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GESTO DE RECURSOS HDRICOS EM UNIDADES DE CONSERVAO: O CASO DO PARQUE NACIONAL DE TIJUCA

Organizao:PETER H. MAY MARILENE RAMOS DOS SANTOS SONIA LCIA PEIXOTO

Instituto Terrazul / Ibama / Petrobras Ambiental

2006

ndiceAPRESENTAO:........................................................................................................ 3 O Papel da Gesto de Recursos Hdricos na Sustentabilidade de UCs ..................... 3 Sonia Lcia Peixoto, Chefe do Parque Nacional de Tijuca.............................................. 3 CAPTULO 1. ................................................................................................................. 7 Planejamento e Gesto de Recursos Hdricos para a Sustentabilidade de Unidades de Conservao: Opes para o Parque Nacional de Tijuca...................................... 7 Peter H. May, CPDA/UFRRJ ........................................................................................... 7 Marilene Ramos dos Santos, FGV ................................................................................... 7 CAPTULO 2. ............................................................................................................... 32 Cobrana pelo Uso da gua, Dispositivos Legais Aplicveis Gesto de gua em UCs e Propostas de Regulamentao dos Artigos 47 e 48 da Lei do SNUC .......... 32 Marilene Ramos dos Santos, FGV/RJ ............................................................................ 32 CAPTULO 3 ................................................................................................................ 63 Servios Ambientais: Mercado, Legislao e Percepo .......................................... 63 Leonardo Geluda, FUNBIO ........................................................................................... 63 CAPTULO 4 ................................................................................................................ 84 Aplicabilidade da Legislao sobre Gesto de Recursos Hdricos em Unidades de Conservao .................................................................................................................. 84 Daniela Pires e Albuquerque, Advogada/Consultora Ambiental ................................... 84 CAPTULO 5 ................................................................................................................ 98 Bases Institucionais para a Consolidao da Gesto Social dos Recursos Hdricos do Parque Nacional da Tijuca ..................................................................................... 98 Ana Lcia Camphora Pacheco, doutoranda CPDA/UFRRJ........................................ 98 CAPTULO 6 .............................................................................................................. 122 Hidrologia do Parque Nacional da Tijuca: Disponibilidade e Qualidade Hdrica, e Diretrizes para a Adequao de Outorga e Enquadramento de gua em Unidade de Conservao ........................................................................................................... 122 Mnica de Aquino Galeano Massera da Hora, Hidrloga............................................ 122 CAPTULO 7. ............................................................................................................. 140 Concluses e Recomendaes .................................................................................... 140 Peter H. May e Marilene Ramos dos Santos ................................................................ 140 ANEXO I: Propostas para regulamentao dos Artigos 47 e 48 da Lei do SNUC (Lei 9985/00)................................................................................................................ 142 Marilene Ramos dos Santos ANEXO II: Dados hidrolgicos detalhados do PNT ............................................... 158 Mnica de Aquino Galeano Massera da Hora.............................................................. 158

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APRESENTAO: O Papel da Gesto de Recursos Hdricos na Sustentabilidade de UCsSonia Lcia Peixoto, Chefe do Parque Nacional de Tijuca A Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei N0 6.938 de 31.08.81) pretende compatbilizar o desenvolvimento econmico e social com a preservao da qualidade ambiental e do equilbrio ecolgico, impondo-se ao poluidor e ao predador, a obrigao de recuperar e/ou indenizar pelos danos causados s reas legalmente protegidas. Nos artigos 47 e 48 da Lei N0 9.985, de 18 de julho de 2000, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza (SNUC), pode-se pressupor o estabelecimento do conceito de protetor e recebedor no tocante a proteo exercida pelas Unidades de Conservao sob os recursos hdricos em seus limites. Embora muitos esforos dos setores pblicos e acadmicos tenham sido desenvolvidos na direo da aplicao do conceito acima explicito, no chegaram a constituir uma estratgia completa e coordenada que possa ser implementada pelo setor pblica na gesto de Unidades de Conservao (UCs). Muitas questes teriam e tm de ser equacionadas e resolvidas. Citando algumas das mais importantes: i) desigualdade nos esforos aplicados para conservao dos principais biomas brasileiros; ii) acesso limitado informao sobre licenciamento corretivo e medidas compensatrias; iii) modelo para compensao ambiental sob a proteo exercida pela UCs sob os recursos hdricos contidos dentro de seus limites; iv) participao limitada de comunidades locais e de ONGs, e do setor empresarial nos procedimentos envolvidos; v) nmero limitado de parcerias entre setor pblico, privado, organizaes no governamentais e rea acadmica, visando a sustentabilidade da diversidade biolgica; e iv) etapas amplamente participativas que envolveram estudos iniciais e sugestes de vrios segmentos. Tendo vista o equacionamento das questes acima referidas, iniciou-se a discusso de formulao de uma Proposta de regulamentao dos artigos 47 e 48 da Lei do SNUC para a melhoria da Gesto das Unidades de Conservao. As diretrizes que compe a proposta, visam, dentre outros aspectos, compatibilizar as necessidades da sociedade e dos segmentos do governo envolvidos na implementao de instrumentos que garantam a proteo dos recursos hdricos, devendo-se observar o conceito de equilbrio dinmico entre as aes de proteo e as de desenvolvimento, de maneira a garantir a efetiva sustentabilidade das UCs, em especial, as da categoria de proteo integral. Nesse sentido, para alm das aes em curso na academia e em setores no governamentais, o governo brasileiro, atravs da Secretaria de Biodiversidade e Florestas/Diretoria do Programa Nacional de reas Protegidas (DAP), em junho de 2004, instituiu o Frum Nacional de reas Protegidas. Com carter consultivo e permanente, esse Frum composto por representantes do governo e da sociedade civil e tem como objetivo elaborar a proposio de polticas e programas visando implementao do Plano Nacional de reas Protegidas.

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No incio de 2005, foram criados no mbito desse Frum trs Grupos Temticos, seguindo prioridades participativamente estabelecidas entre representantes do governo e da sociedade civil: 1 - Monitoramento da Biodiversidade; 2 - Gesto Participativa; e 3 Sustentabilidade Financeira do SNUC. A minuta final do relatrio do Frum, elaborada no final de 2006, expressa as consideraes deste ltimo Grupo e resultado do esforo e da colaborao de pelo menos outras duas dezenas de profissionais e tcnicos, de organizaes governamentais e no governamentais, especializados no tema. Durante cerca de dois anos, o grupo temtico acima referido se concentrou nas pesquisas sobre a atual situao do SNUC e como ele pode se tornar mais eficiente e, principalmente, financeiramente sustentvel, incluindo-se a discusso do tema sobre recursos hdricos e a devida compensao ambiental, no mbito do relatrio do grupo temtico de Sustentabilidade Financeira do SNUC. Em, paralelo, o projeto gua e Unidade de Conservao no seu alinhamento que versa sobre o Planejamento e Gesto para a Sustentabilidade Econmica, colaborou ativamente na elaborao do relatrio do Frum Nacional de reas Protegidas, com insumos, discusses e relatrios parciais e final dos consultores contratados atravs do projeto que foi patrocinado atravs da seleo Petrobrs Ambiental de 2005 e executado pela Organizao No Governamental Instituto Terrazul em parceria com o Parque Nacional da Tijuca. Das diretrizes que nortearam o trabalho deste projeto constatou-se que A proteo pelos recursos hdricos em unidades de conservao, conforme determinado pela Lei do SNUC em 2000, um dos mais importantes servios ambientais prestados pelas UCs e recursos naturais associados, o fluxo de gua de boa qualidade e regulada em volume estvel e previsvel para o consumo, permitindo os diversos usos a jusante essenciais para a sociedade. Estes usos incluem o fornecimento de gua para consumo humano e animal, o aproveitamento para irrigao (responsvel pela maior volume de uso de gua no mundo), hidreletricidade e processamento de alimentos e bebidas, assim como a manuteno das funes dos ecossistemas e dos organismos em geral. No Brasil, a Lei das guas (Lei no 9.433, de janeiro de 1997) reconhece, em seu artigo 1o, a gua como um recurso natural limitado, dotado de valor econmico. A poltica nacional de recursos hdricos explicita os procedimentos de planejamento e gesto de bacias visando a outorga, cobrana e compensao aos municpios pela gua utilizada por qualquer empreendimento ou ator econmico que abstrai gua para propsitos particulares. No Relatrio do Frum Nacional de reas Protegidas levantou-se que apesar de existirem esforos por parte dos governos dos estados de instituirem leis estaduais para regulamentar o uso de guas interiores aos mesmos, a exemplo do Rio de Janeiro na sua Lei Estadual 4247\03, consoante com a Lei Federal. No entanto, a destinao de recursos oriundos da cobrana de gua, seja pelos estados, seja pela Unio, no que diz respeito guas oriundas de UCs, no foi definido, ficando a critrio de cada Comit de Bacia alocar os recursos assim gerados. Em 2000 o SNUC, em seus artigos 47 e 48, instituiu a contribuio financeira para as UCs por parte das empresas de abastecimento de gua, gerao de energia ou outras que faam uso da gua protegidas por Unidades de Conservao. Nesse caso, os recursos seriam investidos em forma de compensao ambiental,.de forma no contingenciada, e

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aplicados em projetos especialmente de manuteno das florestas e da qualidade das guas dentro dos limites das UCs. Os princpios norteadores do trabalho que resultou neste estudo com respeito ao Planejamento e Gesto para a Sustentabilidade Econmica de UCs foram os seguintes: i) a gua dever ser vista como um bem pblico comum, evitando-se assim sua apropriao privada e mercantilizao por aqueles que no contam com o devido aval das comunidades e o credenciamento do estado; ii) a cobrana pelo uso da gua, conforme a Lei 9.433/97, poder se constituir numa fonte de recursos importante para reverter o quadro de degradao da qualidade das guas; iii) sob outra tica tm-se que o SNUC, em seus artigos 47 e 48, instituiu a contribuio financeira para as UCs por parte das empresas de abastecimento de gua, gerao de energia ou outras que faam uso da gua, atravs do princpio protetor/recebedor; iv) cabe ao estado, sobretudo, educar e informar e depois punir com firmeza atitudes de agresso aos recursos hdricos e aos ecossistemas, ressaltando-se a importncia de medidas educativas e mitigadoras; v) Implantao racional de polticas pblicas dirigidas para o uso, conservao e o gerenciamento de polticas pblicas, dever ser organizada uma nova poltica para o uso e a proteo dos recursos hdricos. As indagaes que surgem nos estudos sobre Pagamentos para Servios Ecossistmicos, os quais so igualmente relevantes para a gesto dos recursos hdricos em Unidades de Conservao indicam as seguintes questes a serem discutidas: 1. Quem beneficia da gua protegida pelos ecossistemas florestais, e qual a sua disposico a pagar para compensar os custos de oportunidade associados manuteno dos servios gerados? 2. Como fazer com que os recursos arrecadados pelo pagamento dos servios ambientais efetivamente cheguem s mos dos prestadores destes servios, incentivando-os a mant-los ao longo prazo? 3. Como validar os servios prestados e assegurar que as aes do grupo compensado efetivamente contribuem para que os mesmos sejam mantidos? Diante das diretrizes e indagaes acima, o Relatrio Final do Projeto gua e Unidade de Conservao, respondeu aos questionamentos e props duas orientaes possveis para a resoluo da problemtica da captao de gua em Unidades de Conservao: i) operacionalizar a cobrana da gua: pela regulamentao dos artigos do 47 e 48 do SNUC, permitindo a cobrana, estabelecendo metodologia apropriada e eximindo essas reas de todos os trmites da Lei das guas; ou ii) atravs de adequaes da Lei das guas seguindo o padro federal da ANA, ou seja, a agilizao do funcionamento dos Comits e Agncias, elaborao dos Planos de Recursos Hdricos e das Legislaes Estaduais que permitam a cobrana e, ainda, que recursos sejam destinados para as UCs. Ressalta-se, ainda, que o projeto gua e Unidade de Conservao teve, ao longo de todo o seu percurso, uma total e importante integrao com a equipe responsvel pela formao do Conselho Consultivo do Parque Nacional da Tijuca, para alcanar um grau de interlocuo que assegure a conduo democrtica do funcionamento do conselho de cada unidade de conservao, e que possibilite especificamente a discusso de projetos estratgicos para uma determinada unidade de conservao.

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Os conselhos gestores das UCs esto previstos na Lei do SNUC, variando sua natureza de acordo com a categoria da unidade de conservao. Assim sendo, considerando os conselhos como instncias legais e legtimas de participao e controle social da gesto das unidades de conservao, cujas atribuies so discriminadas nos artigos 17, 18, 19, 20, do Decreto 4340/02, estes devem constituir um importante instrumento na gesto dos recursos oriundos da compensao ambiental pela proteo exercida pela UC sob os recursos hdricos, promovendo a socializao da discusso e a definio de prioridades para a aplicao dos referidos recursos na UC, avaliando os projetos estratgicos, acompanhando sua execuo e buscando conferir maior transparncia e objetividade ao processo. Deste modo, a equipe do segmento de Planejamento e Gesto para a Sustentabilidade Econmica alm de cumprir com os desafios propostos, ainda poder forneceeu subsdios para a formulao da questo relativa a captao dos recursos hdricos em Unidades de Conservao para o Frum Nacional de reas Protegidas do Ministrio do Meio Ambiente; props solues factveis de serem implementadas, alm de insumos para a regulamentao dos artigos 47 e 48 da Lei do SNUC, podendo, ainda, o modelo ser analisado pelo rgo tutelar federal, no caso o IBAMA, e implementado em todas as unidades de conservao nos mbitos federal, estadual e municipal de todos os biomas brasileiros, no apenas para o bioma Mata Atlntica como estava, inicialmente, proposto no projeto. Alm do exposto, destaca-se que o modelo poder ser apreciado pela academia e divulgado nacional e internacionalmente tanto na esfera acadmica como governamental.

Dezembro de 2006

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CAPTULO 1. Planejamento e Gesto de Recursos Hdricos para a Sustentabilidade de Unidades de Conservao: Opes para o Parque Nacional de TijucaPeter H. May, CPDA/UFRRJ Marilene Ramos dos Santos, FGV Apresentao Este captulo apresenta o resumo dos estudos desenvolvidos no mbito do Projeto gua em Unidade de Conservao, visando traar caminhos para a gesto e cobrana pelo uso de recursos hdricos como contribuio financeira sustentabilidade do Parque Nacional de Tijuca. Os trabalhos iniciais do projeto apontaram a necessidade de examinar e aprimorar os dispositivos legais que permitiriam a contribuio financeira de usurios de gua sustentabilidade do Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), prevista nos Artigos 47 e 48 da Lei 9.985 de 2000 e sua regulamentao posterior. Para tanto, o projeto prev a compatibilizao desta legislao com a Lei das guas de 1997 (Lei 9.433 e suas regulamentaes posteriores), que detalha procedimentos e arranjos institucionais relativos ao planejamento, outorga e cobrana pelo uso de gua no pas. Dentre os trabalhos levados a cabo pelo projeto em causa, constam anlises da experincia de pagamentos para servios ambientais em geral e a cobrana pelo uso da gua em particular, com nfase na Europa e no Brasil. No mbito dos estudos foi elaborada ainda uma proposta de aplicao dos instrumentos de outorga, enquadramento e cobrana pelo uso da gua no Parque Nacional da Tijuca (PNT) e de arranjos institucionais para a gesto da gua compatibilizada com a gesto desta unidade de conservao. Tal arranjo aplicvel potencialmente para adoo em todas as unidades de conservao (UCs) da esfera federal e, com as adaptaes cabveis, nas esferas estadual e municipal. As informaes e anlises apresentadas demonstram que j existem as bases legais e institucionais para implantao de um sistema de gesto integrado e participativo no PNT, com a constituio dos entes gestores e a implantao dos instrumentos previstos em lei. O que falta a homologao de um esquema de contribuio financeira que reconhea o papel das UCs na proviso de gua e demais servios ecossistmicos, e a necessria participao dos beneficirios na sua manuteno, a longo prazo. 1. Pagamento para servios ecossistmicos estado da arte O meio ambiente oferece gratuitamente uma gama de bens e servios que so de interesse direto ou indireto para o ser humano. Estes incluem a manuteno dos recursos genticos; a estabilizao do clima; o controle de pestes e de doenas; a purificao do ar e da gua; a regulao do fluxo e da qualidade dos recursos hdricos; o controle da sedimentao; a manuteno da fertilidade do solo e do ciclo de nutrientes; a decomposio dos rejeitos orgnicos; assim como valores estticos e culturais, entre 7

outros (Langley, 2001). Esses servios vm sendo enfraquecidos pela degradao ambiental, resultante da ocupao antrpica, da gesto deficiente do patrimnio natural e da carncia de incentivos econmicos relacionados conservao ambiental (Pagiola e Platais, 2003). O setor pblico enfrenta a constante necessidade de defender oramentos visando a implantao e manuteno de UCs. No entanto, os benefcios oriundos da criao de tais UCs so pelo menos em parte desfrutados pela sociedade, que usufrui direta ou indiretamente das suas funes e servios. O reconhecimento da contribuio gratuita dos ambientes naturais s funes bsicas de suporte de vida, explica o crescente interesse na aplicao de pagamentos para servios ecossistmicos (PSE) como instrumento de incentivo gesto integrada e participativa dos recursos naturais. Recursos hdricos de boa qualidade, e com volume compatvel para diversos usos jusante, constituem entre os principais servios ambientais prestados por UCs. Na Amrica Latina, grande parte dos parques e reas protegidas foi criada com o objetivo de proteger os mananciais hdricos. Mas o vnculo entre a conservao da biodiversidade e a manuteno desses recursos no se reflete em mecanismos integrados de gesto (Echavarra, 2005). Na elaborao de um esquema PSE, a continuidade no fornecimento dos servios ecossistmicos implica em custos de oportunidade1 e de manuteno2. Aqueles que se beneficiam dos servios gerados estariam interessados no incremento ou manuteno desses servios. Devido ao carter de bem pblico de muitos dos servios gerados (nodiscriminatrias e no-rivais), atores econmicos no so incentivados pelo mercado a assegurar o seu fornecimento. Uma quantia sub-tima dos servios demandados provida por tais atores. Neste contexto, seja atravs de negociaes ou de imposio legais, distintos instrumentos econmicos podem ser adotados para garantir o fluxo de recursos financeiros necessrio para cobrir os custos associados proviso dos servios. Quando os agentes econmicos efetivamente paguem aqueles que so responsveis pelos servios gerados por sua adoo de boas prticas conservacionistas de uso do solo e proteo de mananciais, temos uma variante de responsabilizao que vem sendo referido como provedor-recebedor. Esquemas de PSE tm sido adotados nos EUA, Costa Rica, Mxico, Colmbia e Bolvia, e esto em fase de desenho ou experimentao em vrios outros pases, inclusive com recursos do Banco Mundial (BIRD), Global Environment Facility (GEF) e outras agncias de financiamento internacional. H ampla perspectiva para aplicao de PSE para assegurar benefcios associados com recursos hdricos, captura de carbono, biodiversidade e beleza cnica. Na prtica, a maioria das aplicaes at o momento, tem focado na criao de instrumentos de compensao aos proprietrios de terras em mananciais, visando incentiv-los a manter ou restaurar florestas ou usos do solo conservacionistas. Com isso, espera-se garantir uma oferta de servios de qualidade e regularidade do fluxo de gua para consumidores a jusante (Pagiola et al, 2002; LandellMills e Porras, 2002).Custo de oportunidade, nesse caso, aquele referente s oportunidades de gerao de receita que so abdicadas em troca do uso do solo para conservao. Ou seja, a perda financeira lquida devido ao no uso do solo pra prticas econmicas convencionais. 2 Os custos de manuteno so aqueles encarados para se manter a rea conservada, ou seja, para se manter os servios gerados pelo meio ambiente.1

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Exemplos de aplicaes do conceito de PSE no Brasil incluem os seguintes instrumentos legalmente institudos (May e Geluda, 2005):

a emisso de bnus referente permuta de Reserva Legal, direcionando recursos oriundos da cobrana instituda pela Lei 9.433 para incentivar produtores de gua a adotar boas prticas do uso do solo, a iseno do Imposto Territorial Rural (ITR) prevista para proprietrios de Reservas Particulares do Patrimnio Natural RPPNs, aplicao de recursos do ICMS Ecolgico em UCs municipais e RPPNs, e crditos para evitar desmatamento e seqestrar carbono em projetos florestais.

Wunder (2005) ressalta que numa forma ideal, o PSE deve ser concebido como voluntrio e regido por motivaes econmicas, diferente dos instrumentos de comando e controle. Porm na prtica, compradores e/ou provedores so obrigados a participar (por lei ou por outro tipo de coero). Os custos da implantao de prticas diferenciais, os direitos de propriedade mal definidos e a falta de informao abalam a oferta de servios ecossistmicos. Outros fatores que limitam a sua eficcia so a ausncia de uma base regulatria, os custos de transao e a falta de evidncias cientficas da relao: prticas sustentveis x melhorias ambientais (Landell-Mills e Porras 2002). Para a implantao e funcionamento eficiente de um sistema de PSE os seguintes fatores so considerados essenciais: a) os servios ambientais que sero negociados precisam ser bem definidos; b) as caractersticas dos ecossistemas que fornecem o servio so claramente identificveis; c) h disposio a pagar pelos servios por parte dos beneficirios; d) o sistema de monitoramento vivel e custo-efetivo; e) os direitos de propriedade so bem definidos; f) os servios ambientais podem ser valorados em termos monetrios; e g) os custos de participao e transao so minorados para permitir o acesso do maior nmero de participantes e para dar viabilidade econmica ao processo (King, Letsaolo e Rapholo, 2005). Acima de tudo, essencial que o PSE seja fundamentado num quadro regulatrio que estabelece claramente a responsabilidade dos provedores de cumprir com os objetivos do acordo. No caso do Protocolo de Quioto, o establecimento de restries quantitativos sobre emisses o sine qua non pelo interesse por parte de firmas emissores de adquirir crditos de carbono. No Brasil, a definio por bioma da rea em Reserva Legal constitue uma obrigao que possa fundamentar a disposio pelo proprietrio a aceitar compensao pela dedicao de terras ao uso conservacionista. Alm do carter econmico, os sistemas de PSE podem contribuir conscientizao ambiental na medida em que insere uma nova relao entre os fornecedores dos servios e os beneficiados, e entre esses e a natureza (real prestadora do servio). Essa conscincia pode gerar um renovado interesse na necessidade de interao e articulao dos atores para a conservao, a restaurao e o manejo sustentvel dos recursos (Meja e Barrantes 2003).

