Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

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LUIZ HENRICH

HISTÓRIA DE 50 METROS

e outras histórias crônicas

1ª Edição

Ebook – Livro Digital

São Paulo

Luiz Henrique Ferreira Cunha

2015

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© 2015, Luiz Henrich

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida sem prévia autorização do autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Henrich, Luiz

História de 50 metros e outras histórias crônicas / Luiz Henrich. -- 1. ed. --

Carapicuiba, SP : Luiz Henrique Ferreira Cunha, 2015.

ISBN 978-85-918947-1-0

1. Contos brasileiros 2. Crônicas brasileiras

3. Ficção brasileira I. Título.

CDD-869.3

-869.8

15-06657

Índices para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura brasileira 869.3 2. Crônicas : Literatura brasileira 869.8 3. Ficção : Literatura brasileira 869.3

Capa: Noemi Ferreira Cunha

Internet: luizhenrich.wordpress.com

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Prefácio do autor

Este é um livro de mitologia. São histórias inventadas para explicar ou tentar entender a vida. Muitos

acreditam que criar mitos é algo sublime e fantástico, ou que os gregos, egípcios ou romanos eram

melhores do que nós somos hoje. Eles inventavam histórias. Nós também. Essas histórias eram

transmitidas através do tempo e do espaço. Essa aqui será também, você passará, o livro ficará. Eu

passarei também, mas as palavras transcenderão tempos, espaços e subjetividades. Serão recontadas

por quem leu. Serão repetidas e modificadas por quem não leu. Se sobreviverem a milhares de anos,

talvez sejam objeto de estudo, objeto de crença ou... ou não. Eu não sei. Você também não sabe.

Este livro é uma provocação. Um desafio à leitura literária, escrita para ser texto mesmo, não cinema.

Escrevo por acreditar em nossa Literatura. Acreditar no que nossos autores. Desconfiar também. É

possível haver genialidade por aqui. Os seriados americanos não podem ser tudo em nossa vida.

Somos todos mitólogos. Inventemos nossas histórias, escrevamos, encenemos e acreditemos.

Convido você à leitura. Nessa obra há textos que foram sendo escritos ao longo de sete anos. Uma

leitura subjetiva e fantástica de diferentes momentos da vida. Sinta-se provocado a entender e transver

as palavras. Afinal, a palavra é maior que o homem e a poesia é maior do que a palavra.

Boa leitura!

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Como os narradores aceitam não existir

ou serem confundidos com os autores?

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Livros só existem se lidos. Por isso,

dedico a quem leu, antes que fosse papel.

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Sumário Leia se puder, se não der, esqueça ....................................................................................................... 8

Cap. 1 ou Leia se puder .................................................................................................................... 9

Cap. 2 ou Autor desiste do texto .................................................................................................... 10

Cap. 3 ou Pra não saber quem eu sou ............................................................................................. 11

Cap. 4 ou Bilhete ............................................................................................................................ 13

Cap. 5 ou Se toca, Raul .................................................................................................................. 14

Cap. 6 ou Para quem anda enquanto escreve mensagens ............................................................... 16

Cap. 7 ou Libertem-me! ................................................................................................................. 18

Cap.8 ou A música que pausou ...................................................................................................... 20

Cap. 9 ou Se sou sua loucura .......................................................................................................... 21

Cap.10 ou Final .............................................................................................................................. 22

Cap.11 ou Prólogo .......................................................................................................................... 24

História de 50m – O copo, a água, a árvore ....................................................................................... 25

Antes ............................................................................................................................................... 26

Antes do primeiro metro ............................................................................................................. 27

Três metros ................................................................................................................................. 30

Cinco metros ............................................................................................................................... 31

Sete metros .................................................................................................................................. 32

O copo ............................................................................................................................................ 34

Dez metros .................................................................................................................................. 35

Doze metros ................................................................................................................................ 36

Dezessete metros ........................................................................................................................ 38

Dezenove metros ........................................................................................................................ 39

A água............................................................................................................................................. 42

Vinte e três metros ...................................................................................................................... 43

Vinte e seis metros ...................................................................................................................... 45

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Vinte e oito metros ...................................................................................................................... 47

Trinta metros ............................................................................................................................... 48

Trinta e dois metros .................................................................................................................... 50

Trinta e quatro metros ................................................................................................................. 51

A árvore .......................................................................................................................................... 52

Trinta e cinco metros .................................................................................................................. 53

Trinta e sete metros ..................................................................................................................... 54

Quarenta metros .......................................................................................................................... 56

Cinquenta metros ........................................................................................................................ 57

Parte Crônica ...................................................................................................................................... 58

Animal ............................................................................................................................................ 59

3ª Guerra Mundial no mundo de quem? ......................................................................................... 60

Há pedra, há água, há rio ................................................................................................................ 62

Queria ser nuvem, pairar ................................................................................................................ 65

Sem ................................................................................................................................................. 67

Isso não é uma história, são só palavras ......................................................................................... 68

110 anos .......................................................................................................................................... 69

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Leia se puder, se não der, esqueça

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Cap. 1 ou Leia se puder

No papel, a palavra ganha os olhos. Os seus olhos: de você que lê. As letras ganham teu pensamento,

porque isso não é só borrão no papel, isso ganha voz na sua mente. E assim, num texto como esse,

nascem personagens. Pessoas que não existem além dos limites do que se imprime. Joãos, Josés,

Marias, Mários, tantos nomes quantos você puder imaginar e relacionar com alguém que você

conhece.

O grande desafio de um autor é criar alguém que não se pareça com a maioria das pessoas. Essa

tarefa seria fácil se a gente considerasse que cada ser humano é um universo. Mas fujamos dessa

mentira, as pessoas são iguais. Iguais porque querem ou por falta criatividade. A maioria segue o

roteiro básico de acordar, estudar/trabalhar, conviver e dormir. De tempos em tempos resolvem

mudar o corte de cabelo ou o modo de vestir, mas a ideia sempre vem de um ou dois e se espalha

para todo o resto.

A personagem dessa história não existe, nem quer existir. Seria uma séria ofensa compará-la com

qualquer ser humano que você conheça. Aliás, pare de encaixar seus amigos nos arquétipos de

humanidade que você encontra por aí em histórias escritas e telenovelas. Aliás, essa personagem

não quer ser seu amigo. Quer apenas ser personagem e estar num mundo diferente do seu, de você

que lê. Não quer ter o corte de cabelo que a maioria tem ou usar roupas que a maioria usa. Tudo se

compra, não se inventa ou cria. Consumimos. No mundo das personagens pode não existir compras

e a roupa pode ser a mesma por décadas, séculos, para sempre (tipo o Chaves, do Bolaños).

Como se sabe, o que ela pensa e faz depende dos caracteres sobre a página. Então, por enquanto,

ela não existe inteira na sua mente. Ou você já ousou imaginá-la?! Não faça isso. Farei sem sua

ajuda, apenas leia o que virá:

*(continua)

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Cap. 2 ou Autor desiste do texto

Se num domingo ou segunda-feira, pouco importa. Mas há sempre um dia em que marcamos o

calendário e lembramos exatamente os segundos, os minutos, as horas, o dia, o clima... Foi num dia

desses. Na estação de trem, em meio a inúmeros passageiros que vêm e vão por infinitos motivos, um

papel que estava no chão, de repente, com o vento, subiu até o teto em meio a poeira. Papel branco

com inscrições em tinta azul, sobrevoou muitas pessoas até pousar: um bilhete.

“Não nos veremos mais”: as palavras escritas ali. A descrição perfeita dos encontros entre os

humanos urbanos, de grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Tóquio, Nova Iorque.

Todos os dias vemos pessoas pela última vez e as personagens narram suas próprias histórias.

Naquela manhã ou tarde, aquela frase fez pensar. Talvez mudassem as relações entre os humanos

considerarem isso. Viveríamos de despedidas em despedidas. Os encontros seriam desencontros

entre milhares de personagens que escrevem ou vivem suas próprias histórias. Tentaríamos recolher

o máximo de histórias, sorrisos, lembranças, angústias de quem não veríamos mais. Ou simplesmente

contemplaríamos a solidão de ser só mais um rosto esquecido. A maioria das pessoas não se lembra

da gente. Aliás, se você tiver 1 milhão de amigos no facebook, ainda existem bilhões de humanos que

nunca saberão que você existiu.

O bilhete. É sobre o medo de sermos esquecidos. Há quem se preocupe em mostrar-se ao mundo,

passando horas elaborando fotos, textos, ilustrações para aparecer diante dos olhos, das telas;

tentando estar na memória. Não queremos ser esquecidos, mesmo que os cristãos acreditem que não

precisamos ser lembrados aqui, mas ser conhecidos do outro lado, além dessa vida.

A personagem decidiu não ser lembrada. Não autorizou sua descrição física ou psicológica, decidiu

ser narrador onisciente. Quis assumir a autoria dessa história, o autor permitiu.

Agora, o controle é meu, tomei a pena, a caneta, o teclado – pense como quiser – serei o narrador que

te fará esquecer essa história:

- Não nos veremos mais?

*(continua)

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Cap. 3 ou Pra não saber quem eu sou

Ser esquecido em meio aos bilhões de humanos não é tarefa difícil. A maioria das pessoas são em-si-

mesmadas. Todos estão ocupados em ser protagonistas de uma história de sucesso, aventura, amor

verdadeiro, desilusão plena ou comédia pura. Aceitam figurantes e coadjuvantes sem problemas.

Observo daqui, da estação, da rua ou do hipermercado. As pessoas, cada uma a sua maneira, tentam

se destacar. Fones de ouvido cada vez maiores; roupas coloridas demais ou em tons de preto, curtas

ou longas demais; cabelos soltos demais ou presos demais; celulares grandes demais ou ipods

pequenos demais; algumas falam alto demais, outras baixo demais e nos deixam curiosos.

Mas a grande massa tenta ser discreta. Cabelos cortados, bem presos ou bem soltos. Roupas em tons

comportados, cortes “sociais”. Usam aparelhos discretos. Falam num tom de voz que não incomoda

a ninguém.

Queria ser assim, parece normal, comum. Talvez seja o melhor jeito de ser esquecido por você e por

todo mundo. Mas sou personagem condenada a viver num papel guardado ou numa tela nunca

acessada. Criação de um texto longo, não lido. Serei esquecido.

Não querer ser lembrado é o melhor jeito de estar nessa vida. Eu estarei aqui por mais tempo do que

o autor. Serei nas páginas. Estarei em paz. Os humanos não têm paz? Só se viverem para ser

esquecidos...

Que bom seria estar leve o suficiente para fazer o bem e o mal sem a culpa de ser lembrado. O bem

te dá a responsabilidade de ser sempre bom e não poder errar para não decepcionar a quem te lembra

como bom. O mal te isola nos muros do preconceito, não querem mais confiar em você porque te

lembram como mau.

Como não serei lido, poderei ser (eu mesmo) sem culpa. Como não serei lembrado posso parar diante

das grandes aglomerações de pessoas e ser gentil ou grosseiro. Não tenho necessidade de fazer o bem.

Se conseguir escapar da moral do autor posso fazer o mal. Talvez não consiga, ele escreve para

amigos e conhecidos, jamais será um clássico. Posso contar uma história de alguém que passa por

mim e dizer ser ele o mau.

Transformar-me num herói por fazer o bem, parece clichê. Como os humanos que são repetidos e

iguais, as personagens – tenho que admitir – quase sempre são lugar-comum. Mas tenho a missão de

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ser diferente. Não ter uma descrição física já foi um começo, mas a essa altura já estão me

descrevendo psicologicamente.

Espero não estar a me comparar com o autor ou outro qualquer que você conheça ou reconheça por

sua prolixidade. Está aí, o que sabe de mim é que sou prolixo, preciso de muitas palavras para existir

no papel. E se você chegou aqui, já tenho voz para você. Se me leu até aqui, devo agradecer, a maioria

dos humanos não passariam a segunda página. Agora, deixe-me falar mais sobre aquele bilhete:

- Não nos veremos mais?

