LIVRO DE ARTISTA - UMA POÉTICA DE EXPRESSÕES PLURAIS
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18 Encontr o da Associao Naciona l de Pesquisadores em Art es Plsticas
Transversalidades nas Artes Visuais 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia
LIVRO DE ARTISTA: UMA POTICA DE EXPRESSES PLURAIS
Antonio Carlos de Almeida Portela
Universidade Catlica do SalvadorMuseu de Arte Moderna da Bahia
Resumo: O objeto de reflexo deste artigo o livro de artista Receitas do Papalagui,um dos trabalhos desenvolvidos durante a investigao de mestrado em Artes Visuais,
na linha de pesquisa de processos criativos, cujo tema foi impresses. A poticainstaurada durante as investigaes se deu a partir da palavra impresses e de seussignificados, dos materiais e de suas inter-relaes simblicas, perpassando por umadiversidade de prticas e aes artsticas. A tessitura de suas pginas foi construdapelo constante mudar da idia, resultado do embate de materiais, conceitos emanipulaes artsticas.Palavras-chave: livro de artista, impresses, memria processual.
Abstract: The object of reflection of this article is the artist book Receitas doPapalagui (Recipes of the Papalagui), one of the artworks developed during theMaster in Visual Arts, on the line research of creative processes, which subject wasimpressions. The poetical restored during the investigations was built from the wordimpressions and its meanings, also from the materials and their symbolic inter-relations, dealing with a diversity of practicals and artistic actions. The lines of its pageswere constructed by the constant changing of ideas, resulted from the encounter ofmaterials, concepts and artistic manipulations.Key-words:artist book, impressions, processes memories.
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O objeto de reflexo deste artigo o livro de artista Receitas do Papalagui,
um dos trabalhos desenvolvidos durante as
investigaes de mestrado em Artes
Visuais, na linha de pesquisa de processos
criativos, cujo tema foi impresses. A
potica instaurada durante as investigaes
se deu a partir da palavra impresses e de
seus significados, dos materiais e de suas
inter-relaes simblicas, perpassando por
uma diversidade de prticas e aes
artsticas para possibilitar a compreensodas relaes entre Tradio e
Contemporaneidade.
Figura 01: detalhe do livro fechado
Trata-se aqui de um objeto feito de chapas de ao galvanizado e de
madeira, nas medidas de sessenta centmetros de largura por um metro de
altura. Estas chapas so montadas com bordas de couro, e se fixam com
ilhoses e parafusos, formando um grande livro, em cujas pginas esto
registradas as experincias plurais de arte e de vida.
O objeto se apropriou do carter alegrico de uma escrita que quis falar
por imagens, formando uma trama de conceitos, tcnicas, idias, desejos e
acontecimentos pessoais. A tessitura de suas pginas foi construda pelo
constante mudar da idia e da realidade desta trama. Elas representaram
entrelinhas visuais que no eram ditas, expressamente, mas eram
imaginadas, interpretadas.
Como livro de receitas, este objeto indicava ingredientes e mtodos de
procedimento, apropriando-se de diversas tcnicas de impresso para montar
a memria simblica do devir processual de vida e artstico, com gravuras,
objetos, costuras, arranhuras, transferncias, colagens, revelaes, desenhos
e xerocpias. Mas no afirmava e nem explicava os procedimentos, pelo
contrrio, ele incitava a curiosidade e a constante experimentao, pois o livro
expressava a pluralidade no s do tema impresses, como tambm de idiasque circunstanciaram a caminhada pessoal de artista.
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Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 06
Outro aspecto relevante deste objeto foi a pluralidade das impresses
registradas nas suas pginas. A diversidade abrangeu tcnicas de impresso,
tais como, antropometria, xerocpia (Figura 3), xilogravura, transferncia
(Figura 4), carimbo, costura, oxidao (Figura 2), fotografia (Figura 5), ponta
seca, monotipia (Figura 6), entre outras. Fazendo uso delas, a pesquisa se
intensificou com procedimentos que desafiaram o processo, ora gerando
resultados esperados, ora desapontando expectativas. Foram desafios que
geraram tenses durante a confeco de cada pgina, resultando em imagens
que testemunhavam passagens nicas do processo
criativo, mescladas com memrias de vida.
