiga da Ribeirinha foi, por muito tempo, atribuída a Paio Soares de Taveirós, mas, segundo estudos recentes, ela teria sido composta por Martim Soares, trovador português que teria convivido com Paio Soares de Taveirós com o qual compôs algumas cantigas.

individual e estabelecer o limite entre o bem e o mal, determina, também, toda uma concepção servil. De acordo com essa concepção, o homem nasce para obedecer ou seguir o caminho previamente determinado pelo Ser Absoluto. A ignorância científi ca que permeava a época impunha que se explicassem atos humanos por forças ocultas ou metafísicas. Não haveria teocentrismo sem existir o feudalismo. Não haveria o feudalismo sem existir o teocentrismo. Não haveria o nobre ocioso se não houvesse o trabalhador. Um está a serviço do outro.

É nessa sociedade, rigidamente hierarquizada, que se dá a produção da lírica trovadoresca medieval (Trovadorismo), na forma de cantigas líricas (de amor, de amigo) e cantigas satíricas (de escárnio e de maldizer).

2.1 Trovadorismo

A poesia, de mais fácil memorização e transmissão, surgiu em Portugal, como em quase todo o mundo, antes da prosa e diretamente ligada à música, ao canto e à dança. As cantigas eram criadas por um trovador, alguém que fazia trovas e rimas. Quem trouxe as cantigas até nós foram os cancioneiros, coletâneas de variados tipos de poemas, das quais participavam muitos trovadores: Cancioneiro da Ajuda (século XIII); Cancioneiro da Vaticana (século XV); e Cancioneiro da Biblioteca Nacional ou Cancioneiro Colocci-Brancuti, (século XIV).

O Trovadorismo foi um período de grande fecundidade poética, comprovada por meio das cerca de 2.000 composições e dos 200 poetas presentes nas coletâneas. O primeiro texto literário em galego-português de que se tem notícia é do fi nal do século XII, a Cantiga da Ribeirinha ou Cantiga da Guarvaia, Paio Soares de Taveirós, de 1189 ou 1198 (tradicionalmente considerada o marco inicial da Literatura Portuguesa). É uma cantiga que oscila entre ser de amor e de escárnio que possui uma complexa estru-tura, reveladora da existência de conside-rável atividade lírica anterior a essa data.

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01 LETRAS – 3º PERÍODO – 3ª PROVA – 27/11/2007 – Page 316 of 610 APROVADO

Page 17: Literatura Portuguesa I 3º Período - TexSiTurAs Blog · Literatura Portuguesa I 3º Período Kyldes Batista Vicente Letras_3oPeriodo.indb 3 26/11/2007 17:30:38 01 LETRAS – 3º

O lirismo provençal chegou à Península Ibéria por várias razões: a chegada de colonos franceses nas terras lusitanas; as peregrinações em Santiago de Compostela na Galiza; a vinda de cavaleiros franceses para lutar contra os mouros; o casamento de nobres portu-gueses com damas ligadas à Provença e o intenso comércio entre Portugal e França.

A produção e divulgação da lírica trovadoresca envolvia um grupo de artistas e uma hierarquia de compositores e recitadores: trovador, jogral, segrel, menestrel, soldadeira.

2.2 Cantigas Líricas

Cantigas de Amor

As cantigas de amor têm origem provençal: foi na Provença, sul da França, entre os séculos XI e XIII, que se desenvolveu a arte dos trovadores e seu amor cortês. Da Provença, a temática do amor cortês se espalhou por toda a Europa e chegou à corte portuguesa, mas os trovadores portu-gueses não se limitaram a imitar os provençais. Em Portugal, as cantigas de amor ganharam nova dimensão e maior sinceridade. D. Dinis, por exemplo, chegou a ironizar a postura artifi cial de certo tipo de trovador, por causa da carência de paixão pela mulher amada.

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Nas cantigas de amor, o trovador sempre declara seu amor por uma dama da corte, chamada de senhor (senhora). Trata-a de modo respei-toso e com cortesia, reproduzindo, em sua servidão amorosa, os mais puros padrões da vassalagem feudal. O amor trovadoresco, amor cortês, exigia que a mulher que se cantava fosse casada, porque a donzela não tinha personalidade jurídica, uma vez que não possuía nem terras, nem criados, nem domínios e não era dona, não dispunha de senhorios. O poeta não vai prestar serviço a uma mulher que não seja senhor (o verbo servir é extensamente usado nessas cantigas como sinônimo de namorar, fazer a corte).

A cantiga é varrida, de ponta a ponta, por uma atmosfera suplicante. Os apelos do trovador, apesar de estarem colocados num plano de espirituali-dade, idealidade ou contemplação platônica, nascem do mais fundo de seus sentidos, mas o impulso erótico, raiz das súplicas, purifi ca-se, sublima-se. O trovador disfarça, com o véu do espiritualismo, o verdadeiro sentido das solicitações dirigidas à amada, transformando-os num torturante sofrimento interior, resultado da inútil súplica e da espera de um bem que nunca chega. É a coita (= sofrimento) de amor que ele confessa afi nal.

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Page 18: Literatura Portuguesa I 3º Período - TexSiTurAs Blog · Literatura Portuguesa I 3º Período Kyldes Batista Vicente Letras_3oPeriodo.indb 3 26/11/2007 17:30:38 01 LETRAS – 3º

Pesquise cantigas de amor de amor, preferencialmente, de autoria de D. Dinis, rei trovador (1261-1325), protetor de poetas, amante da cultura – fundou a Universidade de Lisboa, a primeira do país, em 1290 – e trovador dos mais importantes e o que mais cantigas escreveu (138 composições, das quais 76 de amor, 52 de amigo e 10 de maldizer).

As quatro fases da vassalagem são:

Fenhedor: condição de quem se consome em suspiros.

Precador: condição de quem ousa declarar-se ou pedir.

Entendedor: condição de namorado.

Drut: condição de amante.

Nessas cantigas, quem usa a palavra é o próprio trovador, que a dirige, com respeito e subserviência, à dama de seus cuidados (mia senhor ou mia dona= minha senhora), rendendo-lhe o serviço amoroso, por sua vez orientado de acordo com o rígido código de comportamento ético, as regras do amor cortês (vindas da Provença). Segundo essas regras, o trovador teria de mencionar, comedidamente, o seu sentimento, subme-tendo-se, portanto, às exigências da mesura, para não incorrer em sanha,desagrado da bem-amada. Teria que ocultar o nome dela ou recorrer a um pseudônimo, uma senhal, e prestar-lhe uma vassalagem que apresen-tava quatro fases.

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A confi ssão do sentimento amoroso que invade o poeta expressa-se na cantiga de forma crescente até atingir a última estrofe (ou cobra). A corrente emocional movimen-ta-se num círculo vicioso, repetindo-se, monotonamente, e mudando apenas o grau do lamento que atinge o apogeu no fi nal da cantiga. O estribilho ou refrão, com o qual o trovador pode rematar cada estrofe, revela bem essa angustiante idéia fi xa para a qual ele não encontra formas diversas de expressão. Quando a cantiga possui estribilho, é chamada cantiga de refrão (por possuir um recurso típico da poesia popular); quando não há estribilho, chama-se cantiga de maestria (por possuir um esquema estrófi co mais complexo).

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01 LETRAS – 3º PERÍODO – 3ª PROVA – 27/11/2007 – Page 318 of 610 APROVADO

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Para você relacionar as informações teóricas da cantiga de amigo com uma cantiga, busque, de preferência, cantigas de Airas Nunes, trovador galego da segunda metade do século XIII, contemporâneo de Afonso X, o sábio, e de D. Sancho IV. Esse trovador é um dos mais inspirados de toda lírica medieval.

Cantigas de Amigo

A cantiga de amigo é escrita pelo trovador que compõe as cantigas de amor e até mesmo as cantigas de maldizer. Esse tipo de cantiga focaliza o outro lado da relação amorosa “o fulcro do poema é agora represen-tado pelo sofrimento amoroso da mulher, via de regra pertencente às camadas populares (pastoras, camponesas, etc.)” Moisés (2004, p. 22). Os motivos da cantiga de amigo são, portanto, as experiências amorosas, idílicas ou eróticas, vividas por mulheres pertencentes, quase sempre, à classe social modesta. O eu feminino exterioriza as suas emoções, afl i-ções, expectativas, encontros e desencontros amorosos etc.

Esse tipo de canção apresenta formas e objetivos muito peculiares. Por exemplo: a cantiga é comumente construída em paralelismos, a saber:

A unidade rítmica não é a estrofe, mas o conjunto de estrofes ou um par de dísticos (duas estrofes de dois versos), que procura dizer a mesma idéia.

O último verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe seguinte.

Paralelismo e refrão são elementos típicos da cantiga de amigo e pressupõe a existência de um coro. Organizadas aos pares, as estrofes sugerem a alternância de dois cantores ou de dois grupos deles. A técnica de repetir o último verso da estrofe anterior no início da estrofe seguinte parece ser a mesma da primitiva composição improvisada dos repentistas. A cantiga de amigo pode ser reduzida a poucos versos se eliminarmos as repetições que a caracterizam. O processo para-lelístico demonstra que a cantiga, como texto, estava ligada ao canto e à dança:

O processo de apresentação da cantiga de amigo evidencia um aspecto importante: ela era representada pelo texto, pelo canto e pela dança. O texto, portanto, não era autônomo. Pressupõe-se que esses três elementos dessem dinamicidade à apresentação. (ABDALA JR; PACHOALIN, 1990, p. 15)

As cantigas de amigo refl etem o ambiente onde a mulher era vista com impor-tância social: as comunidades agrícolas. A personagem principal das cantigas de amigo é, portanto, a mulher. Essas cantigas podem ser classifi cadas de acordo com o assunto e a forma. Quanto ao assunto, podem ser: albas (alvas ou serenas),pastorelas, barcarolas ou marinhas, bailais ou bailadas, romaria, tenções. Quanto à forma, as cantigas de amigo podem ser: maestria, refrão, paralelística.

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01 LETRAS – 3º PERÍODO – 3ª PROVA – 27/11/2007 – Page 319 of 610 APROVADO

Page 20: Literatura Portuguesa I 3º Período - TexSiTurAs Blog · Literatura Portuguesa I 3º Período Kyldes Batista Vicente Letras_3oPeriodo.indb 3 26/11/2007 17:30:38 01 LETRAS – 3º

Pêro Garcia Burgalês, trovador galego da segunda metade do século XIII, escreveu nume-rosas cantigas de amor, de amigo e de escárnio e maldizer. Pesquise para saber mais...

Observe as relações existentes entre as cantigas líricas:

CANTIGAS DE AMOR CANTIGAS DE AMIGO

Autoria masculina Autoria masculina

Sentimento: masculino Sentimento: feminino

Origem: provençal Origem: galego-portuguesa

Ambiente: palaciano (aristocrático) Ambiente: rural (popular)O homem presta vassalagem amorosa a uma mulher inacessível (casada, de preferência).

A mulher sofre pelo amigo ausente (namorado, amante).

A mulher: um ser idealizado, superior. A mulher: um ser mais real e concreto

2.3 Cantigas Satíricas

As cantigas de escárnio e as de maldizer são duas modalidades irmãs da sátira trovadoresca, mas, segundo a Arte de Trovar, obra anônima do século XIV, que antecede o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, há diferenças entre elas.

Cantigas de Escárnio

Eram sátiras indiretas realizadas por intermédio do sarcasmo, da zombaria e de uma linguagem de sentido ambíguo e nelas não era natural a revelação do nome da pessoa satirizada. Em Arte de Trovartem-se a seguinte defi nição desta modalidade de cantiga: Som aquelas que os trobadores fazem querendo dizer mal d’alguém em elas, e dizen-lho por palavras cubertas, que ajam dos entedimentos para que lhe lo nom entederen ligeiramente.

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Cantigas de Maldizer

A cantiga de maldizer encerra sátira direta, agressiva e contundente. Além disso, lança mão de uma linguagem objetiva, sem disfarce algum e com citação nominal da pessoa ironizada. Marcadas pela male-dicência, seus temas prediletos são o adultério e os amores interes-seiros ou ilícitos (caso dos padres) e o seu vocabulário é carregado de palavras obscenas e eróticas. Enfi m, são defi nidas como aquelas que fazem os trobadores mais descubertamente; en elas entram palavras que queren dizer mal e nom averão outro entendimento senon aquel que queren dizer chaãmente.

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Sugestão de músicas que apresentam aspectos das cantigas medievais: Atrás da Porta (Francis Hime e Chico Buarque), Esse cara (Chico Buarque) e Luíza (Tom Jobim).

João Garcia de Guilhade, trovador do século XIII, importante não apenas pelos recursos poéticos de que era possuidor, mas também pelo número de cantigas que compôs (21 cantigas de amigo, 15 de maldizer e 2 tenções) é autor de inúmeras cantigas satíricas. Pesquise-as via web.

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2.4 Causas da decadência do Trovadorismo

O Trovadorismo em Portugal caiu em decadência a partir de três causas histó-ricas: decadência do mecenatismo real; aburguesamento de Portugal; confl itos entre Portugal e Espanha.

A cultura trovadoresca, ao adaptar-se aos diferentes ambientes sociais e às peculiaridades de cada país, sofreu contínuas modifi cações ao longo do tempo, mas deixou marcas nas culturas com as quais entrou em contato. Na música popular brasileira, por exemplo, vários compositores da música popular brasi-leira escreveram e ainda escrevem cantigas de amigo: Paulo Vanzolini – Ronda,Chico Buarque – Com açúcar e com afeto, Atrás da porta, Tatuagem, olhos nos olhos. Temos, ainda, os casos de Caetano Veloso e Juca Chaves, compositores de músicas que são perfeitas cantigas de amor.

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Síntese da Aula

A classifi cação da lírica trovadoresca (cantigas de amor, cantigas de amigo, cantigas de escárnio e cantigas de maldizer) quanto ao tema, forma e hierarquia de compositores e recitadores, além das causas da decadência do trovadorismo.

Atividade

Analise a cantiga a seguir, acompanhado de uma tradução livre, e responda o que se pede na questão 1:

Ondas do mar de Vigo,

se vistes meu amigo?

E ai Deus, se verra cedo!

Ondas do mar levado,

se vistes meu amado?

E ai Deus, se verra cedo!

Ondas do mar de Vigo,

acaso vistes meu amigo?

Queira Deus que ele venha cedo!

Ondas do mar agitado,

acaso vistes meu amado?

Queira Deus que ele venha cedo!

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Page 22: Literatura Portuguesa I 3º Período - TexSiTurAs Blog · Literatura Portuguesa I 3º Período Kyldes Batista Vicente Letras_3oPeriodo.indb 3 26/11/2007 17:30:38 01 LETRAS – 3º

Se vistes meu amigo,

o por que eu sospiro?

E ai Deus, se verra cedo!

Se vistes meu amado,

por que ei gram coidado?

E ai Deus, se verra cedo!

(Martim Codax)

Acaso vistes meu amigo

aquele por quem suspiro?

Queira Deus que ele venha cedo!

Acaso vistes meu amado,

por quem tenho grande cuidado (preocupado)?

Queira Deus que ele venha cedo!

A partir do que foi estudado nesta aula, você é capaz de identificar o tipo de cantiga por suas características formais e temáticas. Nesse caso, podemos afirmar, sobre a cantiga de Martim Codax, que:

a) O eu-lírico não pode ser identificado nessa cantiga, já que ela possui carac-terísticas paralelísticas.

b) O eu-lírico da cantiga é masculino, o que a caracteriza como cantiga de amor.

c) A queixa da ausência do amado é feita às ondas do mar. Essa é uma carac-terística das cantigas de amor.

d) O motivo literário principal dessa cantiga é o lamento da moça cujo namo-rado partiu.

Comentário da atividade

Na cantiga de Martim Codax, em questão, o eu-lírico pode ser identificado como feminino, como se pode perceber em “se vistes meu amigo?”. Com isso, afirmamos que a questão correta é a alternativa (d). A alternativa (c) está incorreta porque a queixa da ausência do amado, feita às ondas do mar, é uma caracterís-tica da cantiga de amigo e não de amor.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa I: Era Medieval. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969.

VIEIRA, Yara Frateschi. Poesia Medieval: literatura portuguesa. São Paulo: Global, 1987.

Na próxima aula

Falaremos sobre os traços gerais do Humanismo, momento em que teremos a produção literária portuguesa organizada em poesia, prosa e teatro.

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Aula 3Traços Gerais do

Humanismo em Portugal

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

relacionar o Humanismo com o processo de superação da mentali-dade medieval (teocêntrica) e com a construção da Idade Moderna (antropocêntrica).

Pré-requisitos

O conhecimento do processo de desagregação do regime feudal no final da Idade Média e a retomada dos valores da Antigüidade Greco-latina, na cons-trução da Idade Moderna é o pré-requisito para o entendimento desta aula.

Introdução

O desaparecimento dos trovadores conduziu Portugal a quase um século de estagnação cultural. Depois desse longo período de marasmo, as cortes portu-guesas revivem, no século XV, um período de reflorescimento da cultura, marca da transição entre o trovadorismo e o Renascimento do século XVI.

A Segunda Época Medieval ou Humanismo é o período que vai da nomeação de Fernão Lopes para o cargo de cronista-mor da Torre do Tombo, em 1418, até o retorno de Sá de Miranda da Itália, em 1527, época em que é introduzida a estética clássica em Portugal. Esse fato revela a mudança de mentalidade processada naquele país, desde a ascensão de D. João I ao trono, em 1385, inaugurando a dinastia de Avis, que se prolongaria até 1580, ano da união ibérica, sob a hegemonia de Felipe II da Espanha.

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D. João I inaugura uma das etapas mais importantes da história de Portugal, por várias razões, mas, sobretudo, por ter promovido profunda revolução na cultura portuguesa: rei culto, determinado e empreendedor, apoiou, desde o início de seu reinado, o desenvolvimento das letras. Além de ele próprio ter escrito um livro - Livro da Montaria - propiciou a formação de um clima mental que, conti-nuado por D. Duarte, seu filho que subiu ao trono em 1433, favoreceu o apare-cimento de uma figura como Fernão Lopes, responsável pelo início e pela nova dimensão da nova época da Literatura Portuguesa, marcada, fundamentalmente, por um processo de humanização da cultura: o século XV português corresponde, em harmonia com o resto da Europa, ao nascimento do mundo moderno, uma vez que inaugura um tipo de cultura preocupado com o homem como indivíduo ou integrante da coletividade.

Para Moisés (1999, p. 32), Uma onda de realismo, de terrenalismo, de apego à natureza física, eleva-se para se contrapor ao transcendentalismo anterior (...). O acento tônico da cultura transfere-se do homem concebido à imagem e seme-lhança de Deus para o homem como tal, provocando, assim, profunda mutação histórica que as crônicas, a poesia e, especialmente, o teatro vicentino registram exaustivamente.

O Humanismo é o período de transição de um Portugal marcado por valores puramente medievais para uma nova realidade, na qual o mercantilismo e a ascensão da burguesia constituem marcas distintivas. A economia de subsistência feudal é substituída pelas atividades comerciais. A cultura clássica, esquecida durante grande parte da Idade Media, é retomada. O pensamento teocêntrico, enfim, é deixado de lado em favor do antropocentrismo.

Esse período iniciou-se no século XIV com a crise do sistema feudal europeu, que tem, entre suas várias causas: a Peste Negra, a Guerra dos Cem anos e a escassez de mão-de-obra e as mudanças nas relações sociais.

A crise do sistema feudal e o desmoronamento da velha ordem da nobreza permitiram que o poder ficasse centralizado nas mãos dos reis, vistos pela burguesia como recurso legítimo contra as arbitrariedades, e defensores de seus mercados da invasão de concorrentes estrangeiros.

Além disso, a centralização política significava: unificação das moedas e impostos, leis e normas, pesos e medidas, fronteiras e aduanas, a pacificação das guerras feudais e a eliminação do banditismo nas estradas. Dá-se a grande expansão do comércio, e a Monarquia nacional cria a condição política indispensável à defi-nição dos mercados nacionais e à regularização da economia internacional.

Em Portugal, essa transição e a centralização do poder tiveram como marco cronológico a Revolução de Avis (1383-1385): aclamando D. João como rei de Portugal, desenvolveu-se a política de centralização do poder nas mãos do

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rei comprometido com a burguesia mercantilista. Desse compromisso, resulta a expansão marítima portuguesa, a partir de 1415, com a tomada de Ceuta.

3.1 O Humanismo e a produção literária em Portugal

A prosa literária é uma manifestação artística que, no mundo todo, acontece sempre depois da poesia. Porque não pode ser memorizada com a mesma faci-lidade com que se memorizam os poemas, a prosa necessita de algumas condi-ções específi cas para surgir e se defi nir como gênero: uma língua mais evoluída e formas mais sofi sticadas de pensamento.

