LIVRO 02 - CONTEXTO HISTÓRICO DA ANIMAÇÃO ......Cristo. Logo, todos, Irmãos e Leigos Maristas...

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Contexto Histórico da Animação Vocacional Diretrizes da Animação Vocacional

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ContextoHistórico da

AnimaçãoVocacional

Diretrizes da Animação Vocacional

União Marista do Brasil (UMBRASIL)SCS – Quadra 4 – Bloco A – 2º Andar

Edifício Vera Cruz – Asa Sul – Brasília – DF – 70304-913Telefax: (61) 3346-5058

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Coordenação da publicação - Área de Vida Consagrada e Laicato:Coordenador: Ir. Inácio RowedderAssessor: Ricardo Spíndola MarizAnalista: Sonia Vidal

Elaboração da publicação - Grupo de Trabalho Animação Vocacional:Ir. Alvanei Aparecido FinamorIr. André NosiniCarlos Macedo RomeiroFabio Vivurka CorreiaIr. Inácio RowedderIr. José Augusto JúniorJunior Luis FranckRicardo MarizSonia Vidal

Projeto gráfi co e diagramação:Válvula Agência Interativa - www.valvulainterativa.com.br

Impressão: Gráfi ca Ipanema

Sumário APRESENTAÇÃO 4

INTRODUÇÃO 7

1. DESENVOLVIMENTO VOCACIONAL DO INSTITUTO NO BRASIL,DE 1897 ATÉ O CONCÍLIO VATICANO II 9

1.1 AS VOCAÇÕES QUE VÊM DE FORA 101.2 A DICA DA HISTÓRIA 111.3 IRMÃOS MARISTAS BRASILEIROS? 121.4 VITALIDADE VOCACIONAL COM A II GUERRA MUNDIAL (1938-1945) 151.5 MODELOS DE PROMOÇÃO VOCACIONAL NO BRASIL MARISTA 17

2. DESAFIOS E PERSPECTIVAS A PARTIR DO CONCÍLIO VATICANO II 212.1 A VOCAÇÃO NO CONTEXTO DA IGREJA TODA ELA VOCACIONADA

E MINISTERIAL 222.2 ORGANIZAÇÃO DA PASTORAL VOCACIONAL NO BRASIL 242.3 NOVOS DIRECIONAMENTOS DO INSTITUTO 262.4 ANIMAÇÃO VOCACIONAL NAS PROVÍNCIAS BRASILEIRAS:

TEMPO DO SIMAV 272.5 DOS ANOS 90 ATÉ O PRESENTE 322.6 CRIATIVIDADE QUE NASCE DA CRISE 352.7 ESTRATÉGIAS DE ANIMAÇÃO VOCACIONAL 37

3. CONCLUSÃO 42

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44

5. ANEXO 47

5.1 IRMÃOS MARISTAS E A DITADURA CÍVICO-MILITAR 47

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Apresentação

Ir. Inácio Rowedder

A Animação Vocacional Marista é uma atividade cuja fi nalidade é trabalhar a cultura vocacional e o despertar do jovem para a vocação no sentido amplo, apresentando as diferentes vocações como opção de vida, de seguimento na vocação de ser pai ou mãe, leigo consagrado, vida religiosa e sacerdotal. Assim como existem em nossas unidades educacionais a Pastoral Escolar e a Pasto-ral Juvenil Marista (PJM), há o desejo que, na comunidade educativa e religiosa marista, exista um serviço especifi co destinado à animação vocacional.

A missão da animação vocacional marista é, fundamentalmente, desper-tar, animar e acompanhar os vocacionados e vocacionadas, oferecendo-lhes orientação para o despertar vocacional e o seguimento de Jesus Cristo na vida religiosa marista. Jesus Cristo disse: “A messe é grande, mas os ope-rários são poucos.” (Lc 10, 2). O trabalho de animação vocacional precisa de pessoas dispostas a continuar a missão de Jesus, que entendam a grandeza de ser integrante da missão do Cristo e que estejam dispostos a levar a Boa Nova ao mundo.

Na Igreja e na Instituição Marista, o serviço de animação vocacional é mis-são de todo o batizado. Ou seja, os Irmãos e Leigos Maristas são responsáveis pelo despertar, animar e acompanhar os vocacionados e vocacionadas, ofere-cendo-lhes orientação para o despertar vocacional e o seguimento de Jesus Cristo. Logo, todos, Irmãos e Leigos Maristas são chamados para orientar por meio da construção e implantação da cultura vocacional em nossas unidades educativas, pela oração pelas vocações e pelo testemunho de vida.

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Cada Irmão, Sacerdote e Leigo, é chamado a viver uma vocação e realizar-se plenamente nela e como pessoa. Para tanto, é importante pensarmos e refl etirmos sobre o primeiro chamado que Deus nos faz, o chamado à vida, e neste contexto somos convidados a dar nossa res-posta vocacional e o chamado à missão de anunciar Jesus Cristo. Não podemos esquecer que a priori, o chamado vocacional está relacionado ao seguimento de Jesus Cristo, compreensível só pelos olhos da fé, que envolve uma resposta pessoal de adesão a um projeto de vida em cola-boração de outrem.

“[...] fi ca evidente que a condição do homem é semelhante à da árvore. De fato, assim como uma árvore frutífera pode crescer sozinha e por virtude própria, mas uma árvore silvestre só dá fru-tos silvestres, ao passo que para produzir frutos doces e maduros é preciso que um agricultor experiente a plante, irrigue e pode” (COMENIUS, Didática Magna, 1631).

A vocação parte de um desejo íntimo e profundo de se relacionar com o divino, a resposta é humana, ou seja, a pessoa sente-se convidada, mas a resposta do vocacionado exige intimidade e aliança com Jesus que o atrai. Essa comunhão suscita, no coração do vocacionado, uma decisão e uma resposta, cujo desejo se expressa no seguimento de Jesus e no as-sumir o seu projeto de vida e missão, doando-se no e por amor e servindo a Deus, nas pessoas necessitadas, esquecidas e abandonadas, que me-recem atenção, cuidado e respeito a sua dignidade de pessoa humana.

Vivemos num tempo de transformação social, cultural e religiosa, mas o que mais nos atinge em nossa missão é a formação das crianças, adolescentes e jovens, razão do nosso existir e da nossa missão. O que exige atenção e sintonia dos animadores vocacionais com as novas situa-ções que envolvem nossos vocacionados, que estão fazendo a opção pela vida consagrada marista.

Portanto, é objetivo da animação vocacional evangelizar a partir do encontro com Jesus Cristo, a luz da evangélica opção pelos pobres, para que todos tenham vida e vida em plenitude, com as pessoas res-peitadas em sua dignidade, auxiliando-os na construção de um mundo justo e fraterno.

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Neste contexto, as Diretrizes da Animação Vocacional do Brasil Marista querem apresentar a novidade e a importância dos espaços formativos para a implantação da cultura e da pastoral vocacional marista, cuja fi -nalidade é despertar, animar, promover e coordenar a ação vocacional e orientar e acompanhar os jovens vocacionados no seu discernimento vocacional e comunhão com todas as atividades pastorais desenvolvidas em nossas unidades educacionais.

Deseja-se que a pastoral vocacional seja organizada e articulada em parceria com a pastoral educativa e a pastoral juvenil, sob a coordenação e o apoio do Serviço de Animação Vocacional Marista em nível Provincial.

As Diretrizes procuram abordar os seguintes aspectos: História da Animação Vocacional no Brasil Marista, Bases Antropológicas e Teoló-gicas da Vocação, Realidade Juvenil e as Diretrizes da Animação Voca-cional, com destaque para o desejo de implantar a cultura vocacional em nossas unidades e espaços educativos. Procuram ainda abordar alguns aspectos no que diz respeito à pedagogia e ao itinerário do despertar vocacional, com destaque a formação do ser, do saber e do servir. No que diz respeito à formação do ser, a pastoral vocacional como primeiro espaço auxilia os jovens no despertar vocacional e na formação humana e cristã. Quanto a formação do saber, a pastoral vocacional incentiva o vocacionado para a formação acadêmica e contribui para o despertar, animar e acompanhar o vocacionado até a entrada na casa de formação. Sobre a formação para o servir, a pastoral vocacional auxilia os vocacio-nados a crescer na disponibilidade e no servir, características fundamen-tais de quem se coloca ao serviço do Reino.

Por fi m, as Diretrizes trazem elementos que auxiliam a pastoral voca-cional a contribuir no processo de discernimento vocacional dos jovens, passando a considerar o itinerário vocacional como parte da cultura vo-cacional e o primeiro espaço de formação para o vocacionado. A indica-ção das Diretrizes coloca a pastoral vocacional como integrante da pas-toral educativa marista, merecendo atenção e investimento no processo de execução e formação de seus agentes.

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Introdução

João Luis Fedel Gonçalves

Para quem já descortina o futuro olhar para trás não é exercício fácil. Ainda mais no ritmo frenético de mudanças que vivemos atualmente, sem perspectivas de desaceleração. Por que perder tempo com histó-rias, com modos de fazer, com concepções que parecem não trazer mais nenhum sentido? A radicalidade das mudanças nos leva a invocar uma das máximas de Jesus: “Deixe os mortos enterrarem os mortos!”.

Mas o olhar não se perde quando se detém na história, ao contrário, se enriquece com a diversidade de leituras que permitem a compreensão ampliada das experiências e a análise multifacetária dos eventos. A his-tória evita que a experiência atual seja vivida acriticamente.

Vamos agora nos voltar para a história marista em terras brasileiras desde seu início no ocaso do século 19. São mais de cem anos vividos em tempos de profundas mudanças no país e no mundo. Olhamos com atenção especial para o que foi feito para a animação vocacional marista e aqui cabem duas observações.

Primeiramente, não há material compilado sobre o tema, isso obrigou uma busca em textos de história marista no país, como os quatro volumes escritos por Riolando Azzi, ou publicações mais específi cas como as revis-tas maristas das províncias, ou ainda documentos como as atas do Secre-tariado Interprovincial Marista de Animação Vocacional (SIMAV) e folhetos. Esse trabalho (é preciso alertar) não foi exaustivo, nem pretendeu abran-ger todo o material bibliográfi co ou outras fontes disponíveis em diferentes arquivos. O texto é nesse sentido mais informativo que crítico, pois recorre a fontes secundárias no mais das vezes. Por isso os historiadores me per-doem a ousadia de chamar esse trabalho de “histórico”.

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Além disso, é preciso tomar cuidado com os juízos anacrônicos. É fá-cil levantar suspeitas desde o lugar distante em que nos encontramos dos fatos. Nesse sentido, não avaliamos aqui intenções das pessoas. Na maioria dos casos é possível afi rmar que foi feito o melhor, que se deu os passos mais adequados. Cabe a nós avaliar esses modelos e se essas formas de pensar e agir continuam apropriadas ou não.

Propomos uma leitura desse intervalo de tempo de quase doze déca-das a partir de um fato fundamental na história recente da Igreja Cató-lica: o Concílio Vaticano II. Como afi rma dom Tomás Balduíno, “O Pen-tecostes que representou o Concílio para a Igreja e para o Mundo foi (...) uma profunda mudança que aconteceu no universo eclesial”.1 É possível falar de um antes e um depois do Vaticano II. Em relação ao nosso tema, passa-se do modelo de “recrutamento vocacional” para o de pastoral, de animação vocacional ou ainda de cultura vocacional.

O texto está dividido em duas partes, cada uma com subtítulos que ajudam a navegação do leitor por essas águas nem sempre conhecidas. Para facilitar, há textos provocativos além de algumas questões “que fa-zem pensar”. O que vem em auxílio da leitura e da refl exão pessoal e grupal seja mantido; o que não, seja ignorado.

Provoco os leitores, Irmãos, leigas e leigos, a completarem as infor-mações, a questionarem, a sugerirem outras aproximações. A história não pode ser contada desde o ponto de vista de uma pessoa ou de um grupo apenas, já sabemos do efeito desastroso desse modelo.