*(continua)

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Cap. 4 ou Bilhete

Ainda se lembra do bilhete? Naquele dia, o trem atrasou e fez o maior encontro de pessoas que seriam

esquecidas que eu já vi. Resolvi copiar e entregar a boa notícia a todos quantos pudesse encontrar.

“Não nos veremos mais” foi espalhado entre as pessoas. Esperei por uma comoção geral ou um

vandalismo histórico. Incrivelmente nada acontecia. Resolvi acrescentar um olhar profundo em quem

aceitasse o recado escrito. Quis fazer revolução: senti vontade de acrescentar flores, abraços, sorrisos,

cantar uma música, puxar uma dança. Mas não conseguia a menor reação de qualquer pessoa. Eu

mesmo, fazia sem acreditar, esperava dos outros a reação a ser lembrada. A minha vontade de sorrir

e cantar não chegava às extremidades do meu corpo.

Se um outro narrador contasse o que aconteceu, talvez te convencesse que eu estava determinado ou

mesmo que sorria. Narradores te convencem a aceitar a superficialidade das personagens. Mas eu

estava ali espalhando aqueles bilhetes porque o autor quis. Eu não queria, não acreditava, apenas fazia

a cena. Você deve me entender, a gente faz muita coisa do roteiro, sem pensar ou sentir nada e todo

mundo fala bem da gente. Se as personagens contassem suas próprias histórias e fossem menos

ambiciosas que os narradores que se dizem oniscientes, seríamos surpreendidos com cenas sem graça.

Se a gente conhecesse mais das pessoas do que as redes sociais informam, ficaríamos surpresos com

as vidas vazias ou falsas conquistas.

Sou personagem difícil, chata. Tédio demais para um leitor pré-adolescente. Nem o autor consegue

me ler mais de uma vez. Não sei contar histórias, só descrevo o que vejo e o que sinto diante do que

acontece na cabeça do autor, que está no mundo real – fora do papel. Se é para ser esquecido, este é

o caminho.

Não ser carismático o suficiente para virar estampa de camiseta parece me condenar ao esquecimento

pleno. Continuarei assim, então, como narrador onisciente de minha própria história. Desafiando você

a uma leitura diferente das narrativas piegas e comuns.

Não falar de mim talvez me ajude a não ser lembrado. Não ter nome, te impede de lembrar de mim

ou contar sobre. Essa história é só para quem lê. Se for bom em resolver mistérios, talvez consiga ao

menos uma descrição psicológica. Sou assim:

- Não nos veremos mais?

*(continua)

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Cap. 5 ou Se toca, Raul

De andar pelas ruas e espaços coletivos sem ser lembrado, percebi que ser personagem não é melhor

do que ser narrador. O narrador conta e é esquecido. As personagens são contadas e poucas são

lembradas.

São bilhões de humanos, mas são bem mais de bilhões de personagens. A começar das mentiras

colocadas na internet todos os dias como se fossem verdades. Pessoas criam personagens todos os

dias, não só no papel, mas em atores que são todos. Intérpretes de si mesmos, serão esquecidos.

Somente autênticos seres humanos são lembrados: aqueles que resolvem ser, sem imitar ou adequar.

São lembrados porque viveram como se fossem ser esquecidos. São lembranças fora dos álbuns de

fotos sempre fechados. Vivos na lembrança, esses acabam sendo imitados.

Então, talvez seja lembrado por querer ser esquecido. Ou não.

Sou a personagem que decidiu ser narrador. Narradores em livros ocupam a maior parte do papel. As

vezes deixam, nós, as personagens, falar. Muitas vezes, falam por nós, inclusive. O problema é que

eu não sei narrar histórias. Não sou contador de histórias. Aposto, entretanto, que até o final dessas

páginas estarei bem melhor que agora. Vou exercer o poder de narrador e manipular o que as

personagens dizem. Vou contar as histórias que ouvi estranhos contarem. Não sei se são verdadeiras,

mas farei as personagens falarem por si.

Quando entreguei o bilhete para aquele sujeito e tentei fixar os olhos nele, ouvi uma frase inesperada:

- Qualquer filósofo grego sem internet discordaria disso! Bilhetinho babaca... isso não é tão óbvio!

- Se não quiser, eu jogo fora pro senhor.

- Claro que não! Vou guardar essa bosta pra embrulhar meu chiclete.

- Ta bom. Já que Não nos veremos mais... – e ensaiei um sorriso que não saiu.

- Quem é que sabe? Amanhã to aqui, no mesmo horário... – olhou pro chão discordando - Putz!

Ridículo isso...

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Sujeito estranho, cheio de si. Parecia me expulsar de seu mundo de filósofos gregos e chicletes.

Dentes estragados, mas jaqueta de couro. Olhos com aparentes cataratas, mas sapatos similares aos

mais caros – provavelmente produto pirata. Com certeza imita Raul Seixas. Já disse que os humanos

são assim, imitadores, pouco criativos.

Características físicas registradas, não é preciso acrescentar muito mais. Tipo Raul. Não se trata de

preconceito meu, sou narrador-personagem que fala de tipos humanos que não existem como eu e,

por isso mesmo, estão por toda parte. Como teria preconceito se não existo? Mais ainda, o narrador

fala com base em conceitos bem definidos, somos oniscientes. – Acho que cedi a tentação de ser

onisciente... o papel aceita minhas previsões, predições e pretensões. – Recolherei histórias e contarei

com o poder que me concedi: saber o que pensam e sentem as pessoas. Assim:

- Não nos veremos mais?

*(continua)

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Cap. 6 ou Para quem anda enquanto escreve mensagens

Recolher histórias em meio a pessoas é tarefa fácil. A verdade é que todos nós queremos acreditar na

ilusão de que alguém se importa com o que a gente vive. Mas a nossa verdade, o que de fato acontece

com a gente, fica sempre em segredo. Por mais que a gente conte a muitas pessoas, não conseguimos

dividir. Parece que em cada ser há espaço para apenas uma vida.

Só se pode viver uma experiência sob uma única perspectiva. Jamais se sabe se o que achamos sentir

pelo outro é o que de fato ele sente. Mas quando a gente lê, compartilha ao menos ideias dizíveis e

pensamentos ilustráveis.

Espere aí. O que tanto as pessoas sorriem sozinhas enquanto andam? De longe parecem olhar o chão

e achar graça. Mas quando chegamos perto, percebemos o que as entretêm. É o mesmo aparelho que

te distrai. Sim, aparelhos eletrônicos, basicamente telefones celulares. O que tanto leem? Sorrisos de

felicidade ou de perplexidade. Fico a imaginar as notícias que recebem. Não serão somente notícias

boas. Traições, fofocas, funerais, encontros e desencontros, piadas sem graça que nos fazem rir.

Olhem bem, observem aquela que vem até a catraca olhando o aparelho. Parece que vai errar o

caminho ou trombar em alguém. Mas incrivelmente ela passa sem ser surpreendida por nada. Andar

lendo desenvolve o sexto sentido. E ela passa por aqui lendo e sorrindo. Imagino o conteúdo de suas

conversas.

- Jura? Não falou com você?

- Juro, amiga! Que bafo...

- Nossa, então ele deve estar com ela de novo!

- É! Q caxorro!

- kkkkk

E trocam mensagens de textos, trocam ch por x. Mas não há erros. Erro é não fazer amigos por isso.

Importante é ser entendido.

E voltamos à estaca zero. Será que somos entendidos?

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Observo aquela que acaba de passar por nós, que ultrapassou a catraca (em sentido literal mesmo) e

continuou seu trajeto lendo e sorrindo. Agora, obrigada a parar diante do sinal vermelho para

pedestres, olha para frente. Talvez tenha percebido que o aparelho lhe roubara a paisagem.

Os olhos presos ao celular nos roubam vozes ao redor, paisagens, pessoas que não vimos há tempos.

Mas não devemos julgar quem perde paisagens tão cinzas, pessoas tão repetidas e vozes que revelam

almas vazias. Então, pergunta aí:

- Não nos veremos mais?

*(continua)

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Cap. 7 ou Libertem-me!

Trabalho de narrador é assim, falamos mais do que as personagens. Essas páginas são minhas. O autor

cedeu e me deixou falar. Mas como não sei contar histórias. Comento o que vejo. Isso é contar: falar

do que vejo?

Do bilhete que li, saí sendo outro. De personagem do autor, passei a narrador. Já que Não nos veremos

mais, prometo ser breve hoje.

Quero ser esquecido, escrevo aqui para não ser lembrado. As ideias talvez ecoam em você ainda hoje.

Mas eu não existo para você; não sabe como sou, quem sou ou de onde eu vim. Não confunda autor

com narrador ou personagem. Posso te dizer quem sou para desconstruir o autor. Não sou como ele,

mas infelizmente é na mente dele que estou preso. Posso estar na sua também, só precisa me deixar

ser livre aí, me construir ou desconstruir. Me faça ser alto, ser calvo, personagem mulher.

Tire os olhos do papel e me enxergue nas pessoas que estão perto de você. Misture as características

físicas e adicione a minha psicologia e minha prolixidade. Quero viver fora dessa história impressa.

Quero te descrever o mundo que você vive e não vê. Quero que use as minhas palavras, meus olhos,

minha mente. Eu não quero ser esquecido, isso é neurose do autor. Eu posso estar vivo além dele,

estar entre os humanos, circulando nas estações, avenidas e aglomerações a observar você e ele.

Como os narradores aceitam não existir ou serem confundidos com os autores?...

Agora entendo a Sofia Amundsen. Mas não sou personagem que precisa de travessão ou aspas, esse

texto é meu, já imprimi várias páginas com palavras que são minhas. E se você me criou, agora estou

no seu modo de ver o mundo e as pessoas.

Talvez a principal diferença entre eu e a Sofia, de Gaarder, é que ela teve o mérito de nascer na

Noruega e ser criação de um bom autor. Sou personagem condenada ao esquecimento, criada por

autor medíocre, que nunca publicou os textos que escreveu – desde os 17 anos... Se ferrei! Putz!, ele

nem sabe usar pronome oblíquo e mistura escrita e fala. Emergente!

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Olha aquele ali. Homem sisudo. Deve ter conseguido vaga na Federal pelo SISU. Autêntico humano-

urbano-modelo. Usa terno e parece bem-sucedido. Qualquer narrador contaria a história dele

enumerando as conquistas. Meritocracia pura.

Brasileiro emergente. Valoroso. Esforçado. Na infância, ficava na rua, não tinha méritos para

frequentar clubes ou parques distantes. Na adolescência, experimentou drogas na rua da própria casa,

não tinha méritos para... Deixa pra lá. Cresceu, formou-se. Seus filhos terão mérito. Na verdade, não

é sobre esse sujeito que queria falar. Ele decidiu incorporar os valores do opressor dele mesmo...

Sabe? Mas acho que ele mesmo não será opressor.

Eu preciso olhar para quem está fora do papel, só assim entendo o que se passa aqui dentro, por trás

dessas palavras impressas. Se você insiste em me ler, talvez precise de mim para se entender por

dentro também. Não por méritos, escolha mesmo. Quem sabe?

- Não nos veremos mais?

*(continua?)

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Cap.8 ou A música que pausou

Ouça, é aquela música do Oswaldo Montenegro: Eu conheço o medo de ir embora não saber o que

fazer com a mão... Lembra se puder, se não der, esqueça. De algum jeito vai passar.

O sol já nasceu na estrada nova e mesmo que eu impeça, ele vai brilhar... Será que é o trem que

passou ou passou quem fica na estação?...

