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  • Fundamentos Histricos da educao

  • editora da universidade estadual de maring

    Reitor Prof. Dr. Dcio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mrio Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini

    conselHo editorial

    Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza EditoresCientficos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clves Cabreira Jobim Prof. Dr. Edson Carlos Romualdo Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atncio Paredes Prof. Dr. Joo Fbio Bertonha Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald Jos Barth Pinto Profa. Dra. Dorotia Ftima Pelissari de Paula Soares Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco

    equipe tcnica

    ProjetoGrficoeDesign Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mnica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio ArtesGrficas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercializao Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima

    Endereo para correspondncia:

    eduem - editora da universidade estadual de maring

    Av. Colombo, 5790 - Bloco 40Campus Universitrio87020-900Maring - Paran

    Fone: (0xx44) 3261-4103Fax: (0xx44) 3261-4253

    http://www.eduem.uem.br

    [email protected]

  • Fundamentos Histricos da Educao

    3Maring

    2009

    Formao dE ProFEssorEs - Ead

    Ruth Izumi Setoguti(ORGANIZADORA)

    2. ed. - revisada e ampliada

  • coleo Formao de professores - ead

    Apoio tcnico: Rosane Gomes Carpanese

    Normalizao e catalogao: Ivani Baptista CRB - 9/331

    Reviso Gramatical: Annie Rose dos Santos

    Edio e Produo Editorial: Carlos Alexandre Venancio

    Capas: Jnior Bianchi

    Reviso Grfica: Eliane Arruda

    Colaborao: Jean Pelloi

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Copyright 2009 para o autor

    Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo

    mecnico, eletrnico, reprogrfico etc., sem a autorizao, por escrito, do autor. Todos os direitos

    reservados desta edio 2009 para Eduem.

    Introduo educao a distncia/ Maria Luisa Furlan Costa, organizadora. - Maring: Eduem, 2009. 132 p. ; 21 cm. (Formao de Professores - EAD; v. 36). ISBN ????????? 1. Educao Cincia e pesquisa. 2. Trabalhos acadmicos - Normalizao. 3. Pesquisa- tica. I. Silva, Ana Cristina Teodoro da. II. Bellini, Marta, orgs.

    CDD 21. ed. 001.42

    I56

    Endereo para correspondncia:

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  • 3Sobre os autores

    Apresentao da coleo

    Apresentao do livro

    captulo 1

    OBJETO E MTODO DA HISTRIA DA EDUCAORuth Izumi Setoguti

    captulo 2

    EDUCAO INFORMAL E HISTRIAJos Flvio Pereira e Ruth Izumi Setoguti

    captulo 3

    A EDUCAO NA ANTIGUIDADE CLSSICA: GRCIA Acio Flvio de Carvalho

    captulo 4

    A EDUCAO NA ANTIGUIDADE CLSSICA: ROMA Renata Lopes Biazotto Venturini

    captulo 5

    A EDUCAO NA MEDIEVALIDADEJos Antnio Martins

    captulo 6

    A EDUCAO NA MODERNIDADEIvan Aparecido Manoel

    captulo 7

    A ERA DA ESCOLA MODERNA E DA EDUCAO CONTEMPORNEA

    Carlota Boto

    > 05

    > 07

    > 09

    > 13

    > 33

    > 51

    > 77

    > 97

    > 125

    > 147

    umrioS

  • 5ACIO FLVIO DE CARVALHO

    Professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de

    Maring (UEM). Graduado em Letras Franco-Portuguesas (Funfafi-PR).

    Doutor em Letras Clssicas (USP).

    CARLOTA BOTO

    Professora da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (USP).

    Graduada em Pedagogia (USP). Graduada em Histria (USP). Mestre em

    Histria e Filosofia da Educao (USP). Doutora em Histria Social (USP).

    IVAN APARECIDO MANOEL

    Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Franca). Graduado em

    Histria (Unesp/Assis). Mestre em Histria da Educao (UFSCar). Doutor

    em Histria Social (USP).

    JOS ANTNIO MARTINS

    Professor da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduado em

    Filosofia (USP). Mestre em Filosofia (USP). Doutor em Filosofia (USP).

    JOS FLVIO PEREIRA

    Professor da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduado em

    Histria (Unesp/Assis). Mestre em Histria Econmica (Unicamp). Doutor

    em Histria Social (USP).

    RENATA LOPES BIAZOTTO VENTURINI

    Professora da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em

    Histria (Unesp/Assis). Mestre em Histria e Sociedade (Unesp/Assis).

    Doutora em Histria Social (USP).

    RUTH IZUMI SETOGUTI

    Professora da Universidade Estadual de Maring (UEM). Graduada em

    Psicologia (Unesp/Assis). Mestre em Psicologia Educacional (Unicamp).

    Doutora em Educao (Unesp/Marlia).

    obre os autoresS

  • 7A coleo Formao de Professores - EAD teve sua primeira edio publicada em

    2005,com33 ttulosfinanciadospelaSecretariadeEducaoaDistncia(SEED)do

    MinistriodaEducao(MEC)paraqueoslivrospudessemserutilizadoscomomaterial

    didticonoscursosdelicenciaturaofertadosnombitodoProgramadeFormaode

    Professores(Pr-Licenciatura1).Atiragemdaprimeiraediofoide2500exemplares.

    Apartirde2008,demosincioaoprocessodeorganizaoepublicaodasegunda

    ediodacoleo,comoacrscimode12novosttulos.Aconclusodostrabalhos

    deverocorrersomentenoanode2012, tendoemvistaqueofinanciamentopara

    estaedioserliberadogradativamente,deacordocomocronogramaestabelecido

    pelaDiretoriadeEducaoaDistncia(DED)daCoordenaodeAperfeioamentode

    PessoaldoEnsinoSuperior(CAPES),queresponsvelpeloprogramadenominado

    UniversidadeAbertadoBrasil(UAB).

    Aprincpio,seroimpressos695exemplaresdecadattulo,umavezqueoslivros

    da nova coleo sero utilizados como material didtico para os alunos matriculados

    noCursodePedagogia,ModalidadedeEducaoaDistncia,ofertadopelaUniversi-

    dadeEstadualdeMaring,nombitodoSistemaUAB.

    Cadalivrodacoleotraz,emseubojo,umobjetodereflexoquefoipensado

    paraumadisciplinaespecficadocurso,masemnenhumdeles seusorganizadores

    e autores tiveramapretensodedar contada totalidadedasdiscusses tericas e

    prticasconstrudashistoricamentenoquesereferemaoscontedosapresentados.O

    quebuscamos,comcadaumdoslivrospublicados,abrirapossibilidadedaleitura,

    dareflexoedoaprofundamentodasquestespensadascomofundamentaisparaa

    formaodoPedagogonaatualidade.

    Por isso mesmo, esta coleo somente poderia ser construda a partir do esforo

    coletivo de professores das mais diversas reas e departamentos da Universidade Esta-

    dualdeMaring(UEM)edasinstituiesquetmsecolocadocomoparceirasnesse

    processo.

    Nestesentido,agradecemossinceramenteaoscolegasdaUEMedasdemaisinsti-

    tuiesqueorganizaramlivroseouescreveramcaptulosparaosdiversoslivrosdesta

    coleo.

    Agradecemos, ainda, administrao centraldaUEM,quepormeioda atuao

    diretadaReitoriaedediversasPr-Reitoriasnomediuesforosparaqueostrabalhos

    pudessemserdesenvolvidosdamelhormaneirapossvel.Demodobastanteespecfi-

    apresentaoda coleo

    presentao da ColeoA

  • iniciao cincia e a pesquisa

    8

    co,destacamosoesforodaReitoriaparaqueosrecursosparaofinanciamentodesta

    coleopudessemserliberadosemconformidadecomostrmitesburocrticosecom

    osprazosexguosestabelecidospeloFundoNacionaldeDesenvolvimentodaEduca-

    o(FNDE).

    Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-

    partamentode Fundamentos da Educao (DFE), vinculado aoCentrodeCincias

    Humanas, Letras eArtes (CCH),quenodecorrerdosltimos anos empreenderam

    esforosparaqueocursodePedagogia,namodalidadedeeducaoadistncia,pu-

    dessesercriadooficialmente,oqueexigiuumrepensardotrabalhoacadmicoeuma

    modificaosignificativadasistemticadasatividadesdocentes.

    No tocante ao Ministrio da Educao, ressaltamos o esforo empreendido pela

    Diretoria da Educao a Distncia (DED) da Coordenao de Aperfeioamento de

    Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educao de Educao a

    Distncia(SEED/MEC),queemparceriacomasInstituiesdeEnsinoSuperior(IES)

    conseguiramromperbarreirastemporaiseespaciaisparaqueosconvniosparaali-

    beraodosrecursosfossemassinadoseencaminhadosaosrgoscompetentespara

    aprovao,tendoemvistaaaodiretaeeficientedeumnmeromuitopequenode

    pessoasqueintegramaCoordenaoGeraldeSupervisoeFomentoeaCoordenao

    GeraldeArticulao.

    EsperamosqueasegundaediodaColeoFormaodeProfessores-EADpossa

    contribuirparaaformaodosalunosmatriculadosnocursodePedagogia,bemcomo

    deoutros cursos superiores adistnciade todas as instituiespblicasde ensino

    superiorqueintegrameoupossamintegraremumfuturoprximooSistemaUAB.

    MariaLuisaFurlanCosta

    Organizadora da Coleo

  • 9Estelivrofoiescritoespecialmenteparaosalunosquepretendemexercerouque

    jexercemaprofissodocentenassriesiniciaisdoEnsinoFundamental.Seuobjetivo

    principal propiciar um conhecimento amplo acerca da educao, objeto de todo

    aquelequeensina,mostrandoasalteraesqueelasofreaolongodahistriacomo

    produtoquedasrelaeshumanas.Aotraarasmudanasqueocorreramnopro-

    cessoeducacionaldesdeaAntiguidadeatapocacontempornea,oobjetivolevar

    oalunoarefletirsobreoscomplexoscaminhosdahistriadaeducao.

    Cabemaquiduasobservaesimportantes.

    Aprimeira refere-seao fatodequenopretendemosesgotar todaahistriada

    educaodahumanidade, sejapelaamplitudedoespaocronolgicoegeogrfico,

    sejapelavariedadedequestesqueessatarefaimplicaria.Porisso,orecortequeaqui

    fazemos abrange apenas o estudoda histria da educaonoOcidente, tendo em

    vistaqueneleradicanossaorigem.Portanto,talescolhanocorrespondeanenhum

    preconceitocontraaricacivilizaoorientalenemignornciadolegadodaeducao

    chinesa,indiana,egpcia,hebraicaetc.

    Umadascrticasmaisfrequenteseimportantesdaatualidadeincidesobreessaviso

    eurocntrica,justificadamenteinadequadaemnossapocaglobalizadaemulticultu-

    ral.Noobstante,precisoreconhecerainflunciaquens,brasileiros,recebemos

    detodoouniversoculturaleuropeu,acomearpelalngua,pelaescritaepelaforma

    depensaromundo,introduzidaspormeiodoscolonizadoresportugueses.Assim,

    importante compreender as nossas razes europias e o modo como a europeizao se

    impsemquasetodoomundo.

    Asegundaobservaodizrespeitoconcepo,interpretaoemetodologiade

    cadaautorquecolaborounestelivro,bemcomoaosfatoseducacionaisqueelescon-

    sideraramrelevantes.Emmeiovariedadetericaemetodolgicahojeexistentena

    rea,cadaumtevealiberdadedeabordarotemasegundoseupontodevista.Longe

    deserumproblema,consideramossalutarqueoalunotenhacontatocomasdiferen-

    tesconcepesmetodolgicaspelasquaisofenmenoeducacionalanalisado.

    Almdisso,temosaconscinciadequeoatodecontareinterpretarosfatosedu-

    cacionais taiscomorealmenteaconteceram, luzdeumapretensaobjetividadee

    racionalidade, em verdade um ideal inalcanvel, pois vrios fatores subjetivos, his-

    presentao do livroAapresentao do livro

  • iniciao cincia e a pesquisa

    10

    tricos,sociaisinterferemnesseprocesso,comoavisodemundodopesquisador,a

    escolhafilosfica,orecortetemporaletc.

    Deste modo, interferem na leitura do historiador da educao outros fatores como

    asquesteseosproblemasqueestelivroexpe.Emboraohistoriadordaeducao

    tenha a preocupao de no cair no anacronismo, de no fazer uma anlise atemporal,

    aformacomoeleinterpretaopassadoestinevitavelmenteligadasquestesdesua

    pocaeformacomoeleasv.Aesserespeito,TheoKobusch(2002,p.2)assinala:

    emtodainterpretaodeumapocapassadatambmhalgodensmesmos.As-

    sim,acadanovofatoacomunidadecientficapodeserlevadaaumareinterpretao

    dopassado.