A pluralidade alcanou nveis terico-prticos
jamais planejados, pois, em cada tentativa de feitura
das pginas, as problemticas conduziam a
reflexes filosficas e procedimentos operatrios
renovadores. Lidar com memrias de vida, e ao
mesmo tempo lidar com os acasos operatrios do
processo (Figura 7), puseram prova a relao
entre o fazer e o pensar, buscando na teoria a
fundamentao dos limites e na prtica artstica a
arte de fazer descobertas.Figura 7: pgina intitulada 3 instncias de insucesso
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Notamos, por exemplo, a carga simblica da pgina em que aparece a
camisola de pago usada no meu batismo (Figura 8), e a foto da minha me
me segurando , vestido com esta mesma roupa; os adornos da pgina, a
naftalina e o invlucro... quo representativa esta imagem e o quanto ela
provocava sensaes, ou melhor, emoes durante a feitura da pgina? Como
ser que estas nuanas se apresentam na obra? Ser que esta carga
simblica foi revelada ao fruidor?Figura 8
Talvez no se tenha uma compreenso
simblica do contexto pessoal do artista, mas tudo
indica que estas imagens levaram o artista e ofruidor a construir novos meios de compreenso
destes smbolos universais, possibilitando o
desdobramento de significados dos elementos de
acordo com o repertrio de cada um.
Neste vis, torna-se pertinente fazer uma
referncia atitude heurstica das impresses,
caracterstica dos trabalhos de Marcel Duchamp,que em Receitas do Papalagui se torna um
mtodo de investigao que associa fatos da vida
a problemas operatrios de procedimentos tcnicos, como tambm define um
mtodo que educa a prpria vontade de apreender fatos especficos da vida e
do processo para compreende-los de maneira mais ampla; as fontes e os
documentos foram pesquisados e impressos num ciclo de invenes, de
descobertas e aproximaes, ora motivadores ora frustrantes; esta impresso
nas chapas galvanizadas acontecia para documentar e para pr prova estas
sensaes.
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A exemplo destas mudanas, observamos nos desenhos do projeto a(s)
mudana(s) ocorrida(s) na elaborao de certas pginas (Figura 8); algumas
foram at descartadas, pois durante a execuo as problemticas tcnicas
impulsionavam para outros caminhos, ocasionando mudanas da forma, dos
materiais, do conceito e do sentimento na feitura destas pginas. Georges
Didi-Huberman cita uma entrevista de Pierre Cabane com Marcel Duchamp
que aponta exatamente para esta problemtica: Qual a gnese cerebral da
obra Gand Verre? pergunta Cabane. E Duchamp responde: No sei (...)
freqentemente so coisas tcnicas 1. Os pequenos problemas tcnicos e os
elementos provocam elaboraes constantes deste devir de sensaes.
Como coloca Didi-Huberman (1997), so incmodos que criamhipteses e deslocam o pensamento para outras reas do conhecimento
(Idem). No caso do livro, o embate se estabeleceu no contato das lembranas
pessoais e das memrias processuais com as tcnicas artsticas, contato este
que direcionou os procedimentos para caminhos inesperados.
Outra caracterstica da pluralidade de idias que compunham as pginas
a pgina no representava em si uma obra j
concluda. s vezes, diante de algumas pginas,vislumbrvamos como uma janela que se abria
para dimenses bem maiores, ou seja, a pgina
no encerrava a obra, ela era um projeto de uma
idia redimensionvel, tanto em tamanho como
em significado.