Estive pensando sobre estar vivo em sua mente. Sempre soube que seria esquecido. Já estou mais

conformado. Ouço essa música e sinto calma. O sol nasce, poucos o percebem. Imagina eu aqui, em

pé, plantado na estação. Não sendo astro, nem flor, menos humano, não mais personagem – narrador

– esquecimento parece natural.

Como um condenado, deixarei seus pensamentos para flutuar à deriva num blog de internet ou as

páginas fechadas de um livro. Faltarão traças para corroer as angústias que não passaram para a

superfície daqui. Resta muito pouco. Se eu for numa história curta, ao menos o que não serei há de

me conformar. Não ser é vantagem por aqui, no papel. Isso alonga os horizontes.

O autor está decidido a me encerrar em dois capítulos. Estariam os humanos sujeitos a um autor

assim, que imagina um grande final em apenas mais dois capítulos. Quantos capítulos ainda restam a

você?

- Não nos veremos mais? ... se não der, esqueça.

*(continua?)

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Cap. 9 ou Se sou sua loucura

Estou a pensar nos loucos. Os loucos de verdade, não aqueles movidos por drogas pesadas ou os que

se fingem por falta de açoite materno. Estou a falar dos loucos que andam nus pela cidade.

Despenteados, sujos, imundos, que gritam profecias ou um xingamento qualquer: esses loucos. Esses

que ninguém observa, verdadeiros invisíveis que repelem quem se aproxima sem perceber. A nudez

de qualquer um chamaria a atenção (por beleza ou feiura), mas a nudez desses loucos provoca...

indiferença. Não provoca nada. Como isso seria possível?

Você já observou um louco desses? Talvez ele passou e nem se deu conta. Talvez ele esteja vestido

e com o cabelo cortado, passou por alguma transformação, viveu um milagre, algo sobrenatural.

O que mais nos devia provocar é o fato de que eles não abdicaram de sua humanidade. São humanos

que andam, apesar de parecerem mais com zumbis. Engraçado, muitas pessoas gostam de seriados

com zumbis e coisas do tipo, mas não se dão conta de que eles estão por perto. E o que seria pior:

será que podemos nos ver nessa condição?

O que nos impede de enlouquecer? O que nos mantém sãos? Por que a gente não enlouquece? Se a

gente conseguisse entender o que tornou essas pessoas loucas, talvez nos preveníssemos. Obviamente

há inúmeras patologias que levam a loucura assim. Muitos são doentes de alma e corpo. Deficiências

as mais diversas. O que é mais interessante é que muitas dessas doenças estão na psique, na alma –

na mente. Apesar de sintomas no corpo, estão na mente.

Ter o controle da nossa mente já me parece algo incrível, uma vez que ela pode se mostrar tão

indomável. Então, se você consegue ler esse texto é porque tem o mínimo controle de suas faculdades

mentais. Isso te coloca diante dos loucos. Talvez um passo à frente. Ou talvez um passo atrás. Será

que eles não enxergam mais do que nossos olhos podem ver? As visões e alucinações não seriam a

porta para um mundo mais real?

Há quem diga que nossos olhos não enxergam a realidade de fato. O fato é que você pode ler, ele não.

A sua frente está esta tela ou este papel:

- Não nos veremos mais?

*(continua)

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Cap.10 ou Final

Alumbra

Deslumbra

Assombra

Desassombra

Assopra

Avoa

Balança

Lança

Cansa

Afeta

Vibra

Alerta

Desperta

Altiva

Cultiva

Anuveia

Desnuveia

Desliza

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Desliga

Quase

Enudece

Emudece

Desemudece

Grita

Agita

Cala

Espanta

Encanta

Despede

Pede

Não nos veremos mais...

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Cap.11 ou Prólogo

Uma personagem sem descrição física. Paradoxo. Ao mesmo tempo todomundo e ninguém.

Nunca mais nos veremos ou nunca nos vimos. Roubei a frase do autor! Basta trocar as palavras que

o itálico dele não aparece. Nunca mais nos veremos. Nunca mais nos veremos! É isso! Agora, não

falará nada mais!

Então, nunca nos veremos, porque também não sei quem é você. Até o autor desconhece o leitor real.

Nessa história você é cúmplice do meu anonimato, do meu esquecimento. Estamos no mesmo barco.

Jamais me lembrarei de você, quem lê e quem é escrito não existe. Somos todos virtuais. Estamos

todos na cabeça do autor.

Muito provavelmente, nunca existimos. Aliás, estou aqui impresso. Já você... só existe se leu até aqui.

Chega. Muitas palavras para poucos leitores! DEFINITIVAMENTE:

Não nos veremos mais.

Page 26: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

História de 50m – O copo, a água, a árvore

Page 27: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Parte 1- Antes

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Antes do primeiro metro

Uma história que comece do nada. Como alguém que anda pela rua e começa a pensar. O espaço é

de 50m. Passos no vazio do tempo, nunca no espaço.

Se o copo não está suado é porque não faz muito tempo que está aqui. Não passou a noite aqui. Não

posso ficar parado diante dele. Estou só de passagem. Tudo bem. Um gole.

- Aff! Que é isso! – cuspi.

Tl@lv£¬ £$s£ *&liqu¨$#uído §£jj@ @llu¢innóg£no...*

lol, você tem que me entender. Não é normal. O mundo me parece um lugar estranho. É como se

alguém invadisse e quebrasse minha ordem interior. /o\ . Parece que a vida não é tão simples. Se nem

tudo é lógico, então preciso me reconstruir. Preciso parar um pouco, concorda?

Estou aqui, no caminho de sempre. Todos os dias passo pelo mesmo lugar. Mas, hoje existe um algo

diferente. Apenas tenho que atravessar essa avenida e chegar... onde mesmo?! Pode vir comigo? Fica

do outro lado, vai ser rápido, são só 50 metros.

Sei. Às vezes a gente fica assim, conflitante. Em conflito com a gente mesmo. E tem sempre alguém

que fala pra gente parar de besteira. Mas, diante de coisas inexplicáveis só podemos ter duas atitudes:

confrontá-las com a Realidade ou simplesmente ignorá-las. Não quero discutir se há certo ou errado.

Mas penso: como seria o mundo se vivêssemos sem mentir; se quiséssemos o bem coletivo;

desculpássemos e soubéssemos sabiamente consentir? Planeta Mundo Tão Imundo. Discordamos,

destoamos, desafinamos e desafiamos. Lutamos contra nós, pensando estarmos sós. Sem pensar que

a natureza é um todo orquestrado. Somos parte, não tudo.

Faço sempre o mesmo caminho. Já disse. Aprecio cada imagem que vejo, cada som que ouço, cada

brisa que sinto. Às vezes me sinto especial por isso, mas logo me esqueço e tento ouvir um som

inédito. Na verdade, ruído. A paisagem urbana parece hostil na maioria das vezes e isso também é

arte. As pessoas se integram à paisagem como células a um organismo. E a cidade se expande como

uma avalanche de cimento e ferro.

Page 29: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Entendo. A vida: experiência única em cada um que por aqui anda. Intransferível. Mas para viver é

preciso apreciar. Apreciar a vida enquanto fenômeno, espetáculo. A poesia que invade e inunda a

terra. Beleza. Sons. Paisagens indescritíveis. Verde. Cinza. Água. Seca. A Natureza, a natureza, a arte

maior que resiste à cidade. Entende? Então, vamos.

Page 30: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Um metro

Sei que aqui já foi Mata Atlântica. Por isso a importância da escola. Se a professora de geografia não

me falasse, nunca iria imaginar. Talvez pensasse que as árvores é que são plantadas, não as casas.

Ora essa! Seria uma pérola para o ENEM: “As árvores são plantadas, as casas, não.” Absurdo. As

árvores nasceram antes das casas, e não foi nenhum engenheiro, ou arquiteto, ou mestre-de-obras que

as projetaram. As casas, sim, foram plantadas. Alguém as plantou no lugar das árvores, é preciso,

inclusive registrar essa planta na prefeitura... Tudo é estranho nesse mundo urbano.

A natureza está no lugar certo. Aquela árvore está no lugar certo. Já o copo com água... Em casa há

lugares para copos com água. Atrás de árvore parece não haver. Não que alguém aqui seja

do Greenpeace ou panteísta, apenas uma constatação de um observador atento.

E foi justamente a água naquele copo, atrás da árvore.

- Mas onde é atrás da árvore?

Ora, não questionemos o estabelecido. Estava lá. Pense como quiser. Se bebível porque estava tão

cristalina, o mal era ou estava no gosto. Para olhar estava ótima. Assim é. Num primeiro golpe de

vista parece mesmo um copo d’água cristalina. Mas, como já disse, o problema é o gosto não mineral.

Alguém colocou aquele copo. Haveria uma crença? Não sei. Talvez seja água da chuva. Se sei bem,

não o é. Não custa pensar. Aliás, pensar é que é a causa. Quem colocou aquele bendito copo atrás da

árvore, fez isso para que um tolo ficasse a se perguntar. Veja a maldade do homem.

Não pense que não gosto de pensar. Contrário a isso. Vivo porque penso. Só não penso que é bom

pensar em um copo com água atrás de uma árvore... Melhor já dizer que não tenho certeza se é água.

Tudo que é líquido e transparente é água?

Preciso pensar uma história que aquiete minha cisma. Afinal, sabemos as histórias de tudo o que

vemos. Não sei você. Eu, sim. A história daquele copo com líquido: simples acontecimento. Uma

distração que virou novela. Não sei bem se isso será uma novela. Vou pensando aqui, e meu

pensamento se deitando sobre o papel, em palavras.

Como se você lesse minha imaginação. Imagina só.

Page 31: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Três metros

Seria um pouco inviável escrever um livro andando pela rua. A urbanização desautoriza esse tipo de

comportamento. Certamente seria atropelado, esbarraria em alguém ou cairia em um bueiro. Na

melhor das hipóteses, iria me atrasar. Para viver por aqui, é preciso saber andar em cima da hora, ser

equilibrista. Então, vou só pensar. O escritor que escreva, você que leia. Apenas pensando comigo.

Afinal, não é possível escrever na velocidade do pensamento. Nem andar despreocupado nas ruas

carregadas de carros.

O que se diria só com o pensamento, em fluxos descontínuos?

Veja o dia nascer antes de morrer. Espere para ver viver um ser. Deixe de olhar e passe a ver. Não

busque rimas onde você só precisa ler. Mais do que ler, é traduzir ao modo de vida. A rima está nonde

não precisas. Espere o sol se pôr. Acredite e viva o Amor. Se cansares da vida, pare – e viva! Cante!

A Realidade é punk, pede paciência a quem não tem; pede calma à aflita alma; não está pensando no

futuro, este que não existe e que rouba a vida que temos hoje e que é presente. Recebemos a vida e

não retribuímos com calma. Bastaria um “C” à alma.

Pensamentos surgem de repente. Quando nos falta um gravador, a poesia surge em segundos. Mas se

vai. Quantos poemas você já perdeu por não ter um papel ou um gravador para falar? O vento leva.

Por isso chamamos essas pessoas de “avoadas”. Pensamos, criamos livros inteiros, de repente,

tossimos e esquecemos tudo. Aqui não perderei um poema sequer. O escritor pode pausar meu

pensamento e retomar depois de dias, meses, anos. Quando a gente é palavra escrita, o vento não leva.

Mas, calma. Venha.

Page 32: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Cinco metros

Em meio aos ruídos da cidade, silencio para aceitar que algo me fez pensar. Penso em fazer-me feito;

princípios, valores e conceitos, então, mergulhar em mim. Alguns esclarecimentos são necessários.

Não determinamos, tampouco escolhemos. Às vezes pensamos, muitas vezes erramos. Prefiro o

silêncio para assimilar ao barulho para simplesmente esquecer. No silêncio nos conhecemos, ainda

que pouco. O barulho nos esconde em nós mesmos.

Neste momento, a presença da ausência de lógica aparente, fez-me sentir. Enquanto ando, percebo

que o tempo interior internaliza o sofrer. Ou se filosofa ou simplesmente se vive. Agora estou

pensando, mas não consigo entender. Mas sempre soube que o importante é o que há em cada

experiência. Quero entender porque palavras não encontrei. Sinto-me fora.

Sempre por aqui passei, mas não sei. O que aconteceu... não sei mais. Os poetas mentiam, mas

acreditei, e incrivelmente vivencio a loucura que vejo nas obras que aprecio. Real, ou não. Possível,

ou não. Estou vivendo o que você vai ler, para quem sabe um dia entender que certas palavras

significam simplesmente: viver.

Incrível a imagem que vi. Um copo atrás de uma árvore! É muito inquietante para mim. Não sei se

seria capaz de inventar uma história convincente para explicar isso. Só preciso me convencer. Pensar

qualquer coisa para me aquietar. Só isso. Caminhando e inventando, pensando e andando...

perguntando: ainda está aí?

Page 33: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Sete metros

Enquanto não há respostas, se bem que não elaborei nenhuma pergunta, andando, tento ouvir o

silêncio. É preciso tempo para refletir, assimilar e se perguntar. Então, aqui está: a primeira pergunta

e a primeira resposta é da gente para gente mesmo.

Para conversar com a gente mesmo é preciso silêncio. Me silenciei. De repente. Neste momento,

pergunto. Se respostas, também recebo perguntas. Minha dúvida é confrontada com minha verdade,

e ela com minha vaidade.

Assim, noto minha imperfeição, mas me encho de esperanças. Sim, é no silenciar do mundo a volta

que percebo amor de forma acalentadora. Aprendo a paciência e sobre o tempo, e então, exerço minha

liberdade de falar e de calar.

Depois dessa introspecção, a ansiedade, de súbito, me assalta. Percebo que não sou como outrora, a

uns metros atrás. Agora tenho a pergunta. No entanto, transformo-a em afirmação, declaração. De

forma sutil e verdadeira falarei sobre aquela água.

Expectativa. Não sei... talvez seja preciso ainda perguntar. Se espero respostas, também perguntas.

Importante registrar o que se passa e a inspiração que a incerteza traz.

Assim, vejo que posso organizar em três ideias: o copo, a água e a árvore. Não sei se lembrarei disso

nos próximos passos, mas já é uma ideia. Quando a gente só pensa, as coisas passam muito rápido na

nossa cabeça.

Sou meu cérebro. Penso. Por que penso, foi me dado um corpo – pensamento – que só – funciona –

com meu espírito... Então sou meu espírito. Na verdade, não somos tão simples assim, o corpo dói.

Agora, por que a gente vive com medo de pôr tudo a perder? Sim, medo de um momento que possa

desmascarar nossas faces. Seria, não sei, “a prudência egoísta que nada arrisca”?... Ou seria só o medo

de ser quem realmente não somos? Existe um alguém desconhecido em nós, que provoca reações

diversas. Ou é o que na verdade somos? Somos quem somos ou somos quem temos medo de ser?

Não ousamos ser o que não somos porque sonhamos ser quem fingimos ser. Na verdade, somos tudo

isso. É o que nos faz ser e não ser. Toda essa crise de identidade é o que somos. Somos o que nos

priva e nos autoriza. A liberdade e a prisão em nós. Uma ideia infinita em um corpo finito. Tipos em

Page 34: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

ternos, por dentro eternos, em uma efêmera passagem por um mundo. Essa crise é. Ego, Superego,

ide!

Fiquei pensando e quase nem saí do lugar. Ainda tenho que seguir em frente. A vida externa continua

frenética. Sigamos.

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Parte 2- O copo

Page 36: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Dez metros

A origem do copo. História simples. Uma senhora – ou senhor – que viajava pelo tempo o pôs ali.

Dizem que agora está no futuro. O mais intrigante é que não usa máquina do tempo. Sua história é

um mito, e quem sabe se esse livro poderá ser classificado como mitologia daqui quinhentos anos.

Que tal: “O mito das árvores urbanas e dos copos campestres”... não. Voltemos. Contarei de forma

simples, sutil, sem ser enfadonho.

Quando era adolescente, escrevia. Sem simpatia. Olhava sempre para o horizonte como se não fosse

daqui. Estaticamente, como ipê sem flores que a gente vê sozinho num pasto quando viaja por uma

rodovia no meio do nada. Assim, incapaz de inspirar um poeta a escrever um poema qualquer. Mesmo

assim, viajante, sonhava com seu nome em poesias.

As palavras que manchariam suas folhas, muitas vezes, foram lançadas ao vento. Nas primeiras letras

via-se melancolia, amor pela vida e ódio que mais era raiva de si que do mundo. Por cautela, vergonha,

medo e esperança nunca revelava suas palavras e também sentimentos. Sentimentos esses que nutria

secretamente. Escrevia como quem dialogava com o futuro. Em momentos em se encontrava com

quem gostava, não havia palavra; o som do vento sussurrava o que sentia em forma de poesia aos

ouvidos distraídos de um poeta. Coisas assim:

Flores amarelas

Se amar ela

Poesia.

Os sentimentos sufocavam. Na tentativa de se livrar deles, escrevia. Queria transformar seus

sentimentos em palavras. Assim o fez. Esperava expressar tudo através do papel...

Certo dia, enquanto escrevia, sentiu os pés molhados. Minutos depois submergiu. Incrivelmente foi

parar no mar. Assim, do nada.

Page 37: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Doze metros

Verde. Devo atravessar a rua agora, deve ter uns bons metros. Vou atravessar bem devagar para contar

a história sem precisar suprimir qualquer poesia. Entendamos a história do copo:

E assim, como agora piso na faixa de pedestres, de repente nossa heroína ou herói – não se sabe –, se

viu em um imenso mar desconhecido. Afundou. Temendo as fortes ondas, passou a lutar inutilmente.

Bastaram alguns poucos minutos para que se cansasse. Nesse turbilhão no desconhecido se

desesperou e se entregou ao desespero. Incrivelmente não se afogou.

As horas passavam e o desespero não resolveu nada. Em certo momento tentou desistir, mas pensou

em tudo o que viveria se resistisse. Fechou os olhos e via a quem amava. Sabia que teria que enfrentar

o mar. Mas para que lado nadar? Como tudo aquilo aconteceu?!

Ainda, nada fazia sentido. Tempestades e tormentas quase submergiram (-lhe) por diversas vezes.

Em solidão se viu, e em um mundo completamente desconhecido, pedia forças para prosseguir. Tudo

era assustador, só tentou escrever e... onde tinha ido parar?!

Num piscar de olhos percebeu que algo se aproximava, algum animal-marinho-desconhecido. Sim,

era um cavalo. Não um cavalo marinho, um cavalo cavalo – o som dessa palavra quando repetido

muitas vezes soa estranho – mas naquele momento foi música que acalentou. Cavalo! Cavalo! Aquele

seria seu companheiro. Surreal, mas não estava delirando, pois o cavalo não só ouvia como também

respondia. Nele encontrou respostas e perguntas. Nem sempre satisfatórias, mas de qualquer forma...

Então, afundaram-se nas profundezas daquele mar desconhecido. A viagem foi assustadora. Parecia

ver a História de trás para frente. E, para sua surpresa, estava no passado. Mais precisamente, em mil

novecentos e... não sei em que ano exatamente, mas ela se viu quando criança. Como se revivesse,

como espectador, o próprio passado: amigos, brincadeiras-de-crianças, acidentes e embaraços...

No auge de sua descoberta maríntima sentiu um empurrão. Quando abriu os olhos estava em sua

cama. Só um sonho...

Quando foi até a janela, só pôde ver a imensidão do mar. Estava de volta ao presente, mas o mundo

já não era o mesmo. Suas folhas estavam molhadas, todo o quarto havia mesmo sido inundado. Água

por toda a parte.

Page 38: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

A ausência momentânea de reinspiração fez seu companheiro, o cavalo cavalo, ir. Por tempo ficou

ali, à janela, vendo a distância que percorrera no infinito horizonte; quase nada. Naquela noite sonhou

enquanto escrevia:

Sons sustenidos

Sono que ouço ao longe

Avidamente em meu encalço

Sono mio!

Delírios em sonhos

Lembrança externa

Se é primavera, e ela exala

Viver contigo entre quimeras...

Page 39: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Dezessete metros

Acho melhor correr. O farol fechou faz alguns segundos. A vida exterior a nós continua sendo regida

pelo tempo. Estão buzinando. Mas continuo a contar:

Essa história tem a ver com o copo, mas não diz nada sobre a árvore. A água, ainda não sabemos de

onde veio. Tenho mais alguns metros à frente e vou aproveitá-los para resolver a cisma com a água e

a árvore. Continuarei a história enquanto percorremos os próximos metros. Estou gostando de ser

mitologista.

Parei. Aqui, em frente a árvore a avenida é larga. Calculei 50 metros. São cinco ou seis faixas para

os carros em cada lado e um canteiro entre elas. Típica avenida de uma grande cidade. A direita está

a ponte que já teve o maior vão livre das Américas. Puro metal. Contraste total com a natureza

resistente representada pela árvore e a água. Ponte é coisa humana, como o copo. As formas não

negam. O que é natural é assimétrico, irregular, torto. Os homens, no ímpeto de corrigir a criação

divina, criam objetos e pontes com formas regulares, simétricas. Reta é imperfeição pura. Anátema.

Farol novamente fechado. Pensei demais. Temos mais tempo para divagar. Percebeu como

aceleramos uns metros e paramos em outro, por isso capítulos curtos e outros longos. Então,

continuemos dali.

Page 40: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Dezenove metros

No outro dia, acordou com a decisão de lançar-se novamente ao mar. Dessa vez, como alguém que

busca algo mais para si, não como fuga. Começou a escrever em um papel úmido que estava no chão.

Subitamente, as águas frias arrebataram ao mar, o frio era terrível, mas logo estava bem. As ondas

estavam altas e lançavam às alturas, permitindo ver o que estava atrás do horizonte. Anoitece, seu

companheiro reaparece, mas agora traz consigo a pessoa com quem sonhara à noite.

Surpresa. Já não refém da angústia, passou a transbordar palavras e sentimentos que tentara escrever.

Suas palavras exalavam o perfume que aquece o espírito. Docemente, soprou ao vento palavras que

encontraram ouvidos atentos, em um canto silencioso disse, em poesia ao seu amor:

Às vezes perco palavras.

O vento leva.

Não poderá lê-las,

mas foram as mais belas.

Que você precise delas.

Uma vez.

Só.

Tão perto, tão longe.

Olhos, tristeza, alma: choram.

Lágrimas de Realidade.

Já que sem-ti-momentos tais me acometem,

direi aquilo que logo esquecerás.

Por você...? Por mim.

Só preciso lhe dizer o que teme saber.

O tempo me fez sofrer.

Fez-me ver meu sonho dissoluto,

em absoluto, você me perder.

Não desespero, mas espero.

Por tempo.

Lindas palavras.

Page 41: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Mas nessa conversa, ninguém estava presente, na verdade, estavam futuro. Sim, o cavalo viajara mais

uma vez, e trouxera um passado que ninguém vivenciou. Depois dessa experiência, ficou para o

futuro. Neste tempo, atemporal, mesmo com os temporais, enquanto conversava, estava sempre com

o cavalo. Podia estar no futuro por alguns instantes, e de forma muito intensa. Passou a acreditar

como nunca em um final feliz. Agora via sentido em tudo aquilo, se sentiu bem para encontrar a quem

amava, finalmente, no presente. Voltou ao seu quarto e em um pedaço de papel sujo escrevia:

Nessa hora é

Essa melhora que

Por vezes está

A me acompanhar

O segredo está

No poder falar

Sem por tudo a

Perder-se de si

Na manhã seguinte, foi se arrumar para o grande encontro. Sua busca havia chegado ao fim. Tudo

fora Verdade. Mas, enquanto repassava o texto que diria, olhou de relance para o espelho e viu alguém

maior. Era a Realidade, aquela que faria sofrer. A desilusão fora tanta que, na mesma hora, tudo foi

submerso. Dessa vez, sem água, apenas uma atmosfera conflitante, onde partículas de oxigênio se

multiplicavam rapidamente e o excesso de ar puro sufocava.