    Paramostramosqueaeducaonosedesenvolveemlinharetaenemseapresen-

    tadeumanicaforma,masmultifacetadaecomplexa,estelivrofoiorganizadoda

    seguintemaneira.

    Oprimeirocaptulo,escritoporRuth IzumiSetoguti, refere-se,comooprprio

    ttuloindica,aoObjetoemtododahistriadaeducao.Aoescrev-lo,nossain-

    tenofoitrazer,paraoalunoqueestiniciandoocurso,adiscussosobreoquea

    HistriadaEducaoecomoelasedesenvolveaolongodoprocessohistrico.

    Osegundocaptulo,deautoriadeJosFlvioPereiraeRuthIzumiSetoguti,acres-

    centadoaolivronesta2.edio,tratadaeducaoinformal.Nele,seusautorespro-

    curamdistingui-ladaeducaoescolarformalemostramcomoelasedesenvolveno

    bojodastransformaeshistricas.

    Oterceirocaptulo,produzidoporAcioFlviodeCarvalho,apresenta-noscomo

    sedeuaeducaonaGrciaantiga.Abarcandoomesmoperodohistrico,Renata

    LopesBiazzotoescreveoquartocaptulo,cujotemaaeducaoemRoma.Cadaqual

    procuramostrar,atravsdoscaminhostortuososdahistria,asdiversasconcepes

    deeducaoqueforamformuladasnessasduassociedades.

    Oquintocaptulo,deJosAntnioMartins,avanaumpoucomaisnotempo,uma

    vezqueoautordiscorreacercadecomosedesenvolveuaeducaonamedievalidade

    ocidental.Mantendoaunidadeentreoscaptulos, JosAntonioMartinsdemonstra

    queaeducaotemummovimento,queacompanhaastransformaesqueocorrem

    nasociedade.

    Osextocaptulo,escritoporIvanAparecidoManoel,tratadaeducaonamoder-

    nidade. Ao analisar asprincipais questes educacionais daquelemomento, o autor

    mostraqueelasrefletiamoembateexistenteentreosdoismundos,omedievaleo

    moderno.

    Finalmente, no stimo captulo, Calota Boto aborda os problemas da educao

  • 11

    contempornea,maisespecificamenteosdaescolaatual.Paraentend-los,aautora

    buscanopassadoasuacompreenso.

    Apesardadiversidadedeabordagenstericaspresentesnolivro,ressaltamosque

    todoselesapresentamalgoemcomum:omovimentocontraditrioecomplexoda

    educao.

    Esta segundaedioumaboaoportunidadepara aorganizadora repararuma

    falha,nointencional,daprimeiraedio,quefoiaausnciadeagradecimentoaosau-

    toresquederamsuainestimvelcolaboraoparaaproduodolivro.Aorganizadora

    reconhecequesemavaliosacontribuiodecadaumdosautoresestelivronoteria

    sidoproduzidoenemteriatidoagrandeaceitaoqueconseguiujuntoaosacadmi-

    cosdediversoscursosdegraduaodaUEM.Registramos,aqui,osnossossinceros

    agradecimentosatodososautoresquecontriburamparaaproduodestelivro.

    RUTHIZUMISETOGUTI

    Organizadora do Livro

    \

  • iniciao cincia e a pesquisa

    12

  • 13

    oBJeto e mtodo da Histria da educao

    Ruth Izumi Setoguti

    introduo

    Vamoscomearnossasreflexessobreaimportnciadahistriadaeducaocom

    umpequenoexercciodeimaginao.Pense,imagine,sonhequevocestemuma

    grandemquinadotempo...,emumaigualzinhainventadapeloprofessorPardal,

    darevistaemquadrinhosDisney,quetransportaaspessoasparaopassado,presente

    ou futuro,paraasmaisdiferentes regiesdoplaneta,dependendodaposiodos

    botesdamquina.

    Derepente,vocgiraobotoparaumlado,posicionaaalavancaparaooutroe...

    pump!...estnoEgitoantigoepodevercomoerameducadososhomensnaquele

    momentoenaqueleespaotodistantesdens.

    Poderia ver, por exemplo, como eram educados os sacerdotes; refletir sobre as

    semelhanasediferenasentreaeducaoqueelesrecebiameaqueosnossosreli-

    giososrecebem.

    Los sacerdotesconstituamacamada socialmaiselevada, ao ladodanobreza.

    Considerandoqueasociedadeegpciaeramarcadaporumaprofundareligiosidade,

    asfunessacerdotaiseramdegrandeprestgiosocial.Osegpciosacreditavamqueos

    sacerdotes faziam a comunicao entre os deuses e os homens; portanto, sem eles no

    haveriacomooshomenssaberemdasrespostasdosdeusesassuasperguntas(ARRU-

    DA,1981).Imagineoquesignificavaparaumasociedade,emcujacrenaseatribua

    aosdeusestodotipodeinterferncia,interromperacomunicaocomeles!Naviso

    dosegpcios,tudonouniversopertenceaosdeuses,queosmesmossoafontede

    toda aprosperidadeque conhecemosnossosdesejos,quepodema todo instante

    interferirnosnegcioshumanos(GIORDANI,1983,p.106).

    OBJETO E MTODO DA HISTRIA DA

    EDUCAO

    1

  • iniciao cincia e a pesquisa

    14

    Almdessafuno,ossacerdotesadministravamosbensqueosfiiseoEstadoofe-

    reciamaosdeuses,purificavamtodasasmanhsostemplose,emseguida,ofereciam

    diversosalimentossdivindades.SegundoArruda(1981,p.59),emalgumasocasies

    os sacerdotes levavam um dos deuses a passear pelo santurio dentro de uma barca;

    emoportunidadesmuitoespeciais,levavam-noavisitaroutrosdeuses,numagrande

    embarcaoquepercorriaoNilo.

    Tornar-se sacerdote exigiaum longoprocessode aprendizagem,oque envolvia

    o conhecimentoda escrita, da gramtica edeum programade estudos religiosos

    queiamdesdeasimagensenomenclaturadosdeusesaorituallitrgico(GIORDA-

    NI,1983,p.1).Aofimdosestudos,oalunoerasubmetidoaumexamefinal.Aoser

    aprovado:

    tirava suas vestes, era lavado, barbeado, perfumado com unguentos, depois

    revestido com os ornamentos sacerdotais antes de ser introduzido no horizon-

    tedocu.Penetradodetemordiantedaideiadopoderdivino,podiaenfim

    aproximar-sedodeusemseusanturio(GIORDANI,1983,p.81).

    Namquina do tempo, voc teria a oportunidade tambmde conhecer e fazer

    comparaescomaeducaodosescribas,eliteintelectualdoEgitoantigo,aolado

    dossacerdotes.Oescribaegpciodesempenhoupapelindispensvelnaadministrao

    doEstado.Dependendodeseugraudeaperfeioamento,ocupavaoscargosefunes

    maisimportantes,comoodemagistratura,deinspetoria,defiscalizaoedecontabi-

    lidadedaproduodasterrasdofara.

    Porisso,noAntigoImpriosuaeducaosefaziacuidadosamentenasescolasdo

    palcio,chamadasdeacasadavida.JduranteoNovoImprio,aeducaodoescri-

    baficavasobaresponsabilidadedecadadepartamentodaadministrao,quepossua

    suaprpriaescolaedesignavaparaprofessoresosfuncionriossuperioresmaisexpe-

    rientes(GIORDANI,1983).

    Ao escriba era ensinada a arte de ler, de escrever, de realizar as operaes matem-

    ticas,declculobemcomoconhecimentosreferentesadministrao.Pormeioda

    descobertadassepulturasdosalunosmortos,verificou-sequeoprocessopedaggi-

    coincluaumagrandequantidadedeexercciosescolares.Nassepulturas,comoera

    costume,colocavam-seosobjetosqueosmortosmaishouvessemutilizadoemvida

    (GIORDANI,1983).

    Quantoaomaterialpedaggicodestinadoaprendizagemdaescrita,nelese in-

    cluamumtalovegetal,umatintanegrae indestrutvel,pedaosdeargila, lminas

    depedramole,pedaosdemadeirae(paraosmaisadiantados)papiro(GIORDANI,

    1983,p.82).

  • 15

    Emsuaviagemfantstica,vocpoderiaficarsabendotambmquetipodeeducao

    osescravosnaGrciaantigarecebiam,deacordocomasfunesquedesempenhavam.

    Poderia, por exemplo, visitar a casa de um comerciante muito rico e passar pela cozi-

    nha.Deparar-se-iacomummestrecozinheiro,secundadoporpadeiros,confeiteirose

    ajudantesdecozinha.Muitosdeleseramescravos,obtidospormeiodeguerras,depi-

    rataria,porcompra,porconquista,pornascimento,porrapto.Parasuasurpresa,veria

    algunsdelesseremmandadosaescolasdeserviosdomsticoseculinriapara

    umtreinamentoespecial.Ondehaviamuitosescravos,otrabalhoeraplanejado

    egerenciadoporsupervisoresemordomos(elesprpriosescravos)(MELTZER,

    2004p.72).

    Continuandocomseupasseio,voccirculariapelagora,pelostemplos,pelogi-

    nsio.Voltariaparaasuamquinadotempoeprosseguiriacomaviagem.Aportaria

    emRoma,emumapocapoucoanterioraonascimentodeCristo,everiaquealios

    prpriosescravoserameducadoresedesempenhavamimportantesfunesnasocie-

    dade.

    [...]osescravosfaziammaisdoqueastarefasdomsticasservis.Ocozinheiro

    ou a cozinheira, por exemplo, outrora visto como o tipo mais inferior, foi sendo

    valorizadomedidaqueavidadosromanossetornavamaisluxuosa.Aculi-

    nriapassouaserconsideradaumaarterequintada.Haviaescravosmdicos,

    enfermeirosecirurgiesveterinrios.AeducaoemRoma,quesedesenvol-

    verasobainflunciagreganossculosIIeIIIa.C.,estavaprincipalmentenas

    mosdosescravosgregosehomenslibertos.Oensinodoalfabetoedaleitura

    comeavaemcasa,comumpedagogus,escravoqueserviadetutoreguardio

    dacrianadeixadaaseuscuidados.Quandoacrianaaprendiaaler,iaparaa

    escola(MELTZER,2004,p.113-114).

    Depoisdeexploraraeducaonomundoantigo, jsaudosodeseusfamiliares,

    voltaria rapidamente para o tempo atual, e poderia se inteirar, com base no romance

    deDeborahEllis(2002)intituladoAoutraface,deumasociedadebemdiferenteda

    brasileira:adoAfeganisto.Apesardeesselivroserumaficoe,portanto,frutoda

    imaginao,paraescrev-loaautorabaseou-senashistriasverdicasqueouviunos

    camposderefugiadosafegosnoPaquistoenaRssia.

    1 O Talib um movimento religioso que surgiu no Afeganisto ao longo da dcada de 1980, no interior das escolas religiosas islmicas. Em 1996, a milcia talib conquista Kabul, a capital afeg, e em 1998 passa a controlar 90% do pas, instalando um regime de governo com base nas leis islmicas. As mulheres foram obrigadas a deixar o trabalho, a escola, e mandadas para a casa. Em fins de 2001, as foras militares americanas e inglesas, juntamente com algumas tropas de lideranas religiosas locais afegs, destituem os talibs do poder.

  • iniciao cincia e a pesquisa

    16

    Federal e a Petrobras, por exemplo.Oromancecontmumahistriacomoventedecoragemedeesperanaparaasgeraesmaisnovas, sobretudoparaasmulheres.Como jassinalamos,asmeninas,impedidasdefreqentaremaescola,puderamterumfiodeesperananabravuradealgumasmulheresqueorganizaramumaescolasecreta.Oriscodemortequecorriameraenormeemcasodeostalibsdescobriremaescolademulheres.NoAfeganisto,porqualquerinfrao,comopossuirumafotografia,assis-tirTV,andarcomcaladosdesaltoalto,aspessoaseramchicoteadasoupresas.

    Aescolaqueaparecenoromancetinhaapenascincoalunasemseuincio,todas

    elascomidadesprximas.Paraasorganizadorasdaescolaburlaremossoldadosdo

    talib,asaulaseramdadasemdoisgrupos,sempreemhorrioselocaisdiferentes,

    geralmentenascasasdasalunasounasdasprofessoras.Oensinoerabastantepre-

    crio,poisnemlivroshavia!(ELLIS,2002).Detodomodo,apesardaprecariedadedo

    ensino,issoeramelhordoquenada.

