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Fernando Moreira

A Mudana Cultural Que Salva Vidas

Rio de Janeiro 2008

Copyright 2008 by Fernando Duarte Lopes Moreira Todos os direitos reservados: Nenhuma parte deste livro poder ser reproduzida ou transmitida sob qualquer forma ou por quaisquer meios, quer mecnicos, eletrnicos, gravao, fotocpia ou outros, sem a autorizao prvia por escrito do detentor dos direitos de copyright. Contato: [email protected] Editorao e capa: Arquimedes Martins Celestino Foto capa: Arthur Moura Foto orelha: Jorge dos Santos Reviso: Luiza Miriam RibeiroCIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJM837m Moreira, Fernando, 1966A mudana cultural que salva vidas: Lei 11.705 (Lei Seca): a lei que salva vidas / Fernando Moreira. Rio de Janeiro: Arquimedes Edies, 2008. 80p.: il. Apndice Inclui bibliografia Com: A vacina contra a violncia no trnsito / Fernando Moreira ISBN 978-85-89667-27-5 1. Brasil. [Lei n 11.705, de 19 de junho de 2008]. 2. Embriaguez (Direito penal). 3. Acidentes de trnsito Preveno. 4. Segurana de trnsito. I. Ttulo. II. Ttulo: A vacina contra a violncia no trnsito. 08-3945. 11.09.08 12.09.08 CDD: 363.1207 CDU: 614.86 008664

Arquimedes Martins Celestino Edies e Servios Grficos Ltda. Av. Marechal Floriano, 38 / 705 Centro Rio de Janeiro RJ 20080-003 www.ArquimedesEdicoes.com.br [email protected]

Tel.: (21) 2253-3879

Agradecimentos EspeciaisMeus sinceros agradecimentos s vtimas que deram seus depoimentos ao Blog do Trnsito Amigo e autorizaram sua publicao neste livro. Agradeo tambm aos pais que autorizaram a publicao das fotos de seus filhos neste livro.

DedicatriaDedico este livro aos meus pais, Encarnao e Joaquim, pessoas maravilhosas que criaram uma famlia com muita dedicao e amor. Eles comemoraram neste ano cinqenta anos de unio.

SumrioPrefcio .............................................................................. 7 Parte I A Lei Que Salva Vidas ........................................ 9 Prlogo ..........................................................................11 O desafio de todos ...................................................... 15 O importante no multar, salvar vidas .................. 19 Salve a lei que salva vidas ............................................ 21 A lei da vida .................................................................. 27A MP 415....................................................................................12

Menos lcool, menos acidentes, menos vtimas ..................... 30 Concluso ................................................................................. 34

Parte II A Vacina Contra a Violncia do Trnsito ... 35 Nota do autor. .............................................................. 37 Introduo ................................................................... 39 AAcidentes ...................................................................................41 lcool etlico ............................................................................ 50 Alcoolemia................................................................................ 56 Absoro .................................................................................. 57 Amigo da vez ............................................................................ 58

............................................................................... 41

B C

Bebidas .................................................................................... 60 Custo humano, econmico e social......................................... 63 Causas dos acidentes ............................................................... 64 Cinto de segurana .................................................................. 65 Cadeirinhas e banquinho auxiliar............................................ 65 Cansao .................................................................................... 69 Comportamento. ...................................................................... 70

............................................................................... 60 ............................................................................... 63

D

Drogas (medicamentos) ......................................................... 74 Doenas e deficincias............................................................. 76 Dia mundial em memria s vtimas de trnsito. ................... 76 Dicas ......................................................................................... 77 Educao, engenharia e esforo legal. .................................... 80 Exemplos...................................................................................81 Excesso de velocidade ............................................................. 82 Emoo .................................................................................... 83 Eliminao ............................................................................... 84 Mensagem final........................................................................ 86

............................................................................... 74

E

............................................................................... 80

Comentrios finais ....................................................... 85 Bibliografia ...................................................................... 87 Anexo I Histrias por trs dos nmeros...................... 89Eu, Fernando Alberto da Costa Diniz, sou um pai-rfo ..... 89 Os outros somos ns ............................................................... 92 A luta sem limites pela justia ................................................. 94 Josefa e Carol ............................................................................ 97

Anexo II Lei no 11.705, de 19 de junho 2008 ..............100 Anexo III Decreto no 6.488, de 19 de junho 2008 ........103 Anexo IV Alcoolemia e Direo Veicular Segura ......104

A Mudana Cultural Que Salva Vidas

PrefcioA recente implementao da Lei n 11.705, assinada em 19 de junho de 2008, que institui a reduo da taxa de alcoolemia permitida pela lei anterior (0.6g de lcool por litro de sangue), para zero, provocou, nos dois ltimos meses no Brasil, importante mudana no contexto do consumo de bebidas alcolicas e conduo de veculos automotores. Logo foi possvel constatar a imediata reduo da taxa de mortalidade nas estradas com a chamada lei seca. Na verdade, bom esclarecer que a referida lei se destina no ao consumo em geral, mas apenas ao dirigir sob efeito do lcool, que representa evidente fator de risco de acidentes de trnsito com maiores chances de vtimas fatais. No primeiro ms da entrada em vigor, esta medida foi responsvel por significativa reduo do ndice de mortalidade, dependendo da regio, cerca de 20 at 40%, representando milhares de vidas poupadas. Se considerarmos os dados atuais de quase 40.000 mortes/ano, estaramos evitando cerca de 8 a 10 mil mortes relacionadas aos acidentes de transito no Brasil, que ocupa destacado lugar entre os pases com maior taxa de mortalidade no mundo. Levando-se em conta o que vem acontecendo em outros pases nos quais os ndices de mortalidade ligados aos acidentes nas estradas so bastante elevados, como no EUA e, h alguns anos, na Frana, foram as medidas fortes de fiscalizao e de penalizao (com respaldo jurdico efetivo) adotadas pelas autoridades pblicas pertinentes e apoiadas pela comunidade, que tornaram possveis o sucesso destas aes. Poderamos considerar, 7

Fernando Moreira no caso do Brasil, uma importante mudana cultural que esperamos que seja permanente, haja vista algumas crticas, resistncias e presses contrrias. Aps quase trs meses da implantao da lei, muitas polmicas tm sido levantadas em torno da sua constitucionalidade, subestimando, ou melhor, no dando o devido valor e magnitude ao efetivo resultado no que tange s milhares de vidas poupadas, s neste pequeno espao de tempo. Podese at argumentar e discutir sobre as questes de natureza jurdico-penal, adequando a referida lei aos parmetros constitucionais, mas no desqualificar o propsito ltimo desta lei que se destina a salvar milhares de vidas de cidados brasileiros, sobretudo os jovens, ameaados quotidianamente, por estas tragdias anunciadas, como nos dado a ver nos noticirios freqentemente. Vale lembrar aqui, resultados obtidos em recente pesquisa nossa realizada como tema de tese universitria (Lima e Abreu, 2007), mostrando que cerca de 30% das vtimas fatais de acidentes de trnsito no Rio de Janeiro apresentavam nveis de alcoolemia abaixo de 0.6g/l, ou seja, inferior permitida pela lei anteriormente vigente. Portanto, preciso reconhecer que estamos diante de um importante desafio que vai muito alm, ao meu ver, da mera questo da taxa da alcoolemia, at porque a experincia da Frana mostrou ser possvel reduzir a mortalidade dos acidentes com informao, educao e fiscalizao. O nosso grande problema realmente sabermos se estamos prontos e se queremos enfrentar este importante desafio que nos faz refletir sobre uma verdadeira mudana de cultura e cidadania, no s sobre esta trgica e grave questo das mortes relacionadas aos acidentes de trnsito, mas tambm de outras questes to srias quanto esta que esto por merecer a ateno da nossa sociedade h bastante tempo. Da, a importante oportunidade do lanamento deste livro do Dr. Fernando Moreira, j reconhecido especialista em Medicina de Trnsito, tratando da Mudana Cultural que Salva Vidas, de certa forma continuao do seu trabalho anterior A Vacina Contra a Violncia do Trnsito (2006). Assim, reafirmo a minha satisfao de poder estar ao lado deste trabalho que chama a ateno para o necessrio enfrentamento deste desafio como uma inevitvel e importante mudana de cultura.

Dr. Jos Mauro Braz de Lima MSc. PhD. Prof da Fac. de Medicina UFRJ Presidente da Sociedade Brasileira de Alcoologia (SBA) Membro da Sociedade Francesa de Alcoologia (SFA) Diretor da Evoluo Clnica & Consultoria8

Parte I

A Lei Que Salva Vidas(Lei 11.705 Lei Seca)

A Mudana Cultural Que Salva Vidas

PrlogoEm 19 de junho de 2008, a sociedade brasileira iniciou um importante processo de mudana cultural a partir da vigncia da Lei que deu novo tratamento ao binmio lcool e direo de veculos. Com a nova norma, que altera parte do Cdigo de Trnsito Brasileiro, uma sequncia muito veloz de fatos e eventos colocou a segurana do trnsito na ordem do dia, de maneira constante. Os detalhes da nova lei, a fiscalizao, as caractersticas do lcool etlico, especialmente quanto aos seus efeitos e metabolizao, e a mudana comportamental tornaram-se os principais assuntos nacionais. Especialistas de diversas reas em todo o pas esto permanentemente sendo solicitados a tratar do tema na imprensa. Num momento atpico para aqueles que trabalham com as questes relacionadas com os acidentes de trnsito e sua preveno, comeamos a comentar a reduo dos acidentes e as repercusses benficas da Lei sobre a sociedade. Neste livro, tratarei deste especial perodo brasileiro com uma seqncia de textos e relatos de acontecimentos. Muitos textos so prprios e outros de pessoas que desempenham importantes papis no cenrio brasileiro da preveno dos acidentes de trnsito. A tica a de um mdico preocupado com a preservao da vida e da integridade das brasileiras e dos brasileiros. Aps este especial, sobre a Lei que Salva Vidas, seguir a reedio revisada e atualizada de meu primeiro livro A Vacina Contra a Violncia no Trnsito. Nesta nova obra, mantenho a perspectiva de escrever para todos os pblicos, buscando atingir o maior nmero de pessoas com as mensagens de preveno. 11

Fernando Moreira

A MP 415s vsperas do carnaval deste ano, e ainda sob a presso dos trgicos nmeros de mortos e feridos nos feriados de Natal e Ano Novo, o governo federal editou a medida provisria 415, que buscava reduzir a ocorrncia de acidentes de trnsito com a proibio da venda de bebidas alcolicas nos estabelecimentos comerciais situados nas rodovias federais e em suas proximidades. A MP 415 seguia no mesmo sentido de leis estaduais que, j h alguns anos, probem a venda em rodovias administradas pelo poder pblico estadual, sendo que o exemplo mais conhecido o das rodovias estaduais de So Paulo. A medida teve um impacto importante naquele feriado. A Polcia Rodoviria Federal registrou 128 mortes durante o Carnaval de 2008 nas estradas brasileiras. Isso representou reduo de 11,7% em relao ao quantitativo de 2007, quando os acidentes fatais resultaram na morte de 145 pessoas. A veiculao de muitas matrias na imprensa, a discusso dos efeitos explosivos da combinao lcool e trnsito, a fiscalizao de 7.000 estabelecimentos feita pela Polcia Rodoviria Federal, e a menor utilizao de lcool pelos motoristas conseguiram frear um pouco os acidentes naquele feriado. A discusso da matria seguiu com a apreciao da medida pelo Congresso Nacional. Os representantes do comrcio naquele momento comearam a criticar com diversos argumentos. O principal argumento ouvido nas discusses em diversos meios de comunicao era o seguinte: no era adequado envolver os estabelecimentos comerciais na soluo de uma questo causada por uma atitude irresponsvel dos condutores. Com isto, defendiam o endurecimento das medidas relativas ao controle e fiscalizao do uso de lcool pelos motoristas neste primeiro momento. Diversas questes eram levantadas como a dos hotis prximos s rodovias que no poderiam servir bebidas, nem para os hspedes, e dos supermercados nestas mesmas reas que no poderiam comercializar bebidas para nenhum cliente. Certamente o foco da medida era o estabelecimento tpico de rodovia, onde um motorista, por qualquer motivo, pra durante a viagem e pode se ver tentado ao consumo de bebidas. A proibio da comercializao de bebidas alcolicas, nos estabelecimentos situados s margens das rodovias federais em reas urbanas, foi 12