Em Portugal, não foi diferente. As manifestações literárias da primeira época medieval caracterizavam-se pelo predomínio da oralidade. Por essa razão, as cantigas trovadorescas tiveram maior destaque. Na segunda época medieval, século XV, a prosa e o teatro ascenderam ao primeiro plano, e a poesia pala-

ciana, ao segundo. Essa alteração resulta do novo contexto sócio-político vivido pelo país e defi nido pela existência de um Estado, uma língua e uma cultura solidifi cados. O cres-

cimento da burguesia comercial no país, que fazia com que os interesses se voltassem para assuntos mais práticos, como política, navegação e comércio, é outro fato que deve ser

considerado. A imprensa, criada em meados do século XV e aperfeiçoada por Gutenberg, facilitou a transmissão de

textos em prosa.

A produção literária portuguesa da segunda época medieval confi gura um momento de transição da literatura trovadoresca para o Renascimento do

século XVI. Como é comum em todo período de tran-sição, também nesse momento o velho convivia com o novo:

alguns aspectos das cantigas se mantinham (a idealização da mulher, por exemplo) e aspectos novos surgiram, preparando a literatura renascentista. A poesia amorosa de fundo sensual é um exemplo do novo que despontava.

Alguns historiadores da literatura chamam a produção da segunda época medieval de humanista: o humanismo, na Itália, foi um movimento de transição entre a Idade Média e o Renascimento. Essa nomenclatura, no entanto, deve ser empregada com cuidado. O que interessava aos humanistas italianos era estudar, traduzir e imitar os clássicos greco-latinos. Isso não ocorreu com os autores portu-gueses do século XV.

A produção literária em Portugal, nesse período, pode ser assim organi-zada: na prosa: as crônicas históricas de Fernão Lopes e a prosa doutrinária; na poesia: a poesia palaciana, recolhida no cancioneiro geral; no teatro: a dramaturgia de Gil Vicente.

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3.2 A crônica histórica: Fernão Lopes

A primeira data que se conhece sobre Fernão Lopes é 1418, quando D. Duarte, ainda Infante, mas já titular de pasta no governo de D. João I, o nomeia guarda das escrituras da Torre do Tombo. Em 1434, D. Duarte, sucedendo a seu pai, encarrega-o de escrever a vida dos reis de Portugal, desde D. Henrique até D. João I. Das crônicas escritas acerca dos monarcas portugueses da primeira dinastia (Borgonha) e do começo da segunda (Avis), várias se perderam, restando apenas três de autoria indiscutível: Crônica d’el Rei D. Pedro, Crônica d’el Rei D. Fernando e Crônica d’el Rei D. João I.

Na Literatura Portuguesa dos dois primeiros séculos, a atividade historiográfi ca adquire relevância com Fernão Lopes, por causa do sentido literário e histórico com que é prati-cada. Além disso, Fernão Lopes procura ser moderno: despreza o relato oral em favor dos acontecimentos documentados, buscando reconstituir a verdade histórica e fazer justiça ao interpretar os acontecimentos e as persona-gens que neles se envolvem, sempre atento às contradições internas que a sociedade sua contemporânea começa a manifestar.

A importância de Fernão Lopes nos quadros da Idade Média portuguesa deve-se, também, às suas qualidades literárias que levaram sua crônica à superação do plano descritivo e narrativo, marca distintiva da historiográfi ca anterior.

Além de Fernão Lopes, a Literatura Portuguesa da segunda época medieval conta com as produções de Gomes Eanes de Azurara ou Zurara e Rui de Pina. São de autoria de Zurara: Crônica do Infante D. Henrique ou Livro dos Feitos do Infante, Crônica de D. Pedro de Menezes, Crônica de D. Duarte de Menezes, Crônica dos Feitos de Guiné, Crônica de D. Fernando, Conde de Vila Real, esta desaparecida.

Azurara é o iniciador da historiografi a da expansão ultramarina. Seu método historiográfi co difere de Fernão Lopes em alguns pontos essenciais, confi gurando um retrocesso: preocupa-se com pessoas, individualidades, não com grupos sociais, o que revela uma concepção cavaleiresca da história (a ação isolada do cavaleiro predomina sobre a da massa popular); mostra-se permeável à infl uência da cultura clássica, nem sempre bebida na fonte originária, mas visível nas cita-ções e nos torneios fraseológicos.

Rui de Pina, o quarto cronista-mor, escreveu nove crônicas: Sancho I, Afonso II, Sancho II, Afonso III, D. Dinis, Afonso IV, D. Duarte, Afonso IV e D. João II. Essas crônicas valem, do ponto de vista historiográfi co, pelos novos e diferentes dados

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da realidade portuguesa expostos e pela sobriedade da linguagem, marcada pela influência clássica.

3.3 A prosa doutrinária

Ao longo do século XV cultiva-se, intensamente, a prosa doutrinal e moralista, textos que ecoam o surto de humanização da cultura e a solidificação do absolu-tismo régio durante o reinado dos Avis. Escrita, sobretudo por monarcas, essa prosa pedagógica servia à educação da realeza e da fidalguia, visando à orientá-las para o convívio social e no adestramento físico para a guerra. O culto do esporte, particularmente o da caça, é a preocupação por excelência dessa pedagogia prag-mática. As virtudes morais também são lembradas e enaltecidas, mas tendo sempre em vista alcançar o perfeito equilíbrio entre a saúde do corpo e a do espírito.

Numerosas obras moralistas apareceram durante o século XV. Merecem destaque as seguintes: Livro de Montaria, de D. João I; Leal Conselheiro e o Livro da Ensinança de Bem Cavalgar toda Sela, de D. Duarte; O Livro da Virtuosa Benfeitoria, do Infante D.Pedro, filho bastardo de D. João I; Livro da Falcoaria, de Pêro Menino.

3.4 A Poesia: O Cancioneiro Geral

O Trovadorismo, conforme já vimos, entra em declínio no século XIV. Mesmo assim, a poesia continua a ser cultivada, mas, agora, sob a influência da nova atmosfera cultural inaugurada por D. João I.

A produção poética dos reinados de D. João II e D. Manuel foi recolhida, em grande parte, por Garcia de Rezende, em seu Cancioneiro Geral (1516), cole-tânea que contém, aproximadamente, mil composições e 286 poetas. A poesia recolhida nessa coletânea caracteriza-se, antes de mais nada, pelo divórcio entre a letra e a música: superada a voga da lírica trova-doresca, a poesia desfaz-se dos compromissos musicais e passa a ser composta para leitura soli-tária ou a declamação coletiva. A poesia torna-se autônoma, uma vez que realizada apenas com palavras e sem o aparato musical, que a tornava dependente. O próprio recurso das palavras, dispostas em estrofes, versos etc., garante o ritmo da poesia, que agora se moderniza.

Muitos poetas compendiados por Garcia de Resende realizaram trabalho de qualidade duvidosa: suas poesias são de circunstância e o conteúdo delas se desvaneceu completamente, o que atesta a pobreza de parte da poesia do Cancioneiro Geral, aquela chamada pelo compilador de cousas de folgar.

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Sugestão de fi lmes sobre o assunto da aula: O Feitiço de Áquila e Indiana Jones e a última Cruzada.

O Humanismo prepara o Renascimento na cultura, na arte e na literatura. Por ser um período de transição entre a Idade Média e o mundo moderno, sua produção literária é marcada pelo convívio entre o velho e o novo: a idealização da mulher e a poesia amorosa de fundo social, respectivamente. Nesse período, além da produção poética, temos a realização da prosa por meio da crônica histórica e da prosa doutrinária, a primeira compreendida como os primeiros momentos da historiografi a em Portugal e a segunda, prosa pedagógica desti-nada à educação da realeza e da fi dalguia.

Saiba mais

Síntese da aula

O estudo da segunda época medieval ou Humanismo, ressaltando-se a produção literária do Humanismo em Portugal: a crônica histórica de Fernão Lopes, a prosa doutrinária, a poesia do Cancioneiro Geral.

Atividade

Releia esta aula, analise as assertivas a seguir e marque a que não se refere à segunda época medieval (Humanismo):

a) Imitação dos clássicos gregos e latinos. Essa foi a tônica do segundo período medieval em Portugal, advinda com a Dinastia de Borgonha.

b) A nomeação de Fernão Lopes para cronista-mor da Torre do Tombo é consi-derada o marco inicial do Humanismo em Portugal, época em que há a mudança de mentalidade naquele país.

c) Garcia de Rezende recolheu toda a produção poética dos reinados de D. João II e D. Manuel em seu Cancioneiro Geral (1516).

d) O Cancioneiro Geral é uma coletânea que contém, aproximadamente, mil composições e 286 poetas.

Comentário da atividade

Nesta atividade, a única alternativa em que a informação não se refere ao segundo período medieval é a letras A: o período em que há a forte imitação dos clássicos gregos e latinos é o Classicismo e não o Humanismo. Outra questão que

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reforça o fato de esta alternativa estar incorreta é que, durante o Humanismo, a Dinastia de Avis, e não a de Borgonha, reinava em Portugal.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

MONGELLI, Lênia Márcia de Medeiros. A Literatura Portuguesa em Perspectiva:trovadorismo e humanismo. vol. 1, São Paulo: Atlas, 1992.

Na próxima aula

O teatro de Gil Vicente, representante do teatro português, será discutido sob seus aspectos temáticos e formais.

Anotações

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Aula 4O teatro popular: Gil Vicente

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

compreender as características do teatro popular de Gil Vicente no contexto da transição da Idade Média para o Renascimento.

Pré-requisitos

A percepção do Humanismo em Portugal como um período de transição do mundo teocêntrico (Idade Média) para o antropocêntrico (Renascimento) é essen-cial para compreensão desta aula.

Introdução

Durante a Idade Média, despontou e vicejou um tipo de teatro que, por suas características fundamentais – popular no tema, na linguagem e nos atores – recebeu o nome de popular.

De remota origem francesa (século XII), esse teatro popular iniciara-se com os mistérios e milagres, representação de breves quadros alusivos a cenas bíblicas encenados em datas festivas, sobretudo no Natal e na Páscoa. Essas represen-tações foram inicialmente faladas em Latim. Mais tarde, adotaram o Francês. O interior da Igreja, o próprio altar, era o lugar da encenação, mas depois ela foi transferida para o claustro e, mais tarde, para o adro. No começo, era reduzido o texto e escasso o tempo de representação, mas três séculos depois, o número de figurantes ascendia a centenas, o texto a milhares de versos, e a encenação podia levar dias (MOISÉS, 1999, p. 40).

Depois de algum tempo, o próprio povo passou a representar suas peças. Agora, de caráter não religioso, eram encenadas num tablado erguido num pátio diante da Igreja, daí o seu caráter profano: que fica fora, diante (pro) do templo (fanu). Superada essa fase, o teatro popular se disseminou por feiras, mercados, burgos e castelos da Europa, tendo grande acolhida em Castela, Leão, Navarro e Aragão, reinos ibéricos.

Foi por influxo castelhano que esse teatro atingiu terras portuguesas, pela mãos de Gil Vicente, seguindo o exemplo de Juan del Encina: na noite do dia 7

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para 8 de junho do ano de 1502, nos Paços da Alcaçova de Lisboa, um homem, fantasiado de vaqueiro, entra, repentinamente, na câmara da rainha D. Maria, segunda mulher de D. Manuel de Portugal, que havia dado à luz um menino, o futuro rei D. João III. O objetivo da súbita aparição era manifestar sua alegria e desejar ao recém-nascido um futuro venturoso.

Essa apresentação agradou bastante aos presentes. Por isso, solicitaram ao seu autor e intérprete que a repetisse nos festejos de Natal, mas ele preferiu não apresentar o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação. Em seu lugar, agraciou o público com outra peça, o Auto Pastoril Castelhano, que já apresentava forma de diálogo e natureza mais dramática.

Pela apresentação, em 1502, de seu Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, Gil Vicente é considerado o criador do teatro português, mas seria errôneo afirmar que, antes dessa data, não havia apresentações teatrais em Portugal: de fato havia, mas eram simples representações cênicas e seus textos não eram elaborados para o teatro. Durante a Idade Média, pode-se distinguir dois tipos de encenações: as religiosas ou litúrgicas e as profanas.

As encenações religiosas ou litúrgicas eram apresentadas no interior das igrejas e se dividiam em: mistério (representação de uma passagem da vida de Cristo, realizada, normalmente, no Natal ou na Páscoa); milagre (representação de um milagre operado por um santo); moralidade (representação dramática com o objetivo de moralizar os costumes).

As encenações profanas podiam se de dois tipos: arremedilho ou arremedo (imitação cômica de pessoas ou acontecimentos) e momos (encenações carnava-lescas, de temática muito variada, com personagens mascarados).

4.1 O teatro de Gil Vicente: aspectos da obra

A biografia de Gil Vicente encontra-se envolta em dúvidas: teria nascido em 1465 ou 1466, talvez em Guimarães, e morrido entre 1536 e 1540. A primeira data ligada ao poeta de maneira segura é o ano de 1502, quando, na noite de 7 para 8 de junho, recitou o Monólogo do Vaqueiro, no quarto de D. Maria de Castela, segunda esposa de D. Manuel e filha dos reis católicos D. Fernando e D. Isabel, para saudar o nascimento e desejar venturas ao futuro D.João III que acabara de nascer.

Durante 34 anos, Gil Vicente produziu textos teatrais de temas e estruturas variados e algumas poesias. Foram 46 peças ao todo. Há, entre elas, 11 em castelhano e 16 bilíngües. Didaticamente, pode-se falar em três fases principais do teatro vicentino:

Primeira Fase (de 1502 a 1514) – nessa fase a influência de Juan del Encina é dominante, sobretudo nos primeiros anos, atenuando-se depois de 1510.

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Segunda Fase (de 1515 a 1527) – começando com Quem tem farelos? e terminando com o Auto da Fadas. Corresponde ao ápice da carreira dramática de Gil Vicente, com a encenação de suas melhores peças, dentre as quais Trilogia da Barca (1517-1518), o Auto da Alma (1518), a Farsa de Inês Pereira (1523), o Juiz da Beira (1525)

Terceira Fase (de 1528 a 1536) – inicia-se com o Auto da Feira e se encerra com Floresta de Enganos. Nesta fase, o dramaturgo, sob influ-ência do classicismo renascentista, intelectualiza seu teatro.

Quanto ao tema, o teatro vicentino pode ser dividido em dois grupos:

O tradicional – contém as peças de caráter litúrgico, ligadas ao teatro reli-gioso de Juan del Encina, como Auto da Fé (1510) e Auto da Alma (1518), e remotamente aos milagres e mistérios franceses; peças de assunto bucó-lico, como o Auto Pastoril Castelhano e o Auto Pastoril Português (1523) e peças de assunto relacionado com as novelas de cavalaria, como D.Dourados (1522) e o Auto de Amadis de Gaula (1533).

O de atualidade – contém as peças que apresentam o retrato satírico da sociedade do tempo, envolvendo seus vários segmentos: fidalguia, burguesia, clero e plebe. Farsa de Inês Pereira e Quem tem farelos? são exemplos do teatro de atualidade. Assim também, o teatro alegórico crítico, como a Trilogia da Barca

Essa classificação não significa que estamos diante de tipos estanques de peças, pois, além de haver pontos de comunicação entre elas, há peças de caráter misto, impermeáveis a classificações, como o Auto dos Quatro Tempos (1511).

O teatro de Gil Vicente, embora tenha surgido e desenvolvido no ambiente da Corte para entretenimento nos serões oferecidos pelo Rei, é primitivo, rudi-mentar e popular, isento das concessões que, ao mesmo tempo, favorecem e empequenecem, mas sempre orientado pelas convicções do comediógrafo, que nunca desprezou o bom-senso, e pelas coerções naturais do meio palaciano.

Teatro rico, denso e variado. Teatro escrito para um público exigente e detentor das rédeas do poder. Gil Vicente, entretanto, não deixou de impor-se como teatró-logo e impor seu gosto pessoal, mesmo que para garantir essa autonomia tivesse que recorrer a disfarces, truques, símbolos, alegorias ou ao cômico mais radical.

Baseado na espontaneidade e tendo como objetivo divertir a Corte, o teatro vicentino organizava-se de acordo com a lei do improviso. Por isso, as represen-tações progrediam de acordo com as circunstâncias criadas pelo momento, em suas relações com o autor e o conteúdo da peça. Parece que o trabalho de Gil Vicente era apenas esboçar um roteiro básico com um objetivo: ordenar a ence-nação numa seqüência verossímil, uma vez que o resto aconteceria ao sabor do momento e de todas as alterações impostas pelo acaso.

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O grande mérito de Gil Vicente consiste no fato de ele ser um poeta, e poeta dramático. Como poeta, distingue-se pela fluência e elasticidade expressivas que envolvem os matizes líricos, satíricos, mitológicos, alegóricos, religiosos, sem perder sua fisionomia específica. Como comediógrafo, destaca-se como um dos mais importantes autores de teatro em toda a história da Literatura Portuguesa, tendo o mérito de ter inaugurado esse gênero nessa literatura, conforme já se falou acima.

Ponte de trânsito, traço de união entre a Idade Média e o Renascimento, Gil Vicente registrou em suas peças o momento em que as duas formas de cultura se defrontavam: uma para terminar ou diminuir seu influxo e domínio, a outra para começar. Essa circunstância define-lhe o caráter: teatro lírico ou cômico (ou lírico-cômico), que tem, na exata medida do tempo, os olhos voltados para trás, mergulhados na contemplação do mundo que morria, e para frente, pres-sentindo o novo rumo que o embate das idéias começava a tomar.

Quando o poeta, com os olhos voltados para trás, contempla o mundo que morre, os temas e uma visão medieval das coisas predominam. Gil Vicente cria, aqui, um tipo de teatro que se realiza não tanto pelas qualidades cênicas, mas, sobretudo, pelo aspecto ideológico ou sentimental: o poeta, cheio de sentimento lírico da vida, suplanta o teatrólogo, fato que pode ser verificado em D. Douradose no Auto da Alma.

O teatro de costumes e o religiosamente alegórico (Inês Pereira e Trilogia das barcas: da Glória, do Inferno e do Purgatório, respectivamente) revelam um dramaturgo compromissado: sua poesia e seus predicados estão a serviço de uma causa, e o poeta, respirando a atmosfera renascentista e expandindo suas virtualidades pessoais, faz de suas peças arma de combate, acusação e mora-lidade. Trata-se, aqui, do teatro de sátira social, que critica o povo, a fidalguia ou o clero, sem preocupar-se em proteger qualquer dos segmentos da sociedade, porque orientado pelo lema: rindo, corrige os costumes (castigat ridendo moris): (...) a graça e o riso, provocados pelo cômico baseado no ridículo e na carica-tura, exercem função purificadora, educativa e purgadora de vícios e defeitos (MOISÉS, 1999, p. 44).

A sátira vicentina toca fundo nas feridas sociais de seu tempo, mas é contrabalançada por um elevado pensamento cristão, verificável em peças como o Auto da Alma e, também, nas de natureza satírica, muito embora, nesse caso, a perspectiva cristã não tenha grande visibilidade. A maior concentração de forças do teatro vicentino reside nessa bipolaridade, que, além de criar uma escola vicentina durante o século XVI, garantiu sua perma-nência nos séculos seguintes e sua atualidade ainda hoje. Camões, Afonso Álvares, Antônio Ribeiro Chiado, Antônio Prestes e Simão Machado pertencem à escola vicentina.

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O vigor e a altura do teatro vicentino não são homogêneos ao longo de seus 34 anos de produção artística: sua evolução para o Classicismo implica uma espécie de engessamento da estrutura das peças, fato que se pode verificar em Cortes de Júpiter (1521) e Jubileu de Amores (1527), e que se contrapõe à maneira como Gil Vicente compunha suas peças no início de sua carreira: sob os influxos da inspiração e desobediente a cânones, o que resultava num teatro primitivo por seus recursos fáceis, mas de primeira grandeza pela originalidade, verdade e permanência.

Para esta aula, escolhemos a Farsa de Inês Pereira e O Auto da Alma exem-plificando as duas vertentes da produção teatral de Gil Vicente.

4.2 Uma farsa e um auto

A Farsa de Inês Pereira foi representada pela primeira vez na corte de D. João III, em 1523. Neste auto, Gil Vicente explora um tema sugerido pela dúvida que as pessoas tinham sobre a autenticidade de suas obras: “mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube”. O dramaturgo focaliza Inês Pereira, jovem do povo, em dois momentos: primeiro desejando casar-se com “homem avisado

(...), discreto em falar”, que “saiba tanger viola”. Recusa Pêro Marques, filho de rico proprietário rural, e aceita Brás da Mata, escudeiro e pelintra. Este que a maltrata (“cavalo que me derrube”), é chamado para combater na África e lá morre. No segundo momento, Inês resolve casar-se com Pêro Marques e, montado às suas costas (“asno que me leve”), vai ao encontro de um ermitão, seu ex-namorado.