    Essamquinamaravilhosapoderia lev-lomaisumavezaomundofantsticoda

    literatura,noqualhistriasinventadasnosdizemtantodarealidadecomooutrosli-

    vros.Vocpoderialer,porexemplo,ofamosoromancedoescritorportugusdos-

    culoXIX,EadeQueiroz:OsMaias.Lvocpoderiaobservarquenoapenasem

    nossapocaqueospaispodemdiscordarentresinoquedizrespeitoeducaodos

    filhos.

    Logonoinciodoromancevocpoderialerqueumpai,osenhorAfonsodaMaia,

    ummembroda aristocraciaportuguesa, simpatizantedos revolucionrios franceses

    dosculoXVIIIecomeodosculoXIX,noseconformavacomaeducaoquesua

    mulher,DMariaEduarda,tambmdaaristocraciaportuguesa,masnosimpatizante

    dosliberaisrevolucionrios,insistiaemdaraofilho.Mesmoqueomaridolhetivesse

    provadoqueocolgioinglsondequeriaqueofilhoestudasseeracatlico,elaprefe-

    riuchamarumpadreportugusparaatuarcomopreceptordofilho.

    Provocava-lhecertotemoraquelecatolicismomoderno,semtradio,semroma-

    rias, sem fogueiras pelo So Joo, sem imagens do Senhor dos Passos, sem frades

    nasruas(QUEIROZ,1980,p.19).Decididamenteissonolhepareciareligio.Por

    isso,mesmoenfrentandoairadomarido,mandoubuscaremLisboaopadreVasques,

    porquetinhacertezadequeeledariaumaeducaocatlicatradicionalbaseadano

    latimenacartilha.ParatristezadeD.Afonso,todasasvezesquevoltavadealguma

    caadaoudasruasdeLondres,[...]ouvianoquartodosestudosavozdormentedo

    reverendodoutrinadoseufilhonumarepetioincansvel:Quantossoosinimigos

    daalma?(QUEIROZ,1980,p.19).

    Vocveriaqueopaiaspiravaparaofilhoumaeducaoaoarlivre,umaeducao

    liberal,ticaenoreligiosa,combasenoensinodascincias,umaeducaodocorpo

    edoesprito.Elenoseresignavae,comoemtodafamliacujoscnjugesdiscordam

  • 17

    entresi,fingiaconcordar,massempreprocuravaarrancarofilhodasmosdoprecep-

    tor.Era,contudo,impotente.

    Emum mpetode indignao,D. Afonso entrava subitamentenoquartodePe-

    drinhoeinterrompiaaauladopadreVasques,agarravaofilhopelamo,conduzia-o

    paraforadacasa.Levava-oatsmargensdofamosorioTmisa,ondeeleeofilho

    poderiamcorrersobasrvores.Queria,aindaqueporumbrevetempo,queomenino

    seesquecessedosensinamentosdaIgrejaCatlicatradicional:

    Masamamacudiadedentro,emterror,aabaf-lonumagrandemanta:depois

    l fora o menino, acostumado ao colo das criadas e aos recantos estofados,

    tinha medo do vento e das rvores; e pouco a pouco, num passo desconsolado,

    osdoisiampisandoemsilncioasfolhassecasofilhotodoacovardadodas

    sombrasdobosquevivo,opaivergandoosombros,pensativo,tristedaquela

    fraquezadofilho[...](QUEIROZ,1980,p.19).

    Lendotudoisso,vocpoderiaseperguntar:essasdiferenasquantoeducao

    dofilhoeramresultantesdemerasescolhasindividuais?Possivelmentearespostado

    autordoromancenoseriaafirmativae,sevoccontinuassealeitura,poderiaverque

    esseembatefamiliarteriaorigemnaprprialutapolticaesocialdomomentoemque

    ahistriadoromancesepassa.EadeQueirozsituaessapartedoromancenastrs

    primeirasdcadasdosculoXIX,quando,nasociedadeportuguesa,travava-seuma

    acirrada lutaentreos setores tradicionaiseosmodernos, lutaquedesembocouna

    RevoluoLiberalemPortugal.

    Deum lado, estavamaquelesque, comoopaideD.Afonso,benziam-se ao

    nome de Robespierre , atribuindo aos jacobinos todos os males da ptria, prin-

    cipalmenteaperdadascolnias.Paraexpulsarosjacobinos,elesapoiavamo

    InfanteD.Miguel,MessiasforteeRestauradorprovidencial.

    Deoutrolado,estavamaquelesque,comoD.Afonso,liamGuizot,Rousseau,

    Volney,HelvcioeaEnciclopdiaequeapoiavamumarevoluoliberalem

    Portugalparaafastardamonarquiaportuguesaoramodaaristocraciaconserva-

    dora(QUEIROZ,1980,p.15).

    Assim,vocpoderiaobservarqueasdiferenasentreconcepeseducacionaisno

    interior da famlia no apareciam apenas no casal, Dom Afonso e Dona Maria Eduarda,

    mastambmentreopaieofilho.Maisdoqueisso,vocpoderiaobservarqueelas

    ocorriamnasociedadetodaeque,naverdade,eramaexpressodeumembatemaior

    entreoliberalismo,doqualosinglesesnaquelesmomentoeramosmaioresrepresen-

    tantes,eamonarquiaconservadora.Esseembate,porsuavez,tinhaorigemnosacon-

  • iniciao cincia e a pesquisa

    18

    tecimentoshistrico-mundiaisdefinsdosculoXVIIIeinciodoXIX,naRevoluo

    FrancesaenaRevoluoIndustrialinglesa.

    D.AfonsodeMaiaerapartidriodoliberalismoedesejavaumanobrezaculta,ilus-

    trada,digna,dandoemtudoadireomoral,formandooscostumeseinspirandoa

    literatura,vivendocomfaustoefalandocomgosto,exemplodeideiasaltaseespelho

    demaneiraspatrcias (QUEIROZ,1980,p.17).Porcausadesuas ideias liberaisem

    plenapocaconservadora,monarquista,D.AfonsodeMaiaviuestarrecido,aoladoda

    esposaedofilho,asuacasasendoinvadidabrutalmentepelapolciaportuguesa.Aps

    esseepisdio,D.AfonsofoiexpatriadoparaaInglaterra.

    Voc veria, entoque,mesmo como exlio,mesmoestandona Inglaterra, pas

    de bero e tradio liberal, esse entusiasta das ideias liberais no teve respaldo para

    educarseufilhodeacordocomsuasaspiraes:avencedorafoiame,apoiadana

    tradicionalIgrejaportuguesa.

    Continuandoaleroromance,vocencontrariaD.AfonsodaMaia, jvelho,po-

    dendorealizarseussonhosdeumaeducaoliberal.Essapartedoromancejno

    tratadofilho.Este,quetinhasidoeducadonasbarrasdassaiasdospadresportugue-

    ses,suicida-se,deixandoumfilhinhoparaovelhopaieducar.Ento,EadeQueiroz

    contariaparavocque,emPortugal,nasegundametadedosculoXIX, jexistiam

    condiesparaqueD.Afonsopudessedaraonetoaeducaoliberalqueoutroraele

    queriaparaofilho.

    Seunetosim,comoapenascincoanosincompletosjdormianumquartos,sem

    lamparina;etodasasmanhs,zs,paradentrodeumatinadeguafria,svezesa

    gearlfora...Eoutrasbarbaridades.Senosesoubesseagrandepaixodoavpela

    criana,haviadesedizerqueaqueriamorta...Masno,parecequeerasistemaingls!

    (QUEIROZ,1980,p.52).crianaerapermitidocorrerlivremente,subirnasrvores,

    molhar-se,sujar-se,talcomoumfilhodecaseiro.Todavia,nahoradecomer,querigor!

    Acrianaspoderiacomeremdeterminadoshorriosedeterminadosalimentos.

    Sevoccontinuassemaisumpoucoaleitura,veriaaindaqueessaorientaoedu-

    cacionaldada aCarlos, oneto,noera resultantede ideiasproduzidasnaprpria

    cabeadeD.AfonsodaMaia.NelareverberavamasinflunciasdeSpencer,Herbarte

    outrostericosdaeducaodosculoXIX,cujasideiasdisseminavam-sequasepelo

    mundo todo. Seria importante se vocpudesse terum tempinhopara se informar

    sobre essas teorias e essas doutrinas educacionais, contextualizando-as no interior dos

    embatessociaisdosculoXIX:oescritorlhedariaindicativosparaisso.

    2 Vide as atividades aos alunos que esto ao final deste captulo. 3 Idem.

  • 19

    Voltemos,portanto,aoobjetivodoexercciodeimaginaopropostonoprimeiro

    pargrafodestecaptulo,queoderefletirsobreaimportnciadahistriadaeduca-

    o.Utilizandodiversasfontes,inclusivealgumasliterriasouartsticas,essadisciplina

    temafunodeforneceraoalunocondiestericasetemticasparaqueelecom-

    preendaofenmenoeducacionalcomoumprocessocomplexo,nolinear,noqualse

    manifestaojogodeforasquedsustentaosdiferentessociedadesqueohomem

    construiunodecorrerdesuahistria.Essacompreensoimplicaocontatocomdife-

    rentesexplicaesparaomesmofenmeno,implicareconhecerosembatesquedo

    formasdiferentesperspectivaseducacionaisnotempoenoespao.Reconhec-los

    umaformadeelucidarosconflitoseducacionaisexistentesnaatualidade,tantoemter-

    mosindividuais,familiares,quantoemumcontextomaisamplo,emtermosdeaes

    sociais e depolticaspblicas, em seusmais diferentesnveis:municipal, estadual,

    federalemundial.

    Passemos,portanto,aoprximoitem:objeto,mtodoefontesdahistriadaedu-

    cao,pormeiodoqualvocseriniciadonosaspectoscientficosdessareadaedu-

    cao.

    Histria da educao: objetos, mtodos e fontes

    Parteintegrantedacinciahistrica,aHistriadaEducaotemporobjetodeestudo

    acompreensodaeducaoedesuastransformaesaolongodotempo.Essaconcep-

    oindicaabuscadeumacompreensoglobaldodesenvolvimentodaeducaocomo

    algomediadopelasociedade(SAVIANI,1998,p.14).Nopodemospensaraeducao

    comoumfenmenoemsi,isoladodascircunstnciashistricasqueaengendram.

    Em cada poca, em cada sociedade, desenvolvem-se formas educacionais corres-

    pondentesaomodocomoelaseorganiza,sepensaouseidealiza,ouseja,correspon-

    dentes as suas crenas religiosas, seus valores culturais, econmicos epolticos, as

    suasregrasdeconvivncia,concepodeinfnciaquesetem,aoadultoquesequer

    formar.Almdisso,asformaseducacionaisestorelacionadastambmaosproblemas

    existentesemcadasociedadeemaneiracomoasociedadeospercebeetentalhes

    darsoluo.Nestesentido,aeducaotemporfinalidadeconservaretransmitiras-

    pectos essenciais e indispensveis para a preservao da cultura, mas tambm buscar

    renov-losecorrigi-loscontinuamenteparafazerfrenteanovassituaes(ABBAGNA-

    NO;VISALBERGHI,2001).Assim,quantomaiscomplexaaorganizaosocial,mais

    complexaediversificadasertambmaeducao.

    Oconceitodeeducaoapresentadoissentidosquesecomplementam.Nosenti-

    do mais pontual, restrito, ela compreendida como o esforo ordenado, sistemtico

    deuma sociedade sobrea infnciae a juventudeafimde form-laeencaminh-la

  • iniciao cincia e a pesquisa

    20

    emumadadadireo.Trata-se,portanto,daeducaoformal,realizadapormeiode

    instituiesreligiosaseescolares,cujosfinsexpressamasrelaesexistentesentreos

    diferentessetoresouclassesdasociedade.

    NaAntiguidadeorientaleocidental,porexemplo,haviaapreocupaodepreparar

    osjovensparadesempenharfunessociaisespecficasdaquelacomunidade,comoa

    deguerreiro,sacerdote,escriba,cozinheiroetc.Naatualidade,paraatendersnecessi-

    dadesdasociedadecontempornea,cujaexignciaumaformaoplural,aeducao

    formalbastante amplae complexa. realizada concomitantementepor inmeras

    instituiesoficiaiseno-oficiais,comoaescoladasredespblicaseparticulares,as

    escolasdeingls,decomputao,denatao,deKumon,deredao,deculinria,

    decondutores,asescolasprofissionalizantesetc.

    Emoutrosentido,maisgeral,aeducaocompreendidacomoa:

    aogenrica,ampla,deumasociedadesobreasgeraesjovens,comofimde

    conservaretransmitiraexistnciacoletiva.Aeducao,assim,parteintegran-

    te,essencial,davidadohomemedasociedade,eexistedesdequandohseres

    humanossobreaterra(LUZURIAGA,1972,p.1-2).