Triste e sem motivo, foi procurar o seu amigo. Mas, para sua surpresa, agora tudo era real. Descobriu

que seu cavalo era feito de palavras. O mar era dentro de si. E quem amava, um papel. Então, a

Realidade lançou em sua face o primeiro objeto que encontrou na mesa em que escrevia, um copo

esquecido, típica bagunça de um adolescente. O copo estava ali há uns dias e já fazia parte da

decoração.

Parece uma grande incoerência um copo não se quebrar assim, sendo arremessado... A Verdade

surpreendeu a Realidade: o vidro lançado ao mar não se quebrou, nem tampouco feriu, mas se encheu.

Sim, o copo resistiu às inundações, permaneceu na mesa. Quando tocou em seu rosto, foi abraçado.

Vejamos melhor a cena. Copo em direção ao rosto. O toque. As mãos sobre o copo. Um abraço. O

copo se enche com água do mar e passa a ser a única lembrança real de tudo o que aconteceu só no

Page 42: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

papel. Viajante que leva consigo um copo onde guarda água de um mar que nunca existiu. O objeto

tornou-se sagrado.

– Que lição essa história toda. Entendi: a pessoa era o próprio mar, aí o copo foi lançado nela, que é

a água desse mar, por isso não quebrou... Muito bom! Viagem, hein...

A cisma com o copo foi resolvida, acredito. Mítico: o viajante viajou em si mesmo, o copo é a sagrada

lembrança de um passado. Devo continuar a passos largos a história nos metros que ainda restam.

Não, caminharemos como quem faz o caminho, no sapatinho, como um desbravador que conquista a

si a cada metro que avança. Avante!

Page 43: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

“Água”

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Vinte e três metros

Acabo de sair da enorme sombra da árvore. Deixo-a, por hora. E é como a vida se apresenta. Saibamos

que a muitos nos renunciamos quando a um escolhemos. Penso a densidade uma escolha que pode

mudar nossa relação com o que é infinito.

E pode ser que ao acaso seja. Ou, caso seja marcado, nada impede ser adiado para o inesperado. E o

que o mundo tem a ver com isso? O que o copo atrás da árvore tem a ver com isso? Onde é atrás da

árvore?...

Há de haver situações, pressões diversas daqueles que assistem à vida, que não participam da própria.

Esqueçamos.

A água devia ser o assunto agora, para tentar organizar a desordem de pensamentos. Ela nos lembra

o infinito, é símbolo da vida e da existência em si. O planeta é coberto por água. Os oceanos conotam

o mistério de viver, de existir. Então, o encontro entre as pessoas acontece em meio a esse mar.

Compreendo a imprevisibilidade da vida. A vida enquanto um roteiro de um espetáculo pessoal.

Quando duas peças se encontram, não são somente duas personagens. Cada persona traz consigo, em

seu roteiro pessoal, outras personas que são protagonistas de si, e assim se seguindo, como se as

relações fossem o sal que está no mar, entre infinitas gotas que somos.

Em meio a essa coletividade singular, o encontro acontece. Não a fuga de duas personas para um

espetáculo improvisado. Eis que se assistem, se aplaudem, contracenam e, quando acontece um

silêncio, como num clarão, se veem na essência, além do espetáculo. Nesse momento cantam, se

encantam.

Outras personas param para ver um beijo que parece não acontecer. E no fim do clarão, como num

lusco-fusco de amor em névoa, sentem que luzes indiretas são acesas e duas peças de outrora se

tornam uma. Muitas personas são integradas ou intrigadas e contracenam por um tempo; enfim, duas

personas se veem sós.

– Belíssima alegoria para o casamento. Bem melhor que a da mosca que fica presa no saco de lixo.

Ela entra achando que vai se divertir, alguém amarra o lixo e ela fica presa para sempre ali... HAHA!..

Ei! Não me olha assim! Só você fica querendo ver beleza e perfume em tudo! Continua, vai... mas

volta para a história.

Page 45: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

E então, mais uma vez sempre pode ser tudo o que não foi; aquilo que será. Como dizer sem poder

você não entender? Quis dizer que te disse tudo. Um instante... sim! Já disse. Não diga que não. Sei

que pareço confuso. Tento também desabafar, entende?

Os analistas de plantão entendem essas palavras tão desconexas num primeiro momento. O fato é

que, como todas as pessoas, meus pensamentos são completamente influenciados por meus

sentimentos. Só que, para sentimentos dificilmente existem palavras ou imagens, são somente

sensações. Sinto que alguém errou, está errando, coração parando, um parou.

... ...

Não sei como... mas parou. Tentou-se evitar. A ideia sufoca. De pensar que... Insensível-me! Olhos,

sorrisos, expressões. Choro, sem-risos, depressões. Direi. Não que tudo acabe. Deixe-me. É

importante saber que, há tempos, penso em escrever para alguém me ler. São palavras. São flores.

Sonetos, versos, desamores. Mas só penso. E continuo.

O grande desafio é viver fora de mim. Perco-me em pensamentos enquanto a vida passa. Cada

paisagem me inspira a olhar para dentro de mim. Tudo no tempo e no espaço da vida. Esse espetáculo

pessoal e coletivo. É preciso entender tudo isso. Quem analisa o tempo todo corre o risco de ser

analisado sem perceber. Esse é o erro. Se já era ridículo, ficou ainda mais patético. Um dilema, uma

ideia fixa? Aquela bendita água!... Não é tão simples assim, devo confessar. A história do copo foi

simples, mas descobrir onde é atrás da árvore, não será? De novo, perdido. Devo falar da água.

Voltemos.

Page 46: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Vinte e seis metros

Que horas são? Se quer saber, acabo de me livrar desse maldito relógio de pulso. Não queira controlar

essa história pelo tempo. É uma história de espaço. 50m. Estou a caminhar e a filosofar. Não, filosofar

é muita pretensão. Isso aqui é poesia. Despretensiosa. Num espaço atemporal.

Livre-se dele! Esse tempo que te arrasta pelo braço atrapalhando sua leitura. Esse relógio de pulso.

Prende no pulso as horas que marcam o dia. Que nos prendem na rotina. Relógio de pulso a prova

d’água. Você preso ao tempo até debaixo d’água. Antes de chegar ao fim do dia, em sinal de protesto,

quebremos o relógio para que, então, o pulso pulse sem horário para pulsar. Deixe que as horas

passem. No pulso ou fora do pulso. Não que se deva viver de impulso, mas para usarmos o tempo,

não o tempo nos usar. Sugiro que faça isso agora.

Enquanto ando, cada passo me é uma ousadia no vazio do espaço disputado por milhares. A cidade.

Um organismo vivo composto por uma porção de células predestinadas a uma vida que não reflete,

sem brilho. Penso retornar àquela água, me tornar totalmente alucinado. Mas devo percorrer esse

espaço para chegar ao fim dessa história. Afinal, ainda nos incomoda muito saber quem a pôs. Andei

apenas 26m e alguns parágrafos em páginas de livro. Mas esqueçamos também, aqui, a ideia de

controlar essa história por meio da Matemática ou dos espaços que ela ocupa no papel. Ler nunca é

perda de tempo.

Tente ler isso em voz alta:

Tempo, quanto tempo muito tempo sem tempo a gente perde? Cadê o tempo? Não se vê. Sempre está.

Deixe star! Rápido passa. Agora passou. O tempo foi, é, será: ontem, hoje, amanhã. Vida para viver,

acordar e agradecer pelo que foi, o que é. O que será tem seu tempo. Senhor do Tempo não se atrasa.

Esperar, descansar. Viver é tudo que é impreciso. Estar pronto para o que será.

Pensamentos que nos assaltam enquanto andamos não são tão friamente calculados. Aqui estamos,

sem ação, a voz calada. O tempo... não, ainda não era hora. Lembre-se do que disse a você outrora.

Cenas da vida nunca se repetem. Nós, protagonistas ou coadjuvantes, uma escolha, escolha uma.

Vivência ( ) sentidos vividos ( ) existência ( ) dores ( ) amores ( ) ausência ( ) sobrevivência

( ) viver ( ) ser ( ) presença ( ).

Opa! farol de pedestres fechado; devo respeitar. Enquanto espero este sinal de civilidade vou

contando a história do líquido transparente que chamei de água. Como o farol logo vai abrir, vou

Page 47: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

contá-la nos metros seguintes. Respire... Inspire... Inspirado cante. Permita-se ser cantante. Por favor,

não atire!

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Vinte e oito metros

Se chegou até aqui, ama palavras. Livros não são só histórias. Não sejamos escravos da ação. Arte

com palavras é colorir com letras. E essa página deixa de ser preto no branco a cada olhar seu.

Transcendamos às sagas, colemos palavras nos objetos do nosso dia. Cumprimentemos um

desconhecido com um “Não nos veremos mais!”.

Impossível, sim, andar entre gentes e ficar sem pensar. Imagino histórias para cada rosto triste,

perplexo, sem brilho, oleoso. Sorrisos encantam e confortam, mas nem sempre inquietam como

expressões adversas e diversas que a face imprime. Elas revelam fragmentos do que há na alma.

Imaginar histórias e ser surpreendido pela realidade de um empurrão ou buzinas é comum. Quem

nunca.

Nunca. Sempre. Tanto quanto enquanto. Foi para ser poético. Porque quando a gente anda pensando

(literal ou figurativamente), às vezes, se perde nas palavras. Essas palavras que abriram este parágrafo

fazem-me lembrar de que há um hiato entre o que nunca mais vai voltar e aquilo que desde hoje será

para sempre – até o final de nós.

Já contei a história do copo. Talvez a “água” sejam as lágrimas daquele rosto. Parecia alucinógeno.

Será que tomar as lágrimas de alguém importa a tristeza ou a alegria de quem chorou? Antes: o

sofrimento sai junto com as lágrimas?

Não se pode negar que o choro alivia, mas será que contém, na “água” que sai, sentimentos líquidos?

Taí, uma boa tese. Mas acho difícil reunir tantas lágrimas a ponto de encher o copo.

Lágrimas são salgadas como o oceano, símbolo do infinito. Então, choramos mistérios. De nossos

olhos escorre o infinito. Cada gota carrega algo de dentro para fora de nós. Chorar é exportar.

Os olhos são a parte externa de nosso cérebro. Nosso cérebro é o centro nervoso do corpo. Dali saem

as ordens para todos os movimentos. Há quem defenda que é lá que moram os pensamentos. Não se

tem certeza disso, mas o fato é que o choro sai por lá, pelos olhos. Bebi líquido cerebral? Que louco

tudo isso.

Page 49: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Trinta metros

Voltemos ao copo. Sabemos que a viajante apaixonada trouxe o objeto do passado. Aliás, impossível

trazer do presente ou do futuro. O líquido, então, era, nada mais, nada menos do que lágrimas. Eita

pega! Bebi lágrimas de um desconhecido. Será que é por isso que estou tendo tantas iluminações e

ideias. Seria, agora, capaz de sentir a dor que ele sentiu.

A literatura fará você sentir bem. Qual não seria o passado daquele ou daquela que chorou? O que te

faz chorar? O que são lágrimas? Momento de profunda emoção na leitura. Ligue uma música ao

fundo. Calmamente, retome a leitura. Esperarei...

...

...

...

...