Por fi m, isso é tão importante quanto o que está acima, o que Irmãos, leigas e leigos realizaram e continuam realizando não pode ser visto como obra humana unicamente. Deus age na história, esse é um axio-ma, ou melhor, a experiência fundamental da fé judaico-cristã. O Senhor da Messe, como aprendemos de Jesus a invocar o Pai, esteve presente desde os primórdios da obra marista e seguramente continua em nossas vidas, em nossos projetos, na vida marista que pulsa no Brasil. Marcelino nos ensinou essa confi ança expressa e linda em sua devoção mariana: “Ó Maria, esta obra é vossa!”.

1 UMBRASIL, Utopias do Vaticano II. Que sociedade queremos? Diálogos. Brasília/São Paulo: Umbrasil/Paulinas, 2013, p. 5.

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A chegada dos Irmãos Maristas em terras brasileiras em 1897 dá-se no contexto mais amplo de mudanças na segunda metade do século 19, que atingem profundamente a sociedade e a Igreja no país, em especial a proclamação da República, em 1889.

O modelo do Padroado2 que vigorou até a República é desintegrado com a separação entre Igreja e Estado. Um dos pontos centrais nos con-fl itos que surgem é justamente a educação. O atraso cultural do Brasil em relação às nações mais desenvolvidas era evidente. Os dirigentes re-publicanos propunham uma educação leiga de modelo positivista, sem interferências da igreja. Esta reage estrategicamente: procura garantir nas escolas públicas o ensino religioso e se mobiliza para criar seus pró-prios centros educacionais.

O historiador Riolando Azzi compreende a vinda dos Irmãos Ma-ristas ao Brasil no mesmo período em que outras congregações religiosas, femininas e masculinas aportam no país:

“Os religiosos maristas se estabeleceram no Brasil atendendo inicialmente ao apelo dos diversos membros do episcopado, em-penhados em consolidar no país o modelo tridentino em conse-quência da separação entre Igreja e Estado decretada pelo go-verno republicano a partir de 1890.”3

2 Padroado é a outorga concedida pela Igreja de Roma aos reis para controlar a Igreja local ou nacional em troca de seu apoio à difusão da religião. Se, por um lado o Estado assegurava os interesses da Igreja, por outro a impedia de agir com autonomia.3 R. AZZI, História da educação católica no Brasil: contribuição dos Irmãos Maristas. Vol. 1: Os primórdios da obra de Champagnat no Brasil (1897-1922). São Paulo: Simar, 1996, p. 29. O autor desenvolve essa asserção na primeira parte da obra, p.

1. Desenvolvimento vocacional do Instituto no Brasil, de 1897 até

o Concílio Vaticano II

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1.1 AS VOCAÇÕES QUE VÊM DE FORA

A primeira obra marista se estabeleceu na cidade mineira de Con-gonhas do Campo (MG). No decênio seguinte cresceu rapidamente o número de novas obras. Pelos Irmãos que vieram para Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro: São Paulo (Carmo), 1899; Rio de Janeiro, 1902: Franca, 1902: Cambuci (São Paulo), 1902; Uberaba, 1903; Men-des, 1903; Santos, 1904; São Paulo (Arquidiocesano), 1908.4 Pelos Ir-mãos que vieram para o Rio Grande do Sul: Bom Princípio, 1900; Porto Alegre (São José), 1902; São Leopoldo, 1902; Porto Alegre (Anchieta), 1903; Santa Cruz do Sul, 1903; Porto Alegre (Rosário), 1904; Garibaldi, 1904; Uruguaiana, 1904; Santa Maria, 1904; São Gabriel, 1905; Passo Fundo, 1905; Lajeado, 1908; Santana do Livramento, 1908; Cachoeira do Sul, 1908. Pelos Irmãos que vieram para o Norte e Nordeste: Belém (Carmo), 1903; Camaragibe, 1904; Salvador (São José), 1905; Alagoi-nhas, 1905; Maceió, 1905; Salvador (Nossa Senhora da Vitória), 1906; São Luís, 1908.

Em número de Irmãos Maristas, impressiona o rápido crescimento: em 1902, 19 Irmãos; em 1904, 34; em 1907, 102.

De onde vieram tantos Irmãos para trabalhar nessa infi nidade de obras já que era praticamente impensável leigos e leigas ensinando junto com religiosos? A quase totalidade era formada por Irmãos franceses. Há uma razão para isso: a partir de 1903, o Governo francês rejeitou o pedido de legalização do Instituto Marista e fez o mesmo com todas as congregações religiosas de educação.5 Para continuar maristas, muitos Irmãos decidi-ram ir para outras terras como missionários. Nesse período, foram funda-das mais de cem casas em vários países.6 Tal movimento só foi interrompi-do totalmente pela Segunda Guerra Mundial, obrigando a adoção de novas estratégias para a continuidade das obras maristas no Brasil.

27-47. O Concílio de Trento (1545-1563) propôs a toda a Igreja um modelo uniforme de formação cristã, incluindo o clero e os religio-sos. Esse modelo que não se enquadrava bem no Padroado foi retomado pelo episcopado brasileiro depois de 1890, pois permitia ao mesmo tempo independência da Igreja em relação ao Estado e uniformidade da doutrina católica em todo o território. Tal processo é conhecido como Romanização.4 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 51. Desses, três eram colégios católicos construídos para abrigar os alunos que frequentavam os antigos seminários mas que não se endereçavam ao sacerdócio: Sagrado Coração de Jesus de Uberaba, São José do Rio de Janeiro e Arquidiocesano de São Paulo.5 J. RONZON (coord.), Chronologie mariste: Édition 2010. Roma: Maison Générale, 2010, p. 286-291. Em 1903, 534 Irmãos Maristas franceses deixaram o país e fundaram 76 casas em outras partes do mundo, incluindo o Brasil.6 L. DI GIUSTO, História do Instituto dos Irmãos Maristas. São Paulo: FTD, 2007, p. 129.

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1.2 A DICA DA HISTÓRIA

Padre Champagnat quis desde o início que o Instituto tivesse uma clara intenção missionária. Ao bispo Bruillard escreveu a célebre frase: “Todas as dioceses do mundo entram em nossos planos” (Cartas, n. 93). Na primeira expedição dos Padres Maristas à Oceania, em 1836, lá es-tava um grupo de Irmãos maristas missionários. Além da Oceania e da Europa (Inglaterra, 1852), os outros continentes também receberam co-munidades maristas ainda no século 19: África (África do Sul, 1867), Ásia (Líbano, 1868) e América (Canadá, 1885).

A animação vocacional tinha não apenas o propósito de dar continuidade às obras maristas já existentes, mas de atender às crescentes demandas tanto na França como em outros países. O rápido crescimento no número de vocações permitiu essa expansão extraordinária. No ano da morte do fun-dador, haviam cerca de 300 Irmãos; em 1900 esse número subiu para 7180.7

Com os acontecimentos de 1903, a França então “celeiro de vocações”, diminuiu o número de missionários e obrigou de certa forma que as no-vas comunidades maristas buscassem atrair jovens para ser Irmãos. Observou-se principalmente nas províncias fundadas pelos Irmãos fran-ceses: Canadá, Estados Unidos, Brasil, México, Colômbia e Argentina.8

Outro fato signifi cativo é que essas novas províncias também vão de-senvolver em sua história a atividade missionária. Canadá enviará Irmãos para Haiti; México, para Cuba; Colômbia, para El Salvador e Guatemala. As províncias brasileiras vão iniciar, no fi nal da década de 19609, o traba-lho missionário no Mato Grosso e na região amazônica.

Faz pensar

O Instituto Marista, desde o início mostrou sua vitalidade na aber-tura missionária. Muitos Irmãos deixaram a segurança de sua ter-ra para ir ao encontro de outros povos.

7 J. RONZON (coord.), Chronologie mariste, p. 279.8 No caso das Américas, os países em que os primeiros missionários maristas vieram das províncias espanholas parecem ter fi cado mais dependentes das províncias de origem, sem um signifi cativo incremento no número de Irmãos autóctones.9 R. AZZI, no vol. 4 da História da educação católica no Brasil, dedica a Quarta Parte, “As atividades missionárias”, para o desenvolvimento da ação missionária das províncias brasileiras.

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Irmão Emili Turú na Carta de 2 de janeiro de 2013, Até os confi ns da terra, convida Irmãos e leigos, “todos os maristas de Cham-pagnat”, a retomarem essa dimensão da vocação marista: “Se sentes o chamado a entregar alguns anos de tua vida ao serviço da missão marista, além das fronteiras de tua Província ou de teu país, animo-te a dar um passo adiante e manifestar tua disponi-bilidade” (p. 7-8).

Nos processos de Animação Vocacional, incluímos a dimensão missionária, a abertura para a internacionalidade do carisma ma-rista?

1.3 IRMÃOS MARISTAS BRASILEIROS?

Desde o início, os Irmãos se preocuparam em conseguir vocações au-tóctones. Na visita feita um ano após a chegada dos maristas ao Brasil, Irmão Norberto, então assistente geral da Congregação, “procurou ga-rantir o futuro da obra marista abrindo a possibilidade de recrutamento vocacional”.10 Com o bispo de Mariana dom Silvério, acertou a instalação de um Juvenato anexo à escola de Congonhas do Campo.

Juvenato é o nome dado à casa de formação para adolescentes e jovens que querem ser Irmãos. Os que decidem continuar a for-mação passam em seguida para o Noviciado. Ao término desse tempo, o noviço faz o pedido para se tornar Irmão e se aceito, faz a profi ssão religiosa. Já como Irmão, continua a formação no Escolasticado.

Três anos depois, Irmão Adorátor que veio da França na condição de visitador residente, concluía que apesar de constar do contrato o recruta-mento de vocações, não se chegou “a pôr em prática essa linda teoria”.11 Não obstante, o primeiro Irmão marista brasileiro, José Antônio Batalha, entrou no Juvenato de Mendes em setembro de 1904, sete anos após a fundação da obra marista no país.

10 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 64.11 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 66.

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A Fazenda das Paineiras, em Mendes, foi adquirida em 1903, bem a tempo de receber os Irmãos vindos da França. Tornou-se local privilegiado da formação dos religiosos abrigando em diferentes intervalos de tempo, Juvenato, noviciado12 e Escolasticado. Em 1914, Irmão Isidoro Dumond, superior provincial, escrevendo ao pároco de Varginha (MG), fala de um prospecto do Juvenato e noviciado em Mendes, e solicita ao pároco de en-contrar “algum bom menino de 11 anos, mais ou menos, que quisesse dedicar-se ao ensino religioso em nossa Congregação”, e ao fi nal comen-ta: “Quanto mais Juvenistas bons encontramos no Brasil, mais depressa responderei ao pedido dos senhores fundadores de escolas religiosas”.13

Nos primórdios da obra marista no Brasil, as vocações brasileiras eram poucas e o recrutamento vocacional era fraco. Algumas razões parecem estar na fonte dessa situação. Além da presença de grande quantidade de Irmãos europeus, havia a difi culdade de adaptação dos vocacionados bra-sileiros “aos padrões religiosos típicos do catolicismo francês”.14

A avaliação do Irmão Adorátor, visitador na época, sobre a quali-dade moral dos vocacionados é bem negativa:

“Para ser exato, é necessário dizer que o Brasil, pelo seu clima e pouca profundidade do cristianismo, não é tão favorável como a França para o desenvolvimento da vocação. A renúncia, o espírito de sacrifício, a constância, sem o que não há vida religiosa não são virtudes correntes. É necessário tentar muito para escolher um eleito.”15

Além disso, havia o obstáculo da mentalidade clericalista da popu-lação, que tinha difi culdade para entender a especifi cidade da vocação religiosa laical.16

Uma das estratégias para o incremento vocacional autóctone consis-tiu em arregimentar novos candidatos na zona agrícola das colônias de

12 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 126. Esse registro é de 1901. A ereção canônica do noviciado de Mendes deu-se em 9 de janeiro de 1905. Cf. AZZI, p. 209.13 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 108.14 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 208.15 IRMÃO ADORÁTOR, Vinte anos de Brasil. São Paulo: Simar, 2005, p. 244-245.16 Diz Irmão Adorátor em suas “anotações”: “Constituiu não pouca estranheza dos brasileiros saber que não éramos sacer-dotes. (...) No seu conceito, todo religioso é padre”. Vinte anos de Brasil, p. 244-245.