    Trata-se,aqui,deumaeducaoinformal,espontneae,muitasvezes,inconsciente.

    Na sociedade ps-industrial ou sociedade do conhecimento, notamos, paralela-

    menteexpansodaeducaoformal,umcrescimento,talvezaindamaior,daeduca-

    oinformal.Denossopontodevista,asescolasdeixaramdeserainstituiosocial

    bsicanaqualoindivduoaprendeouseeduca.Aintensificaodointercmbioentre

    aspessoas,asfacilidadesdedeslocamentopropiciadasporinmerosmeiosdetrans-

    portes,seubarateamento,apropagaomundialdainternet,aexpansodoscinemas,

    dordio,datelevisocriamnovasformasdeaprendizagem,naqualaspessoastm,

    pelomenosemtese,certaautonomiaparaaprenderoquequerem,quandoquereme

    comoquerem.Atendnciadesencadeadacomessesnovosmeiosatenuarasdiferen-

    asentreaeducaoformaleainformal.

    Assimsendo,umadiscussosobreahistriadaeducaodeveevitaraidenti-

    ficaomecnicadeescolacomeducao.Alis,nahistriadahumanidadenem

    sempre existiu a instituio chamada Escola, ou seja, um local determinado para

    ondeaspessoassedirigemafimdeaprendercontedosespecficos.Aindahoje,

    emplenosculoXXI,conhecemosalgunspovos,algumasetniasquenopossuem

    escolaenemporissodeixamdeeducar,detransmitirsgeraesmaisnovasa

    suacultura,aquiloqueconsideramvitalparaaexistnciadacomunidade.Opro-

    cessode aprendizagemda criana vaiocorrendono cotidiano,no contato com

    os adultos.Destemodo, gradativamenteela vai assimilandoas regras sociais, o

  • 21

    cdigomoral,oscomportamentosdesejados,aconcepodemundo,dehomem,

    asformasdetrabalhodaquelacomunidade.Ouseja,independentementedafor-

    ma,aeducaocomponentefundamentaldaculturadedeterminadasociedade.

    ComopontuaLuzuriaga(1972,p.2)semaeducaonoseriapossvelaquisio

    etransmissodacultura,poispelaeducaoqueaculturasobrevivenoesprito

    humano.

    Porconseguinte,oobjetodahistriadaeducaosoasdiferentesmodalidadesde

    educaoqueahumanidadecriounodecorrerdotempo.Valelembrarqueaeducao

    formal e a informal mudam historicamente, ou seja, no ocorrem sempre do mesmo

    modo,variamdeacordocomapocaecomaformadeorganizaosocial,poltica,

    religiosaeeconmicadecadapovo.Associedadesmudamaotransformarasrelaes

    entreoshomens e, comelas, a organizao social tambm sofre alteraes.Como

    umaspectodasociedade,evidentemente,eemcorrespondnciacomela,aeducao

    tambmsemodificae,assim,passaaterasuahistria.

    Histria da pedagogia ou Histria da educao

    A nosso ver, no podemos discorrer acerca dessa disciplina universitria ou da rea

    especficadoconhecimentodaHistriadaEducaosemantesmencionarmosahist-

    riadapedagogia,umavezqueestaaantecedenotempo,emboraressaltandoquenem

    sempreosestudiososdessasduasreasestabelecemumantidadistinoentreelas.

    Ahistoriografiaquetratadahistriadapedagogiaoudahistriadaeducaomuitas

    vezesempregaessestermoscomosinnimos,ignorandoasdiferenasdemtodoe

    deobjetoexistentesentreessasduasformasdeconceberaeducaoequerevelam

    profundastransformaeshistricas.

    Asobrasproduzidasnareadacinciadaeducao,atadcadade1970,emsua

    maioriatrazemcomottulohistriadapedagogiaousuasvariantes,comocincias

    pedaggicas,porexemplo.Porvoltadadcadade1970,todavia,osttulospassama

    serdenominadoshistriadaeducao.Essasubstituionocasualenemrepre-

    sentaumasimplesopodeseusautores.Naverdade,elaocorreemummomentoem

    queahistriadapedagogiasedistancia,deformaclaraeconsciente,dairmsiamesa

    daeducao,afilosofia,eaomesmotempoaproxima-seexplicitamentedacinciada

    histria.nessadcadaqueomtododeestudohistrico,quesempreestevepresen-

    tediscretamentenahistoriografiapedaggica,passaaocuparlugardedestaquenos

    estudospedaggicos.

    UmaretrospectivadahistriadapedagogiamostraquedesdeosculoXVIIexis-

    temtrabalhoshistricosrelativoseducao.EntreofinaldosculoXVIIIeinciodo

    sculoXIX,entretanto,nobojodohistoricismo,desenvolve-seahistriadapedagogia

  • iniciao cincia e a pesquisa

    22

    naAlemanha.NocomeodosculoXIX,sobainflunciadoIdealismo,ahistriase

    tornaumaferramentadeanliseparatodososaspectosdavidahumana(LUZURIAGA,

    1972,p.19).Agnesedosfatoseacompreensodopresentepassamaserbuscadas

    nahistria.Emumintervalodecemanos,ahistriavaiseespecializandoesurgem

    aHistriadoDireito,aHistriadasCincias,aHistriadaArte,aHistriaCultural,a

    HistriadaPedagogiaetc.

    Inseridanesseprocesso,ahistriadapedagogiaconheceumavigorosaexpanso

    emtermosdeproduohistoriogrficaepassaaserintroduzida,comodisciplina,em

    diversoscursosdasuniversidadeseuropiaseamericanas.

    Osprimeirostratadoshistrico-pedaggicosforamescritospelosdiscpulosdeHe-

    gel (Cramer, Sapp,Thaulow).Depoisdeles, surgem inmerasoutrasobras comoa

    deK.A.Schmidt,Enciclopdia da Educao e da Formao(Alemanha);adeG.

    Schmidt,A Histria da Educao(1883/Alemanha);adeSnchezdelaCampa,His-

    tria Filosfica da Instruo Pblica(1871/Espanha);adeLafuente,A Histria das

    Universidades e demais estabelecimentos de Ensino (1883)e,ainda,ostrabalhos

    clssicosdeCompayr,ParozeAntonininaFrana(LUZURIAGA,1972,p.20-21).

    Ahistriadapedagogia,entrefinsdosculoXIXemeadosdosculoXX,desen-

    volve-sesobainflunciadafilosofiaedahistriacultural,incluindo-senestaltimaa

    sociologia.Aomesmotempoemqueofocodahistriadapedagogiacontinuaaseras

    ideiasedoutrinaspedaggicas,elaampliaseulequecomanlisessobreasinstituies

    educacionais.

    Narealidade,oshistoriadoresdapedagogiadetectamoproblemadeseuobjeto

    deestudo,limitadoquaseexclusivamenteinvestigaodasdoutrinaspedaggicas:

    asprticaspedaggicas(ahistriadomaterialdidtico,ahistriadosmtodosde

    ensino,ahistriadosmanuaisdeensino,ahistriadoensinodainfncia)easinsti-

    tuieseducacionaisnoencontravamnelaumespao.Suagrandelacunaestavano

    fatodeque,aorestringirahistriadaeducaosdoutrinasousideiaspedaggicas,

    ignorava-seaprpriaprticapedaggicaquelhesdeviacorrespondernotempo.

    Assim,daperspectivadesseshistoriadoresdapedagogia,haviaumhiatoentreos

    ideaispedaggicos traadospelosfilsofoseoupensadoresclssicos,comoPlato,

    Erasmo,Rousseaueoutros,eoqueseensinava,defato,emsuasrespectivaspocas.

    Ouseja,haviadeum ladoos ideaispedaggicosedeoutrooqueseensinavanas

    escolas.Fazia-se,necessrio,portanto,preencheressalacunaeresolverosproblemas

    apontados.

    Assim, confluempara a histria dapedagogia estudosdahistria das doutrinas

    pedaggicas, dosmtodos de ensino e da histria das instituies educacionais. A

    histriaculturalintroduzapreocupaocomaschamadasestruturashumanaseas

  • 23

    instituieseducacionaispassamaservistascomofatoresfundamentaisquecondicio-

    namaeducao.

    Doravante,combasenessaperspectivacrticaerevisionistaquesoescolhidos

    novosobjetosdeestudos,relacionadossociedade,famlia,religio,aoestabele-

    cimentoeducacional,circunscrioadministrativa,aosprocessosecostumeseduca-

    tivos.

    DaAlemanha,reforandoessatendnciaquedestacaaprepondernciadasinstitui-

    esnaformaodosersocial,ecoaavozdeDilthey.Estepropequeahistoriografia

    pedaggicacentreosestudosnahistriadaorganizaoescolar,nahistriadoensino,

    nosistemaadministrativoenahistriadocontedoemtodosdainstruo,semevi-

    dentementeabandonaroestudodasinflunciasdasdoutrinaspedaggicas.

    DaFrana,Durkheimnosensinaqualopesodainstituioeducacionalnaforma-

    odeumacrianaeporquenecessrioestudarosseusprogramas,quematrias

    devemserensinadas,almdefornecerumquadrodosmtodosdeensinodecadape-

    rodohistrico.Afinal,postulaele,quandoumacrianaenviadaescolaesubmetida

    disciplinadomeioescolar,eladescobreprogressivamentetodoummundosocial

    externofamlia,noqualconquistarseulugarsomenteaceitando-o,incorporando-se

    aele.Aprpriafamliav-segradativamentemodificada(DURKHEIM,1995,p.4).

    Deacordocomessanovatendncia,asideiaspedaggicasnososimplesteo-

    rias,masfatoshistricosquerevelamasdiretrizesassumidaspeloensinoepelaedu-

    caoemdeterminadosmomentos.Subjacenteaessatendnciaesttambmacrtica

    aumaleituradaeducaoquedestacaalivrevontadedohomemesuacapacidade

    individualdeintervirnodesenvolvimentodahistria,emlugardesubordin-loauma

    conjunturamaior, estrutura social e cultural.Neste sentido, asseveraDURKHEIM

    (1995,p.4)[...]emcadapoca,osrgosdeensinoestoemrelaocomasdemais

    instituiesdocorposocial,comoscostumesecrenas,comasgrandescorrentesde

    ideias.

    RenHubertmencionaopapelfundamentalqueDurkheimdesempenhounacon-

    solidaodessa tendnciahistoriogrfica,segundoaqualacriaoeamanuteno

    dainstituioeducacionalcorrespondemsdemaisinstituiessociaisbemcomoao

    idealdehomemedementalidadeexistentenaquelasociedade:

    Agrandeliodahistriadapedagogiaquecadasistemadeeducaodurou

    porquenadatinhadearbitrrio,porqueera,comodizDurkheim,aresultante

    deestadossociaisdeterminadoscomosquaiseraharmnico,porqueconcreti-

    zavaejustificavaoidealqueasociedadenaqualseinstitua,possuadohomem,

    doqueestedeveser,dotrplicepontodevistafsico,intelectualemoral.Seo

    sistemamudou,porqueaprpriasociedademudou[...]Nosetrata[...]de

  • iniciao cincia e a pesquisa

    24

    pedirmodeloshistria,masdeconvencer-se,peloestudodahistria,deque

    cadasociedadelevadaaconstruirosistemapedaggicoconvenienteasuas

    necessidades,aseuespritoe,maisaindaqueasuasnecessidadesmateriais,a

    suasconcepesdohomemevontadedepreserv-las(HUBERT,1976,p.4).

    Cabelembrarqueahistriadapedagogiaexpandiu-secomascontribuiesrelevan-

    tesdepessoasligadasescola,empenhadasnaorganizaodeumainstituiocada

    vezmaiscentralnasociedademoderna(CAMBI,1999,p.21).Durkheim,porexemplo,

    trouxeapblicosuaobraclssica,AEvoluoPedaggicanaFrana,emummomento

    emqueestavasendoanunciadaumagrandereformanoensinosecundriofrancs.

    Essatendnciahistoriogrficadapedagogiapermaneceataproximadamentead-

    cadade1970,quandosemanifestamnovasorientaesnocampodahistria,asquais

    provocam,navisodeCambi,umaverdadeirarevoluohistoriogrfica.Aconseqn-

    ciadessacriseasubstituio,cadavezmaisvisvel,dotermohistriadapedagogia

    pelahistriadaeducao.

    Convmassinalar queomodelo tericodahistria dapedagogia, combasena

    filosofiaounahistriacultural,abandonadonosanosde1970e1975,emconse-

    qunciadacrisedeflagradaem1968,queatingetodoomododosaberdascincias

    sociais.Noepicentrodessarevoluohumaseveracrticaespecializaodosaber,

    fragmentaodosconhecimentosedelimitaorestritivadeobjetos.Naleiturade

    Rojas(2000,p.317),oanode1968ummarcoapartirdoqualtodasasfronteiras

    disciplinares,osmtodosespecficos,osobjetosclaramentedelimitadoseasteorias

    exclusivasdecadaumadessascinciasparticularescomearamaseesvanecer[...].