A Mudana Cultural Que Salva Vidas muito questionada e o Congresso, ao iniciar a apreciao da MP 415, j sinalizava que modificaria este ponto. Grande discusso tomou conta do pas e o Congresso Nacional, que tinha a obrigao de apreciar a medida, indicou como relator da MP 415 o Deputado Hugo Leal (PSC-RJ). Sendo representante do Congresso no Comit Nacional de Mobilizao pela Sade, Segurana e Paz no Trnsito e integrante da Frente Parlamentar pelo Trnsito Seguro, Hugo Leal ouviu grande quantidade de especialistas em segurana no trnsito e debateu a matria com seus pares. Ouviu os representantes da Associao Brasileira de Medicina de Trfego, no momento de relatar a matria. Esta deciso se mostrou muito acertada, porque os especialistas tiveram a oportunidade de trazer discusso poltica uma contribuio cientfica. Esta contribuio cientfica se traduziu na adoo da Alcoolemia Zero para os condutores de veculos automotores. O relator conseguiu, apesar de todos os interesses envolvidos, concluir a matria e o Congresso Nacional aprovou a mais importante medida relacionada ao trnsito desde a criao do novo cdigo de trnsito: a Lei 11.705, a Lei que Salva Vidas, foi aprovada. Em 19 de Junho de 2008, o presidente da repblica, Lus Incio Lula da Silva, sancionou a lei e o Decreto 6.488, que disciplina a fiscalizao. Este foi, sem dvida, o principal acontecimento no campo da sade e da segurana pblica deste incio de sculo no Brasil. Neste dia, ainda assimilando o impacto da grande novidade, escrevi o artigo O desafio de todos, que foi publicado em vrios veculos institucionais, da rea de transportes e seguros, e sites especializados em questes relacionadas ao trnsito.

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas

O desafio de todos24 de junho de 2008 A sano em 19 de junho de 2008 da lei 11.705, que altera o Cdigo de Trnsito Brasileiro no tocante ao consumo de bebidas alcolicas e conduo de veculos, nos traz uma oportunidade singular de reduzir de maneira significativa as gigantescas e inaceitveis taxas de mortalidade e morbidade relacionadas ao trnsito no Brasil. Esta tragdia cotidiana se configura conflito social de primeira grandeza e tem seus nefastos nmeros freqentemente divulgados na imprensa. As repercusses sociais e os prejuzos econmicos so enormes. H muito tempo carecemos de uma acertada tomada de posio por parte dos indivduos, famlias, empresas e demais organizaes sociais. Os governos tambm devem representar seus papis neste processo de transformao que emergencial e indispensvel. Afinal, de que lado estaremos? Juntos com os que colocam em risco e, efetivamente, retiram dezenas de milhares de vidas do nosso convvio ou colaborando com aqueles que trabalham pela transformao positiva da nossa realidade no trnsito? Brasileiras e brasileiros j deram exemplos de enfrentamento bem sucedido em questes complexas que tambm dependiam muito da transformao de comportamentos. Como exemplo, temos os nmeros de pessoas vivendo com HIV/AIDS no Brasil, que sempre se situaram em patamares 15

Fernando Moreira significativamente inferiores s projees internacionais para nosso pas. Aqui, a sociedade, em exemplar resposta epidemia, atuou e encontrou ressonncia nos governos. Inmeros programas de preveno, ligados ou no ao sistema de sade, foram institudos com xito. Especial meno ao terceiro setor que foi fundamental, no s para a preveno e o apoio aos doentes, no ponto de vista da sade fsica, mas principalmente por transformar preconceitos em solidariedade e discriminao em direitos. Agora, antigo desafio nos afronta cada vez mais: como lidar com a crescente violncia no trnsito? Para os indivduos e as famlias este o momento de iniciar uma reflexo a partir das novas normas. Uma mudana de comportamento pode ser construda a partir dos novos parmetros da legislao. Quem ingerir qualquer quantidade de lcool e em seguida conduzir veculos estar passvel de punio. Se a alcoolemia, pesquisada atravs do etilmetro (bafmetro), for inferior a 0,6 grama por litro de sangue, o condutor estar cometendo infrao de trnsito gravssima, ter sua habilitao recolhida, o veculo retido at apresentao de outro condutor habilitado, pagar multa pesada e ter seu direito de dirigir suspenso por um ano, que s poder ser recuperado aps cumprimento de vrias exigncias administrativas e o transcurso do prazo de suspenso. Quem se recusar ao teste sofrer com as mesmas conseqncias. Uma pessoa com massa corporal mediana a partir da segunda dose de qualquer bebida j pode estar atravessando este limite de alcoolemia e, nesta condio, as novas normas determinam, adicionalmente, que se tratar de um crime de trnsito, com a conseqente tramitao na esfera criminal, com pena de deteno de seis meses a trs anos. Se, alm disto, o condutor alcoolizado vier a se envolver em acidente de trnsito que tenha em seu desfecho leso corporal ou homicdio, responder por crime de trnsito e no poder contar com julgamento nos juizados especiais criminais, o que certamente implicar em penas que iro respeitar mais a dignidade das vtimas. Como se pode observar o novo comando da lei claro: no se pode misturar lcool e conduo de veculos. Cabe ressaltar que existem vrias alternativas para deslocamentos pessoais na eventualidade de acontecer consumo de lcool: transporte pblico, motoristas AMIGO DA VEZ previamente designados que no faro consumo de lcool e levaro os amigos em casa aps os eventos, e a atual ten16

A Mudana Cultural Que Salva Vidas dncia de sair para locais prximos aos domiclios sem precisar de veculos. Civilidade e cidadania. Para as empresas e demais organizaes sociais, surge um imenso campo de atuao que pode melhorar em muito a sade dessas instituies. Muitas empresas atualmente registram que a maioria de seus acidentes de trabalho so aqueles ocorridos no trnsito, nas vias pblicas, durante o deslocamento de seus colaboradores ou na execuo de suas atividades externas. Os setores educacionais, pblicos e privados, tambm se inserem naturalmente neste contexto com papis principais. Neste sentido, tambm importante ressaltar que a melhoria das condies de trnsito e a diminuio da violncia so importantes aes de responsabilidade social. Ou seja: um excelente campo de investimento para as organizaes. Para a administrao pblica destaca-se a oportunidade de dar resposta efetiva a um grande problema nacional. Certamente, a populao saber reconhecer aqueles que desempenharem adequadamente seus papis, quer seja na estruturao e execuo de aes fiscalizatrias ou na punio justa daqueles que cometerem infraes e crimes de trnsito. chegada a hora de desenvolver aes de esclarecimento especficas, nos meios de comunicao de massa, de maneira continuada e consistente. Fomentar a atuao de organizaes no-governamentais essencial, especialmente aquelas criadas por vtimas de trnsito. Papis fundamentais tambm desempenharo a imprensa e o ministrio pblico. A primeira poder, ao divulgar e informar a sociedade sobre as mudanas, contribuir para a estruturao de valores relativos preservao da vida e tambm para externar a reprovao social para as condutas que matam e ferem centenas de milhares de pessoas. O segundo, atravs de todo o seu espectro de atuao, pode e deve garantir que a nova lei tenha eficcia. uma grande oportunidade de buscar uma expressiva reduo do nmero de mortos e feridos no trnsito do Brasil. necessrio, inteligente, possvel e est ao nosso alcance.

* * * Nos dias que se seguiram aconteceram movimentos em praticamente todos os estados da federao. A questo da fiscalizao, a existncia de eti17

Fernando Moreira lmetros, as conseqncias jurdicas da nova Lei, a reao do comrcio e at falas de alguns poucos que buscavam atacar, com argumentos desprovidos de comprovao tcnica, a necessidade da adoo da Alcoolemia Zero. Frente a estes ataques, a ABRAMET reagiu atravs do Dr. Fbio Racy, diretor da entidade, que rebateu veementemente em noticirio nacional: o prejuzo que o lcool acarreta direo de veculos comprovado cientificamente, se algum quiser provar o contrrio ter que faz-lo tambm cientificamente.

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas Ultrapassadas as primeiras semanas, os resultados positivos comearam a surgir por todo o pas, especialmente nas cidades onde havia fiscalizao com etilmetros (bafmetros). O tom das crticas abrandou nas semanas seguintes ao mesmo tempo em que as estatsticas apontavam redues expressivas nos ndices de mortalidade no trnsito do pas. Neste perodo, Fernando Pedrosa, um dos maiores especialistas em trnsito do pas, escreveu o texto abaixo.

O importante no multar, salvar vidasA Lei 11.705/08 de tolerncia zero para o consumo de lcool no trnsito , sem margem de dvida, a lei mais discutida e comentada de todos os tempos. Discusses essas que passam por mitos insustentveis, como o registro de alcoolemia por quem consome bombons de licor ou usa enxaguantes bucais, e chegam discutvel tese no campo administrativo de que ningum obrigado a prestar provas contra si. A grande virtude desses debates que tm ocupado generosos espaos dos veculos de comunicao contribuir para que a sociedade compreenda perfeitamente as razes da mudana na lei de trnsito e seus legtimos objetivos. No novidade para ningum a gravidade dos chamados acidentes de trnsito no Brasil e suas conseqncias, tanto nos aspectos sociais quanto nos econmicos. Exibimos um vergonhoso nmero que ultrapassa trs dezenas de milhares de mortos por ano, alm de centenas de milhares de feridos, muitos com seqelas permanentes. Alis, talvez seja exatamente a freqncia com essas ocorrncias acontecem que a sociedade acaba por 19