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imigrantes europeus do Paraná e Santa Catarina, fundando aí comunida-des formadoras.

Irmão Weibert, primeiro visitador da Província do Rio Grande do Sul, escrevia ao superior geral do Instituto em 1902, dois anos após a chegada dos Irmãos: “Anelamos veementemente pelo dia em que, cremos próxi-mo, um dos nossos venerados superiores virá reconhecer a necessidade para o Instituto de termos aqui uma casa de formação religiosa e pe-dagógica”.17 Em 1908, Bom Princípio abrigou o noviciado recém-aberto. “Em 1916, ingressavam no Juvenato de Bom Princípio dois alunos de Santa Cruz. Até 1921, doze já haviam pertencido à congregação marista enquanto outros doze haviam ingressado no seminário. ”18

Assim como outras congregações, os maristas conseguiram recrutar grande número de jovens para suas obras nascentes. Logo novas fren-tes apostólicas puderam ser abertas, pois cresciam o número de Irmãos professos. Mas há também as características próprias desses meninos vindo das colônias de imigrantes. O historiador Azzi pondera a respeito disso: “Esses novos educadores eram homens profundamente religiosos e bem preparados intelectualmente, mas dotados de uma mentalidade conservadora em termos de organização política e social do país”.19

Nas regiões Norte e Nordeste os Irmãos maristas chegaram em 1903. Sete anos depois, o provincial Irmão Alípio decidia a fundação do noviciado que começou em Ponte d’Uchoa e foi transferido no ano se-guinte para a nova casa construída em Apipucos. O recrutamento inicial não deu muito êxito, faltava método e continuidade. Já o trabalho feito no Ceará deu mais frutos, pois ali o processo de romanização tinha sido mais intenso.20

A principal fonte de vocações, no entanto, continuou a ser a Europa, onde a província mantinha casas de formação próprias. Isso quer dizer que também se recrutava e se formava na França os Irmãos que viriam trabalhar no Brasil.

17 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 344.18 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 344.19 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 345.20 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 419.

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Com a 2ª Guerra Mundial esse fl uxo foi cortado. A solução foi investir no recrutamento local. Para receber os “vocacionados brasileiros”, cons-truiu-se uma casa destinada ao Juvenato, primeiro em Missão Velha, Ce-ará, e depois em Apipucos, a partir de 1943. O problema rapidamente se tornou solução: “Em 1947 cerca de 50 alunos frequentavam o Juvenato, preparando-se dessa forma para ingressar nas fi leiras maristas”.21

O esforço para se obter um número sempre maior de Irmãos brasileiros nem sempre foi acompanhado pelo processo de inculturação e a autonomia local. Assim, “os primeiros vinte e cinco anos de presença marista no Brasil foram marcados por forte infl uência da mentalidade e cultura francesa, es-tando todas as obras sob direção de religiosos dessa nacionalidade”.22

Faz pensar

Conviver com a diversidade econômica, cultural e religiosa é en-riquecedor, mas também pode gerar difi culdades. Vimos que em alguns momentos, julgou-se que os meninos brasileiros não ti-nham as aptidões para a vida religiosa marista pensada a partir do modelo francês.

Na animação vocacional, partimos de modelos prontos ou pro-curamos escutar e entender os jovens e adultos a partir de seus valores e de sua visão de mundo?

1.4 VITALIDADE VOCACIONAL COM A II GUERRA MUNDIAL (1938-1945)

No período pós-guerra, as Províncias conheceram grande prosperidade vocacional, que durou praticamente até o Concílio Vaticano II. No Rio Gran-de do Sul, em 1952, 331 Juvenistas estavam espalhados nos quatro Juve-natos; em 1960, 369.23 Em Santa Catarina, com o fechamento do internato em Joaçaba, foi criado o Juvenato em 1956. Três anos mais tarde chegou a

21 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 2, p. 190.22 AZZI, História da educação católica no Brasil, p. 419. O autor chama a atenção para as diferenças regionais. No centro leste, a infl uência maior vem da mentalidade francesa. No sul, esta se mistura à italiana e alemã. No norte e nordeste, houve um esforço maior para assimilar a cultura local (p. 423).23 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 3, p. 288-293.

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abrigar 120 Juvenistas.24 A Província de São Paulo mantinha Juvenatos em Curitiba, Ponta Grossa e Londrina, que foram fechados na década de 1970.

Na Província do Brasil Norte, em 1943, foi inaugurado um Juvenato em Missão Velha, Ceará, para meninos de menor idade, que funcionou até 1963. Também no Distrito do Amazonas foram inauguradas comuni-dades formadoras em Manaus e Lábrea, no esforço de se promover vo-cações autóctones. O noviciado funcionou em Apipucos até 1952, quando foi transferido para Lagoa Seca no ano seguinte: “A inauguração do novi-ciado em Lagoa Santa era a demonstração da vitalidade da Província nos anos 50 em termos de recrutamento vocacional”.25

A profusão de vocações coincide com o crescimento do Instituto em todo o mundo. Em 1o de janeiro de 1967, havia no Instituto 9.704 Irmãos, 421 noviços, 389 postulantes e 5.873 jovens seminaristas.26 A compara-ção entre número de noviços e de jovens seminaristas (Juvenistas) mos-tra que, para cada dez meninos que entravam para as etapas iniciais de formação menos de um chegavam ao noviciado.

Tal desproporção se explica, em primeiro lugar, pela pouca idade dos vo-cacionados. Muitos entravam no Juvenato com a idade entre 10 e 12 anos. O discernimento das motivações e a difi culdade de acompanhar os estudos, entre outras razões, levavam a maioria a abandonar o processo formativo.

Na região nordeste e norte, a principal fonte de vocações eram os colégios. Não obstante, o foco também estava nos meninos: “Os arbustos são trans-plantados quando tenros; raras árvores, já formadas, suportam mudança sem perigo de secar; os animais são domesticados quando novos, logo que capa-zes de suportar a carga. O mesmo se dá no campo religioso, salvo exceções”.27 Aqui igualmente se fala de necessária mudança de ambiente, para deixar a “sociedade paganizada”, que existia também no colégio marista e para desen-volver a vocação num espaço seguro. Em 1974, esse quadro ainda predomina-va: 80% dos Juvenistas eram oriundos dos colégios.28

24 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 3, p. 205.25 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 3, p. 363.26 INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS. Nuestra historia marista. Separata da Revista Presencia, n. 7, Espanha.27 Artigo publicado na revista vocacional L´Ami, novembro de 1948, p. 106-107. Citado por AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 3, p. 354-355. O articulista cita duas correntes em voga na época: levar para os vocacionados o mais cedo possível para os seminários; ou deixar que a vocação seja provada, que o candidato tenha dado provas de força física e moral. E a seguir indica qual a seguida pelos Maristas: “nós todos nos fi liamos à primeira”.28 SIMAV, Ata da 3ª reunião, 11-12 de novembro de 1975.

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Nesse período, que chega até o início da década de 1970, o Instituto tem sua máxima expansão da obra marista em terras brasileiras. A inauguração de colégios e outras iniciativas levou ao crescimento no número de Irmãos, fruto de um trabalho de recrutamento vocacional profundo e bem articulado.

Um texto do então Juvenista Luís Scalco, da Província Rio Grande do Sul, de 1952, retrata bem as diferenças entre “mundo” e Juve-nato. Esse texto foi publicado na revista vocacional Voz de Maria:29

“Depois de ter passado um tempo fora, no mundo, encontrei-me de novo no vergel da Virgem, entre fl ores perfumadas, recendendo perfumes que em nenhum lugar são exalados senão aqui. Mui-tas vezes, no decorrer do ano, se pensa que no mundo se pode ser mais feliz. Nas férias verifi ca-se que lá não há felicidade. (...) Provei o mundo e o Juvenato, sei o que há lá e aqui. Por ser eu co-nhecedor da vida do Juvenato, depois de passar um mês entre os mundanos tive saudades desta mansão. Voltei para poder gozar de novo as graças que sempre gozei como Juvenista.”

1.5 MODELOS DE PROMOÇÃO VOCACIONAL NO BRASIL MARISTA

Na década de 1920, a vinda do Irmão Estratônico, então superior geral, ajudou a incentivar a arregimentação de novas vocações.30 O modelo em voga que perdurou até o Vaticano II e mesmo depois, era a designação de Irmãos com a tarefa de visitar locais com potencial de vocações. Em geral, esses “celeiros” fi cavam nas áreas de migração europeia: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo. No Nordeste, destacava-se o Ceará.

Teve forte impacto no processo de promoção vocacional a II Guerra Mundial, pois esta tornou mais difícil a vinda de Irmãos da Europa, prá-tica até então comum. “Para suprir essa carência foi instituída a fi gura do recrutador, cuja função consistia em visitar as paróquias, escolas e as famílias na descoberta e no cultivo de vocações para a vida religiosa na Congregação Marista. ”31 Alguns Irmãos se destacam nesse cenário:

29 Voz de Maria, ano III, n. 15, jan-fev 1952, p. 4. Citado por AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 3, p. 290-291.30 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 2, p. 400.31 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 2, p. 400.

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no Rio Grande do Sul, Estratônico, Mário Livino, Estanislau José, Emilio, Ulrich e Afonso; no Brasil Central, Exuperâncio e Frumêncio; em Santa Catarina, Fridolino; no Norte, Joaquim e Ambrósio.

A Província do Norte também se utilizava da fi gura do recrutador, mas havia um trabalho mais constante nos colégios para se conseguir voca-ções desse ambiente. Em um artigo da revista L’Ami de 1948, encontra-mos o seguinte apelo: “Recrutador é também todo Irmão que (...) apro-veita das aulas de catecismo para oportunamente despertar nas almas dos alunos a estima e a admiração pela vida religiosa”.32

O trabalho dos recrutadores é elogiado por um cronista da época: “É consolador o número de vocações colhidas em boas famílias, fruto das orações e do trabalho dos Irmãos, de modo particular dos Irmãos recru-tadores, que não medem sacrifícios a fi m de trazer ao Juvenato elemen-tos aptos para a vida de Irmão Marista”.33

Recomendações aos recrutadores, sugeridas pelo Irmão Felício:

“É necessário estudar cuidadosamente seu candidato, e na questão da vocação, ter em conta muito mais o lado objetivo do problema do que a atração subjetiva manifestada pelo rapaz. Sabemos que o problema da escolha é um problema difícil. O melhor é não se ter excessiva severidade que exigiria dos meninos uma perfeição impossível, ou então, evitar-se de cair no oposto: ilusão de se ver vocação por toda parte. Os dois extremos devem ser evitados.”34

Outras estratégias de promoção vocacional foram sendo criadas. Uma delas era a distribuição de prospectos vocacionais, prática que vem desde Champagnat. Acima já foi citado o prospecto distribuído no início do século 20 apresentando a comunidade de Mendes. Outra era a divulgação da vida de Champagnat por meio de edições populares, publicadas pela FTD e por outras editoras. As revistas, como L’Ami, da Província Brasil Norte, Voz de Maria, da Província de Porto Alegre, e Boletim dos Juvenatos dos Irmãos Maristas, da Província Brasil Central, também tinham escopo vocacional e ajudavam a dar a conhecer a vida nas comunidades maristas de formação.32 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 3, p. 353.33 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 3, p. 288.34 IRMÃO FELÍCIO, Recrutamento. Voz Marista, n. 22, março de 1958, p. 47.

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O modelo de recrutamento vocacional seguido pelo Instituto era o mes-mo de outras congregações, mas não existia trabalho em conjunto entre elas, embora haja exemplos de cooperação, por exemplo, dos maristas com jesuítas e franciscanos. Cada qual buscava maneiras de atrair candi-datos para a própria seara. Não obstante o clericalismo reinante, é signi-fi cativo que os Irmãos Maristas tenham conseguido se expandir em solo brasileiro, a ponto de se tornar uma das congregações mais numerosas.