**

Angústias são da vida. Ou será a própria vida, a própria angústia? Viver tem dessas coisas. A

viajante usou o copo para trazer lágrimas de um passado para um presente. Não precisaria disso. Há

tantas mágoas de lágrimas evaporadas há anos que são carregadas dentro da gente. Talvez fez isso

para eu traduzir a cena como alegoria da vida. Não admite serem suas aquelas lágrimas. Diz que

coletou de alguém.

O copo era futuro, porque antes – quando não existiam cidades e vida urbana – não se armazenava

nenhum líquido além do que caberia na palma das mãos. Quase sempre o que se guardava esvaía-se

entre os dedos. Não havia espaço para a ansiedade. Só mesmo alguém futuro seria capaz de sofrer

pelo que haveria de acontecer.

Quem chorou escrevia entre lágrimas. Foi levado ao futuro sem perceber. Pôde escrever. Os

sons da escrita em teclas – e mesmo da caneta no papel – acalentavam o intervalo entre os soluços. E

tentava responder a si mesmo o porquê de tantas lágrimas.

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Por mais que exagerasse no uso de palavras e enumerasse milhões de causas, no fim, “existir” parecia

motivo suficiente. Ficou entre os escritos uma carta que o mar, leva sempre consigo. Esta carta não

estava atrás da árvore, mas é como se estivesse.

E se pudéssemos tomar as lágrimas e ler as angústias de todos os homens?

Page 51: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Trinta e dois metros

A carta estava rasgada, mas poderíamos ler o parágrafo grifado e preservado em meio as manchas no

papel. Era uma carta sobre outra carta. A primeira temos um parágrafo aqui, já a outra, nunca leremos.

Desapareceu em meio a crosta de papel, tinta e lágrimas. Era a própria viajante quem escrevera. Eu

já desconfiava. Sentia-se condenada a viver em um corpo de uma vida que não lhe era confortável.

“Há um tempo, escrevi uma carta a mim. Era adolescente, tinha pouca idade e muita imaginação.

Naquela época, já divagava sobre coisas e coisas. Pensava. Queria dialogar com o futuro, como

naquela história. O tempo passou e não tenho tantas saudades do que fui. Li os conselhos que me

dei. Como eu tinha medo do futuro que me parecia tão incerto... Ontem ouvi algo que me fez lembrar

essa história toda. O homem dizia que quando plantamos, a última coisa que vemos é o fruto. Não se

pode queimar as etapas que são naturais. Quando escrevi, naquela época, plantei e só hoje vejo que

toda insegurança era a desconfiança de quem enterra uma semente. Aliás, que desespero enterrá-la

e não ver mais nada. Olhava para a terra e parecia que nada sairia dali.”

Imagino que este trecho foi escrito enquanto as lágrimas eram colhidas. O restante do papel carregava

manchas. Não posso acreditar que alguém chore assim. Mas essa história é sobre inventar. Inventei e

está aqui escrito. Não é para acreditar. Importante mesmo é a gente pensar se tudo isso aqui se deve

as lágrimas de um estranho.

Bebi o choro de alguém que não se encontrava na vida ou com a vida. Engoli a angústia de alguém.

Como seria possível isso? Parece que só temos espaço para sofrer um ser, nunca vários. Não queremos

o sofrimento de ninguém, mas e se pudéssemos, dividiríamos o nosso?

Page 52: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Trinta e quatro metros

Agora devo avançar até o meio da avenida. Quantos metros percorremos? Passamos pelo

canteiro e não percebi?

– Canteiro não seria no canto? Como chamar o espaço entre duas avenidas?...

Não deveria usar interrogações. Quem lê uma história, lê em busca de respostas. Tentemos ser mais

afirmativos. Falar de certezas atrai pessoas.

Fé. Os homens buscam aquietar-se diante do inexplicável, acreditando firmemente em declarações e

frases feitas. Acredite, só eu sei onde é atrás da árvore.

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A árvore

Page 54: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Trinta e cinco metros

Penso comigo. Quantas vezes já passei pelo mesmo lugar e nunca me ocorreram histórias como essas.

Sempre via a árvore. Sempre vi copos com líquidos. Entretanto, como a junção de tudo isso, de uma

forma quase incoerente, me fez mergulhar em mim também?

E ainda me falta entender onde é o lugar que sempre me pareceu evidente, mas que agora me perturba.

Atrás da árvore! Ora, não sei onde é atrás da árvore! Não venha me dizer, “depende do seu ponto de

vista”, isso não desvendaria nada, continuaria sem saber. Na verdade, você também não sabe...

– Você mentiu.

Até ontem pensei que só eu percebia essa árvore. Todos passam por ela com tanta pressa, nem a

notam. Não raro, pergunto a alguém se já percebera a beleza contrastante de folhas que mostram o

sentido do vento e um ar que mal podemos respirar; ninguém nota.

Ninguém vê o vento. Ignoram a árvore. Há um semáforo que rouba a atenção à natureza. Mas, alguém

não só percebeu, como abandonou um copo atrás. Atrás?

Page 55: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Trinta e sete metros

A imagem é incrível. Quando observo a árvore, enquanto me distancio, tenho a impressão de que a

cidade cresceu a sua volta. Ela está em cima de uma colina que, ao que tudo indica, protege sua raiz.

Isolada da natureza. Subsiste entre um estacionamento de um hipermercado e uma avenida

hipermovimentada. E, sozinha, representa o que já foi floresta.

É inevitável não me ver ali. A máxima é, “o homem não é uma ilha”. Mas parece que, o homem,

enquanto essência de verdade e beleza sempre será uma ilha. Os homens passaram a investir cada vez

menos no espírito e passam a investir de forma exponencial em “coisas”.

Quando um homem investe no seu espírito, vai se tornando uma ilha em relação ao mundo; vai se

tornando a árvore solitária onde um dia foi floresta. Poderíamos dizer que essa ilha, esses raros

humanos formam um grande arquipélago diante do infinito. Assim são vistas todas as pessoas que

cuidam do espírito e entenderam o essencial da humanidade. Só poderíamos enxergá-las se

estivéssemos além do infinito.

Olhando do satélite aquela árvore parece até estar perto de outras – também isoladas no meio da

cidade – demonstrando até certo arborizo urbano. Mas naquele instante em que me vi diante dela,

parecia sozinha.

Estava – tão ingênua – em sua tentativa de lembrar a alguém que tudo já fora floresta. Fez-me pensar

tudo isso. Enquanto saio de sua sombra e sigo em frente, mostro-lhe minhas costas, numa

demonstração de superioridade.

Aposto que ela já presenciou inúmeras vezes essa cena. Homens, de tempos, épocas e índoles

diferentes viraram, deram as costas a quem permaneceu no mesmo lugar até que todos estes

morressem.

Ser árvore. Ficar. Causar encanto e espanto, servir para descanso. Mas copos sobre suas raízes, não

posso crer ter sido comum ao longo de todos esses anos. Se ao menos soubesse onde é sua frente,

encerraria essas divagações aqui. Nem a árvore sabe onde fica suas costas.

Depois de tantos anos no mesmo lugar, enfim, ela é palavra e viverá ainda mais. Estamos convidados

a, ironicamente, eternizar a imagem poética de uma árvore no meio da cidade neste papel feito de

árvores mortas.

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– Bravíssimo!

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Quarenta metros

Meus passos curtos devem irritar quem me observa. Mas quem lê percebe que já percorri um longo

caminho. Cinco metros no asfalto ou cimento da cidade parece um espaço curto para tantos

pensamentos. No entanto, se estivéssemos a mergulhar já seria possível se afogar. As palavras são

cilindros de oxigênio para mergulharmos em nós mesmos. Espero que não tenha se cansado: andei

pouco, mergulhamos muito. Sobrevivemos.

Será que em outros tempos aquela viajante e aquele de quem gostava se encontraram aqui? Antes de

toda a cidade ser erguida, teriam eles desfrutado da sombra daquela mesma árvore. Talvez a sombra

fosse menor, ou já tivesse esse tamanho há muito tempo. O que eu sei sobre árvores... nada! O

estranho mesmo é a gente estar num mundo que já foi de outros. Nossas ruas, nossas casas, nossas

árvores já serviram a outras pessoas em tempos passados. Até sentar-se num banco de ônibus ganha

outro sentido quando pensamos assim.

As árvores passam pelos homens e não os homens pelas árvores. Quando usamos o tempo ao invés

do espaço, há essa inversão. Mas essa história é sobre espaço, cinquenta metros. Aliás, será possível

não relacionar o espaço ao tempo?

O espaço de um berço não cabe o homem que deixou de ser criança com o tempo. Os homens deixam

o berço e ganham o mundo. As árvores permanecem em aparentes berços. Subterrâneas, enganam

nossos olhos. Muitas são maiores de raízes e podem ser cortadas onde for, permanecerão vivas

subversivamente.

As árvores, os homens e a terra. O que é superficial é vencido pelo tempo, ainda que percorra longos

espaços. A que tem raízes profundas limita seu espaço e se alastra perpassando o tempo. A terra é o

sumo dos dois, síntese da vida que é matéria. Aquela que é aberta para receber os homens quando

morrem, abre para trazer a vida árvores. Ali o que era vivo se decompõe e a vida se recompõe.

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Cinquenta metros

Por um instante, sinto vontade de voltar atrás. Desistir da travessia dessa avenida. Ignorar o

semáforo. Sentar embaixo dessa árvore e ouvir suas histórias. É como se a gente devesse ter harmonia

total com a natureza. Cada marca naquele ser, galho caído, folhas perdidas na calçada e o som que o

vento a faz produzir, parece me contar algo que não posso entender sendo assim como eu sou. E eu

me achando sensível porque a percebia. Ver e perceber não parece suficiente.

Quem viajou no tempo foi árvore. Sua história de amor era subterrânea. Suas raízes encontravam-se

com as raízes de seu amor e produziam frutos. Sua história tornou-se triste porque foi condenada à

solidão de estar numa cidade. Não podemos resolver isso nem com palavras.

Jamais conseguiríamos replantar sua família. Talvez o tronco, os galhos, enfim, a madeira de seu

amor é o móvel onde o escritor apoia suas teclas. Como podem achar os homens que suas histórias

de amor é que são tristes.

A avalanche de concreto dizimou a floresta. As casas plantadas desfizeram famílias inteiras.

O tempo passou e o orvalho se transformou em lágrimas. Pudera deixar de ser árvore e sair dali,

correndo e se lançar no primeiro rio – se não fosse poluído – e deixar-se levar até o oceano que é

infinito.

As enchentes na cidade parecem atender a um pedido desesperado desses seres que não querem mais

ser sós. Ignorados por todos, no máximo, recebem cordas que servem de balanço que ferem e

imprimem novas marcas.

Nunca tinha pensado em árvores assim. Todo livro já foi árvore. Bibliotecas são jardins. Histórias de

amor e poetas são consequências dessa natureza. Não nasci na Mata Atlântica, sou da cidade, aprendi

que a beleza vem da simetria, do ângulo reto. Preciso reaprender a olhar e a ser.

– Já ouviu falar em ebook? Chegamos.

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Parte Crônica

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Animal

Sem que o animal tivesse tempo para reagir, avançou e torceu o pescoço do bicho e não largou até

sentir vazios os pulmões. Ao lado, chorou sobre o corpo de sua criança morta por uma fera. Haviam

sinais de luta, as mãos da pequena estavam machucadas, com muito sangue.

Num instante de lucidez, percebera que havia uma faca na porta de um dos quartos. Sorriu em meio

ao desespero, entendeu que o filho lutou pela vida, se armou, foi bravo. Levantou-se e foi em direção

a porta. Quando abaixou para pegar o objeto, seus olhos seguiram os rastros de sangue quarto

adentro... Um par de botas enormes. Seguido por calças pretas e uma jaqueta escura. O cadáver

também tinha os cabelos mal cortados e as unhas enormes.