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2. Experincias de cobrana pelo uso da gua Em contraste com os instrumentos adotados na maioria das experincias associadas aplicao do PSE (provedor-recebedor), a cobrana de gua tem sido adotada internacionalmente seguindo o princpio do poluidor-pagador (PPP), ou usuriopagador. Tal cobrana vislumbra atingir o agente poluidor, motivando-o a internalizar o custo de emitir poluentes ao meio, atravs do investimento em tecnologia de controle. Para que tal instrumento venha a funcionar de forma eficiente, a cobrana dever ser alta o suficiente para modificar o comportamento do poluidor. Este raramente o caso, visto que a maioria das experincias com cobrana de efluentes ou emisses procuram, como primeiro objetivo, gerar receitas administrativas e secundariamente, incentivar produo ou consumo mais limpos. Este ultimo usualmente alcanado atravs da disponibilizao de recursos creditcios ou subsdios (oriundos ou no de recursos da cobrana). importante reconhecer que a adoo do conceito PPP, ou usurio pagador, pode gerar recursos suficientes para custear a implantao de um esquema PSE, considerando a necessidade de compensar eventuais custos associados manuteno dos servios ecossistmicos a nivel de bacia hidrogrfica. Neste sentido, os conceitos PPP e PSE so potencialmente complementares e no antagnicos. Por exemplo, est em curso no Brasil a implantao do mecanismo produtor de gua, em que proprietrios rurais que adotem prticas conservacionistas so remunerados atravs de recursos em parte arrecadados atravs do sistema de cobrana pelo uso da gua (Chaves, et al., s.d.). As experincias de cobrana pelo uso da gua em quatro pases europeus - Frana, Alemanha, Holanda e Inglaterra e Pas de Gales revelam um potente instrumento para arrecadao de recursos. As cobranas efetivadas so diferenciadas para usurios industriais e domsticos, e pela captao e uso para receber esgotos. H adicionalmente cobrana por volume de poluentes emitidos, incluindo metais pesados, altamente taxados nos paises estudados. O reinvestimento destes recursos no controle da poluio hdrica, atravs de crditos subsidiados disponveis tanto para o setor privado, como para entidades pblicas de saneamento, se mostrou como um fator de estmulo para adoo de medidas de controle da poluio. A recente e incipiente experincia brasileira, analisada atravs da proposta de cobrana para o Estado de So Paulo e da cobrana implantada no estado do Cear e na Bacia do Paraba do Sul, indica que a cobrana ainda estabelecida em nveis baixos em relao aos custos de reduo do uso. Entretanto, tem ocorrido, de fato, uma induo a um uso mais racional e sustentvel dos recursos hdricos, demonstrando a eficincia econmica do instrumento. A lei 9.433 de 1997 introduziu a cobrana pelo uso da gua como um instrumento de gesto e como um instrumento econmico. Como instrumento de gesto, a cobrana deve alavancar recursos para financiamento da implantao do sistema de gesto de recursos hdricos e das aes definidas pelos planos de bacia hidrogrfica, ou seja, deve ser um instrumento arrecadador. Como instrumento econmico, a cobrana deve sinalizar corretamente para a sociedade o uso dos recursos hdricos de forma racional atendendo aos princpios do desenvolvimento sustentvel.

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A dominialidade da gua estabelece o nvel governamental em que a responsabilidade de gesto definida. Cursos de gua que atravessam fronteiras estaduais so por definio sob domnio da Unio. Como veremos adiante, o mesmo critrio aplica-se para terras no interno de UCs federais. As guas que nascem e desembocam dentro dos estados so definidos como do domnio destes. As experincias de cobrana pelo uso da gua no Brasil so ainda bastante restritas. A primeira bacia federal onde se iniciou a cobrana foi a Bacia do Rio Paraba do Sul, em 2003, seguido, em dezembro de 2005, com as guas de domnio da Unio da Bacia do Piracicaba, Capivari e Jundia. Para as guas de domnio dos estados, o pioneiro foi o Estado do Cear que implantou a cobrana em 1996. O Estado do Rio de Janeiro implantou inicialmente a cobrana apenas para as guas fluminenses da bacia do Paraba do Sul, iniciada em 2004, e, com a aprovao da Lei estadual 4247/03, estendeu a cobrana para as demais bacias fluminenses. No Estado de So Paulo, o projeto de lei de cobrana foi finalmente aprovado em 2005, mas depende ainda de regulamentao para se efetivar. O Estado do Paran aprovou a cobrana, mas ainda no iniciou a sua efetivao. Ocorre no pas uma diversidade de problemas e conflitos quanto ao uso dos recursos hdricos. Isto obriga a que a aplicao da cobrana ocorra de forma flexvel, de modo a sinalizar corretamente o uso racional e sustentvel destes recursos, nos diferentes cenrios. Em suma, a cobrana pelo uso da gua o instrumento econmico que melhor se adequa s particularidades da gesto de recursos hdricos de uma bacia hidrogrfica, fato atestado por sua adoo como unidade de gesto na Frana e na Holanda. O pagamento para servios ecossistmicos, incorporando atributos de usos do solo que contribuem benefcios jusante, ainda de aplicao limitada, devido aos mercados incipientes, custos de transao e dificuldades de monitoramento dos benefcios que relacionam os servios gerados aos ecossistemas conservados ou recuperados. Reconhece-se, no entanto, que a cobrana de gua no Brasil igualmente incipiente, fazendo com que os instrumentos de planejamento, outorga, cobrana e aplicao dos recursos arrecadados possam evoluir em conjunto.

3. Base legal e conceitual para a cobrana pelo uso da gua em UCs A base legal para a cobrana ou contribuio financeira pelo uso da gua em Unidades de Conservao (UCs) dada por duas legislaes: a Lei das guas (Lei Federal 9433/97) e a Lei do SNUC (Lei Federal 9.985 de 2000). A cada lei correspondem noes jurdicas e conceitos distintos que afetam a aplicao dos princpios de cobrana e contribuio antes expostos. A Lei das guas introduziu a cobrana pelo uso da gua em seu Art. 20: Sero cobrados os usos de recursos hdricos sujeitos a outorga, nos termos do art. 12 desta Lei 3.

Usos outorgveis: captao de gua, lanamento de efluentes, gerao de energia, demais usos que alterem a quantidade ou a qualidade dos recursos hdricos.

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Esta cobrana aplica-se a qualquer bacia hidrogrfica. Em funo da dupla dominialidade dos corpos hdricos domnio da Unio ou domnio estadual - aplicamse, tambm, as Leis Estaduais de guas correspondentes.4 A Lei do SNUC prev alguns meios de arrecadao financeira com o objetivo de contribuir sustentabilidade das unidades de conservao. Com relao, especificamente, aos recursos hdricos, os artigos 47 e 48 determinam que: Art. 47. O rgo ou empresa, pblico ou privado, responsvel pelo abastecimento de gua ou que faa uso de recursos hdricos, beneficirio da proteo proporcionada por uma unidade de conservao, deve contribuir financeiramente para a proteo e implementao da unidade, de acordo com o disposto em regulamentao especfica. Art. 48. O rgo ou empresa, pblico ou privado, responsvel pela gerao e distribuio de energia eltrica, beneficirio da proteo oferecida por uma unidade de conservao, deve contribuir financeiramente para a proteo e implementao da unidade, de acordo com o disposto em regulamentao especfica. Cabe enfatizar que os dispositivos que regulamentam o SNUC, homologados pelo Decreto 4.340 de 2002, no contemplaram o detalhamento dos Arts. 47 ou 48, ao qual este trabalho espera contribuir. A aplicao de ambas as leis 9433/97 e 9985/00 implica em implantao prvia de sistemas de gesto distintos, alm de regulamentaes complementares que sero discutidas a seguir. a. Cobrana pelo uso da gua com base na Lei do SNUC A Lei do SNUC e o Decreto No. 4340/02 que a regulamentou dispem sobre o arranjo institucional para a gesto das UCs e sobre os instrumentos de gesto. O arranjo institucional conformado pelo Conselho Gestor (Capitulo V do Decreto No. 4340/02) e por uma entidade executiva, seja o prprio rgo gestor ou o mesmo com delegao parcial ou plena a uma OSCIP, encarregada da gesto compartilhada (Capitulo VI do Decreto No. 4340/02). Como principal instrumento de gesto cabe destacar o Plano de Manejo que definir as diretrizes para os usos dos recursos naturais e a implantao de estruturas fsicas com este fim ou necessrias gesto da unidade de conservao. O Plano de Manejo, documento tcnico que rege a vida das unidades de conservao, condio necessria, ainda mais rigorosa nas unidades de proteo integral, para o exerccio de qualquer atividade nas unidades de conservao.5 A partir desta definio, considera-se que o Plano de Manejo seja o instrumento mais apropriado para definir as diretrizes paraA existncia de sistema de cobrana estadual em exerccio excepcionalmente no estado do Rio de Janeiro, levou a equipe a examinar a sua aplicabilidade ao caso da gesto da gua no Parque Nacional de Tijuca (PNT). No entanto, devido ao interesse em contribuir definio da regulamentao do uso de gua em UCs no pas inteiro, este estudo focou a sua ateno na compatibilizao da Lei das guas e o SNUC, de forma geral. 5 Daniela Albuquerque, neste volume.4