Mas quem
do livro o fato de que cad
o Papalagui ? Papalagui a
palavra que designa o Branco, o Estrangeironalngua dos samoanos. Traduzida ao p da letra,
significa aquele que furou o cu; o primeiro
missionrio europeu a desembarcar em Samoa
(SCHEURMANN, 2001), pois os nativos da ilha de
Samoa pensavam que as velas brancas dos
barcos furavam o cu. O chefe polinsio Tuivii
visitou a Europa no comeo dos anos vinte e, ao
voltar para seu povo, fez um relato da viagem aoFigura 9: estudos para fabricao das pginas
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mundo dos brancos, com o olhar atento de quem tem outra relao com a
natureza e com o ser humano. Olhar de quem v a ns e a nossa cultura, para
redimensionar a nossa prpria viso sobre ns, revelando-nos, pela sua
simplicidade, o que no somos capazes de perceber de ns mesmos. Em um
de seus relatos descreve como ficou surpreso ao constatar a importncia que
os europeus davam ao livro:
(...) todos os pensamentos[...] so logo inscritos em umasesteiras finas, brancas. Ento, diz o Papalagui que esto impressos,por uma mquina [...] e no uma vez s, em duas, mas muitas vezes,vezes infindveis, que ela escreve sempre os mesmos pensamentos.Depois, comprimem-se muitas esteiras de pensamento em pacotinhos,
chamados livros que so enviados para todas as partes do pas. Todosque absorvem estes pensamentos, num instante contaminam-se. Elesengolem estas esteiras como se fossem bananas doces[...] (Tuivii inScheurmann, p. 91)
Atravs de suas pginas, Receitas do Papalagui exps contedos
despercebidos ou esquecidos, mas que, uma vez potencializados por imagens,
foram revelados para o pblico, o qual, por sua vez, ressignificou estas
imagens. No encontro entre obra e espectador o que valeu foi perceber atravs
da obra e do espectador aquilo que no se via quando a obra fora realizada, e,at mesmo, aquilo que no se percebia na vivncia do cotidiano.
No contexto do objeto-livro, Papalagui uma apropriao conceitual
para confrontar o artista com seu prprio processo, como um personagem
pensador, buscador do saber, que vive pensando, embriagado pelas idias e
pensamentos, esquecendo do mundo sua volta, projetando seus desejos em
pginas plurais de sua prpria existncia. Em outras palavras, o Papalagui
uma autodescoberta, e se insere como prefcio de um documento visual do serque deseja enquanto pensa.
Centraliza-se no Papalagui a persona, o modo pelo qual o artista, com
suas idias, se apresenta ao mundo. Ser Papalagui ter facetas calcadas em
dualidades, ou ...
... Ter o esprito que faz o ser humano pensar...... Tirar saber de tudo o que v...
... Ter pena daqueles que no exercem o saber...... Confundir saber com pensar...
... Ter costume, necessidade, obrigao de pensar...... Trocar o sentir pelo pensar, ou pensar sem sentir...
... Se dividir sempre !
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... Separar as idias do corpo...... Deixar que as idias se devorem umas as outras...
... Achar que a idia to preciosa quanto a flor...... Envelhecer e enfeiar de tanto pensar...
... Ter uma cabea grande ...... Desejar, quando pensa, atingir os poderes secretos do Grande Esprito ...
...Inscrever todos os pensamentos nos livros...... Empacotar os pensamentos em livros...
... Contaminar todos pela absoro de seus pensamentos...... Encher a cabea de saber e ter de pensar...2
Nesta contradio de pensamentos, ser Papalagui abrangeu perfis
diferentes sobre o pensar, encontrando na mdia do livro a materializao de
idias que problematizaram e fomentaram a pesquisa, pois como prope
Scheurmann (2001):
Desamos, por uma s vez, das alturas de nosso esprito at amaneira singela de pensar e de ver deste homem [o chefe Tuivii]dos mares do Sul que, ainda livre do fardo da instruo e aindaprimitivo no modo de sentir e de pensar, nos ajuda a descobrir emque ns perdemos o sentido sagrado do homem, criando, emcompensao, dolos sem vida.
Em termos de conceito, ser que Receitas do Papalagui pode ser vistocomo um objeto artstico independente e autnomo ? Por que usar o livro como
forma de expresso? Esta pergunta surgiram em detrimento dos dados
levantados durante esta fase, encontrando referncias na modalidade do livro
de artista para embasar este contexto.
Adeptos das vanguardas como Lygia Pape, quando em 1959 inicia a
trilogia Livro da Criao/Livro da Arquitetura/Livro do Tempo, e Artur Barrio,
com os CadernosLivros tornam-se referncias importantes nesta pesquisa,
uma vez que estes artistas basearam suas obras na vivncia e na experincia
para configurar uma potica de trnsito da arte vida, ou da vida arte.
Vale ressaltar a aproximao entre Receitas do Papalagui e o trabalho
de Barrio. Este artista cuja particularidade de fazer de seus CadernosLivros o
embrio terico de sua pesquisa, tornando-os espaos de pulso e crueza
donde brotaram idias a serem colocadas em prtica enquanto projetos de
ao (Bouso, 2000, p.14). neste sentido que se traa um paralelo entre os
CadernosLivros e Receitas do Papalagui, pois, em cada pgina de um ou de
outro, a leitura e a interpretao dos textos-visuais se abriram em novas188
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perspectivas, em projetos a serem concretizados em dimenses e espaos
diferentes.