Fernando Moreira encar-la com certo conformismo, na falsa impresso de que so coisas da vida, so imprevisveis e inevitveis. Ledo engano. No so coisas da vida. So casos de mortes provocadas por imprudncia, negligncia, impercia e desobedincia lei. Todas essas atitudes perfeitamente previsveis e por isso mesmo absolutamente evitveis. Dentro desse cenrio trgico do asfalto brasileiro, desponta com significativa importncia a perigosa mistura lcool e direo. As estatsticas indicam que em quase 70% dos bitos em decorrncia de acidentes de trnsito, a presena do lcool constatada nas necrpsias. E o mais cruel dessa macabra estatstica que predominam vtimas situadas na faixa etria dos 15 aos 29 anos, exatamente a mais produtiva e promissora de nossa populao. Essa combinao letal est matando nossa juventude, frustrando expectativas e interrompendo sonhos e esperanas de centenas de milhares de famlias. Pois bem, a Lei 11.705/08 veio para tentar dar um basta nessa escalada. Equivocadamente batizada de Lei Seca ela , na verdade, uma lei em defesa da vida e da segurana da circulao. Ela no probe a bebida. Ela s no permite e para isso necessrio todo o rigor possvel que quem bebeu assuma o volante de um veculo colocando em risco alm de sua prpria, a vida de pessoas inocentes. De seca, apenas o sangue que certamente vai deixar de correr na pista a cada motorista alcoolizado retirado do trfego. Alis, essa com certeza a principal virtude da nova legislao. Muito mais significativa do que a multa de R$ 957,77 que ser cobrada do motorista alcoolizado a sua retirada de circulao naquele exato momento, tornando a via muito mais segura. O processo administrativo que vai responder, e que certamente o manter afastado da conduo de veculos por 12 meses, dever servir como lio definitiva para sua plena conscientizao. Ao voltar ser um motorista mais cuidadoso, prudente e no mais uma ameaa ambulante. Os dados dos efeitos da nova lei em seus primeiros meses de vigncia j so uma constatao inequvoca de seu poder preventivo. Os nveis de morbimortalidade em todo o pas em decorrncia de acidentes de trnsito caram substancialmente. So constataes irrefutveis que garantem que a lei era necessria e que veio para ficar. Fernando Pedrosa Consultor em Preveno de Acidentes e Segurana no Trnsito 20

A Mudana Cultural Que Salva Vidas A linha do tempo avanou um pouco mais e a ABRASEL Nacional, que representa restaurantes e empresas de entretenimento, questionou no STF a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei 11.705. Frente a mais este desafio, para aqueles que buscam um trnsito mais seguro, a ABRAMET atuou junto ao STF, requerendo participar do processo na qualidade de amicus curiae. Neste momento foi escrito o seguinte artigo do Presidente da ABRAMET, Dr. Flvio Emir Adura, em parceria com o Diretor Cientfico, Dr. Jos H. C. Montal:

Salve a lei que salva vidasPor longos e longos anos, desde a sua fundao para ser mais preciso, a Associao Brasileira de Medicina de Trfego ABRAMET luta para demonstrar sociedade e ao poder pblico no haver dose de lcool que se possa considerar segura para a conduo de veculos automotores. Especialidade mdica que se prope a estudar as causas dos acidentes de trfego a fim de preveni-lo ou mitigar suas conseqncias, alm de contribuir com subsdios tcnicos para a elaborao do ordenamento legal e modificao do comportamento do usurio do sistema de circulao viria, a ABRAMET identificou a alcoolemia como principal vetor da morbimortalidade no trnsito. E luta com denodo para neutraliz-lo. Colaborou, com seus estudos, para a elaborao da Resoluo de n. 206/2006 do Conselho Nacional de Trnsito, que estabeleceu os requisitos necessrios para constatar o consumo de lcool no organismo humano e os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trnsito, e seus agentes, na identificao daqueles que conduzem veculos sob a influncia do lcool. Produziu a nota tcnica que resultou na aprovao desta Lei 11.705/2008, onde o poder pblico, finalmente, determina que qualquer concentrao de lcool por litro de sangue sujeita o condutor a duras pena21

Fernando Moreira lidades e mesmo privao da liberdade, sinalizando uma nova atitude do governo quanto juno lcool e direo. Aps quatro semanas de sua promulgao, a sociedade pode comemorar uma verdadeira revoluo na sade pblica, indicada pela notvel reduo nos ndices de morbimortalidade causados por acidentes de trnsito. Que outro procedimento mdico, desde a descoberta dos antibiticos e o uso universal das vacinas, seria capaz de realizar reduo de 24% nos atendimentos do Servio de Atendimento Mvel de Urgncia (SAMU), diminuio de aproximadamente 30% dos atendimentos por trauma na Rede Hospitalar, a queda de todos os indicadores de acidentes nas rodovias, alm de diminuir em 63% as mortes violentas registradas no Instituto Mdico Legal? Mitos que s convencem aos que desconhecem os efeitos do lcool no condutor no cessam de cair (bombom de licor, antisspticos bucais, sobremesas, florais de Bach) e a lei tem aprovao crescente da populao, chegando a 80% em algumas pesquisas. O efeito deletrio do etanol relaciona-se com a quantidade ingerida e no com o veculo que o conduz ao interior do nosso organismo. Um inocente bombom de licor pode sim ser o agente capaz de levar a alcoolemia a nveis incompatveis com a conduo segura. Salve a Lei que salva vidas! uma saudao da Medicina de Trfego a esta determinao legal que tem evitado que, todos os dias, milhares de pessoas morram ou fiquem feridas nas estradas e nas ruas das cidades, ou ainda que permaneam por longos perodos presas a leitos hospitalares ou definitivamente prejudicadas em sua mobilidade. No temos o direito de ser complacentes e observar indiferentes essas pessoas que tero limitaes definitivas na sua autonomia para executar as atividades do cotidiano, impedidas quase sempre de viver com decncia, trabalhar ou se divertir como antes do acidente. Salve a Lei que salva vidas pode, tambm, ser entendido como um pedido de socorro. O Plenrio do Supremo Tribunal Federal (STF) analisar a Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.103, ajuizada contra a Lei 11.705/08. A Associao Brasileira de Medicina de Trfego, republicana e democraticamente, est reivindicando integrar a demanda para discutir objetivamente esta demanda jurdica que vai afetar toda a sociedade. Mesmo que os juristas provem, ou deduzam, que ela inconstitucional, no se pode deixar de constatar que muitas vidas esto sendo salvas. Mesmo que tenham razo no argumento, o fato de ter reduzido a violncia no trnsito demonstra que nem sempre quem tem razo est correto. 22

A Mudana Cultural Que Salva Vidas A iniciativa do governo brasileiro rendeu elogios da OMS e da OPAS, entidades com as quais a ABRAMET mantm constante interlocuo, e j preconizam que esta seja uma lei paradigmtica para os demais pases da Amrica Latina. A Lei tem ainda o mrito de ter trazido para o debate pblico questo de grande relevncia epidemiolgica, o acidente de trnsito. Apesar de no ser novidade, a norma que impede o dirigir sob o efeito do lcool, a predisposio da sociedade para aceit-la e o avano observado na implementao do controle do exerccio pelo poder pblico, certamente contribuem para o sucesso at aqui observado. Enfim despertamos para a necessidade inadivel da reduo significativa do nmero de mortos, feridos e incapacitados produzidos pelos acidentes de trnsito no pas. Despertamos para a necessidade de aperfeioamento da legislao, fiscalizao, educao, capacitao e informao. A segurana no trnsito uma responsabilidade compartilhada, cada um de ns tem que estar comprometido e compromissado com a causa. S modificaremos a nossa triste posio como grandes matadores no trnsito quando todas as esferas do poder pblico e da sociedade, todos, inclusive ns signatrios desta manifestao, voc que agora nos l e os que proporcionam este contato, estivermos unidos pela preservao da vida tambm no trnsito. A ABRAMET tambm defende o direito de ir e vir, mas principalmente, o de chegar.

Dr. Flvio Emir Adura Presidente da ABRAMET Dr. Jos H.C. Montal Diretor Cientfico da ABRAMET

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Fernando Moreira Em 12 de agosto, em face da relevncia da questo e tendo em vista a sua repercusso na ordem pblica federal, o STF admitiu o ingresso da ABRAMET na ao na qualidade de amicus curiae. Dra. Priscila Calado Correa Neto, advogada da associao explica em trecho de entrevista detalhes deste importante passo: O Amicus Curiae, ou amigo da corte, o perito na matria objeto da ao que integrar a demanda para trazer aos autos informaes relevantes ou dados tcnicos, de modo a ampliar objetivamente o debate sobre as questes suscitadas, auxiliando o juzo. O Amicus Curiae no parte no processo, portanto no pode recorrer das decises proferidas pela corte, mas ser ouvido como colaborador informal do juzo. A condio de expert para figurar como Amicus Curiae e auxiliar os ministros do STF no julgamento da presente ADIN, resta demonstrada pelos trabalhos que a ABRAMET realiza h 28 (vinte e oito) anos em prol da segurana nas vias e rodovias, e que tiveram como corolrio o convnio firmado com a Associao Mdica Brasileira AMB, e o Conselho Federal de Medicina CFM, para ser a entidade representante da especialidade mdica Medicina de Trfego. Ao responder se o fato de ser admitida como Amicus Curiae um grande passo para a associao, afirmou: Sem dvida alguma. No de hoje que a ABRAMET atua junto ao Poder Pblico para fornecer os subsdios necessrios para aplicao de uma legislao adequada e eficiente relativa segurana de trfego, mas a primeira vez que atua diretamente no Poder Judicirio e logo na instncia mxima. A ABRAMET tem histrico de colaborao com os Poderes Legislativo e Executivo, e especificamente no que concerne ao consumo de lcool, forneceu dados tcnicos para que o CONTRAN expedisse a Resoluo n. 206/2006 (que dispe sobre os requisitos necessrios para constatar o consumo de lcool, substncia entorpecente, txica ou de efeito anlogo no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trnsito e seus agentes) e para a campanha educativa 24

A Mudana Cultural Que Salva Vidas desenvolvida pelo DENATRAN Orientaes Mdicas para Fiscalizao sem Etilmetro de Condutores Alcoolizados. O pedido da ABRAMET feito ao STF para que integre a ADI 4.103 como amicus curiae fecha o crculo de atuao nos trs Poderes do Estado em defesa da paz, sade e segurana no trnsito.

Dra. Priscila Calado Correa Neto Advogada da ABRANET

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas A populao brasileira percebeu, em poucas semanas de vigncia da lei 11.705, que podia contar com um novo bem: a fiscalizao com etilmetros. Esta fiscalizao trouxe maior tranqilidade s ruas das grandes cidades, especialmente nas noites dos finais de semana. A segurana no trnsito ganhou espao em todas as discusses travadas em rodas de amigos, universidades, locais de trabalho, lazer e convvio familiar. O comportamento das brasileiras e dos brasileiros mudou e agora a maioria das pessoas discute previamente como ser feito o deslocamento pessoal na eventualidade de acontecer uso de bebidas alcolicas. Este fato foi comprovado com a diminuio expressiva do percentual de motoristas flagrados conduzindo aps o consumo de bebidas alcolicas durante as fiscalizaes. A sociedade deu resposta adequada e gil ao importante desafio e comeou a colher frutos. O comportamento das pessoas agora muito mais comprometido com a preservao da sade e da vida. Neste contexto e em face da apreciao que o STF realizar, escrevi o seguinte artigo:

A lei da vidaA Lei 11.705/08 foi extremamente eficaz no sentido de reduzir as crescentes ocorrncias de acidentes virios envolvendo condutores alcoolizados. Nos primeiros trinta dias de sua vigncia, o Brasil assistiu reduo expressiva do nmero de mortos e feridos no trnsito, com ndices amplamente divulgados. A lei, rotulada inicialmente como Lei Seca e mais recentemente nomeada Lei da Vida, recebeu apoio da vasta maioria dos segmentos da sociedade e a populao j percebe a melhoria das condies de trnsito, principalmente nas cidades. 27