    Nesseredimensionamentodetodaformadepensaredefazerahistriadapedago-

    giahouveumagrandeinflunciadapsicanlise,doestruturalismo,domarxismoeda

    escoladeAnnales,comsuasposterioresramificaes.

    Ainovaotrazidapelapsicanliseprincipalmenteaformulaotericadequeo

    processohistriconocondicionadoapenasporforaseconmicas,polticasecul-

    turaisouporaesconscienteseobjetivas,mastambmporaesinconscientes.Sua

    contribuiofoimostrarqueexisteopassadohistricoeopsquico,cujastemporali-

    dadesnotmamesmanatureza.Atemporalidadepsquicainconscienteeignora

    literalmenteaduraohistrica(BURGUIRE,1993,p.629).

    Quanto ao estruturalismoe spesquisas quantitativas, estas puseramo acento

    sobreaquiloqueimpessoalnahistria,sobreasestruturasqueregulamoscompor-

    tamentosindividuaisemprofundidade(instituiesoumentalidades)easleramcom

    variveisquantitativas,sujeitasaanlisessociais,areconstruesestatsticas(CAMBI,

    1999,p.26).Utilizando-sedosmtodosestatsticosedasmetodologiassociolgicase

    histricas,desenvolveu-seumaanlisecientficaqueestabeleciaarelao,porexem-

  • 25

    plo,entreoxitoescolareaorigemsocialdosalunos;entreodesempenhoescolar

    eograudeescolaridadedospais;entreograudeescolaridadeeamobilidadesocial.

    Essestrabalhosforamimportantesporquemostraramavinculaoexistenteentreo

    processoescolareaestruturasocial.

    Jomaterialismohistricotrouxeparaocentrododebateaimportnciaeopeso

    daestruturaeconmico-socialnasmaisdiferentesinstnciasdavida.Assim,paraessa

    correntehistoriogrfica,ahistriaaparececomolutadeclassesedeideologias,que

    searticulamemtornodesistemasdeproduoequevisamhegemoniahistrica,in-

    fluenciandocadambitodavidasocial,dafamliaaoEstadoecultura(CAMBI,1999,

    p.25).Osestudosdahistriadaeducaoprocuram,destemodo,ligaraeducao

    comaeconomia,apoltica,aculturaeasociedade.

    ComaproeminnciadaEscoladosAnnalesesuasderivaes,ocorreumaprofun-

    darenovaonapesquisahistrica,aqualtemrepercussesnointeriordahistriada

    educao.Suapropostadeintegrarpesquisahistricanosoestudodeestru-

    turas econmicas, mas tambm o de mentalidades, alm do pluralismo de mtodos,

    objetosefontes.

    Nessembito,osobjetoseostemasdahistriadaeducaoampliam-se,incorpo-

    randoaeducaodosfilhos,oadestramentoprofissional,asocializao,aintroduo

    vidaadulta,ahistriadainfncia,ahistriadafamlia,ahistriadatransmissode

    saberesedasprofisses,ahistriadaalfabetizao,ahistriadasmentalidades,afor-

    maomentalecultural,ahistriadoscostumes,ahistriadasinstituies(oexrcito,

    aescola,osinstitutosassistenciais,aorganizaoesportiva)emaisdiretamentetodos

    osprocessosdesocializao:formasdedevooepenitncia,oshbitoshiginicos,

    oscostumessexuais,oscomportamentosdoshomensagrrioseurbanos,osritos,as

    festas,enfim,avidacotidianadasmassasannimas,suavidaprodutivaesuascrenas

    (RAGAZINNI,1999,p.24-25).

    Ahistoriografiatradicionaltinharestringidootrabalhodohistoriadoradocumentos

    oficiais,atextosnormativosouregulamentareseaeditais.Emcontrapartida,aNovaHis-

    triapropeumarenovaonoconceitodocumento,oqualpassaacompreenderno-

    vasfontesdepesquisa,taiscomobiografias,autobiografias,livrosdefamlia,epistolrios,

    dirios,documentosparoquiais,registrodebatismo,decasamentoedebito,testamen-

    tos,iconografia,literatura,materiaisdidticos,cadernosescolares,registrosdematrculas,

    defrequnciaseaproveitamentoescolar,elementosfsicosesociaisdaescola,publicaes

    peridicas,levantamentosquantitativos,recenseamentos,listasdepreos,contratos,in-

    ventrios,legislao,monumentos,escritosreligiososepsicolgicoseoutros.Aproposta

    deinclusotambmdeinformaesoraiscomomeiodeseconhecerahistriadocoti-

    dianoparasevalorizarfatosantesconsideradossecundrioseinsignificantes.

  • iniciao cincia e a pesquisa

    26

    Assim,incluem-secomoobjetodeestudoahistriadosbrinquedos,dasbonecas,

    damodainfantil,dasfaixasutilizadasnosrecm-nascidos,edobaybag,doproces-

    so de assimilao no controle infantil do esfncter por efeito de certa educao, da

    incidnciadofluxomenstrualnaaprendizagemporpartedapuberdadefeminina,da

    alimentaocamponesa[...]etc.(RAGAZZINI,1999,p.39).

    ParaSaviani,seporumladoanovahistriatrouxeimportantescontribuiespara

    ahistriadaeducaoepossibilitouumestudomaisrico,complexoeamploacerca

    doqueentendemosporeducao,poroutro,preocupanteofatodeterfavorecidoa

    emergnciadeconcepesquedesintegramahistriaemmltiplashistrias,descon-

    siderandoasexplicaesdeamploalcance,sobajustificativadesereminviveisesem

    sentido(SAVIANI,2004,p.10).

    Entretanto, nem todos os historiadores da educao veem como um problema essa

    tendnciadeahistriadaeducaoseabriranovasquestes,flexibilizarosobjetos,

    osconceitoseasfontesdeinformao.Rugiu(1999),porexemplo,aindaqueare-

    conheacomoumparadoxo,exaltaaspossibilidadesdetrabalhoqueelaofereceaos

    historiadoresdaeducao.

    Aqueleoutrocolegaqueafirmaquetodaahistriasempre,nofinaldascon-

    tas,histriadaeducao,afirmaumparadoxonodesprovido,porm,deuma

    partedeverdade:qualquermomentodavidadoshomensedequalquersitu-

    aocompreendesemprefacesdecartereducativo,estudveiscomahistria

    socialoucomqualqueroutroenfoque.Seexisteumlugardepesquisaondeh

    espaoparatodosetodospodemcontardemodotilasuahistoriaestaa

    histriadaeducao(RUGIU,1999,p.38).

    Nestesentido,importanteconsiderarquetambmahistriadaeducao,pro-

    dutoquedasrelaeshumanas, temasuahistria.Aosedistanciardafilosofia

    e tornar-se tendencialmentehistriadaeducao,distanciou-se tambmdospro-

    cedimentosmetodolgicosqueacaracterizavam.Assimsendo,as reflexesmeto-

    dolgicas sobre histria da educao acompanham as controvrsias da teoria da

    histria.Independentementedascontrovrsiasedamultiplicidadedeanlisesque

    permeiamocampodahistria,existealgoqueasunificanotocantehistriada

    educao.Estaseapresentaaomesmotempocomoumacinciaeumadisciplina

    curricular, cujoobjetode investigao a educao analisado combasenos

    fatosdahistria.

    Essaadesodahistriadaeducaohistriavemsendoobjetodeampladiscus-

    soentreospesquisadoresdaeducao.

    DarioRagazzini(1999,p.30),professordaUniversidadedeFlorena(Itlia),pre-

  • 27

    coniza,porexemplo,queahistriadaeducaonoportadoradeumestatutopr-

    prio, nem reclama exclusividade de mtodos e objetos e se une a outros campos de

    estudohistrico,voltadosparaaeducao.

    Igualmente,Magalhesdefineahistriadaeducaocomoumcampodeaoque

    serealizapormeiodeumaabordagemhistoriogrficadofenmenoeducacional,utili-

    zando-sedeumamultiplicidadedeconceitoseconceitualizaesadvindosdapedago-

    gia,daantropologia,dafilosofia,dasociologia,dapsicologiaetc.(RUGIU,1999).

    Essaaproximaodahistriadaeducaocomahistria,tantodopontodevista

    do objeto, em razo da historicidade do fenmeno educativo, como do ponto de vista

    daabordagem,poispesquisaremhistriadaeducaoinvestigaroobjetoeducao

    sobaperspectivahistrica,tambmapontadaporSaviani(1998,p.11-12).

    Nessaproximidadecomahistria,ahistriadaeducao,comonopoderiadei-

    xardeser,trazparasioenriquecimentoterico-prticodaspesquisashistricas,mas

    tambmsuascontrovrsiasetendnciasterico-metodolgicas,suasincongruncias

    elimites.H,porexemplo,ascontrovrsiasentreosprprioshistoriadoressobreo

    queahistria,qualoseupapel,quaissoseusmtodoseobjetos,oquesofontes

    etc.Emsntese,observamosnahistriadivergnciasterico-metodolgicasentreos

    pesquisadores,asquaisacabamrefletindotambmnahistriadaeducao.

    a histria da educao remete noo de tempo

    Falaremhistriadaeducaoimplicafalaremtempo,emcronologia,emsituaros

    acontecimentoseducacionaisemumdeterminadotempodopassado.AndrBurgui-

    repropalaqueocortarotempo,osegmentaracronologia,umaformadetornar

    inteligvelopassadodassociedadeshumanas(1993,p.590).Mascomoperiodiz-la,

    medirotempohistricoedividi-loempartesouperodos?

    Acontagemdetempodohomemfeitadeanoaano(SAVIANI,2004).Logo,na

    sociedadeocidental,apercepodequeestamosaficarmaisvelhosdadaquandofa-

    zemosaniversrio.Paraoestudodahistria,contudo,essaunidadedetempomuito

    pequena,insignificante.Oshistoriadores(tradicionais)preocuparam-seemdemarcar

    acategoriasculoquandooperodoestudadodecemanos,emilnioquando

    demilanos.Paratornaraindamaisprecisaaperiodizao,criaramaindaascategorias

    Idade(IdadeMdia,IdadedoFerro,IdadedoBronzeetc.)paradefinirumperodoou

    umespaodetempodahistriadahumanidadequeapresentedeterminadascaracte-

    rsticas culturais, econmicas e sociais, e Perodo(perodoarcaico,perodoclssico)

    quandoserefereaumintervalodetempoentredoisacontecimentosouduasdatas

    marcantes.

    Devemoslembrarqueoscritriosdedivisoeouperiodizaodahistriasoarti-

  • iniciao cincia e a pesquisa

    28

    ficiais,convencionais,porissoquecadapovoestabeleceumaformadedemarcao

    econtagemdotempo.

    Nestelivro,adotamososcritriosdahistoriografiafrancesa,tambmchamadade

    historiografiatradicional.Nessadivisoadotam-secritriospolticosdeperiodizao,

    ouseja,oqueseparaumperododooutrosoosgrandesacontecimentospolticos.

    Evidentemente, se fossem adotados outros critrios, como, por exemplo, o econmi-

    co,osocialouoreligioso,ademarcaotambmseriaoutra.

    Porqueadotamosomodelodahistoriografiafrancesa?Porqueelaaindaapredo-

    minantenasescolasenoslivrosdidticosbrasileiros.Nohouveaindaumaproposta

    deperiodizaoquetenharecebidoaprovaoconsensualdoshistoriadoresdaeduca-

    o.Ademais,dopontodevistadeGiordani(1983,p.15),[...]oshistoriadoresvm

    mantendoa tradicionaldiviso,poisqueamesmanodeixade facilitarosestudos

    histricosetodasasoutrasformastmtambmsualimitao.

    Destemodo,nestelivroadotaremosoquadripartismo,ouseja,adivisodahistria

    daeducaonosseguintesgrandesperodos:IdadeAntiga,IdadeMdia,IdadeModer-

    naeIdadeContempornea.

    AIdadeAntigacompreendeoanode4000a.C.(antesdeCristo),quandosurgem

    os primeiros documentos escritos, e vai at o sculo V, com as invases dos povos br-

    baroseofimdoImprioRomanodoOcidente.OfimdaAntiguidademarcaoincio

    daIdadeMdia,queseestendeatosculoXV,maisprecisamenteoanode1453,

    comatomadadeConstantinopla(atualIstambul)pelosturcoseofimdaGuerrados

    CemAnos.Tem-seassimincioIdadeModerna,cujotrminodadopelaRevoluo

    Francesa,em1789.ComeaentoaIdadeContempornea,queduraatosnossos

    dias.Paraoshistoriadoresingleses,todavia,nohouveachamadaIdadeContempo-

    rnea;ahistriateriachegadoIdadeModerna,persistindoatosnossosdias.Ja

    historiografiasoviticaadotaoutrosparmetros,segundoosquaisomarcoinicialda

    HistriaModernaaRevoluoIndustrial(1760-1780)eodaHistriaContempor-

    neaaRevoluoRussade1917(ARRUDA,1981,p.20).

    4 A periodizao acima vlida somente para a Histria do Ocidente.

  • 29

    1. Expliquecomsuaspalavrasqualadiferenaentreahistriadapedagogiae

    ahistriadaeducao.

    2. Leiacomatenootextoabaixoerespondasseguintesquestes:

    Nasociedadeps-industrialousociedadedoconhecimentonota-se,paralelamente

    expansodaeducaoformal,umcrescimento,talvezaindamaior,daeducaoin-

    formal.Denossopontodevista,asescolasdeixaramdeserainstituiosocialbsica

    naqualoindivduoaprendeouseeduca.

    Oqueasociedadeps-industrialousociedadedoconhecimento?

    Senaatualidadeasescolasdeixaramdesera instituioexclusivanaqualas

    pessoasaprendemouseeducam,expliqueemquaisoutroslugaresocorreaeducao.

    Proposta de Atividades

  • iniciao cincia e a pesquisa

    30

    Referncias

    ABBAGNANON.;VISALBERGHI,A. Historia de la Pedagoga.BuenosAires:FondodeCulturaEconmica,2001.

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  • 31

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    SAVIANI,Demervaletal.O legado educacional do sculo XX no Brasil.Campinas,SP:AutoresAssociados,2004.(Coleoeducaocontempornea)

  • iniciao cincia e a pesquisa

    32

    Anotaes

  • 33

    Jos Flvio Pereira / Ruth Izumi Setoguti

    EDUCAO INFORMAL E HISTRIA

    2

    Oobjetivodestecaptulomostrarcomoaeducaodoshomens,nosentidode

    aquisioeformaodenovoshbitos,novasideias,novascrenas,novosvalorese

    novoscomportamentos,ocorrenosnointeriordaescola,masprincipalmentefora

    dela.Aestaeducaonoescolard-seonomedeeducaoinformal,precisamente

    porqueelaocorredemaneiranoformal,nosistemticae,muitasvezes,semuma

    claraintencionalidadepedaggica.

    (Aeducaoinformaldesencadeadaporvrias instituieseaeshuma-

    nas).

    Essaeducaoinformalsedesenvolvenobojodastransformaeshistricas

    dasociedadehumana,comoumprocessocego,constanteequaseimperceptvelde

    transformaoeeducaodoshomensaolongodotempo.precisofrisarqueno

    fcil captar essa educao informal comoobjeto de estudo justamente porque

    umobjetofludo,meionebulosoesomenteobservvelemumrecortemaisamplo

    dotempohistrico.Almdisso,esseno,ainda,umobjetodeestudoclaramente

    delimitadonocampodascinciasdasociedadeemesmonocampodacinciadaedu-

    cao.Noentanto,sabemosquetalprocessoeducativoinformalexisteconcretamente

    e desencadeado por vrias instituies e aes humanas, conforme j assinalaram

    grandesestudiososdasociedadehumana,dasmaisvariadasorientaestericas,dos

    quaiscitamosalgunsexemplos.

    1. a educao informal segundo alguns pensadores clssicos.

    (Opapeldafamlianaeducaoinformal)

    Maquiavel(1469-1527),pensadoritalianoeprofundoobservadordasaeshuma-

    nas,sustentavaqueasdiferenasnocomportamentoeramdeterminadas,entreoutras

    coisas,pelasdiferentesexperinciasevivnciasfamiliaresdosindivduos:

    Sodiferenasquenopodemderivarsimplesmentedosangue(quesemis-turapeloscasamentos):resultamdasdiferenasdeeducao,defamliaparafamlia.Umacrianacomeaaouvir,desdeosprimeirosanos,quecertacoisa

  • iniciao cincia e a pesquisa

    34

    boaoum,eestaopinioseimprimenoseuesprito,servindodeguiaparaorient-latodasuavida.(MAQUIAVEL,1994,p.429).

    Para ele, o ambiente familiar e os exemplos dados pelos adultos eram fundamentais

    paraeducaredeterminaroqueacrianaseriapelorestodesuavida.

    (Opapeldasleisnaeducaoinformal)

    CesareBeccaria(1738-1794),juristailuministaitaliano,defendiaatesedequeas

    leispenaisdeveriamserelaboradaseaplicadasdetalmodoque,aopunir, tambm

    servisseparaeducaroscidados:

    Oscastigostmporfimnicoimpediroculpadodesernocivofuturamentesociedadeedesviarseusconcidadosdasendadocrime.Entreaspenasenamaneira de aplic-las proporcionalmente aos delitos, mister, pois, escolher osmeiosquedevemcausarnoespritopblicoaimpressomaiseficazemaisdurvel,e,aomesmotempo,menoscruelnocorpodoculpado(BECCARIA,[19--],p.62).

    Aoseremaplicados,oscastigospenaisdeveriamatingirdoisobjetivossociais,ao

    mesmotempo:1-impedirqueoculpadofosse,futuramente,nocivosociedade;e2-

    desviarseusconcidadosdasendadocrime.Comojurista,Beccariavalorizavaaao

    dasleispenaiscomoinstrumentoeducativodoshomensemgeral.

    (Opapeldoprocessoprodutivo,datradioedocostumenaeducaoinformal)

    Marx(1818-1883)tambmobservouesseprocessodeeducaoinformaldoho-

    mem,desencadeado,segundoele,devriasmaneiraseporvriasinstituieseaes

    humanas. Analisando o processo histrico de formao do trabalhador assalariado

    livrenaInglaterraentreossculosXVIeXIX,eleafirmaqueparaseproduzirsocial-

    menteessetipodetrabalhadornobastaquehaja,deumlado,ocapitalista,donodos

    meiosdeproduoedesubsistncia,edeoutro,homenssemmeiosdeproduoe

    desubsistncia,obrigadosavendersuaforadetrabalhoparaviver.Eleacrescenta,

    tambm,quetampoucobastafor-losasevenderemlivrementecomoassalariados.

    preciso,almdessesrequisitos,queaproduocapitalista,aoprogredir,desenvolva

    umaclassetrabalhadoraqueporeducao, tradio e costumeaceiteasexigncias

    daquelemododeproduocomoleisnaturaisevidentes.Quandoaorganizaodo

    processo de produo capitalista chega ao seu pleno desenvolvimento, ela quebra

    todaaresistnciadostrabalhadores,quepassamaaceitaracondiodeassalariados

    comonatural(MARX,1980,p.854).

    QuandoMarxpostulaquenobastaforarostrabalhadoresaaceitaremacondio

    deassalariados,eleestquerendodizerqueocapitalismonopodedepender,como

    dependeunossculosXVIeXVII,daforaedaviolnciadaleiparaobrigarapessoa

    a se submeter aomercadode trabalho livre.Nesseperodo, como sabemos, abur-

  • 35

    guesiamanufatureiratevequesevalerdaforaedaviolncialegaisdoestadoingls,

    respaldadasporumalegislaocontraavadiagem,paraenquadrareeducarosantigos

    artesos e camponeses independentes no novo modo de vida e na relao de trabalho

    assalariada.Nessecaso,asleiscontraavadiagemdesempenharamumpapelcrucialna

    educao informal do trabalhador assalariado, melhor dizendo, na transformao do

    antigotrabalhadorindependentenessetrabalhadorassalariado.

    Masapartirdecertomomento,aestabilidade,alegitimidadeeoregularfunciona-

    mentodaproduocapitalistadependemdequeostrabalhadoresvejamarelaode

    trabalho assalariada como uma instituio natural e necessria dessa produo capita-

    lista.Marxpontuaqueotrabalhadorassimilaessavisodemundopelaeducao,pela

    tradioepelocostume.

    Entretanto, quandoMarx afirmaque a educao ajudano sentidode induzir o

    trabalhador a ver a relao de trabalho assalariada como uma instituio natural e

    necessria do capitalismo, ele no est, evidentemente, se referindo a uma educao

    formaldestinadaformaodetrabalhadorassalariado.SubentendemosqueMarxse

    refere a uma educao informal do trabalhador assalariado, educao informal esta

    queaconteceaolongodotempo,devriasmaneiras,difusaeemvrioslocais.

    A educao informal acontece, inclusive, na escola de primeiras letras, onde o tra-

    balhadoreseusfilhosaprendem,almdematemticaegramtica,princpiosmorais

    quevalorizamadisciplinanotrabalhoeorespeitopropriedadeehierarquiana

    sociedade,entreoutrascoisas.Elaacontecenoscultosreligiosos,principalmentenos

    puritanos,nosquaisotrabalhadortambmaprendearespeitarahierarquiasocial,a

    propriedadealheiaeausarseutempodemaneiraracionaleprodutiva.Elaacontece,

    ainda,naprpria famlia,comospaise irmosmaisvelhostransmitindoaostraba-

    lhadores mais jovens valores e ensinamentos acerca de como se comportar bem na

    sociedadeenoprocessoprodutivodafbricacapitalista.Elaacontece,finalmente,no

    interiordamanufaturaedafbrica,quandootrabalhadorsubmetidoaumadiviso

    dotrabalhomaisaprofundadaeaumahierarquiadecomandomaisrigorosa.

    Elaacontecepelatradio,quando,aolongodasgeraes,filhosefilhasacabam

    aceitando a condio de assalariados e reproduzindo a disciplina produtiva e moral

    dospaiscomotrabalhadoresassalariados.Aqui,atradiofamiliaroudeclasseque

    ajudanamoldagemdocomportamentodotrabalhadorassalariado.

    Ela acontece ainda pelo costume, com a repetio, ao longo das geraes, dos

    comportamentoseposturasdotrabalhadorassalariadodiantedavidaprofissional,fa-

    miliaresocial.arepetiodosmesmoscostumes,nafamliaounaclasse,quemolda

    ocomportamentodotrabalhadorassalariado.EmconformidadecomMarx,portanto,

    o trabalhador assalariado europeu, tal como aparece no sculo XIX, disciplinado e

  • iniciao cincia e a pesquisa

    36

    integradonasrelaesdetrabalhoassalariadas,resultado,basicamente,deumlongo

    processodetransformao/educaoinformaldohomemeuropeunahistriamoder-

    naecontempornea.

    (Aeducaodonobreguerreirofeudal)

    Peloqueexpusemosacima,percebemosqueaquestodarelaoentreeducao

    informalehistriapodeseranalisadadaperspectivadosmaisvariadosperodoshis-

    tricos.Noentanto,porumaexignciadidticaeparafugiraumaexposiomuito

    abstrata,genricaeatemporal,quedificultailustrarconcretamenteoqueestsendo

    dito,focaremosaanliseemumperodohistricoprecisodasociedadeocidental,o

    perododatransiodasociedademedievalparaasociedademoderna.Aindaporuma

    exignciadidtica,aanlisefocadanonobreguerreirofeudal,queconsiderado,

    aqui,nocomoumafigura social imutvelepetrificada,mas simcomoumafigura

    socialquevivedeacordocomsuascondiessociaisequetransformaseumodode

    sereseucomportamentoconformevoenfraquecendooudesaparecendoasformas

    devidamedievais.

    2. do nobre guerreiro Feudal (sc. Xi) ao nobre da corte absolutista

    (Xviii).

    Oqueverificamos,geralmente,nasdescriesdastransformaeshistricasnadi-

    reodamodernidadeumenfoquenamudanadasinstituies,dasleisedasideias

    comosetudoissofosse,emcertosentido,umprocessoautnomoqueinfluenciassee

    transformasse,externamente,ocomportamentoeomododeserdohomem.Paranos-

    soobjetivonestaanlisepartimosdopressupostodequetaisinstituies,leiseideias

    soelasprpriasprodutosdaaohumana,expressandoeinfluenciando,concomitan-

    temente,omododeserdohomememdeterminadosmomentosdahistriahumana.