Os destinatários principais dessas estratégias eram os meninos ainda mal entrados na puberdade. As razões para isso eram várias. No âmbito teológico, signifi cava tirar do mundo o mais cedo possível os candidatos à vida consagra-da, para inseri-los no espaço seguro dos seminários, onde a vocação poderia ser cultivada, sem os riscos a que todo adolescente estava sujeito: “Predomi-nava nessa época a ideia de que a formação dos futuros religiosos ou sacer-dotes deveria ser feita em ambientes totalmente separados dos demais jovens destinados à vida designada como ‘secular’ ou ‘profana’”.35

No âmbito pedagógico, acreditava-se que a decisão vocacional, que in-cluía obviamente o chamado divino, acontecia principalmente nesse período da vida e era tarefa dos Irmãos formadores promover essa vocação. Permitia também desenvolver as características próprias dos Irmãos maristas.

No plano prático, dava-se a oportunidade para meninos com aptidões para a vida religiosa de continuarem os estudos, visto que, em especial nas províncias do sul, a maioria vinha da região rural, sem perspectivas de continuação dos estudos.

Para ser admitido no Juvenato é preciso:1. ter 11 anos;2. gozar de boa saúde;3. ter bom gênio, boa vontade e índole dócil e fi rme que se dobre

à vontade dos superiores;4. ter amor ao trabalho e talento necessário para vir a ser bom

mestre;5. ser de família honesta, fi lho legítimo e de boa fama a respeito

da moralidade e probidade.36

35 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 2, p. 430.36 Informações publicadas na revista Boletim dos Juvenatos dos Irmãos Maristas, n. 25, 1944, p. 16.

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Tratava-se ainda de uma visão eclesiológica que divide a realidade em dois mundos antagônicos: o mundo, cuja tendência é arrastar para o mal, para o vício, para o pecado, mas onde se encontram todas as pesso-as, também as crianças e jovens que precisam ser resgatados; e a Igreja, organizada hierarquicamente, que oferece nos sacramentos praticamen-te o único caminho de salvação. Pode-se falar de uma luta travada entre poder espiritual e poder temporal. O vocacionado sai do primeiro espaço para o segundo e isso é feito de forma radical: “Não olhar para trás! ”.

É verdade que as décadas de 1940 e 1950 conheceram já o sopro da renovação, como a Ação Católica e outras iniciativas sociais, a refl exão fecunda de teólogos católicos como K. Rahner e D. Chenu, as interven-ções contundentes de Pio XII, os movimentos litúrgico, bíblico, ecumê-nico e outros. Essa renovação atingiu grupos e setores do Instituto, mas não produziu de imediato reação mais profunda, sobretudo no que diz respeito à visão que se tinha então de vocação cristã e consagrada.

Faz pensar

Deu para perceber que a escolha da idade em que se começa a trabalhar o tema da vocação depende da visão de Igreja e também da visão das ciências humanas.

Um texto do Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM) sobre vocações de 1967 diz assim: “Normalmente a opção voca-cional não é uma decisão de momento, mas o ponto culminante de todo um processo de maturação, e, por vezes, intensamente interiorizado”.37

Para você, em que etapa da vida se começa a pensar em vocação e projeto de vida? Qual a melhor idade para se entrar no processo de formação inicial?

37 CELAM, A Pastoral das Vocações na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1968, p. 57.

21

O Concílio Vaticano II (1962-1965) propõe um novo modo de ser Igreja e, consequentemente, um novo modo de se conceber o processo vocacional.38 Externamente, a Igreja passa a olhar o mundo como realidade complexa, mas fundamentalmente positiva, onde Deus está presente. A modernidade rejeitada pelo Vaticano I é agora saudada como conquista humana que pode conduzir a um mundo melhor: subjetividade, cultura, ciências, tecnologias, direitos humanos etc. Esse otimismo talvez exagerado sob certo ponto, aju-dou a recuperar os espaços de diálogo com diferentes grupos da sociedade, com outras confi ssões religiosas, com o ser humano moderno.

A Igreja também busca melhor autocompreensão. Passa de uma Igre-ja hierárquica para uma Igreja de comunhão. O Concílio proclama uma eclesiologia bíblica, ecumênica, missionária, sacramental, eucarística, comunhão, harmônica, escatológica, dinâmica, pastoral, valorizadora do fi el.39 A santidade pertence a todos os cristãos e o batismo é a fonte da vocação comum. As estruturas de governo e a ação pastoral ganham a partir dessa visão, nova dinâmica. A vida religiosa por sua vez, recebe a tarefa de renovar sua presença na Igreja e no mundo, por meio da “re-fundação” carismática.40

Nessa nova perspectiva, a Igreja comunhão não se organiza priori-tariamente por suas estruturas jurídicas, mas se alimenta do esforço

38 Para uma visão geral esse tema, veja-se J. B. LIBANIO, Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005.39 J. B. LIBANIO, Concílio Vaticano II, p. 102.40 São bastante elucidativas a esse respeito, pelo conteúdo e pelas perspectivas, as Circulares do Irmão Basílio Rueda ao longo de 1968, durante o XVI Capítulo Geral.

2. Desafios e perspectivas apar tir do Concílio Vaticano II

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comum e integrado de todos os seus membros. Sua ação é ação pastoral, tanto para ser pôr a serviço da humanidade41 como para se estruturar internamente.42

Qual o impacto dessas mudanças nos processos de animação voca-cional marista no Brasil? Antes de tentar responder a essa questão, ve-jamos como isso se deu no plano mais amplo da Igreja.

2.1 A VOCAÇÃO NO CONTEXTO DA IGREJA TODA ELA VOCACIONADA E MINISTERIAL

Um dos impactos mais imediatos e estridentes do Concílio foi a di-minuição signifi cativa de religiosos, seja pela exclaustração e laicização de muitos deles, seja pelo decréscimo no número de “vocacionados”. Na prática, signifi cou a diminuição ou até extinção de comunidades religio-sas e de frentes de missão.

Por outro lado, surgem novos espaços de vivência da consagração e da ação apostólica, vários deles com proposta de diferentes modalidades de vida comum, consagração, relação entre leigos e consagrados, mis-são etc. Há grupos com alcance mais local, enquanto outros se estendem em vários países e regiões.

A animação vocacional, que até então dependia de algumas iniciativas pontuais, ganha novo impulso com o Concílio.43 De 1965 a 1970, foram realizados quatro congressos internacionais com foco no aprofundamen-to teológico da vocação. No lado operativo, foi incentivada a criação de centros diocesanos de vocações. Em 1981, realizou-se o II Congresso In-ternacional Vocacional. O Documento Conclusivo tornou-se de imediato uma “carta magna” sobre o tema. A respeito dos lugares de pastoral vocacional, o documento destaca os seguintes: oração, catequese, tes-

41 VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 40-45. Na Parte II (46-90), o documento apresenta os problemas mais urgentes, para os quais a Igreja olha com solicitude: família, cultura, vida econômico social, comunidade política, união dos povos e paz.42 Além da Constituição Dogmática Lumen Gentium, outros documentos tratam da organização da Igreja em diferentes âm-bitos: liturgia (Sacrossantum Concilium), ministérios ordenados (Christus Dominus, Presbyterorum Ordinis, Optatam Totius), laicato (Apostolicam Actuositatem), vida religiosa (Perfectae Caritatis), ação missionária (Ad Gentes), relação com outras Igrejas (Unitatis Redintegratio, Orientalium Ecclesiarum).43 V. MAGNO, Pastoral de las vocaciones. Historia. In: E. BORILE; L. CABBIA; V. MAGNO (dir.), Diccionario de Pastoral Voca-cional. Salamanca: Sígueme, 2005, p. 854-862.

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temunho, atenção ao mundo dos jovens e organismos da pastoral voca-cional.44

No início da década de 1990, duas publicações importantes alavancam a pastoral vocacional: Exortação Apostólica Pastor Dabo Vobis, do papa João Paulo II, e Catecismo da Igreja Católica. O foco da Exortação Apostó-lica são as vocações sacerdotais, mas o papa chama atenção para a res-ponsabilidade de toda a Igreja na promoção do “Evangelho da vocação”: “a dimensão vocacional é conatural e essencial na pastoral da Igreja” (n. 34). O Catecismo embora trate, na primeira seção da terceira parte, da “Vocação do homem: a vida no Espírito”, não fala especifi camente de animação vocacional.

No âmbito latino-americano, celebrou-se o 1º Congresso Latino-A-mericano de Vocações em Lima, Peru, em 1966, com o tema “A Pastoral das Vocações na América Latina à luz do Concílio Vaticano II”. O docu-mento fi nal traz as conclusões gerais com orientações pastorais para os diversos grupos. Traz também uma síntese doutrinal, que inova na forma como analisa o conceito de vocação.45

Em 1994, em Itaici, na perspectiva da nova evangelização, realizou--se o I Congresso Continental Latino-Americano de Vocações,46 com o tema “A Pastoral Vocacional do Continente da Esperança”. Colocou-se como desafi o a compreensão de uma nova forma de se fazer pastoral vocacional, tendo em conta três etapas do processo: despertar, discernir e acompanhar. Em 2011, Cartago, na Costa Rica, recebeu os quase 500 participantes do 2º Congresso Continental, que teve como principal obje-tivo fortalecer a cultura vocacional, para que os vocacionados assumam seu chamado de serem discípulos missionários de Cristo nas circunstân-cias atuais da América Latina e Caribe.

Houve um signifi cativo avanço na compreensão do conceito de voca-ção e de sua relação com as outras dimensões pastorais da Igreja, in-centivando o envolvimento de todos os batizados na animação vocacional, na criação de uma cultura vocacional. De outra parte, não se conseguiu

44 MAGNO, Pastoral de las vocaciones, p. 858.45 CELAM, A Pastoral das Vocações na América Latina.46 Chama atenção o fato de não haver, nesse Congresso, a memória do anterior, ocorrido quase vinte anos antes. Na prática, esse foi o segundo, não o primeiro Congresso.

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afastar o clericalismo ainda dominante quando se pensa em vocações, nem se deu a importância devida às contribuições da Igreja latino-ame-ricana em relação ao tema.

2.2 ORGANIZAÇÃO DA PASTORAL VOCACIONAL NO BRASIL

No Brasil,47 sob a infl uência das Conferências do Episcopado Latino--americano (Medellín, Puebla, Santo Domingo), dá-se um amplo proces-so de organização da pastoral levada avante pela CNBB e pelas comuni-dades. A dimensão vocacional já aparece como preocupação no primeiro Plano de Pastoral de Conjunto, elaborado para o período de 1966-1970. Em 1971, é criado o Setor Vocações e Ministérios, estabelecendo uma relação que aponta para a mudança de perspectiva, com maior atenção à vocação e missão dos leigos e leigas.48

No começo da década seguinte, três acontecimentos marcam um novo período para a animação vocacional no país: a elaboração do Guia Peda-gógico da Pastoral Vocacional,49 a consagração de 1983 como Ano Vocacio-nal e a instituição do mês de agosto como Mês Vocacional.50 No horizonte há, sem dúvida, a diminuição de vocações sacerdotais e religiosas, mas em jogo está uma nova compreensão da vocação, inserida na vocação ba-tismal comum, na dimensão ministerial da Igreja e na responsabilidade de todos na pastoral vocacional.51

No fi nal do milênio, aconteceu o 1º Congresso Vocacional do Brasil cujo documento fi nal tornou-se importante diretriz para a animação vo-cacional no país.52 Em 2003, vinte anos depois do primeiro, a CNBB pro-clamou novo Ano Vocacional e lançou o texto-base para sua preparação.53

47 Para um olhar sobre a memória da animação vocacional no Brasil, ver CNBB, 2º Congresso Vocacional do Brasil: texto--base. Brasília: CNBB, 2004, p. 11-21, e a bibliografi a citada na nota 3.48 Em 1999, fruto da refl exão e da prática dos anos anteriores, a CNBB lançou o Documento Missão e ministérios dos cris-tãos leigos e leigas (Documentos da CNBB 62. São Paulo: Paulinas, 1999). “Esse documento é muito importante porque reúne num texto ofi cial as premissas teológicas mais signifi cativas que nasceram a partir de uma longa experiência. Nele confl uíram a práxis e a refl exão por ela suscitada” (CNBB, 2º Congresso Vocacional do Brasil, p. 19).49 CNBB, Guia Pedagógico de Pastoral Vocacional. Estudos da CNBB 36. São Paulo: Paulinas, 1983.50 CNBB, 2º Congresso Vocacional do Brasil, p. 17. O Serviço Interprovincial de Animação Vocacional (SIMAV) teve, na orga-nização desse evento, uma importante contribuição.51 OLIVEIRA, J. L. M., Evangelho da vocação: dimensão vocacional da evangelização. São Paulo; Loyola, 2003, p. 23-30.52 CNBB, Vocações e ministérios para o novo milênio: Documento fi nal do 1º Congresso Vocacional do Brasil. Brasília: CNBB, 1999.53 CNBB, Batismo, fonte de todas as vocações: Texto-base do Ano Vocacional 2003. Brasília: CNBB, 2002.

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Dois outros congressos vocacionais marcaram o primeiro decênio do século 21: em 2005 e 2010.54 Ambos mostram, de um lado, a vitalidade da refl exão vocacional, inserida em “novas praças”, buscando presença mais signifi cativa no contexto atual; de outro, a preocupação com a di-minuição das vocações sacerdotais e religiosas, motivada por mudanças mais profundas na vida das pessoas e da sociedade.

A renovação do movimento vocacional não fi cou apenas na elaboração de materiais e na realização de grandes eventos. Em muitas dioceses e paróquias surgiram grupos de animação vocacional com participação de leigos, ministros ordenados e religiosos.

Outro ponto positivo foi a articulação com outras pastorais e movimentos sociais. Desde Medellín, amadureceu na Igreja latino-americana a consci-ência de ser chamada para o serviço dos mais pobres. Isso provocou, em diversos contextos, uma refl exão crítica sobre os processos de animação vo-cacional. A Pastoral da Juventude, em particular, levou ao olhar mais atento para as demandas da juventude, agora protagonista de seu projeto de vida.55

Em alguns contextos, no entanto, predominaram duas atitudes con-trastantes com esses avanços. De um lado, muitas congregações religio-sas continuaram a desenvolver uma animação vocacional desvinculada das Igrejas locais, favorecendo um tipo de mentalidade de “recrutamen-to” vocacional. De outro, privilegiou-se a vocação sacerdotal, em detri-mento da variedade de vocações e ministérios na Igreja.

Faz pensar

Um dos pontos mais fortes da renovação eclesial foi a nova maneira de conceber a comunidade dos batizados a partir dos ministérios a serviço da missão evangelizadora. A vocação não se esgota numa relação intimista com Deus, mas na abertura para a realidade.

Você considera que essa concepção já foi assimilada pela sua co-munidade cristã?

54 CNBB, 2º Congresso Vocacional do Brasil; CNBB, Discípulos e missionários a serviço das vocações: Conclusões do 3º Congresso Vocacional do Brasil. Brasília: CNBB, 2010.55 CNBB - Setores de Juventude e Vocações e Ministérios (org.), Assessoria vocacional a grupos de jovens. Como Fazer PJB 3. São Paulo: Loyola, 2001.

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2.3 NOVOS DIRECIONAMENTOS DO INSTITUTO

O Instituto Marista procurou responder rapidamente aos apelos da Igreja e da sociedade. Em 1976, o XVII Capítulo Geral reconhece os es-forços para se renovar a animação vocacional no Instituto: “Em diversas regiões do Instituto algumas Províncias têm aprofundado o sentido de sua vida religiosa e se comprometeram com uma pastoral vocacional se-riamente organizada: surge já uma nova geração portadora de futuro”.56 As Constituições e Estatutos do Instituto, aprovados em 1986, tratam da pastoral vocacional nos números 92, 93 e 94. No ano seguinte, Irmão Charles Howard, então superior geral, endereça ao Instituto a Circular intitulada “Pastoral das Vocações”, com considerações de ordem teoló-gica e com sugestões para a ação das províncias.57

Em 1993, a pedido do XIX Capítulo Geral, o Instituto lança o Guia da Formação. O Capítulo 2 trata da Pastoral Vocacional: associa-a à pastoral da juventude e à educação; estabelece elementos antropológicos, bíbli-cos, teológicos e maristas; orienta o processo de organização da pastoral nas províncias; apresenta as etapas do despertar e do acompanhamento; apresenta os meios e os sujeitos da pastoral vocacional. Por fi m, orienta a elaboração do Plano Provincial.58

O XXI Capítulo Geral de 2009 pede às Províncias “rever os programas de pastoral juvenil, de pastoral vocacional, de formação inicial e perma-nente para favorecer uma melhor compreensão da identidade do irmão marista, no mundo de hoje, e fomentar um crescimento integral nas di-mensões humana e espiritual”.59

Há outro movimento do Instituto nestes últimos anos que representa, tal-vez, uma das mais signifi cativas mudanças na concepção de vocação marista: a compreensão de que a ela diz respeito, não apenas aos religiosos Irmãos, mas às leigas e leigos. Esse tema aparece explicitamente no documento Em torno da mesma mesa: a vocação dos leigos maristas de Champagnat, de 2009, e ganha plena força nas conclusões do XXI Capítulo Geral: “Vemos o nosso futu-

56 INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, Irmãos Maristas, hoje: Carta do XVII Capítulo Geral. Roma, Instituto dos Irmãos Maristas, 1976.57 HOWARD, C. Pastoral Vocacional. Circulares dos Superiores Gerais, vol. XXIX, 1987.58 INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, Guia da Formação. Roma, 1993, p. 33-44.59 INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, Atas do XXI Capítulo Geral. Roma, 2010, p. 61.

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ro marista como comunhão de pessoas no carisma de Champagnat, no qual se enriquecem mutuamente as nossas vocações específi cas”.60

Conta Ir. Joe Mc Kee, vigário geral do Instituto, sobre uma experi-ência vivida no Peru:

“Um dia fomos com alguns Irmãos à Catedral, e há um museu no qual entramos como sendo religiosos, porém quando quise-mos entrar na Catedral, disseram que só podiam entrar grátis os sacerdotes e as religiosas, mas que não sabiam o que fazer com nossa situação”.61

No conjunto desses quase cinquenta anos desde o Concílio Vaticano II, o Instituto respondeu ao apelo de renovação em diferentes movimentos: leitura da realidade, volta às origens maristas, novos paradigmas teológicos e ecle-siológicos, repensamento da identidade do Irmão e do leigo e leiga marista, revisão das estruturas e dos processos de formação, atenção às crianças e jovens pobres. São temas fundamentais, muitos de grande originalidade e profetismo, que vão bem além do simples incremento no número de Irmãos.

2.4 ANIMAÇÃO VOCACIONAL NAS PROVÍNCIAS BRASILEIRAS: TEMPO DO SIMAV

Os Maristas no Brasil acompanharam de perto os acontecimentos renovadores da Igreja. A mudança se deu em vários âmbitos, em especial na educação e na catequese, mas também na animação vocacional e na formação. Uma atitude importante nesse processo foi o esforço de sair dos próprios muros e dividir experiências, refl etir juntos, inventar novas modalidades. A Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) teve papel importante seja para propor espaços de refl exão dos temas conciliares para a vida consagrada, seja para promover vivências comuns entre as diferentes tradições carismáticas.

Os Irmãos das várias províncias passaram a participar de eventos, cursos, grupos de estudo e outras atividades, no âmbito teológico e pas-

60 INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, Atas do XXI Capítulo Geral, p. 62.61 http://www.champagnat.org/400.php?a=6&n=3117#sthash.OZ94yRxI.dpuf. Acesso em: 28 de janeiro de 2014.

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toral. Em 1968, por exemplo, 46 Irmãos estiveram presentes (de um total de 114 inscritos) para o Curso de Férias sobre Pastoral Vocacional.62 Na avaliação de Azzi, “não obstante as difi culdades encontradas, foram da-dos pelos Maristas passos signifi cativos na linha da renovação pastoral apregoada pelo Vaticano II”.63

No período pós-conciliar, as províncias maristas buscaram maior in-tegração entre elas por meio de vários organismos. Um deles foi o Servi-ço Interprovincial de Animação Vocacional, SIMAV, criado em 1974. Eram três os objetivos inicialmente: 1) somar esforços no setor de propaganda vocacional e missionário; 2) chegar, se possível, à fi xação de um folheto para cada um dos setores para o ano de 1974; 3) acima de tudo incre-mentar mais a nossa amizade e fraternidade Maristas.64

A primeira década é marcada por uma postura mais crítica e refl exiva em relação à pastoral vocacional. Pode-se ver isso tanto nas refl exões teológicas e pastorais, como na avaliação das províncias em relação ao caminho feito. A constante troca de experiências permitiu um salto de qualidade na concepção de vocação e na elaboração de estratégias de animação.6566

Problemática Vocacional do Brasil Marista - 197566

Pontos negativos Pontos posi-tivos

Prioridades Prioridades p/ o Brasil Marista

Doutrina

- Não tem equipe Ma-rista bem organizada a nível provincial, devido à importância

- Início de trabalho em nível de Igreja

- Trabalho Apos-tólico

- Renovação Marial

- Anúncio explí-cito, sem medo, tendo em vista a Igreja em geral e a Igreja em particular

- Pouco agressi-vo em extensão e em profundidade e aprofundamento (acompanhamento)

- Pastorali-zação

- Pastoralização - Celebração Champagnat mais envolvente

- Participação comunitária nos objetivos

62 RODRIGUES, N. B. Ação inovadora dos Irmãos Maristas no sul do Brasil (1900-2000). Porto Alegre: 2000, p. 239.63 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 4, p. 30.64 SIMAV, Ata da 1ª Reunião, São Paulo, 11 de março de 1974. Para essa parte utilizaremos o material pertencente ao Arquivo da Umbrasil.65 Nos anexos das Atas, encontramos vários estudos que serviram de base para o aprofundamento da equipe do SIMAV.66 SIMAV, Ata da 4ª Reunião, 11-12 de 1975.

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- Carência de encar-nação

- Núcleos vocacionais

- Presença dos Irmãos

- Jovens elabo-rando material vocacional (for-madores)

- Pastoral de opção dentro da pastoral cate-quética dando segmento personalizado

- Pastoral setorizada - Oração pe-las vocações

- Pastoral da Ju-ventude implemen-tada

- Juvenato que seja Escola de Fé

- Pastoral vocacional desligada das comu-nidades e casas de formação

- Redesco-berta vocacio-nal excelente

- Comunidades Maristas mais aco-lhedoras

- Encontros com as famílias dos Irmãos

- Carência de Irmão na ação pastoral

- Maior sele-tividade

- Coesão provincial da pastoral voca-cional

- Provocar uma Reunião Latino-A-mericana de Pas-toral Vocacional.

- Família descompro-missada vocacional-mente

- Encontros vocacionais

- Condições ma-teriais

- Material voca-cional atualizado

- Alunos descompro-missados

- Apoio das famílias

-Seletividade cri-teriosa

- Oração pelas Vo-cações (Calendário)

- Irmãos liberados para a promoção Vocacional

- Profi ssão mais participada (Profi s-são ou Renovação dos votos)

Na esteira do 2º Congresso VocacionaI Internacional (1981), vários eventos são promovidos em âmbito latino-americano e nacional, a fi m de se repensar as estratégias de animação vocacional.67 Nesse perío-do, SIMAV teve papel importante na organização de eventos vocacionais. Em 1981, foi proclamado Ano Vocacional Marista, com o objetivo de “ser um movimento de pastoral, visando possibilitar aos membros da Família Marista uma resposta mais consciente aos apelos de Deus”.68 No ano se-guinte, celebrou-se o Congresso Marial, em Mendes, com o tema “Maria educa o jovem para ser Igreja”.

67 SIMAV, 1º Encontro Nacional Marista de Animação Vocacional. 18 a 29 de janeiro de 1987. Simav, São Paulo (mimeo.)68 SIMAV, Ata da 13ª Reunião, 4-6 de setembro de 1980. A sugestão foi feita pela equipe do SIMAV, na 10ª Reunião, e encami-nhada para os provinciais.