Fernando Moreira A diminuio de mortos constatada num estudo realizado no Instituto Mdico Legal de So Paulo chegou a um nmero impressionante: 63% dos desfechos fatais foram evitados nas noites dos finais de semana. No Rio de Janeiro, o Instituto de Segurana Pblica apurou reduo de 57% das mortes no primeiro ms de vigncia, computadas a partir dos registros dos acidentes durante todo o perodo. Isto representou 151 desfechos fatais evitados. No rastro desta reduo, ocorreu tambm queda em todos os demais indicadores de violncia interpessoal. Nmeros semelhantes foram alcanados em Porto Alegre, Florianpolis, Belo Horizonte, Salvador e diversas outras cidades do pas. Nas rodovias federais o nmero de mortos recuou 14,5%. As virtudes da norma alcanaro, em seqncia, o INSS, com reduo de penses por morte e aposentadorias por invalidez; as seguradoras, com a reduo dos sinistros e do preo dos seguros e a sade pblica e privada, onde se pode esperar reduo dos preos dos planos de sade. Pelo seu texto, o nvel de alcoolemia permitido para os condutores ZERO. Isto tem um significado especial em nosso contexto nacional: a simplicidade. Esta norma unifica os discursos num pas continental com diversidades culturais muito importantes: no se pode associar direo de veculos ao consumo de lcool em qualquer quantidade. Grande parte da eficcia comprovada da Lei da Vida advm deste fato. As conseqncias nas esferas administrativa e criminal, passveis de ocorrer at com quem se recusa a colaborar com a fiscalizao promovida pelos agentes de trnsito, que seriam neste caso melhor denominados Agentes da Vida, aumentam significativamente os resultados positivos. Os Agentes da Vida conseguiram diminuir o nmero de socorros realizados pelos resgates em todo o pas, as chamadas do SAMU, os atendimentos em salas de emergncia e nos centros cirrgicos. Acima de tudo, houve uma reduo de cenas terrveis nos necrotrios, onde as famlias reconhecem seus entes que perecem. Estes geralmente so jovens. O apoio da sociedade mostra que a norma alcanou terreno frtil e os frutos j so colhidos cotidianamente. Estes pilares so fundamentais e fazem parte da sustentao desta norma e as nicas garantias de seu resultado. Embora seja um diploma legal com objetivos claros em defesa da vida, grupos econmicos contrariados recorreram ao STF argindo a constitucionalidade da medida. 28

A Mudana Cultural Que Salva Vidas A sociedade civil respeitosamente espera que o STF preserve a LEI DA VIDA em sua totalidade protestando, ainda, pelo reconhecimento do trnsito como um espao coletivo, no qual todos os que desejam conduzir veculos devem estar preparados e dispostos a fornecer provas em seu favor, sempre que for solicitado. No cenrio do trnsito, comportamento diverso incompatvel com a civilidade e inaceitvel onde a vida e a incolumidade da populao brasileira esto envolvidas. No possvel que algum imagine o trnsito seguro sem a fiscalizao da combinao lcool e direo de veculos, fator principal da acidentalidade, cabalmente demonstrado em apenas um ms de vigncia da Lei 11.705. imprescindvel que se faa fiscalizao eficiente no trnsito, at porque nenhum motorista est proibido de consumir bebidas alcolicas. A lei veda que motoristas conduzam veculos aps este consumo. Felizmente, o que h hoje no Brasil so instrumentos normativos e de fiscalizao que reduzem significativamente a combinao lcool e direo de veculos. So estas normas e esta fiscalizao, e seus efeitos benficos sobre a sociedade, que aguardam a reflexo e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

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Fernando Moreira

Menos lcool, menos acidentes, menos vtimasA ABRAMET realiza levantamento de informaes sobre acidentes de trnsito aps a Lei 11.705 e as expressivas redues esto mostradas no seguinte quadro:

UNIDADE BRASIL BRASIL (Estradas Federais) BRASIL (Rodovias Federais) BRASIL (SAMU) ALAGOAS BAHIA (Rodovias Federais)

DIMI NUIO 24% 13,6% 14,5% 14,86% 30% 27,40% 9,0%

EVENTOS Atendimen tos SAMU Mortes Mortes Atendimen tos SAMU Acidentes de trnsito Mortes Acidentes de trnsito

FONTE Ministrio da Sade/SAMU PRF PRF PRF DetranAL PRF PRF PM, Corpo de Bombeiros, Polcia Civil e Hospital de Pronto Socor ro Joo XXIII DETRANDF DETRANDF Corpo de Bombeiros Corpo de Bombeiros

VECULO O Globo, 14/07/2008 O Globo Online, 20/08/2008 O Povo, 04/08/2008 Estado.com, 20/08/2008 JC Online, 15/07/2008 Correio da Bahia, 25/07/2008

BELO HORIZONTE (Regio Metropolitana)

27%

Acidentes de trnsito

Correio de Uberlndia, 25/07/2008 Correio Brasilien se, 16/07/2008 Correio Brasilien se, 16/07/2008 Braslia Tempo Real, 20/08/2008 Braslia Tempo Real, 20/08/2008

39% 24% BRASLIA (DF) 13% 45,6%

Acidentes de trnsito Mortes Acidentes de trnsito Colises de veculos

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A Mudana Cultural Que Salva VidasUNIDADE CAMPO GRANDE DIMI NUIO 16% EVENTOS Acidentes de trnsito com vtimas fatais Acidentes de trnsito com vtimas fatais Atendimento a vtimas de aci dentes de trnsito Vtimas de aci dentes de trnsito Acidentes de trnsito Acidentes de trnsito com vtimas Vtimas Acidentes de trnsito Acidentes de trnsito com vtimas Feridos Vidas salvas Mortes FONTE DETRANMS VECULO Comparao en tre 06 e 07/2008 Comparao entre 14 a 17/07/2007 e 14 a 17/07/2008 Correio Brazilien se, 16/08/2008 O Povo, 04/08/2008 Portal Amaznia, 09/08/2008 Portal Amaznia, 09/08/2008 Portal UAI, 18/07/2008 Dirio de Natal, 17/07/2008 Notcias 360, 18/07/2008 Notcias 360, 18/07/2008 Notcias 360, 18/07/2008 Portal Pernam buco.com, 21/07/2008 Portal Pernam buco.com, 21/07/2008 Correio de Not cias, 06/08/2008 Terra Trnsito, 25/07/2008

CEAR (Estradas Estaduais e Federais) DF (Atendimento SAMU ) FORTALEZA

66%

CPRV

42,5% 19,9% 63%

SAMU Instituto Dr. Jos Frota DETRANAM DETRANAM HPS (Joo XXIII) CPRE PRF e DETRANPE PRF e DETRANPE PRF e DETRANPE Polcia Rodo viria Federal Polcia Rodo viria Federal EPCT ISP

MANAUS 30% MINAS GERAIS NATAL 15% 21% 3,5% 10,4% 40,7% 50%

PERNAMBUCO (Estradas do Estado)

PERNAMBUCO (Rodovias Federais)

28% PORTO ALEGRE RIO DE JANEIRO 68% 57%

Feridos Mortes Mortes

31

Fernando MoreiraUNIDADE RIO DE JANEIRO (Principais vias) RIO DE JANEIRO (Principais rodovias) RIO DE JANEIRO (Vias de maior movimento) DIMI NUIO 13% 33% EVENTOS Atendimento a vtimas de aci dentes de trnsito Mortes Atendimento a vtimas de acidentes de trnsito Acidentes de trnsito mortes Acidentes de trnsito Mortes Feridos Mortes Atendimento a vtimas de aci dentes nos hos pitais estaduais Vtimas Mortes Mortes FONTE SMT PRF VECULO O Globo Online, 12/08/2008 O Globo Online, 12/08/2008 O Globo Online, 18/08/2008 Zero Hora, 21/07/2008 Zero Hora, 21/07/2008 A Tarde Online, 18/08/2008 A Tarde Online, 11/07/2008 A Tarde Online, 11/07/2008 Tribuna Catarinense Correio do Brasil, 22/08/2008 O Globo Online, 19/08/2008 Folha Online, 21/07/2008 Estado.com, 19/07/2008 Dirio do ABC, 15/07/2008 Dirio do ABC, 15/07/2008

13%

SMT

RIO GRANDE DO SUL

14% 15,20% 57%

Zero Hora Zero Hora SET SET SET PRF

SALVADOR 27,20% 42,70% SANTA CATARINA 10%

GRANDE SO PAULO

49,2%

SES

GRANDE SO PAULO SO PAULO SO PAULO (Ro dovias de SP)

9% 63% 15%

SES SSPIML Polcia Rodoviria Estadual 8 Grupa mento de Bombeiros 8 Grupa mento de Bombeiros

34% SO PAULO (ABC) 25%

Vtimas Acidentes de trnsito

32

A Mudana Cultural Que Salva VidasUNIDADE SO PAULO (Itapeva) SO PAULO (5 Hospitais Municipais ) SO PAULO (Hospitais Pbli cos Estaduais ) SO PAULO (Estradas Estaduais ) SO PAULO (4 Hospitais de re ferncia da SMS) SO PAULO (aten dimento SAMU) DIMI NUIO 27% 32,2% EVENTOS Acidentes de trnsito Atendimento a vtimas de aci dentes de trnsito Atendimento a vtimas de aci dentes de trnsito Acidentes de trnsito com vtimas Atropelamento e feridos em acidentes trnsito Atendimento a vtimas de aci dentes de trnsito Acidentes de trnsito FONTE Polcia Militar SMS VECULO Folha do Sul, 19/07/2008 Portal G1, 02/08/2008 O Estado de SP , 02/08/2008 Metro News, 13/08/2008 Folha Online, 18/08/2008 Folha Online, 18/08/2008 Portal Emsergipe. com, 18/07/2008 Polcia Rodo viria Federal, julho/2008 Zero Hora, 05/08/2008 Correio de Uberlndia, 25/07/2008 Correio de Uberlndia, 05/08/2008

42%

SES

11,26%

PMR

30% 21% m dia diria

SMS

SMS Companhia de Policia mento de Trnsito Polcia Rodo viria Federal Empresa Pblica de Transporte e Circulao (EPTC) PM Hospital das Clnicas de Uberlndia

SERGIPE

15%

RODOVIAS FEDERAIS

14,5%

Mortes

PORTO ALEGRE (RS)

68%

Mortes

UBERLNDIA

13,8%

Acidentes de trnsito mortes

UBERLNDIA

30%

Fonte: http://www.abramet.org/leisalvavidas.html

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Fernando Moreira

ConclusoEste livro est sendo escrito enquanto se aguarda o exame da matria no STF. Independentemente do resultado desta anlise, j se sabe que esta lei proporcionou uma expressiva reduo da morbimortalidade no Brasil nos primeiros meses de sua vigncia. Este fato j faz parte da histria da nao e o povo brasileiro pode comemorar esta vitria que dependeu fundamentalmente de sua aprovao e aceitao. As normas so seguidas e aceitas pelas naes por dois motivos principais: a percepo dos benefcios que a norma trar, para os indivduos e a sociedade, e o receio com relao s sanes previstas. No Brasil, a alcoolemia zero para os condutores de veculos foi aceita principalmente pelos benefcios que tem demonstrado cotidianamente, desde 19 de junho de 2008. Para a populao, a Lei 11.705 no s pegou, ela tambm se transformou num bem pblico, algo com que j contamos para nos proporcionar um trnsito mais digno e seguro. Todas as pesquisas de opinio divulgadas do conta da aprovao da grande maioria da populao. Este momento nacional muito especial para todos que trabalham com a preveno de acidentes de trnsito. Poupar vidas no trnsito gerar um bem comum. Quem seria parte da estatstica? Qualquer um de ns pode ter tido sua vida salva pela Lei que Salva Vidas.