    (Ocomportamentorefinadodonobredacorteabsolutista)

    ComparandoomododesereocomportamentodonobredaSociedadedeCorte

    francesadosculoXVIIIcomomododesereocomportamentodoNobreguerreiro

    feudalfrancs,constatamosgrandesdiferenas.OnobredosculoXVIII,conhecido

    comonobrecortspelofatodevivernacorteabsolutistaeassumirumcomportamen-

    5 Sociedade de Corte o ambiente social, poltico e cultural que se constitui nas grandes cortes abso-lutistas europias, a partir do final do sculo XV, com a afluncia da nobreza feudal empobrecida e da burguesia ascendente. Sob a liderana dos reis absolutistas, a corte absolutista moderna um grande centro formador e irradiador do comportamento, dos costumes e valores sociais, polticos e culturais considerados mais civilizados, ou seja, mais pacficos e refinados em comparao quilo que existia na pequena corte medieval. Paris, capital da Frana, o exemplo por excelncia dessa Sociedade de Corte, na qual o refina-mento e os novos valores e costumes civilizados atingem o grau mximo de desenvolvimento nos sculos XVII e XVIII. Paris , nesses dois sculos, o principal centro difusor dos valores, princpios e costumes civilizados.

  • 37

    tocondizentecomesseambiente,umapessoadeboasmaneiras,polida,pacfica,

    cordata,dissimuladaesubmissaaomonarcaabsoluto.Eleumapessoadeboasma-

    neirasepolidaporquenocomecomasmos,noescarranocho,nolimpaaboca

    eonariznatoalhadamesadejantaretc.Elepodeserconsideradopacficoporque

    recalcououperdeusuaantigacaractersticaguerreira,queolevavaaresolvertodosos

    conflitosetodasasdesavenascomseusinimigoseadversriospormeiodaespada

    emduelose justas,semterquedarsatisfaesaningum.Eleagoraumapessoa

    cordataporquesetornoumaistoleranteemrelaosposiesdiscordantes,egeral-

    menteestdispostoafazeracordospacficos.Eleumapessoadissimuladaporque

    noagesobosimpulsoseinstintos,eleagorasecontrolaedisfaraoquesentecomo

    formadesobrevivnciasocial.Eleumapessoasubmissaporque,mesmoacontragos-

    to,sempreobrigadoaselembrarqueexistealgumsuperioraele,queomonarca

    absoluto,monarcaestequeatuacomoprotetor,mediadoresuperiorpolticodetodos

    osmembrosdanobrezacorts.

    (Ocomportamentoviolentodonobreguerreirofeudal)

    Comoindicaahistria,essenobrenemsemprefoiassim,contido,educado,pacfi-

    co,esubmissoaorei.Nasociedadefeudal,essenobre,acimadetudo,umguerreiro

    turbulento,violentoeimpetuoso;napoltica,umlderarroganteearbitrrio;navida

    privada,umapessoaviolentaearbitrria,queesmurraefazcorrersanguedonarizda

    prpriaesposaapsumdesentendimentoqualquer.Navidaprivada,ainda,erarudee

    grosseiro,poiscomiacomasmossujasetinha,vistosobaticadohomemdosculo

    XVIII,hbitoshiginicosprimitivosegrosseiros.

    (Astransformaesestruturaisdasociedadefeudaleamudanadocomportamen-

    todonobreguerreiro)

    Oquedeterminouessasmudanascomportamentaisenomododeserdonobre

    guerreiro francs emdoismomentosdahistria?Comcerteza, no foi sentadono

    6 No devemos concluir, por isso, que existe uma relao mecnica e determinista entre as estruturas sociais e os comportamentos e costumes do indivduo, impossibilitando qualquer variao em seu modo de pensar e se comportar diante da vida. Embora o indivduo tenda a se comportar de acordo com os va-lores e interesses de sua respectiva classe, a complexidade da realidade social possibilita e at estimula que o indivduo, a partir de seu livre-arbtrio e de suas sensibilidades pessoais, nem sempre reagir da mesma maneira que reagem seus pares diante do mundo que os cerca. Para ilustrar, s lembrarmos a experincia de vida do jovem So Francisco de Assis, exemplo clssico de indivduo que, diante de uma determinada realidade social, passou a se comportar, religiosa e socialmente, de uma maneira completamente distinta dos demais jovens de sua classe. 7 Eram selvagens, cruis, inclinados a exploses de violncia e, de igual modo, abandonavam-se alegria do momento. [...] Pouco havia na situao em que viviam que os compelisse a adotar moderao em seus atos. Pouco em seu condicionamento os forava a desenvolver o que poderamos chamar de um superego rigoroso e estvel, como funo da dependncia e das compulses originrias de outras pessoas e que neles se transformassem em autodisciplina (ELIAS, 1990, p. 70).

  • iniciao cincia e a pesquisa

    38

    banco escolar e assistindo aulas em uma escola formal, seja ela uma universidade,

    quejexistiapoca,sejaelaummosteiro,queonobreguerreirosetransformou,

    aolongodasgeraes,nonobrecortsdosculoXVIII.Ahistriaapontaque,alm

    de camponeses e artesos, a maioria dos reis e nobres feudais tambm no sabia ler,

    escrevereeraignoranteemrelaoaolatim,alnguacultaduranteofeudalismo.Le-

    trados,nessapoca,eramsomenteosreligiosos.Nofoi,portanto,aeducaoformal

    quetransformou,aolongodotempo,onobreguerreirofeudalnaquelesersocialmais

    refinado,pacficoesubmissodacorteabsolutista,onobrecorts.Deacordocomo

    quepretendemosmostrarnestecaptulo,foramasmudanasestruturaisdasociedade

    medievalque,aoenfraqueceropodersocialdonobreguerreirofeudal,obrigou-oase

    desenraizar de seu modo de vida tradicional e se adaptar ao modo de vida das cortes

    absolutistaseuropiasquesurgemapartirdosculoXVI.

    3. as influncias das formas de vida materiais e mentais na

    constituio do ser social.

    Existe uma estreita relao entre as formas de vida e as formas de comportamento,

    deemoesedesentimentoseashabilidadeshumanasvigentesemumadeterminada

    sociedade.Nasociedademedieval,porexemplo,desenvolveram-secertasformasde

    vidasobasquaisoindivduoeraobrigadoavivercomocavaleiro,arteso,ouservoda

    gleba(ELIAS,1990,p.202).

    (Ashabilidadeseapersonalidadeagressivadonobrefeudal)

    Viver,porexemplo,comocavaleiroounobreguerreiro feudal implicavaemum

    padrosingulardecomportamento,depersonalidade,dehabilidadesesentimentos.

    Nessasociedadeviolentaeinsegura,apilhagem,aguerra,acaaahomenseaanimais

    eraumanecessidadede sobrevivnciaparaosnobresguerreiros,poisera somente

    assimqueelesconseguiammaisterrasedependenteseevitavamseremconquistados,

    8 Norbert Elias detalha as implicaes polticas desse enfeixamento de poderes e atribuies nas mos do nobre guerreiro feudal, distinguindo esta situao com a situao reinante na sociedade moderna: J salientamos, alis, que o papel social do grande senhor ou prncipe feudal, a funo de homem mais rico e detentor dos principais meios de produo, a princpio no se distinguia em absoluto do poder militar e da jurisdio. Funes hoje exercidas por diferentes pessoas e grupos ligados pela diviso do trabalho, isto , as funes de grande latifundirio e de chefe de governo, constituam, nessa poca em que estavam inseparavelmente ligadas, uma espcie de propriedade privada. A situao se explica em parte pelo fato de que nessa sociedade, que ainda possua uma economia baseada na troca, embora j em declnio, a terra constitua o mais importante meio de produo, at que em sociedades posteriores, fosse suplantada nesse papel pela moeda (ELIAS, 1990, p. 131-132).

  • 39

    9 O que esta indica a economia de escambo uma maneira muito especfica pela qual pessoas se ligam e se tornam dependentes umas das outras. Aponta uma sociedade em que a transferncia de bens do homem que os tira do solo ou da natureza para o homem que os usa ocorre diretamente, isto , sem ou quase sem intermedirios, e onde ela feita na casa de um ou de outro, o que pode ser a mesma coisa (ELIAS, 1990, p. 34).10 Na relao de interdependncia pessoal, os indivduos so mutuamente dependentes entre si. Nela, mesmo o indivduo mais poderoso, como o rei, depende e tem, em certo sentido, que dar satisfao de seus atos aos ministros e aos membros da corte que o apiam. uma relao completamente diferente da relao de dependncia pessoal vigente no feudalismo, a partir da qual o nobre guerreiro feudal exerce o seu poder pessoal sobre aqueles que dependem diretamente de sua proteo e que no tm como questio-nar essa dependncia pessoal.

    submetidosoudestrudospor seusprpriospares.Ahabilidademilitarera,nessas

    condies,amaisimportantedonobreguerreiro.Istogerou,nasuapessoa,umser

    arbitrrio,agressivo,violentoebelicoso,quepraticavalivrementeatosdeselvageria

    contraseusinimigosesubordinadosecultuavaamortenocampodebatalhacomoa

    maiorglriapossvelparasiprprio.ComooEstadoerafracoenoexistianenhum

    outro poder ou leis para limitar e moderar o poder pessoal e a ao desses nobres

    guerreiros,eleslevavamumavidadesinibidaesemnenhumcontroleexternoaoseu

    podermilitarecivilsobreosqueestavamasuavolta.Onicoobstculoquepoderia

    barrarumguerreirofeudalseriaoutroguerreiromaispoderoso.

    (Asimplicidadedasociedadefeudaleopoderpessoaldonobreguerreiro)

    Almdesseambienteconflituosoeviolento,outrosdoistraosdasociedadefeudal,

    o baixo desenvolvimento da diviso de funes e a economia de troca no monetria,

    foram tambm importantes para moldar o comportamento autoritrio e belicoso do

    nobreguerreiro.

    Obaixograudadivisodefunes,decorrentesdapoucasofisticaoedasimpli-

    cidadedasociedadefeudal,possibilitavaqueonobreguerreirodesempenhasse,ao

    mesmo tempo, diversas funes como a de prncipe, rendeiro, coletor de impostos,

    juizelegisladordapopulaoquevivianarbitadocastelo(SMITH,1983).Essenobre

    exercia todasessas funescomacooperaodepoucosauxiliares, sobreosquais

    exercia um poder de mando direto, com base nas relaes de dominao jurdica e

    delealdadepessoal.Ocentrodopoderedasdecisesasmaisvariadaseraonobre

    guerreiro,oqueoalavaaumaposioindiscutivelmenteproeminenteemrelaoa

    todososqueviviamcomeledentroouforadocastelo.

    (Aeconomiadeescamboeasrelaesdedominaopessoal)

    Nesseestgiodadivisodotrabalho,atrocadeservios,produtoseosrelaciona-

    mentos interpessoais no eram, evidentemente, mediados pelo mercado e pelo dinhei-

    ro,massimpelatrocadiretaouescambo.Istonofavoreciaosurgimentoderelaes

    baseadasnainterdependnciaenamaiorliberdadedaspessoascomoacontecena

  • iniciao cincia e a pesquisa

    40

    sociedadeatual,cujosintercmbiossebaseiamemrelaesimpessoaisemonetrias,

    massimnasrelaesdedependnciajurdicadapequenaemdianobrezaedosestra-

    tossociaismaisbaixos,camponeseseartesos,emrelaoaonobreguerreiro.Oque

    variava,norelacionamentodessesdiferentessetoressociaiscomonobreguerreiro,

    eraapenasograudedependnciapessoaldosprimeirosemrelaoaoltimo.

    3.1. as influncias das foras mentais na constituio do ser social.

    (as foras mentais e o comportamento do nobre guerreiro e de seus

    dependentes)

    Alm das condies de vida materiais, visveis e mais prosaicas, no podemos des-

    consideraraaodasforasinvisveisoumentaisnaeducaoenamoldagemcom-

    portamentaldonobreguerreiromedievaledeseusdependentes.Desempenhapapel

    fundamental,nessecontexto,avisodemundodifundidapelosreligiososcatlicos

    juntostrsordensdasociedademedievalreligiosos,guerreiroseservos,legiti-

    mandoopoderdemando,asatribuies,asresponsabilidadeseasprerrogativasdo

    cleroedosguerreiros,porumlado,eosdeveresdaordemsituadanabasedasocie-

    dade,camponeseseartesos,poroutrolado.

    oquefazobispoAdalbrondeLaonquandodescreveasordenaesdasrelaes

    humanasparaoreiRoberto,oPio,nosculoXI:

    Asociedadedosfiisformaumscorpo,masoEstadocompreendetrs.Por-queaoutralei,aleihumana,distingueduasoutrasclasses:comefeito,nobreseservosnosoregidospelomesmoestatuto.[...]AcasadeDeus,queacreditamuma, esta, pois, divida em trs: unsoram,outros combatem,outros, enfim,trabalham.Estastrspartesquecoexistemnosuportamserseparadas;osser-vios prestados por uma so a condio das obras das outras duas; cada um por suavezencarrega-sedealiviaroconjunto.Porconseguinteestetriploconjuntonodeixadeserum;eassimquealeipdetriunfar,eomundogozardapaz(apudDUBY,1980,p.77-78).

    oquefaz,tambm,oreligiosoBertholdVonRegensburgemumsermodos-

    culoXIII:

    Quemcultivarianossos camposparans se fsseis senhores todos vs? [...]Euvosdirei,cristos,comooDeusTodo-PoderosoorganizouaCristandade,dividindo-aemdeztiposdepessoasequetiposdeserviososmaishumildesdevemaosmaisnobres,comoseusgovernantes.Ostrsprimeirossoosmaisaltosemaisexaltados,queDeusTodo-Poderosopessoalmenteescolheueun-giu,demodoqueosoutrosseteaelesficassemsujeitoseosservissem(ApudELIAS,1990,p.205).

    oquefaz,ainda,SoTomsdeAquinoaoapregoar,nosculoXIII,queadistin-

    o das posses e a servido foram institudas na sociedade pela razo dos homens e

  • 41

    paraautilidadedavidahumana(TOMS,1995,p.84).