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Dois anos antes, em 1980, realizou-se o 1º Encontro Latino Americano de Pastoral Vocacional Marista (ELAPVM) em Mar del Plata, Argentina, cujo tema foi “Pastoral vocacional prioritária, entusiasmante na renova-ção da alegria de ser marista”.

Em 1983, Curitiba, Paraná, acolheu o 2º ELAPVM, com o tema “A Pas-toral Vocacional, coração do apostolado marista”. Três anos depois, em Santiago, Chile, aconteceu o 3º ELAPVM, com o desafi ante tema “A Pas-toral Vocacional, coração da formação, voltada para o pobre e oprimido”. Se observamos os temas dos três Encontros, é possível notar a mudança de acento: do esforço de ter uma pastoral “entusiasmante”, para uma visão mais próxima das urgências da Igreja no continente.

Experiências vocacionais (1986)69

Ir. Joaquim comunicou o resultado da Semana de estudos e convi-vência, tipo Escola de líderes, com 20 jovens de 2º grau. O objetivo é vocacional e o resultado é promissor. Também falou de experi-ência com alunos voluntários ajudando a construir casas, abrir fossas, valetas, entre outros, com famílias pobres.

Ir. Erno notifi cou algo sobre a JUMAR (juventude marista) que funciona em quase todos os colégios da Província de Porto Ale-gre com meta vocacional.

Ir. Afonso falou do 1º Encontro Provincial de Formadores Maris-tas da Província de São Paulo em meados de dezembro de 1985 como evento para comemorar o Ano Internacional da Juventude, e momento forte de animação dos formandos, vocacionados e dos próprios Irmãos Formadores.

Ir. José Milson comentou o EMAV (Encontro Marista de Animação Vocacional) da Província do Brasil Norte. Informou como evoluem as “Alvoradas” no sentido de despertar os jovens participantes à solidariedade com os vocacionados.

69 SIMAV, Ata da 30ª Reunião, 15-21 de março de 1986.

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Em 1987, Curitiba sedia o 1º Encontro Nacional Marista de Anima-ção Vocacional (ENMAV), fruto amadurecido do SIMAV.70 Na abertura, Irmão Erno Christ classifi cou o evento como “o primeiro no gênero da história vocacional das províncias maristas brasileiras, quiçá, da Con-gregação”. Entre os objetivos, estão a capacitação dos Irmãos para a animação vocacional e a revisão dos Planos Provinciais de Pastoral Vocacional. Serve também para a partilha das experiências vocacio-nais das províncias.

Faz pensar

Em 1986, as províncias maristas participaram do movimento pela Constituinte do Brasil. Entre as ações, o SIMAV organizou encon-tros nas unidades maristas. Na reunião de março de 1986, foi de-cidida a quantidade de folhetos para cada província, num total de 62 mil folhetos.71

Como relacionamos hoje na animação vocacional o empenho político?

Esse Encontro, que colocou na pauta a temática da juventude, abriu espaço para a necessidade de se pensar a Pastoral da Ju-ventude integrada entre as províncias, como se percebe nesta reco-mendação: “O SIMAV insiste junto à EMIR como também junto aos Provinciais, para que se articule a nível de Brasil Marista todos os Irmãos envolvidos diretamente na Evangelização e na Catequese das crianças e dos jovens”.72

Na avaliação dos 10 anos de existência do SIMAV, os provinciais bra-sileiros assim se expressaram: “O SIMAV conseguiu polarizar a província em torno da pastoral vocacional mobilizando as comunidades. A PV e os congressos mariais são uma constante chamando a algo mais. De tudo o que aconteceu como fruto do trabalho do SIMAV, o aspecto de animar as províncias é, talvez, o mais importante... Está muito boa a linha seguida: oração, refl exão e trabalho...”.73

70 Para detalhamento da proposta, cf. SIMAV, Ata da 32ª Reunião, 16 a 21 de novembro de 1986.71 SIMAV, Ata da 31ª Reunião, 24 a 27 de maio de 1986.72 SIMAV, Ata da 33ª Reunião, 19 a 22 de março de 1987.73 SIMAV, Ata da 24ª Reunião, 21-23 de março de 1984.

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2.5 DOS ANOS 90 ATÉ O PRESENTE

A segunda década de atuação do SIMAV é marcada pela necessidade de maior interação com outras áreas, em especial a missão, que então era conduzida pelo EMIR. Continuou a produção de material, mas com uma diminuição proposital, pois, a pedido dos próprios provinciais houve “certa desativação na produção de material para se dar mais atenção à refl exão e ao investimento em experiências e pessoas”.74

Em 1989, o SIMAV colocava em discussão pontos críticos da anima-ção vocacional: pastorais que não “suscitam” vocações, uma oração que “tranquiliza” a consciência de muitos Irmãos, pastoral vocacional que ainda não aglutina os Irmãos nas províncias.75

Em 1990, em Apipucos, Recife, realiza-se o 2º ENMAV, dentro das co-memorações do Bicentenário do Nascimento de Champagnat. Nos regis-tros desse encontro nota-se o forte caráter eclesial e juvenil. Destaca-se como ponto positivo a “presença de leigos na Pastoral Vocacional”, mas o foco é restrito ainda às vocações para Irmão Marista. O planejamento da animação vocacional se organiza principalmente em dois eixos: os princípios ou critérios e as linhas de ação.76

Uma preocupação desse período era com o processo de discer-nimento: ocupar-se não apenas com o “despertar”, mas também com o “acompanhar”. Observa o SIMAR:

“Nosso processo é bastante empírico. Como envolveremos a família? Qual o processo de preparação antes do ingresso no Juvenato? Apresentamos muito o que fazemos e pouco o que somos. Após a descoberta de um vocacionado quer-se levá-lo muito rápido ao Juvenato. Há necessidade de uma fundamen-tação antropológica, bíblica e oração. Há necessidade de exem-plo, de contato direto, de convívio com os jovens.”77

74 SIMAV, Ata da 30ª Reunião, 15-21 de março de 1986.75 SIMAV, Ata da 41a Reunião, 14-16 de março de 1989.76 SIMAV, 2º Encontro Nacional Marista de Animação Vocacional. 12 a 20 de janeiro de 1990. Simav, São Paulo (mimeo.). Esse modelo de organização era o mesmo adotado nos encontros continentais.77 SIMAV, Ata da 45a Reunião, 18-2 de junho de 1990.

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Motivados pela Campanha da Fraternidade de 1992, cujo tema foi Ju-ventude, e a partir da refl exão sobre a importância de se aproximar da animação vocacional da catequese e da pastoral da juventude, o SIMAV passou a promover reuniões em conjunto com a equipe de PJ. A primeira aconteceu em junho de 1991. Na pauta, a partilha do caminho feito, com seus avanços e defi ciências, e a necessidade de maior articulação entre as equipes. Dois momentos fortes dessa interação foram: o Seminário da PJ, em 1993,78 e o Encontro Nacional Marista de Grupos de Jovens, em 1996.

O 3o ENMAV foi realizado em Veranópolis, em 1995, com a participa-ção de 38 Irmãos e leigos das seis províncias. O SIMAV, que organizou o Encontro, quis que tivesse o caráter de curso. O tema desenvolvido pelos assessores foi o acompanhamento vocacional.

Outro evento que mobilizou a animação vocacional foi a preparação e realização do centenário da chegada dos Irmãos maristas ao Brasil, em 1997. Coube ao SIMAV preparar vários subsídios de refl exão e de celebra-ção que foram utilizados em todas as províncias.

Animação Vocacional da Província de Porto Alegre, em 1995

“Continua-se o trabalho dos Juvenatos com uma excelente equipe. São quase 100 jovens entre aspirantes e Pré-postulan-tes. O acompanhamento tem criado ânimo nos agentes de pas-toral vocacional. A província começa a estruturar de forma sis-temática o acompanhamento e discernimento vocacional. Os Jovens Irmãos têm se envolvido com a pastoral vocacional. São 14 os engajados no trabalho. A Pastoral Vocacional nas escolas maristas tem sido uma prioridade dos Irmãos na província.

Há uma integração com os GTs, JUMAR, PJ e PV e com a equi-pe diocesana, e isto tem dado bom fruto. Os Irmãos Promotores estão animados em refl etir sobre a PV. Os jovens Irmãos estão preocupados com o conteúdo para os jovens de segundo grau.”79

78 SIMAV, Ata da 57a Reunião, 28-30 de junho de 1994.79 SIMAV, Ata da 59a Reunião, 13 a 15 de junho de 1994.

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No ano seguinte, de 18 a 29 de janeiro, aconteceu em Mendes o En-contro de Pastoral Juvenil Vocacional, fruto do trabalho conjunto do SI-MAV e da PJ. Cada Província pode enviar dez pessoas de preferência sen-do 6 Irmãos e 4 leigos.

Esse encontro marcou o fi m das equipes do SIMAV e da PJ, devido à proposta de reestruturação do Interprovincialismo pelo Conselho dos Provinciais. Na última reunião em outubro de 1997, o grupo destacou algumas das principais conquistas do SIMAV: elaboração do material vo-cacional, cursos, contribuição à PJ, contribuição para a Igreja no Brasil.80

Após um intervalo signifi cativo, em 2008 realizou-se o 4º ENMAV, em Campinas, promovido pela Comissão Interprovincial de Formação e Ani-mação Vocacional e pela UMBRASIL. Participaram aproximadamente 80 pessoas, das três províncias e do distrito. O tema: “Animação Vocacional nas Obras Maristas”. Houve partilha de experiências e projetos do Brasil Marista na área da Animação Vocacional.

Em 2012 foi promovido o 5o ENMAV com o tema “A animação voca-cional no contexto das juventudes”. Na pauta a discussão sobre as rea-lidades juvenis e suas linguagens, assim como a busca de metodologias adequadas para o trabalho vocacional nesses novos contextos.

Faz pensar

O SIMAV nasce como organismo interprovincial para articular as ações no âmbito da animação vocacional. Em 1988, os conselheiros do Insti-tuto Irmãos Cláudio Girardi e Marcelino Ganzarain recomendaram que:

“Uma das tarefas do SIMAV seja a de insistir (até com certa agres-sividade) para que na Província haja um efetiva Pastoral Vocacional. Há urgente necessidade de integração entre a Pastoral Juvenil e a Pastoral Vocacional. O SIMAV deve ajudar às Províncias a clarearem as prioridades da ação apostólica e das obras. Qual o objetivo funda-mental de nossas escolas? Há sufi ciente integração entre o SIMAV, a Pastoral Vocacional e os Serviços de Orientação Religiosa? Toda pas-toral (a partir do batismo) deve ser vocacional.”

80 SIMAV, Ata da 67a Reunião, 16 a 19 de outubro de 1997.

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O que se espera hoje das equipes e comissões de animação vocacio-nal das províncias brasileiras?

É possível destacar, ao longo desse tempo, alguns aspectos funda-mentais na renovação da animação vocacional marista. Em primeiro lu-gar, o sentido de continuidade da refl exão, com o trabalho sério das equi-pes de refl exão. Além disso, a constante adequação dos temas à refl exão da Igreja e às provocações da realidade. Por fi m, a presença sempre mais constante e signifi cativa dos leigos e leigas, refl exo da nova conformação do trabalho vocacional nas províncias.

2.6 CRIATIVIDADE QUE NASCE DA CRISE

Não obstante os esforços de renovação da animação vocacional, a di-minuição de candidatos também atingiu terras brasileiras. A partir da década de 1970, as estatísticas começaram a mostrar uma queda cons-tante no número de vocacionados. Isso provocou a readequação, que não signifi cou apenas o fechamento de casas de formação, mas a mudança na própria concepção do processo formativo.

Juvenatos para vocacionados com menos de 14 anos foram fechados e começou-se a elevar a idade mínima para se entrar na casa de for-mação. Foram feitas diversas experiências de inserção em comunidades mais pobres. Surgiram noviciados e escolasticados interprovinciais no esforço de maior integração.

