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    IGUALDADE

    RACIAL

    NO BRASILREFLEXES NO ANO

    INTERNACIONAL DOS

    AFRODESCENDENTES

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    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicosda Presidncia da RepblicaMinistro interino Marcelo Crtes Neri

    Presidente

    Marcelo Crtes Neri

    Diretor de Desenvolvimento Institucional

    Luiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicase Polticas Internacionais

    Renato Coelho Baumann das Neves

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituiese da Democracia

    Daniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e Polticas Macroeconmicas

    Cludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e Ambientais

    Rogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriais, de Inovao,Regulao e Infraestrutura

    Fernanda De NegriDiretor de Estudos e Polticas Sociais

    Rafael Guerreiro Osorio

    Chefe de Gabinete

    Sergei Suarez Dillon Soares

    Assessor-Chefe de Imprensa e Comunicao

    Joo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

    URL: http://www.ipea.gov.br

    Fundao pblica vinculada Secretaria de Assuntos

    Estratgicos, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional

    s aes governamentais possibilitando a formulao de

    inmeras polticas pblicas e de programas de desenvolvimento

    brasileiro e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas eestudos realizados por seus tcnicos.

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    Tatiana Dias Silva

    Fernanda Lira GoesOrganizadoras

    Rio de Janeiro, 2013

    IGUALDADE

    RACIAL

    NO BRASIL

    REFLEXES NO ANO

    INTERNACIONAL DOS

    AFRODESCENDENTES

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    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) 2013

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no

    exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada, ou da

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduespara fins comerciais so proibidas.

    Igualdade racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes/

    Tatiana Dias Silva, Fernanda Lira Goes, organizadoras. Braslia: Ipea, 2013.

    188 p. : grfs., mapas, tabs.

    Inclui bibliografia.

    ISBN

    1. Trabalho Domstico. 2. Educao. 3. Negros. 4. Violncia. 5. Relaes Raciais.

    6. Brasil. I. Silva, Tatiana Dias. II. Goes, Fernanda Lira. III. Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada. III. Ttulo.

    CDD 305.800981

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    SUMRIO

    APRESENTAO ....................................................................................................................7

    PREFCIO ..............................................................................................................................9

    CAPTULO 1 PANORAMA SOCIAL DA POPULAO NEGRATatiana Dias Silva .......................................................................................................13

    PARTE 1: QUE TRABALHO DOMSTICO QUEREMOS PARA O BRASIL DO SCULO XXI?

    CAPTULO 2 QUESTES PARA PENSAR O TRABALHO DOMSTICO NO BRASIL

    Lilian Arruda MarquesPatricia Lino da Costa ................................................................................................31

    CAPTULO 3 COLONIALIDADE E INTERSECCIONALIDADE: O TRABALHO DOMSTICO NO BRASILE SEUS DESAFIOS PARA O SCULO XXIJoaze Bernardino-Costa .............................................................................................45

    CAPTULO 4 O TRABALHO DOMSTICO E O ESPAO PRIVADO: INIQUIDADES DE DIREITOS ESEUS IMPACTOS NA VIDA DAS MULHERES NEGRASClaudia Mara Pedrosa ................................................................................................59

    PARTE 2: EDUCAO DAS RELAES TNICO-RACIAIS IMPLEMENTAO E AEFETIVAO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

    CAPTULO 5 PANORAMA DE IMPLEMENTAO DA LEI No10.639/2003: CONTRIBUIESDA PESQUISA PRTICAS PEDAGGICAS DE TRABALHO COM RELAESTNICO-RACIAIS NA ESCOLA

    Rodrigo Ednilson de JesusNilma Lino Gomes......................................................................................................81

    CAPTULO 6 POLTICAS EDUCACIONAIS, CULTURA E RELAES TNICO-RACIAIS:A IMPLEMENTAO DO ARTIGO 26-A DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DAEDUCAO NACIONAL No9.394/1996Rensia Cristina Garcia-Filice ......................................................................................97

    PARTE 3: VIOLNCIA E POPULAO NEGRA

    CAPTULO 7 VIOLNCIA LETAL NO BRASIL E VITIMIZAO DA POPULAO NEGRA: QUAL TEMSIDO O PAPEL DAS POLCIAS E DO ESTADO?Almir de Oliveira JuniorVernica Couto de Arajo Lima ................................................................................121

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    PARTE 4: ACESSO A TERRA E COMUNIDADES QUILOMBOLAS

    CAPTULO 8 A TERRITORIALIDADE DOS QUILOMBOS NO BRASIL CONTEMPORNEO:UMA APROXIMAORafael Sanzio Arajo dos Anjos.................................................................................137

    CATULO 9 ACESSO A TERRA CAMINHO DE MUITAS CURVAS: DEPOIMENTO DEUM QUILOMBOLAIvo Fonseca Silva ......................................................................................................153

    PARTE 5: BRASIL NO ANO INTERNACIONAL DOS AFRODESCENDENTES

    CAPTULO 10 O ITAMARATY E O ANO INTERNACIONAL DOS AFRODESCENDENTES: UM OLHAR

    SOBRE O DISCURSO EXTERNO BRASILEIRO ACERCA DA QUESTO RACIALSilvio Jos Albuquerque e Silva .................................................................................161

    ANEXOS ...........................................................................................................................173

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    APRESENTAO

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    PREFCIO

    REFLEXES NO ANO INTERNACIONAL DOS AFRODESCENDENTES

    A Resoluo no64/169 da Assembleia Geral da Organizao das Naes Unidas(ONU), de dezembro de 2009, proclamou 2011 como o Ano Internacional dosAfrodescendentes. Este marco visou fortalecer aes dos pases-membros e a coo-

    perao internacional, com o fito de promover o pleno gozo dos direitos humanospor parte da populao de origem africana.

    O Ipea tem desenvolvido uma srie de trabalhos relativos questo da desi-gualdade racial no Brasil. Estudos sobre as condies de vida da populao negrae o acompanhamento de polticas pblicas no campo da igualdade racial tmsido objeto de constante preocupao deste Instituto. Desde 2003, o peridicoPolticas sociais: acompanhamento e anlisedispe de captulo especfico sobre oassunto, em que traz fatos relevantes, acompanhamento da poltica e temas espe-ciais para discusso.

    Coerente com essa trajetria, foram promovidas algumas atividades no m-bito do Ano Internacional dos Afrodescendentes, como, por exemplo, a criaode um site1onde esto disponveis todas as publicaes do Ipea sobre o tema,alm da realizao de um ciclo de debates.

    Neste ciclo, ao longo de seis sesses de seminrios, tcnicos do Ipea, profes-sores, pesquisadores, gestores, ativistas e convidados debateram temas acerca daquesto racial no pas. Diante da riqueza do debate, convidados a consolidar suasreflexes em uma publicao, alguns dos palestrantes produziram os artigos que

    compem esta publicao.O primeiro captulo, denominado Panorama social da populao negra,de

    Tatiana Dias Silva, se prope a apresentar uma viso geral sobre a situao da po-pulao negra, dispondo de informaes nos campos da educao e do trabalho.Embora no tenha sido objeto especfico do ciclo de debates, tem por objetivoproporcionar uma introduo sobre as condies de vida dos negros no pas, combase no ltimo censo, como pano de fundo para os debates seguintes.

    1. Ver: .

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    10 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    O trabalho domstico, majoritariamente exercido por mulheres, em especialnegras, objeto de anlise dos trs prximos captulos. No segundo, Questes para

    pensar o trabalho domstico no Brasil, as autoras Lilian Marques e Patrcia Costaapresentam informaes sobre a ocupao e as trabalhadoras domsticas remune-radas, por meio de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). luzdessa anlise, destacam desafios prprios desse tipo de servio, como o crescimen-to da atividade de diarista e a busca por equiparao dos direitos da categoria.

    No captulo 3, Colonialidade e interseccionalidade: o trabalho domstico noBrasil e seus desafios para o sculo XXI, o autor, Joaze Bernardino, afirma que o pa-dro de poder colonial moldou hierarquias sociais, que so atravessadas, de formadinmica, por vrios eixos de desigualdades e subordinao. Esta reflexo orienta

    a anlise sobre a complexa situao social das mulheres negras trabalhadoras do-msticas, no apenas do ponto de vista da vulnerabilidade, mas, sobretudo, dodesenvolvimento de estratgias de superao e resistncia emancipadora.

    A seguir, no captulo O trabalho domstico e o espao privado: iniquidadesde direitos e seus impactos na vida das mulheres negras, Claudia Pedrosa apresentadados da investigao Pesquisa Qualitativa sobre o Trabalho Domstico: DistritoFederal e Salvador, realizada por meio de parceria entre Organizao Internacio-nal do Trabalho (OIT), ONU Mulheres, Ipea e Centro Feminista de Estudos eAssessoria (Cfemea). A autora d voz s trabalhadoras domsticas entrevistadas,

    a fim de caracterizar a situao de vulnerabilidade e a vivncia de relaes detrabalho precrias, desrespeitosas e at mesmo violentas que comprometem ascondies laborais e de vida desta categoria, apontando para a necessidade deincremento de polticas de fiscalizao e promoo de direitos.

    A educao das relaes tnico-raciais objeto de anlise dos captulos 5 e 6.Ambos os textos discutem, por meio de diferentes abordagens, a implementaodas alteraes promovidas pela Lei no10.639/2003 na Lei de Diretrizes e Basesda Educao Nacional (LDBN).

    Em Panorama de implementao da Lei no

    10.639/2003: contribuies da Pes-quisa Prticas Pedaggicas de Trabalho com Relaes tnico-raciais na Escola,Rodrigo de Jesus e Nilma Gomes apresentam o percurso metodolgico delineadopara a realizao do estudo que avaliou como os referidos contedos e orientaeseram aplicados por escolas de diferentes regies do pas.

    No captulo seguinte, intitulado Polticas educacionais, cultura e relaes tni-co-raciais:a implementao do Artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da EducaoNacional no9.394/1996, Rensia Filice aborda o mesmo processo, por meio deuma anlise a respeito da influncia da cultura e das variadas representaes sobre

    raa e classe na educao e no cumprimento da citada legislao.

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    11Prefcio

    No captulo 7, Violncia letal no Brasil e vitimizao da populao negra: qualtem sido o papel das polcias e do Estado?, de Almir de Oliveira Jnior e Vernica

    Lima, com base nos dados de homicdios no Brasil, os autores relacionam segu-rana pblica com a questo racial. Para isso, analisam as aes enviesadas daspolcias como indicador de racismo institucional.