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aplicao de pagamentos pelos servios ecossistmicos proporcionados pela UC (valores, metodologias de cobrana, aplicao dos recursos arrecadados), embora esta atribuio no seja especificada na Lei do SNUC. As compensaes financeiras pelos usos dos recursos naturais das UCs tambm podem ser consideradas instrumentos de gesto medida que podem gerar recursos financeiros para implementao de aes previstas nos Planos de Manejo provendo a sustentabilidade para as unidades de conservao. A Lei trata, especificamente, da contribuio financeira para o uso da gua em UCs, mas no esclarece como a estrutura institucional de gesto territorial regido pelo SNUC absorveria a cobrana de gua, no explicitamente regulamentado em lei. b. Cobrana pelo uso da gua com base na Lei das guas Partimos da premissa que a dominialidade dos corpos hdricos no interior das unidades de conservao federais da Unio.6 Neste caso, seria competncia da Agncia Nacional de guas ANA a aplicao dos instrumentos de outorga e de cobrana pelo uso da gua, no interior das unidades de conservao federais. De acordo com o disposto na Lei Federal n 9.433/97, que instituiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos (PNRH), para aplicao da cobrana pelo uso da gua em uma bacia hidrogrfica faz-se necessria a prvia constituio do Comit de Bacia Hidrogrfica, a criao da respectiva Agncia de Bacia Hidrogrfica e a elaborao e aprovao do Plano de Bacia Hidrogrfica. Alm da aprovao pelo comit, a cobrana em bacia de rios de domnio da Unio exige a aprovao pelo Conselho Nacional de Recursos Hdricos. A cobrana prevista pela Lei 9.433/97 no respalda aplicao especfica a Unidades de Conservao federais. As UCs podero se beneficiar dela apenas no contexto geral da bacia hidrogrfica na qual estejam inseridas. A implantao da cobrana pelo uso da gua na UC depender da implantao do sistema de gesto em tais bacias. A situao torna-se particularmente mais complexa quando a UC federal est inserida em uma bacia conformada por corpos hdricos de domnio, majoritariamente, estaduais. Neste caso, ou se caracteriza a bacia como federal, com toda a complexidade que isto acarreta, ou a gesto dos corpos hdricos na UC delegada ao rgo gestor estadual. Na segunda hiptese estar-se-ia estadualizando, por um lado, a bacia como um todo, mas por outro, apenas um dos servios ecossistmicos proporcionados pelas UCs. Ambas alternativas no apresentam total aderncia aos objetivos da Lei 9985/00 ao estabelecer as compensaes pelos servios ecossistmicos proporcionados pelas UCs. 7

Inteligncia do art. 20, III da CF/88. Uma opo cogitada pelo estudo foi de criar um Comit de Bacia, Agncia de Bacia e Plano de Gesto de Recursos Hdricos especificamente responsvel pela gesto das guas pertencentes UC federal, nos casos em que a UC inserida totalmente em bacia hidrogrfica estadual. Evidentemente esta soluo iria implicar num custo adicional e duplicativo aos esforos estaduais, e no seria desejvel na maioria dos casos.7

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4. Valorao e metodologia de cobrana pelo uso da gua em UCs a) Metodologia de cobrana para usurios diretos e indiretos O conceito protetor-recebedor definido nos Art. 47 e 48 da Lei do SNUC mais amplo que o conceito usurio-pagador definido pela Lei das guas. Enquanto este ltimo atinge apenas os usurios/beneficirios diretos dos recursos hdricos, o primeiro atinge tanto os usurios/beneficirios diretos, quanto os indiretos. Nesta conceituao classificam-se como usurios diretos aqueles cujo uso se d dentro dos limites geogrficos das UCs, seja captando gua, diluindo efluentes ou fazendo outros usos considerados outorgveis. J os usurios indiretos so aqueles cujos usos se do fora dos limites geogrficos das UCs, mas o uso se d em corpos hdricos que, por estarem na mesma bacia das UCs, de alguma forma se beneficiam da proteo dada por essas. No caso, o usurio indireto se situaria num trecho de um corpo hdrico sempre a jusante de uma UC. Em geral, o usurio situado a montante de uma UC no se beneficia, ainda que indiretamente, da proteo dada pela unidade. Na regulamentao dos Artigos 47 e 48 da Lei do SNUC se faz necessrio uma diferenciao entre estes dois tipos de usos. Enquanto a contribuio financeira dos usurios diretos encontra respaldo tanto na Lei do SNUC quanto na Lei das guas, a contribuio financeira dos usurios indiretos s respaldada pela primeira. A fixao de valores e metodologia de cobrana no caso do uso direto j vem sendo praticada em vrios pases e tambm no Brasil8 (Bacia do Paraba do Sul, Estados do Cear e Rio de Janeiro), o que facilita sobremaneira a tarefa de regulament-la. Esta cobrana feita com base no tipo de uso e do setor usurio e leva em conta o impacto do uso sobre os recursos hdricos. O usurio a percebe como uma cobrana sobre um insumo do seu processo produtivo (volume de gua captado, consumido ou turbinado9 num intervalo de tempo ms ou ano) ou como uma taxa pelo uso do meio ambiente (descartar efluentes no corpo hdrico, por exemplo). Os juristas que tratam do tema definem esta cobrana como preo pblico. A cobrana dos usurios indiretos dependeria de uma avaliao dos benefcios gerados para os corpos hdricos pela proteo proporcionada pela respectiva UC e da avaliao da parcela destes benefcios apropriados pelos diferentes usurios e seus respectivos usos. A tarefa de valorar estes benefcios tende a ser extremamente complexa face natureza dos servios ecossistmicos prestados pelas UCs e seus reflexos sobre a quantidade e qualidade da gua nos corpos hdricos a jusante. Como foi abordado acima com referncia aos esquemas PSE, essencial estabelecer claramente para os beneficirios o vinculo entre o uso do solo conservacionista e o servio que est sendo demandado como fundamento para o pagamento. Ainda que, de forma qualitativa, se possa intuir estes benefcios, quantific-los e, mais ainda, valorlos tende a produzir resultados extremamente imprecisos e sujeitos a disputa. Este aspecto contraria uma das principais atributos que deve apresentar um instrumento econmico quando aplicado na gesto ambiental: sua aceitabilidade. O instrumento econmico, no caso a cobrana pelo uso indireto, quando estabelecido com bases

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Ver detalhamento destas experincias por Marilene Ramos, no captulo 2 deste volume. gua usada na gerao de energia hidroeltrica.

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tericas imprecisas e pouco claras tende a ser questionado ou at rejeitado por aqueles que devem pagar. H pouca experincia no Brasil de avaliao dos benefcios econmicos gerados a jusante de UCs, para aqueles que usufruem da proteo proporcionada ao manancial para a proviso de gua, de forma indireta. Num estudo recente, focado na bacia do Guapiau-Macac e seus afluentes, a jusante do Parque Estadual dos Trs Picos no Rio de Janeiro, sugeriu-se o pagamento pelos usurios de gua de uma sobretaxa, com o intuito de recuperar os custos da proteo aos recursos hdricos fornecidos pelo Parque. Um dos principais variveis estimados foi justamente a proporo da gua utilizada por cada usurio pela qual a proteo do parque corresponde, diferenciado por tipo de usurio de gua, seja da superfcie ou do subsolo. As propores estimadas variavam entre 50 e 100% por estes usurios indiretos (Strobel et al, 2006). As dificuldades do clculo para cada tipo de usurio em cada sub-bacia indicam que esta estimativa pode ser bastante onerosa para a entidade gestora poder discriminar e cobrar aos usurios por este benefcio. Desta forma, considera-se prudente que, pelo menos numa fase inicial a contribuio financeira dos beneficirios indiretos seja feita de forma simplificada. A metodologia proposta constitui na quantificao dos benefcios diretos, num primeiro momento. Na medida em que os conhecimentos avanam, os benefcios indiretos poderiam ser avolumados aos recursos financeiros contribudos pela gesto de gua na UC. Estes poderiam ser atrelados s mesmas caractersticas qualitativas associadas ao uso direto (volume, qualidade, regularidade, por exemplo), na medida em que estes atributos da gua possam ser identificados como dependentes proporcionalmente proteo do manancial exercida pela UC. 10 b) Benefciarios e usos da gua na valorao da cobrana Quanto aos valores a serem fixados para a contribuio financeira para o uso da gua em UCs, estes devero considerar a qualidade da gua captada e a proximidade com centros consumidores. A princpio considera-se que estes valores devero ser no mnimo similares cobrana por captao e consumo que vm sendo aplicados no Brasil (Bacia do Paraba do Sul, Estado do Rio de Janeiro, Estado do Cear). O valor a ser cobrado dever considerar que a gua captada no retorna ao corpo hdrico dentro dos limites das UCs (uso totalmente consuntivo) e incidir sobre o consumo medido ou estimado. Cabe considerar que, em corpos de gua pertencentes s UCs, no somente os usos consuntivos humanos devem ser priorizados. Os ecossistemas protegidos possuem sua prpria demanda para gua que assegure a manuteno dos servios gerados. Uma anlise da demanda ecossistmica de gua pertinente s consideraes sobre a outorga, elaboradas em mais detalhe a seguir. A gua canalizada diretamente rede local para uso de populaes vizinhas, como o caso no PNT, representa um tipo de demanda, enquanto a proviso de benefcios de lazer, de proteo biodiversidade e beleza cnica, implica em outras demandas

Ver captulo 3, de Leonardo Geluda, referente definio de uma composio de frmula de cobrana baseado em atributos da gua.

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supridas pelos mesmos ecossistemas, ao qual a gua contribua parcela importante. 11 A contribuio da gua fluvial cristalina s atividades de lazer e apreciao da natureza implica num benefcio do seu uso no consuntivo, que merece ser integrado s consideraes sobre a valorao e a priorizao de usos alternativos. A valorao para compensao dos demais benefcios oriundos de servios ambientais gerados pelos ecossistemas protegidas pelas UCs, pode ser agregado ao sistema de contribuio financeira a ser elaborado, na medida que for possvel estim-los e identificar os beneficirios diretos e indiretos destes. Outro aspecto analisado pela equipe diz respeito ao uso informal de gua por populaes de entorno de UCs para finalidades domsticas12. Os trabalhos junto s comunidades revelam que existe uma srie de instrumentos socialmente adaptados para a captao, distribuio e cobrana da manuteno dos servios de gua informais. A anlise destes benefcios13 no prev sua utilizao com a finalidade de instituir uma cobrana aos usurios, e sim um entendimento dos processos de valorao de servios ambientais essenciais para o bem estar de populaes de baixa renda. Embora a captao informal no interfira com a prestao dos demais servios de forma significativa, a emisso de efluentes por parte de alguns usurios tais como concesses que funcionam dentro de UCs, limita os usos previstos (p.e., bicas de gua potvel). Para assegurar a coerncia com a proposta de gesto participativa de uso de gua em UCs, deve-se contemplar tanto usos consuntivos humanos como ecossistmicos, e a necessidade de incentivar os usurios informais a reconhecer os usos conflitantes onde estes existam. 5. Compatibilizao da gesto da gua pela Lei do SNUC e pela Lei das guas Considerando-se que as UCs constituem-se em unidades de gesto de recursos naturais com caractersticas diferenciadas das bacias hidrogrficas em geral prope-se que se encaminhe regulamentao especfica para gesto de guas nestas unidades no contexto da gesto dos recursos naturais e servios ecossistmicos proporcionados pelas UCs. Neste caso, a regulamentao da cobrana pelo uso da gua prevista pela Lei 9433/97 dever ser feita no contexto geral da regulamentao do Art. 47 e 48 da Lei 9985/00. Uma deliberao do CNRH poder reconhecer as especificidades da gesto dos recursos naturais nas UCs, entre eles, a gua, e aceitar que o instrumento da lei que regulamente o Art. 47, regulamente tambm a cobrana pelo uso da gua nas UCs sem que se necessite obedecer todos os trmites previstos pela Lei 9433/97. Outro aspecto a se atentar na regulamentao dos artigos 47 e 48 da Lei do SNUC a definio do arranjo institucional para implementao e gesto dos recursos arrecadados com a contribuio financeira. A Lei das guas ao instituir a cobrana, instituiu, tambm, todo o arranjo institucional responsvel pela definio dos valores a seremOs principais motivos de visitao ao Parque incluem: atividade fsica, contemplao, descanso e reflexo, churrascos e piqueniques, turismo, esportes radicais e educao ambiental (Freitas et al., 2000). 12 Trabalhos realizados em estreita colaborao com as demais linhas do projeto gua em Unidade de Conservao, particularmente aquelas responsveis por atividades de Educao Ambiental. 13 Ver o captulo 3, de Leonardo Geluda, para uma anlise dos usos informais da gua por comunidades do entorno do PNT.11

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cobrados e por sua arrecadao e aplicao. A Lei do SNUC no define estas atribuies; no h definio de responsabilidade institucional pelo recolhimento, nem responsabilidade definida com respeito do sistema de gesto de recursos hdricos que original em UCs. Para isso, prope-se estabelecer uma equivalncia entre o sistema de gesto da UCs e o sistema de gesto das bacias hidrogrficas, considerando-se o arranjo institucional e os instrumentos de gesto. Neste caso o Conselho Gestor poderia receber as atribuies do Comit de Bacia e o Plano de Manejo contemplaria as disposies relativas ao Plano de Recursos Hdricos. Outro fator complicador para regulamentar a contribuio financeira dos beneficirios da UCs seria a eventual duplicao da cobrana incidente sobre o mesmo fato gerador, no caso, o uso da gua. razovel supor que, nas bacias onde se inserem as UCs, ser implantada a cobrana pelo uso da gua baseada na Lei 9433/97 (corpos hdricos de domnio da Unio) ou nas leis estaduais respectivas (corpos hdricos de domnio estadual). Caso no haja regulamentao que impea, a cobrana incidir sobre todos os usos localizados na bacia inclusive aqueles situados dentro dos limites geogrficos da UC. Para evitar uma dupla cobrana, a regulamentao da contribuio financeira deve prever a no aplicao da cobrana pelo uso da gua aos beneficirios diretos da proteo proporcionada pela UCs. Para se evitar a dupla cobrana e permitir a aplicao do conceito protetor-recebedor previsto na Lei do SNUC, a proposta compatibilizar a cobrana pelo uso da gua prevista na Lei 9433/97 e a contribuio financeira prevista nos Artigos 47 e 48. A seguir sero discutidos alguns aspectos desta compatibilizao. a) Proposta de arranjo institucional Na regulamentao dos artigos 47 e 48 da Lei do SNUC imprescindvel se atentar para a definio do arranjo institucional para aprovao, implementao e gesto dos recursos arrecadados, a exemplo do que j existe para a cobrana pelo uso da gua no mbito da Lei 4247 e suas regulamentaes. Na modelagem do arranjo institucional devero ser abordados os seguintes temas: Definio da unidade de gerenciamento de recursos hdricos; Quais so os usos cobrveis; Quem define metodologia e valores para a cobrana; Quem faz a cobrana, para onde vo os recursos; Quem define aplicao dos valores arrecadados; Quem aplica os recursos.

No nvel federal, o sistema de gesto institudo pela Lei das guas contempla os comits de bacia (parlamento da bacia), as agncias de guas (brao executivo do comit) e o Conselho Nacional de Recursos Hdricos (instncia deliberativa mxima do sistema). Alm disso, tem-se o Ministrio do Meio Ambiente como formulador das polticas de gesto e a Secretaria de Recursos Hdricos como Secretaria Executiva do CNRH. A Lei 9984/00 instituiu a Agncia Nacional de guas, como rgo gestor de

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recursos hdricos encarregado da Gerenciamento de Recursos Hdricos.

implementao

do

Sistema

Nacional

de

Existem diversos comits de bacia instalados e em funcionamento no pas e o CNRH tambm est instalado e se rene regularmente. Entretanto, as agncias de bacia ainda no foram regulamentadas de forma definitiva. A gesto de recursos oriundos da cobrana de gua tem sido delegado pelo CNRH a entidades sem fins lucrativos para exercer funes de competncia das Agncias de gua, de forma provisria. Em bacias que contenham guas de domnio da Unio, a cobrana instituda a partir de proposta aprovada pelo Comit de Bacia e referendada pelo CNRH. O Comit de Bacia conta com a participao do poder pblico ( 40%), usurios ( 40%) e sociedade civil ( 20%). A aprovao da cobrana pelo uso da gua pressupe a existncia de Plano de Bacia aprovado pelo comit. Estes dispositivos procuram garantir que a implantao da cobrana no seja feita sem a participao dos usurios, sobre quem recair, e sem a definio prvia da sua aplicao, aspecto contemplado no Plano de Bacia. Alm disso, por fora do disposto na Lei 9984/00, nos corpos hdricos de domnio da Unio, a cobrana aprovada implementada pela ANA, sendo os recursos recolhidos ao Tesouro Federal. Pela Lei Oramentria de 2005 (LOA), os recursos da cobrana pelo uso da gua arrecadados foram classificados em fonte especfica - Fonte 116 da LOA. A arrecadao feita pela ANA, porm a Lei 10881/04 instituiu o Contrato de Gesto, instrumento atravs do qual os recursos da cobrana pelo uso da gua so repassados para a entidade delegatria das funes de agncia de bacia. A Lei 10881/04 retirou ainda a discricionariedade da aplicao dos recursos da cobrana pelo uso da gua ao assegurar s entidades delegatrias o repasse dos recursos da cobrana14 gerados na(s) bacia(s) respectiva(s) (Art. 4o 1o). Esta lei tambm excepcionalizou a cobrana pelo uso da gua da limitao de empenho (contingenciamento). Do acima exposto verifica-se que a cobrana pelo uso da gua um instrumento de gesto que encontra plenas condies de aplicao no pas no caso dos recursos hdricos de domnio da Unio. O arranjo institucional para aprovao, implementao e aplicao dos recursos arrecadados encontra-se definido e em operao. A proposta de regulamentao aqui apresentada prope compatibilizar a contribuio financeira prevista nos Art. 47 e 48 e o arranjo institucional da Lei do SNUC com a cobrana pelo uso da gua e o respectivo arranjo institucional previstos pela Lei 9433/97. Neste primeira formulao, refere-se exclusivamente ao contexto de UCs de domnio federal, sob a gesto do IBAMA, prevendo com isso estabelecer o fundamento para uma gesto de recursos hdricos nas UCs estaduais e municipais. O quadro a seguir sintetiza a equiparao das entidades e instrumentos proposta entre os dois sistemas.

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Excetuando-se a cobrana pelo uso da gua do setor eltrico instituda pela Lei 9984/05.

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Arranjo Institucional/ Instrumentos de Gesto 1. Unidade de gerenciamento de recursos hdricos 2. Ente deliberativo 3. Ente Executivo

SNGRH

SNUC

Bacia Hidrogrfica

Unidade de Conservao Conselho Gestor * rgo Tutelar/ IBAMA Plano de Manejo Contribuio Financeira

Comit de Bacia Agncia de Bacia Plano de Bacia Cobrana pelo Uso da gua

4. Instrumentos de Gesto

* Obs. em UCs de uso indireto, a funo do Conselho Gestor somente consultivo.

Para viabilizao da proposta necessrio definir as UCs como unidades de gerenciamento de recursos hdricos equiparadas s regies hidrogrficas previstas pela Lei 9433/97. Desta forma, dadas s suas especificidades, ainda que as UCs estejam inseridas numa bacia, o gerenciamento guardaria certa autonomia em relao ao sistema de gesto implantado na bacia. Apesar disto, o texto legal dever resguardar a obrigatoriedade de se observar o princpio da gesto integrada. Tendo em vista que o SNUC j conta com o Conselho Gestor como ente consultivo, do sistema, considera-se que este poderia ser reformulado de forma a assumir o papel de controle social e participativo dos atores beneficirios dos servios ecossistmicos prestados pelas UCs, se no todas as funes previstas para o Comit de Bacia. Da mesma forma, o rgo Tutelar, e na ausncia deste, a prpria unidade do IBAMA, assumiria as funes da Agncia de Bacia. Com isso se evitaria a duplicao de entes e a sobreposio de funes que poderia ocorrer com a aplicao em separado dos dispositivos previstos nas duas leis. Na reformulao do Conselho Gestor dever se atentar para a participao dos usurios de forma a se garantir que tomem parte ativa nas decises principalmente aquelas relativas disponibilidade hdrica e cobrana pelo uso da gua.15 Quanto aos instrumentos de gesto previstos pela Lei 9433/97, tem-se a equiparao do Plano de Bacia com o Plano de Manejo e da Contribuio Financeira com a Cobrana pelo Uso da gua. Os demais instrumentos previstos na Gesto de Recursos Hdricos: outorga, enquadramento e sistema de informaes se aplicam integralmente s UCs, da mesma forma que se aplicam s bacias em geral.16 Cabe ressaltar que nas UCs federais,

Ver o captulo de Ana Lcia Camphora sobre a institucionalidade de gesto de gua em UCs. Ver o captulo de Monica da Hora, para um detalhamento destas funes e sua aplicabilidade ao caso do PNT.16

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a responsabilidade da outorga de direito de uso da gua da ANA, podendo ser delegado ao Ibama ou rgo Tutelar, onde este existe. b) Propostas de regulamentao dos Artigos 47 e 48 da Lei do SNUC A partir dos resultados dos estudos e de discusses empreendidas pelo projeto em reunies com o IBAMA, a CEDAE (usurio formal da gua do PNT) e a Agncia Nacional de guas foram formuladas trs minutas de regulamentao dos artigos 47 e 48 da Lei do SNUC com a instituio da contribuio financeira pelo uso de recursos hdricos em Unidades de Conservao federais.17 As duas verses iniciais de minuta de norma legal buscam compatibilizar a cobrana pelo uso da gua prevista na Lei 9433/97 e aquela prevista nos Artigos 47 e 48. Num segundo momento, fundamentado na interlocuo com os rgos federais, partiu-se para uma terceira verso, que busca equacionar a contribuio pela gua compensao ambiental instituda pelo Art. 36 do prprio SNUC. Procurou-se nestas minutas definir quais instituies/organismos de gesto ficaro responsveis por definir os aspectos envolvidos na implementao, arrecadao e aplicao dos recursos da contribuio financeira. A soluo encaminhada para as UCs federais poder ser adaptada para aplicao s UCs estaduais/municipais. As minutas diferem-se em alguns aspectos, as principais sendo apresentadas na tabela 1.1 a seguir. Na primeira proposta, h uma integrao conceitual da cobrana e contribuio financeira, enquanto na segunda evita-se possveis conflitos com o SNGRH, instituindo a contribuio financeira dos beneficirios diretos da proteo das UCs usurios localizados dentro dos limites das UCs de forma independente da cobrana pelo uso da gua. Na terceira proposta, as contribuies para o uso da gua se referem unicamente recuperao do dano associado com a implantao da infraestrutura de captao, conceitualmente contraditria ao propsito da criao de UC de uso indireto. Nas minutas, embora de forma diferente, evita-se uma dupla cobrana dos usurios cujos usos estejam nos limites das UCs. Na primeira, a entidade gestora da UC arrecada recursos dos usurios diretos de captaes internos dela, e no h superposio de jurisdio com agncia de bacia. Na segunda, so explicitamente isentados os usurios de guas captados do interior de UC cujas contribuies seriam superpostos se houver cobrana pela agncia da bacia. Na terceira, no h superposio, pois as contribuies para uso da gua em UCs so tratadas como independentes da cobrana pelo uso de gua oriundo da gesto de recursos hdricos pela lei 9433. Em todas as verses a contribuio financeira dos beneficirios indiretos instituda com base na cobrana pelo uso da gua nas bacias onde as UCs estiverem inseridas. Prev-se que esta se dar na forma de aplicao na Unidade de Conservao de um percentual da arrecadao da cobrana na bacia na qual a UC estiver inserida. Num primeiro momento, a regulamentao sugere a contribuio baseado na percentual do territrio da bacia ocupado pela UC em questo. Na prtica, a contribuio deve ser negociada entre os agentes interessados, equiparando-se com o instrumento PSE.Ver Anexo I, da elaborao de Marilene Ramos. Persiste ainda uma indefinio sobre a forma jurdica apropriada para regulamentar os artigos citados.17

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Tabela 1.1: Comparao entre opes propostas de regulamentao do Art. 47 do SNUCOpo Regulamentar B Usos diretos: Captao de gua ou geraao de enrgia hidroeltrica dentro de UC ou da sua zona de amortecimento; Usos indiretos: cobrados com base na proporo da rea da UC dentro da bacia Conselho Gestor da UC (usos diretos); Comit de Bacia (usos indiretos) Opo Regulamentar C Usos diretos: Captao de gua ou geraao de enrgia hidroeltrica dentro de UC ou da sua zona de amortecimento; Usos indiretos: cobrados com base na proporo da rea da UC dentro da bacia Conselho Gestor da UC (usos diretos); Comit de Bacia (usos indiretos)

Caractersticas

Opo Regulamentar A

Usos cobrveis/sujeitos a contribuio financeira:

Captao de gua dentro de UC e usos indiretos sujeitos a cobrana pela entidade gestora da bacia na qual esteja inserida

Quem define metodologia e valores para a contribuio financeira / cobrana: Usos diretos: IBAMA atravs de emisso de boletos de cobrana e depsito na conta nica do Tesouro Nacional

Comit de Bacia (outorga e cobrana)

Quem faz a cobrana, e para onde vo os recursos:

Agncia de Bacia

Usos diretos: IBAMA atravs de Termos de Ajuste de Conduta firmados com os usurios

Usos indiretos e cobrana pela gerao de Usos indiretos e cobrana pela gerao energia: ANA / ANEEL transferem recursos de enrgia: ANA / ANEEL transferem da cobrana para o IBAMA recursos da cobrana para o IBAMA

Quem define aplicao dos valores arrecadados:

Conselho Gestor da UC de acordo Conselho Gestor da UC de acordo Conselho Gestor da UC de acordo com Plano com Plano de Manejo aprovado com Plano de Manejo aprovado de Manejo aprovado IBAMA ou rgo Tutelar Usos diretos: Usurios atravs de Termos de Ajuste de Conduta Usos indiretos e cobrana pela gerao de energia: IBAMA ou rgo Tutelar

Quem aplica os recursos:

IBAMA ou rgo Tutelar

Para a contribuio financeira dos geradores de energia hidroeltrica, beneficirios diretos das UCs, prope-se metodologia de clculo similar cobrana do setor hidroeltrico instituda pela Lei 9984/00, ou seja, valor equivalente a 0,75% da energia gerada. Considerando que as UCs so unidades ambientalmente mais frgeis que as bacias hidrogrficas em geral, prope-se ainda que nas UCs todos os usos sejam considerados significantes. Este dispositivo reconhece a importncia para a manuteno dos servios eccossistmicos da gua retida, fazendo com que haja um desincentivo captao incorporado no prprio clculo da cobrana (ver prxima seo). Nos Planos de Manejo das UCs, deve haver uma anlise das exigncias de recursos hdricos necessrios para manter as funes ambientais intactas, limitando assim o volume de gua que deve ser captado das microbacias internas. Este As questes aqui levantadas, bem como as minutas apresentadas devero ser discutidas com a ANA, IBAMA, representantes das Cmaras Tcnicas Institucional e Legal e de Cobrana do CNRH e com o CONAMA, com a finalidade de aprofundar as propostas e avaliar sua exeqibilidade. c. Proposta preliminar de metodologia de clculo da contribuio financeira pelo uso de recursos hdricos em UCs Quanto aos valores a serem fixados para a contribuio financeira para o uso da gua em UCs, estes devero considerar a quantidade e a qualidade da gua captada e a proximidade com centros consumidores. A princpio considera-se que estes valores devero ser no mnimo similares cobrana por captao e consumo que vm sendo aplicados no Brasil (Bacia do Paraba do Sul, Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundia, Estado do Rio de Janeiro, Estado do Cear). O valor a ser cobrado dever considerar que a gua captada no retorna ao corpo hdrico dentro dos limites das UCs (uso totalmente consuntivo) e incidir sobre o consumo medido ou estimado. A seguir apresentada uma proposta preliminar de metodologia de clculo da contribuio financeira pelo uso da gua em UCs para aqueles usurios que se beneficiam diretamente da proteo conferida pelas UCs, ou seja para aqueles usos que se localizam dentro dos limites das UCs. Onde: Contribuio = valor da contribuio anual a ser paga/aplicada pelo usurio (R$/ano) Qcap = volume anual de gua captado pelo usurio (m3/ano) PPUcap = Preo Pblico Unitrio por m3 de gua captada na UC (R$/m3) Kdisp = Coeficiente de disponibilidade definido em funo da relao entre a vazo captada e a disponibilidade hdrica natural do corpo hdrico. Artigo 47: Usurio de abastecimento dgua Contribuio = Qcap x PPUcap x Kdisp x Kclasse

Valores sugeridos Kdisp Qcap / Qdisp Kdisp Qcap 20% Qdisp Qcap 40% Qdisp Qcap > 40% Qdisp 1 1,5 2

Kclasse = Coeficiente de classe que reflete a qualidade da gua captada.

Valores sugeridos Kclasse Enquadramento atual do Kclasse corpo hdrico de captao Especial 2 Classe 1 Classe 2 ou inferior 1,5 1

Onde:

Artigo 48: Usurio de gerao e distribuio de energia eltrica Contribuio = P x EG x TAR Contribuio = valor da contribuio anual a ser paga/aplicada pelo usurio (R$/ano) P = porcentagem de contribuio sobre o valor da energia gerada (%) EG = total anual da energia efetivamente gerada na UC por uma usina, informado pela concessionria (MWh/ano) TAR = Tarifa Atualizada de Referncia, definida anualmente por Resoluo da Agncia Nacional de Energia Eltrica ANEEL (R$/MWh)

Cabe ressaltar que o gerador de energia hidroeltrica j paga a denominada Compensao financeira pelo Uso de Recursos Hdricos instituda pela Lei 9984 por uma metodologia similar a proposta acima sendo que P estabelecido em 0,75%. Esto isentas da CFURH apenas as pequenas centrais hidroeltricas - PCHs com capacidade inferior a 30 MW. Outro aspecto a considerar que j existe manifestao da ANEEL de que qualquer cobrana sobre geradores de energia depende de ato normativo da autoridade federal competente relativa s questes advindas do pagamento pelo uso de recursos hdricos para gerao hidreltrica.

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6. Gesto de recursos hdricos no Parque Nacional de Tijuca (PNT) a) Diagnstico hidrolgico para outorga e enquadramento O PNT estende-se por uma rea de 3.953 ha, abrangendo quatro setores no contguos: Setor A - Floresta da Tijuca; Setor B Corcovado, Sumar, Gvea Pequena e Parque Lage; Setor C Pedra Bonita e Pedra da Gvea; e, Setor D - Serra dos Pretos Forros e Covanca. No PNT predominam as altitudes superiores a 300 m, sendo que, em alguns trechos, os limites atingem a altitude acima de 600 m, prximos aos divisores d'gua. Segundo Francisco (1995), o PNT encontra-se, predominantemente, coberto por florestas, representando cerca de 85% do total de sua rea. Com relao aos recursos hdricos, IBAMA (2001) sugere que as sub-bacias mais relevantes do PNT so aquelas que contribuem para os locais de captao de gua, conforme mostrado na Figura 1.

CIGANOS

#TRS RIOS

Rio Carioca

#PAINEIRAS DOIS MURINHOS

AnilCAIXA VELHA

Mangue Floresta

#

#

Cachoeira-Floresta

# #

# # #LagoaCABEA

#SILVESTRE

AUDE DA SOLIDO

#TAYLOR

Cachoeira-PaineiraCASCATINHA GVEA PEQUENA

# #

Locais de captao de gua Sub-bacias drenantes s captaes

Figura 1 Sub-bacias Drenantes s Captaes de gua Fonte: Adaptado de IBAMA, 2001. O principal usurio de gua no PNT a CEDAE que opera as captaes localizadas no parque. Todas as captaes so significantes, pelo critrio estabelecido pela Lei 4247/03 (usos insignificantes < 0,4 l/s) e esto sujeitas outorga de uso da gua (ver Tabela 1.2, abaixo).