Na Província de São Paulo, o Juvenato inaugurado em Brodósqui em 1960, é fechado em 1973, passando a ser feito em casas menores. Mais tarde vão fazer a experiência do “Juvenato em família”, com reuniões mensais e visitas às famílias, mas sem abandonar o Juvenato. Em 1994, havia onze Juvenistas no 3o Ano.81 Na Província do Rio de Janeiro a par-tir de 1972 são desativados os Juvenatos e se começa a experiência de preparação dos candidatos em três comunidades. Em 1994, falava-se de uma “nova forma de PV e formação inicial, por meio de estágios”.82

81 SIMAV, Ata da 59a Reunião, 13 a 15 de março de 1995.82 SIMAV, Ata da 58a Reunião, 8 e 9 de novembro de 1994.

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Nas Províncias da região Sul, as etapas de formação passam a ser feitas no esquema interprovincial: o postulado em Vacaria, da Província de Porto Alegre; o noviciado em Passo Fundo, da Província de Santa Ma-ria; o Escolasticado em Florianópolis, da Província de Santa Catarina. As comunidades com descendentes dos migrantes europeus continuaram a ser a fonte de vocações, mas agora em menor número. Outras iniciativas, como o trabalho nas escolas e entre os universitários, buscaram respon-der a essas mudanças.83

Na Província Brasil Norte, o Capítulo Provincial de 1978 elaborou no-vas pistas para a animação vocacional, privilegiando o acompanhamento prévio na família, a inserção gradual na comunidade marista e a am-pliação das perspectivas pastorais, privilegiando as classes populares. O postulado, por exemplo, foi transferido para Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte, instalado em uma casa de família. Além dos estudos, os postulantes participavam ativamente da vida paroquial, davam aulas na escola municipal e atuavam nas comunidades vizinhas. As vocações continuaram a vir principalmente de dois ambientes: dos colégios e das comunidades inseridas.

O Distrito da Amazônia começou, em 1979, a experiência do Juvena-to em Manaus, acolhendo jovens das várias comunidades missionárias mantidas pelas várias províncias brasileiras. Não obstante, o trabalho de Animação Vocacional sofreu de falta de continuidade e da difi culdade de perseverança, como observou em 1995, Irmão Benito Arbués, então su-perior geral após a visita às comunidades amazônicas, ao apontar alguns “aspectos fracos” entre eles a pastoral vocacional: “parece muito fraca em projetos e propostas”.84

O número de adolescentes e jovens nas etapas de formação mostram em 1992 ainda um quadro positivo. A principal diferença acontece no Ju-venato, visto que algumas províncias têm Juvenistas do 1o Grau (Ensino Fundamental II):85

83 SIMAV, Ata da 58a Reunião, 8 e 9 de novembro de 1994.84 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 4, p. 126.85 SIMAV, Ata da 47a Reunião, 16-20 de março de 1991.86 Nessa fase estão juvenistas da 8ª Série e do 1º Ano.

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ProvínciaJuvenistas

Postulantes Noviços Escolásticos1o Grau 2o Grau

Santa Catarina 38 21 8 6 4

Brasil Norte 202 21 7 7 6

Santa Maria 15 19 5 8 9

São Paulo 50 4 13 1

Porto Alegre 51 28 2 10 5

Rio de Janeiro 9 5 2 5

Total 124 148 31 46 30

O esforço dos últimos anos tem sido o de organizar a Animação Vo-cacional em cada uma das províncias e no distrito, tendo em conta as orientações da Igreja no Brasil e o carisma marista. Após os processos de unifi cação das províncias, cada uma buscou defi nir suas políticas nes-sa área: a Província do Rio Grande do Sul publicou o Plano do Serviço de Animação Vocacional;87 no Brasil Centro-Sul o Plano Marista de For-mação Inicial;88 e no Brasil Centro-Norte, o Plano de Animação Vocacio-nal.89 Mais recentemente, a UMBRASIL vem articulando a refl exão das três províncias, no esforço de promover espaços comuns de discussão e de partilha de experiências.90

2.7 ESTRATÉGIAS DE ANIMAÇÃO VOCACIONAL

No âmbito da animação vocacional, o modelo tradicional de recru-tamento passa a dividir espaço com outro, que valoriza os movimentos juvenis como espaços para o amadurecimento vocacional. É o caso, por exemplo, do EDA e do REMAR. Na Província do Rio de Janeiro cria-se “uma equipe de Irmãos neste trabalho de animação vocacional, atu-ando em consonância com a Pastoral da Juventude local e em estreita ligação com os grupos de alunos dos Colégios Maristas”.91 Na Província de Santa Catarina, “aos jovens que participam dos movimentos EDA e REMAR é oferecido acompanhamento vocacional amplo. Os que que-

87 PMRS, Plano do Serviço de Animação Vocacional. Porto Alegre, 2007.88 PMBCS, Plano Marista de Formação Inicial. Curitiba, 2009.89 PMBCN, Plano de Animação Vocacional. Brasília, 2011.90 Estas Diretrizes se inserem claramente nesse processo.91 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 4, p. 185.

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rem conhecer melhor a vida marista vão para o encontro vocacional de sete dias”.92

Em consonância com a metodologia pastoral utilizada pela Igreja no Brasil, algumas províncias começaram a promover equipes de animação vocacional, integrando Irmãos e leigos. Essas equipes tiveram um papel importante tanto na refl exão dos temas vocacionais, como na elaboração de estratégias e de subsídios.

Houve também a tendência de se aumentar progressivamente a idade mínima para se entrar no Juvenato. Com isso, passou-se a promover encontros de preparação que permitiam maior conhecimento dos candi-datos e possibilitavam um espaçamento de tempo maior entre o convite e a entrada efetiva do adolescente e do jovem no processo de formação inicial. A ênfase passa, portanto, ao acompanhamento.

Assim a Província Marista do Brasil Norte entendia o acompanha-mento vocacional em 1998:

“O processo de acompanhamento consta de reuniões, dias de convi-vência e entrevistas pessoais, feito em três etapas: na primeira são oferecidas atividades e conteúdos que ajudam o conhecimento pessoal e dão oportunidade de engajamento pastoral; na segunda refl ete-se sobre os vários tipos de vocação e carismas congregacionais, para ajudar o jovem a aceitar sua história pessoal e discernir a vontade do Senhor; a terceira consiste na tomada de decisão, na purifi cação e no enriquecimento das motivações relativas à opção vocacional”.93

Na Província de São Paulo, começou-se a promover encontros nos pe-ríodos de férias letivas. Essa experiência depois passou às outras provín-cias, com exceção da de Porto Alegre.94 Ao falar da promoção vocacional numa publicação de 1985, Irmão Sebastião Ferrarini descreve uma nova iniciativa chamada “Juvenatos de Férias”: “reunir meninos e rapazes du-rante as férias para, num período de 15 dias, aprofundarem o discerni-mento vocacional e iniciarem-se na convivência fraterna”.95 92 Presença Marista, n. 65, 1998, p. 66.93 Presença Marista, n. 65, 1998, p. 7.94 SIMAR, Ata da 26ª Reunião, 8-11 de outubro de 1985.95 S. FERRARINI; A. RUBINI, Pequeno histórico dos Irmãos Maristas, Província de São Paulo (Paraná). Curitiba: Educa, 1985, p. 48. No relatório de um encontro, acontecido em Brodósqui, há uma curiosa observação, que revela esse período de busca da

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Na avaliação trienal feita em 1998, porém, constata-se a difi culdade de se levar adiante a pastoral vocacional: “O trabalho desenvolvido na provín-cia ainda é tradicional. Existe pessoal, Irmão liberado, mas não uma equi-pe e um projeto. Aqui é preciso dedicar mais força, formar equipe, preparar e integrar os leigos e as leigas na animação conjunta com os Irmãos”.96

A província do Rio de Janeiro promoveu retiros de opção de vida, de duração de uma semana, no período de férias.97

A Província de Santa Catarina iniciou um trabalho sistemático nas es-colas públicas do Estado. Equipes formadas por Irmãos e leigos visitavam as classes a partir da 5a série (atual 6o ano) para falar aos adolescentes e jovens sobre temas formativos e sobre vocação. O contato nas escolas era completado com uma série de encontros, visando ajudar o jovem a amadurecer suas opções vocacionais, por meio da refl exão, da oração e do engajamento pastoral.98 Esse trabalho foi reestruturado e continua até o momento na Província Brasil Centro-Sul, no Programa Vida Feliz.

O SIMAV, no período de 1974 a 1997, foi responsável pela produção da maioria dos subsídios de animação vocacional, que eram depois utiliza-dos localmente pelas províncias. Já na primeira reunião se decidiu pela publicação de vários materiais: biografi as de Champagnat, folheto “Ir-mãos Maristas no mundo”, folheto “Vereda”, folheto de missa para mês de agosto, horário escolar com motivação vocacional, pôster vocacional.99

Ao fazer o balanço das atividades realizadas anualmente, o SIMAV pode dar-se conta dessa variedade de ações: Calendário Marista anual, celebrações diversas, artigos para o jornal Mundo Jovem, vídeos voca-cionais, Novena Champagnat, Curso de formação para agentes de PV, ENMAV a cada 3 anos, Missa Champagnat, material vocacional para as províncias (calendários, santinhos, camisetas, adesivos, etc.).100

identidade e de um pudor em se falar de vocação marista: “Vocação Marista: não se falou em nenhuma ocasião da vocação marista. Todavia o testemunho dos Irmãos presentes foi sufi ciente para abrasar muitos corações generosos” (Vida Marista - suplemento. n. 8, outubro de 1974, p. 19)96 AZZI, História da educação católica no Brasil, vol. 4, p. 373.97 SIMAV, Ata da 24ª Reunião, 21-23 de março de 1984.98 Presença Marista, n. 65, 1998, p. 6.99 SIMAV, Ata da 1ª Reunião, 11 de março de 1974.100 SIMAV, Ata da 67ª Reunião, 16 a 19 de outubro de 1997. Pode-se dizer que boa parte das Atas trata da produção desses subsídios, sejam os tradicionais, como a Agenda, sejam novos projetos, como o fi lme sobre Champagnat.

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A pedido do III ENMAV (1995) a equipe do SIMAV elaborou um importan-te subsídio: A caminho... Itinerário de Acompanhamento Vocacional Marista no Brasil.101 A primeira parte traz oito temas fundamentais do acompanha-mento vocacional, com signifi cativo aporte teórico. Apresenta também as quatro fases do processo de acompanhamento vocacional – acolhida, bus-ca, verifi cação e opção –, e de seus agentes. A segunda parte é composta de anexos, contendo uma série de fi chas e de testes psicopedagógicos e de roteiros práticos, que pretendiam orientar o acompanhante vocacional. Infelizmente não sabemos como foi a repercussão desse importante ma-terial, visto que o SIMAV foi extinto no mesmo ano da publicação, em 1997

Houve maior preocupação em se divulgar melhor a fi gura de Marce-lino Champagnat. Para os colégios, organiza-se a Semana Champagnat, com materiais de divulgação, esquemas de catequese para uso em sala de aula, folheto para a celebração eucarística, cantos, novena. 102 Entre eles, fez-se uso do Calendário Marista para divulgação de texto de ora-ções e refl exões sobre o tema.103

A criação do mês vocacional no Brasil motivou a criação de sema-nas vocacionais nos colégios e unidades maristas. Nas províncias do Sul, onde a relação com a Igreja local era mais intensa, desenvolveram-se os clubes vocacionais.

Na produção de subsídios, o SIMAV procurou acompanhar o desenvol-vimento sempre mais rápido dos recursos tecnológicos. No início eram sobretudo os materiais impressos. Logo avançou na linguagem audiovi-sual com a elaboração de fi lmes e diapositivos.