    A temtica quilombola alvo dos captulos 8 e 9. Rafael Sanzio em A ter-ritorialidade dos quilombos no Brasil contemporneo: uma aproximao contribuipara o debate da geografia dos quilombos contemporneos no Brasil. Ivo Silva,emAcesso a terra: caminho de muitas curvas, depoimento de um quilombola, pormeio do ordenamento jurdico e fundirio e pela luta pessoal como quilombola,destaca o debate do acesso a terra como um direito dessas populaes.

    No captulo 10, Silvio Silva, no texto O Itamaraty e o Ano Internacional dosAfrodescendentes: um olhar sobre o discurso externo brasileiro acerca da questo ra-cial, explicita a evoluo da temtica de igualdade racial no cenrio internacional,especialmente o discurso defendido pela poltica externa brasileira. Ainda com re-ferncia s relaes internacionais, o anexo I um texto do Instituto Rio Branco,rgo do Ministrio das Relaes Exteriores, sobre o Programa de Ao Afirmativado Instituto Rio Branco Bolsa-Prmio de Vocao para a Diplomacia, institudo em2002, com a finalidade de estimular a presena de negros na chancelaria nacional uma das mudanas da retrica brasileira perante a promoo da igualdade racial

    e o combate ao racismo.Por fim, dois documentos referentes ao Ano Internacional dos Afrodescen-

    dentes compem esta publicao. O anexo II, apresenta a Declarao de Salvador,emitida pelos chefes de Estado participantes da Cpula Ibero-americana de AltoNvel em Comemorao ao Ano Internacional dos Afrodescendentes, realizadaem 19 de novembro de 2011, na capital baiana. O anexo III trata da Carta deSalvador, pela dignidade, direitos e desenvolvimento das pessoas, povos e comunidadesafrodescendentes, de autoria da sociedade civil de diversos pases, reunida no Frumda Sociedade Civil do Encontro Ibero-americano do Ano Internacional dos Afro-

    descendentes (AfroXXI), que antecedeu o encontro de chefes de Estado.Boa leitura!

    Tatiana Dias SilvaFernanda Lira Goes

    Tcnicas de Planejamento e Pesquisa da Diretoria

    de Estudos e Polticas Sociais (Disoc) do Ipea

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    * Tcnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Polticas Sociais (Disoc) do Ipea.

    1. III Conferncia Mundial contra o Racismo, a Discriminao Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolernciaem Durban, na frica do Sul, em 2001.

    CAPTULO 1

    PANORAMA SOCIAL DA POPULAO NEGRA

    Tatiana Dias Silva*

    1 INTRODUO

    O racismo e seus reflexos na distribuio dos recursos so elementos estruturantes

    da desigualdade social no Brasil. O peso de seus efeitos reafirmado por meio daevidenciao estatstica de sua magnitude. A persistncia da diferenciao racialno acesso a servios pblicos, na aquisio de capacidades e na posio socialdesvela as consequncias da atuao sistemtica de mecanismos de produo ereproduo das desigualdades em vrios campos da vida social. Em resposta aeste quadro, na ltima dcada, instalaram-se e intensificaram-se instrumentos epolticas de promoo da igualdade racial por todo o pas (Ipea, 2010).

    No intervalo entre os Censos de 2000 e 2010, testemunhou-se um perodosignificativo de mudanas, em que os temas do racismo e da desigualdade racial

    saltamda agenda pblica, predominantemente protagonizada pelo movimentonegro e por estudiosos, para a agenda governamental. Vrios aspectos podemilustrar esse momento: o reconhecimento governamental do racismo; a intensaparticipao do governo e da sociedade brasileira na Conferncia de Durban;1a criao da Secretaria de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (Seppir); odesenvolvimento da poltica de cotas nas universidades e, com menor difuso,em concursos pblicos; e, mais recentemente, em 2012, a unnime deciso doSupremo Tribunal Federal (STF) a favor da constitucionalidade das cotas raciais.

    Ao mesmo tempo, vivenciou-se uma dcada muito profcua, em que o pas

    alcanou maior destaque no cenrio e economia mundiais, conquistaram-se me-lhorias relevantes nos indicadores sociais, reduziram-se a pobreza e a desigualda-de, expandiram-se o emprego, o crdito e o acesso proteo social.

    Tanto as melhorias universais nos indicadores sociais como as polticas espe-cficas de promoo da igualdade racial, ainda que com alcance limitado, acabaram

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    por influenciar a situao social da populao negra nesse perodo. Uma anlisecomparativa dos censos poder apresentar essa evoluo, indicando reas em que

    a reduo das desigualdades raciais mais prosperou e outras, nas quais, a despeitode ganhos sociais importantes, h que se intensificar polticas afirmativas parapromover distribuio mais equitativa de ativos.

    Neste sentido, o objetivo deste texto contribuir com o debate e as reflexessobre a situao social da populao negra, por meio da anlise de dados dos doisltimos censos demogrficos.

    O primeiro censo demogrfico do Brasil, em que pesem os levantamentos econtagens populacionais anteriores, foi realizado em 1872, pela ento Diretoria Geralde Estatstica do Ministrio de Negcios (Oliveira e Simes, 2005). A varivel cor ouraa esteve presente em nove das doze edies do censo, passando por alteraes tantona composio das categorias raciais como em sua disposio nos instrumentos de co-leta de dados (no questionrio bsico, aplicado universalmente, ou questionrio maisdetalhado, aplicado na amostra). O quadro 1 sintetiza esta trajetria.

    QUADRO 1Quesito cor ou raa nos censos demogrficos brasileiros

    Censo 18722 1890 1900 1920 19404 1950

    Categorias BrancaPreta

    PardaCabocla

    BrancaPreta

    MestiaCabocla

    3 3 BrancaPreta

    Amarela

    BrancaPreta

    PardaAmarela

    Disposio da pergunta no questionrio1 Bsico Bsico - - Bsico Bsico

    Censo 1960 1970 1980 1991 2000 20105

    Categorias BrancaPretaParda

    Amarela

    3 BrancaPretaParda

    Amarela

    BrancaPretaParda

    AmarelaIndgena

    BrancaPretaParda

    AmarelaIndgena

    BrancaPretaParda

    AmarelaIndgena

    Disposio da pergunta no questionrio Bsico - Amostra Amostra Amostra Bsico

    Fonte: IBGE (2011a), com adaptaes.

    Notas: 1 O questionrio bsico aplicado em todas as unidades domiciliares no selecionadas para a amostra. O questionrioda amostra maior, inclui as questes do questionrio bsico, mas tem espectro mais restrito, como o nome informa,a uma amostra selecionada. Foi implementado pela primeira vez no Censo 1960 (IBGE, 2003, 2011b).

    2A populao escrava era classificada em parda ou preta.3 No houve quesito cor ou raa nestas edies do censo.4Outras respostas foram codificadas como de cor parda.5 Indgenas indicam etnia e lngua falada.

    Obs.: Nos anos de 1880, 1910 e 1930, o levantamento no foi realizado.

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    15Panorama Social da Populao Negra

    No Censo 2010, a varivel cor ou raa retorna ao questionrio bsico.2Em rela-o aos declarados indgenas, inclui-se, de forma indita, questo sobre etnia e lngua

    falada, possibilitando um retrato mais diversificado sobre povos indgenas no pas.O grfico 1 apresenta a trajetria da populao negra desde o primeiro censo.

    Embora o Censo 1872 tenha registrado maioria negra, aps a poltica de imigraoeuropeia e o enraizamento da ideologia do branqueamento, este segmento perde re-presentatividade e passa a representar apenas 35,8% no Censo 1940 (Soares, 2008).

    No entanto, durante o sculo passado, os levantamentos apontavam aumen-to progressivo da participao da populao negra. Deste modo, a coleta realizadaentre agosto e outubro de 2010, que pde contabilizar 190.755.799 habitantesno pas, atestou presena majoritria de negros (pretos e pardos). De fato, estamudana j havia sido demonstrada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Do-miclios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) em2006, quando a populao negra havia ultrapassado a branca e depois, em 2008,quando passou a representar a maioria da populao.

    2. Cabe destacar que a mudana do quesito cor ou raa para o questionrio bsico tem uma importante influncia naspesquisas que consideram a varivel racial, ao permitir anlises estatsticas mais consistentes sobre o padro de vida

    dos distintos grupos de cor ou raa, incluindo o estudo no plano geogrfico mais desagregado que so os municpiose, na verdade, mesmo alm, englobando possibilidades analticas baseadas em distritos e bairros (UFRJ, 2011, p. 9).

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    16 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    A populao negra passa a representar 50,7% dos brasileiros, aumento de13,6% em sua participao, em relao composio presente no Censo 2000.

    Com efeito, esse fenmeno atribudo mais ao aumento da identificao racialdo que ao incremento das taxas de fecundidade ou de autodeclarao em faixasetrias especficas (Soares, 2008; Ipea, 2011a).

    A seguir, sero detalhados outros aspectos relativos participao dos negrosna populao brasileira. As prximas sees sero dedicadas a apresentar aspectosselecionados da situao dessa populao nos campos da educao e do trabalho.

    2 POPULAO NEGRA

    O grfico 2 apresenta a composio da populao brasileira por cor ou raa. Em termosabsolutos, a populao negra, considerando o somatrio dos grupos de pretos e pardos,aumentou 27,6%, bem acima do crescimento total da populao (12,3%). A variaofoi ainda maior para os pretos (37,6%), em comparao com os pardos (26,0%) (tabela1).3A distribuio dos residentes entre os sexos evidenciava leve maioria das mulheresna populao total (51%); na populao negra, os dois grupos so praticamente iguais.

    3. Os trabalhos desenvolvidos pelo Ipea, geralmente, optam pela conjuno dos grupos raciais de cor preta e pardana categoria negra. A esta opo est subjacente o entendimento de que o pertencimento racial representa elementoestrutural das desigualdades no pas, notadamente em detrimento dos indivduos que apresentam fentipo mais prximodas origens africanas. A anlise dos dados socioeconmicos de pretos e pardos, alm de guardar tendncias e resultadosprximos na base da pirmide racial brasileira , os distancia do grupo que dispe de melhores condies de vida, osbrancos. Alm disso, como destaca Osrio (2003, p. 28), as alegaes de que a classificao do IBGE seria inadequadapor no corresponder s representaes dos brasileiros sobre as raas so absolutamente injustificadas, assim como asde que existiria uma enorme multiplicidade de representaes. Ao analisar pesquisas que comparam a classificao

    espontnea com respostas induzidas no quesito raa ou cor, o autor identifica que a maioria das respostas espontneasconcentra-se nas categorias clssicas e h expressiva correlao entre as respostas induzidas e as espontneas.