O Auto da Alma é uma peça que mostra a alma entre o Diabo e o Anjo, entre a Perdição e a Salvação. A alma humana, representada por uma mulher, marcha por um caminho na direção da estalagem da Igreja. Ao longo desse caminho da salvação é solicitada pelas exortações do seu Anjo da Guarda que a impele para

diante e do Diabo que a puxa para trás. O primeiro aconselha-a ao esforço e ao sacrifício; o segundo, convida-a a divertir-se pelo caminho e a tirar proveito da vida. A alma, por sua vez, é livre para se perder ou para se salvar. Por isso, durante algum tempo, parece sucumbir às astúcias do Diabo, mas a seguir retoma o domínio de si e prossegue o seu caminho e chega à estalagem da Igreja.

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Sugestão de fi lmes sobre o assunto da aula: Excalibur, Robin Hood.

Para melhor visualização desses todos do texto vicentino, aconse-lhamos que você acesse o sítio www.dominiopublico.gov.br e leia os textos integralmente. Isso dará a você melhor clareza nas idéias expostas até aqui. Lembre-se de que é muito importante, para o estudante de Letras, conhecer os textos na sua forma integral. Além disso, o texto teatral, por ser menos divulgado e lido, merece uma atenção particular, pois possui uma estrutura narrativa diferenciada.

O teatro popular foi introduzido em Portugal por Gil Vicente, inspirado no exemplo espanhol de Juan del Encina. Caracterizava-se por uma linguagem, temas e formas de encenação acessíveis ao povo e, às vezes, com sua parti-cipação direta. Embora possa parecer o contrário, Gil Vicente não foi o fundador absoluto do teatro português. Durante a Idade Média houve ativi-

dade teatral em Portugal: momos, arremedilhos e entremezes, breves representações de caráter religioso, satírico ou burlesco opostos aos mistérios e milagres, manifes-tação do teatro religioso então predominante.

Saiba mais

Síntese da aula

Estudamos, nesta aula, as características do teatro popular de Gil Vicente no contexto da transição da Idade Média para o Renascimento, com suas classifi ca-ções de acordo com a temática explorada.

Atividades

1. É claro que você já localizou e leu as duas peças de Gil Vicente apresentadas nesta aula. Vamos fazer um pequeno exercício com elas? Leia novamente as peças e compare-as, tendo em vista os seguintes aspectos:

ASPECTOS AUTO DA ALMA FARSA DE INÊS PEREIRA

TemáticaPerspectiva (conservador ou renovador)

Lirismo ou comicidade

2. Agora, escreva um pequeno texto dissertativo a partir do quadro que você acabou de construir, para que você possa assimilar melhor o conteúdo desta aula. Para realização dessa pequena dissertação, você poderá recorrer a partes do texto desta aula, citando-as de acordo com as normas que você aprendeu em Fundamentos do Trabalho Acadêmico.

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Comentário das atividades

Nesta atividade, você vai rever três aspectos da produção teatral de Gil Vicente: a temática, a perspectiva em que se coloca cada uma das peças apresen-tadas, simbolizando a perspectiva geral da obra do dramaturgo, e os elementos de lirismo e comicidade. Com isso, você estará construindo um novo entendimento sobre a cosmovisão medieval, tradicionalmente apresentada como impermeável ao riso e aos prazeres mundanos.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

MOISES, Massaud. (dir.). A Literatura Portuguesa em Perspectiva: trovadorismo e humanismo. vol. 1, São Paulo: Atlas, 1992.

TEYSSIER, Paul. Gil Vicente – o autor e a obra. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa do Ministério da Educação e das Universidades/Biblioteca Breve, 1982.

VICENTE, Gil. O Velho da Horta; Auto da Barca do Inferno; Farsa de Inês Pereira.Introdução, Comentários e Estabelecimento de Textos por Segismundo Spina. 37. ed. São Paulo: Ateliê, 2003.

Na próxima aula

Estudaremos as características gerais do Classicismo e o Classicismo em Portugal.

Anotações

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Aula 5Traços Gerais do

Classicismo em Portugal

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

relacionar Classicismo e Humanismo e perceber as semelhanças e dife-renças entre eles.

Pré-requisitos

O conhecimento das transformações porque passava a Europa entre os séculos XIV e XVI, rumo ao capitalismo mercantilista, e dos gêneros lírico, épico e dramático clássicos é importante para esta aula.

Introdução

Em 1536, quando Gil Vicente encena Floresta de Enganos, sua última peça, o processo histórico que levaria o povo português ao Renascimento e a uma posição jamais ocupada por ele antes ou depois, já estava bastante avançado.

O Renascimento foi antecedido e preparado pelo Humanismo, um movimento de cultura que abalou as últimas décadas da Idade Média, e que se caracterizava pela descoberta dos monumentos culturais do mundo greco-latino (de modo parti-cular as obras escritas) e por uma concepção de vida centrada no conhecimento do homem e não mais de Deus.

Esse espólio de civilização e cultura decifrado, traduzido e anotado, fez ressuscitar o espírito da Antigüidade Greco-Latina, que, associado às descobertas científicas, inovações, Reforma Luterana e outras comoções daquele tempo, cons-tituiu o Renascimento.

Portugal, por circunstâncias histórias e peculiar localização geográfica, desem-penhou papel importante na evolução do Renascimento, particularmente por inter-médio do alargamento geográfico (descobertas marítimas) e de suas conseqüên-cias econômicas e políticas: a descoberta do caminho marítimo para as índias, por Vasco da Gama (1498) e o achamento do Brasil, por Pedro Álvares Cabral (1500), foram seguidos de uma série de acontecimentos que permitiram a Portugal gozar de intensa euforia, sobretudo enquanto reinou D. Manuel (1495 -1521).

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A perfeição é o traço básico do clássico.

Cuidado: clássico tem um sentido geral, independente de época histórica, como cate-goria crítica referente a um escritor modelar, perfeito, consagrada, como Machado de Assis, que é um clássico apesar de ter pertencido ao Romantismo e ao Realismo.

Uma extraordinária prosperidade econômica invade Portugal. Lisboa transfor-ma-se no mais importante centro comercial e, na Corte, impera o luxo e o fausto: acreditava-se, cegamente, que Portugal havia alcançado uma grandeza material invulnerável. Esse otimismo ufanista, no entanto, vai se atenuando, pouco a pouco, até a derrocada fi nal de Alcácer-Quibir, em 1578, quando D. Sebastião morre, e o exército português, vencido fragorosamente, submete-se aos sarracenos.

O Classicismo, desenvolvimento natural do Humanismo, difundiu-se, amplamente, durante o ímpeto revolucionário da Renascença, porque correspondia, no plano lite-rário, ao complexo de superioridade histórica pelo qual passava o povo lusitano.

As transformações promovidas pelo desenvolvimento do Humanismo para construir o Renascimento foram:

ao teocentrismo medieval opôs-se uma concepção antropocêntrica do mundo; nessa concepção, ao contrário do que se acreditava antes, o homem é a medida de todas as coisas;

ao teologismo de antes, contrapõe-se o paganismo, como garantia de pleno gozo da existência, a partir da vitória do homem sobre a natureza;

ao predomínio do saber abstrato, opõe-se o saber concreto, científi co e objetivo, que promove conside-rável avanço nas ciências experimentais;

à mitologia greco-latina, imprime-se o processo de esvaziamento de seu conteúdo ético ou religioso; agora ela passa a funcionar apenas como símbolo ou ornamento.

O Classicismo é o aspecto artístico da Renascença e compreende uma estética e uma poética. Clássicismo = clássico + ismo. Clássico (formado sobre classis) = classe social. A população de Roma, a uma certa altura e de acordo com a fortuna, foi divida em classes. Os mais ricos constituíam a primeira classe. Por isso, se consideravam os melhores. Era a classe por excelência. A palavra clássico só se referia, praticamente, a ela: qualifi cava alguma coisa peculiar à primeira classe.

Saiba mais

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01 LETRAS – 3º PERÍODO – 3ª PROVA – 27/11/2007 – Page 340 of 610 APROVADO

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5.1 A doutrina clássica

A doutrina clássica se forma pela refl exão sobre as obras de arte da Antigüidade grega e latina, consideradas perfeitas e modelares, e sobre alguns textos teóricos, como os Diálogos de Platão, a Poética e a Retórica de Aristóteles, a Arte Poética e outros textos de Horácio. A tendência é fazer da Antigüidade um critério de valor, embora a Antigüidade por si só não seja sufi ciente para constituir um clássico, que é resultado, antes, da perfeição de sua arte.

Você já sabia, é apenas para refrescar a memória: a arte se defi ne como expressão do belo. Mas o que se entende por arte? E por belo? Por arte entende-se: um conjunto sistemático de regras racionais para se realizar uma obra da melhor forma possível. Essas regras, que servem também de critérios para medir o valor das obras, são verdadeiros achados históricos e se fundamentam na natureza das coisas.

Note: na arte clássica legisla sobre tudo. Quase nada fi ca ao arbítrio. Compreendeu? Dizendo de outra maneira: não há arte sem regras, mas no classi-cismo se estabelecem regras obrigatórias e prévias, que não atrapalham o artista, mas o desafi am e o estimulam. Maravilhoso, não? Isso tem uma implicação impor-tante: a arte supõe um aprendizado e não admite improvisações.

E o artista, como se enquadra nessas exigências?

Como não há lugar para a mediocridade, o artista deve atingir a perfeição, pois o equilíbrio e a perfeição, segundo Horácio, constituem a essência do clas-sicismo. Outra exigência importante é endereçada ao artista: o estudo. Por quê? Ora, porque a matéria, o assunto, dever ser estudada com sobriedade, pois, acredita-se, a fonte do bem escrever é o saber.

Em face disso, podemos dizer que a obra de arte é só transpiração (trabalho, estudo e erudição)? Penso que não. Vejamos: a obra de arte exige, necessaria-mente, engenho, dom natural, vocação, pois o artista nasce e nem todos são artistas. Mesmo assim, o artista só compõe quando inspirado: nem sempre se é artista.

Você sabe o que Aristóteles e Platão pensam dessa matéria, mas é sempre bom rever as posições deles: se para Aristóteles a arte resulta do trabalho, para Platão, resulta da inspiração, embora isso seja um mal.

Falemos agora do belo. Lembra-se da pergunta que fi zemos acima: o que se entende por belo? Mais comumente se defi ne o belo como aquilo que agrada à contemplação e garante o gozo espiritual, seu único objetivo. Contemplação e gozo espiritual... parece que estamos noutro mundo, não é? Mas não, estamos

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01 LETRAS – 3º PERÍODO – 3ª PROVA – 27/11/2007 – Page 341 of 610 APROVADO

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simplesmente no mundo dos humanos: beleza, contemplação e gozo espiritual fazem parte dele.

O belo é concebido de modo absoluto, eterno, imutável e universal. Além de não possuir nada de relativo, determina o bom gosto. O classi-cismo tem a mesma concepção do belo? Pense um pouco. Não?! Você acertou: o classicismo reduz o belo a certos aspectos, como ordem, equilíbrio, proporção. É o belo matemático. Suas raízes estão em Pitágoras, Platão, Aristóteles e Horácio.

Pense um pouco: existe, na perspectiva do clas-sicismo, alguma relação entre o belo da arte e o belo da natureza? Como se objetiva essa relação, caso ela exista? Para responder essas perguntas, são necessários dois movimentos: admitir a exis-tência do belo da arte e do belo da natureza e afirmar a superioridade do segundo sobre o primeiro: o belo da natureza é criado por Deus e dele deriva, por imitação, o belo da arte. Assim sendo, a arte não é pura criação, mas imitação direta da natureza ou imitação indireta dos autores que souberam imitá-la.

Outra questão instigante que a teoria do classicismo coloca se refere à imitação da natureza. Se você parar para pensar sobre ela, com certeza será atropelado pela pergunta: de que natureza os teóricos estão falando? Arrisque uma resposta. Está inseguro? Você é capaz, acredite. É só olhar em sua volta e perceberá que, no classicismo, a imitação da natureza se circunscreve à

imitação da natureza humana: a paisagem ocupa um espaço restrito nas obras: serve apenas de pano de fundo para a ação humana.

5.2 A linguagem no classicismo

O classicismo é uma estética conteudística. Nele, o conteúdo determina a expressão: primeiro se pensa, depois se escreve (rem tene, verba sequentur). O conteúdo e a expressão de uma obra se harmonizam perfeitamente, o que não permite verbalismo oco e nem cerebralismo estéril. A linguagem é, portanto, um efeito funcional, adequado ao conteúdo, e objeto de extremo cuidado na prosa e no verso.

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O racionalismo clássico não implica ausência de emoção e sentimento, apenas pressupõe que a razão se sobreponha a eles, vigiando-os e controlando-os, para que se evitem trans-bordamentos (traço que aparece no século XVIII e caracteriza a estética romântica).

Você já ouviu falar inúmeras vezes que o estilo é a pessoa, pois essa noção faz parte do senso-comum, e nós, querendo ou não, somos um pouco vítimas dele. Mas será que no classicismo esse conceito se confi rma? Vamos verifi car? Na estética clássica, a elocução, parte da retórica, evolui para uma teoria da compo-sição e do estilo, que ensina a buscar o material, dispô-lo e, sobretudo, redigi-lo. Paralelamente, elabora-se uma métrica rigorosa.

A correção, harmonia com as leis obrigatórias da gramática, é a primeira virtude do estilo. A clareza, que supõe lógica, é uma das marcas do classicismo, e garante um pensar claro e distinto, recorrendo-se à elegância e usando, com parcimônia, as fi guras de retórica. A linguagem e o estilo devem adequar-se sempre às circunstâncias (convenientia ou decorum para Horácio).

Há três níveis de estilo: o simples, o temperado e o sublime. O classicismo opta pelo aprimoramento temperado. Evita, assim, os exageros do simples, porque rasteiros, e do sublime, porque empolado. O resultado dessa opção é apenas um: o modelo de estilo imposto é uma experiência de construção na qual tudo se equilibra.

Pelo exposto, a que conclusão podemos chegar relativamente ao estilo? Você arrisca construir uma resposta? Ótimo. Então vamos lá: o estilo no classicismo é uma construção orientada por modelos preestabelecidos; constitui-se uma dimensão da obra que lhe garante o equilíbrio; é resultado de estudo e dedicação à arte a que se dedica: o estilo e a linguagem no classicismo devem adequar-se às circunstâncias.

Logo, no classicismo, o estilo não é exatamente o homem, como pretende o senso-comum.

Mas em que consiste o Classicismo?

Antes de mais nada, o Classicismo consiste numa concepção de arte baseada na imitação dos clássicos gregos e latinos, considerados modelos de suma perfeição estética. Mas atenção: imitar, para os escritores deste momento, não signifi cava copiar, mas criar obras de arte de acordo com as fórmulas e medidas empregadas pelos antigos. A observância de regras, estabelecidas como suporte ou pressupostos da obra literária, era uma exigência da qual nenhum artista podia se furtar. Essas regras, mesmo sendo apriorísticas, não impediam que as qualidades peculiares a cada um despertassem e se manifestassem.

As demais características da estética clássica decorrem dessa obediência protocolar a regras e modelo preestabelecidos: a arte clássica é racionalista por excelência.

Saiba mais

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01 LETRAS – 3º PERÍODO – 3ª PROVA – 27/11/2007 – Page 343 of 610 APROVADO

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5.3 Gêneros literários

No classicismo, vigorava, entre tantas, uma regra: não se deviam misturar os gêneros. A tragédia, preferida por Aristóteles, disputava com a epopéia, prefe-rida de Platão, a condição de gênero por excelência. O lirismo, particularmente

o individual, ocupava, numa escala de valores, posição de menos relevo.

Você percebeu: apresentamos, até aqui, os traços defi nidores da esté-tica clássica. Mas precisamos acrescentar, ainda, algumas informações

importantes sobre a epopéia, a tragédia, a comédia e o lirismo, para que você possa conduzir-se, com segurança, rumo ao classicismo em

Portugal.

A epopéia é uma narrativa sem limites de extensão, com relativa unidade de ação, mas sem unidade de tempo e

de espaço. Trata de assuntos de larga dimensão humana e internacional, como guerras e viagens. Seus personagens

são de alta estirpe. Você entendeu? A epopéia, com seus versos heróicos e estilo elevado, expõe e analisa os problemas que afl igem as altas classes da antiguidade greco-latina.

A ação da epopéia se compõe de um nó e um desenlace principal com muitos nós e desenlaces secundários. Esse poema compreende: a proposição do assunto; a invocação das fontes de inspiração; a dedicatória; a narração (esta última começa no meio da ação – in media res – e o que aconteceu antes se rememora e termina com o epílogo).

O nó é a parte em que surge o problema. O desenlace é a parte em que enca-minha para uma solução. Ele se dá por meio de acontecimentos e informações. Quando o desenlace resulta da intervenção sobrenatural e provoca admiração e

surpresa, estamos diante do maravilho pagão ou cristão.

A Ilíada e a Odisséia, de Homero, e a Eneida, de Virgílio, são modelos para as novas epopéias, como Os Lusíadas, de Camões.

A tragédia é uma narrativa cuja ação vai da felicidade à infelicidade: ela termina mal, numa catástrofe, mas os atos de violência não se representam diante do público. Suas personagens situam-se acima do comum dos homens.

A comédia, por sua vez, imita a ação dos homens comuns. Ela vai da infelicidade para a felicidade: termina bem. Funda-se, em geral, num qüiproquó, num equívoco. Embora haja comicidade de palavras, gestos e situações, o riso não é essencial.

Quanto ao lirismo, o classicismo cultiva em particular a elegia (canto melan-cólico e doloroso), a ode (de inspiração pindárica e horaciana), o epigrama e,

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O classicismo português se abre e fecha com um poeta, Sá de Miranda e Camões. Numa visão de conjunto, este é o grande poeta, enquanto os demais se colocam em plano inferior, ofuscados por seu brilho. Por essa razão, estudaremos Camões nas próximas unidades, contemplando as vertentes lírica e épica de sua poesia.

sobretudo, o soneto que, embora de origem medieval, avulta e domina, sob a infl uência de Petrarca.

5.4 O Classicismo na Literatura Portuguesa

Entre os séculos XV e XVI, Portugal tornou-se um dos países mais importantes da Europa, por causa de seu papel decisivo no processo de expansão marítima e comercial.

O ano de 1527 marca o início das atividades da Escola Clássica na Literatura Portuguesa. Nesse ano, Sá de Miranda, depois de uma ausência de seis anos, regressa da Itália, onde fi zera contato com estudiosos impregnados das novas idéias. Traz, em sua bagagem, o verso decassílabo, o terceto, o soneto, a epís-tola, a elegia, a canção, a ode, a oitava, a égloga e a comédia clássica, tornan-do-se, assim, o principal divulgador da estética clássica.

O terreno era fértil. Por isso, o empenho de Sá de Miranda para contaminar seus confrades com as novidades literárias de origem italiana demorou pouco para alcançar êxito. Desse modo, os ideais clássicos predominaram em Portugal até a morte de Camões e à passagem de Portugal para o domínio espanhol, em 1580 (MOISÉS, 1999, p. 50).

No período clássico, a produção literária se enriqueceu e se diversifi cou em gêneros e escritores de importância:

Pensando sobre o assunto

POESIA PROSA TEATRO

Lírica: Luís Vaz de Camões e Sá de Miranda;Épica: Camões, com OsLusíadas.

- Novela sentimental: Bernardim Ribeiro, com Menina e Moça;

- Novela de cavalaria: João de Barros com Crônica do impe-rador Clarimundo, e Francisco de Morais, com Palmeirim da Inglaterra;

- Crônica histórica: João de Barros;- Literatura de viagens: Fernão Mendes Pinto, com Peregrinação.

Antônio Ferreira, com a tragédia Castro(a primeira peça de infl uência clássica em Portugal).

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Sugestão de fi lmes sobre o assunto da aula: Giordano Bruno, 1492 – A conquista do paraíso.

Saiba mais

Síntese da aula

A perfeição: traço básico do classicismo, a doutrina clássica; a linguagem no classicismo; classicismo e gêneros literários; o classicismo na literatura portu-guesa: período e produção literária.

Atividade

O Renascimento foi antecedido e preparado pelo Humanismo, que se caracterizava:

pela descoberta dos monumentos culturais do mundo greco-latino, particular-a)mente das obras escritas;

pelo confl ito entre carne e espírito;b)

pela utilização de estruturas paralelísticas na composição poética;c)

pela espontaneidade na criação das peças teatrais.d)

Comentário da atividade

Conforme você estudou nesta aula, o Humanismo, que antecede e prepara o Renascimento, é um movimento de cultura que abalou as últimas décadas da Idade Média e tem, entre suas características, a descoberta e o estudo dos monu-mentos da cultura greco-latina, em especial as obras escritas.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

MOISES, Massaud. (dir.). A Literatura Portuguesa em Perspectiva: trovadorismo e humanismo. vol. 1, São Paulo: Atlas, 1992.