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Tabela 1.2 Captaes da CEDAE inseridas no PNT e no seu Entorno Vazo Captada (l/s) 25,0 Desativada 9,8 5,5

N de Ordem 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Unidade de Tratamento Gvea Pequena Cabea Caixa do Meio Silvestre Taylor Afonso Viseu Aude da Solido Caixa Velha

Captao Rio Moka Rio Cabea Rio Paineiras Rio Paineiras Riacho Taylor Cascatinha

Coordenadas 677.771 7.458.499 682.464 7.459.886 682.899 7.461.483 683.653 7.461.412 676.993 7.459.617 676.732 7.460.059

rea (km2) 1,02 1,72 0,60 1,98 Fora do Limite do PNT 4,22 2,93 1,67 Fora do Limite do PNT 3,40 4,79

5,0 57,0 33,0 9,4 Desativada Desativada Desativada

Dois Murinhos Represa Mayrink 676.671 7.460.287 Rio Solido Rio Maracan 675.453 7.459.761 677.827 7.460.479

Represa Ciganos 674.296 7.463.478 Trs Rios Represa Trs Rios 673.638 7.463.855

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Fonte: da Hora (neste volume) Existem lanamentos de efluentes oriundos de restaurantes e outras edificaes situadas na rea do PNT, tendo sido apontados pelo IBAMA cerca de 10 pontos de lanamento. O volume total de efluentes foi estimado em 0,4 l/s. Por se tratarem de lanamentos muito reduzidos, a princpio, no demandariam outorga. No entanto, limitam certos usos, como a gua potvel, considerado uma das vantagens do PNT.18 Os estudos de balano hdrico dos mananciais do PNT nos locais das captaes da CEDAE foram baseados em critrios que buscaram traduzir aspectos fundamentais relativos s demandas hdricas, s disponibilidades das guas de superfcie e s restries ambientais. Para o clculo do balano hdrico, adotou-se como vazo outorgvel, Q7,10, o valor de 9,3 l/s.km2. Foram desconsideradas as captaes desativadas e aquelas localizadas fora dos limites do parque. Os resultados encontrados esto apresentados na tabela 1.3, abaixo. Os resultados mostraram a ocorrncia de dficits hdricos (saldos negativos destacados em vermelho) no cenrio atual,Anlises da qualidade de gua realizada pela equipe do Laboratrio de Desempenho Analtico (LaDA-IQ/UFRJ), em mais de 30 pontos de amostragem dentro do PNT, indicam a presena de coliformes fecais em quase todos os pontos de captao, alm dos prprios bicos de gua potvel situado dentro do Parque. Em parte, h indcios que estes contaminaes so oriundos de animais silvestres e no de ao antrpica (REF.).18

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para as captaes localizadas nos rios Moka, Paineiras/Caixa do Meio, Cascatinha e Represa Mayrink. O balano hdrico no considerou o aspecto da qualidade da gua e nem previu a reserva de vazes para diluio de efluentes nos corpos hdricos. Os dficits resultantes indicam que houve rompimento da restrio da vazo ecolgica,19 esgotando, portanto, a disponibilidade hdrica para outros usurios e servios ambientais. Ressalta-se que, os resultados obtidos devem ser avaliados com cautela, pois foram oriundos dos dados hidrolgicos disponveis, e sem uma anlise especfica das necessidades ecolgicas. No entanto, estabelece um patamar para definir outorga de uso de gua fundamentada em necessidades tanto da natureza como dos seres humanos, que deve ser aprofundado no diagnstico de disponibilidade hidrolgica e na regulamentao do seu uso em UCs. Tabela 1.3 Balano Hdrico no Local das Captaes Reserva de 50% da Q7,10 para a Vazo Ecolgica Vazo Vazo Vazo Vazo Mxima Captada Ecolgica Disponvel Outorgvel (l/s) (l/s) (l/s) (l/s) 34,5 15,4 23,9 96,2 60,2 24,9 255,1 25,0 9,8 5,5 57,0 33,0 9,4 139,7 17,2 7,7 12,0 48,1 30,1 12,5 127,6 (-7,8) (-2,1) 6,5 (-8,9) (-2,9) 3,1 (-12,1)

N de Ordem 1 3 4 6 7 8

Captao Rio Moka Rio Paineiras Rio Paineiras Cascatinha Represa Mayrink Rio Solido TOTAL

rea (km2) 1,02 0,60 1,98 4,22 2,93 1,67 12,42

Fonte: da Hora, neste volume. b) Simulao de arrecadao da cobrana de gua Para a simulao do valor potencialmente arrecadado pela outorga e uso da gua captado no interior do PNT, adapta-se a frmula utilizada pela CEIVAP para cobrana de gua na bacia do Rio Paraba do Sul. Na situao atual, o usurio de gua na rea do PNT a CEDAE, sendo o uso destinado ao abastecimento pblico. Os usos identificados de diluio de efluentes tendem a ser considerados insignificantes e, portanto, no sujeitos a cobrana. A vazo captada pela CEDAE, de 144,7 l/s, estimado em 4,5 milhes de m3, totalmente consumida, visto que no h nenhum retorno para os corpos hdricos de onde retirada. captao corresponde 100% de consumo e no corresponde nenhum lanamento. Aplicandose a metodologia proposta na seo 5.c., acima, e valor para PPU consistente com aqueles aplicados nas bacias do Paraba do Sul e Piracicaba-Capivari-Jundia de R$ 0,03/m3, chega-se ao seguinte clculo.

Vazo ecolgica: aquela que atende s exigncias da biota enfocada, seja mantendo as condies existentes antes da interveno antrpica, seja para garantir condies estabelecidas, que busquem mitigar os impactos dessa interveno, ANA (2004).

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Vazo total captada 139,7 l/s (Tabela 1.3, acima) (60 x 60 x 24) = 86.400 s/dia x 356 dias/ano = 31.536.000 139,7 l/s x 31.536.000 s/ano / 1.000 l/m3 = 4.405.579 m3/ano = Qcap 4.405.479 x R$ 0,03 x 2 (Qdisp > 40%) x 2 (Kclasse = especial) = R$ 529.669,50 20 Adotando o princpio adotado na Lei das guas, que 10% dos recursos arrecadados devem corresponder s necessidades de pesquisa e monitoramento da entidade gestora dos recursos hdricos, este clculo resultaria num valor disponvel para aplicao na rea do PNT de R$475.802 ao ano. Esta arrecadao ainda que reduzida em relao com o oramento operacional do Parque de aproximadamente R$ 6 milhes/ano, pode ser significativa no apoio s aes de proteo e recuperao dos corpos hdricos das sub-bacias. 7. Governana dos recursos hdricos em unidade de conservao A interface entre a proviso de espaos verdes para atividades e servios urbanos e a conservao integral da biodiversidade do Parque Nacional da Tijuca evidencia contradies e complementariedades. A situao peculiar desta unidade de conservao permite dimensionar os atuais conflitos de uso associados aos recursos hdricos originados nos seus mananciais que refletem toda a gama das atividades e interesses explicitados pelos usurios beneficirios dos servios ambientais oferecidos por reas protegidas. Para compatibilizar a gesto dos recursos hdricos com a efetiva consolidao e manejo de UCs demanda investimentos e habilitao em informao e capacidade de monitoramento. Os mecanismos de governana devem assegurar uma melhor repartio dos benefcios associados aos servios ecossistmicos. Nesse processo, devem ser contrastadas as especificidades legais que orientam a conduo dos espaos democrticos de gesto de competncia deliberativa, conforme diretriz da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, ou consultiva, como instrumento de apoio gesto de unidades de conservao de proteo integral previsto pelo SNUC. O cumprimento de objetivos, condies e mecanismos orientados para a cobrana pelo uso dos recursos hdricos, assim como para a definio de prioridades de aplicao dos recursos provenientes dessa cobrana, expe lacunas tcnicas e vulnerabilidades polticas evidentes. Trata-se, afinal, de um duplo desafio. O primeiro, relacionado srie histrica de conflitos e falta de dilogo entre os rgos ambientais e atores sociais diretamente beneficiados por servios ambientais disponibilizados por unidades de conservao. O outro desafio diz respeito aos conflitos de uso associados disponibilidade hdrica da unidade de conservao que, em maior ou menor escala, envolvem toda a gama das atividades e interesses explicitados pelos usurios. O aprimoramento dos mecanismos de governana do Parque Nacional da Tijuca, no mbito do Projeto gua em Unidade de Conservao, contou com componentes adicionais relacionados ao fortalecimento dessas capacidades institucionais, atravs da reativao ePode ser argumentado que, devido s evidncias da presena de coliformes fecais na gua amostrada no Parque de Tijuca, que no deva ser enquadrada na Classe Especial. Neste caso, o valor a ser arrecadado seria menor. Em princpio, no entanto, as UCs devem proporcionar gua na Classe Especial.20

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ampliao do Conselho Consultivo da unidade como instncia representativa de cooperao e mediao entre os setores pblicos e a sociedade civil. O processo de mobilizao de atores estratgicos para a recomposio do Conselho Consultivo do PNT, sob coordenao do IBASE, foi deflagrado em maio de 2005. As instituies convocadas, cerca de 140, atuaram nos grupos focais e plenrias, conduzidos sob linhas metodolgicas em consonncia com princpios adotados pela Coordenao Geral de Educao Ambiental do IBAMA. Em 14 de agosto de 2006, o Conselho Consultivo do Parque Nacional da Tijuca reuniu-se no auditrio da sede da Superintendncia do IBAMA do Rio de Janeiro, para aprovar sua reestruturao e ampliao. Nessa reunio participaram a Diretora de reas Protegidas da Secretaria de Biodiversidade e Floresta do Ministrio do Meio Ambiente, Iara Vasco, e a representante da Superintendncia do IBAMA do Rio de Janeiro, Izabella Mnica Vieira Teixeira. Cabe observar, que a composio anterior, com apenas duas representaes da sociedade civil, foi ampliada e tornou-se paritria, incorporando representaes comunitrias do entorno da unidade, e assumindo um perfil representativo dos diversos usurios-beneficirios, diretos e indiretos, das guas fornecidas pelos mananciais do Parque Nacional da Tijuca21. O processo de capacitao deste Conselho orienta-se pelo compartilhamento continuado de percepes e experincias, e disponibilidade de informao qualificada para a conduo dos objetivos de gesto participativa. Uma srie de cinco apostilas foi editada pelo IBASE para dar conta de temas estratgicos para o processo. A apostila dedicada ao tema gua: bem pblico em unidade de conservao, enfatizou o contexto de atuao dos distintos agentes sociais na proteo dos recursos hdricos, no atendimento s peculiaridades da gesto de unidades de conservao de proteo integral do PNT, conduzido em paralelo aos comits de bacia. O Plano de Ao do Conselho Consultivo, em fase de elaborao, prev a constituio de cmara tcnica permanente para gesto dos recursos hdricos, a ser instituda pelo regimento interno. As demandas priorizadas, inicialmente, devero atender a uma necessria fundamentao sobre os critrios para aplicao dos recursos advindos da cobrana pelo uso direto dos recursos hdricos do PNT pela CEDAE; a construo de aportes tcnicos, pautados pelo Plano de Manejo da unidade, para tomadas de deciso referentes ao monitoramento e a conflitos de uso no interior da unidade de conservao e no seu entorno. Essas mesmas medidas sero adotadas para indicao de metas de gesto integradas s aes municipais dirigidas zona de amortecimento da unidade.

Instituies pblicas integrantes do Conselho Consultivo so o NUC-IBAMA; a CEDAE; a Secretaria Municipal do Meio Ambiente do Rio de Janeiro SMAC; a Empresa de Turismo do Municpio do Rio de Janeiro RIOTUR; o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro; a Polcia Federal; a Fundao Superintendncia Estadual de Rios e Lagoas SERLA; Parque Estadual da Pedra Branca/IEF; o Laboratrio de Geo-hidroecologia do Dep. de Geografia do Instituto de Geocincias da UFRJ GEOHECO; o Instituto de Patrimnio Histrico e Arquitetnico IPHAN. As instituies da sociedade civil que integram o Conselho so o Instituto de Estudos da Religio ISER; a Associao de Amigos do Parque Nacional da Tijuca; a ESFECO Administrao Ltda.; o Movimento Rocinha Comunidade 21; a Sociedade de Assistncia Social Novo Horizonte (Morro da Formiga); a Associao de Moradores e Amigos da Covanca/Complexo de Jacarepagu; a Federao de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro FEMERJ; a Associao Defensores da Terra; o Instituto Terra Brasil Projetos e Educao Ambiental; o Viva Santa; o Moitar Rdio Grande Tijuca; e o Movimento Inter-Religioso - MIR.

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No sentido de incrementar e agregar competncias e visibilidade sobre a gesto hdrica, os conselhos consultivos contribuem para potencializar a efetividade de seus objetivos e diretrizes. No que concerne s aes fundamentadas no SNUC, espera-se o efetivo partilhamento dos objetivos da Agncia Nacional de guas com a preservao e a restaurao da diversidade dos ecossistemas naturais. 7. Consideraes finais Esta captulo representa uma sntese dos resultados dos estudos realizados pelo projeto gua em Unidade de Conservao visando subsidiar a definio de instrumentos de gesto e cobrana das guas internos do PNT, na esperana de fortalecer a sua sustentabilidade econmica. Os resultados alcanados foram alm da preocupao com o PNT, na percepo que qualquer processo de gesto e cobrana requer a compatibilizao dos dispositivos legais disponveis, no caso, a Leis das guas e a Lei do SNUC. Boa parte do trabalho dos autores enfatizou esta conciliao, atravs de consultas com representantes do MMA, do Ibama e da ANA, na esfera federal, e com as instncias estaduais, particularmente a SERLA e a CEDAE. Como resultado, formulou-se propostas de regulamentao dos Artigos 47 e 48 do SNUC, e mecanismos para sua efetivao no caso especfico do PNT. As questes aqui levantadas, bem como as minutas apresentadas devero ser discutidas com estes agentes, assim como com representantes das Cmaras Tcnicas Institucional e Legal e de Cobrana do CNRH e com o CONAMA, com a finalidade de aprofundar as propostas e avaliar sua exeqibilidade. As informaes e anlises apresentadas demonstram que j existem as bases legais e institucionais para implantao do sistema de gesto integrado e participativo no PNT e na regio hidrogrfica, uma vez constitudos os entes gestores e implantao dos instrumentos previstos em lei, mas ainda no regulamentados. O que falta a homologao de um esquema de contribuio financeira que reconhece o papel das UCs na proviso de gua e demais servios ecossistmicos, e a necessria participao dos beneficirios na sua manuteno ao longo prazo.

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CAPTULO 2. Cobrana pelo Uso da gua, Dispositivos Legais Aplicveis Gesto de gua em UCs e Propostas de Regulamentao dos Artigos 47 e 48 da Lei do SNUCMarilene Ramos dos Santos, FGV/RJ

Apresentao Este captulo apresenta o resumo dos estudos desenvolvidos no mbito do Projeto gua em Unidade de Conservao relativos cobrana pelo uso da gua e as propostas de regulamentao para os artigos 47 e 48 da Lei do SNUC, Lei 9985 de 2000, que trata da contribuio financeira pelo uso de recursos hdricos em unidades de conservao. A anlise da situao da cobrana pelo uso da gua no mundo e no Brasil e dos dispositivos legais aplicveis gesto de gua em UCs embasam a formulao de propostas para regulamentar a contribuio financeira mencionada. A partir dos resultados dos estudos e de discusses empreendidas no Seminrio do projeto e em reunies com o IBAMA e a Agncia Nacional de guas foram formuladas trs minutas de regulamentao dos artigos 47 e 48 da Lei do SNUC com a instituio da contribuio financeira pelo uso de recursos hdricos em Unidades de Conservao apresentadas no Anexo I. A primeira verso equipara a contribuio financeira prevista na Lei 9985 cobrana pelo uso da gua prevista pela Lei 9433. A segunda verso da proposta de regulamentao difere ligeiramente da primeira ao instituir a contribuio financeira de forma similar cobrana pelo uso da gua, porm de forma mais simplificada. A terceira proposta equipara a contribuio financeira compensao ambiental. Estas verses devero ser postas em discusso nos fruns competentes a fim de emergir uma proposta final de regulamentao a ser implementada. No mbito dos estudos foi elaborada ainda uma proposta de aplicao da cobrana pelo uso da gua no Parque Nacional da Tijuca e de arranjo institucional para a gesto da gua compatibilizada com a gesto desta unidade de conservao. As informaes e anlises apresentadas demonstram que j existem as bases legais e institucionais para implantao do sistema de gesto integrado e participativo no ParnaTijuca, com a constituio dos entes gestores e implantao dos instrumentos previstos em lei.

1. Experincia europia e brasileira de cobrana pelo uso da gua Neste estudo foram focalizadas as principais experincias brasileiras de aplicao do instrumento econmico da cobrana pelo uso da gua bruta, e uma anlise comparativa das experincias europias, em termos de metodologia e valores cobrados. A cobrana tanto pode ser aplicada aos usos quantitativos, como qualitativos; tanto em bacias aonde j se caracteriza o dficit hdrico e que carecem de medidas de racionalizao dos usos, como naquelas que

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ainda apresentam disponibilidade hdrica positiva, mas onde necessrio implantar um sistema de gesto de forma a prevenir a degradao. As experincias de cobrana pelo uso da gua em quatro pases europeus - Frana, Alemanha, Holanda e Inglaterra e Pas de Gales revelam um potente instrumento para arrecadao de recursos. O reinvestimento destes recursos no controle da poluio hdrica, atravs de crditos subsidiados disponveis tanto para o setor privado, como para entidades pblicas de saneamento, se mostrou como um fator de estmulo para adoo de medidas de controle da poluio. A recente e incipiente experincia brasileira, analisada atravs da proposta de cobrana para o Estado de So Paulo e da cobrana implantada no estado do Cear e na Bacia do Paraba do Sul, indica que a cobrana ainda estabelecida em nveis baixos em relao aos custos de reduo do uso. Entretanto, tem ocorrido, de fato, uma induo a um uso mais racional e sustentvel dos recursos hdricos, demonstrando a eficincia econmica do instrumento. No mbito internacional, foram selecionados para anlise pases considerados como representativos de diferentes sistemas de gesto de recursos hdricos. Alemanha, Frana, Holanda e Inglaterra e Pas de Gales. Estes pases se diferenciam em funo da aplicao, em maior ou menor intensidade, dos instrumentos de comando e controle e de instrumentos econmicos, pelo nvel de descentralizao da gesto, e tambm pelo tipo de abordagem de controle da poluio das guas (padres de emisso ou objetivos de qualidade ambiental). Os pases analisados foram tomados como representativos das seguintes polticas de cobrana pelo uso da gua: Alemanha: Forte aplicao de instrumentos de comando e controle associados cobrana por captao de gua e por lanamento de poluentes para fins de financiamento do sistema de gesto sem enfoque na arrecadao de recursos para investimentos em intervenes estruturais; relativa descentralizao da gesto em organismos de bacia; Frana: Forte aplicao da cobrana pelo uso da gua e por emisso de poluentes para fins de financiamento do sistema de gesto e das intervenes estruturais de recuperao dos recursos hdricos e do controle da poluio; gesto descentralizada em organismos de bacia; Inglaterra e Pas de Gales: Aplicao da cobrana pelo uso da gua com objetivo exclusivo de financiar o sistema de gesto pblico, gesto de recursos hdricos bastante centralizada; Holanda: Forte aplicao da cobrana pelo uso da gua e por emisso de poluentes com objetivos de financiar o sistema de gesto, as intervenes estruturais de recuperao dos recursos hdricos e do controle da poluio atravs da construo e operao de Estaes de Tratamento; gesto descentralizada em organismos de bacia.

A seguir, detalha-se as experincias nestes quatro pases, seguida com uma comparao com o sistema adotado no Brasil.

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a) Cobrana pelo uso da gua na Alemanha A poltica de gesto e proteo dos recursos hdricos na Alemanha combina instrumentos de comando e controle, onde os estados e o governo federal exercem uma funo reguladora e fiscalizadora extremamente forte, com a aplicao de alguns instrumentos econmicos, notadamente cobrana pela captao de gua superficial e subterrnea e a cobrana pela poluio. A cobrana pelo uso da gua na Alemanha abrange: Cobrana pela captao de guas superficiais e subterrneas, praticada em alguns estados; Cobrana pela poluio instituda pela Lei Federal da Taxa de Esgotos; e Cobrana por tratamento de gua de chuva. Esta ltima modalidade de cobrana no ser objeto de anlise no contexto deste estudo. Cobrana por captao de guas superficiais e subterrneas A cobrana pelo uso da gua, atravs da cobrana por captao, comeou na Alemanha em 1985 e em 1995 j era praticada em 11 estados. Alguns estados impem preos diferenciados para guas superficiais e subterrneas e na maioria deles o preo da gua varia segundo seus usos: abastecimento pblico, centrais eltricas, resfriamento, irrigao, etc. A variao segundo o tipo de uso tende a refletir os diferentes nveis de consumo associados a cada atividade. A captao de guas superficiais para abastecimento domstico ou industrial custa entre 0,02 a 0,05/m3 e para uso na irrigao varia entre 0,01 a 0,015/m3. Alguns estados cobram mais caro pelo uso industrial que domstico, como Badenwrttemberg; outros oneram mais o uso industrial e outros cobram igualmente. A cobrana por captao de guas subterrneas pode chegar a custar 0,50/m3 e tambm varia segundo o uso e alguns estados s cobram por esta fonte. Na maioria dos estados a cobrana pela gua subterrnea bem mais elevada para aplicaes menos nobres como irrigao, resfriamento, etc. No existe variao em funo da localizao da captao ou da sazonalidade. A cobrana feita em funo da vazo outorgada, o que tende a induzir a uma melhor alocao, j que os usurios tendero a solicitar outorga somente para as quantidades que realmente necessitam. Em geral, os valores cobrados so considerados baixos e no esto desenhados especificamente para constiturem-se em fortes incentivos econmicos reduo do uso (BUCKLAND & ZABEL, 1995). Os valores arrecadados so usados para compensar fazendeiros por perdas provocadas pelo no uso de certos pesticidas, redues no uso de fertilizantes e para subsidiar medidas de reduo do uso da gua. Cobrana por poluiao: taxa de esgoto O princpio poluidorpagador na Alemanha aplicado atravs da taxa de esgotos. Esta taxa regulada por lei federal (Abwasserabgabengesetz AbwAG),em vigo