Lembrou-se dos momentos em que o garoto e o bicho brincavam e sorriam. Sim, o animal sorria. Há

na natureza uma pureza que perdemos com o tempo. Parece que a vida civilizada, moderna, ou como

quiser chamar, nos rouba a alegria. Os bichos sempre nos lembram que a vida é pra viver, não só pra

ganhar.

Entendeu.

A garota havia sido vítima de outro bicho. Um homem. E ele matara um inocente. O pobre animal

havia lutado para salvar sua criança, por isso estava também coberto de sangue. E ele, também um

homem, feriu um ser sem que este pudesse se defender. Compreendeu ali que ser humano não era

motivo de orgulho. Decidiu que devia morrer e fazer justiça, diminuir a humanidade. Com a mesma

faca, cortou-se, esvaziando, enfim, seu corpo. Com os olhos prestes a fechar para sempre, viu sua

criança abrir os olhos...

Page 61: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

3ª Guerra Mundial no mundo de quem?

Chegou como quem venceu a terceira guerra mundial (letra minúscula). Mas não há vencedores em

uma guerra. São todos Caim. Mas como elegeu a violência como estilo de vida, sentia-se plenamente

satisfeito. Sempre dizia para si mesmo que sua defesa era legítima. Perdeu as contas de quantos corpos

(como gostava de se referir àqueles que não eram seus)...

Naquele programa de tv, que dá pena, anunciam a morte de Abel e as investigações que apontam

Caim como principal suspeito.

- Põe na tela! Pode por, meu filho! Vamo, Vamo, que a gente tem que voltar no caso da mulher que

arrancou os polegares do marido! Sem polegar, quero ver o safado usar smartphone pra falar com

ex... Vamo lá! Reportagem na tela: (narração)

"A história de Caim e Abel todo mundo já conhece, a gente mostrou com exclusividade aqui, logo

depois da reintegração de posse do Jardim do Éden. Mas resolveram reabrir as investigações, uma

vez que, crimes semelhantes continuam acontecendo." (corte para o apresentador)

- A gente vai agora ouvir a psicóloga forense Dra. Harmanda. Ela coordenou uma reconstituição do

crime e traçou o perfil psicológico de um Caim em potencial...

Harmanda começa sua análise: "Um irmão mata o outro irmão. Parece corriqueiro por aqui. Mas nem

sempre foi assim. Nossos estudos apontam para Caim, como precursor de um comportamento humano

letal. O caso mais recente é o do traficante Kim. Ele foi morto pela polícia. Todos o reputavam por

Caim, mas nossa grande surpresa foi descobrir seu verdadeiro nome: Abel. Caim, então, foi aquele

que o feriu. Em nossa reconstituição da cena ficou evidente que Kim, o Abel, fazia benesses à

comunidade e era querido por todos. O atirador, que disse se sentir 'vencedor nessa batalha' já foi

visto diversas vezes oferecendo péssimo serviço aos moradores daquele lugar. Ser Abel ou ser Caim

é uma escolha do indivíduo. Tem Caim dos dois lados. Sabemos que o que Estado oferece ao povo é

por vezes aviltante. Mas o Estado não existe, as pessoas existem, elas preferem eliminar quem faz o

que tem que ser feito a oferecer benesses a outrem. Toda guerra começa com o sentimento de um

Caim..."

(o apresentador interrompe)

Page 62: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

- Olha só esses homens aí, cada um de um lado da guerra. A nossa guerra urbana de cada dia! Só não

entendi o porquê de teoria, reconstituição de Caim, Abel! Corta pras mãos sem os polegares! Agora

bota a cara da mulher que fez isso! Já, já a gente volta... Polegares, polegares, onde estão? Aqui

estão...

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Há pedra, há água, há rio

Silêncio. Tranque a porta. Desligue a música. É necessário silêncio. Seria importante fechar os olhos.

Mas se todos fecharem os olhos, terei que falar. Prefiro escrever. Então, olhem apenas para este texto.

Nada atrapalhe essa lei-tura.

Há muito tempo atrás, foi que aconteceu. Era no tempo em que a humanidade não conhecia a

ideia de propriedade, não existiam cercas proibindo a passagem. A terra era de todos. Os frutos

abundavam e as águas eram bebíveis. Toda sexta-feira era santa. Animais e homens pareciam ter

aquela aura superior, capazes de ouvir e entender um ao outro, em silêncio.

Era num tempo em que não se escrevia. As palavras eram cravadas na alma. Assinavam com o

olhar. Reverenciando o silêncio, que sempre dava vazão aos cantos dos pássaros. Esses seres voantes

viam tudo de cima e pareciam selar o que se acordava sob o chão.

Sol de dia era vitamina para tudo e todos. Lua de noite era sonho, a indagação sobre o infinito

onde ela estava pendurada. Homens e mulheres viviam. Só isso. O que poderia dar errado?

**

Era manhã, como hoje foi manhã. A umidade que envolvia parte da terra e dos homens, escondeu

uma lágrima no rosto de alguém. Este ser havia sentido o que não sabia expressar, não existiam

palavras para descrever - até hoje não saberia expressar. Talvez você entenda o que sentiu, quando

souber o que ele fez. Saiu errante, no sentido oposto ao de todos os outros.

Andou dias, procurou algo por toda a parte, mas não encontrou. Então, não fazia sentido. A

primeira angústia aconteceu, ele a nomeou assim. Estava incomodado pelo simples fato de existir.

Procurou ouvir o canto dos pássaros, mas não havia mais silêncio dentro de si. Já não podia acreditar.

Comia por comer, bebia por beber, andava por andar. Amava? Quem? Estava sozinho agora.

Não se reconhecia como mais um animal. Os animais passaram a representar perigo. Pareciam

ameaças. E num encontro com um cervo, sem que pensasse muito, desferiu golpes com o galho que

levava sempre em uma das mãos: matou. Esse encontro mortal foi chorado por todos, o silêncio

propagara a notícia em toda a terra. Matar um cervo aliviou sua angústia. Mas o alívio logo passaria.

Com as mãos sujas com sangue prosseguiu sem saber para onde. Perdeu-se totalmente. Não

lembrava mais como era antes. Os outros não mais lhe interessava.

Page 64: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Completou, sem que soubesse, uma volta ao mundo de então. Só percebeu quando avistou os

outros homens. Eles continuavam a viver. Comiam para viver, bebiam para viver, andavam para

viver. A vida parecia acender uma brasa no peito deles. Quis viver também. Mas não podia mais, o

sangue daquele animal secou desde o seu rosto até os pés, qualquer luz que se acendesse em seu peito

revelaria aos outros que foi um assassino. Pois os olhos dos homens viam, mesmo quando fechados.

Decidiu morrer. Seria melhor morrer. Buscou no horizonte a pedra mais alta. Agora sabia para

onde marcharia. Não seria mais errante. Tinha um destino - palavra que este inventou. E foi.

**

Enquanto subia, olhava para o chão. Via cada partícula de vida se mover. A água que escorria

entre as árvores, parecia murmurar-lhe algo. Não entendia. Prosseguia. Serpentes o surpreendiam,

teve de correr algumas vezes, sem entender bem o porquê. Ia em direção ao cume de suas angústias,

parecia estar prestes a encontrar enfim seu lugar no mundo. Quando finalmente chegou ao topo da

pedra do ponto-mais-alto-da-própria-angústia, como nomeou no caminho, olhou para todos os lados.

Deveria escolher o lugar onde deixaria de existir. Sentou-se pela última vez. Ao seu lado, na pedra,

surgia água por uma pequena fresta. Passou a observá-la. Era constante, jamais se interrompia aquele

vazamento insistente.

Deitou então seu rosto ali, fez suas lágrimas misturarem-se com aquela água. Levantou a cabeça

e mirou o caminho daquelas águas. Ao longe, via o rio. Mas não podia acreditar que toda aquela

imensidão de águas brotaria daquela pedra, da fenda minúscula de onde a água insistia em nascer. Se

fosse verdade, suas lágrimas haviam de fazer chorar toda a terra porque seriam parte do grande rio.

Talvez salgassem o mar.

Partilhara com o mundo uma parte do que sentiu e não pode nomear. Não a angústia que era sua.

Mas aquilo que sentiu e não podia nomear. Angústia era sintoma. Era isso!

Neste instante, percebeu. Aquela água poderia limpá-lo do sangue animal que havia secado em

seu corpo. Mas, certamente, espalharia esse sangue rio abaixo. Era necessário escolher. Nasceu a

dúvida. E espalhou-se por todos os lugares onde o rio corria, subiu pelas raízes das plantas, os homens

banharam-se nela.

Fez-se escuridão. O caminho para a pedra tornou-se inóspito. Ninguém ousaria subí-la. O silêncio

que comunicava a paz entre os homens deu lugar às canções. Algumas fazem lembrar de como tudo

era antes. Outras tantas, revelam que o mundo jamais voltará a ser como foi. Até os pássaros hoje

Page 65: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

cantam por cantar, presos por quem apreciava seu voo e se encantava com seu testemunho da vida

dos homens.

Depois disso, só uma sexta-feira é santa. Àquela em que o caminho para a pedra foi reaberto. Lá,

a água continua a jorrar limpa e todos os homens podem deixar as lágrimas e as mazelas de uma vida

de dúvidas e angústias. Poucos sobem até lá. O caminho é estreito, terrivelmente belo. Não é fácil.

Ah, e muitos não acreditam, pois a dúvida está por toda parte: no leito dos rios, nas raízes das plantas

e nos homens, que ao se banharem, sem saber, inundaram-se nela...

Luiz Henrique, sexta-santa 2014

Page 66: Livro Digital - História de 50 metros e outras histórias crônicas

Queria ser nuvem, pairar

Newton, um nome estrangeiro que lhe rendeu boas provocações. Desde muito cedo, aprendeu que o

"w" um dia entraria para o alfabeto do Português. Não sabia que isso demoraria tanto. Seu nome

parecia clandestino. Por isso, em sua imaginação ele fazia parte deste clã: o clã-destino. O nome de

um homem é como ele é apresentado ao mundo. Ele sabia disso.

Nascido em uma cidade tão pobre e desarranjada, se sentia estrangeiro. Ainda criança, ganhou

um apelido: Nito. Não se importou durante muitos anos com este chamamento vulgar. Aliás, sentia-

se parte daquilo tudo, se livrara do "w". Corria pelas ruas, arranjava confusão com crianças da outra

rua... Se perguntassem seu nome, dizia sempre: "Nito, por quê?!". Ninguém revidava.

Dizem que a educação deve vir de casa. O pai de Nito era pedagogo e pensava assim. Sua mãe

era livre, não trabalhava, mas jamais ficava desocupada - educava seu filho, ensinando desde a

convivência familiar à social. O garoto cresceu assim, recebendo a educação de que tanto se fala.

Logo, descobriu que caráter e educação são coisas diferentes. Sabia se comportar, calar e não

responder. Mas isso nunca significou bondade ou maldade para ele; era só educação.

Nito cresceu, adolesceu e quis ser Newton. Decidiu entender e aceitar a si. Apresentava-se como

Newton, sorria quando escreviam "Nilton", corrigia docemente contando sobre Isaac Newton e sobre

o "w" que não existia no alfabeto do Português. Ria de quase tudo. Já havia entendido que o presente

viraria memória, que o que se torna memorável modifica o caráter.

A vida, então, a cada dia, se tornava uma ânsia pelo imprevisível e pelo inesperado. Nito entendia,

- desculpe, - Newton entendia que não seria possível forjar o caráter de um ser completamente exposto

ao acaso. Suas decisões refletiam a educação que recebeu, no entanto, sempre ficava muito evidente

que ele era livre para mudar suas memórias no futuro. Negar princípios. Questioná-los, ao menos.

Quando algo o surpreendia, pensava, antes de tudo, em como se lembraria daquilo no futuro. Um

jeito interessante de viver.