Na próxima aula

Estudaremos a lírica camoniana, particularmente o soneto.

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Aula 6A lírica camoniana: sonetos

Objetivo

Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de:

identifi car as características da vertente lírica de poesia de Camões.

Pré-requisitos

A compreensão dos traços característicos da estética clássica renascentista e o contexto histórico que determinou a construção desses traços.

Introdução

Camões não foi apenas o poeta épico que celebrou a honra e a bravura portuguesa em Os Lusíadas (1572). Foi, também, um poeta lírico de primeira grandeza: em seus sonetos cantou tanto o amor quanto as contradições da exis-tência. Sua lírica representa a culminância de uma tradição poética iniciada no fi nal da Idade Média e que infl uenciaria toda a história da poesia de língua portuguesa de então até hoje.

Poeta de originalidade poderosa, a obra lírica do autor de Os Lusíadas infl uen-ciou a poesia barroca, a neoclássica, a romântica e também a moderna. Você já ouviu algum comentário envolvendo Camões e Vinícius de Morais, o autor do Soneto da Fidelidade? Claro que já: os apreciados sonetos amorosos de Vinícius são frutos da tradição camoniana.

6.1 Camões: aspectos do soneto

Platão e Aristóteles são a base teórica do Renascimento: neles estão as idéias mais importantes, arquitetura intelectual desse movimento estético e as orientações que deram sentido mais amplo à cultura européia dessa época. Boa parte da herança desses fi lósofos gregos chegava, indiretamente, aos estudiosos e artistas do Humanismo e do Renascimento. A descoberta, decifração e tradução direta dos textos desses fi lósofos foi uma das bases da revolução humanista, que se

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propagou para o Renascimento. De Platão, o Humanismo e oRenascimento aproveitaram, sobretudo, o idealismo.

Claro que você sabe que Idealismo é a tendência fi losófi ca que valoriza as idéias e o espírito, em detri-mento do mundo material. O idealismo crê que só nas idéias, só no trabalho abstrato do espírito, é que se pode encontrar a verdade e a correção das falhas humanas. O Idealismo herdado de Platão é uma fi losofi a que se inspira na separação rigorosa entre o mundo das coisas (o mundo sensível) e o mundo das idéias (o mundo inteligível). Para o platonismo, portanto, a experiência do mundo sensível é enganosa: só o trato das idéias é que elevaria o homem ao saber da verdade.

A tradição do platonismo insiste na existência de dois mundos: o “mundo incorporal das idéias” – onde repousam todos os modelos eternos de todas as coisas, sobretudo os modelos do Bem, do Belo e do Verdadeiro – e o mundo em que vivemos – que é o lugar em que se multiplicam erraticamente as cópias imperfeitas e degra-dadas daqueles modelos. O homem sábio é, pois, aquele que supera, pelo exercício das idéias, os apelos da matéria e da carne, enfi m, o homem sábio é o que submete o sensível ao inteligível (RODRIGUES, 1993, p. 11).

As concepções platônicas foram muito apreciadas no Humanismo e no Renascimento. Por isso, vão atuar, decisivamente, na concepção de mulher ideal, explorada na poesia lírica da época, particularmente nos sonetos, onde a mulher amada era representada como virtuosa, casta, elevada: o amor que ela inspi-rava nos renascentistas era, sobretudo, idealizante (platônico). Em Camões, a distância e a idealização da amada se materializam, poeticamente, nos tons da

saudade, entendida platonicamente: o desejo de ascender à formo-sura suprema, possível apenas em outras vidas ou no mundo

das idéias. Essa visão da mulher espiritualizada em Camões faz-se acompanhar de fortes sugestões eróticas, reveladas pelo intenso desejo de acesso às formas femininas (mesmo que isso seja dito discretamente).

Alma minha gentil, que te partiste

tão cedo desta vida, descontente,

repousa lá no céu eternamente

e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

memória desta vida se consente,

não te esqueças daquele amor ardente

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que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que podes merecer-te

alguma cousa a dor que me ficou

da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,

que tão cedo de cá me leve a ver-te

quão cedo de meus olhos te levou.

O Renascimento também valorizou as tradições judaica e cristã, assim como o Antigo e o Novo Testamento bíblicos. O fato de a época do Renascimento não acatar mais a ideologia clerical não quer dizer que os renancentistas não tenham tido fervorosa religiosidade. Da mesma forma, o fato de a Antiguidade grega e latina ter sido recuperada não significa que a Antiguidade bíblica tenha sido rejeitada. A lírica camoniana, por exemplo, contém grandes passagens de reve-rência religiosa ou de inspiração bíblica:

Sete anos de pastor Jacó servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

mas não servia ao pai, servia a ela,

que a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,

passava, contentando-se com vê-la;

porém o pai, usando de cautela,

em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos

lhe fora a si negada a sua pastora,

como se não a tivera merecida,

começa de servir outros sete anos,

dizendo: mais servira, se não fora

pera tão longo amor tão curta a vida!

Segundo Heráclito, toda a existência é constituída por contradições contínuas: nada fica sendo o que é, “tudo muda, ou seja, tudo entra em contradição com o que era antes. Assim, para Heráclito, o mundo não passaria de uma eterna guerra de contradições e mudanças.” (RODRIGUES, 1993, p. 31). Camões, inspirado em Heráclito, em alguns de seus sonetos fala da mudança e da contradição entre todas as coisas, e também de uma espécie de desconcerto do mundo, mudança dentro da própria mudança, expressão de um ritmo absurdo e degenerado do mundo:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

muda-se o ser, muda-se a confiança;

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Conheça a obra e a vida dos renascentistas Leonardo da Vinci e Michelangelo.

todo o mundo é composto de mudança,

tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

diferentes em tudo da esperança;

do mal fi cam as mágoas na lembrança,

e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

que já coberto foi de neve fria,

e, em mim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,

outra mudança faz, de mor espanto,

que não se muda já como soía.

A lírica exprime tenções fundamentais que vão das concepções de amor e mulher neoplatônica e sensual, passam pela espiritualidade e carnalidade, a vida traçada sem que

isso participe, a desordem do mundo, chegando, enfi m, à recordação do mundo ideal platônico. Essas

tenções, paradoxos e a visão de mundo revelam que Camões viveu em uma época de contradições, num

contexto cuja ordem é aristocrática e, simultaneamente, burguesa, num tempo em que a visão feudal e cristã do

mundo é abalada pela visão racional e burguesa sem que uma suceda a outra, mas, ao contrário,

ambas coexistem.

Saiba mais

Síntese da aula

Estudamos a lírica camoniana: sonetos. As concepções platônicas no Humanismo e no Renascimento. A valorização das tradições judaica e cristã e o desconcerto do mundo.

Atividades

1. Tudo que se diz a respeito de um texto literário, deve já estar dito nele de alguma maneira. Com base nessa informação, faça uma leitura do soneto abaixo:

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Amor é um fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói e não se sente;

é um contentamento descontente;

é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo Amor?

2. Produza uma pequena dissertação a partir da leitura que você realizou do soneto.

Comentário das atividades

Quando dissemos na proposição da tarefa que só se pode dizer sobre um texto literário aquilo que, de alguma forma, já está inscrito nele, estamos querendo dizer que você não pode afirmar qualquer coisa sobre um poema, por exemplo. Sendo assim, o soneto que apresentamos trata das contradições e mudanças do amor que, instável e nunca igual a si mesmo, impossibilita que o conceituemos com objetividade. Essa leitura está fundamentada em passagens, como: “o amor é ferida que dói e não se sente/ é um contentamento descontente/ é um não querer mais que bem querer”.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s. d.

MOISES, Massaud. (dir.). A Literatura Portuguesa em Perspectiva: classicismo, barroco, arcadismo. vol. 2, São Paulo: Atlas, 1993.

RODRIGUES, Antonio Medina. Sonetos de Camões: roteiro de leitura. São Paulo: Ática, 1993.

Na próxima aula

Estudaremos os episódios líricos da épica camoniana.

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Anotações

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Aula 7Os Lusíadas:

a epopéia portuguesa

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

conhecer os episódios líricos da épica camoniana.

Pré-requisitos

As características da estética clássica renascentista e o contexto histórico que determinou sua definição são importantes para a compreensão desta aula.

Introdução

Camões e Bocage são os dois poetas portugueses mais conhecidos no Brasil, o primeiro por ser o autor de Os Lusíadas, poema épico do qual todos nós, de uma forma ou de outra, já ouvimos falar; o outro por estar associado a um anedotário chulo de que ele certamente não é o autor, mas que o imaginário popular acredita que sim.

Em relação ao contexto lusíada, a tradição afirma que o povo português conhece o nome de dois poetas: Camões e Bocage. Este, por sua língua ferina e suas famosas anedotas (inspiradas em suas poesias eróticas); aquele, por seu amor à pátria.

Camões e Bocage tiveram uma juventude desregrada, envolveram-se em amores baixos e cortesãos e dissiparam essa juventude numa vida boêmia e arruaceira. Mas é também na juventude que buscam satisfazer suas necessidades culturais e sua sede de conhecimento. Existe até um poema autobiográfico de Bocage no qual ele compara sua sorte à de Camões. Você conhece esse texto? Uma leitura dele será bastante instrutiva. Localize-o e verá.

Esta aula, no entanto, tem Camões como objeto. Mesmo sabendo que você já o conhece, o objetivo do próximo tópico é apresentá-lo por meio de episódios de sua vida pessoal e intelectual.

Pouco se conhece da vida de Camões. Quando teria nascido, em 1824 ou em 1825? Teria freqüentado a vida palaciana na juventude, experiência que deixa

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traços marcantes em sua formação cultural. Acredita-se que, nesses anos de convi-vência na Corte, ele tenha podido acompanhar algum curso regular. Um fato, no entanto, é inegável: lê Homero, Horácio, Virgílio, Ovídio, Petrarca, Boscán, Garcilasso e outros.

Talentoso e culto, despertou paixões entre as damas da corte, e foi dester-rado algum tempo até tomar a decisão, em 1549, de exilar-se em Ceuta, como soldado raso, de onde regressa a Lisboa, para engajar-se no serviço militar ultramarino e chegar, em fi ns de 1553, à Índia. Foi preso várias vezes, acusado de dívida e prevaricação. Posto em liberdade, passa a viver miseravel-

mente, até que seu amigo Diogo do Couto o encontra e o reconduz à pátria, onde chega em 23 de abril de 1569.

Os Lusíadas foram publicados em 1572. Por essa obra, o poeta recebe uma pensão anual de 15.000 réis, que não o tira da miséria que o persegue até o fi m de sua vida. Morre pobre a 10 de junho de 1580.

Camões é grande, dentro e fora dos quadros literários portugueses, por sua poesia escrita à maneira medieval, tradi-cional, expressa nas redondilhas (medida velha); e à maneira clássica, renascen-tista (medida nova), que se subdivide em lírica (sonetos, odes, elegias, canções, églogas, sextinas e oitavas) e em épica (Os Lusíadas).

A obra camoniana revela uma variedade de formas que expressa uma variedade de temas: da tradição popular dos trovadores medievais “evolui” para formas diretamente influenciadas pelo classicismo, como as canções, sonetos, epopéia etc. O conflito cultural de uma época em que valores medievais se unem a valores renascentistas é outro traço marcante da obra camoniana.

7.2 Os Lusíadas

Os Lusíadas representam a faceta épica da poesia camoniana. Sincera e comovida reportagem do momento em que Portugal atingia o ápice de sua progressão histórica, rememoram e reavaliam a história do povo português, a partir dos acontecimentos ligados às descobertas marítimas, cujo objetivo era afi rmar a consciência nacional e a especifi cidade portuguesa em matéria de polí-tica e de religião.

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Você sabe a quem Camões pretendeu emparelhar sua epopéia? É com a Eneida, poema virgiliano, que ele pretende realizar essa façanha, a começar pela proposição, a seqüência dos episódios, o processo da ação, o Concílio dos deuses ou o sonho de D. Manuel.

O entrecho histórico fundamenta-se nas crônicas de João de Barros e Fernão Lopes de Castanheda e no roteiro da expedição de Vasco da Gama, escrito por Álvares Velho: (...) todos os episódios históricos são ligados à viagem, sem prejuízo, embora, da intervenção do lírico e do mitológico. (SILVEIRA, 1993, p. 28).

Saiba mais

A ação do poema, que tem como núcleo narrativo a viagem de Vasco da Gama, inicia-se in media res (no meio da viagem), com a frota de Gama percor-rendo a costa ocidental da África. Às personagens históricas, cabe relatar os acontecimentos passados; aos deuses, os acontecimentos futuros: deuses e deusas dividem a responsabilidade da ação futura dos portugueses no Oriente. Episódios heróicos, trágicos e gloriosos alternam-se nas vozes de Júpiter, Vênus, Tétis ou Adamastor.

Os Lusíadas contém 10 cantos, 1.102 estrofes ou instâncias e 8.816 versos. As instâncias estão organizadas em oitava rima, oito versos com o esquema rítmico abababcc. Os versos são decassílabos heróicos, com cesura na 6ª e na

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10ª sílabas, salvo variantes. Divide-se em três partes: introdução, narração e epílogo.

A ação do poema é o desenvolvimento do fato heróico. Na obra, há uma dupla ação histórica e uma ação mitológica. A primeira ação histórica, nós já conversamos sobre ela: trata-se da narração da viagem de Vasco da Gama à Índia e o seu regresso (1497-1499). A segunda ação histórica é a exposição da história de Portugal, desde as origens do Condado Portucalense, feita por Vasco da Gama ao rei de Melinde e por seu irmão, Paulo da Gama, ao catual. A ação mitológica compreende a luta travada entre Vênus, que protege os portugueses, e Baco, que os combatia.

Os episódios são, portanto, históricos e mitológicos. Os históricos contam a história de Portugal: A Batalha de Ourique, no canto III, e a Batalha de Aljubarrota, no canto IV. Os episódios mitológicos se fundamentam na mitologia pagã: O Concílio dos Deuses no Olimpo, no canto I; ou o episódio em que Vênus pede a Júpiter proteção para os portugueses, no canto II.

Há, no entanto, outros tipos de episódio: os líricos. No canto III, instâncias 118-135, temos o episódio de Inês de Castro. No canto IV, instâncias 88-104, o episódio do Velho do Restelo. No canto V, instâncias 37-61, o episódio do Gigante Adamastor. No canto IX, instâncias 64-83, o episódio da Ilha dos Amores.

Os Lusíadas apresentam diversas passagens que confl itam com o gênero épico e se aproximam do gênero lírico. Esses são os momentos mais apreciados pelos leitores atuais que preferem não se debruçar sobre o ideário ofi cial da expansão quinhentista portuguesa presente na maior parte do poema. Assim como, em outras épocas, eram outras as passagens do poema as preferidas pelos leitores, os episódios mais consagrados pela sensibilidade atual são o de Inês de Castro (Canto III, 118-135), o do Velho do Restelo (Canto IV, 88-104), o do Gigante Adamastor (Canto V, 37-61) e o da Ilha dos Amores (Canto IX, 64-83).

O episódio de Inês de Castro

Camões, como poeta Clássico, estudava o efeito que pretendia despertar nos leitores. No caso do episódio de Inês de Castro, os

efeitos mais importantes, entre os almejados, são a piedade e o terror: os eleitores desse episódio compadecem-se da infelicidade de Inês. Sabe por quê? Porque ela se uniu ao príncipe D. Pedro por causa do amor e em busca da felicidade, mas foi surpreendida pela dor, pela ira, pelo abandono e sofrimento, culminados com a morte. Isso provoca piedade, que se confunde com compaixão; e terror, que decorre do medo, originado da consciência de que ninguém está livre de contratempos semelhantes ao dessa

mulher. Ao lado da piedade e do terror, a indignação e ódio,

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Em sua juventude, Inês vivia, sossegadamente, em Coimbra, imensamente dominada pelas breves felicidades do amor, chorando de alegria e suspirando o nome de Pedro, às margens do rio Mondengo (CAMÕES, 2001, p.109).

associados a D. Afonso IV e a seus conselheiros, também são explorados, uma vez que “[...] o leitor deveria sentir misericórdia pelos amantes e indignação pelas pessoas que inviabilizaram o amor entre eles” (CAMÕES, 2001, p. 78).

Este é um dos episódios mais instigantes de Os Lusíadas: provoca piedade e terror, indignação e ódio, e também por ser profundamente arraigado às tradi-ções populares portuguesas. A leitura desse episódio é uma aventura inesquecível, seja por seus aspectos humanos, seja por seus aspectos históricos ou estéticos. Por isso, vamos apresentar um extrato dele e remeter você ao sítio www.dominiopu-blico.gov.br , onde poderá encontrar não só o episódio de Inês de Castro, mas todos os demais tratados aqui. Está pronto para a leitura? Então vamos lá ...

Estavas, linda Inês, posta em sossego,

De teus anos colhendo doce fruito,

Naquele engano da alma, ledo e cego,

Que a fortuna não deixa durar muito;

Nos saudosos campos do Mondego,

De teus fermosos olhos nunca enxuito,

Ao monte ensinado e às ervinhas

O nome que no peito escrito tinhas.

Saiba mais

Episódio do Velho do Restelo

Restelo é o nome de uma praia. Dessa praia, no dia 8 de julho de 1497, Vasco da Gama partiu com sua frota, em busca do caminho marítimo para a Índia: a chegada ao Extremo Oriente só era possível pelo Mar Mediterrâneo e pelas terras do Oriente Médio; a rota mediterrânea estava agora sob o domínio árabe e era essencialmente medieval, com vantagens parciais para os países ibéricos. Convinha a Portugal, portanto, evitar a tradição e instaurar um novo caminho. D. Manuel, o Venturoso, representado por Vasco da Gama, toma a iniciativa de enfrentar o Mar Tenebroso.

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Você compreendeu o que essa estrofe está dizendo? Tem certeza? Mesmo assim, vou lhe dar a “tradução” dela. Para manifestar tristeza e saudade antecipada, naquele dia, todas as pessoas da cidade, compareceram a praia do Restelo. Uns para se despedir de amigos. Outros para se despedir de parentes. Outros, ainda, apenas para ver a partida. Enquanto a multidão se aproximava, os marinheiros (nós no caso), acompanhados de muitos religiosos, caminhávamos para os batéis, rezando em procissão.

O episódio do Velho do Restelo é um fragmento da seqüência conhecida como a Partida das Naus. Nele, narra-se o embarque ofi cial dos navegantes, que se faz anteceder de procissão solene e despedidas espontâneas. O Velho do Restelo é uma entre as inúmeras pessoas que se amontoaram na praia para se despedir dos navegantes: mães, esposas, fi lhas, crianças, meninos e velhos. Por não concordar com a viagem, por entendê-la desnecessária à segurança do povo, esse Velho era contrário à expansão geográfi ca: julgava que a estabilidade devia decorrer não do comércio exterior, mas do fortalecimento interno da nação. Em face disso, só podia compreender aquela aventura como fruto do desejo de mando e da ambição de glória.

Vejamos, agora, uma estrofe desse episódio, para que você, entusiasmado que já está com a leitura do episódio de Inês de Castro, possa ampliar sua empol-gação pela literatura clássica portuguesa. Pronto para a aventura?

A gente da cidade, aquele dia,

(Uns por amigos, outros por parentes,

Outros por ver somente) concorria,

Saudosos na vista e descontentes,

E nós, co’a virtuosa companhia

De mil religiosos diligentes,

Em procissão solene, a Deus orando,

Pêra os batéis viemos caminhando.

Saiba mais

Você quer conhecer o episódio inteiro, seu signifi cado e estrutura? Sabe onde encontrá-lo? No sítio www.dominiopublico.gov.br você poderá encontrar todo o texto de Camões.

O Episódio do Gigante Adamastor

A essência narrativa do Gigante Adamastor é a seguinte: a armada de Vasco da Gama, tendo deixado a Baía de Santa Helena, prosseguiu viagem rumo ao extremo sul do continente africano. Ao chegar ao limite (Cabo da Boa Esperança, hoje), os navegantes portugueses foram surpreendidos por um anúncio: desco-munal tempestade estava a caminho, seu perigo se anuncia por meio de uma

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grande nuvem negra. Subitamente, essa nuvem se confunde com a figura de um gigante de elevada estatura.

“Com o aspecto de morto-vivo e com ares de que estivera longamente soterrado nas profundas cavernas do oceano, o gigante causou temor em toda a população, composta dos mais corajosos navegantes de Portugal” (CAMÕES, 2001, p.180). Depois de amedrontar a tripulação, o gigante faz profecias sobre os futuros navegantes que viessem a tocar aquela ponta da terra. Essas profecias não são otimistas. Dentre elas, podemos destacar três

acidentes que ocorreram depois da viagem de Vasco da Gama (1497-1499): a morte de Bartolomeu Dias no Cabo da Boa Esperança, em 1500; a morte de D. Francisco de Almeida, em 1503, Cabo das Tormentas; e o naufrágio de Manuel de Sousa Sepúlveda, no Natal de 1552. O acidente mais famoso da aventura marítima portuguesa.

O gigante, depois de profetizar a tragédia de Sepúlveda, foi interrompido por Vasco da Gama, que o questiona sobre sua identidade. Ele responde por meio de um breve relato de sua vida, afirmando ser um dos Titãs que tentaram destronar Júpiter. O castigo que recebera por essa façanha foi ter seu corpo transformado no Cabo das Tormentas, hoje Cabo da Boa Esperança. A história do Gigante Adamastor pode ser entendida como alegoria dos perigos do mar, de seus mistérios e de sua imprevisibilidade. O sítio www.dominiopublico.gov.br é o endereço onde, também, você encontra o episódio do Gigante Adamastor completo. Nas próximas linhas, no entanto, vamos presenteá-lo com um pequeno fragmento dele, para que você possa deliciar-se, antecipadamente, com mais um dos episódios ainda vivos de Os Lusíadas.

Não acabava, quando uma figura

Se nos mostra no ar, robusta e válida,

De disforme e grandíssima estatura,

O rosto carregado, a barba esquálida,

Os olhos encovados e a postura

Medonha e má e a cor terrena e pálida,

Cheios de terra e crespos os cabelos,

A boca negra, os dentes amarelos (CAMÕES, 2001, p. 205).

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Você gostaria de ler o mesmo texto num português mais claro, não gostaria? Pois vai aí uma pequena “tradução”: eu mal acabava de falar, quando surge no ar a fi gura de um ser humano monstruoso, um morto-vivo acabado de sair do fundo do mar. Forte e muito alto, tinha o rosto carrancudo, a barba suja, os olhos rojos e os gestos ameaçadores. A cor de seu rosto era pálida e lembrava a terra. Seus cabelos eram crespos e estavam sujos de terra. A boca era negra e cheia de dentes amarelos.

Saiba mais

O Episódio da Ilha dos Amores

O episódio da Ilha dos Amores costuma ser interpretado como um prêmio da deusa Vênus aos esforços de Vasco da Gama na conquista do caminho marítimo para as Índias. Os navegantes portugueses envol-vem-se numa verdadeira apoteose: amam as deusas mais bonitas e sensuais do oceano, atingem uma espécie de conhecimento exclu-sivo aos deuses e vislumbram o próprio Deus cristão como centro da Máquina do Mundo, apresentado aos navegantes por Tétis.

A Ilha dos Amores representa, também, um prêmio ao esforço humano. Camões a coloca no fi nal de Os Lusíadas, por duas razões: como prêmio à navegação do mar e como exaltação à navegação do espírito.

Como no caso dos outros episódios, é no www.dominiopublico.gov.br que você encontrará, completo, o da Ilha dos Amores. Mas espere um pouco: vamos ler agora um breve extrato do episódio para que você potencialize seu entusiasmo para ir ao encontro de uma das peças mais bonitas da literatura universal.

Nesta frescura tal, desembarcavam

Já das naus os segundos Argonautas,

Onde pela fl oresta se deixavam

Andar as belas Deusas, como incautas.

Algumas, doces cítaras tocavam,

Algumas, harpas e sonoras frautas;

Outras, cos arcos de ouro, se fi ngiam

Seguir os animais que não seguiam (CAMÕES, 2001, p. 261).

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Sugestão de fi lmes sobre o assunto da aula: Cristóvão Colombo e A fúria dos titãs.

Você precisa da “tradução” dessa estrofe? Claro que não, mas para manter o padrão do texto, optamos por apresentá-la: nesta ilha tão agradável (fresca), os portugueses, tão bons navegadores quanto os antigos Argonautas, já desembarcavam das naus. Era um lugar onde lindas Deusas passeavam pelas fl orestas, simulando despreocupação, como se ignorassem a chegada próxima dos portugueses: algumas tocavam cítaras; outras, harpas e fl autas sonoras; outras simulavam caçar com seus arcos de ouro.

Saiba mais

A épica é a poesia que trata de assunto grandioso e heróico, de aconte-cimentos históricos. Camões, em Os Lusíadas, mesmo tendo como referência Eneida, de Virgílio, e a Odisséia, de Homero, imprime inovações ao gênero épico. No entanto, os episódios que despertam o interesse dos leitores contempo-râneos são os líricos: Inês de Castro, Velho do Restelo, Gigante Adamastor e Ilha dos Amores.

Saiba mais

Síntese da aula

Episódio da vida pessoal e intelectual de Luiz Vaz de Camões. Os Lusíadas: temática e estrutura. Episódios líricos: Inês de Castro, Velho do Restelo, Gigante Adamastor e Ilha dos Amores.

Atividades

1. Considere as afi rmativas abaixo sobre Luiz de Camões e Os Lusíadas:

I. A exemplo das epopéias clássicas, Os Lusíadas também destacam as ações de um herói, Vasco da Gama, cuja ousadia chega a desafi ar os deuses.

II. Os Lusíadas obedecem ao padrão das epopéias clássicas, contendo as quatro partes tradicionais: proposição, invocação, narração e epílogo.

III. Em Os Lusíadas há a presença de dois tipos de maravilhoso: o pagão e o cristão.

I e III estão corretas;a)

II e III estão corretas;b)

I e II estão corretas;c)

I, II e III estão corretas.d)

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2. Em Os Lusíadas, Camões:

narra a viagem de Vasco da Gama às Índias;a)

critica a ambição dos portugueses que abandonam a pátria para buscar b)ouro e glória em terras distantes;

afasta-se dos modelos clássicos e cria a epopéia lusitana, inteiramente c)original para a época;

amenta que, mesmo tendo dominado os mares e descoberto novas terras, d)Portugal seja subjugado pela Espanha.

3. Leia o trecho abaixo e responda ao que se pede:

Tirar Inês ao mundo determina,

Por lhe tirar o filho que tem preso,

Crendo c’o sangue só da morte ladina

Matar do firme amor o fogo aceso.

Que furor consentiu que a espada fina,

Que pôde sustentar o grande peso

Do furor Mauro, fosse alevantada

Contra hûa fraca dama delicada?

O rei Afonso IV decide matar Inês de Castro para liberar seu filho, D. a)Pedro, do amor que o prendia a ela;

Afonso IV decide matar Inês de Castro para evitar que seus filhos com D. b)Pedro dividam a fortuna da coroa;

Afonso IV decide matar Inês de Castro porque ela estava articulando um c)golpe para chegar ao trono;

Afonso IV decide matar Inês de Castro porque ela havia provocado o d)adultério de D. Pedro.

Comentário das atividades

Na atividade 1, a afirmativa II está errada porque a estrutura clássica da epopéia compreende: proposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo. Por isso, a letra (a) é a alternativa correta.

Na atividade 2, a alternativa (a) está correta porque o texto narra a viagem de Vasco da Gama às Índias. A alternativa (b) está incorreta porque a crítica à expansão marítima portuguesa só é feita pela reflexão do Velho do Restelo e não se configura no objetivo de Os Lusíadas. A alternativa (c) está incorreta porque o texto camoniano inspira-se na Eneida, de Virgílio. A alternativa (d) está incorreta porque em Os Lusíadas há a idéia da conquista marítima portuguesa.

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Para resolver a atividade 3, é importante nos lembrarmos da idéia de que só se pode dizer do texto literário aquilo que já está inscrito nele de alguma maneira. Por isso, analisando os quatro primeiros versos, concluímos que a alternativa correta é a letra (a).

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

CAMÕES, Luiz Vaz de. Os Lusíadas. Cotia, SP: Ateliê, 2001.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s. d.

MOISES, Massaud. (dir). A Literatura Portuguesa em Perspectiva: classicismo, barroco, arcadismo. vol. 2, São Paulo: Atlas, 1993.

Na próxima aula

Estudaremos a Estética Barroca e o Barroco em Portugal.

Anotações

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Aula 8O Barroco em Portugal

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

relacionar o Barroco com o Classicismo e perceber as permanências e as transformações de uma em relação a outra.

Pré-requisitos

No estudo do Barroco, os aspectos formadores do Renascimento, Reforma e Contra-Reforma: Companhia de Jesus e Santa Inquisição constituem o conheci-mento básico para a compreensão da literatura barroca, trabalhada nesta aula.

Introdução

D. Sebastião desaparece em Alcácer-Quibir em 1578. Era chegado o fim das grandezas conquistadas a partir da tomada de Ceuta (1415), por meio do caminho marítimo para as Índias (1498), da descoberta do Brasil (1500) e de outros acontecimentos que configuraram a expansão ultramarina portuguesa.

Em 1580, após dois anos de lutas sucessórias, Felipe II da Espanha, herdeiro mais próximo da Coroa, anexa Portugal a seus domínios e domina o país vizinho ao longo de 60 anos, até 1640. Ainda em 1580, falece, em plena miséria, Luiz Vaz de Camões. Esses dois acontecimentos marcam o crepúsculo de um mundo e a alvorada de outro: termina a Renascença em Portugal e tem início a extensa época do Barroco, que se estende por todo o século XVII, atingindo os meados do século XVIII. Nesse período, a cultura portuguesa baixa de tom, hiberna e passa a remoer pensamentos, ora de revolta, ora de misticismo, num alheamento que se pode atribuir à necessidade nacionalista de reconquistar a liberdade ou à exacerbação do sentimento religioso.

O vocábulo “barroco” tem etimologia duvidosa: originalmente, designava um tipo de pérola de formato irregular; de acordo com a filosofia escolástica, um esquema mnemônico, próprio para facilitar a memorização. Com o tempo, passou a significar todo sinal de mal gosto; finalmente, a cultura do século XVII e princí-pios do século XVIII. O movimento barroco origina-se na Espanha e é introduzido

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em Portugal durante o reinado fi lipino. Por corresponder a uma profunda trans-formação cultural, sobre cujas raízes ainda não se tem posição consensual, seu contorno é profundamente instável.

O Barroco, para alguns estudiosos, é a arte da Contra-Reforma: suas carac-terísticas básicas serviram aos objetivos doutrinários e pedagógicos da Igreja na luta ante-reformista: a Contra-Reforma, segundo esses estudiosos, teria absorvido a estética barroca e feito dela “[...] uma espécie de estratégia de ação categori-

zadora, de onde o caráter pragmático assumido pelas expressões da arte barroca, particularmente as em prosa” (MOISÉS,

1999, p. 73). O Barroco é um fenômeno artístico cronologicamente delimitado: sua gênese remonta

a meados do século XVI e enraiza-se na crise espi-ritual, moral e cultural desencadeada pelo progresso

e pela decomposição dos valores da Renascença. Essa crise envolve os dois meios de conhecimento da realidade

visceralmente antagônicos: de um lado, o avanço e desen-volvimento das ciências; do outro, o imobilismo e o retrocesso da religião. Em face disso, pode-se dizer que, nesse momento, a Cruz e o Telescópio – leia-se: a Fé e a Ciência – disputavam

o domínio do mundo.

8.1 Características fundamentais da estética barroca

Você deve estar se perguntando: quais as características fundamentais da estética barroca? São as seguintes:

tentativa de fundir, numa unidade, as duas linhas de força do pensamento europeu do século XVI: a visão do mundo medieval, de base teocêntrica, e a ideologia clássica, renascentista, pagã, terrena e antropocêntrica;

a espiritualização da carne e a carnalização do espírito;

esforço para conciliar o claro e o escuro, a matéria e o espírito, a luz e a sombra, visando a anular, pela unifi cação, a dualidade do ser humano, dividido entre os apelos do corpo e os da alma.

Esse embate entre os dois pólos fundamenta-se no problema do conhecimento da realidade: a dicotomia barroca (corpo e alma, luz e sombra etc.) corresponde a dois modos de conhecimento:

O conhecimento far-se-ia pela descrição dos objetos, num estado de delírio cromático, em que se procurava saber o “como” das coisas. Conhecer seria, portanto, descrever. Essa tendência, por utilizar metáforas e imagens para todos os sentidos (sinestesia), manifesta-se principalmente na poesia e recebe o nome de Gongorismo (Gôngora, poeta espanhol, é seu primeiro

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representante). Os adeptos do cultismo (outro nome que recebe esta forma de produção do conhecimento) optam por uma linguagem rebuscada, especiosa e rica, alcançada pelo uso de neologismos, hipérbatos, trocadi-lhos, dubiedades e todas as outras figuras de sintaxe que tornam o estilo pesado, tortuoso e alambicado;

O segundo modo pressupõe a análise dos objetos para lhes conhecer a essência, saber o que são, conceituá-los. A inteligência e a Razão, sem prejuízo dos sentidos, são as armas utilizadas para atingir esse obje-tivo. A ordem racionalista, lógica, discursiva substitui o caos plástico da descrição gongórica. Trata-se, portanto, de uma corrente expressiva apropriada à prosa: a logicidade não constitui atributo inerente à poesia. Esse modo recebeu a denominação de Conceptismo. Seu representante típico foi Quevedo:

(...) Gongorismo e conceptismo constituem tendências interinfluentes e contemporâneas, inclusive num mesmo escritor: ao mesmo tempo em que o Gongorismo utiliza, por vezes, o processo conceptual, o Conceptismo lança mão dos recursos figurados de linguagem que fazem o apanágio da poesia gongórica. Em muitos casos, torna-se mesmo difícil estabelecer distinção nítida entre os dois procedi-mentos. (MOISÉS, 1999, p. 74)

Para facilitar sua compreensão sobre a Estética Barroca, apresentamos, no quadro abaixo, uma pequena comparação dos modos como é vista a realidade no Renascimento e no Barroco.

NO RENASCIMENTO A REALIDADE É: NO BARROCO A REALIDADE É:

1) linear – sentida pela mão;2) composta em plano, de jeito a ser sentida;3) partes coordenadas de igual valor;4) fechada, deixando fora o observador;5) claridade absoluta.

1) pictória – seguida pela vista;2) composta em profundidade, de jeito a ser

seguida;3) partes subordinadas a um conjunto;4) aberta, colocando dentro o observador;5) claridade relativa.

Fonte: Silveira, 1987, p. 15.

A literatura barroca, como meio de conhecimento da realidade, exige do artista sentidos e razão aguçados e uma linguagem capaz de traduzir as analo-gias e os contrastes. Sobretudo, capaz de traduzir as analogias nos contrastes.

8.2 Barroco em Portugal

O Barroco em Portugal delimita-se entre 1580 – ano da morte de Camões e da anexação de Portugal à Espanha – e 1756 – ano da fundação da Arcádia Lusitana. Reflete, portanto, os anseios mais amplos do período no qual está circunscrito e os condicionamentos particulares de sua índole, psique, cultura e situação sociopolítica.

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Se a ideologia corrente do Barroco resultou do movimento espiritual desenca-deado pela Contra-Reforma (Santo Ofício e Companhia de Jesus), com o objetivo de reaproximar o homem e Deus, o celestial e o terreno, o religioso e o profano, conci-liando as heranças medieval e renascen-tista, como teria sido no caso específico da Literatura Portuguesa? Nesse caso, eviden-cia-se o predomínio do religioso e do espi-ritual, com clara tendência para a intros-pecção: o ambiente espiritual e intelectual fora marcado pela ideologia contra-refor-mista, reforçada pelos atos da Companhia de Jesus e da Inquisição, além de ter sido profundamente depressivo, por causa da

derrota de Alcácer-Quibir e da morte de D. Sebastião, no último quartel do século XVI, o que resulta no longo período de dominação política da Espanha.

A esse conjunto de incidentes soma-se a morte de Camões. Resultado: as letras portuguesas sofrem um processo de desfibramento do poder criador. O sopro viril da arte renascentista e o apego aos modelos greco-latinos desapa-recem. Em contrapartida, a forma e os recursos expressivos alcançarão uma perfeição incomum.

O quadro do barroco lusitano não ficaria completo se a proliferação das acade-mias literárias não forem consideradas. Fenômeno que se manifestou em quase todas as literaturas do tempo, as academias eram redutos de intelectuais, sobretudo de oradores e poetas medíocres. Elas explicam a existência de um clima espiritual domi-nado pelo exercício das vaidades literárias e da valorização de escritos e palestras sem autenticidade. Essas academias pouco realizaram de real importância estético-criadora. Delas, apenas três merecem ser lembradas: a Academia dos Generosos, a Academia Real de História Portuguesa e a Academia Pontifícia. Mas o melhor da literatura do tempo foi realizado fora dessas agremiações literárias.

8.3 A produção literária no barroco português

D. Sebastião desaparece em Alcácer-Quibir, em 4 de agosto de 1578. Em conseqüência, Portugal perde a autonomia política em 1580. Esses dois fatos, já considerados acima, foram os responsáveis diretos pelo clima de abatimento e pessimismo que levou a nação lusíada a voltar-se para o seu passado, suas raízes, sua cultura. Nasce daí a exaltação patriótica que vai limitar-se com o fanatismo religioso. O anseio de libertação resultou num rol de obras engajadas

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e patrióticas, com o objetivo de consagrar e ressaltar a superioridade lusa sobre os castelhanos usurpadores do trono. Essa resis-tência lusitana que tinha como foco a restau-ração e o soerguimento do reino, serviu-se de gêneros literários, tais como: a epopéia, a historiografia, a epistolografia, o sermão e os escritos proféticos.

Os escritores mais importantes do Barroco português são: Padre Antônio Vieira (cartas, sermões e profecias); Francisco Rodrigues Lobo (Arte de furtar e Fênix Renascida); D. Francisco Manuel de Melo (Auto do Fidalgo Aprendiz, Cartas Familiares e Carta de Guia de Casados); Pe. Manuel Bernardes (Nova Floresta); Manuel de Sousa Coutinho ou Frei Luís de Sousa (Vida de Frei Bartolomeu dos Mártires); António José da Silva, “o Judeu” (Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do gordo Sancho Pança e Guerras do

Alecrim e da Manjerona) e Sóror Mariana Alcoforado (Cartas Portuguesas).

Nesta aula, pretendemos que você entre em contato com Padre Antônio Vieira e seus sermões sobre a Quarta-Feira de Cinzas, que tratam do aprendizado cristão da vida e da morte, textos que, além de representarem de forma magistral o conflito barroco, a dualidade entre carne e espírito, o material e o espiritual, colo-ca-nos a questão de que nossos atos serão julgados por Deus e o temor de que sejamos conde-nados ao inferno, fatos que, por si só, indicam a atualidade da

ideologia barroca. Esses sermões encontram-se completos no sítio www.domi-niopublico.gov.br, onde você encontrará, também, dados bibliográficos do autor. Escolha um deles para ler integralmente.

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Sugestão de fi lmes sobre o assunto da aula: Caravaggio (sobre um dos mais importantes pintores do pré-Barroco). Ouça a música de Vivaldi, a mais célebre música barroca.

Saiba mais

Síntese da aula

Barroco em Portugal: aspectos históricos, características fundamentais. A produção literária barroca portuguesa: autores e obras.

Atividades

1. O Barroco literário apresenta dois estilos: o cultismo e o conceptismo. Associe:

(1) Cultismo

(2) Conceptismo

( ) linguagem rebuscada

( ) estilo utilizado por Vieira

( ) retórica aprimorada

( ) valorização do promenor

( ) raciocínio lógico

2. Sobre o Barroco português, analise as assertivas a seguir e marque verda-deiro ou falso:

( ) O eixo ideológico fundamental do Barroco é o confl ito entre duas visões de mundo: o teocentrismo e o antropocentrismo.

( ) O Barroco em Portugal corresponde ao período da expansão ultramarina.

( ) Sóror Mariana Alcoforado é a autora das Cartas Portuguesas, uma das obras importantes do Barroco português.

( ) O Barroco português e o brasileiro não apresentam nada em comum.

Comentário das atividades

Na atividade 1, a seqüência correta é: 1, 2, 1, 1, 2. Para você confi rmar, reveja a parte da aula que trata do cultismo e do conceptismo.

Na atividade 2, a seqüência correta é: VFVF. A segunda é falsa porque o Barroco corresponde ao período do domínio espanhol (1580-1640). A última também é falsa porque a Literatura Colonial Brasileira é, segundo vários historia-dores, uma espécie de extensão da Literatura Portuguesa.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

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LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s. d.

MOISES, Massaud. (dir). A Literatura Portuguesa em Perspectiva: classicismo, barroco, arcadismo. vol. 2, São Paulo: Atlas, 1993.