    Ossermeseescritosreligiososcristosdesempenhavamumpapelfundamental

    naeducaodocomportamentoedaposturadetodasasordenssociaisfeudais.Era

    neles e apartir deles queonobre guerreiro e seusdependentes aprendiam como

    deveriamsecomportarequelugaresdeveriamocuparnadivisodefunesdasocie-

    dademedieval.

    (Conflitosentreonobreguerreirofeudaleorei)

    A figura do nobre guerreiro ou cavaleiro feudal, com seumodo de ser e com-

    portamentotpicos,continuouexistindoporsculosenquanto,evidentemente,per-

    duraramastaisformasdevidamateriaisementaisdasociedademedieval.Masesse

    nobreguerreiropagouumpreomuitoaltoparapreservarsuaindependnciaesua

    autoridadepessoais.Issoaconteceuporqueeleteve,duranteofeudalismo,quelutar

    constantementecontraoutrosguerreirosrivaisecontraoprpriorei.Ahistriada

    sociedadefeudalmarcadaporesseconflitoirreconcilivelentreonobreguerreiroe

    seuspareseentreonobreguerreiroeorei,conflitoquesterminavapeladerrotae

    submissodeumadaspartes.

    Noconflitoentreonobreguerreiroeorei,interessesdistintossecontrapunham.

    Deumlado,encontrava-seonobreguerreiro,interessadonapreservaodesuaau-

    tonomia,deseupoderpessoalesemprerebeldeeinsubmisso.Deoutro,estavaorei,

    interessadonaampliaodasprerrogativasreaise fazendodetudoparaeliminaro

    poderpessoaldonobreguerreiro,parareeduc-loesubmet-loaopodercentralizado

    doestadomonrquico.

    (ALeiFeudaleointeressedosreisnasubmissodosnobresguerreirosfeudais)

    Pormeiodeguerras,batalhaseoutrostiposdeaes,osreismedievaistentaram,

    semmuitosucesso,submeterereeducarpoliticamenteanobrezaguerreirafeudalao

    longodossculos.AdamSmithrecorda-nos,porexemplo,quealgunsreiseuropeus

    tentaram,emdeterminadosmomentos,submeteranobrezafeudaldecretandoaLei

    Feudal,quetinhaporobjetivoredefinirahierarquiajurdica,polticaemilitardasocie-

    dadefeudaldemaneiraareduziropoderpessoaldosguerreirosfeudaisefortalecero

    poderdorei.Suainstituio,porm,nosurtiuoefeitodesejado,epormuitotempo

    aindaaautoridadedosreispermaneceumuitofraca,enquantoadeseusvassalos,os

    nobresguerreiros,continuoumuitoforte(SMITH,1983).

    Noentanto,sabemosqueasformasdevidafeudaisnoerampetrificadasequeelas

    setransformaramdemaneiravagarosaequase imperceptvelao longodossculos,

    poisamudanaumacaractersticanormaldasociedade(ELIAS,1990,p.222).Apar-

    tir do sculo XI essa transformao das formas de vida feudais se acelerou, corroendo

    omododevida,ocomportamentotradicionaldonobreguerreirofeudalecriando

  • iniciao cincia e a pesquisa

    42

    condies para transform-lo, como mencionamos acima, em um ser social completa-

    mentediferentedoqueera.

    4. transformaes nas formas de vida medievais e formao de um

    novo ser social: surge o nobre corts

    (Ocomrcioeoenfraquecimentodosnobresguerreirosfeudais)

    A transformao nas formas de vidamedievais que culminaramna corroso do

    mododevidatradicionaldonobreguerreirofeudalenareeducaodeseucompor-

    tamentorelaciona-secomaintensificaodocomrcioecomacirculaomonetria

    maisintensaentreasregieseuropiaseentreaEuropaeoOriente,apartirdosculo

    XI.

    Essa intensificaodas atividades comerciais emonetrias contribuiu sob vrios

    aspectosparaacorrosodomododevidadosnobresguerreirosebaresfeudais.

    (Novoshbitosdeconsumoeoendividamentodosnobresguerreirosfeudais)

    Sobumaspecto,aointroduzirvariadostiposdeprodutosrefinadosorientaisno

    mercado europeu, o comrcio estimulou o apetite de consumo dos nobres feudais,

    quepassaramagastarogrossodesuasriquezasnacompradescontroladadessespro-

    dutosrefinados.Essehbitoconsumistadegastarquasetudocomseuluxopessoale

    comoluxodesuafamliatrouxeconsequnciasdesastrosasparaaposiosocialdo

    nobreguerreirofeudal.Umadelasfoioendividamento.Aoutrafoiaimpossibilidade

    decontinuargastandoseusrecursoscomamanutenoeproteodeseusdependen-

    tes,oquelhecustouaperdadoapoiosocial,queprovinhadessesdependentes,para

    conservarseupoderpessoal.Porconseguinte,comosnovoshbitosdeconsumoe

    comessanovamaneiradegastarseudinheiro,onobreguerreirofeudalseendividou

    ecorroeu,semperceber,abasesocialdesustentaodeseupoderpessoal.

    Soboutroaspecto,oaumentodacirculaomonetriaeadesvalorizaododi-

    nheiroqueaelaseseguiuprovocaramumacorrosonopodereconmicodosnobres

    feudaisquehaviamarrendadosuasterrasaprazosexcessivamentelongoseapreos

    noreajustveisao longodo tempo. Impossibilitados,assim,decorrigirovalorde

    seus arrendamentos, esses nobres se viram envolvidos em um crescente processo de

    empobrecimentoeendividamentoemrelaoaoqualnopodiamfazermuitacoisaa

    11 Sistema de governo surgido no Sculo XVI, no qual o rei administra o pas concentrando os poderes executivo, legislativo e judicirio. Henrique VIII, na Inglaterra, na primeira metade do Sculo XVI, um exemplo de monarca que reinou seguindo os princpios do absolutismo real. Na Frana do Sculo XVII temos o exemplo de Luis XIV, a quem atribuda a frase: O Estado sou eu! 12 A histria do absolutismo ocidental , em grande parte, a histria da lenta reconverso da classe do-minante fundiria forma necessria de seu prprio poder poltico, a despeito e contrariamente maior parte de sua experincia e instintos anteriores (ANDERSON, 1985, p. 47).

  • 43

    noservenderpelomenospartedapropriedadeemigrarparaacorte.

    Nofundo,ocomrcio,aoabalaropodereconmicodosnobresguerreirosfeudais,

    abriucaminhoparaumaverdadeirarevoluocivilizatriacaracterizadapelamudana

    comportamentaldonobreguerreiroepelaconstruodeumanovaordempolticae

    socialnaEuropaOcidentalsobadireoeopoderdosreiseuropeus(SMITH,1983;

    PIRENNE,1977).

    (Processocivilizadoremudanadecomportamento)

    Esse avano do processo civilizador, entendido aqui principalmente como uma

    mudana no comportamento, no modo de ser, na afetividade e nas habilidades do

    nobreguerreiro,setornamaiscompreensvelseanalisadonombitodoprocessode

    centralizao poltica e constituio do absolutismo real na Europa ocidental e, espe-

    cialmente,naFrana.Nessepas,muitocedoanobrezaguerreiradesenraizadade

    suas condies de vida tradicionais em razo do avano da economia monetria e dos

    progressosdacentralizaopolticaedoabsolutismoreal.ltambmqueseconsti-

    tuiachamadaSociedadedeCorte,oambientesocialnoqualanobrezaguerreiratra-

    dicionalenfraquecidaserreeducadanosentidodeadotar,aolongodasgeraes,um

    comportamentomaisrefinado,pacfico,contido,ouseja,civilizado(ELIAS,1993).

    (Nacorteabsolutistaonobreguerreiroabandonasuasantigastradies)

    Enquanto estava em seu castelo no campo, o nobre guerreiro feudal tinha seu

    squito pessoal, era obrigado a assumir responsabilidades com a proteo da po-

    pulaoqueviviaasuavolta,tinhaseusprivilgios,mastinhatambmobrigaese

    responsabilidades sociais. Seumodode sere seucomportamentoexpressavaessas

    condiessociais.Comseuempobrecimento,seuenfraquecimentopolticoecomo

    fortalecimentodoestadomonrquicoabsolutista,seupoderpessoaltransferidopara

    osfuncionriosdoestadoabsolutista,oqueoobrigaadesenraizar-sedeseumundo

    tradicionaleatransferir-separaooutromundo,odaSociedadedeCorte,emParisou

    outraimportantecapitaleuropia,ondeobrigadoaabandonarantigastradiese

    aadquirirmuitasaptidesnovas(ANDERSON,1985,p.47).Nessepontojsecum-

    preumaetapadaqueleprocessoqueaquidenominamostransformaooueducao

    informaldonobreguerreironosentidodeobrig-loaassumirgradativamenteoutra

    posturaououtromododeserdiantedoshomensqueconvivemcomelenofeudoou

    nacorteabsolutista.

    Noobstante,esseempobrecimentoeesseenfraquecimentopolticoemilitardo

    nobreguerreiro feudalnobastam,por si s,para transform-lo emumoutro ser

    socialajustadosnovascondiessociais.precisoqueelesejaenvolvidooumesmo

    coagidoporalgumanovaforasocialepolticaporquedocontrriopodesetransfor-

    maremumdesajustadosocial,emumbandoleiroaviverdepilhagenseassaltos,oque

  • iniciao cincia e a pesquisa

    44

    aconteceucomboapartedosnobresfeudaisdecadentes.Essanovaforacoativao

    estadoeacorteaabsolutista,cujafuno,entreoutras,serenquadraredisciplinar,

    pormeiosviolentosoupacficos,essanobrezadecadente.

    5. a corte e as novas condies para a educao do nobre feudal.

    (a corte como principal instituio social da reeducao do nobre

    guerreiro feudal)

    Acorteabsolutista,nestesentido,olugarprivilegiadoparaobservarmosaconti-

    nuidadedesseprocessodeeducaoinformaldonobreguerreirofeudalemumser

    mais civilizado. Seu ambiente social, poltico, cultural e administrativo completa-

    mentedistintodoambientedapequenacorteprincipescasediadanocasteloouem

    qualquerpequenacidadefeudal.Geralmentelocalizadaemumagrandecidadecomo

    Paris,porexemplo,elaagregagrandenmerodepessoasdanobrezafeudal,doclero

    edaburguesia,quevivemsobasordenseaproteodeumreiabsoluto.Nela,muito

    forte o controle social sobre as pessoas de todas as classes, inclusive sobre os nobres

    feudaisempobrecidos.AlgunsaspectosdomododevidavigentenaSociedadedeCor-

    te so decisivos para a formao da personalidade, do comportamento e do modo de

    serdonobrefeudalemdeclnio.

    (Nacorteonobreguerreirosesubmeteaoreiesetransformanumapessoapacfica

    erefinada)

    Emtermospolticoseadministrativos,onobrecortsnemdelongelembraoanti-

    gonobreguerreirofeudal,poisnotemmaispoderpessoaljustamenteporqueesse

    poderfoitransferidoparaomonarcaabsoluto,oqual,assistidoporministrosefuncio-

    nriosprofissionaiseamovveis,passaamonopolizaropodertributrioeopoderda

    fora.Paravivernacorteereceberproteoreal,oantigonobretemquesesubmeter

    aopoderreal,submissoqueacontecemeioacontragostoenosemgrandesconflitos

    existenciais.Muitasvezeselehesitaentresesubmeteraoreiegozardosbenefciosda

    condiodenobrecortsoupermanecercomonobreindependente,emboraempo-

    brecidoedesprestigiadoemrazodadecadnciaquetomacontadesuaclasse.Masa

    maioriadelesacabasesujeitandosnovascondiesdeexistnciadacorteabsolutista

    eaofaz-losetransformame