A celebração do Bicentenário do Nascimento de Champagnat foi oca-sião para a elaboração de vários subsídios vocacionais: santinhos, car-tazes, revista para crianças, músicas, textos de refl exão para os Irmãos, entre outros.104

101 SIMAV, A caminho... Itinerário do Acompanhamento Vocacional Marista no Brasil. São Paulo: SIMAV, 1997, mimeo. Na Introdu-ção, observa Ir. Joaquim Sperandio: “Não se trata de manual prático de acompanhamento vocacional, mas de instrumento orientador no trabalho junto aos jovens em busca da opção. Mesmo que pensado para jovens de 15 anos ou mais, muitos elementos podem servir para outras faixas etárias” (p. 3).102 Veja, p.e., as orientações dadas pelo SIMAV na 6ª Reunião, em 5 de março de 1977.103 SIMAV, Ata da 8ª Reunião, Vila Velha, 7-9 de março de 1978. Solicita a equipe do SIMAV: “O Ir. Erno J. Christ, em nome da Equipe, enviará correspondência ao Ir. Gobriano Maria, encarregado da confecção do Calendário Marista, sugerindo-lhe a inclusão de um ofício Vocacional, a repetição das intenções vocacionais nas quartas-feiras, a correção e a inclusão de alguns nomes das casas de formação do Brasil”.104 SIMAV, Ata da 40a Reunião, 11-13 de novembro de 1988.

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Outra estratégia que ganhou força, sobretudo a partir de 2000, foi a utilização da rede mundial de computadores para divulgação da voca-ção de Irmão Marista. Isso não atingiu apenas os adolescentes e jovens, mas também pessoas adultas, que passaram a procurar diretamente o acompanhamento vocacional, sem passar pelas estruturas mais co-muns, como os encontros e os grupos de refl exão.

O deslocamento da animação vocacional para públicos numa faixa etária mais alta, realidade que se impõe cada vez com mais força, tem levado ao repensamento das estratégias, que signifi ca tanto metodolo-gias como linguagens. Isso se soma também aos posicionamentos te-ológico-pastorais da Igreja no continente latino-americano e caribenho, principalmente os do Documento de Aparecida.105

Experiências mais recentes não estão relatadas aqui porque há um espaço próprio nestas Diretrizes para a comunicação do que está sendo feito nas Províncias e no Distrito, no âmbito da Animação Vocacional.

105 CELAM, Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007. Capítulo IV desenvolve a temática “A vocação dos discípulos missionários à santidade” (n. 129-153). Há outras indicações metodológicas importantes, sobretudo em relação à formação e ao que o documento chama de “conversão pastoral” (n. 365-372).

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O olhar rápido sobre a história marista no Brasil revelou a grande ri-queza de iniciativas de animação vocacional, que levaram o Instituto a uma presença signifi cativa nessas terras, tanto em número como, prin-cipalmente, pela incidência na sociedade e na Igreja local. Vale destacar alguns pontos: a capacidade de inculturação, sobretudo em algumas re-giões do país; a força da proposta educativa, que permitiu inclusive supe-rar em muitos casos a mentalidade clericalista da população; a adequa-ção de métodos e da linguagem; a inserção nas Igrejas locais e em seus organismos, e a comunhão com suas orientações. Outros aspectos segu-ramente poderão ser destacados da leitura do texto e, principalmente, da experiência pessoal e coletiva de cada um.

Gostaria de encerrar com três desafi os para a animação vocacional nesses tempos novos que já batem à nossa porta. Em primeiro lugar, é preciso aprofundar o estudo das culturas juvenis, buscar maior apro-ximação desses territórios, já muitas vezes rejeitado por determinados modelos teológico-eclesiológicos. Esse é um esforço que vem sendo feito, tanto na refl exão como na concepção de estratégias de animação vocacional, mas necessita se tornar um processo contínuo de abertura e de busca.

O seguinte desafi o vem relacionado ao primeiro: colocar a animação vocacional no processo mais amplo de formação. Nota-se ainda alguma descontinuidade entre a proposta feita aos jovens e o que lhes é ofere-cido nas etapas de formação inicial. Obviamente cada etapa guarda sua especifi cidade, mas as mudanças que ocorrem no contexto juvenil, e que

3. Conclusão

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são mais rapidamente captadas pelos animadores vocacionais, precisam também impactar as concepções de formação, ainda vinculadas a mode-los canônicos rígidos.

O terceiro talvez seja ainda o mais distante em teremos de concretiza-ção. Trata-se de conceber uma animação vocacional marista que coloque no centro o carisma e não determinada modalidade vocacional. Signifi ca que a vocação de leigos e leigas deveriam merecer a mesma atenção, os mesmos esforços e os mesmos recursos que são dados para a vocação de Irmãos. Isso foi colocado pelo próprio Instituto, no último Capítulo Geral, ao falar da “nova relação entre Irmãos e leigos”: “Irmãos e leigos, parti-lhamos a responsabilidade de procurar novas vocações maristas. O grito de Marcelino Champagnat, “Precisamos de Irmãos!”, continua a interpe-lar-nos hoje. Que cada um de nós, Irmãos e leigos maristas, se atreva a convidar os jovens a serem Irmãos maristas ou leigos maristas”.106

106 INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, Com Maria, ide depressa para uma nova terra! Documento do XXI Capítulo Geral. Roma: Instituto dos Irmãos Maristas, 2009, p. 21.

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AZZI, Riolando. História da educação católica no Brasil: contribuição dos Irmãos Maristas. Vol. 1: Os primórdios da obra de Champagnat no Brasil (1897-1922). São Paulo: Simar, 1996.

CELAM, A Pastoral das Vocações na América Latina. Petrópolis: Vo-zes, 1968.

_____ . Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007

CNBB, Guia Pedagógico de Pastoral Vocacional. Estudos da CNBB 36. São Paulo: Paulinas, 1983.

_____ . Vocações e ministérios para o novo milênio: Documento fi nal do 1º Congresso Vocacional do Brasil. Brasília: CNBB, 1999.

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5. Anexo

5.1 IRMÃOS MARISTAS E A DITADURA CÍVICO-MILITAR

Ir. Ferrarini

Como os maristas viveram no contexto da ditadura militar na déca-da de 80?

O peso maior foi na década de 60 e 70. Foi o tempo em que a nova geração pós Vaticano II e Medellín, na sua quase totalidade, estava em-penhada na luta contra a ditadura via cursos, estudos universitários, en-contros comunitários, leituras, nas catequeses, nas pastorais etc. Eu, por exemplo, fi nalizava o curso de Ciências Sociais na PUC de São Paulo e vivi tempos fortes de aversão ao regime instalado que dominava graças à violência e medo. Nós, alicerçados na Teologia da Libertação, nas Co-munidades de Base, na coragem de diversos Irmãos mais idosos como Antonio Cechin, Joaquim Panini, Luiz Silveira; de pedagogos como Paulo Freire; de escritores como Eduardo Galeano; de cantores como Geral-do Vandré, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda; de políticos como Alexander Dubcek (Chile); de mulheres como Madre Tereza Cristina; de bispos como Valdir Calheiros, Antonio Fragoso, Romero Gadamez, Paulo Arns; de místicos como Roger Schutz, Charles de Foucault; de ativistas como Nelson Mandela, Luther King, etc. Momento forte foi a participação na Eucaristia celebrada na Catedral da Sé, em São Paulo, por Alexandre Vanuchi, morto em circunstâncias misteriosas. Éramos milhares de uni-

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versitários, todos fi lmados um a um no interior da catedral. A homilia foi proferida por Dom Paulo e na saída recebidos numa praça de guerra montada na Sé.

A década de 80 continuou com esse ardor democrático, alimen-tados por pastoralistas, teólogos e místicos que nos impulsionavam para uma pastoral e uma espiritualidade ‘de Bíblia e Jornal’, ou seja a palavra de Deus iluminando a realidade. As orações tendiam a ser mais vivas e conectadas com o mundo. A maioria dos companheiros no fi nal e durante essa década se desgarrou das fi leiras maristas, al-guns tentando realizar seus sonhos de ‘real opção pelos pobres’, vida simples e imersa nas comunidades e grupos marginalizados; outros entrando na política e se tornando ‘quase ateus’; outros continuando uma vida um tanto medíocre por conta das inúmeras atividades que passaram a realizar, relativizando muito a dimensão comunitária, dos votos, e da espiritualidade. Do numeroso grupo de jovens que profes-saram no decorrer da década de setenta creio que somente eu e mais um ou dois continuamos nas veredas maristas (falo das ex-províncias de São Paulo e Rio de Janeiro).

Uma constante nas décadas de setenta e início de oitenta era a criatividade e a alegria que o grupo sustentava. Muitos optaram por missões ousadas, motivados pelos superiores gerais Ir. Basílio Rueda e Charles Howard. Foi nessa época que as províncias fundaram mui-tas missões na Amazônia. Iam com vontade de realizar um novo tipo de vida marista, despojado, pobre, inculturado, comunitário, com for-tes vínculos com as Igrejas locais e com o Instituto Marista. Entraram em contato com a vida dos interioranos, dos ribeirinhos, das Comuni-dades de Base. Alguns vieram sem ardor apostólico e se entregaram a uma vida pouco recatada mas que não chegou a obnubilar o fervor e ardor da maioria.

Um bom número de Irmãos que acompanhavam os acontecimentos quase que somente pela grande imprensa, que em geral refl etia o poder dominante, nem sempre compreendia os que estavam engajados numa práxis democrática, libertadora, participativa.

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Que infl uências a ditadura provocou nos maristas e que ações os maristas realizaram durante a ditadura?

Não se pode responder em bloco “os Maristas”, pois existiram dife-rentes ressonâncias no meio marista. Quem trabalhava mais na base, em contato com cenários de marginalização, pobreza, opressão, em con-tato com pessoas afetadas pela violência, tinham uma visão, uma pos-tura, uma ação e uma espiritualidade diferente daquela de Irmãos que estavam longe desses cenários. Havia também muitos Irmãos que se pautavam pelos meios de comunicação e agiam infl uenciados conforme o meio social em que viviam. Nem todos eram dados a leituras mais crí-ticas, de análises de conjuntura, que davam uma visão bem diferente da realidade daquela da grande mídia e da grande imprensa, geralmente atreladas ao poder político e econômico.

Claro que houve quem “aderisse” à ditadura, achando que realmen-te estavam conduzindo o Brasil no rumo certo. Mas creio que uma boa parte nem se radicalizou seja pela direita, seja pela esquerda. Nos meios maristas onde mais se vivia o clima histórico de então eram os centros de formação e os cursos de pastoral, muitos, organizados por Irmãos na linha vaticana, medeliniana e pueblana. Quem frequentava as reuniões e assembleias da CRB, AEC e outros organismos também conseguia ter uma leitura mais abrangentes do cenário político.

Muitos Irmãos se uniam a protestos (de diferentes formas) contra atos de truculência ou de apoio a causas humanitárias, democráticas. E não só brasileiras, mas também latino-americanas. Foram muitas as mani-festações realizadas solidarizando-se com Nicarágua, El Salvador, Equa-dor etc., que também viviam duras ditaduras.

Houve o impasse criado entre um sistema político aberto e que se fe-chava e uma Igreja fechada que se abria. Ao Estado pareceu que perdeu um forte aliada, a Igreja. A Igreja graças aos grandes eventos eclesiais abria-se para o mundo e era fortemente interpelada pelo Evangelho e por suas alianças com o mundo de então.

Os ideais do Vaticano, de Medellín, Puebla, CNBB, CRB, AEC e outros grupos fortes, impulsionaram muito a maioria dos Irmãos. Junto a isso

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havia grande euforia pelas novas opções apostólicas da Vida Religiosa Consagrada. Tudo isso de certa forma alarmava o sistema político que vivia ainda a mentalidade de uma Igreja poderosa, que ensinava uma ‘obediência submissa’ às autoridades, servidora da classe dominante. Alavancavam isso as novas visões da catequese, o movimento bíblico e a militância de organismos como CPT, CIMI, Romarias etc.

As décadas de 70 e 80 foram uma efervescência de novos paradig-mas tanto para a Igreja como para o Estado, mas que acabaram se opondo. Já indo para o fi nal dos anos 80, o movimento cultural ocorrido nos anos 60 foi se invertendo: o Estado foi-se abrindo e a Igreja se fe-chando novamente.

Para a vida marista brasileira os novos cenários surtos do Estado e da Igreja, geraram, grosso modo, novas opções de vida apostólica, missioná-ria e social. Quanto à mística e espiritualidade foi defi nhando até chegar ao estado moribundo em que se encontra hoje.

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Anotações