SILVEIRA, Francisco Maciel. Literatura Barroca. São Paulo: Global, 1989.

Na próxima aula

Estudaremos Arcadismo ou Neoclassicismo em Portugal.

Anotações

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Aula 9Arcadismo ou Neoclassicismo

em Portugal

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

relacionar o Arcadismo com os movimentos que o antecederam e perceber a vitória do Racionalismo na retomada dos valores renascentistas.

Pré-requisitos

Ao chegarmos à discussão do período neoclássico, é importante que se compreenda o conhecimento do percurso feito pelo Humanismo, Renascimento e Barroco.

Introdução

Na segunda metade do século XVIII, grandes transformações agitam toda a Europa, particularmente a França. Especificamente no campo ideológico, verifi-ca-se a instalação do pensamento enciclopédico de D’Alambert, Diderot e Voltaire, em 1751, quando o primeiro publicou o Discours Préliminaire de l’Enciclopédie.Desde então, essa obra foi considerada como início de um processo cujo ápice foi a Revolução Francesa de 1789, símbolo de uma nova era na história da humanidade. “O Iluminismo francês, baseado no culto das ciências, da Razão e do progresso, impregnou larga audiência de intelectuais pelos quatro cantos do mundo” (MOISÉS, 1999, p. 95).

Assiste-se, portanto, à agonia da Idade Moderna e ao nascimento de conceitos que marcariam a Idade Contemporânea. É um momento de virada na história da humanidade. É um momento de crise da consciência européia. No contexto dessa crise, fenecem valores sócio-político-econômicos e artísticos renascentistas e, ao mesmo tempo, nascem concepções geradoras da grande revolução cultural do século XIX: o Romantismo.

9.1 Características do Arcadismo ou Neoclassicismo

Fundamentalmente antigongórico, o Arcadismo ou Neoclassicismo tinha como lema a seguinte expressão latina: Inutilia truncat (cortar as inutilidades). Pretendia,

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com isso, cortar os exageros, o rebuscamento e a extravagância característicos do Barroco e retornar ao estilo literário mais simples, em que prevalecesse o realismo burguês, compreendido como o gosto do que na natureza física ou

moral é surpreendido pela observação.

Os clássicos greco-latinos e os renas-centistas são os modelos seguidos. Julgando que a poesia barroca era a manifestação do desequilíbrio e da decadência dos valores clássicos, os árcades querem restaurar a supremacia da autêntica poesia clássica. Para realizar essa façanha, empreendem uma viagem no tempo em busca das fontes originárias do Classicismo: desprezam o Barroco e se detêm no século XVI e dele assimilam o pastoralismo e a poesia camo-niana. Em seguida, saltam por sobre os séculos medievais e chegam à antigüidade greco-latina, ponto final da viagem. Aqui está a mitológica Arcádia, região grega de

pastores e poetas, vivendo numa Natureza sempre idílica, onde localizam seus sonhos de plenitude poética.

Mas a mitologia pagã foi retomada apenas como elemento estético (razão de a escola tornar-se conhecida também como Neoclassicismo). A frase de Horácio Fugere urben (fugir da cidade) e a teoria de Rousseau sobre o “bom selvagem” inspiraram os árcades, que se voltaram para a natureza, em busca de uma vida mais simples, bucólica e pastoril: era a procura do locus amoenus, um refúgio ameno, em oposição aos centros urbanos, o que revelava uma disputa de classe: do burguês culto contra a aristocracia.

Mas atenção: esse objetivo configura apenas um estado de espírito, uma posição política e ideológica, porque todos os árcades viviam nos centros urbanos. Burgueses que eram, seus interesses econômicos encontravam-se nas cidades. Percebe-se, portanto, uma contradição entre a realidade do progresso urbano e o mundo bucó-lico idealizado por eles, o que justifica falar em “fingimento poético” no Arcadismo. Esse fato transparece no uso dos pseudônimos pastoris: Elmano Sadino, por exemplo, é o pseudônimo adotado pelo poeta Manuel Maria Barbosa Du Bocage.

Para facilitar sua compreensão e assimilação dessas características, vamos realizar uma espécie de resumo do que foi exposto acima:

os árcades erguem suas doutrinas com base no mito da Arcádia, destruindo, assim, a prática do mau gosto, instituída pela poesia barroca, e procurando construir obra semelhante à dos clássicos antigos;

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a imitação dos modelos greco-latinos é, portanto, a primeira característica a ser considerada na estética arcádica; as demais são fruto do desenvol-vimento dessa idéia matriz: elogio da vida simples; fuga da cidade para o campo (fugere urbem); desprezo do luxo, das riquezas e das ambições que enfraquecem o homem; elogio da vida serena, plácida, pela supe-ração dos apetites menores; elogio da velhice; elogio da espontaneidade primitiva, pré-civilizada.

Portugal, apesar da tradição ideológica fundamentada em dogmas e prin-cípios imutáveis, quase sempre de estrutura medieval, conseguiu acompanhar as mudanças de além-Pirineus. Em primeiro lugar, graças ao apoio de D. João IV (1707-1750), a Luis Antônio Verney (1713-1792) propõe a reforma geral do ensino superior em Portugal, tendo as idéias iluministas por base. Com Verney entra em crise o ensino religioso e medieval predominante nas escolas portuguesas.

A universidade é reformada. A partir de 1759, com a expulsão dos Jesuítas, a escolaridade vai, aos poucos, tornando-se laica e aberta às novas idéias que circulavam pela Europa, rompendo, assim, com o cerco de quase dois séculos, nos quais a influência espanhola era marcante. Marquês de Pombal, ministro de D. José I, promoveu uma série de medidas, com um objetivo: colocar Portugal no nível da cultura européia, particularmente da francesa. Para isso, incrementa a instalação do ideário iluminista, mas adaptando-o às suas diretrizes individua-listas e ditatoriais. Importa professores estrangeiros, fato que agita intensamente a Universidade e suas atividades científicas e filosóficas.

Pombal, então, combateu os Jesuítas, expulsou-os do Império e transferiu o poder de censura da Inquisição para o Estado. Além disso, laicizou o ensino, estimulou as atividades manufatureiras, reforçou o poder mercantil e o monopólio colonial luso, mas não teve êxito ao romper a dependência que a nação portu-guesa tinha dos britânicos: “[...] Portugal nunca dera ensejo à formação de uma burguesia minimamente poderosa, de ofícios, indústrias e cabedais financeiros, que pudesse servir de base às reformas pombalinas” (LAJOLO, 1980, p. 94). A liderança da sociedade portuguesa continuava nas mãos de uma aristocracia cortesã e perdulária, a quem Pombal não combateu devidamente, porque não dispunha de outros apoios políticos.

Com a morte de D. José I, em 1777, Pombal caiu em desgraça, e a sociedade portuguesa pouco havia mudado, efetivamente: as mudanças de superfície e o frágil sopro da Ilustração serviram apenas para evidenciar o atraso e a tacanhice lusitana dos anos finais do século XVIII. Sob a influência da velha aristocracia, expurgada por Pombal, processou-se a “Viradeira”: a anulação das reformas pombalinas. Os Jesuítas voltaram a ensinar e a influenciar as mentalidades da

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elite. Os letrados adeptos de Pombal caíram em desgraça e instalou-se uma fúria repressiva contra os pedreiros-livres, os vendedores de livros e os queixosos em geral. Até mesmo a política exterior foi de trevas, e D. Maria I tomou parte na aliança contra a França revolucionária, o que implicou gastos com o exército português em níveis que abalaram ainda mais as enfraquecidas fi nanças do Estado. A população portuguesa, fora do palácio, vivia sua miséria e seu atraso, sem grandes horizontes, como uma insignifi cante minoria de pedreiros-livres a conspirar inutilmente.

Pina Manique, o homem que melhor encarnou o espírito da classe dirigente lusitana do fi m do século XVIII, ao se tornar o grande senhor do reinado de D.Maria I, reprimiu, com toda a ferocidade possível, tudo que pudesse lembrar, mesmo remotamente, os ideais franceses: inúmeros sábios, cientistas e artistas foram exilados, e a tortura e a violência policial passaram a acompanhar a intensifi cação das atividades da Mesa Censória.

Embora emoldurado por esse contexto de contradições e conflitos, o Arcadismo português segue a linha européia, refletindo, portanto, as seguintes características: a volta aos padrões clássicos da Antigüidade e do Renascimento; a simplicidade; a poesia bucólica e pastoril; o fingimento poético; o uso de pseudônimos.

No que se refere ao aspecto formal, temos: o soneto; os versos decassílabos; a rima optativa; a tradição da poesia épica.

9.3 A produção literária do Arcadismo português

Quando se fala em Arcadismo, compreendendo-o como um corpo de doutrina literária da segunda metade do século XVIII, está-se falando apenas em poetas,

e em grande quantidade. A prosa histórica, fi losófi ca, científi ca, pedagógica etc., também foi cultivada, mas fora dos quadros

doutrinários arcádicos.

Em Portugal, os principais poetas do Arcadismo estiveram vinculados à Arcádia Lusitana, ou à Nova Arcádia, ou à Arcádia Portuense. Dentre eles podemos destacar: Antônio Dias

da Cruz e Silva (Elpino Nonacriense); Correia Garção (Córidon Erimanteu); Nicolau Tolentino; Domingos Caldas Borda; Filinto

Elisio e José Anastácio da Cunha. Mas o maior poeta do século XVIII português foi Manuel Maria Barbosa Du Bocage, rival

de Camões na vida e na obra. É por isso que ele foi o poeta escolhido para ser apresentado a você.

Neste primeiro soneto, temos uma espécie de auto-retrato do poeta.

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Magro, de olhos azuis, carão moreno,

Bem servido de pés, meão na altura,

Triste de facha, o mesmo de figura,

Nariz alto no meio, e não pequeno:

Incapaz de assistir num só terreno,

Mais propenso ao furor do que à ternura;

Bebendo em níveas mãos por taça escura

De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades

(Digo, de moças mil) num só momento

E somente no altar amando os frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento;

Saíram dele mesmo estas verdades

Num dia em que se achou mais pachorrento.

Neste segundo soneto, Bocage se compara a Camões nos transes da existência e no talento, considerando-se inferior no que diz respeito ao segundo aspecto.

Camões, grande Camões, quão semelhante

Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!

Igual causa nos fez perdendo o Tejo

Arrostar co sacrílego gigante:

Como tu, junto ao Ganges sussurrante

Da penúria cruel no horror me vejo;

Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,

Também carpindo estou, saudoso amante:

Ludíbrio, como tu, da sorte dura

Meu fim demando ao Céu, pela certeza

De que só terei paz na sepultura:

Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!...

Se te imito nos transes da ventura,

Não te imito nos dons da Natureza.

Existem dois Bocages: o das anedotas e o que a tradição literária nos legou. Desconsiderando-se a poesia pornográfica, em que foi mestre, o segundo Bocage escreveu vasta obra poética, dividida em duas vertentes fundamentais: o satí-rico e o lírico. Quanto ao primeiro, Bocage, graças ao temperamento agressivo, impulsivo e cortante, amparado pelo dom da improvisação alcançou ser estrela de primeira grandeza, figurando ao lado de um Gregório de Matos. Mas a sátira

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ocupa lugar menos relevante em sua obra. Seja pelo cunho pessoal e bilioso, seja porque dura tanto quanto o acontecimento que lhe dá origem.

É na poesia lírica, portanto, que o talento bocageano se realizou de modo particular: cultivou a lírica elegíaca, a bucólica e a amorosa, exprimindo-as em idílios, odes, epigramas, cantatas, elegias, canções, epístolas, cançonetas, sonetos etc. Os sonetos contêm o mais alto sopro de seu talento lírico. É por causa deles que Bocage vem sendo considerado um dos três maiores sonetistas da língua portuguesa, ao lado de Camões e Antero de Quental.

Bocage desembaraça o soneto dos entraves que o sufocavam antes e lhe empresta uma dicção fluente, vizinha da fala diária, obediente a uma lógica da emoção, que organiza os versos numa ordem direta e natural, opondo-os à sintaxe arrevesada e tortuosa, natural no momento anterior. Sua autonomia funde-se com perfeição à tendência para exprimir uma sensibilidade própria do dia a dia, mas fascinada pela contemplação das alturas, polaridade de que nasce a tensão do lirismo bocageano, o mais original e forte do seu tempo e que anuncia a modernidade romântica.

Os sonetos, mais do que toda a sua obra, documentam-lhe a vida por dentro e por fora. São testemunhos de suas andanças e tormentos de alma e marcados pelo pessimismo e pela constante presença da morte. A primeira nota distinta da poesia lírica de Bocage é o pessoalismo: superando regras, coerções literárias e sociais aliadas ao momento arcádico, sua poesia distingue-se por um rebelde liberalismo emocional. Violento e gritante, umas vezes, outras, calmo e idealista.

A poesia de Bocage percorre duas fases: a primeira marca-se pelo influxo maior das regras e convenções do neoclassicismo arcádico, sintetizadas no culto do Fingimento e da Dependência; superadas as sujeições neoclássicas, tem-se a segunda fase, na qual se encontra a poesia da confissão, da emoção, da carpi-dação, do arrependimento, resultado da contemplação do eu a si próprio. O Bocage dessa fase ou maneira é todo ele pré-romântico.

O pré-romantismo de Bocage implica uma primeira ruptura, uma primeira rebeldia às rígidas normas do Arcadismo. O Bocage pré-romântico é o poeta que traz para a poesia o mundo pessoal e subjetivo da paixão amorosa, do sofrimento, da morte. É o poeta que confessa as paixões sem atenuá-las por meio da tradução em termos mitológicos. Bocage entrega-se a um frenesi confessional: dá a palavra aos estados de espírito contraditório, aos senti-mentos irracionais e absorventes e às paixões violentas. A noite e a morte são os símbolos mais freqüentes dessa poesia: o locus amenus arcádico é substi-tuído pelo locus horrendus.

No portal Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br) podem ser encon-trados inúmeros poemas de Bocage, como esta que, fugindo às injunções clás-sicas, se coloca na perspectiva romântica.

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Sugestão de fi lmes sobre o assunto da aula: Ligações Perigosas, Amadeus e A Missão. Ouça Johan Sebastian Bach e Wolfgang Amadeus Mozart (compositores da época).

Oh retrato da morte, oh Noite amiga

Por cuja escuridão suspiro há tanto !

Calada testemunha de meu pranto,

De meus desgostos secretária antiga !

Pois manda Amor, que a ti sòmente os diga,

Dá-lhes pio agasalho no teu manto ;

Ouve-os,como costumas,ouve, enquanto

Dorme a cruel, que a delirar me obriga :

E vós, oh cortesãos da escuridade,

Fantasmas vagos, mochos piadores,

Inimigos como eu, da claridade !

Em bandos acudi aos meus clamores;

Quero a vossa medonha sociedade,

Quero fartar meu coração de horrores.

Fundamentalmente anti-gongórico, o Arcadismo ou Neoclassicismo tinha nos clássicos greco-latinos e renascentistas os modelos a serem seguidos, com vistas a restaurar a supremacia da autêntica poesia clássica. O fi ngimento poético foi um dos expedientes usados pelos poetas do Arcadismo para atingir seus fi ns. Disso resultou uma poesia artifi cial, pedante, carente de inventividade, salvando-se apenas, no caso português, Manuel Maria Barbosa Du Bocage.

Saiba mais

Síntese da aula

Características do Arcadismo e Neoclassicismo, o Arcadismo em Portugal e a produção literária do Arcadismo português.

Atividade

Assinale a alternativa que não se refere ao soneto de Bocage “Oh, retrato da morte, oh noite amiga,” citado anteriormente:

o soneto submete-se radicalmente aos princípios do Arcadismo ou a)Neoclassicismo;

o soneto pertence à fase pré-romântica, que contraria os postulados árcades b)e prenuncia o Romantismo;

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o eu-lírico, não sendo correspondido pela “cruel” amada, volta-se à morte e c)lhe fala dos seus sentimentos;

em vez do equilíbrio, nota-se o pessimismo existencial e a morte como saída d)para a angústia de viver.

Comentário da atividade

Nesta atividade, a alternativa que dever ser assinalada é a letra (a), pois o soneto em questão, por expressar de forma direta os sentimentos do eu-lírico, pertence à fase pré-romântica de Bocage.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LAJOLO, Maria. Bocage: seleção de textos. São Paulo: Abril Educação, 1980.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

MOISES, Massaud. (dir). A Literatura Portuguesa em Perspectiva: classicismo, barroco, arcadismo. vol. 2, São Paulo: Atlas, 1993.

Na próxima aula

Estudaremos os aspectos gerais do Romantismo.

Anotações

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Aula 10Traços Gerais do Romantismo

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

compreender o Romantismo como a expressão artística da nova ordem social dirigida pela burguesia, a partir da Revolução Francesa.

Pré-requisitos

O pré-requisito para esta aula é o conhecimento das transformações do mundo ocidental, por meio da substituição, no comando político das nações, da aristocracia pela burguesia.

Introdução

A vida cultural do Ocidente sofreu grande transformação na segunda metade do século XVIII com o surgimento da burguesia moderna, do individualismo e da valorização da originalidade, fatos que destronaram a concepção de estilo como comunidade espiritual. A burguesia, rompendo com as prerrogativas culturais da aristocracia, tem, no Romantismo, a expressão legítima do sentido burguês da vida e um meio eficaz na luta contra a mentalidade aristocrática, que era classista e propensa ao normatismo e pretendia estabelecer, antecipadamente, o universal-mente válido e valioso.

A burguesia, rica e influente, ascende ao poder com a Revolução Francesa de 1789. A partir dessa ascensão, manifesta um padrão artístico próprio, opõe à aristocracia sua peculiaridade e afirma sua própria linguagem, que se impõe, por oposição, aos padrões aristocráticos. Essa linguagem contrapõe à frieza da inteligência, a emoção e o sentimento; à opressão das regras artísticas, a insubor-dinação do gênio criador.

Em 1774, Goethe publica, na Alemanha, Werther, lançando, assim, as bases definitivas do sentimentalismo romântico e do escapismo pelo suicídio. Schiller, em 1781, publica Os Salteadores e inaugura a volta ao passado histórico. Na Inglaterra, o Romantismo se manifesta nos primeiros anos do século XIX. Lord Byron e sua poesia ultra-romântica e Walter Scott, com seu romance histórico são

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os autores que marcam o surgimento da nova estética. A Alemanha e a Inglaterra foram as pioneiras da nova tendência, mas coube à França o papel de divulgadora do Romantismo, que rompe com a tradição clássica e busca inspiração no nacionalismo, no libera-lismo e nas tradições da cultura popular.

10.1 Características do espírito romântico

No plano das teorias, das idéias e de temas literários, os românticos, repu-diando os clássicos ou neoclássicos, revoltam-se contra as regras, os modelos, as normas, lutam pela total liberdade na criação artística e defendem a mistura e a impureza dos gêneros literários: a aventura no lugar da ordem clássica; o caos no lugar do cosmos, como sinônimo de equilíbrio; um conceito de arte extrema-mente individualista no lugar do universalismo clássico; a visão microscópica, centrada no “eu” interior de cada um, no lugar da visão macroscópica que os clássicos possuíam da vida e da arte. O “eu” é o centro do universo. O romântico autocontempla-se e faz-se espetáculo de si próprio.

Romântico, inicialmente, era tudo aquilo que se opunha a clássico. Os modelos da Antigüidade Clássica foram substituídos pelos da Idade Média; a arte erudita e nobre cedeu lugar a uma arte popular que valorizava o folclórico e o nacional; o indivíduo passou a ser o centro das atenções e voltou-se para a imaginação e para os sentimentos. O resultado foi uma interpretação subjetiva da realidade.

A arte romântica rompe as muralhas da corte, ganha as ruas e liberta-se das exigências dos nobres, financiadores da produção artística. Por isso as obras deixam de ter o caráter prático dos trabalhos de encomenda, e o público, agora amplo e anônimo, passa a exigir uma nova linguagem na literatura, na pintura, na música e na arquitetura.