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Parte II

A Vacina Contra a Violncia do Trnsito

A Mudana Cultural Que Salva Vidas

Nota do autorEste livro fruto da vontade de ampliar o alcance da minha atuao no campo da preveno de acidentes de trnsito. Este trabalho, que venho desenvolvendo h vrios anos junto a motoristas profissionais, mdicos, psiclogos, gerentes e demais profissionais da rea de recursos humanos das empresas de transportes do estado do Rio de Janeiro, busca atingir a reduo da ocorrncia e da gravidade dos acidentes de trnsito atravs de aes educativas e de sensibilizao. Para tanto, tenho ajudado a organizar eventos, seminrios e jornadas e proferido inmeras palestras e conferncias, das quais participaram cerca de 6.000 pessoas. Junto a isto, e no menos importantes, esto os 16 anos de exerccio da medicina, muitos deles atuando em setores de emergncia, principalmente peditrica. Neste perodo, a convivncia com as vtimas dos traumas de trnsito, dentro das salas de emergncia, fez com que surgisse a vontade de atuar preventivamente. Em 2005, apresentei dois artigos no VI congresso latino-americano sobre acidentes e medicina de trfego, realizado pela ABRAMET. Eles versaram exatamente sobre a educao de trnsito para motoristas profissionais e para os demais segmentos da sociedade, focando os principais aspectos da preveno, sob a tica da Medicina de Trfego, especialidade que tambm abrao. A partir deste congresso, tive certeza que deveria escrever este livro para levar aos leitores estes temas e as discusses relativas preveno dos acidentes de trnsito. Esta certeza adveio da observao da lacuna que h, 37

Fernando Moreira em nosso pas, no campo da literatura: livros versando sobre a preveno de acidentes de trnsito, direcionados ao pblico jovem e adulto. Exatamente por isto, ofereo, neste livro, uma viso geral do problema no Brasil e no mundo, buscando contribuir para a reduo do nmero e da gravidade dos acidentes, das vtimas e dos traumas de trnsito. importante ressaltar que este livro destina-se ao leitor no especializado em preveno de acidentes ou medicina de trnsito. Em sua realizao evitei, tanto quanto possvel, utilizar expresses e jarges que s especialistas ou iniciados nestes campos conhecem. Evitei, ainda, a citao de nmeros de leis e artigos, para no cansar o leitor no habituado a este tipo de texto. Ao mesmo tempo procurei abrir um leque que permitir uma viso mais ampliada da preveno. Penso que ele ser um bom ponto de partida para as necessrias reflexes de jovens e adultos. Estas reflexes podem evitar exposio a riscos desnecessrios, ao dirigir ou entrar num veculo dirigido por outra pessoa.

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas

IntroduoNos dias atuais a ocorrncia de acidentes de trnsito deve ser permanentemente lembrada e encarada de maneira inteligente, buscando a preveno. Para tanto, informao fundamental. No decorrer das prximas pginas, os temas sero abordados com a preocupao de proporcionar uma viso de conjunto que seja coerente e til no sentido de estimular reflexes que permitam aos jovens e adultos adotar comportamentos mais seguros. Este o objetivo principal deste livro. O binmio drogas/direo de veculos, incluindo lcool etlico, responsvel por grande parte dos acidentes de trnsito, especialmente os mais graves. As diversas conseqncias do uso do lcool e suas repercusses sero aqui amplamente consideradas, pois h muito alm do se dirigir no beba ou se beber no dirija. A compreenso moderna de que este o ponto mais crtico em relao ocorrncia de acidentes e o conhecimento de que se trata do ponto com mais retorno, em termos de reduo de acidentes, quando adequadamente compreendido e valorizado, fazem deste o eixo principal deste livro. Agrega-se a este eixo, nesta proposio, a abordagem dos demais temas relevantes relativos preveno de acidentes de trnsito e suas conseqncias. A abordagem ser feita em ncleos, estratgia amplamente utilizada em atividades educativas, sendo exemplo o ABCDE do Trauma, que sistematiza a atuao dos profissionais envolvidos no atendimento s vitimas de acidentes e outros traumas. Dentro desta perspectiva estabelece-se a siste39

Fernando Moreira matizao de abordagem, denominada ABCDE da Preveno dos Acidentes de Trnsito. Cada tema abordado receber o detalhamento prprio para uma obra desta natureza e tratamento cuidadoso, com a preocupao de resultar em material interessante e til sob diversos enfoques. Uma das fontes da formatao deste sistema foi o trabalho de campo, em palestras dirigidas a profissionais, empresrios, estudantes e tcnicos da rea. Nestas oportunidades pude perceber, atravs da interao com os participantes, quais aspectos, dos principais pontos relacionados preveno de acidentes, faziam com que o interesse despertado fosse maior e mais genuno. Esta observao deu forma a este sistema, no qual se pretende proporcionar uma viso rpida e interessante dos temas abordados, constituindo uma leitura amigvel.

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas

AACIDENTESAlguns aspectos relacionados ao padro de ocorrncias de acidentes de trfegoA ocorrncia de acidentes de trfego considerada, hoje, uma questo prioritria de sade pblica. Em 1999 o total de mortes causadas por estes acidentes alcanou o nono lugar no total de mortes do planeta. A previso da Organizao Mundial da Sade para 2020 revela um salto para o terceiro lugar. As reflexes sobre os problemas do trnsito no Brasil e no mundo revelam, atravs de diversos prismas, pontos de contato entre as diferentes realidades e necessidades de continentes, pases e localidades. A imagem da catica situao mundial, onde acidentes de trnsito matam um milho e duzentas mil pessoas todos os anos, representa para a humanidade flagelo s comparvel s grandes guerras. 41

Fernando Moreira A Organizao das Naes Unidas, em Assemblia Geral, aprovou, em dezembro de 2005, a resoluo 60/5, que trata da busca de melhorias na segurana no trnsito. O documento classifica a situao mundial como crtica e faz recomendaes no sentido de aumentar a segurana viria. Neste documento, estabelece-se que aes das diferentes esferas de governo devem se somar s da iniciativa privada e organizaes no governamentais, na construo permanente de melhores condies de segurana no trnsito. Neste contexto, a ONU ressalta pontos fundamentais e sugere a adoo de aes que representam passos importantes na direo de controlar o problema. Ao expressar sua preocupao com a trajetria de aumento do nmero de mortos no trnsito, principalmente nos pases em desenvolvimento, reafirma a importncia de trabalhar as questes relacionadas segurana no trnsito em mbito mundial, com necessidade de fortalecer a cooperao internacional, levando em conta as necessidades de capacitao e apoio financeiro nos pases em desenvolvimento. Para tanto, estimula os estados membros e a comunidade internacional, a incluindo as instituies financeiras internacionais e regionais, a prestar apoio financeiro, tcnico e poltico s comisses regionais das Naes Unidas e Organizao Mundial da Sade, nas atividades dirigidas a melhorar a segurana no trnsito. Orienta tambm todos os envolvidos para o prosseguimento das aes preventivas j existentes e o desenvolvimento de novas iniciativas. Destaque significativo tambm foi conferido necessidade de evoluir no que tange ao esforo normativo, em todas as esferas. Ao estimular os estados membros a aderir aos esforos, prope a criao em cada pas de uma agncia nacional para coordenar e articular as aes de preveno e as medidas de controle. Esta resoluo recomendou especial ateno aos cinco principais fatores de risco no trnsito: dirigir sob efeito do lcool, a no utilizao de cinto de segurana e dispositivos de proteo para crianas, a no utilizao de capacetes, excesso de velocidade e a falta de infra-estrutura viria. Os principais fatores de risco so problemas mundiais que se apresentam de maneira muito expressiva em nosso cotidiano brasileiro. H uma grande estrada a ser percorrida pelo Brasil em direo a um quantitativo de mortos compatvel com os apresentados pelos pases mais desenvolvidos. Neste sentido, especial ateno deve ser dedicada distribuio dos acidentes de trnsito no planeta. Os pases desenvolvidos possuem 70% da frota mundial de veculos automotores e sofrem somente com 30% 42

A Mudana Cultural Que Salva Vidas dos acidentes. Invertem-se de maneira sombria os nmeros quando olhamos para os pases em desenvolvimento: possuindo 30% da frota, apresentam 70% dos acidentes. Grfico 1 Taxas de mortes por 10 mil veculos/ano em pases selecionados

Fonte: Grfico elaborado a partir de dados da Pesquisa IPEA ANTP Impactos sociais e econmicos dos acidentes de trnsito nas aglomeraes urbanas brasileiras. 2003.

Vrios fatores esto ligados a esta maior ocorrncia de acidentes nos pases mais pobres: estradas em pssimas condies, desrespeito s normas de trnsito, educao precria dos condutores e pedestres, veculos com aporte tecnolgico rudimentar, veculos em pssimo estado de conservao, fiscalizao precria e engenharia de trfego limitada pela carncia econmica. Entre diversos nmeros, partindo das estatsticas oficiais e chegando at as estimativas de diversos autores, onde se revela a questo da subnotificao, acredita-se que ocorram no Brasil entre 40.000 e 50.000 mortes, todos os anos, causadas por acidentes de trnsito. No estado do Rio de Janeiro, que sob diversos aspectos uma excelente amostra do que se passa no pas, temos o seguinte perfil, conforme dados provenientes do Instituto de Segurana Pblica do Estado do Rio de Janeiro. 43

Fernando Moreira Grfico 2 Srie histrica de vtimas fatais e no fatais no trnsito. Rio de Janeiro

Fonte: Elaborado a partir de dados do Instituto de Segurana Pblica do Rio de Janeiro ISP RJ.

H uma tendncia de crescimento do nmero de vtimas fatais. Tomando-se por base o ano de 2007, teremos, somente no estado do Rio de Janeiro, 2.967 mortos no trnsito. Isto significa mais de oito pessoas por dia ou uma pessoa morta de trs em trs horas. No Brasil, tomando-se por base os cerca de 37.000 mortos que as estatsticas oficiais admitiram em 2007, teremos 101 pessoas mortas por dia ou uma pessoa morta a cada 14 minutos. Os nmeros, suficientemente grandes para serem desprezados, dimensionam a verdadeira tragdia diria e o caos no trnsito. A nica maneira de proteger-se a preveno.

Grfico 3 Distribuio percentual de vtimas por dia da semana. Rio de JaneiroFonte: ISP-RJ.

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas A distribuio por dias da semana mostra a maior ocorrncia nos dias em que h maior consumo de lcool, ou seja, no final de semana, a partir de sexta-feira. A constatao de que os acidentes tm distribuio irregular durante a semana revela no s a questo do uso e abuso do lcool e drogas, maior nos finais de semana, mas tambm a fadiga acumulada antes da habitual folga semanal (domingo), o que leva ao maior nmero de acidentes, acometendo todos os motoristas, at os profissionais. Grfico 4 Distribuio das vtimas por faixa etria. Estado do Rio de Janeiro (2004)

Fonte: ISP RJ.

Nota-se aqui o importante acometimento das crianas, adolescentes e adultos jovens, configurando-se a faixa etria preferencial para a ocorrncia de acidentes, especialmente os mais graves. Quase um tero das vtimas esto na faixa etria que vai dos 20 aos 29 anos.

Grfico 5 Distribuio de vtima por sexo Rio de Janeiro (2004)Fonte: ISP-RJ.