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    17Panorama Social da Populao Negra

    TABELA 1Brasil: populao residente por cor ou raa (2000 e 2010)

    2000 2010 Variao %

    Branca 91.298.042 91.051.646 (0,3)

    Negra 75.872.428 96.795.294 27,6

    Preta 10.554.336 14.517.961 37,6

    Parda 65.318.092 82.277.333 26,0

    Outros1 2.702.385 2.908.859 7,6

    Total 169.872.855 190.755.799 12,3

    Fonte: IBGE/Censos Demogrficos 2000 e 2010.

    Nota:1

    Outros: amarelos, indgenas e sem declarao.

    O aumento da participao da populao negra se deu em todas as UnidadesFederativas (UFs) e foi maior que a variao nacional em Minas Gerais, Rio de Janeiro,So Paulo, Paran, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Gois e Santa Catarina.Figuram como os estados com maior participao da populao negra: Par, Bahia eMaranho, com representao acima de 76% do total. Por sua vez, em termos abso-lutos, So Paulo, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro congregam 45% da populaonegra do Brasil. Anlise publicada no boletim Tempo em cursooferece um panorama dadistribuio da populao negra no pas, revelando que, em cerca de 57% dos 5.565

    municpios, pelo menos metade dos residentes so pretos ou pardos (UFRJ, 2011).

    3 EDUCAO

    Os elevados ndices de desigualdade racial na educao refletem tantos dficits acu-mulados, como os resultados das atuais deficincias no sistema educacional, queseguem interferindo na trajetria daqueles que esto em idade escolar. Neste con-texto, os negros so os brasileiros com menor escolaridade em todos os nveis eenfrentam as piores condies de aprendizagem e maior nvel de defasagem escolar.

    Embora se verifiquem progressos no nvel educacional da populao, como,por exemplo, reduo de 4 pontos percentuais (p.p.) na taxa de analfabetismo naltima dcada,4a desigualdade racial persiste inclusive entre as faixas mais jovens(grfico 3). Em qualquer grupo etrio, inclusive entre aqueles em idade escolar, ataxa de analfabetismo entre negros ainda representa mais que o dobro daquela re-lativa populao branca. Assim, embora impactados por melhorias educacionaisimportantes, percebe-se que a desigualdade racial segue reproduzindo-se, aindaque em novos patamares, mesmo nos nveis elementares de educao.

    4. A taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais passa de 13,6% em 2000 para 9,6% em 2010 (IBGE,2011b).

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    18 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    A frequncia lquida aponta o percentual de indivduos cursando uma de-terminada etapa do ciclo educacional em faixa etria considerada adequada paraaquela fase. Esse indicador reflete os efeitos tanto da defasagem como da evasoou mesmo excluso do ambiente escolar, bices que podem comprometer toda atrajetria educacional.

    No ensino fundamental, a reduzida desigualdade racial decorrente da am-pla cobertura nesse nvel educacional 97% das crianas de 7 a 14 anos frequen-tam a escola, independentemente da idade adequada , ndice que no sofreualteraes significativas na ltima dcada.5

    No ensino mdio, verifica-se a melhoria do indicador para todos os grupos,em que metade dos jovens de 15 a 17 anos esto cursando esta etapa educacional.Todavia, a desagregao por cor ou raa permite verificar que, a partir desta etapa,

    ao passo que se restringe o acesso e ampliam-se as dificuldades de permanncia,ressaltam-se as diferenas entre grupos raciais. Assim, se cerca de 44% dos negrosentre 15 e 17 anos frequentam o ensino mdio, esta realidade presente para58% dos jovens brancos nesta faixa etria (grfico 4).

    Antes mesmo de se considerar a adequao escolar, os indicadores apontamque a desigualdade racial mostra-se igualmente significativa entre aqueles queacabam fora da escola. Nesta mesma faixa etria, cerca de 11% dos jovens negros

    5. A cobertura escolar nessa faixa etria era 95% em 2000.

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    19Panorama Social da Populao Negra

    esto fora da escola sem concluir nem mesmo o ensino fundamental (em compa-rao com 7% de jovens brancos nesta idade).6

    Em 2010, 14% dos jovens de 18 a 24 anos cursavam o ensino superior. Entre-

    tanto, a frequncia de jovens brancos era 2,5 vezes maior se comparada com o acessode jovens negros a um curso universitrio. Embora este seja o nvel com maior dispa-ridade entre grupos raciais, foi o que experimentou maior reduo da desigualdaderacial, especialmente porque desfrutava de patamares muito mais adversos (em 2000,a frequncia lquida da populao negra neste nvel correspondia a apenas um quintoda taxa da populao branca). Durante esta dcada, as matrculas na educao supe-rior mais que dobraram,7permitindo, com a ampliao do acesso, uma distribuioum pouco menos desigual das oportunidades. Alm disso, cabe destacar o papel de-mocratizador exercido pelas aes afirmativas para ingresso no ensino superior.

    Segundo o censo, em 2000 apenas 1,7% da populao brasileira frequen-tava o ensino superior (0,7% da populao negra e 2,5% da populao branca).Em 2010, embora a frequncia bruta tenha aumentado (3,3% da populao), adesigualdade persiste (2,3% negros 4,3% brancos). No entanto, se no incioda dcada a taxa de frequncia bruta dos negros correspondia a 28% da taxa dapopulao branca, em 2010 este indicador alcanou 53% da taxa dos brancos.

    6. Considerando apenas os alfabetizados.

    7. As matrculas no ensino superior passaram de 3.036.113 em 2001 para 6.379.299 em 2010. Conforme INEP(2012, p. 40): Os recentes avanos no sentido de maior democratizao do acesso educao superior podem ser

    mais bem dimensionados a partir dos resultados de ingressos. (...), em 2010 entraram 2.182.229 alunos em cursos degraduao, o que corresponde a um aumento de 109,2% em relao a 2001.

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    20 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    Ressalte-se que a frequncia lquida do ensino superior, tal como a cober-tura, praticamente dobrou em relao aos dados de 2000. No ensino mdio,

    esta variao tambm foi significativa (43%), permanecendo estvel a frequncialquida para o ensino fundamental.

    Tanto no ensino mdio como no superior, ao passo que aumenta a cober-tura, a desigualdade racial se reduz, mantendo-se, todavia, em patamares extre-mamente relevantes. Isto refora o entendimento de que so necessrias medidascomplementares expanso universal do ensino para efetivamente potencializaro processo de reduo das desigualdades raciais.

    Outra perspectiva para avaliao do acesso educao oferecida pelo grfi-co 5. Por meio dele, possvel verificar que, embora se tenha ampliado a partici-pao do segmento negro em todos os nveis de escolaridade, seu alcance diminui medida que se avana na escolaridade adquirida.

    Em 2000, 44,7% da populao poca, os negros estavam sub-representados emtodos os nveis de escolaridade. Mesmo entre aqueles que alcanaram, no mximo, oensino fundamental, a participao de pretos e pardos estava aqum da sua presenana sociedade.8Em 2010, este passa a ser o nico nvel em que se pode verificar umaparticipao adequada de cada grupo racial. No entanto, a despeito do aumento daparticipao de negros em todos os nveis, esta persiste em patamares bastante reduzi-dos em relao aos brancos, notadamente na educao superior e na ps-graduao.

    8. Os negros representavam 43,5% da populao com 15 anos ou mais em 2000 e 49,9% desse segmento em 2010.

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    21Panorama Social da Populao Negra

    4 TRABALHO

    Com efeito, as desigualdades no acesso aos mais elevados nveis educacionais,

    bem como a disparidade de qualidade e eficincia da educao ofertada desigual-mente entre regies, entre zonas urbanas e rurais, entre rede pblica e privada, eentre brancos e no brancos, reforam a reproduo dos padres de desigualdadeno mundo do trabalho.

    No entanto, no so apenas esses fatores que interferem neste campo. Mes-mo considerando-se condies similares de atuao laboral, localizao e escola-ridade, a desigualdade persiste entre negros e brancos, evidenciando os efeitos doracismo (Ipea, 2005).

    Os homens brancos apresentam menor ndice de desocupao, seguidos dos ho-mens negros. Nesse campo, a desigualdade de gnero mostra-se como preditor maissignificativo do desemprego. As mulheres, principalmente as negras, esto sobrerre-presentadas entre os desocupados. Com efeito, a posio mais vulnervel no mercadode trabalho a das mulheres negras, para as quais a interseccionalidade (Crenshaw,2002) entre as condies racial e de gnero agrava a discriminao sofrida.

    Conquanto correspondam a 20,6% da Populao Economicamente Ativa(PEA), as mulheres negras constituem 33,9% dos desocupados e apresentam a maiortaxa de desocupao (tabela 2). No caso das mulheres brancas, esta sobrerrepresen-

    tao menor: 22,3% da PEA e 23,8% dos desocupados. Esse quadro repete ocenrio apresentado pelo Censo em 2000. Se o acesso ao trabalho sofre influnciadas condies de gnero e de raa (sem falar na taxa de atividade bastante inferiorpara as mulheres em geral), a posio que os trabalhadores conquistam decertocondensam os reflexos destas discriminaes, como ser discutido a seguir.

    No perodo em tela, a expanso das ocupaes formais teve rebatimentopara todos os grupos; em maior proporo para os negros, historicamente ali-jados dos melhores postos de trabalho. Os trabalhadores formais, com acesso proteo social,9passaram a ser maioria entre os ocupados de todos os grupos

    analisados de sexo e cor ou raa, conservando, no entanto, os padres de de-sigualdade racial. Em 2000, 43,7% das mulheres negras ocupadas estavam emtrabalhos formais; em 2010, passam a representar 51,1% das ocupadas destegrupo. Para homens brancos, este indicador passou de 57,7% em 2000 para65,8% dos ocupados em 2010.

    9. Considerando empregados e trabalhadores domsticos com carteira assinada, funcionrios pblicos/militares,empregadores e conta-prpria contribuintes para a previdncia social.