Em face desse quadro, pode-se apontar as seguintes características do espí-rito romântico:

individualismo e subjetivismo: a atitude romântica é pessoal e íntima. O mundo é visto através da personalidade do artista. O que importa é

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a atitude pessoal, o mundo interior, o estado de alma provocado pela realidade exterior. Romantismo é subjetivismo. Romantismo é a liberação do mundo interior, o inconsciente; é o primado da emoção, imaginação, paixão, intuição, liberdade pessoal e interior. Romantismo é liberdade do indivíduo;

ilogismo: não há lógica na atitude romântica. A regra é a oscilação entre pólos opostos: alegria e melancolia, entusiasmo e tristeza;

senso de mistério: o espírito romântico sente-se atraído pelo mistério da existência, que lhe parece envolvida de sobrenatural e de terror. O român-tico, por ser individualista e pessoal, encara o mundo com espanto perma-nente, pois a beleza, a melancolia e a própria vida lhe parecem sempre novos e, por isso, sempre despertam reações originais em cada um, inde-

pendentemente de convenções e tradições;

escapismo: é o desejo do romântico de fugir da realidade para um mundo ideali-zado. Esse mundo deve ser criado à sua imagem e à imagem de suas emoções e desejos, mediante a imaginação;

reformismo: busca de um novo mundo, responsável pelo sentimento revolucionário do romântico, e ligada aos movimentos democráticos e libertários da época;

sonho: decorrente do desejo de um mundo novo em lugar do mundo conhecido;

fé: em vez da razão, é a fé quem comanda o espírito romântico. Ele valoriza a facul-dade mística e a intuição;

culto da natureza: a natureza, supervalorizada pelo Romantismo, era o lugar de refúgio puro, não contaminado pela sociedade, lugar de cura física e espiritual; além disso, a natureza era fonte de inspiração, guia, proteção amiga.

retorno ao passado: o escapismo romântico traduziu-se em duas atitudes: fuga para a natureza e volta ao passado, por meio da idealizando uma civilização difere. A Idade Média e o passado nacional forneciam o ambiente, os tipos e argumentos para a literatura romântica;

pitoresco: é o gosto das florestas, das longes terras, selvagens, orientais, ricas de pitoresco ou, simplesmente, de diferentes fisionomias e costumes. É a melancolia comunicada pelos lugares estranhos, fonte da saudade e

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da dor de ausência. O pitoresco e a cor local tornaram-se um meio de expressão lírica e sentimental e de excitação de sensações;

exagero: o romântico busca a perfeição. Nessa busca, foge para um mundo em que coloca tudo o que imagina de bom, bravo, amoroso, puro, situado no passado, no futuro ou em lugar distante, construindo um mundo de perfeição e sonho.

10.2 Traços Formais do Romantismo

O Romantismo distingue-se, ainda, por traços formais e estruturais. Como conseqüência da liberdade, espontaneidade e individualismo, no romântico não há regras e formas prescritas. A regra suprema é a inspiração individual. É ela que dita a maneira própria de elocução. Vem daí o predomínio do conteúdo sobre a forma. O estilo é moldado pela individualidade do autor: a espontanei-dade, o entusiasmo e o arrebatamento são suas características fundamentais. O classicista é preso às regras. O realista aos fatos. O romântico é movido pela vontade do artista e por suas emoções e reflexões. O clássico tende a simplificar as personagens. O romântico encara a natureza humana em sua complexidade, e constrói tipos multifacetados, mais naturais e mais humanos.

O Romantismo, do ponto de vista estilístico, oferece fisionomia bem distinta. Por isso, pode ser considerado um período estilístico, um estilo individual e de época bem caracterizado. O Romantismo distingue-se, ainda, quanto ao problema dos gêneros. À noção de gênero fixo, imutável, puro, isolado, correspondente a uma hierarquização social, o Romantismo opõe as idéias de possibilidade de mistura, evolução, transformação, desaparecimento dos gêneros, nascimento de novos, concomitância de diversos numa só obra, abolindo, assim, o espírito siste-mático e absolutista que predominava no Classicismo.

O romântico é seduzido pela complexidade da vida. Em obediência a essa complexidade e à sua aparente desordem é que se impõe a mistura dos gêneros. A poesia e a prosa, o sublime e o grotesco, o sério e o cômico, o divido e o terrestre, a vida e a morte, aparecem lado a lado.

10.3 A poesia, o teatro e o romance no Romantismo

Com o Romantismo surge o romance, forma mais acessível de manifestação literária, o teatro ganhou um novo impulso, abandonando as formas clássicas e buscando inspiração em temas nacionais. A prosa artística conquistou um espaço a ela sempre negado pelas manifestações clássicas. O problema dos gêneros, discutido anteriormente, se faz sentir na poesia, no teatro e no romance.

poesia: o conceito de que a poesia se origina no coração e de que cabe à arte apenas a operação de fazer versos leva o Romantismo a reduzir

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toda a poesia ao lirismo, compreendido como forma natural e primitiva originária da sensibilidade e da imaginação individuais, da paixão e do amor. Poesia, agora, é sinônimo de auto-expressão. As denominações genéricas de poesia (poesia lírica, lirismo, poema) foram substituindo as antigas denominações específicas (ode, elegia, canção), que perderam seu sentido preciso ou desapareceram de uso. A poesia romântica foi pessoal, intimista e amorosa, mas explorou também a temática filosófica e religiosa e teve um aspecto social e reformista.

teatro: a revolução ainda é mais drástica no teatro, uma vez que ela promove a destruição da tragédia como gênero fixo e consagrada por leis imutáveis e sua substituição pelo drama de estrutura e formas livres e diversas, mais bem apropriado às tendências do espírito do século. A revolução no teatro processou-se contra as regras e unidades de tempo e lugar da poética neoclássica, mas salvou-se a unidade de ação ou de interesse criada pela personagem, seu centro. A ruptura das unidades foi uma exigência do drama romântico, em função da necessidade de maior margem de tempo e lugar para movimentar a ação. O drama romântico, renunciando a essas unidades, voltou-se para o passado nacional e para a história moderna, abandonando a Antigüidade greco-latina. Unindo o nobre e o grotesco, o grave e o burlesco, o belo e o feio, com base no pressuposto de que o contraste é que chama atenção e garante maior fidelidade ao real. O drama romântico misturou o verso e a prosa.

romance: ofereceu ao espírito romântico as melhores oportunidades de realização de suas idéias de liberdade e realismo, na linha psico-lógica, histórica ou social, além disso, proporcionou-lhe melhor atmos-fera para o sentimentalismo, o idealismo, o senso do pitoresco e do histórico e a preocupação social. Os romancistas românticos não se deixavam prender pela simples realidade, mas buscavam a verdade na construção de sínteses ideais e tipos genéricos, quando reuniam traços variados e origem diversas na composição de uma personagem. O romance romântico funde realidade e fantasia, análise e invenção. Uma de suas formas principais na época é o romance histórico, mas o romance gótico de conteúdo fantástico ou terrorífico, histórico ou sentimental também gozou de extrema popularidade. O romance de aventuras, com muita ação, façanhas perigosas, também vigorou e pode ser encontrado em combinação com as duas outras formas, o gótico e o histórico.

O Romantismo cultivou principalmente a poesia lírica, o drama e o romance social, de costume, psicológico e sentimental, gótico e de aventuras, e histórico (de tema medieval ou nacional).

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Sugestão de fi lme sobre o assunto da aula: Os Miseráveis (baseado na obra de Victor Hugo). Ouça Schubert, Chopin e Mendelssohn.

As características básicas do Romantismo podem, portanto, ser analisadas sob dois enfoques: forma e conteúdo. Quanto à forma, a literatura romântica se desven-cilha completamente dos padrões e normas do Classicismo. O verso livre (sem métrica e sem estrofação) e o verso branco (sem rima) caracterizam a poesia romântica fazendo prevalecer o domínio da inspiração: a forma livre, pregada pelos poetas, harmoniza-se perfeitamente com o ideal romântico do individualismo, da expressão subjetiva e do primado da emoção. Quanto ao conteúdo, o movimento romântico, opondo-se aos padrões clássicos, explora o nacionalismo, a idealização, a religiosi-dade e o sentimentalismo, apresentando o mundo por meio de sua subjetividade.

Saiba mais

Síntese da aula

Aspectos históricos do Romantismo. Características do espírito romântico. Traços formais do Romantismo. Poesia, teatro e romance.

Atividades

1. Relacione o Classicismo e o Romantismo com suas respectivas características:

I – Neoclassicismo

II – Romantismo

( ) Modelo clássico

( ) Não há modelos

( ) Perspectiva geral, universal

( ) Perspectiva particular, individual

( ) Estética impessoal, objetiva

( ) Estética pessoal, subjetiva

( ) Paganismo

( ) Cristianismo

( ) Apelo à inteligência

( ) Apelo à imaginação

( ) Disciplina

( ) Libertação

( ) Formas poéticas fi xas

( ) Versifi cação livre

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2. Leia o poema “Este inferno de amar”, de Almeida Garrett, e responda ao que se pede:

Este inferno de amar – como eu amo! –

Quem mo pôs aqui n’alma... quem foi?

Esta chama que alenta e consome,

Que é a vida – e que a vida destrói –

Como é que se veio a atear,

Quando – ai quando se há de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,

A outra vida que dantes vivi

Era um sonho talvez... – foi um sonho –

Em que paz tão serena a dormi!

Oh! Que doce era aquele sonhar...

Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso

Eu passei... dava o sol tanta luz!

E os meus olhos, que vagos giravam,

Em seus olhos ardentes os pus.

Que fez ela? Eu que fiz? – não no sei;

Mas nessa hora a viver comecei...

Produza um pequeno texto demonstrando como você percebe a relação entre amor e sofrimento no poema de Almeida Garrett.

Comentário das atividades

Na atividade 1, a seqüência correta é: Neoclassicismo (I): modelo clássico, perspectiva geral, universal, estética impessoal, objetiva, Paganismo, apelo à inteligência, disciplina, formas poéticas fixas. Romantismo (II): não há modelos, perspectiva particular, individual, estética pessoal, subjetiva, Cristianismo, apelo à imaginação, libertação, versificação livre.

Na atividade 2, você deverá produzir uma pequena dissertação. Nela, o importante é que você revele que no poema “Este inferno de amar” a idéia do amor está sempre ligada à idéia do sofrimento. Essa relação dor x amor, expressa pela subjetividade do “eu” poético, é uma das marcas da estética romântica.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

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MOISES, Massaud. (dir.). A Literatura Portuguesa em Perspectiva: romantismo e realismo. vol. 3. São Paulo: Atlas, 1992.

Na próxima aula

Conheceremos o Romantismo em Portugal e os autores e obras do primeiro momento romântico português.

Anotações

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Aula 11O Primeiro Momento do

Romantismo em Portugal

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

conhecer os elementos formadores do Romantismo em Portugal e o seu primeiro momento.

Pré-requisitos

Esta aula constitui a continuação do estudo do Romantismo, iniciado na aula anterior. Nesta aula, o estudo do Romantismo será direcionado às expressões literárias produzidas em Portugal. Por isso, é fundamental o conhecimento da estética romântica.

Introdução

O Romantismo português, a exemplo do que aconteceu nos demais países europeus, esteve associado ao desenvolvimento da imprensa e à afirmação social de um novo público leitor constituído pela burguesia. A produção artística agora não seguia os padrões clássicos nem a ideologia aristocrática. O novo público considera que tudo é relativo e está em contínua transformação. A ele não interessam os padrões clássicos, mas a novidade que vai ser transmitida pelos jornais, principalmente.

A atividade jornalística foi desenvolvida pelos escritores mais ativos do Romantismo em Portugal. Esses escritores contribuíram, uns mais, outros menos, para afirmação do liberalismo no país. Dentre eles, podemos destacar: Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antonio Feliciano de Castilho, que constituem o primeiro momento do Romantismo, com produções ainda ligadas à perspectiva neoclássica. Garrett foi, inicialmente, o escritor mais ativo do grupo. Inclusive politicamente, era o mais radical. Herculano foi o mais moderado. Sua impor-tância faz-se sentir gradativamente. Castilho, personalidade contraditória, colo-cou-se como romântico, embora, ideologicamente, fosse um neoclássico. Sua influência é maior no campo pedagógico e jornalístico e menor no desenvolvi-mento da arte romântica.

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11.1 O Romantismo em Portugal

Em Portugal, o Romantismo surge num período de efervescência política, alguns anos após a Revolução Liberal de 1820, que levou os liberais ao poder. Vários setores da burguesia portuguesa participaram dessa revolução: magis-trados, comerciantes, militares, professores e outros. Esses setores, influenciados pelos ideais da Revolução Francesa, defendiam a reforma das instituições, a criação de uma Constituição, a liberdade de comércio e o direito de participação política do cidadão. Tratava-se de uma tentativa de modernizar Portugal.

A Revolução Liberal foi uma luta entre liberais e conservadores, com alternância de ambos os grupos no poder e perdurou por muitos anos provocando o exílio de políticos, intelectuais e artistas. O contato de artistas portugueses com o Romantismo inglês e francês favoreceu o surgimento de obras renovadoras no contexto lusitano.

O marco inicial do Romantismo português foi o poema Camões, de Almeida Garrett, publicado em 1825. A trama dramática desse poema é motivada pela vida sentimental do autor de Os Lusíadas, especialmente seu amor por Natércia. O poema, portanto, é uma espécie de biografia sentimental de Camões. De acordo com Garrett, Camões teria sido romântico em sua odisséia amorosa. No poema Camões, observam-se elementos clássicos: decassílabos brancos, o vocabulário, as figuras, a síntese d’Os Lusíadas; e, também, novidades românticas: subjetivismo, culto da saudade, o sabor agridoce do exílio, a melancolia, a solidão, as ruínas.

O gosto literário, no entanto, só veio a consolidar-se com o decorrer da década de 1830: A voz do Profeta, de Alexandre Herculano, é dessa época (1836), período em que aparecem as primeiras traduções de Walter Scott. Em 1865, eclode a Questão Coimbrã. Com ela, tem-se o fim do Romantismo e o início do Realismo-Naturalismo em Portugal.

O Romantismo português durou 40 anos. Durante esse período, assumiu três configurações distintas: a primeira, entre 1825 e 1838, ainda apresenta alguns valores neoclássicos e é representada por Garrett, Herculano e Castilho; a segunda, entre 1838 e 1860, aglutina o chamado ultra-romantismo e é represen-tada, especialmente, por Soares de Passos e Camilo Castelo Branco; a terceira ocupa a década de 60 e é o momento de transição para o Realismo. Seus maiores representantes são João de Deus e Júlio Dinis.

11.2 O Primeiro Momento do Romantismo em Portugal

O primeiro momento do Romantismo português está indissoluvelmente ligado à matriz ideológica liberal e aos valores de que ela se nutre: liberdade, igual-dade, justiça social. Os autores dessa geração começaram a produzir suas obras ainda presos a certos princípios neoclássicos, mas foram os responsáveis pela consolidação do novo estilo.

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João Batista Leitão de Almeida Garrett (1799-1854)

Suas produções literárias revelam, na forma e no conteúdo, as contradições ideológicas em que se debateu e, também, as contradições de sua perso-nalidade, particularmente no que ela possuía de conservadora e de revolucionária. Garrett formou-se dentro do Arcadismo. O Arcadismo, para ele, era um movimento revolucionário em oposição ao gongorismo barroco.

Sua inclinação para o Romantismo não foi radical: alinhou-se entre os escritores sociais que estabeleceram uma linha de conti-nuidade entre os ideais libertários do Iluminismo e do Romantismo. Não há, pois, ruptura acentuada entre suas produções catalo-gadas dentro do Arcadismo e do Romantismo. (ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, 1990, p. 82).

A incorporação da técnica romântica por Garrett resulta da leitura de escri-tores ingleses dessa tendência literária e não de sua identifi cação pessoal com o Romantismo. Por isso, ele permanece preso aos modelos antigos, numa atitude ideológica própria do Neoclassicismo. Garrett não se aventura pelas sendas da espontaneidade criativa, traço básico da escrita romântica. Um universa-lismo épico, que contrasta com o individualismo romântico, também é facilmente encontrável em suas obras.

Após os vendavais da política portuguesa, Garrett torna-se um dos inte-lectuais do regime liberal e, em 1836, é encarregado de fundar e organizar um teatro nacional. Sua obra constitui-se de poesia, prosa de fi cção e teatro.Na poesia destacam-se: O Retrato de Vênus (1821); A lírica de João Mínimo (1829); Camões (1825); Dona Branca (1826); Flores sem fruto (1845) e Folhas Caídas (1853). Na prosa de fi cção: O Arco de Santana (1845-1850); Viagens na Minha Terra (1846) e Helena (1871). No teatro: Catão (1822), Mérope (1841), Um Auto de Gil Vicente (1842); D. Filipa de Vilhena (1846), O Alfageme de Santarém (1842) e a obra-prima do teatro romântico portu-guês: Frei Luis de Sousa (1844).

De acordo com Massaud Moisés (1997), em Folhas Caídas estão as três composições consideradas as obras-primas da lírica de Garrett: “Este Inferno de Amar”, “Barca Bela” e “Não te Amo”. Entre os argumentos utilizados por Moisés para justifi car a classifi cação desses poemas, estão os seguintes: representam um salto em relação à poesia arcádica; Garrett, como Bocage, dessacraliza o ato poético; a confi ssão amorosa é plena e desinibida; o sentimento amoroso predo-mina; o poeta, narciso e ególatra, refl ui para dentro de si; o ritmo do verso ganha um andamento coloquial ou mesmo popular próximo à prosa versifi cada.

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Você já leu o poema “Este inferno de amar” na aula anterior. Para você ler o poema “Barca Bela” completo, acesse www.dominiopublico.gov.br . O poema “Não te amo” está transcrito abaixo: um presente para você!

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.

E eu n’alma – tenho a calma,

A calma do jazigo.

Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.

E a vida – nem sentida

A trago eu já comigo.

Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero

De um querer bruto e fero

Que o sangue me devora,

Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.

Quem ama a aziaga estrela

Que lhe luz na má hora

Da sua perfeição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,

De mau feitiço azado

Este indigno furor.

Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto

Que de mim tenho espanto,

De ti medo e terror...

Mas amar!... não te amo, não.

Outro texto de Almeida Garrett que vale a pena ser lido é a tragédia FreiLuis de Sousa. Composta em três atos em prosa, essa tragédia gravita em torno do prosador cujo nome lhe empresta o título: Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa Coutinho contraíram núpcias, certos de que D.João de Portugal, marido de Madalena, havia desaparecido em Alcácer-Quibir, junto com D. Sebastião, mas ele estava vivo e de regresso à sua família, oculto sobre os farrapos de um romeiro. Aterrorizados pela surpresa, porque colhidos em pecado, os cônjuges procuram livrar-se do involuntário crime (adultério) tomando hábito. Você quer saber da história completa e sentir as emoções que ela provoca? Acesse www.dominiopublico.gov.br e leia o texto na íntegra.

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Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (1810-1877)

Como Almeida Garrett, Herculano aparece na história de seu país como cidadão e escritor, simultaneamente. As produções de Herculano obedecem a

um princípio romântico: a busca da realidade ideal para o país, por meio da reconstituição das formas sociais mais importantes de sua história, nas quais encontraria os modelos a serem seguidos. Trata-se de historicismo, inicialmente usufruído das leituras de Chateaubriant e, mais tarde, de Walter Scott e Victor Hugo.

A fi cção histórica de Alexandre Herculano compõe-se das seguintes obras: O Bobo (1843); Eurico, o Presbítero (1844);

O Monge de Cister (1841); História de Portugal (1846-1853, 4 volumes) e História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1854-1859, 3 volumes). Herculano publicou, também, conto – Lendas e Narrativas (1851); poesia – Poesias (1850); ensa-ísmo crítico – Opúsculos (1873-1908, 10 volumes) e

coleção documental – Portugaliae Monumenta Histórica (1856).

Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875)

Castilho está associado à introdução do Romantismo em Portugal e à sua suplantação pelo Realismo-Naturalismo. Apesar de divulgador da nova corrente literária, foi um conservador: buscou tornar acadêmico, em harmonia com o pensamento neoclássico, o que o Romantismo possuía de transformador. O ideal de moderação persegue-o. Por causa dele, Castilho atenuava inovação artística dos escritores que gravitavam em torno de si.

Recebeu formação clássica e clerical e um senso de disciplina que não lhe permitiram assimilar o que o Romantismo possuía de revolucionário: a liberdade de criação. A obra de Castilho é extensa e, segundo os estudiosos, desprovida de maior valor artístico. Serve, no entanto, como documento para o estudo do gosto literário no período romântico.

A historiografi a de Herculano foi bastante revolucionária para a época: posi-cionou-se contra a intervenção de fatores místicos ou lendários na história de seu país; valorizou, de outro lado, a intervenção das classes sociais e comprovou seus pontos de vista com valiosa documentação.

O método histórico de Herculano é marcado pela objetividade. Esse traço motivou grandes resistências da parte dos conservadores, que viam nas vitórias portuguesas a intervenção divina e exageravam o poder de fogo dos inimigos. Herculano, por sua vez, reduziu a história a um confronto sem a intervenção do espetacular ou excepcional.

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Sua perspectiva é liberal-burguesa e apresenta pontos de contato com o socialismo utópico da geração realista. Embora colocando-se contra o clero

reacionário, ideologicamente apresentou-se como um cristão. Em suas narrativas históricas, por exemplo, encontramos uma religiosidade mística. Em seus poemas, essa religiosidade é substituída por certo panfl etarismo.