Se nosso caráter é fruto da nossa memória, investigar a memória genética e histórica seria

libertador. Recuperar a memória de seus antepassados parecia um caminho acertado. Então,

percebera seu grande defeito de caráter, não tinha genealogia. Sua árvore genealógica era a

mesma feita no jardim de infância, acabava nos avós; era tudo o que sabia. Não há documentos, seus

avós foram escravos, imigrantes, índios, desconhecidos. O imprevisível se tornara o imemorável. Não

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sabendo de onde viera, entendeu que em seu corpo podia correr o sangue do herói ou do bandido;

sangue azul ou "selvagem"... enfim, parecia livre para ser.

Mas seu nome era Newton, não Nito. Nome saxônico. Homem latino-americano. Sangue

imemorável. Brasileiro. Percebeu-se ao mesmo tempo singular e plural. Como as nuvens. Nuvens são

sempre únicas, têm aparências incrivelmente diferentes, mesmo sendo iguais. Entendeu. Somos como

as nuvens, que pairam no ar. Umas se dissipam. Outras tornam-se densas. Algumas se agrupam e

chovem. O vento leva. O tempo leva. São tantas, que não são inesquecíveis. Todos se lembram das

grandes chuvas e não das nuvens. A memória não é sobre os homens, mas sobre o que chovem, suas

ações.

Queria ser nuvem, pairar. Viver uma existência fugaz. Poder olhar tudo de cima, contemplar as

paisagens e passar pela terra chovendo onde há secura. Se o caráter se faz com memórias, se não é

possível prever o que será memória amanhã, a liberdade consiste em escolher ser efêmero. Já que,

para muitos, não há genealogia. A identidade de Newton foi formada do vapor de chuvas passadas

que molharam muitos e misturou-se ao sangue e ao suor de quem já foi nuvem.

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Sem

Sem que pudéssemos escolher. Sem que fosse possível evitar. Sem que, ao menos, completasse a

sintaxe básica, a ordem direta... A vida passou sob suas retinas. Era o instante. Por um fragmento de

tempo, viveu o presente. O que havia sido e o que sempre quis ser pareciam estar, agora, separados

por uma fenda. Uma enorme fenda no meio de uma floresta que jamais existiu.

Como as peças de um jogo sendo guardadas após o término da partida, percebera a inutilidade da

vida. Pudera. Todos os conselhos foram esvaziados. As palavras bonitas, só palavras bonitas. Que é

a vida? - perguntava-se insistentemente.

O desespero de se viver o presente está na angústia de não saber o que esperar. A vida imprevisível.

Tudo muda de repente. "Não mais que de repente?" E, o que lera, o que buscara, parecia agora estar

próximo. Todos procuramos o sentido-palavra. Quem inventou a palavra?

Sem que pudéssemos perceber, tudo isso passava pela cabeça daquele maldito ser. Odiávamos desde

seu nome. Não compreendíamos. Nem queríamos. Arrastamos seu corpo para o meio da avenida.

Sem que pudesse se defender. Sem uma condenação de juiz ou delegado. Sem que a vítima o

reconhecesse. Sem.

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Isso não é uma história, são só palavras

1808 foi ontem. Pouco mais de 200 anos se passaram. Éramos um país de analfabetos. Há

pesquisadores que apontam, sem medo: 99% não viam nas letras nada além de curvas e traços.

Hoje, difícil seria para você, que lê, repensar sua relação com as palavras. Propor a si mesmo enxergar

apenas os traços e contornos de cada letra.

Palavras são histórias. Transcendem a tinta, a tela e o traço. O que eu escrever, farei você enxergar.

Posso guiar teus olhos para ver além do que é tangível ou palpável.

Dizia isto, pois estava perto de seu fim; e ele insistia que o narrador não era o autor. O texto era o

autorretrato de um autorretrato, nada parecido com a história de Doran Gray. Aliás, cinza era sua cor

preferida.

Olhava os girassóis e tentava descolorir a imagem em seu pensamento. É possível descolorir girassóis

no pensamento? (Ei, pare de tentar! Assim você confirma a tese dita: o escritor guia os olhos do leitor

para além de uma tela de computador).

As asas de um avião eram postas no chão para que ao deitar-se entre elas fosse lembrado como um

anjo pós-moderno.

Com palavras as colagens são mais perfeitas do que com ilustrações vazias de subjetividade. Ou seria

possível ilustrar um silêncio que penetra à alma pelo centro do peito como um fio de cabelo tênue e

tão firme que fura sem ser visto - como uma agulha flexível? Há uma palavra para isso: angústia.

Entende?

De pensar que existem pessoas neste mundo imenso que pensam que no Brasil andamos nus, na

companhia da fauna local. Mal sabem que estamos nos empenhando em destruir florestas, assistir

seriados em inglês, consumindo traduções de “literaturas de massa” e muito fastfood...

Evoluímos muito em 200 anos. Até criei um texto surrealista.

Luiz Henrique, Carapicuíba-SP

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110 anos

E se... As alternativas são armadilhas que te prendem ao passado. E essa história começa assim.

Era domingo, como toda semana, de todo mês, de todo ano. Mas sempre levava a sensação de que

podia ser diferente. Ora, diferente... Impossível alterar a ordem cósmica.

Mas encontros inesperados sempre acontecem. Inesperados para nós. Óbvios para o universo.

Enquanto planeja-se uma ação, outros são impelidos a agir. Porque, então, estariam sempre na mesma

condução, mesmo em horários diferentes? Tudo bem que poucos trabalham aos domingos, mas não

parecia lógico.

Os dois nasceram no mesmo dia 11 de abril de 1904. Os olhos, pretos, como estivessem dilatados.

Um andar parecido, ele dificuldades com a perna esquerda, ela, com o joelho direito aos cacos. Mas

isso só percebi depois do quinto desencontro entre os dois.

Ela subia com dificuldades no coletivo, fazendo o operador esperar por quase 4 minutos. Quatro

paradas à frente, ele subia e demorava outros 4 minutos. Ninguém reclamava. Afinal, era domingo.

Aos domingos, tudo fica mais demorado.

Ela descia primeiro. Jamais trocaria olhares com outro passageiro, muito menos comigo, o cobrador,

pois os olhos dela fitavam, com uma fé inabalável, o próximo degrau. Ele fingia ser indiferente a tudo

e a todos; aprendera que homem tem de ser sisudo, sério, e até mau, se preciso for.

Seus pais se conheceram na maternidade, no dia em que seus filhos vieram ao mundo. Um mundo

que, até então, não amanhecera em guerra.

Tantos anos depois, pareciam estar condenados à vida, porquanto ignoravam o destino que lhes fora

imposto. E se o encontro acontecesse, enfim, morreriam?!

Tenho vinte anos de profissão. Minha profissão é uma poesia. Cobro a dor. A dor do cidadão que

paga caro para não ter que caminhar muito. A dor dos desencontros e de encontros que vejo todos os

dias, sem que essas pessoas percebam. Às vezes parece que eu sou invisível. Depois que inventaram

esse cartão bom aí, tem gente que acha que não precisam mais de mim. De vez em quando, alguma

pessoa senta aqui e puxa uma conversa. Mas o que eu gosto mesmo é de observar e ouvir histórias.

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Agradecimentos

Esse livro só foi possível graças a um financiamento coletivo na plataforma catarse.me. Foram mais

de 90 apoiadores que acreditaram e contribuíram para que este livro fosse impresso. Sou muito grato

a cada uma dessas pessoas que, de maneira muito singela, ajudaram para que esta realidade fosse

possível.

Agradecimentos especiais,

À família que acreditou o tempo todo: Karina, esposa amada, Mizael, pai, Lourdes, mãe e às irmãs,

Adriana e Noemi. Aos amigos que me apoiaram desde o início: Noemi Ferrer, Adriana Ferrer,

Vanessa Oliveira, Leandro Ortunes, Michele Ortunes, Ernane Fernandes, Ellion Montino, Gustavo

Fernandes, Heidy Mota.

Aos nossos primeiros apoiadores no catarse.me, que acreditaram prontamente no projeto e

contribuíram: Karina Cunha, Camila Maria Ferreira Benedito, Renato Jorge Felismino, Samuel Chen,

Mizael Ciriaco Cunha, Márcio Cruz!

Os apoios ao projeto tornaram o sonho possível. Nosso agradecimento aos apoiadores: Vagner Nunes

Ferreira, Ernane da Silva Fernandes, Joaquim Oliveira, Juliana Rosa Lima, Heloísa de Souza,

Vanessa Oliveira, Valdeci Alves Montino, Cleonice Eliamara R. Teixeira, Andressa de Sá Alves,

Maria Nice Ferreira, Alexandre Torrezan Masserotto, Junior Cesar de Almeida, Márcio Estevão

Rebeca Tostes, Edilma Candiani, Gabriel Rocha Lopes Gaspar, Fabiano Soares, Jefferson Carlos de

Oliveira Ferreira, Katia Souza, Priscila Maitan, Dashiell C. Isquedo, Alessandro Elias, Fátima

Aparecida de Souza Oliveira, Heloísa de Souza Oliveira, Lirian e Alexandre, André Guedes, Giselle

Probst do Amaral, Marilza Cristaule, Tatiane Cristaule, Márcia Regina Lima, Maria Soares (vó Tata),

Katia Albino, Madonna Macedo, Gustavo Fernandes, Felipe de Viveiros, Angélica Monção Lima,

Geovane Alencar, Tacio Gomes, Ellion Montino, Rodrigo Martins Dos Santos, Sarah Cândido

Franca, Paula Tatiane de Almeida, Andréa Ferreira, Diana Gonçalves Ciarallo, Márcia Regina Lima,

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Jéssica Castro, Viviane Maria do Nascimento Saldanha, Bárbara (Babi), Ingrid Maglio, Jose Carlos

da Silva, Marcia Ferreira Nogueira, Rayane Rafaele Ferreira Pinheiro Gobbo, Edivaldo da Silva

Santos Junior, Vanda Alves, Natali Casaroti, Camila Flores Muniz, Claudio Regis Custodio, Débora

Daniluski, Jeany Ferreira da Silva, Júlio César Cristaule, Kelen Santos, Samira Castro, Miquéias

Novais, Olga Silva Rosa, Robson Adriano da Silva, Valéria Ferreira, Jonatas Eliakim, Juliana Macedo

de Oliveira Costa, Valdir e Ercilia (sogro e sogra), Wilton Galdino, Flavia Galante da Silva, Luiza

Ariva Neves do Nascimento, (tia) Beth Ferreira, Jacqueline Ferreira, Mazé, Cris e Micaella (os

Righeto)!

GRATIDÃO é a palavra que resume este projeto de 60 dias intensos e inesquecíveis! Saiba mais

detalhes em: http://catarse.me/pt/historiade50metros.

Muito obrigado! Vocês serão parte desta obra para sempre!

"...porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos..."

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LUIZ HENRIQUE FERREIRA CUNHA é professor. A sala de aula

é o lugar onde passa a maior parte dos dias comuns. As aulas de

Literatura e de Língua Portuguesa, bem como os projetos de Leitura

e Escrita são sua ocupação na vida. Escreve depois de pensar por dias

ou a partir de provocações que surgem nos diálogos com alunos. Ler

e escrever é ofício, obrigação e prazer. Quem já assistiu uma de suas

aulas sabe que gosta de palavras e costuma trata-las como elemento

sagrado. Acredita que elas, as palavras, são maiores que os homens

e a poesia, maior que as palavras. Formado em Letras, tem pós-graduação em Língua Portuguesa e

Literatura. Já lecionou em alguns colégios entre Barueri, Carapicuíba e Osasco. Hoje, é funcionário

público do Estado de São Paulo e do Município de Barueri, acumulando dois cargos de professor de

educação básica II.

Contato: [email protected]

Blog: http://luizhenrich.wordpress.com

Site: historiade50metros.com