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    22 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    TABELA2

    Brasil:indicadoresdemercado

    detrabalho,porsexo,coroura

    a(2000e2010)

    Variveis

    2000

    2010

    Homens

    negros

    Mulheres

    negras

    Homens

    brancos

    Mulheres

    brancas

    Homens

    negros

    Mulheres

    negras

    Homens

    brancos

    Mulheres

    brancas

    PEA

    1(

    mil)

    19.982

    12.324

    23.867

    17.025

    25.974

    18.796

    24.788

    2

    0.367

    Ta

    xadeatividade(%)1

    80,1

    49,6

    79,9

    50,7

    75,4

    53,1

    77,0

    56,2

    Ta

    xadedesocupao1

    13,4

    22,2

    10,1

    17,2

    6,4

    12,2

    4,4

    7,9

    Ocupados1

    100,0

    100,0

    100,0

    100,0

    100,0

    100,0

    100,0

    100,0

    Funcionriopblico/militar

    4,3

    7,4

    4,4

    8,6

    3,9

    6,6

    4,5

    7,9

    Emp

    regadoscomcarteira

    33,5

    26,6

    39,2

    37,1

    45,0

    34,8

    48,4

    44,4

    Emp

    regadossemcarteira

    24,9

    14,8

    17,5

    13,6

    20,3

    14,7

    13,6

    11,6

    Trab

    alhadoresdomsticoscomcarteira

    0,5

    7,1

    0,4

    4,4

    0,4

    6,3

    0,3

    4,1

    Trab

    alhadoresdomsticossemcarteira

    0,6

    18,3

    0,4

    9,5

    0,6

    13,5

    0,4

    7,0

    Con

    ta-prpriacontribuinteprevidnciasocial

    3,4

    1,9

    8,5

    4,7

    4,1

    2,8

    8,9

    6,2

    Con

    ta-prprianocontribuinteprevidnciasocial

    23,8

    14,1

    20,4

    12,4

    19,2

    13,2

    17,2

    12,0

    Emp

    regador

    1,5

    0,7

    5,2

    2,8

    1,1

    0,7

    3,7

    2,3

    No

    remunerado2

    7,5

    9,1

    4,0

    6,9

    5,4

    7,4

    3,0

    4,5

    Fonte:IBGE/Censos2000e2010.Elaborao

    :Ipea/Disoc/Ninsoc.

    Notas:1Populao:16anosoumais.

    2Trabalhadornoremunerado,trabalhadornaproduoparaoprprioconsumoetra

    balhadornaconstruoparaoprpriouso.

    Obs.:Populaototalincluindoamarelosein

    dgenas.

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    23Panorama Social da Populao Negra

    Os negros so maioria entre os trabalhadores sem carteira, entre os no re-munerados e entre os trabalhadores domsticos. As mulheres correspondem a

    93% desta ltima categoria. Por sua vez, as mulheres negras representavam 56%dos ocupados no trabalho domstico, que empregava, em 2010, quase 6 milhesde trabalhadores, o que correspondia a 7% do total de trabalhadores ocupados.Apenas 34,5% dos trabalhadores domsticos possuam carteira de trabalho assi-nada, percentual ainda mais reduzido para as mulheres negras (32% em 2010;28% em 2000).10

    Destaca-se que as mulheres esto sobrerrepresentadas entre os funcionriospblicos, correspondendo a 55,1% desse segmento, com maior e melhor inserodas mulheres brancas (tabela 3). No entanto, como demonstra Ipea (2011b), a

    maior parte das funcionrias (e empregadas) pblicas esto voltadas aos serviossociais, educao e sade, com maior participao nas administraes municipais,espaos em que, geralmente, a remunerao menor.11Ademais, esto subrepre-sentadas em espaos de poder e deciso, como ilustra a distribuio dos cargosem comisso.

    A maioria dos empregadores so homens brancos, para os quais essa ativida-de responsvel por 3,7% da respectiva PEA ocupada. Por sua vez, apenas 0,7%das mulheres negras ocupadas desfruta dessa posio, o que no se alterou naltima dcada, embora possa ver verificada uma pequena desconcentrao desta

    posio centrada no homem branco, em benefcio dos demais grupos (tabela 2).Como reflexo do aumento da formalizao e da ampliao da ocupao,

    houve avanos na expanso da proteo social dos trabalhadores: em 2000, 53%dos ocupados eram contribuintes para a previdncia social, condio que alcan-ou aproximadamente 62% dos ocupados em 2010. Como nos outros indica-dores, a despeito da melhoria para todos os grupos e mesmo da reduo da de-sigualdade racial, permanece bastante desigual a distribuio de proteo social.Homens e mulheres brancos contribuem mais para a previdncia social (67,3%e 67,6%), ao passo que negros e negras ocupados nessa condio so 56,5% e

    54,6%, respectivamente.Por fim, so dispostos, no grfico 6, dados relativos ao rendimento dos tra-

    balhadores, segmentados por sexo e raa. Como frui de patamar superior aosdemais, o rendimento do homem branco a referncia (100%) com a qual osoutros grupos so comparados.

    10. Os dados sobre trabalho domstico diferem na PNAD, do IBGE. Segundo PNAD (2011), so 6.530 mil trabalhadoresdomsticos no pas, dos quais 31,2% possuem carteira de trabalho assinada (com 16 anos ou mais).

    11. Conforme a PNAD 2009, as mulheres correspondem a 79% dos ocupados no setor pblico nas atividades deeducao, sade e servios sociais.

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    24 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    TABELA3

    Distribuiodosocupados,porposionaocupao,segundos

    exoecorouraa,emrelaoao

    totaldeocupados

    2000

    2010

    Homens

    negros

    M

    ulheres

    negras

    Homens

    brancos

    Mulheres

    brancas

    Outros

    Total

    Homens

    negros

    Mulheres

    negras

    Homens

    brancos

    Mulheres

    brancas

    Outros

    Total

    Ocupados

    27,3

    15,1

    33,8

    22,2

    1,5

    100,0

    28,8

    19,5

    28,0

    22,2

    1,5

    100,0

    Funcionriopblico/militar

    20,2

    19,4

    26,1

    33,1

    1,3

    100,0

    20,4

    23,3

    23,2

    31,8

    1,4

    100,0

    Emp

    regadoscomcarteira

    26,0

    11,4

    37,8

    23,5

    1,3

    100,0

    29,6

    15,5

    31,0

    22,6

    1,2

    100,0

    Emp

    regadossemcarteira

    37,2

    12,3

    32,6

    16,6

    1,3

    100,0

    38,1

    18,7

    24,9

    16,8

    1,5

    100,0

    Trab

    alhadoresdomsticos

    4,1

    50,7

    3,4

    40,7

    1,2

    100,0

    4,3

    56,1

    2,8

    35,6

    1,2

    100,0

    Con

    ta-prpria

    31,3

    10,2

    41,0

    15,9

    1,6

    100,0

    31,1

    14,5

    33,9

    18,8

    1,7

    100,0

    Emp

    regador

    13,5

    3,8

    58,9

    21,1

    2,8

    100,0

    15,0

    6,6

    51,0

    25,0

    2,4

    100,0

    Trab

    alhadornoremunerado

    31,7

    21,4

    20,9

    24,0

    2,1

    100,0

    31,1

    29,0

    17,1

    20,1

    2,7

    100,0

    Fonte:IBGE/Censos2000e2010.

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    25Panorama Social da Populao Negra

    Considerando o mesmo nvel educacional, os homens negros, embora re-cebam em mdia menos que os homens brancos, esto em vantagem em relaos mulheres. Isto se deve, sobretudo, distribuio dos trabalhadores, em nveis

    hierrquicos e setores da economia, condicionada fortemente pelos papis degnero. Todavia, no agregado, as mulheres brancas, segmento com maior nvelde escolaridade, apresenta remunerao mdia maior que homens e mulheresnegras.

    Alm disso, os efeitos da segregao racial demonstrada na forma como osindivduos acabam participando do mercado de trabalho, em diferentes posies,setores de atividades e nveis hierrquicos, reflete-se na diferenciao salarial entrenegros e brancos, mesmo que apresentem a mesma escolaridade.

    Esta anlise corrobora a avaliao de que medidas afirmativas no campo

    educacional,per se, so insuficientes para garantir igualdade de oportunidades nomercado de trabalho, mesmo que no mdio prazo. Alm dos efeitos do racismo eda discriminao direta, h que se considerar que as diferentes categorias de inser-o no mercado de trabalho e nas organizaes reproduzem desigualdade dentrodos mesmos patamares de escolaridade.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Este texto teve como objetivo apresentar um breve panorama dos indicadores dapopulao negra nos campos da educao e do trabalho. Na educao, verifica-

    -se que houve melhoria em todos os indicadores, com reduo das desigualdades

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    26/188

    26 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    raciais nos aspectos analisados. Essa tendncia, no entanto, no conseguiu, naltima dcada, promover um decrscimo significativo na desigual escolaridade

    entre brancos e negros.No campo do trabalho, a expanso do emprego, da proteo social e da for-

    malizao, na ltima dcada, beneficiou todos os grupos. Mesmo avanando maisque a mdia em alguns indicadores, com consequente reduo da desigualdaderacial, a populao negra ainda desfruta de patamares inferiores quando se ana-lisam a ocupao da fora de trabalho, a posio na ocupao e a remunerao.

    Por certo, o debate em torno das desigualdades raciais e das polticas pbli-cas de promoo da igualdade tem conquistado crescente espao na sociedade.Por um lado, tornam-se mais difundidas as informaes que retratam as condi-es desiguais de acesso e usufruto de bens e servios pblicos pela populaonegra do pas. Por outro, apresentam-se melhorias em vrios campos que, se noconseguem reduzir, na velocidade desejada, o fosso que relega parte da populaobrasileira a condies de vida que caracterizariam uma cidadania de segundaclasse, representam indicativos positivos e permitem avaliaes sobre que cami-nhos so possveis trilhar.

    Nesse sentido, aspectos tratados neste estudo podem ser objeto de anlisesem profundidade, que destaquem no apenas os mecanismos de reproduo dasdesigualdades, os elementos que contriburam para sua reduo, bem como asdistintas formas de atuao das polticas universais e de eventuais aes afirmati-vas em cada cenrio.

    Persistir na anlise e denncia das condies sociais da populao negra, naproposio de alternativas e na avaliao e aperfeioamento de medidas afirma-tivas empreendidas por governos, organizaes e sociedade so tarefas essenciaispara promoo da democracia e da justia social. Deste modo, a expectativa queas aes afirmativas, de valorizao da populao negra e de enfrentamento ao ra-cismo, intensificadas na dcada passada no Brasil, encontrem campo profcuo nos

    prximos anos, especialmente no marco da Dcada dos Afrodescendentes na Am-rica Latina e no Caribe, inaugurada no Ano Internacional dos Afrodescendentes.12

    REFERNCIAS

    CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos dadiscriminao racial relativos ao gnero. Revista estudos feministas, v.10, n. 1,p. 172, 1osem. 2002.

    12. Conforme Declarao de Salvador, um dos documentos finais da Cpula Iberoamericana de Alto Nvel emComemorao ao Ano Internacional dos Afrodescendentes (Declarao de Salvador, 2011).

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    27/188

    27Panorama Social da Populao Negra

    DECLARAO DE SALVADOR. Cpula ibero-americana de alto nvel em co-memorao ao ano internacional dos afrodescendentes. In: ENCONTRO IBE-

    RO-AMERICANO DO ANO INTERNACIONAL DOS AFRODESCEN-DENTES, 21., 2011. Anais... Salvador, Bahia: Afro XXI, 2011. Disponvel em:. Acesso em: 5 dez. 2011.

    IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA. Me-todologia do censo demogrfico 2000.Rio de Janeiro, 2003 (Srie RelatriosMetodolgicos, v. 25). Disponvel em: . Acesso em:1 out. 2012.

    ______. Tendncias demogrficas: uma anlise dos resultados da amostrado censo demogrfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. p. 25-26.

    ______. Pesquisa das caractersticas tnico-raciais da populao (PCERP) 2008.Rio de Janeiro, 2011a. Disponvel em: .

    ______. Censo demogrfico 2010: caractersticas da populao e dos domiclios,resultados do universo. Rio de Janeiro, 2011b.

    INEP INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCA-CIONAIS ANSIO TEIXEIRA. Censo da educao superior: 2010 resumotcnico. Braslia: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnsioTeixeira, 2012.

    IPEA INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA. Polticassociais: acompanhamento e anlise,Braslia: Ipea, n. 11, 2005.

    ______. O Brasil em 4 dcadas. Rio de Janeiro, set. 2010 (Texto para Discusso,n. 1.500). Disponvel em: . Acesso em: 14 ago. 2011.

    ______. Dinmica demogrfica da populao negra brasileira. 12 maio 2011a(Comunicados do Ipea, n. 91). Disponvel em: .

    ______. Polticas sociais: acompanhamento e anlise,Braslia: Ipea, n. 19, 2011b.

    OLIVEIRA, L. A. P.; SIMES, C. C. S. O IBGE e as pesquisas populacionais.Revista brasileira de estudos populacionais, So Paulo, v. 22, n. 2, jul./dez. 2005.Disponvel em: .

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    28 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    OSRIO, R. G. O sistema classificatrio de cor ou raa do IBGE. Braslia:Ipea, 2003 (Texto para Discusso, n. 996). Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2010.SOARES, S. A demografia da cor: a composio da populao brasileira de 1890a 2007. In: THEODORO, M. et al. (Org.).As polticas pblicas e a desigualda-de racial no Brasil: 120 anos aps a abolio. Braslia: Ipea, 2008.

    UFRJ UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Instituto deEconomia. Tempo em curso,v. 3, n. 10, Ano III, out. 2011.

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    PARTE 1

    Que trabalho domstico queremos para o Brasil dosculo XXI?

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    * Engenheira Agrnoma, assessora tcnica do Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos(Dieese).

    ** Mestre em Economia, supervisora tcnica de projetos do Dieese.

    1. Conveno no189, elaborada com a participao do governo e do movimento sindical brasileiro, aprovada em 2011

    durante a 100aConferncia Internacional do Trabalho, na OIT e em discusso para ratificao no Brasil. Acompanhadapela recomendao com o mesmo ttulo, no201.

    CAPTULO 2

    QUESTES PARA PENSAR O TRABALHO DOMSTICONO BRASIL

    Lilian Arruda Marques*Patricia Lino da Costa**

    1 INTRODUOPensar no futuro do emprego domstico no Brasil olhar para o seu momentoatual, entender suas caractersticas e necessidade de mudanas. Sua origem est notrabalho escravo e chega ao papel socialmente atribudo mulher o do cuidadocom a casa e com a famlia.

    A passagem de trabalho domstico no remunerado para remunerado passoupelo reconhecimento social da importncia desta atividade e de sua regulamen-tao em lei. Tentativas de valorizao e ampliao da regulamentao desta ocu-pao foram sendo feitas, reconhecendo-se a magnitude desta atividade, que hoje

    engloba mais de 7 milhes de mulheres no Brasil. Isso aconteceu em 1972 e de lpara c muito se avanou.

    Neste momento, muitos debates sobre o tema acontecem no Brasil. Ao mesmotempo que o governo discute a necessidade de se igualar a legislao das trabalha-doras domsticas dos assalariados em geral, tenta-se ratificar a Convenosobreo TrabalhoDecentepara as Trabalhadorase os Trabalhadores Domsticos, da Or-ganizao Internacional do Trabalho (OIT),1que sugere novos parmetros paraesses trabalhadores, envolvendo questes de contrato de trabalho, remunerao,direitos trabalhistas e condies no ambiente de trabalho. Alm disso, o mercado

    vem demandando profissionais qualificados para cuidar de crianas e idosos, oque exige, como contrapartida, cursos de qualificao e maiores remuneraespelos servios.

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    32 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    Por outro lado, muitas famlias reclamam, pois no conseguem mais uma tra-balhadora domstica ou no conseguem pagar a remunerao pedida. Outras no

    encontram profissionais qualificados para a execuo das tarefas do lar.Muitas so as questes e os desafios que envolvem esta ocupao. O objetivo

    deste artigo buscar elementos para pensar o futuro do trabalho domstico a partirde sua caracterizao e das trabalhadoras que o exercem nos mercados de trabalhometropolitanos do pas. Tambm apresentada a viso das trabalhadoras e emprega-doras sobre o trabalho domstico, com base na pesquisa realizada pelo Departamen-to Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos (Dieese) e a Secretaria dePolticas para Mulheres (SPM), onde foram realizados grupos focais com empregadasdomsticas e empregadoras que relatam situaes bem tpicas dessa ocupao.2

    2 A OCUPAO DOMSTICA

    No Brasil, em 2009, o trabalho domstico remunerado abrigou 7.223 milhes depessoas, das quais 93,6% (o equivalente a 6.761 milhes) eram mulheres, conformedados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), realizada peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) (tabela 1).

    Esse setor foi responsvel por 17,0% de toda a ocupao feminina, seguidodo setor de comrcio e reparao (16,8%) e educao, sade e servios sociais(16,7%). As mulheres ocupadas no servio domstico remunerado mais de 6,7milhes so, na maioria, negras (categoria em que, nos dados da PNAD, estoincludas pretas e pardas), com um percentual de 61,7%. As no negras (brancas,amarelas e indgenas) correspondem a 38,3%. Quando se considera o conjuntode setores de atividade econmica no pas, percebe-se que no emprego domsti-co que est concentrada a maior proporo de mulheres negras.3

    Quase metade dos trabalhadores domsticos estava na regio Sudeste (46,1%)em 2009, seguida da regio Nordeste (24,3%), Sul (13,8%), Centro-Oeste (8,9%)e Norte, com apenas 6,9%.

    Outro dado preocupante em relao s trabalhadoras domsticas se refere contribuio previdncia social. Somente 30% contriburam em 2009, ga-rantindo o acesso a direitos bsicos, como aposentadoria, licena-maternidade,auxlio-doena, entre outros. Dos 70% de trabalhadoras que no contriburam44,6% eram negras (tabela 2).

    2. Pesquisa qualitativa (Dieese e SPM, 2011) foi realizada com empregadas domsticas, empregadoras de trabalha-doras domsticas e donas de casa nas cidades de So Paulo e Salvador, para ouvir, a partir delas mesmas sobre suasexperincias, quais so seus principais problemas, aspiraes e expectativas em relao vida e ao trabalho e suasrelaes com o mbito domstico, tambm indagando e registrando suas crticas e sugestes em relao s polticaspblicas existentes no pas.

    3. Sem contar as atividades mal definidas, em que 62,7% das mulheres ocupadas nestas atividades so negras.

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    33Questes para Pensar o Trabalho Domstico no Brasil

    TABELA 1Brasil: distribuio das mulheres ocupadas por setor de atividade, segundo raa/cor(2009)

    Setor de atividadeNegra No negra Total nmero

    Nmero % Nmero %

    Agrcola 2.879.029 59,7 1.943.367 40,3 4.822.396

    Outras atividades industriais 41.332 37,3 69.332 62,7 110.664

    Indstria de transformao 2.064.400 42,2 2.827.391 57,8 4.891.791

    Construo 76.852 39,9 115.704 60,1 192.556

    Comrcio e reparao 2.986.700 45,1 3.642.035 54,9 6.628.735

    Alojamento e alimentao 1.005.346 52,5 908.134 47,5 1.913.480

    Transporte, armazenagem e comunicao 215.230 35,3 393.901 64,7 609.131

    Administrao pblica 795.617 42,4 1.081.368 57,6 1.876.985

    Educao, sade e servios sociais 2.695.976 40,8 3.912.208 59,2 6.608.184

    Servios domsticos 4.142.932 61,7 2.576.147 38,3 6.719.079

    Outros servios coletivos, sociais e pessoais 1.134.287 48,3 1.214.896 51,7 2.349.183

    Outras atividades 981.886 35,6 1.773.694 64,4 2.755.580

    Atividades mal definidas 9.405 62,6 5.608 37,4 15.013

    Total 19.028.992 48,2 20.463.785 51,8 39.492.777

    Fonte: PNAD/IBGE. Elaborao: Dieese.

    Obs.: Negras: incluem-se pretas e pardas. No negras: incluem-se brancas, amarelas e indgenas.

    TABELA 2Brasil: proporo das empregadas domsticas por situao de contribuio previdncia social no trabalho principal da semana de referncia, segundocor/raa (2009)

    Situao de contribuioContribui para a previdncia No contribui para a previdncia

    Nmero % Nmero %

    Trabalhador domstico com carteira de trabalho assinada 1 .769.311 26,3 - -

    Negras 1.019.366 15,2 - -

    No negras 749.945 11,2 - -

    Trabalhador domstico sem carteira de trabalho assinada 245.121 3,6 4.704.647 70,0

    Negras 128.647 1,9 2.994.919 44,6

    No negras 116.474 1,7 1.709.306 25,4

    Sem declarao - - 422 -

    Total 2.014.432 30,0 4.704.647 70,0

    Fonte: PNAD/IBGE. Elaborao: Dieese.

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    34 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    3 O TRABALHO DOMSTICO NAS REGIES METROPOLITANAS

    O crescimento econmico do pas a partir dos anos 2000 trouxe novas oportuni-

    dades de emprego para a populao em geral, em especial as mulheres, principal-mente no setor de servios e comrcio.

    Para o conjunto das regies metropolitanas (RMs) em que se realiza a Pesquisa deEmprego e Desemprego (PED),4observa-se aumento do nmero de ocupados noservio domstico (homens e mulheres) em quatro das seis localidades pesquisa-das, entre 2001 e 2011, sendo que em Fortaleza a comparao no possvel.5EmPorto Alegre o nmero de ocupados praticamente continuou o mesmo, e em BeloHorizonte houve uma reduo de 10,9% (tabela 3).

    No entanto, como a ocupao nos demais setores tambm cresceu, a parti-cipao dos servios domsticos em relao s demais ocupaes apresentou uma

    queda no perodo. A maior reduo se deu na RM de Belo Horizonte, com maisde 30%, passando de 9,6% para 6,5% do total dos ocupados. A menor ocorreuem Recife, em torno de 12%. Ou seja, a ocupao nos servios domsticos perdeupeso em relao s demais ocupaes.

    4. A PED realizada pelo Dieese em parceria com a Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (Seade), Minis-trio do Trabalho e Emprego (MTE) e parceiros regionais, nas RMs de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife,Salvador e So Paulo e no Distrito Federal.

    5. A pesquisa na RM de Fortaleza s comeou em 2009, fato pelo de no haver dados disponveis para o ano emquesto.

    TABELA 3RMs e Distrito Federal: distribuio dos ocupados nos servios domsticos, por raa/cor, em relao ao total das ocupaes1(2001-2011)

    RMs e DistritoFederal

    Nmero de ocupados (mil) Distribuio dos ocupados, por sexo e raa/cor

    2001 2011 Variao (%)2001 2011

    Total Negros No negros Total Negros No negros

    Belo Horizonte 165 147 10,9 9,6 12,4 5,8 6,5 8,1 4,0

    Distrito Federal 82 89 8,5 10,0 12,1 6,9 7,3 8,4 4,7

    Fortaleza - 126 - - - - 7,7 8,5 5,3

    Porto Alegre 107 105 1,9 7,2 16,4 6,1 5,5 11,3 4,8

    Recife 107 129 20,6 9,1 10,7 5,9 8,0 9,4 4,9

    Salvador 121 131 8,3 10,8 11,9 -2 8,3 8,8 -2

    So Paulo 650 673 3,5 8,4 13,3 6,0 7,0 10,1 5,4

    Fontes: Convnio Dieese, Fundao Seade, Ministrio do Trabalho e Emprego/Fundo de Amparo ao Trabalhador (MTE/FAT) einstituies regionais, PED.

    Notas: 1Inclui agricultura, pecuria, extrao vegetal, embaixadas, consulados, representaes oficiais e outras atividadesno classificadas.

    2A amostra no comporta a desagregao para esta categoria.

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    35Questes para Pensar o Trabalho Domstico no Brasil

    Os dados apresentados tambm demonstram a presena maior de homensnegros nos servios domsticos. Nas regies analisadas a ocupao no servio do-

    mstico de no negros em 2011 estava entre 50% e 60% da ocupao dos negros.A exceo a RM de Salvador onde essa caracterstica aparece com mais intensi-dade, tanto que a participao dos no negros to pequena que no permite adesagregao.

    3.1 O trabalho domstico feminino nas RMs

    As regies pesquisadas pelo Sistema PED apontam que, em 2011, entre 91,2%(RM de Fortaleza) e 97,3% (RM de Porto Alegre) das ocupaes nos servios do-msticos eram de mulheres e poucas alteraes ocorreram ao longo dos ltimos

    anos. Esse dado s refora o papel da mulher nessa posio ocupacional, quandolhe foi delegada a atividade de cuidar da reproduo e organizar a vida domstica.

    Assim, optou-se por focar a anlise no trabalho domstico realizado pormulheres trabalhadoras. Os dados sobre idade, escolaridade, formalizao e par-ticipao do trabalho da diarista, a seguir, podero dar um pequeno quadro dastransformaes por que essa ocupao vem passando ao longo do perodo analisado.

    3.2 A faixa etria das trabalhadoras domsticas

    A faixa etria das mulheres ocupadas nos servios domsticos est mais concentrada

    entre 25 e 49 anos. Entre 2001 e 2011 aumentou expressivamente o percentualde mulheres entre 40 e 49 anos e 50 e 59 anos. Em todas as regies pesquisadas,diminuiu intensamente a participao de mulheres ocupadas nos servios doms-ticos com idade de 16 a 24 anos no perodo pesquisado, o que pode ser explicadopor vrios fatores, entre os quais as novas oportunidades de emprego, muitosdeles valorizados socialmente, mais formalizados e com melhores condies detrabalho e remunerao, alm da maior escolaridade dessa populao (tabela 4).

    Tambm a presena de trabalhadoras mais adultas pode ser o reflexo da bus-ca das famlias por pessoas mais experientes e qualificadas na profisso, alm da

    dificuldade de colocao dessas profissionais em um mercado mais competitivo eexigente, principalmente quanto escolaridade.

    Um fato positivo pode ser destacado: a proporo de trabalhadoras doms-ticas na faixa etria de 10 a 15 anos foi to pequena que no atingiu significnciaestatstica para ser divulgada, apesar de, infelizmente, ainda estar presente emnossa sociedade.

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    36 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    3.3 Escolaridade das trabalhadoras domsticas

    A escolaridade dos ocupados no mercado de trabalho vem melhorando ao longodos anos, principalmente entre as mulheres. Entre as trabalhadoras domsticas,o grau de instruo, apesar de apresentar grande melhora no perodo analisado,ainda baixo, sendo que a maioria delas ainda no concluiu o ensino fundamen-tal. Entre 2001 e 2011 expressiva a reduo de mulheres com o fundamentalincompleto (grfico 1A e B).

    As RMs de Belo Horizonte, Fortaleza e Recife so as que apresentam traba-lhadoras domsticas com o menor nvel de escolaridade, com cerca de 60% delasanalfabetas e com ensino fundamental incompleto, em 2011.

    Em Salvador e no Distrito Federal foram verificados os maiores percentuaisde trabalhadoras domsticas com ensino mdio completo e superior incompleto(27,2% e 26,7%, respectivamente), em 2011. J em So Paulo, a proporo foide 20,8% no mesmo perodo.

    TABELA 4RMs e Distrito Federal: distribuio das mulheres ocupadas nos servios domsticospor faixa etria (2001-2011)(Em %)

    Faixa etriaRM de Belo Horizonte Distrito Federal RM de Fortaleza RM de Porto Alegre

    2001 2011 2001 2011 2001 2011 2001 2011

    Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

    10 a 15 anos -1 -1 -1 -1 -1 -1 -1

    16 a 24 25,0 6,3 31,6 10,5 14,7 11,7 -1

    25 a 39 39,7 36,5 44,3 41,1 37,5 36,0 26,4

    40 a 40 21,2 30,0 15,1 29,5 28,9 29,1 33,6

    50 a 59 9,6 21,5 6,1 14,9 14,0 16,6 28,0

    60 e + -1 5,6 -1 -1 -1 5,2 8,3

    Faixa etriaRM de Recife RM de Salvador RM de So Paulo

    2001 2011 2001 2011 2001 2011

    Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

    10 a 15 anos -1 -1 -1 -1 -1 -1

    16 a 24 19,0 6,5 31,7 9,2 17,9 5,2

    25 a 39 44,3 40,2 39,5 42,6 42,5 33,7

    40 a 40 21,5 32,0 17,7 28,6 24,1 31,5

    50 a 59 9,7 17,2 6,8 16,0 10,6 23,2

    60 e + -1 -1 -1 -1 3,4 6,0

    Fontes: Convnio Dieese, Seade, MTE/FAT e instituies regionais, PED.

    Nota: 1A amostra no comporta a desagregao para esta categoria.

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    37Questes para Pensar o Trabalho Domstico no Brasil

    3.4 As trabalhadoras e o registro em carteira: mensalistas e diaristas

    Entre 2001 e 2011, houve uma modificao na composio das trabalhadoras do-msticas por posio na ocupao: cresceu a participao das empregadas diaristasem todas as regies pesquisadas e diminuiu a de mensalistas sem carteira. J o per-centual de empregadas mensalistas com carteira permaneceu praticamente estvel

    nas RMs de Porto Alegre e Recife, crescendo nas demais regies e no Distrito Federal.

    GRFICO 1.ARMs e Distrito Federal: distribuio dos ocupados por escolaridade (2001 e 2011)(Em %)

    Fontes: PED/Dieese, Seade, MTE/FAT e instituies regionais.

    90

    80

    70

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    02001 2011

    Belo Horizonte Fortaleza Porto Alegre Recife2011 2001 2011 2001

    12,217,1

    7,4

    18,9

    26,4

    56,3

    73,7

    17,722,7

    59,659,5

    73,1

    8,1

    18,722,7

    17,4

    6,0

    19,1 19,8

    60,8

    81,7

    2011

    Analfabetas e ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo e mdio incompleto Ensino mdio completo e superior incompleto

    80

    73,6

    17,6

    8,8

    49,5

    23,027,2

    70,0

    20,9

    9,1

    49,7

    23,226,7

    74,7

    16,4

    8,7

    57,6

    21,2 20,8

    70

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    02001

    Salvador Distrito Federal So Paulo

    2011 2001 2011 2001 2011

    GRFICO 1.BRMs e Distrito Federal: distribuio dos ocupados por escolaridade (2001 e 2011)(Em %)

    Fontes: PED/Dieese, Seade, MTE/FAT e instituies regionais.

    Analfabetas e ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo e mdio incompleto Ensino mdio completo e superior incompleto

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    38 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    Em Fortaleza encontrou-se a pior situao, onde apenas 15,2% das trabalhadorasdomsticas tinham carteira de trabalho asssinada (grfico 2).

    O crescimento das diaristas coloca um grande desafio para a sociedadebrasileira. Como so remuneradas pelo dia de trabalho e no possuem contratoformal, esto sujeitas a uma jornada mais estafante, instvel e precria. Em ummomento de doena ou alterao da rotina (como por exemplo, frias), deixamde receber remunerao.

    O aumento dessa ocupao pode ter vrios motivos, entre eles a procurapor um trabalho com uma jornada mais flexvel ao longo da semana, sem que asfamlias tenham que arcar com o salrio integral, com os custos de uma empre-

    gada com carteira de trabalho assinada, bem como pela diminuio do tamanhodas famlias uma vez que se verifica atualmente o aumento de lares com apenasuma pessoa (unipessoal).

    A pesquisa em conjunto com a SPM indicou, pela fala de vrias empregado-ras tanto em So Paulo quanto em Salvador, que a contratao de uma trabalha-dora com carteira ou uma diarista pode estar ligada fase da vida de cada famlia.Se a mulher tem filhos, precisa de uma trabalhadora mensalista, que a auxilieno cuidado com a casa. Mas se a pessoa mora sozinha ou mesmo se os filhos jcresceram, uma diarista seria o mais indicado, pois o trabalho a ser feito menor,

    bem como o custo desse trabalho.

    90

    100

    80

    70

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    02001 2001 2001 2001 2001 2001

    SalvadorDistrito Federal So Paulo

    2011 2011 2011 2011 2011 2011 2011

    Belo Horizonte Fortaleza Porto Alegre Recife

    Mensalistas com carteira Mensalistas sem carteira Diaristas

    GRFICO 2RMs e Distrito Federal: evoluo da distribuio das trabalhadoras domsticasremuneradas entre diaristas e mensalistas com e sem carteira de trabalhoassinada (2001 e 2011)(Em %)

    Fontes: Convnio Dieese, Fundao Seade, MTE/FAT e instituies regionais, PED.

    20,2

    38,3

    41,549,9

    32,5

    45,8

    15,2

    47,7 47,3

    32,131,4

    30,333,4

    30,838,7

    21,752,9

    28,6

    57,3

    30,420,5 50,2

    36

    57,945,4

    47,9

    28,2

    28,4

    14,625,7

    27,4 21,9

    32,2

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    39Questes para Pensar o Trabalho Domstico no Brasil

    4 OUTRAS QUESTES

    O perfil das trabalhadoras domsticas remuneradas indicou que estas so, em sua

    maioria, negras, de baixa escolaridade, acima de 30 anos, muitas delas chefes de fa-mlia. Ainda, a ocupao caracteriza-se, no Brasil e no mundo, pelos baixos salrios,longas jornadas, graves acidentes de trabalho, alta frequncia de assdio moral esexual, pouca proteo social e frequente descumprimento dos direitos trabalhistas.

    A m organizao sindical dessas trabalhadoras, resultante do fato de o tra-balho ser exercido na residncia das famlias, impede que elas se considerem comouma categoria, que lutem por seus direitos e que avancem na ampliao da legis-lao que lhes garanta direitos iguais.

    Todas estas caractersticas do emprego domstico no Brasil se somam a outrasquestes importantes para as mulheres em geral e para as trabalhadoras destaatividade, e se colocam como desafios para melhorar a qualidade da ocupao ediminuir a vulnerabilidade.

    Para muitas mulheres, as dificuldades no decorrer da vida e a falta de opor-tunidade de estudar levaram-as ao trabalho domstico. Embora muitas traba-lhadoras confessem gostar do que fazem, no tiveram a chance de escolher ou-tra ocupao. Foram encaminhadas por absoluta falta de opo. Na pesquisa Astrabalhadoras domsticas e as mulheres dedicadas aos afazeres domsticos nas cidades

    de So Paulo e Salvador realizada pelo Dieese e SPM (2011), grande parte dastrabalhadoras entrevistadas afirmou no querer que as filhas sejam empregadasdomsticas, denotando o preconceito e o reconhecimento de que esta atividadeprofissional no valorizada pela sociedade.

    Uma parcela expressiva das trabalhadoras domsticas negra, vivencia, almdo preconceito em relao ocupao, tambm a discriminao racial, agregandodificuldades ao seu cotidiano de vida. Ainda no estudo mencionado, entre as tra-balhadoras entrevistadas, muitas sentem a discriminao em relao ocupao queexercem, o que adiciona problemas que transparecem nos episdios de assdio

    sexual e de atitudes discriminatrias por parte das empregadoras e empregadores.Enfrentam preconceito tambm em estabelecimentos comerciais, no momentoem que vo preencher o cadastro e informam a ocupao que exercem.

    Outro desafio que se adiciona que as trabalhadoras domsticas remunera-das, diaristas ou mensalistas, como as demais mulheres ocupadas, se utilizam dearranjos variados para responder dupla responsabilidade de empregadas e donasde casa. Para suprir as necessidades de manuteno e limpeza do prprio lar, a al-ternativa que encontram para conciliar o trabalho com o cuidado da famlia re-correr ao trabalho domstico remunerado, ou seja, contratao de outra mulher

    para assumir o cuidado de sua casa e de seus filhos. No entanto, a utilizao desta

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    alternativa requer recursos dos quais muitas mulheres, entre elas as prprias tra-balhadoras domsticas, no dispem. Por isso, lanam mo de alternativas mais

    precrias, como o apoio de outras mulheres da prpria famlia (mes e filhas), deredes de ajuda mtua. Muitas vezes, as trabalhadoras de uma mesma comunidadese unem e pagam outra mulher, em condies mais precrias que sua prpriacontratao, para cuidar dos seus filhos.

    Assim, as mulheres que contratam as trabalhadoras domsticas, na maioriados casos, o fazem para contar com a realizao das tarefas e cuidados domsticospara os quais no esto disponveis. No entanto, longe de valorizar este trabalho,reproduzem em larga medida a desvalorizao da qual elas mesmas so vtimas,porque tambm so mulheres. Vivem, assim, uma contradio permanente entre

    o que pensam ser e o lugar que lhes est reservado na hierarquia social de gnero.

    4.1 A legislao diferenciada do emprego domstico

    Na Classificao Brasileira de Ocupaes (CBO), o trabalho domstico, nas suas v-rias modalidades, tem descrita a relao de atividades a ele associadas (Sanches, 2009):

    cozinheiro(a), governanta, bab, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista particular,jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O(a) caseiro(a) tambm considerado(a) empregado(a) domstico(a), quando o stio ou local onde exerce asua atividade no possui finalidade lucrativa.6

    J a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT) prev para o trabalhadordomstico direitos diferenciados em relao aos demais assalariados. Em 11 dedezembro de 1972, a profisso de empregada(o), domstica(o) foi regulamenta-da pela Lei no5.859, que especificou os principais direitos para a profisso, queeram: i) frias de vinte dias teis a cada doze meses de trabalhos prestados; ii)benefcios assegurados pela Lei Orgnica da Previdncia Social aposentadoria,acesso sade, auxlios previdencirios; iii) pagamento de 8%, tanto para a(o)empregada(o) quanto para empregador(a) com vistas a custear os benefcios daprevidncia social e multas por no cumprimento desse pagamento, variandoentre 10% e 50% do valor do dbito (Dieese, 2006).

    Logo em seguida, pelo Decreto-Lei no 71.885, de 9 de maro de 1973,definiu-se a forma do contrato de trabalho, determinando que as divergnciasentre empregada(o) domstica(o) e empregador(a), relativas s frias e anota-o na Carteira do Trabalho e Previdncia Social, ressalvadas as competncias daJustia do Trabalho, seriam dirimidas pela Delegacia Regional do Trabalho. Odecreto tambm mantinha como vlidos os principais direitos estabelecidos nalei de 1972.

    6. MTE. Disponvel em: .

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    J o periodo mais recente se caracterizou por um nmero crescente de legis-laes e iniciativas de ampliao de direitos das trabalhadoras domsticas no Brasil.

    A Lei no10.208, aprovada em maro de 2001, facultou o acesso, para a(o)empregada(o) domstica(o), ao Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS) eao seguro-desemprego. No entanto, esses direitos foram definidos como opcionais.

    Em 19 de julho de 2006 foi promulgada a Lei no 11.324, que estimulaa formalizao dos contratos de trabalho domstico ao permitir a deduo noImposto de Renda das Pessoas Fsicas (IRPF), das despesas com o pagamento dacontribuio do empregador ao Instituto Nacional do Seguro Social(INSS), bemcomo estende os direitos trabalhistas das domsticas, que passam a incorporartambm frias de trinta dias, estabilidade para a gestante, direito aos feriados civise religiosos e a proibio dos descontos no pagamento com moradia, alimentaoe produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho.

    Em setembro de 2008 foi aprovado o Decreto no6.481, em que adoles-centes brasileiras com at 18 anos de idade esto terminantemente proibidas detrabalhar na atividade domstica, assim como em muitas outras ocupaes consi-deradas insalubres e perigosas.

    Mas ainda necessrio avanar, garantindo a estas trabalhadoras a mesmalegislao que ampara os demais assalariados.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    O debate sobre o futuro do trabalho domstico no Brasil engloba questes im-portantes. Hoje um trabalho que se diferencia das demais atividades por umasrie de razes j mencionadas no texto. executado na residncia das famlias, oque d um carter pessoal relao de trabalho entre empregador e trabalhador,sem que haja contato entre as trabalhadoras da mesma categoria, dificultando aformao da noo de classe trabalhadora e a ao do sindicato.

    Alm disso, caracteriza-se por ser um trabalho tipicamente feminino, asso-ciado ao papel da mulher, de cuidadora do lar, e o perfil das trabalhadoras pareceser sempre o mesmo: mulheres negras, de baixa escolaridade, maior faixa etria eprovenientes de famlia de baixa renda.

    Existe hoje no pas um debate sobre a valorizao desta ocupao e os desafiosso grandes. Quando se escutam as empregadoras, percebe-se que suas falas aindacarregam uma grande carga de preconceito, trazendo resqucios de um trabalhoque comeou na poca da escravido e que, a duras penas, vem se profissionali-zando no pas. Por sua vez, as trabalhadoras mencionam o preconceito que sentemem sua vida diria por trabalharem nos servios domsticos e o no reconhecimentoda sua importncia para a sociedade.

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    importante que sejam feitas adequaes na legislao para que se igualemos direitos das trabalhadoras domsticas aos dos demais assalariados. Acrescente-

    se a necessidade de se desenhar um sistema de proteo social que garanta s tra-balhadoras, sejam elas mensalistas, com ou sem carteira, ou diaristas, os direitosbsicos de aposentadoria, mediante uma contribuio factvel para trabalhadorase empregadores. Alm disso, preciso levar em considerao a necessidade derespeito jornada de trabalho, ao pagamento de horas extras caso exceda o tempocontratado, bem como pensar em cursos de qualificao que capacitem essas tra-balhadoras a desempenhar as tarefas da melhor forma possvel.

    Assim, na voz das trabalhadoras ouvidas nos grupos focais de Salvador e SoPaulo, pensar na valorizao do trabalho domstico no pas inclui questes como:

    l igualdade de tratamento e cumprimento dos direitos do trabalho;

    l melhoria de seu patamar salarial;

    l jornada de trabalho condizente e respeitada;

    l ampliao do acesso das domsticas previdncia social e fiscalizao doseu recolhimento pelos empregadores;

    l obrigatoriedade do recolhimento do FGTS;

    l acesso capacitao profissional e s possibilidades de elevao de esco-

    laridade; e

    l preveno e tratamento de sade e acidentes de trabalho.

    REFERNCIAS

    DIEESE DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ES-TUDOS SOCIOECONMICOS. Medida Provisria no284: impactos paraempregados domsticos e para empregadores. So Paulo: Dieese, jul. 2006 (Notatcnica, n. 7).

    ______; SPM SECRETARIA DE POLTICAS PARA AS MULHERES. Asmulheres no mercado de trabalho brasileiro: informaes qualitativas e quantita-tivas. Relatrio de pesquisa As trabalhadoras domsticas e as mulheres dedicadas aosafazeres domsticos nas cidades de So Paulo e Salvador. Convnio de CooperaoTcnica DIEESE e SPM, abr. 2011.

    SANCHES, S. O trabalho domstico no Brasil. Braslia: OIT, 2009.

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    43Questes para Pensar o Trabalho Domstico no Brasil

    BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

    VILA, M. B. M. O tempo do trabalho das empregadas domsticas: tensesentre dominao/explorao e resistncia. Recife: Editora Universitria da UFPE,2009 (Teses e Dissertaes).

    VILA, M. B. M. et al. (Org.). Reflexes feministas sobre informalidade e traba-lho domstico. Recife: SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, 2008.

    DIEESE DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ES-TUDOS SOCIOECONMICOS.As caractersticas do trabalho domsticoremunerado nos mercados de trabalho metropolitanos. So Paulo: Dieese, mar.2010. Convnio Dieese, Fundao Seade, MTE/FAT e entidades regionais.

    ______. Emprego domstico nos anos 2000.A situao do trabalho no Brasil.So Paulo, 2012.

    ______; OIT ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Oemprego domstico: uma ocupao tipicamente feminina. Braslia: OIT, 2006(Cadernos GRPE, n. 3).

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    * Este texto baseia-se em entrevistas realizadas na ocasio da elaborao da tese de doutorado do autor, intitulada

    Sindicatos das trabalhadoras domsticas no Brasil: teorias da descolonizao e saberes subalternos(Bernardino-Costa,2007) e tambm em entrevistas realizadas, em 2011, que deram origem ao recm-publicado livro Tenses e experincias:um retrato das trabalhadoras domsticas de Braslia e Salvador(Mori et al.,2011). O autor agradece ao Centro Feministade Estudos e Assessoria (Cfemea) nas pessoas de Natlia Mori e Eneida Dutra pela confiana, dilogo e colaborao.O autor tambm dedica este texto a Creuza Maria de Oliveira, presidente da Federao Nacional dos TrabalhadoresDomsticos (FENATRAD), Nila Cordeiro dos Santos (Sindicato das Trabalhadoras Domsticas de Recife), MarinalvaBarbosa (Sindicato das Trabalhadoras Domsticas de Salvador), Ana Regina Semio (Sindicato das Trabalhadoras Do-msticas de Campinas), Rosa Maria de Jesus (Sindicato das Trabalhadoras Domsticas de Ribeiro Preto) e Cleide Silva(Sindicato das Trabalhadoras Domsticas de Nova Iguau).

    ** Professor adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade de Braslia (UnB). E-mail: [email protected]

    1. Optou-se neste artigo por no se fazer extensivas menes estatsticas sobre o trabalho domstico. Em seu lugar,so discutidos aspectos estruturais e dinmico-culturais que ajudam a compreender a desigualdade e hierarquia de

    classe, gnero e raa presentes na sociedade brasileira. Entretanto, caso o/a leitor/a queira ter uma viso estatstica dasituao da trabalhadora domstica no Brasil, recomenda-se o artigo de Pinheiro, Fontoura e Pedrosa (2011).

    CAPTULO 3

    COLONIALIDADE E INTERSECCIONALIDADE: O TRABALHODOMSTICO NO BRASIL E SEUS DESAFIOS PARA O SCULO XXI*

    Joaze Bernardino-Costa**

    1 INTRODUO

    A categoria profissional dos trabalhadores domsticos empregava, em 2009, 7,2milhes de pessoas, das quais 93% eram mulheres. Destas, 61,6% eram negrase 38,4% brancas. A sobrerrepresentao de trabalhadoras domsticas negras setorna mais evidente quando se percebe que, para cada conjunto de cem mulheresbrancas ocupadas, doze so trabalhadoras domsticas, enquanto para cada cemmulheres negras participantes da Populao Economicamente Ativa (PEA), 21so trabalhadoras domsticas (Pinheiro, Fontoura e Pedrosa, 2011).1

    Embora se percebam tendncias de transformao do trabalho domsticono Brasil, tais como elevao de escolaridade e envelhecimento das trabalhado-

    ras domsticas (Pinheiro, Fontoura e Pedrosa, 2011), esta categoria profissionalainda caracterizada por ndices pouco animadores em relao ao usufruto de di-reitos sociais: carteira assinada, direito a frias, aposentadoria etc. Decisivo para ono usufruto destes direitos o fato de esta relao ser essencialmente uma relaode poder entre trabalhadora domstica e empregador, que ocorre no interior dolar, no fiscalizada pelo poder pblico. Ainda pesa sobre esta categoria profissional

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    uma legislao trabalhista bastante restritiva e conservadora. No s as trabalha-doras domsticas no tm os mesmos direitos que as outras categorias sociopro-

    fissionais, mas setor expressivo e em crescimento das trabalhadoras domsticas odas diaristas se encontra completamente destitudo de qualquer marco legal.

    Com base em recentes entrevistas realizadas com trabalhadoras domsticas,este texto procura analisar, por um lado, como se configura o quadro de desigual-dades de gnero, raa e classe na sociedade brasileira, bem como, em segundolugar, sinalizar as estratgias por parte das prprias trabalhadoras domsticas de searticularem politicamente a fim de superar o quadro de excluso que tem carac-terizado esta profisso ao longo da histria brasileira. Para tanto, so utilizados osconceitos de colonialidade e interseccionalidade.

    2 COLONIALIDADE E INTERSECCIONALIDADE

    Anibal Quijano elaborou o profcuo conceito de colonialidade do poder paraentender o quadro histrico de desigualdades na Amrica Latina. Entende-se poreste conceito o padro de poder que se constitui juntamente com o capitalis-mo moderno/colonial, que teve incio com a conquista da Amrica em 1492. Osistema-mundo moderno/colonial,2que se constituiu a partir daquela data, deuorigem a um novo padro de poder mundial fundamentado na ideia de raa, quepassou a classificar a populao mundial, produzindo identidades raciais histori-

    camente novas que passariam, por sua vez, a ficar associadas a hierarquias, lugarese papis sociais correspondentes aos padres de dominao (Quijano, 2005).

    No processo de constituio do sistema-mundo moderno/colonial, raa etrabalho foram associados, constituindo e mantendo uma diviso racial do tra-balho desde os tempos coloniais at o presente momento. Raa e trabalho foramacrescentados s j existentes divises sexuais do trabalho. Assim, no contexto docapitalismo moderno/colonial eurocentrado passou-se a constituir uma divisoracial e sexual do trabalho, em que inicialmente os europeus e seus descendentesrecebiam salrios, enquanto o colonizado partcipe da diviso do trabalho como

    escravo ou servo no era digno de salrio. Obviamente algumas concessesforam feitas aos sujeitos colonizados. De qualquer forma, raa, trabalho e sexoapresentaram-se como naturalmente associados, o que tem sido at o momentoexcepcionalmente bem-sucedido (Quijano, 2005, p. 106).

    Outro aspecto digno de nota do chamado capitalismo moderno/colonialeurocentrado refere-se a uma diviso corpo-geopoltica do conhecimento em que

    2. O conceito sistema-mundo moderno/colonial constitui-se como uma unidade de anlise do sistema capitalista quevai alm dos Estados-nao, trazendo para o campo da reflexo as transaes econmicas, polticas e culturais queocorrem em escala mundial. Diferentemente do conceito elaborado por Wallerstein (2006), que cunha a categoria

    sistema-mundo moderno, Quijano introduz o termo colonial, destacando que a colonialidade constitutiva da moder-nidade, sendo seu lado oculto.

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    47Colonialidade e Interseccionalidade: o trabalho domstico no Brasil e seus desafios para o sculo XXI

    a produo do saber ficou, via de regra, como atributo de determinadas regiesdo globo, algumas instituies e algumas pessoas. Assim, cosmologias e conheci-

    mentos milenares foram reduzidos a supersties, conhecimento popular, folclo-re. Trata-se aqui do processo de colonizao da memria, da qual fala Mignolo(2006). Porm, este processo no teve simplesmente uma dimenso geopoltica,tendo tambm uma dimenso corpo-poltica, em que o corpo colonizado no foie ainda no pensado como capaz de gerao de conhecimento.3

    O conceito de colonialidade do poder d conta de um novo padro de domi-nao tanto em mbito interestadual (sistema-mundo) quanto no mbito nacional,orientando a constituio de hierarquias e desigualdades.

    A presena da colonialidade do poder evidente nos primeiros sculos deformao do Brasil, em que o trabalho escravo e a servido sustentaram a economianacional. Naquele contexto, os lugares e papis sociais dos homens e mulheres bran-cos, bem como de homens e mulheres negros e indgenas estavam fixados. Emborahouvesse casos de negros e mulatos livres, sobretudo quando mais nos aproximamoshistoricamente da abolio da escravatura, isto no significava uma superao dahierarquia racial e de gnero constituda no perodo colonial. Em outras palavras, sehomens negros e mulheres negras abandonavam a condio legal de escravos, istono significava que suas imagens e corpos no estivessem sob controle do padro dedominao que estamos nomeando de colonialidade do poder.

    Este padro de poder foi decisivo no perodo ps-abolio, quando as opor-tunidades de formao de um mercado livre de trabalho foram aproveitadas prin-cipalmente pelo imigrante recm-chegado em solo brasileiro. Assim, o homemnegro encontrou barreiras para se integrar ordem competitiva porque era prete-rido frente ao seu concorrente estrangeiro, enquanto a mulher negra encontrouoportunidades de trabalho sobretudo como trabalhadora domstica (Fernandes,2008). Salvo algumas excees, o homem negro e a mulher negra ficaram pre-sos a determinadas posies dentro do sistema de estratificao social brasileiro.Quando tiveram alguma mobilidade social, esta, via de regra, foi aqum da mo-

    bilidade de brancos e brancas (Hasenbalg, 1979; Valle Silva, 2000). A articulaoracial dentro deste padro de poder produziu gneros subalternizados, gerandotanto identidades femininas estigmatizadas (das mulheres negras) quanto iden-tidades masculinas subalternizadas (dos homens negros) com prestgio inferiorao do gnero feminino do grupo racialmente dominante (das mulheres brancas)(Carneiro, 2003, p. 119).

    3. Esta dimenso corpo-poltica tem sido abordada por diversos intelectuais negros e negras. Uma excelente elabora-o destas noes pode ser encontrada no artigo Intelectuais negras, de Bell Hooks (1995). Em sua tese de doutorado,

    o autor do presente captulo aborda este aspecto, argumentando que os sindicatos das trabalhadoras domsticas soespaos de atividades estritamente polticas, bem como espaos de elaborao de conhecimento e saberes.

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    48 Igualdade Racial no Brasil: reflexes no ano internacional dos afrodescendentes

    A partir do conceito de colonialidade do poder pode-se visualizar um pa-dro de poder mais esttico, que teve sua origem nas administraes coloniais e se

    mantm at o presente. Este conceito pode ser complementado pelo conceito deinterseccionalidade, uma vez que este nos remete a uma dimenso mais dinmicada produo, manuteno, lutas e resistncias s desigualdades e s identidadesestigmatizadas e subalternizadas.

    O conceito de interseccionalidade tem sua origem, nas dcadas de 1970 e1980, junto s feministas negras norte-americanas, que questionar