Em Herculano, o pensador ou intelectual se sobrepunha ao sensitivo ou imaginativo: eis porque se harmonizasse mais com os estudos historiográfi cos ou ensaísmo de idéias do que com a poesia ou a prosa de fi cção. Mesmo assim, elaborou romances. Um dos mais importantes, e que ainda atrai leitores contempo-râneos, é Eurico, o Presbítero. Você gostaria de saber de que trata esse romance?

No século VIII, quando os godos e os árabes lutavam na Península Ibérica, havia um godo, chamado Eurico, que escolhera o sacerdócio como meio para se curar do amor impossível por Hermengarda. Eurico externava seu tormento passional em poemas e canções que logo se fi zeram conhecidos por toda a parte. A guerra entre godos e árabes radicalizou-se. Eurico abandonou o hábito e tornou-se o “Cavaleiro Negro” consagrando-se como herói de lendá-rias façanhas, mas os cristãos não venceram a guerra. Eurico e Hermengarda, o que acontece com eles? Procure em www.dominiopublico.gov.br o texto inte-gral e descubra.

Síntese da aula

Vimos, nesta aula, os aspectos marcadores do Romantismo em Portugal e apresentamos os representantes mais signifi cativos desse momento: Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho.

Atividades

1. Você sabe que as fontes de um texto são: a realidade, a imaginação e a memória. Os dados extraídos dessas fontes são organizados para criar uma supra-realidade, cuja lógica é a verossimilhança. O autor de um romance, porque está produzindo arte, não tem compromisso com os fatos históricos como o tem um historiador: sua leitura da realidade pode sofrer as transfor-mações que sua imaginação permite.

A invasão e a ocupação da Península Ibéria tiveram causas políticas e econô-micas. Alexandre Herculano, em Eurico, o Presbítero, dá outro enfoque ao fato e considera-o como uma guerra religiosa. Extraia um trecho do romance que justifi que essa afi rmação.

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2. Sobre a obra histórica de Herculano é correto afirmar:

o autor empregou um método objetivo de investigação e documentação;a)

o autor é um dos paradigmas do ultra-romantismo;b)

o autor é um dos grandes poetas da língua portuguesa;c)

o autor produziu a obra-prima do teatro romântico português.d)

Comentário das atividades

Para realizar a atividade 1, você deverá ler Eurico, o Presbítero com atenção de pesquisador, para que você possa identificar, com facilidade, os trechos que justificam a afirmação do exercício proposto.

Na atividade 2, a alternativa correta é a letra (a): Alexandre Herculano, ao adotar um método objetivo de análise e investigação dos fatos históricos, livrou a historiografia portuguesa do sobrenatural e do excepcional. Ele pertence ao primeiro momento do Romantismo português (e não do ultra-romantismo) e sua produção está centrada na historiografia e na prosa de ficção (e não na poesia). Além disso, o autor da obra-prima do teatro romântico português é Almeida Garrett.

Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

MOISES, Massaud. A Literatura Portuguesa em Perspectiva: romantismo. vol. 3, São Paulo: Atlas, 1992.

Na próxima aula

Trataremos do segundo e do terceiro momentos do Romantismo em Portugal.

Anotações

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Aula 12Segundo e Terceiro Momentos

do Romantismo em Portugal

Objetivo

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

perceber a evolução do Romantismo em Portugal, identificando rupturas e permanências entre os diversos momentos que a constituem.

Pré-requisitos

Romantismo. Liberalismo e historicismo: Alexandre Herculano e Almeida Garrett. Esses são os conteúdos indispensáveis para que você possa acompanhar, com segurança, e compreender os outros dois momentos do Romantismo em Portugal.

Introdução

Os integrantes da segunda geração romântica, diferentemente de Garrett, Herculano e Castilho, não respiram mais os ares neoclássicos. Esses resíduos do século XVIII desaparecem e, graças aos excessos cometidos em nome da nova moda de 1825, constroem o chamado Ultra-Romantismo, cujos adeptos se reuniram em torno de O Trovador (1844) e de O Novo Trovador (1851), revistas coimbrãs voltadas ao culto da Idade Média e do sentimentalismo.

A terceira geração romântica, por sua vez, é um momento de transição para o Realismo-Naturalismo, inaugurado em 1865, com a Questão Coimbrã. Entre suas características, no entanto, encontramos uma série de clichês românticos: a vitória do amor sobre as convenções sociais; o predomínio do sentimento sobre a razão; a idealização da vida natural e a busca de uma linguagem simples e direta. Mas, paralelamente, começam a despontar certas características que já prenunciam o Realismo: a preocupação em descrever, de forma precisa, a natu-reza e os comportamentos sociais; a objetividade na fixação dos tipos sociais e a caracterização psicológica dos personagens.

12.1 Segundo Momento do Romantismo em Portugal

A segunda geração romântica representa a maturidade do movimento romântico em Portugal:

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(...) diverge da anterior: desfeitos os laços arcádicos que inibiam os escritores do tempo, inicia-se um período que corresponde ao pleno domínio da estética romântica. Os novos grupos literários emer-gentes nesses anos podem agora realizá-la em toda a extensão: livres para gozar o prazer da aventura do mundo da imaginação e da anarquia, acabam tomando atitudes extremas e transforman-do-se em românticos descabelados. (MOISÉS, 1999, p. 142).

Os escritores desse momento praticam integralmente o ideal romântico, sobretudo no que respeita à sensibilidade e à liberdade moral. Porque cem por cento românticos, ultrapassam as fronteiras da estética e tornam-se ultra-românticos: purifi cam de tal maneira as características do Romantismo que, fatalmente, chegam ao exagero e ao esparramamento. As características românticas, portanto, hipertrofi adas, são levadas ao exagero. Alguns autores dessa geração evidenciam certos traços do “mal-do-século”, uma tendência ao pessimismo, ao negativismo existencial, ao mórbido e ao sentimentalismo excessivo. É o caso de Soares de Passos e de algumas obras de Camilo Castelo Branco. O Ultra-Romantismo português desenvolveu-se em torno de duas cidades: Porto e Coimbra.

Com base num conceito meio místico de poeta e de sua missão social, o Ultra-Romantismo explora, numa linguagem fácil e comunicativa, os seguintes temas: o tédio, a melancolia, as morbidezas, o desespero, a morte, a enfermi-dade da vida, o luar, a palidez, ânsias de além, e temas medievais, soturnos e fúnebres, populares e folclóricos. O Ultra-Romantismo se harmoniza, essencial-mente, com a poesia, mas, de seus ingredientes, muitos são expressos também em prosa.

Camilo Castelo Branco (1825-1890)

A obra de Camilo Castelo Branco é marcada por tensões. Essas tensões têm relação estreita com as circunstâncias de sua vida. Mas sua escrita é

contraditória: registra o pólo concreto da realidade cotidiana, equacionando-o, ideologicamente, segundo o idealismo senti-

mental da estética romântica.

A técnica de Camilo é folhetinesca. Relacionadas à expansão do jornalismo, suas narrativas eram publicadas em capítulos. O leitor deveria ser motivado a adquirir o capítulo seguinte. Por isso, sua escrita é simples para facilitar o entendimento, e sua

trama envolve emocionalmente o leitor, na medida em que joga com suas expectativas. Camilo renova a escrita literária portu-

guesa. Atualiza as técnicas, renova a linguagem literária, afastando-a do empolamento retórico, e renova o verná-culo castiço ao comunicar-se com o grande público sem deixar de fazer obra de cunho artístico.

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A parte marcante de sua obra é a novela, mas publicou, ainda, contos, poesia, teatro, historiografi a, historiografi a literária, crítica literária, memórias e polêmica. Vastíssima, sua produção fi gura entre as maiores da literatura de língua portuguesa.

A produção novelesca de Camilo é irregular: narrativas bem construídas alternam-se com outras consideradas medíocres. Mas apesar do romanesco e do repetitivo de boa parte de sua obra, ela possui um valor social, pois denuncia os setores oligárquicos: o escritor não aceita os preconceitos da nobreza fossilizada, os novos-ricos, os burgueses e o clero.

A novela camiliana está presa ao gosto popular e oscila entre o Romantismo a Herculano e as formas realistas de representação, sem deixar de lado o Ultra-Romantismo, que permeia, direta ou indiretamente, todas as suas produções. Sua força artística está na novela passional que engloba as produções mais típicas desse escritor. Nesse tipo de narrativa, Camilo segue o esquema tradicional do folhetim: as difi culdades sociais provocam o engrandecimento do amor e torna-o eterno, tão grandioso que não pode se restringir ao plano terreno. Amor fatal, dá origem ao sofrimento amoroso. Amor obsessivo, não permite que nos heróis pensem em outra coisa, nem mesmo nas causas sociais que motivam o confl ito que vivenciam.

Amor de Perdição (1863) é uma novela paradigmática entre as de assunto passional, gênero literário em que Camilo mais se destacou, chegando a ser seu defi -nidor e seu maior representante em Portugal. Espécie de Romeu e Julieta à portuguesa, Amor de Perdição narra a história do amor impossível entre Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, jovens de famílias nobres e inimigas, que se esforçam para afastar os apaixonados. Simão é enviado a Coimbra. Teresa, depois de recusar a casar-se com seu primo, Baltasar Coutinho, é encerrada num convento no Porto. Como você pode perceber pelo que foi dito até aqui, o amor proibido, ao despertar a reação de forças sociais contrárias, provoca o sofrimento dos amantes. Quer saber como termina essa novela? Consulte www.dominiopublico.gov.br e leia o texto.

Antônio Augusto Soares de Passos (1826-1860)

As composições de Soares de Passos foram reunidas num volume, intitulado Poesias, em 1855. Esse poeta cons-titui a encarnação perfeita do “mal-do-século”: tuberculoso narcisista e misantropo, sua obra espelha o prazer român-tico da fuga, em seu caso específi co, das responsabilidades concretas do mundo social.

Sua poesia refl ete pessimismo e desalento derrotista de quem sempre sente a proximidade da morte e lhe cultiva a

presença, seja por morbidez, seja por “literatura”. Esse é o fundamento de uma poesia de decomposição, funérea, de que o exemplo maior é “O noivado do sepulcro”:

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Vai alta a lua! na mansão da morte

Já meia-noite com vagar soou;

Que paz tranqüila; dos vaivéns da sorte

Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranqüila!... mas eis longe, ao longe

Funérea campa com fragor rangeu;

Branco fantasma semelhante a um monge,

D’entre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste

Campeia a lua com sinistra luz;

O vento geme no feral cipreste,

O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto

Olhou em roda... não achou ninguém...

Por entre as campas, arrastando o manto,

Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,

Que entre ciprestes alvejava ao fim,

Parou, sentou-se e com a voz magoada

Os ecos tristes acordou assim:

“Mulher formosa, que adorei na vida,

“E que na tumba não cessei d’amar,

“Por que atraiçoas, desleal, mentida,

“O amor eterno que te ouvi jurar?

“Amor! engano que na campa finda,

“Que a morte despe da ilusão falaz:

“Quem d’entre os vivos se lembrara ainda

“Do pobre morto que na terra jaz?

“Abandonado neste chão repousa

“Há já três dias, e não vens aqui...

“Ai, quão pesada me tem sido a lousa

“Sobre este peito que bateu por ti!

“Ai, quão pesada me tem sido!” e em meio,

A fronte exausta lhe pendeu na mão,

E entre soluços arrancou do seio

Fundo suspiro de cruel paixão.

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“Talvez que rindo dos protestos nossos,

“Gozes com outro d’infernal prazer;

“E o olvido cobrirá meus ossos

“Na fria terra sem vingança ter!

– “Oh nunca, nunca!” de saudade infinda

Responde um eco suspirando além...

– “Oh nunca, nunca!” repetiu ainda

Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,

Longas roupagens de nevada cor;

Singela c’roa de virgínias rosas

Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

“Não, não perdeste meu amor jurado:

“Vês este peito? reina a morte aqui...

“É já sem forças, ai de mim, gelado,

“Mas inda pulsa com amor por ti.

“Feliz que pude acompanhar-te ao fundo

“Da sepultura, sucumbindo à dor:

“Deixei a vida... que importava o mundo,

“O mundo em trevas sem a luz do amor?

“Saudosa ao longe vês no céu a lua?

– “Oh vejo sim... recordação fatal!

– “Foi à luz dela que jurei ser tua

“Durante a vida, e na mansão final.

“Oh vem! se nunca te cingi ao peito,

“Hoje o sepulcro nos reúne enfim...

“Quero o repouso de teu frio leito,

“Quero-te unido para sempre a mim!”

E ao som dos pios do cantor funéreo,

E à luz da lua de sinistro alvor,

Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério

Foi celebrada, d’infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,

Já desse drama nada havia então,

Mais que uma tumba funeral vazia,

Quebrada a lousa por ignota mão.

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Porém mais tarde, quando foi volvido

Das sepulturas o gelado pó,

Dois esqueletos, um ao outro unido,

Foram achados num sepulcro só.

Esse poema exemplifi ca a psicologia do Ultra-Romantismo: ambiente fantás-tico, gosto doentio pelas funerações, tom melodramático, idealismo amoroso trans-bordante, teatralidade extrema, sentimentalidade exagerada, irrealidade, irracio-nalidade, desprezo das estruturas sociais vigentes e anseio pelo além-túmulo. No aspecto formal, apresenta versos simples, com vistas à fácil comunicação com o leitor preparado para a contemplação de morbidez e que nelas encontra prazer estético e moral.

12.2 O Terceiro Momento do Romantismo em Portugal

Durante os anos seguintes a 1860, a Literatura Portuguesa transita do Ultra-Romantismo, descabelado, histérico e piegas para o Realismo-Naturalismo, marcando a agonia do ideal romântico e o despontar das novas correntes ideoló-gicas de origem francesa. Trata-se de um tardio fl orescimento literário: o terceiro momento do Romantismo português.

É um período marcado pela presença de poetas: João de Deus, Tomás Ribeiro, Bulhão Pato, Xavier de Novais e Pinheiro Chagas e de um prosador: Júlio Dinis.

Júlio Dinis (1839-1871)

A produção literária de Júlio Dinis, pseudônimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, é de transição para o Realismo-Naturalismo: afasta-se do passionalismo ultra-romântico e apresenta os confl itos de seus personagens de forma analítica. A solução desses confl itos fundamenta-se numa base socioeconômica. Além disso, para ele, contenção e racionalidade constituem um ideal que deve ser dissemi-nado em todos os campos da atividade humana. Todos os confl itos, inclusive os

sentimentais, podem ser resolvidos à luz da razão, da técnica e da ciência. O amor está relacionado com outras atividades humanas e é indissociável delas.

A obra de Júlio Dinis divide-se em quatro vertentes:

romance: As Pupilas do Senhor Reitor, 1867; Uma Família Inglesa,1868; A Morgadinha dos Canaviais, 1868; Os Fidalgos da Casa

Mourisca, 1871;

novela: Serões da Província, 1870;

poesia: Poesias, 1873;

teatro: Um rei popular, 1858; Um segredo de família, 1870.

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Os romances de Júlio Dinis, com exceção de Uma Família Inglesa, ambien-tado no meio mercantil do Porto, focalizam a vida no campo, em casas de lavradores e pequenos proprietários: A Morgadinha dos Canaviais; Os Fidalgos da Casa Mourisca e As pupilas do Senhor Reitor. O pano de fundo dessas obras ao as transformações políticas e econômicas pelas quais passa Portugal com o regime liberal.

As pupilas do Senhor Reitor é a obra mais conhecida de Júlio Dinis e conta a história do lavrador José das Dornas e de seus dois fi lhos, Pedro e Daniel. Pedro é um rapaz simples, integrado ao campo. Daniel, ao contrário, mostra-se, desde cedo, mais frágil e sensível. José das Dornas, o pai, aconselhado pelo reitor, o padre, manda Daniel à cidade para realizar estudos. Os anos passam. Pedro fi ca noivo de Clara e o casal espera a volta de Daniel para a realização do matrimônio... E como será esse casamento? Haverá algum impedimento à sua realização? Acesse www.dominiopublico.gov.br e leia o romance.

João de Deus (1830-1896)

A poética de João de Deus insere-se numa perspec-tiva nova: a perspectiva popular. Esse poeta atualiza formas poéticas tradicionais, cujas origens estão no cancioneiro medieval e revigora essa tradição lírica, ao mesmo tempo em que se afasta dos clichês literários

do Ultra-Romantismo. João de Deus impõe-se como lírico excepcional pela atitude do sentimento, singeleza da

inspiração e naturalidade da linguagem.

Sua obra poética pode ser dividida em lírico-amorosa e satírica. O amor é o motivo permanente de sua poesia, que possui um timbre próprio e acrescenta à tradição os

achados de seu talento lírico. O poeta busca o sentimento amoroso no máximo de sua pureza abstrata, o que resulta numa visão espiritualista da bem-amada. Essa poesia foi reunida, inicialmente, na coletânea Flores do Campo (1869), posterior-mente ampliada para Campo de Flores (1893). Publicou, também, Prosas (1898) e A Cartilha Maternal (1876). Leia abaixo uma das peças lírico-amorosas de João de Deus, intitulada “?” e dedicada a A. M. Duarte de Almeida:

Não sei o que há de vago,

De incoercível, puro,

No vôo em que divago

À tua busca, amor!

No vôo em que procuro

O bálsamo, o aroma,

Que se uma forma toma,

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Sugestão de fi lme sobre o assunto da aula: Romeu e Julieta (há intertextualidade entre esse fi lme e Amor de Perdição).

É de impalpável fl or!

Oh como te eu aspiro

Na ventania agreste!

Oh como eu te admiro

Nas solidões do mar!

Quando o azul celeste

Descansa nessas águas,

Como nas minhas mágoas

Descansa o teu olhar!

Que plácida harmonia

Então a pouco e pouco

Me eleva a fantasia

A novas regiões...

Dando-me ao uivo rouco

Do mar nessas cavernas

O timbre das mais ternas

E pias orações!

Parece-me este mundo

Todo um imenso templo!

O mar já não tem fundo

E não tem fundo o céu!

E em tudo o que contemplo,

O que diviso em tudo,

És tu... esse olhar mudo...

O mundo és tu... e eu!

As marcas da lírica amorosa de João de Deus são a simplicidade, a esponta-neidade e a musicalidade, que lembram Camões e a poesia trovadoresca. Poeta emocional por excelência, é sensível às sutilezas do trato amoroso, espécie de lírico puro, João de Deus é a voz mais límpida do Romantismo português.

Quando o terceiro momento romântico chega ao fi m, uma nova geração, iconoclasta, anti-romântica e ávida por acompanhar de perto o ritmo europeu das idéias – uma vez mais de origem francesa – se forma para dar início à época do Realismo e do Naturalismo.

Saiba mais

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Síntese da aula

Vimos, nesta aula, os aspectos marcadores do segundo e terceiro momentos do Romantismo em Portugal e apresentamos os representantes mais significa-tivos desses momentos: Camilo Castelo Branco, Soares de Passos, Júlio Dinis e João de Deus.

Atividades

1. Marque a alternativa incorreta sobre Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco:

Simão e Teresa, apoiados por suas respectivas famílias, vivem a ideali-a)zação do amor romântico.

Teresa e Simão, vítimas de preconceitos, lutam contra as convenções b)sociais e pela realização de seus sentimentos.

Entre Simão e Mariana há um amor não correspondido: ela o ama, c)enquanto ele ama Teresa.

A família de Teresa prefere casa-la com o primo Baltasar Coutinho a vê-la d)apaixonada por Simão Botelho, filho de um desafeto antigo.

2. Analise as proposições abaixo sobre As Pupilas do Senhor Reitor e identifique a alternativa correta:

Essa obra tem como subtítulo crônica da aldeia e nos transporta ao mundo I.rural português.

É a obra mais conhecida de Júlio Dinis.II.

Narra a história do lavrador José das Dornas e de seus filhos Pedro e III.Daniel.

somente I e II estão corretas;a)

somente II e III estão corretas;b)

somente I e III estão corretas;c)

I, II e III estão corretas.d)

Comentário das atividades

Na atividade 1, a afirmativa incorreta sobre Amor de Perdição é a alternativa (a): as famílias de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, inimigas que eram, não apoiavam o amor entre os dois.

Na atividade 2, a alternativa correta é a letras (d): todas as afirmações sobre As Pupilas do Senhor Reitor estão corretas.

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Referências

ABDALA JÚNIOR; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. São Paulo: Ática, 1990.

COELHO, Jacinto do Prado (dir). Dicionário da Literatura. 3. ed. vol. 4, Porto: Figueirinhas, 1982.

LOPES, Oscar; SARAIVA, Antonio José. História da Literatura Portuguesa. Portugal: Porto Editora, s.d.

MOISES, Massaud. A Literatura Portuguesa em Perspectiva: romantismo. vol. 3, São Paulo: Atlas, 1992.

Anotações

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