Toma-se tambm Barrio como referncia, quando se registra o contato
sensorial provocado pelo seu Livro de Carne, no no sentido e na fora de
despertar o fruidor para os problemas sociais que alis a tnica de sua
potica mas pela simples sensao do toque, e pelo fato de ele transformar
seus trabalhos em espaos frteis em que o tempo agente de mutao,
transformando a prpria obra(Ibdem).
Receitas do Papalagui tangencia este jogo do tempo pelo manuseio
de suas pginas, retrocedendo-as, despregando-as, e criando um discurso
plurivisual em seqncias espao-temporais para cada fruidor. Mas aparticularidade de Barrio que ele tem conscincia do tempo, pois como diz
Bousso, ele no perde tempo tentando captur-lo; j, em com Receitas do
Papalagui, o passado, o presente e o futuro eram capturados para a
compreenso dos sentidos dos tempos.
Diante de aproximaes e distanciamentos entre estes trabalhos, abre-
se uma nova perspectiva de contemplar o recurso miditico do livro. Como livro
do artista, este objeto representou um exemplar nico, realizado com astcnicas de impresso sobre suportes anlogos s gravuras, como a madeira e
o metal, mas que extrapolou os conceitos de gravura e de livro diante da
finalidade, da apresentao e manuseio.
Recorrendo s referncias da Histria da Arte citadas por Jos Antonio
Antn (2002), sabe-se que, desde Mallarm, o conceito de Livro do Artista
concretiza-se como meio de expresso que propicia a unio entre a pintura, a
escultura, a poesia experimental, as artes aplicadas, e os mais diversosprocedimentos artsticos e elementos plsticos tradicionais ou inovadores.
Diante desta pluralidade, atesta-se o carter interdisciplinar do Livro do
Artista, atravs das suas diversas formas de se expressar por imagens e isto
incluindo a palavra como recurso matrico , trabalhando com as cores, com
as dimenses, com as texturas, com o peso, com a montagem e com o
manuseio, para instaurar uma relao ntima com o fruidor, o qual fora evocado
por valores que estavam alm de sua significao cotidiana.
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Promove-se uma interao entre o leitor e o livro-objeto com
possibilidades tipolgicas formais, conceituais e tcnicas muito
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variadas(Ibden). Fato notrio desta pluralidade a prpria variedade do objeto
enquanto meio de expresso artstica que cria categorias e classificaes como
livro do artista original, livro-objeto, livro- montagem e livro reciclado, livro de
exemplar nico segundo seu contedo, pelo movimento ao qual pertence,
pelo destino para o qual est sendo confeccionado, pelos materiais
empregados, entre outros , e livros seriados.
Neste vis, Receitas do Papalagui foi um exemplar nico que no
manteve e nem negou a estrutura tradicional e formal de um livro, mas se
realizou em sua tridimensionalidade, se situando no espao para atuar com
este, condicionando o espectador a uma relao com o objeto e seu entorno.
Promoveu-se um encontro no qual o leitor descobria os significados dos textos-visuais, dando-lhes novas formas e sentidos, pois, como diz Antn:
A experincia com todas estas combinaesproporciona um sentido ldico e participativos da obra,haja visto que o livro do artista pode ser visto, tocado,pressentido, manipulado e sentido.
Mas ser que este objeto extrapolou o conceito tradicional de livro pelo
seu formato e dimenso, ou por ser um meio desprovido de regras semnticas,
ou ainda por potencializar e questionar o livro como objeto de culto e de peso
deveras de peso, pois o manuseio das pginas deve respeitar o peso do
material, adicionado ao peso da carga simblica contida em cada pgina ?
Se estas perguntas no obtiveram respostas de imediato, vale a
experincia do manuseio das pginas para sentir as sensaes que o contato
com este objeto proporcionou. Uma manobra sensorial, cujo intuito se
aproximou daquele dos artistas neo-concretos produziram de propiciar aexperincia da integrao homem/mundo, estimulando a participao do
pblico na obra de arte3.
Levou-se em considerao, e louvor, os pensamentos de Lygia Clark
sobre as questes fenomenolgicas da relao entre o ver, o pensar e o sentir
em uma operao que se origina no ntimo do artista e se expande nas
mltiplas relaes com o observador4.