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Fernando Moreira Note-se a importante diferena entre os sexos no que tange ao comprometimento pelos acidentes. Vrios fatores so responsveis por estas diferenas, porm o principal continua sendo o comportamental. Este padro reconhecido pelas seguradoras. Os valores dos seguros dos carros conduzidos por mulheres so significativamente mais baratos. As faixas etrias tambm so utilizadas nestes clculos, sendo que as mais acometidas com a ocorrncia de acidentes tambm suportam custos adicionais na contratao de seguros. Jovens do sexo masculino constituem o grupo de maior risco, merecendo por isto medidas preventivas mais consistentes nas reas de educao e promoo da sade. Foto 1

Jovens aps uma palestra de preveno na qual utilizei o Sistema ABCDE de preveno de acidentes. Local CAPIT 54 do SEST SENAT. O diretor da unidade, Henriques, aparece ao centro de camisa branca. 46

A Mudana Cultural Que Salva Vidas Mapa 1 Mortes por acidente de trnsito (por 100 000 pessoas) 2006Legenda 4.5 6.1 6.1 8.2 8.2 13.0 13.0 14.3 14.3 25.3 Informao no disponvel

Fonte: EuroGeographics Association for the administrative boundaries.

Tabela 1 Mortes por acidente de trnsito (por 100 000 pessoas) Unio Europeiarea UE (15 pases) Alemanha ustria Espanha Holanda Noruega Portugal Sucia Suia Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 12.1 11.5 14.1 14.1 8.0 8.4 24.3 6.4 10.0 11.5 10.7 12.1 13.8 8.1 7.8 21.9 6.0 8.5 10.9 10.5 13.1 14.1 7.3 8.6 19.5 6.4 8.4 10.9 9.5 10.7 15.0 6.7 9.7 18.4 6.0 8.1 11.1 9.6 12.1 14.7 7.1 8.7 15.7 6.0 8.6 10.7 9.3 11.0 14.8 6.9 9.3 13.0 6.5 8.2 10.5 8.4 8.2 13.7 6.2 6.9 17.3 6.8 7.2 10.3 8.3 10.9 13.1 6.3 8.3 19.9 6.0 6.6 9.6 8.0 11.0 13.0 6.5 7.5 17.5 5.9 7.3 8.9 7.0 10.9 11.3 5.1 7.5 15.5 5.4 6.5 8.4 6.5 9.8 10.4 4.6 6.1 12.4 5.1 4.9 8.2 6.1 8.9 9.5 4.5 5.7 : 5.3 :

Fonte: EUROSTAT.

Tabela 2 Mortes por acidente de trnsito (por 100 000 pessoas) em 2007BRASIL Estado do Rio de Janeiro Regio Metropolitana Interior RJ 20 18 15 26

Fonte: Elaborado com dados das estatsticas oficiais e bases populacionais do IBGE.

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Fernando Moreira Quadro 1 Acidentes com atendimento pelo GSE do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro

Mdia 21.500 / ano (1999 a 2006) 60 eventos por dia 2,5 por hora Um a cada 24 minutos Acidentes e Mortalidade de crianas e adolescentes por causas externas no BrasilOs grficos que se seguem abordam a mortalidade e a morbidade por tipo de acidente e faixa etria, com nmeros absolutos e relativos. Os dados so nacionais.

Em 2005, 5.808 morreram e 138.604 foram hospitalizadas.Grfico 6 Mortalidade no Brasil em 2005, por causas externas, entre 0 e 14 anos

Fonte: Site www.criancasegura.org.br, citando dados do Ministrio da Sade, 2005.

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas Grfico 7 Hospitalizaes no Brasil em 2005, entre 0 e 14 anos

Fonte: Site www.criancasegura.org.br, usando dados do Sistema de Informaes sobre mortalidade do SUS e do Sistema de Informaes Hospitalares do SUS.

O estudo apresentado nos grficos 6 e 7 foi realizado pela Dra. Maria Helena de Mello Jorge, da Faculdade de Sade Pblica da USP, Dra. Maria Sumie Koizumi da Escola de Enfermagem da USP e pela mestranda Vanessa Luiza Tuono, da Faculdade de Sade Pblica da USP, e foi patrocinado pela Johnsons Baby. Acidentes de Trnsito so a 1 causa de mortalidade, dentre as causas externas, na faixa etria de 0 a 14 anos, perfazendo 40% destes bitos. A partir desta faixa etria apresenta maior expresso a violncia interpessoal, aumentando muito significativamente o nmero de homicdios. Contudo, os acidentes de trnsito continuam tendo grande participao. Os acidentes com desfechos fatais envolvem as crianas mais na condio de pedestres do que na condio de ocupante de veculo. Em geral trata-se de atropelamento. Pode-se inferir que um grande desafio para todos evitar as tragdias cotidianas causadas pelo caos instalado em nosso trnsito. Este caos atinge de maneira muito significativa crianas e adolescentes, merecendo uma especial ateno da sociedade e das famlias, buscando a adoo das necessrias medidas de preveno. Em outro local deste livro trataremos do transporte de crianas e adolescentes em veculos. 49

Fernando Moreira

lcool etlicolcool etlico. Esta a denominao formal da substncia qumica que ser um dos eixos principais deste livro. A frmula qumica do lcool etlico, que tambm pode ser adequadamente chamado de etanol, esta:

A substncia tem estrutura relativamente simples, sob o ponto de vista da qumica orgnica. Contudo, determina uma ampla e complexa influncia sobre o indivduo e a sociedade. A utilizao de bebidas alcolicas pelos condutores ou pedestres, antes ou durante a direo de veculos e caminhadas, tem sido apontada como causa de 30% de todos os acidentes de trfego e por aproximadamente 70% dos que resultam em feridos graves ou mortos. particularmente grave sabermos que cerca de 50% dos mortos em acidentes de trnsito estavam fora dos veculos, ou seja: mortes por atropelamento. Certamente o uso de bebidas alcolicas est, em grande proporo, relacionado a estas mortes.

Alguns aspectos relacionados ao uso de bebidas alcolicasAqui no se buscar discutir os aspectos relativos a este consumo que no tiverem uma correlao direta com a ocorrncia e preveno dos acidentes de trnsito. Os diversos tipos de adoecimento decorrentes do abuso e dependncia do lcool, tais como a cirrose heptica, miocardiopatia alcolica, demncia, epilepsia, sndrome de Wernicke, sndrome de Korsakov e psicose alcolica so discutidas em farta literatura leiga e especializada. O uso de bebidas alcolicas largamente difundido na populao. Segundo Jos Mauro Brz de Lima, Professor de Neurologia e Presidente da Sociedade Brasileira de Alcoologia, renomado especialista brasileiro no 50

A Mudana Cultural Que Salva Vidas estudo dos problemas relacionados ao uso, abuso e dependncia do lcool e outras drogas, 90% da populao faz ou j fez uso de bebidas alcolicas, seguindo variados padres de consumo, desde o consumo espordico at a dependncia, passando pelo abuso. Os abstmios somam cerca de 10% da populao, nmero equivalente ao alcanado pelos dependentes. Os que abusam (uso nocivo) perfazem cerca de 20% do total, enquanto os que fazem uso espordico e irregular, erroneamente chamados de bebedores Sociais, somam 60% da populao. Todos que consomem bebidas alcolicas esto mais propensos a causar ou envolver-se em acidentes de trfego, quer seja na direo de veculos ou em deslocamentos como pedestres. A utilizao muito difundida de bebidas alcolicas faz com que esta substncia merea uma ateno especial no tocante preveno de acidentes de trnsito. Foto 2

Conferncia sobre A Vacina Contra a Violncia no Trnsito. VII Congresso Brasileiro e V Latino-Americano Sobre Acidentes e Medicina de Trfego, promovido em 2007 pela ABRAMET. 51

Fernando Moreira Recente pesquisa do CEBRID (2005) encontrou nmeros comparveis, em levantamento domiciliar de mbito nacional que compara a utilizao da maioria das drogas, encontrados nas tabelas 3 e 4. Tabela 3 Resultados Cebrid percentual de uso durante a vida, o ms e o anoDROGAS Maconha Solventes Benzodiazepnicos Orexgenos Estimulantes Cocana Xaropes (codena) Opiceos Alucingenos Esterides Crack Barbitricos Anticolinrgicos Merla Herona lcool Tabaco TIPO DE USO % Na Vida 8,8 6,1 5,6 4,1 3,2 2,9 1,9 1,3 1,1 0,9 0,7 0,7 0,5 0,2 0,1 74,6 44,0 No Ano 2,6 1,2 2,1 3,8 0,7 0,7 0,4 0,5 0,32 0,2 0,1 0,2 0 0 0 49,8 19,2 No Ms 1,9 0,4 1,3 0,1 0,3 0,4 0,2 0,3 0,2 0,1 0,1 0,1 0 0 0 38,3 18,4

Tabela4 Resultados Cebrid percentual de dependentes qumicosDROGAS LCOOL TABACO MACONHA BENZODIAZEPNICOS SOLVENTES ESTIMULANTES 2005 12,3 10,1 1,2 0,5 0,2 0,2

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas Aqui, torna-se necessrio registrar alguns dos efeitos do lcool sobre o ser humano que propiciam este perfil de causador de acidentes. O lcool acarreta no ser humano uma reduo da capacidade de reagir adequadamente a estmulos (reflexos); diminui a viso perifrica; altera o controle corporal causando desequilbrio e dificuldades de marcha; aumenta a agressividade; causa sono; e leva a embriaguez. Tendo ao sobre todos os tecidos, o lcool exerce marcadamente seus efeitos no sistema nervoso. Trata-se de substncia depressora do sistema nervoso central, de uso lcito com restries, principalmente as impostas pelo Cdigo de Trnsito Brasileiro, Consolidao das Leis do Trabalho e Estatuto da Criana e do Adolescente. Determina um espectro de sintomas neurolgicos e comportamentais amplo, diretamente dependente do nvel sangneo (Alcoolemia). O quadro 2 mostra os sintomas em funo do aumento do nvel sangneo. Merece destaque a progresso, dose dependente, em direo ao xito letal. Quadro 2 Alcoolemia e manifestaes neurocognitivasALCOOLEMIA Gramas / Litro 0,4 a 0,6 Gramas / Litro 0,6 a 1,0 Gramas / Litro 1,0 a 2,0 Gramas / Litro > 4,0 Gramas / Litro Manifestaes Neurocognitivas e Comportamentais Relaxamento; Perda da ateno e con centrao. Perda da autocrtica. Euforia; Agressividade; Impulsividade. Incoordenao; Variaes de Humor, De sorientao Tempo/espao. Torpor, Distrbios Cardiorespiratrios, Coma... Morte.

Fonte: Reproduzido, com adaptaes, do livro Alcoologia uma viso sistmica dos problemas relacionados ao uso e abuso do lcool. Lima, JMB.

Neste contexto, estabelece-se, facilmente, correlao entre o uso do lcool e a dificuldade para executar tarefas complexas, como dirigir veculos. Em 2006, escrevi A necessidade de manter ateno para conduzir com segurana um veculo, associada necessidade de manter adequados juzo crtico, viso e controle da motricidade fazem imprescindvel a reviso 53

Fernando Moreira da Legislao Brasileira no que tange alcoolemia tolerada para a conduo de veculos. O nvel estabelecido, de 0,6g/l de sangue, est relacionado com o estado de euforia (vide quadro 2), o que leva perda, principalmente, do juzo crtico e pode ser o suficiente para liberar a agressividade e impulsividade. Estas caractersticas esto, sem qualquer dvida, ligadas ao surgimento da imprudncia, do excesso de velocidade, dos acidentes graves e dos desfechos fatais. Hoje, felizmente, a Lei 11.705 j atende a este necessrio estabelecimento de padres cientficos no que tange alcoolemia. A sociedade j colhe os frutos provenientes da mudana cultural impulsionada pela nova norma, que tambm tem o mrito de agregar muito mais civilidade e cidadania ao nosso trnsito.

Ao do lcool pr-acidente1. Psquicos (Deciso) Desorganizao e degradao do desempenho aliada ao fraco julgamento. 2. Percepo Viso perifrica prejudicada. 3. Psicomotricidade Prejuzo progressivo do controle dos movimentos corporais, chegando at ataxia, que uma dificuldade extrema de marcha e equilbrio. 4. Reao Lentificao das respostas aos estmulos. 5. Sono Depresso do Sistema Nervoso Central.

Ao do lcool ps-acidente1 Dificulta a avaliao do acidentado pelo mdico que presta atendimento, afetando a avaliao de: Resposta Motora Resposta Verbal Orientao Abertura Ocular Resposta dor 54

A Mudana Cultural Que Salva Vidas 2 Dificulta a ao dos mecanismos fisiolgicos de compensao do choque hemorrgico. O organismo dispe de mecanismos que buscam compensar as repercusses das perdas sanguneas causadas pelos diversos tipos de traumas. As respostas ao trauma buscam evitar o prosseguimento das perdas sanguneas que levam hipotenso arterial e ao estado de choque hemorrgico. Para isso, analisando de maneira simplificada, a adrenalina liberada na circulao e causa uma vaso-constrio perifrica, ou seja, diminui o calibre dos vasos sanguneos perifricos, diminuindo os sangramentos, ao mesmo tempo em que desloca sangue para rgos nobres, como crebro e pulmes, acelera os batimentos cardacos e aumenta a presso arterial, mantendo condies mnimas de sobrevivncia mesmo com perdas significativas de volume sanguneo. Aqui o lcool etlico tem ao oposta: produz vaso-dilatao perifrica que propicia a queda da presso arterial e a manuteno do sangramento. Com isto prejudica de forma muito significativa a ao dos mecanismos de compensao, causando por esta via um grande nmero de mortes evitveis. 3 Dificulta o tratamento do acidentado. A intoxicao aguda pelo lcool prejudica muito o tratamento do acidentado pelos motivos j expostos e pela dificuldade adicional causada pela possibilidade de interao com os medicamentos necessrios ao tratamento. Mantendo-se todos os demais parmetros em condies de igualdade, ou seja: massa da vtima, velocidade da coliso, uso de cinto de segurana, posio no veculo e tipo de acidente, o risco de morte aumenta em proporo direta ao nmero de doses ingeridas. Foto 3 Palestra com aplicao do sistema ABCDE de preveno em SIPAT de uma indstria no Rio de janeiro (Fabrica Carioca de Catalisadores S.A.) 2008. 55

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AlcoolemiaEm 2006, na primeira edio deste livro escrevi: Alcoolemia zero para os condutores de veculos deve ser uma meta a ser alcanada pela sociedade brasileira, atravs do poder Legislativo, e trazida ao cotidiano da populao atravs de uma mudana cultural efetiva. Hoje, com grande alegria, vejo este objetivo alcanado. Alcoolemia palavra de utilizao pouco freqente fora dos meios tcnicos, significa a concentrao de lcool etlico no sangue (na lngua inglesa usa-se o termo BAC Blood Alcohol Concentration). Sua ordem de grandeza reflete, como vimos acima, a quantidade ingerida e sofre influncia direta de alguns fatores, tais como: Massa corporal por ser uma medida de concentrao, expressa geralmente em gramas por litro de sangue, a varivel massa influenciar consideravelmente na alcoolemia. Aps ingesto de quantidades iguais uma pessoa com maior massa corporal ter menor alcoolemia. Com as mesmas condies outra com menor massa ficar com concentrao de lcool no sangue mais elevada e com efeitos mais pronunciados. Alimentos a presena de alimentos no trato digestivo, concomitantemente com lcool etlico, faz com que sua absoro tenha padro modificado, pois a molcula apresenta afinidade qumica com as molculas de gordura. A ligao qumica entre as molculas retarda e dificulta a absoro do lcool. Por outro lado, a ingesto isolada ir representar sempre uma absoro maior do lcool e uma alcoolemia superior. Metabolizao o organismo dispe de sistemas enzimticos que respondem pela maior parte da eliminao do lcool circulante. Esta atividade se desenrola primordialmente no fgado e sua dinmica influencia a concentrao sangunea ao longo do tempo aps a ingesto. A eliminao 56

A Mudana Cultural Que Salva Vidas do lcool, que determina a reduo da alcoolemia com o passar do tempo aps a absoro, ser abordada mais detalhadamente no capitulo E.

AbsoroEste um conceito da Farmacologia e podemos dizer que representa a forma como acontece a entrada de uma substncia no organismo. No caso especfico do lcool etlico, enfocando sua utilizao pelo ser humano, temos como mais importante via de absoro a entrica, acontecendo ao longo do tubo digestivo aps ingesto por via oral. A farmacocintica desta substncia, ou seja, a forma como se d seu comportamento no organismo aps a ingesto, muito importante para todos aqueles que buscam a preveno de doenas, de agravos sade e de acidentes. Numa viso simplificada, temos trs informaes muito relevantes para ter em mente: O lcool absorvido tambm pela mucosa da boca. Isto faz com que a pessoa esteja sob seus efeitos praticamente no mesmo momento em que iniciou a ingesto. A absoro entrica acontece, quase na sua totalidade, em at uma hora aps sua ingesto. Aps a absoro, o lcool alcana a corrente sangunea e se difunde rapidamente por todos os rgos e tecidos do nosso organismo, podendo causar doenas em todos os aparelhos e sistemas. Na mulher grvida alcana a placenta e se difunde tambm pelo feto, podendo determinar a Sndrome Alcolica Fetal, que inteiramente evitvel com a abstinncia durante a gestao. Grvidas devem abster-se do consumo de lcool por completo durante a gestao. At mesmo as pequenas doses podem causar esta sndrome, que determina uma srie de condies que vo da ocorrncia de diversas malformaes congnitas at o comprometimento cognitivo significativo. 57

Fernando Moreira Pensando na perspectiva da direo veicular temos aqui concluses importantssimas: 1. Os efeitos do lcool comeam no exato momento em que se inicia a ingesto, assim como o prejuzo por ele causado na capacidade de conduzir veculos. 2. A progresso da intoxicao pelo lcool desenvolve-se na medida em que a absoro se realiza. Ento, deve-se se ter em mente que, aps a ingesto, a capacidade de conduzir veculos deteriora-se progressivamente com o passar do tempo.

Amigo da VezTodos os pases desenvolvidos enfrentam fortemente a questo preveno de acidentes. Muitos deles, principalmente na Europa ocidental, patrocinam campanhas educativas relacionadas com a estratgia conhecida como motorista designado, que no Brasil foi trazida pelo programa PARE, e recebeu o nome Amigo da Vez, onde se estimula que grupos de amigos, ao fazer uso de bebidas alcolicas, escolham um integrante que no as utilizar naquela ocasio e poder, assim, conduzir o veculo, deixando os demais em casa com toda a segurana. Dentro desta estratgia insere-se tambm o rodzio na escolha do motorista designado, o que permite que todos tenham seu momento de condutor seguro e anjo da guarda de seus amigos. Muitos bares e restaurantes na Europa ocidental participam desta estratgia oferecendo bebidas no alcolicas gratuitamente ao motorista Amigo da Vez. Felizmente vemos iniciativas como estas comearem a surgir em estabelecimentos comerciais no Brasil, alguns oferecem at transporte para clientes. H os que fazem disto um diferencial e guardam a chave do carro do cliente, que no devolvida se ele tiver feito uso de bebidas alcolicas. Com a lei 11.705, a lei que salva vidas, esta discusso de alternativas para deslocamentos seguros voltou para a ordem do dia. Vrias alternativas surgiram e foram noticiadas na mdia, a maioria delas relacionadas com o conceito do motorista designado. 58

A Mudana Cultural Que Salva Vidas A preocupao com a segurana dos deslocamentos denota uma grande conscientizao e uma cultura voltada para a preservao da vida e preveno de acidentes. Deve-se lembrar tambm que h outras opes, tais como nibus e txi, quando se tiver feito ingesto de lcool. O importante nunca misturar lcool e direo de veculos.

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BBEBIDASBebida fraca e bebida forteFreqentemente, ouvimos algum dizer que determinada bebida forte e outra bebida fraca ou leve. Este um mito que precisa ser derrubado. S para ilustrar, segue um caso verdico: em um dia de trabalho no hospital universitrio, ao fazer o registro da histria clnica de um paciente, chegando ao ponto em que se pergunta sobre uso de substncias psicoativas, um estudante indaga sobre o uso de bebidas alcolicas. Para fazer este tipo de pergunta, obtendo respostas confiveis, deve-se manter um bom relacionamento com o paciente e deix-lo vontade. Feito isto, aquele senhor para quem aquele estudante dirigia seus melhores esforos de mdico em formao respondeu com a sinceridade de um amigo: Doutor, olha doutor, l em casa ns temos raiva deste negcio de bebida alcolica. Temos um verdadeiro horror bebida. L em casa a gente bebe s cerveja...... 60

A Mudana Cultural Que Salva Vidas Parece brincadeira, porm o paciente no tinha qualquer inteno de zombar de seu interlocutor. Ele simplesmente tinha a firme convico de que cerveja era algo assemelhado a refrigerantes ou outras bebidas no alcolicas. Para ele, consumir bebidas alcolicas se referia apenas ao consumo de destilados ou vinhos. Isto se deve, em grande parte, forma como se deu a propaganda de bebidas em nosso pas no sculo passado. Muitas vezes a propaganda associou a imagem das bebidas ao esporte e at mesmo s personagens infantis. Para que existisse uma bebida forte ou fraca teramos de conceber molculas diferentes. O lcool etlico o mesmo na cerveja, no vinho, na cachaa, no conhaque ou em qualquer outra bebida alcolica. Esta a necessria compreenso de maior amplitude com relao a esta potente substncia que j foi, por muitos anos, utilizada como anestsico geral e tem um grande espectro de efeitos clnicos, com ao pronunciada sobre o sistema nervoso central, sendo capaz de levar uma pessoa ao coma e morte.

Bebidas Dose PadroO quadro 3 mostra outro ponto importante: no h diferena significativa em relao quantidade de lcool presente em diferentes bebidas, quando se analisa a quantidade presente no volume habitualmente servido por dose (dose-padro). Quadro 3 Estudo comparativo entre as bebidas mais consumidasBEBIDA CERVEJA VINHO CACHAA TEOR ALCOLICO 4 a 5 % 12 a 14 % 40 a 50 % DOSE PADRO 300 ml 150 ml 40 ml QUANTIDADE DE LCOOL 12 gramas 14 gramas 14 gramas

Fonte: Livro Alcoologia Uma viso sistmica dos problemas relacionados ao uso e abuso do lcool. Lima, JMB. 2003.

Temos ento mais uma vez a compreenso das caractersticas comuns aos diferentes tipos de bebidas alcolicas, no se justificando de forma alguma a distino entre eles para qualquer efeito. H, infelizmente, diferenciao entre estes tipos para efeito de horrios de propaganda nos veculos de 61

Fernando Moreira comunicao. Isto faz com que bebidas com menor teor alcolico possam dispor de propaganda em horrios onde h grande quantidade de crianas assistindo aos comerciais.

Bebidas Dose LetalO uso de bebidas alcolicas pode levar morte tanto pelas complicaes do alcoolismo crnico quanto pelas conseqncias da intoxicao aguda. Estas complicaes da intoxicao aguda muitas vezes viram notcias da grande mdia em funo de bitos ocorridos em festas envolvendo jovens. As suscetibilidades individuais ao lcool variam muito e muitas pessoas podem sofrer conseqncias drsticas aps ingesto de pequenas doses. Um importante ensinamento pode ser transmitido neste tpico: a ingesto de grande quantidade de lcool (mais que duas doses-padro) em curto espao de tempo pode matar em funo da elevao da alcoolemia com o conseqente coma alcolico que determina parada cardio-respiratria. Esta progresso est caracterizada no quadro 2. Este tipo de situao comum entre jovens, sendo visto em todos os servios de emergncia, infelizmente. No trnsito, contudo, uma nica dose pode ser letal.

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CCusto humano, econmico e socialAs condies que fazem do Brasil um dos pases com maiores nmeros absolutos e relativos de mortes no trfego causam, alm de todo o sofrimento humano, um grande prejuzo economia da nao. As perdas sofridas chegam cifra de 28 bilhes de reais por ano, segundo estudos do IPEA. No Brasil, os acidentes de trfego representam a segunda causa externa de mortalidade, s ultrapassada em nmeros absolutos pela violncia interpessoal. Alm das mortes, que sempre tero um custo estimado, pois no possvel estabelecer em padres monetrios valor de vida humana, a sociedade tem de arcar com o custeio dos servios de emergncia, cuidados mdicos de curto e longo prazo, resgate de vtimas, reabilitao, despesas jurdicas, indenizaes, com atrasos em viagens, custos previdencirios e custos relacionados ao trabalho. Com as redues dos atendimentos em vias pblicas em todo o pas, o Ministrio da Sade anunciou economia de 50 milhes de reais, apenas no primeiro ms da Lei 11.705. O governo estadual 63

Fernando Moreira anunciou economia equivalente no sistema de resgate e ateno hospitalar, em So Paulo.

Causas dos acidentesNas causas dos acidentes de trnsito temos tradicionalmente grande participao do fator humano. H quem diga que, por ser responsvel pela construo e manuteno das estradas e carros, bem como de todo o aparato de engenharia de trfego, o ser humano responsvel por 100% dos acidentes. Esta tese bastante instigadora e favorece a reflexo, mesmo sendo extremada em sua concepo. A diviso tradicional encontra-se no grfico abaixo e fruto de pesquisas realizadas com acidentes ocorridos, onde se buscou identificao das causas. Imprudncia, negligncia, impercia, fadiga e consumo de lcool e outras drogas, lcitas ou ilcitas, so os principais determinantes da ocorrncia de acidentes de trnsito. Grfico 4 Causas dos acidentes nas vias pblicas

Fonte: Programa PARE do Ministrio dos Transportes.

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Cinto de SeguranaTrata-se de um dos mais importantes itens de segurana desenvolvidos na histria da humanidade. Estima-se que o inventor do cinto de trs pontos, Nils Bohlin, salvou mais de um milho de vidas desde sua criao em 1958. Especialistas hoje no Brasil procuram conscientizar as pessoas sobre a necessidade do uso do cinto tambm no banco de trs. Apesar de ser obrigatrio, este uso no banco traseiro muitas vezes negligenciado. A Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia estimula o uso do mais importante item de segurana dos veculos com a seguinte proposio: Uma vida = Um cinto. Um aspecto muito interessante a reduo da freqncia e severidade dos traumas de face por aqueles que utilizam corretamente os cintos de segurana. Felizmente, houve uma reduo muito significativa dos traumas de face aps a obrigatoriedade do uso obrigatrio do cinto nas cidades, reduzindo-se tambm significativamente as seqelas como a perda da viso por leso ocular.

Cadeirinhas e Banquinho auxiliarCrianas e adolescentes necessitam ateno dos responsveis para usar nos veculos dispositivos que permitam a adequada segurana em funo do peso e da faixa etria. Estes dispositivos, quando adequadamente utilizados, podem reduzir o risco de morte em at 71% nos casos de colises. O Cdigo de Trnsito Brasileiro exige o uso destes dispositivos e no utiliz-los configura infrao de natureza gravssima, sujeita a multa e perda de sete pontos na carteira de habilitao. Em linhas gerais temos as seguintes orientaes na resoluo 277 do Contran: 65

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1 As Crianas com at um ano de idade devero utilizar, obrigatoriamente, o dispositivo de reteno denominado beb conforto ou conversvel.

2 As crianas com idade superior a um ano e inferior ou igual a quatro anos devero utilizar, obrigatoriamente, o dispositivo de reteno denominado cadeirinha.

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A Mudana Cultural Que Salva Vidas 3 As crianas com idade superior a quatro anos e inferior ou igual a sete anos e meio devero utilizar o dispositivo de reteno denominado assento de elevao.

4 As crianas com idade superior a sete anos e meio e inferior ou igual a dez anos devero utilizar o cinto de segurana do veculo.

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Fernando Moreira Crianas com menos de dez anos devem ser transportadas no banco traseiro do veculo. A fixao dos equipamentos deve ser adequadamente realizada e eles devem ser usados sempre que a criana ou adolescente for transportado. Negligenciar seu uso, mesmo em percursos pequenos, aumenta muito os riscos, pois a maioria dos acidentes acontece prximo s casas das vtimas. Se ocorrer acidente, uma criana solta no banco de trs projetase fortemente contra o banco dianteiro ou o painel do carro, sofrendo graves leses, muitas vezes fatais, e causando leses nos ocupantes dos bancos dianteiros. Quando transportada no colo de um ocupante no banco traseiro, corre o risco de ser esmagada, no caso de uma coliso. Deve-se evitar ao mximo transportar crianas em motocicletas. Abaixo de sete anos este conduta configura infrao de trnsito gravssima (multa e sete pontos no pronturio). O assunto tambm adequadamente abordado, com vasto material que engloba tambm a discusso de outros acidentes, no site www.criancasegura.org.br .

Crianas Superviso e EducaoA educao de trnsito durante o ensino fundamental e mdio pilar importantssimo da preveno. A compreenso das leis de trnsito, e das conseqncias relacionadas falta de observao destas normas, deve ser desenvolvida durante a formao escolar. Os pais devem desempenhar um papel fundamental: mostrar o perigo, proteger e dar exemplos aos seus filhos. Grande parte dos bitos ocorre em atropelamentos. Muitas vezes a criana est correndo atrs de uma bola ou pipa. Ao atravessar uma rua deve-se segurar a criana pelo punho ou brao, pois, se estiver somente de mos dadas, o adulto pode no conseguir manter a criana segura, uma vez que os dedos escorregam com facilidade. O campo visual de uma criana tambm se desenvolve ao longo de seu crescimento, sendo mais restrito na criana mais jovem. Isto faz com que seja mais restrito na criana um sentido importante na preveno de acidentes. A preveno e superviso devem ser permanentes e deve ser dada especial ateno aos locais onde a criana transita com mais freqncia, dentre eles a escola e imediaes. 68

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CansaoA fadiga ao volante causadora de um nmero muito significativo de acidentes de trnsito, merecendo especial ateno. Esta condio acomete no s os motoristas profissionais, que muitas vezes ultrapassam um nmero de horas razovel no volante, mas tambm os outros condutores. Os limites do ser humano devem ser considerados e observados em nome da segurana individual e coletiva. O sono durante a direo algo difcil de enfrentar e uma vez que se perceba esta condio o mais sensato a fazer parar o veculo e dormir, ainda que por um perodo relativamente curto. A ponderao das condies de sono e viglia, com salvaguarda de perodos adequados de repouso, condio indispensvel para qualquer condutor. Estima-se que o cansao seja um causador de acidentes de magnitude comparvel ao lcool. O dbito de sono muito comum em nossa vida moderna, muitas vezes ficamos acordados at tarde envolvidos com vrias tarefas e, no raro, navegando na internet. Com isso, a fadiga se acumula ao longo dos dias e o sono pode ser um grande problema, at mesmo aps uma noite em que se dormiu um nmero de horas razovel. Existem muitas condies clnicas relacionadas com a ocorrncia de sono de m qualidade, conhecido como sono no reparador. A sndrome da apnia e hipopnia obstrutiva do sono muito freqente, representando um dos principais distrbios do sono, capaz de determinar uma srie de conseqncias, dentre elas a sonolncia diurna. Este tipo de condio clnica mais freqente em homens e em pessoas que tambm apresentam obesidade. O ronco tambm est associado, mas sua presena no indica necessariamente a existncia da sndrome. Ao apresentar sinais de sonolncia diurna adequado realizar uma avaliao mdica. Importante aqui o entendimento da necessidade de manter adequados perodos de sono e no dirigir veculos quando no se tiver repousado suficientemente e quando se sentir sonolncia. As pausas durante viagens longas tambm so fundamentais, pois evitam a monotonia e permitem uma recomposio para enfrentar mais um trecho de estrada. Nestes intervalos deve-se evitar fazer refeies pesadas, preferindo alimentos de fcil digesto. 69

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ComportamentoO ser humano tem papel principal na gnese dos acidentes. Seu comportamento definir o risco de acidente e a cultura de determinada sociedade, num sentido amplo, tem influncia direta sobre seus padres de ocorrncia e gravidade. Conduzir veculos de maneira preventiva pode evitar a grande maioria dos acidentes, sendo esta uma importante e indispensvel qualidade a ser cultivada e desenvolvida. O DENATRAN desenvolveu, atravs da Fundao Carlos Chagas, uma cartilha que aborda os principais assuntos relacionados direo preventiva, disponvel em: http://www.serpro.gov.br/arquivosdownload/denatran/DIRECAO_DEFENSIVA.pdf. Existem muitas iniciativas e pesquisas visando prover subsdios para esta necessria evoluo cultural em nosso pas, evoluo esta que deve caminhar no sentido de obtermos atitudes individuais e coletivas comprometidas com a preservao da vida. A universalizao do ensino fundamental poder criar um terreno mais frtil para cultivarmos valores e uma melhor educao de trnsito. O mais importante neste tpico este entendimento: nossa segurana no trnsito depende, em grande proporo, apenas de nosso comportamento. Um lugar comum tem tomado o discurso dos especialistas nos ltimos anos: a comparao dos resultados na preveno da AIDS com os da preveno de acidentes de trnsito. Um acidente ocorrido em So Paulo foi, alm de trgico, incompreensvel: cinco jovens morreram dentro de um veculo que colidiu em alta velocidade, nenhum usava cinto de segurana e todos fizeram uso de bebidas alcolicas antes do acidente. O mais espantoso que estes jovens, ao negligenciar os princpios mais bsicos de segurana no trnsito, tinham preservativos (camisinhas) em suas carteiras. Como explicar uma diferena to grande em relao preveno? Como explicar a adoo de comportamento preventivo numa rea e o abandono completo em outra? Como explicar resultados expressivos das campanhas de preveno, com reconhecimento mundial, num campo e o cenrio catico no outro? Estas questes servem para estimular a reflexo e a expanso de comportamentos preventiv