Ao longo da exposio, o objeto despertou ateno e convidou oespectador a manuse-lo. Talvez no fosse mais preciso colocar um aviso:
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Por favor, toquem nas obras, como fez Lygia Clark quando exps pela
primeira vez seus objetos relacionais, pois, hoje em dia, as pessoas j se
habituaram um pouco mais com a idia dos neoconcretos de transitar da arte
vida num exerccio de renovao esttica.
As questes levantadas pelo movimento neoconcreta vigoram ainda na
contemporaneidade, porque ainda se vive, agora mais do que nunca, o desejo
de se expressar e desvelar os sentidos atravs da arte. Como objeto, o livro
continha em si as pginas da experincia pessoal, tanto artstica como de vida,
sacralizadas pela ritualizao da aproximao do observador com a obra,
desfetichizando esta relao ao considerar o fruidor um sujeito ativo, integrante
da obra.Virar as pginas deixou de ser um exerccio meramente fsico para se
tornar uma ao performtica, na qual o objeto o livro foi o sujeito da ao,
aquele que converteu o movimento do corpo em um discurso do corpo,
transformando o artista e o pblico em obra, ou melhor ainda, em sujeito e
objeto de sua arte (Glusberg, 1985, p.43).
Em sua ao fenomenolgica, Receitas do Papalagui se expandiu
para as tendncias idiossincrticas que deram uma ampla viso do artista, desua compreenso de mundo, de sua imaginao visual, assim como exps sua
experincia dos sentidos e sua habilidade de manipular os materiais que deram
forma s suas idias.
Ele reuniu diversas experincias artsticas que ganharam novos
significados e costuraram-se com vivncias e/ou lembranas pessoais de vida.
No se tratou de um catlogo, nem de um objeto meramente documental,
pode-se dizer que sua fora estava na sua utilizao como um meio deexpresso, uma metalinguagem que explorou formatos pessoais; apelou para a
qualidade dos materiais, a forma de encadernao; manipulou a fluidez de virar
as pginas em uma ao prazerosa ou conflituosa; alm de ter entrelaado os
diversos trabalhos realizados ao longo da pesquisa com lembranas,
documentos, materiais e tcnicas anlogas ao tema impresses.
A pluralidade que integrou tcnicas grficas, expresses artsticas,
conceitos estticos e efeitos fenomenolgicos transformou Receitas do
Papalagui em uma mdia portadora de enigmas, que buscava o reencontro
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pessoal com a linguagem e com a imagem, criando textos imagticos que
integrassem experincia artstica com histria de vida.
NOTAS
1 O trecho transcrito nos d uma viso mais precisa desta analogia: Je ne sais pas. Ce sont des chosestechniques souvent. [...] Il y a trs peu dides, au fond. Ce sont surtout des petits problmes techniquesavec les llements que jemploie: comme le verre, etc. Tout cela me forait laborer. [...] Vous saveztant peintre, on est toujours une sorte dartisan ( P. CABANE, 1967, p.65-66).2 Este trecho um resumo pessoal das idias centrais do captulo A grave doenaque pensar semparar, p. 85-92., da obra O Papalagui comentrios de Tuiavii, Chefe da tribo Tiava, nos mares do sul.3 Trecho da entrevista concedida a Lcia Carneiro e Ileana Pradilla.4 CANTON, op. cit., p. 142.
REFERNCIAS
NTON, Jos Emlio. El Libro de Artista. Disponvel em: Acesso em: 07/02/2002.BOUSSO, Vitria Daniela. A Metfora dos Fluxos in: Artur Barrio. A Metfora dosFluxos2000 / 1968. So Paulo: Pao das Artes, 2000. p.14.DIDI-HUBERMAN, Georges. LEmpreinte. Paris: Centre Georges Pompidou. 1997. p.127.
GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance. Srie Debates. So Paulo: Perspectiva,1985. p. 43.SCHEURMANN, Erich. O Papalagui comentrios de Tuiavii, Chefe da tribo Tiava,nos mares do sul. Traduo de Maria Jos Silveira. So Paulo: Marco Zero, 2001.PAPE, Lygia. Lygia Pape: entrevista a Lcia Carneiro e Ileana Pradilla. Rio deJaneiro: Nova Aguillar, 1998. p. 44-46 (Palavra do artista). Disponvel em: