Livro Historia Da Musica Ocidental

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8/15/2019 Livro Historia Da Musica Ocidental http://slidepdf.com/reader/full/livro-historia-da-musica-ocidental 1/628 ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA VÁRIOS AUTORES  Música Pref cio O prop¢sito de rever uma panor¶mica hist¢rica que conquistou os favores do p£blico s¢ pode constituir em melhorar o livro e actualiz -lo, e não em reformul -lo por completo. Se o leitor, porventura, conhece as ediões anteriores, vai deparar com um livro substancialmente diferente, tanto no aspecto exterior como no conte£do, muito embora o ¶mbito e a apresentaão dos cap¡tulos continuem a ser, no essencial, os mesmos. A inclusão da palavra ocidental no t¡tulo reflecte a consciÒncia de que o sistema musical da Europa ocidental e das Amricas  apenas um de entre os v rios existentes na diversidade das civilizaões mundiais. O ¶mbito deste livro restringe-se, alm disso, exclusivamente ...quilo a que costumamos chamar "m£sica erudita", se bem que este conceito não seja, como  sabido, muito preciso. A m£sica popular, o jazz e outras manifestaões compar veis do passado foram tambm bastante elaborados, mas a nossa obra não pode ter a pretensão de dar conta da vasta gama de realizaões musicais do Ocidente (que hoje são, elas pr¢prias, objecto de estudos aprofundados), tal como não pode pretendÒ-lo o curso de hist¢ria da m£sica para o qual se propõe servir de guia. Antes de dissipar os receios dos fiis ou esfriar a alegria dos cr¡ticos, permitam--me que explique em que diferia a edião anterior (a terceira) das que a precederam. Uma vez que a hist¢ria da m£sica  antes de mais a hist¢ria do estilo musical e não pode ser compreendida sem um conhecimento em primeira mão da m£sica em si, fui convidado pelo editor, W. W. Norton and Company, a conceber a Norton Anthology of Western Music e os lbuns que a acompanham como um complemento de partituras e interpreta ões 3.a edi ão. A maior parte das revisões dessa edião tiveram como objectivo coordenar o livro com a nova antologia. As an lises de obras de algumas das antologias mais antigas foram substitu¡das por breves apontamentos estil¡sticos e anal¡ticos das pe as seleccionadas para a Norton Anthology. Nesta edião tais notas anal¡ticas foram conservadas ou desenvolvidas, mas, isoladas do corpo do texto, j não interrompem o fluir da narrativa hist¢rica. O leitor pode passar por cima delas at ter oportunidade de se concentrar em cada uma das peas, com a partitura diante dos olhos e a m£sica nos ouvidos. Uma outra inovaão consiste no facto de as vozes do passado se dirigirem directamente ao leitor em "vinhetas", nas quais compositores, m£sicos e observadores comentam pormenorizadamente e de forma pessoal a m£sica do seu tempo. Muitos destes textos foram traduzidos propositadamente para o efeito. Em vez da cronologia £nica apenas s edi ões anteriores, cada cap¡tulo que introduz um novo per¡odo contm agora uma cronologia mais concisa. Do mesmo modo, em vez da bibliografia que preenchia densamente muitas das £ltimas p ginas, h bibliografias detalhadas no fim de cada cap¡tulo. Estas foram

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    ENCICLOPÉDIA DA MÚSICAVÁRIOS AUTORES

      Música

    Pref cioO prop¢sito de rever uma panor¶mica hist¢rica que conquistouos favores do p£blico s¢ pode constituir em melhorar o livro eactualiz -lo, e não em reformul -lo por completo. Se o leitor,porventura, conhece as ediões anteriores, vai deparar com umlivro substancialmente diferente, tanto no aspecto exteriorcomo no conte£do, muito embora o ¶mbito e a apresentaão doscap¡tulos continuem a ser, no essencial, os mesmos. A inclusãoda palavra ocidental no t¡tulo reflecte a consciÒncia de que osistema musical da Europa ocidental e das Amricas  apenas umde entre os v rios existentes na diversidade das civilizaõesmundiais. O ¶mbito deste livro restringe-se, alm disso,exclusivamente ...quilo a que costumamos chamar "m£sicaerudita", se bem que este conceito não seja, como  sabido,muito preciso. A m£sica popular, o jazz e outras manifestaõescompar veis do passado foram tambm bastante elaborados, mas a

    nossa obra não pode ter a pretensão de dar conta da vasta gamade realizaões musicais do Ocidente (que hoje são, elaspr¢prias, objecto de estudos aprofundados), tal como não podepretendÒ-lo o curso de hist¢ria da m£sica para o qual sepropõe servir de guia.Antes de dissipar os receios dos fiis ou esfriar a alegriados cr¡ticos, permitam--me que explique em que diferia aedião anterior (a terceira) das que a precederam. Uma vez quea hist¢ria da m£sica  antes de mais a hist¢ria do estilomusical e não pode ser compreendida sem um conhecimento emprimeira mão da m£sica em si, fui convidado pelo editor, W. W.Norton and Company, a conceber a Norton Anthology of WesternMusic e os lbuns que a acompanham como um complemento de

    partituras e interpretaões 3.a edião. A maior parte dasrevisões dessa edião tiveram como objectivo coordenar o livrocom a nova antologia. As an lises de obras de algumas dasantologias mais antigas foram substitu¡das por brevesapontamentos estil¡sticos e anal¡ticos das peas seleccionadaspara a Norton Anthology.Nesta edião tais notas anal¡ticas foram conservadas oudesenvolvidas, mas, isoladas do corpo do texto, j nãointerrompem o fluir da narrativa hist¢rica. O leitor podepassar por cima delas at ter oportunidade de se concentrar emcada uma das peas, com a partitura diante dos olhos e am£sica nos ouvidos.Uma outra inovaão consiste no facto de as vozes do passado se

    dirigirem directamente ao leitor em "vinhetas", nas quaiscompositores, m£sicos e observadores comentampormenorizadamente e de forma pessoal a m£sica do seu tempo.Muitos destes textos foram traduzidos propositadamente para oefeito.Em vez da cronologia £nica apenas s ediões anteriores, cadacap¡tulo que introduz um novo per¡odo contm agora umacronologia mais concisa. Do mesmo modo, em vez da bibliografiaque preenchia densamente muitas das £ltimas p ginas, hbibliografias detalhadas no fim de cada cap¡tulo. Estas foram

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    compiladas com o aux¡lio de duas doutorandas de Yale, PamelaPotter (cap¡tulos 1 a 8 e 20) e Bonita Shuem (cap¡tulos 9 a19), a quem fico profundamente grato. O gloss rio foisuprimido, uma vez que as definiões breves, fora do seucontexto, se tornam muitas vezes enganadoras. Os termostcnicos são geralmente explicados a primeira vez queaparecem, e o ¡ndice remete o leitor para essas definiões.Todas as pessoas implicadas na produão e distribuião destelivro concordaram que não seria desej vel nem pr tico reveresta 4.a edião tão drasticamente como o desejariam algunsutentes fiis. O livro continuar a evoluir em anos vindouros.Nesta edião os cap¡tulos relativos ao in¡cio do per¡odobarroco foram os que sofreram uma revisão mais profunda, masrara foi a p gina do resto do livro que permaneceu inalterada,tendo o sculo xx merecido uma atenão especial.Os quarenta professores universit rios que responderam aoquestion rio em que se pediam sugestões para a 4.a edião daHist¢ria da M£sica Ocidental e para a 2.a edião daAntologia forneceram-nos ampla matria para reflexão e muitaspropostas vi veis de aperfeioamento. Procurei levar ascr¡ticas a srio e segui muitos conselhos. Todos os inquiridosmerecem os meus calorosos agradecimentos, embora não possadeixar de salientar os nomes de alguns de entre eles, cujocontributo foi mais £til e mais completo: Jack Ashworth, da

    Universidade de Louisville, Charles Brauner, da UniversidadeRoosevelt, Michael Fink, da Universidade do Texas em SanAntonio, David Fuller, do SUNY, em Buffalo, David Josephson,da Universidade Brown, Sterling Murray, da Universidade deWest Chester, James Siddons, da Universidade Liberty, e LavernWagner, do Quincy College (Illinois).V rios am veis colegas leram diligentemente esboos decap¡tulos ou sub- meteram minha consideraão cr¡ticasdetalhadas desta ou daquela parte da £ltima edião. Oprofessor Thomas J. Mathiesen, da Universidade Jovem deBrigham, fez muitas sugestões de pormenor para a secãoconsagrada m£sica antiga. A professora Margot Fassler, deYale, comentou extensamente dois esboos da parte do cantochão

    e influenciou de maneira decisiva as minhas reflexões acercada m£sica do in¡cio da era cristã. O Dr. Laurel Fay incitou-mea tentar conceder um lugar mais relevante aoscompositores russos e soviticos. O facto de não ter podidocorresponder s expectativas de todos os cr¡ticos não deixarde os desi- ludir e iliba-os, sem d£vida alguma, dequaisquer responsabilidades pelas falhas que ainda subsistam.Mas a gratidão que aqui lhes manifesto não poderia ser mais  sincera.Infelizmente, o autor original da obra, Donald J. Grout, quefaleceu em 10 de Maro de 1987, não pôde tomar parte nestarevisão. Agradeo a colaboraão da fam¡lia no lanamento destanova edião. Procurei manter intacta a prosa fluente do

    professor Grout sempre que esta se mantinha em sintonia com asituaão actual dos conhecimentos e a opinião dosespecialistas. Muitos sentirão a falta das suas refle-xõesmais pessoais, mas, quando h co-autoria, a melhor m scara aque uma obra pode recorrer , sem d£vida, a da neutralidade.Esta edião e eu pr¢prio muito fic mos a dever sabedoria eperspic cia editorial de Claire Brook, vice-presidente erespons vel da secão de m£sica da W. W. Norton and Company.Aqui fica tambm o meu agradecimento ao seu assistente RaymondMorse pelo modo consciencioso como atendeu a in£meros

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    pormenores da produão do livro.E, finalmente, devo a mais terna gratidão a minha mulher,Elizabeth A. Keitel, por tão pacientemente ter partilhado asminhas muitas preocupaões e por ter evitado que me isolassecompletamente do mundo durante os longos meses que demorei alevar a bom termo a presente edião.

    Claude V. PaliscaHamden, Connecticut

    Abreviaturas

      AIM -- American Institute of Musicology; entre as suaspublicaões contam-se CEKM, CMM, CSM, MD, MSD. Para uma listacompleta, v. MD, 39, 1985, 169-20.  AM -- Acta Musicologica, 1929-.  AMM -- Richard H. Hoppin (ed.), Anthology of MedievalMusic, Nova Yorque, Norton, 1978.  CDMI -- I classici della musica italiana, 36 vols.,Milão, Instituto Editoriale Italiano, 1918-1920, e SocietAnonima Notari la Santa, 1919-1921.

      CEKM -- Corpus of Early Keyboard Music, AIM, 1963-.  CM -- Collegium Musicum, New Haven, 1955-, 2.a srie,Madison, A-R Editions, 1969-.  CMI -- I classici musicali italiani, 15 vols., Milão,1941-1943, 1956.  CMM -- Corpus mensurabilis musicae, AIM, 1948-.  CSM -- Corpus scriptorum de musica, AIM, 1950-.  DdT -- Denkm ler deustscher Tonkunst, 65 vols.,Leipzig, Breitkof & H rtel, 1892-1931; repr. Wiesbaden,1957-1961.  DTB -- Denkm ler deustscher Tonkunst, 2, Folge,Denkm ler der Tonkunst in Bayern, 38 vols., Braunschweig,1900-1938.

      DTOe -- Denkm ler der Tonkunst in Oesterreich, Viena,Artaria, 1894-1904; Leipzig, Breitkopf & H rtel, 1905-1913;Viena, Universal, 1919-1938; Graz, Akademische Druck- undVerlagsanstalt, 1966-.  EM -- Early Music, 1973-.  EMH -- Early Music History, 1981-.  EP -- R. Eitner (ed.), Publikationen ltererpraktischer und theoretischer Musikwerke, vorzugsweise des xv,und xvi. Jahrhunderts, 29 vols. in 33 Jahrg nge, Berlim, Bahnand Liepmannssohn; Leipzig, Breitkopf & H rtel, 1873-1905;repr. 1967.  GLHWM -- Garland Library of the History of WesternMusic.

      GMB -- Arnold Schering (ed.), Geschichte der Musik inBeispielen (Hist¢ria da M£sica em Exemplos), Leipzig,Breitkopf & H rtel, 1931.  HAM -- Archibald T. Davison e Willi Apel (eds.),Historical Anthology of Music, Cambridge, 1950, vol. 1,Oriental, Medieval, and Renaissance Music, e vol. 2, Baroque,Rococo, and Pre-Classical Music.  JAMS -- Journal of the American Musicological Society,1948-.  JM -- Journal of Musicology, 1982-.

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      JMT -- Journal of Music Theory, 1957-.  MB -- Musica Britannica, Londres, Stainer & Bell,1951-.  MM -- Carl Parrish e John F. Ohl (ed.), Masterpiecesof Music Before 1750, Nova Iorque, Norton, 1951.  ML -- Music and Letters, 1920-.  MQ -- The Musical Quarterly, 1915-.  MR -- Gustave Reese, Music in the Renaissance, 2.aed., Nova Iorque, Norton, 1959.  MRM -- Edward Lowinsky (ed.), Monuments of RenaissanceMusic, Chicago, University of Chicago Press, 1964.  MSD -- Musicological Studies and Documents, AIM,1951-.  NG -- New Grove Dictionary of Music and Musicians,ed. Stanley Sadie, Londres, Macmillan, 1980.  NOHM -- New Oxford History of Music, Londres, OxfordUniversity Press, 1954-.  NS -- Roger Kamien (ed.), The Norton Scores, 4.a ed.,Nova Iorque, Norton, 1984.  OMM -- Thomas Marrocco e Nicholas Sandon (ed.), OxfordAnthology of Medieval Music, Nova Iorque, Oxford UniversityPress, 1977.  PAM -- Publikationen lterer Musik... bei derdeutschen Musikgesellschaft, Leipzig, Bretkopf & H rtel,

    1926-1940.  PMM -- Thomas Marrocco (ed.), Polyphonic Music of theXIVth Century, M¢naco, Oiseau-Lyre, 1956-.  PMMM -- Publications of Medieval Music Manuscripts,Brooklyn, Institute of Medieval Music, 1957-.  PMS -- L. Schrade (ed.), Polyphonic Music of theFourteenth Century, M¢naco, Oiseau--Lyre, 1956-.  RMAW -- Curt Sachs, The Rise of Music in the AncientWorld, Nova Iorque, Norton, 1943.  RTP -- William Waite (ed.), The Rhythm ofTwerlfth-Century Polyphony, New Haven, Yale University Press,1954.  SR -- Oliver Strunk, Source Readings in Music

    History, Nova Iorque, Norton, 1950; tambm editado em v riosvolumes brochados, como se segue.  SRA -- Source Readings in Music History: Antiquity andthe Middle Ages.  SRRe -- Source Readings in Music History: theRenaissance.  SRB -- Source Readings in Music History: the BaroqueEra.  SRC -- Source Readings in Music History: the ClassicEra.  SRRo -- Source Readings in Music History: the RomanticEra.  TEM -- Carl Parrish (ed.), A Treasury of Early Music,

    Nova Iorque, Norton, 1958.  WM -- Johanes Wolf, Music of Earlier Times -- ediãoamericana da obra Singund Spielmusik aus lterer Zeit, 1926.1A situaão da m£sica no fim do mundo antigoQuem vivesse numa prov¡ncia do Imprio Romano no sculo v daera cristã poderia ver estradas por onde as pessoas outrorahaviam viajado e agora j não viajavam, templos e arenasconstru¡dos para multidões agora votados ao abandono eruina, e a vida, geraão ap¢s geraão, um pouco por toda a

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    parte, tornando-se cada vez mais pobre, mais insegura e maisdif¡cil. Roma, no tempo da sua grandeza, fizera reinar a pazem quase toda a Europa ocidental, bem como em muitas zonas daÁfrica e da Ásia, mas, entretanto, enfraquecera e j não tinhacapacidade para se defender. Os b rbaros iam chegando do Nortee do Leste, e a civilizaão comum a toda a Europadesagregava-se em fragmentos que s¢ muitos sculos mais tardecomeariam gradualmente a fundir-se de novo, dando origem snaões modernas.O decl¡nio e a queda de Roma marcaram tão profundamente ahist¢ria europeia que ainda hoje temos dificuldade em nosapercebermos de que, paralelamente ao processo de destruião,se iniciava então, paulatinamente, um processo inverso decriaão, centrado na igreja cristã. At ao sculo x foi estainstituião o principal -- e muitas vezes o £nico --lao unificador e canal de cultura da Europa. As pri-meirascomunidades cristãs, não obstante terem sofrido durantetrezentos anos perseguiões mais ou menos espor dicas,cresceram regularmente e disseminaram-se por todas asregiões do imprio. O imperador Constantino adoptou umapol¡tica de toler ncia ap¢s a sua conversão, em 312, e fez docristianismo a religião da fam¡lia imperial. Em 395 a unidadepol¡tica do mundo antigo foi formalmente desfeita, com adivisão em Imprio do Oriente e Imprio do Ocidente, tendo por

    capitais Biz ncio e Roma. Quando, ap¢s um sculo terr¡vel deguerras e invasões, o £ltimo imperador do Ocidente foi,finalmente, deposto do seu trono, em 476, os alicerces dopoder papal estavam j tão firmemente estabelecidos que aIgreja se encontrava em condiões de assumir a missãocivilizadora e unificadora de Roma.A herana grega

    A hist¢ria da m£sica ocidental, em sentido estrito, comea coma m£sica da igreja cristã. Todavia, ao longo de toda a IdadeMdia, e mesmo nos dias de hoje, artistas e intelectuais tÒmido continuamente Grcia e a Roma procura de ensinamentos,correcões e inspiraão nos mais diversos campos de

    actividades. Isto tambm  v lido para a m£sica, embora comalgumas diferenas importantes em relaão s outras artes. Aliteratura romana, por exemplo, nunca deixou de exercera sua influÒncia ao longo da Idade Mdia. Virg¡lio, Ov¡dio,Hor cio e C¡cero continuaram sempre a ser estudados e lidos.Esta influÒncia tornou-se bem mais importante nos sculos xive xv, medida que foram sendo conhecidas mais obras romanas;ao mesmo tempo ia sendo gradualmente recuperado aquilo quesobrevivera da literatura grega. Contudo, no dom¡nio daliteratura, bem como em v rios outros campos (nomeadamente noda escultura), os artistas medievais e renascentistastinham a vantagem de poderem estudar e, se assim o desejassem,imitar os modelos da antiguidade. Tinham diante dos olhos os

    poemas ou as est tuas autÒnticos. J com a m£sica nãoacontecia o mesmo. Os m£sicos da Idade Mdia não conheciam umexemplo sequer da m£sica grega ou romana, embora alguns hinostenham vindo a ser identificados no Renascimento.Actualmente estamos numa situaão bastante melhor, pois,entretanto, foram reconstitu¡das cerca de quarenta peas oufragmentos de peas musicais gregas, a maioria das quais depocas relativamente tardias, mas cobrindo um per¡odo de cercade sete sculos. Embora não haja vest¡gios autÒnticos dam£sica da antiga Roma, sabemos, por relatos verbais,

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    baixos-relevos, mosaicos, frescos e esculturas, que a m£sicadesempenhava um papel importante na vida militar, no teatro,na religião e nos rituais de Roma.Houve uma razão importante para o desaparecimento dastradiões da pr tica musical romana no in¡cio da Idade Mdia:a maior parte desta m£sica estava associada a pr ticas sociaisque a igreja primitiva via com horror ou a rituais pagãos quejulgava deverem ser eliminados. Por conseguinte, foram feitostodos os esforos não apenas para afastar da Igreja essam£sica, que traria tais abominaões ao esp¡rito dos fiis,como, se poss¡vel, para apagar por completo a mem¢ria dela.Houve, no entanto, alguns elementos da pr tica musical antigaque sobreviveram durante a Idade Mdia, que mais não fosseporque seria quase imposs¡vel aboli-los sem abolir a pr¢priam£sica; alm disso, as teorias musicais estiveram na base dasteorias medievais e foram integradas na maior parte dossistemas filos¢ficos. Por isso, se queremos compreender am£sica medieval, temos de saber alguma coisa acerca da m£sicados povos da antiguidade, em particular da teoria e da pr ticamusicais dos Gregos.

    A m£sica na vida e no pensamento da Grcia antiga -- Amitologia grega atribu¡a m£sica origem divina e designavacomo seus inventores e primeiros intrpretes deuses e

    semideuses, como Apolo, Anfião e Orfeu. Neste obscuro mundopr-hist¢rico a m£sica tinha poderes m gicos: as pessoaspensavam que era capaz de curar doenas, purificar o corpo e oesp¡rito e operar milagres no reino da Natureza. Tambm noAntigo Testamento se atribu¡am m£sica idÒnticos poderes:basta lembrar apenas o epis¢dio em que David cura a loucura deSaul tocando harpa (1 Samuel, 16, 14-23) ou o soar dastrombetas e a vozearia que derrubaram as muralhas de Jeric¢(Josu, 6, 12-20). Na poca homrica os bardos cantavam poemasher¢icos durante os banquetes (Odisseia, 8, 62-82).Desde os tempos mais remotos a m£sica foi um elementoindissoci vel das ceri-m¢nias religiosas. No culto de Apoloera a lira o instrumento caracter¡stico, enquanto no de

    Dioniso era o aulo. Ambos os instrumentos foram,provavelmente, trazidos para a Grcia da Ásia Menor. A lira ea sua variante de maiores dimensões, a c¡tara, eraminstrumentos de cinco e sete cordas (n£mero que mais tardechegou a elevar-se at onze); ambas eram tocadas, quer a solo,quer acompanhando o canto ou a recitaão de poemas picos. Oaulo, um instrumento de palheta simples ou dupla (não era umaflauta), muitas vezes com dois tubos, tinha um timbreestridente, penetrante, associava-se ao canto de um certo tipode poema (o ditirambo) no culto de Dioniso, culto que se crÒestar na origem do teatro grego. Consequentemente, nas grandestragdias da poca cl ssica -- obras de Ésquilo, S¢focles,Eur¡pides -- os coros e outras partes musicais eram

    acompanhados pelo som do aulo ou alternavam com ele.Pelo menos desde o sculo vi a. C. tanto a lira como o auloeram tocados como instrumentos independentes, a solo.Conhece-se um relato de um festival ou concurso de m£sicarealizado por ocasião dos Jogos P¡ticos em 586 a. C. em queSacadas tocou uma composião para aulo, ilustrando o nomop¡tico as diversas fases do combate entre Apolo e o dragãoP¡ton. Os concursos de tocadores de c¡tara e aulo, bem como osfestivais de m£sica instrumental e vocal, tornaram-se cada vezmais populares a partir do sculo v a. C. À medida que a

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    m£sica se tornava mais independente, multiplicava-se o n£merode virtuosos; ao mesmo tempo, a m£sica em si tornava-se cadavez mais complexa em todos os aspectos. Alarmado com aproliferaão da arte musical, Arist¢teles, no sculo iv,manifestava-se contra o excesso de treino profissional naeducaão musical do homem comum:

    Alcanar-se- a medida exacta se os estudantes de m£sica seabstiverem das artes que são praticadas nos concursos paraprofissionais e não procurarem dominar esses fant sticosprod¡gios de execuão que estão agora em voga em taisconcursos e que da¡ passaram para o ensino. Deixem que osjovens pratiquem a m£sica conforme prescrevemos, apenas atserem capazes de se deleitarem com melodias e ritmos nobres enão meramente nessa parte comum da m£sica que at a qualquerescravo, ou criana, ou mesmo a alguns animais, consegue darprazer1.

    Algum tempo ap¢s a poca cl ssica (entre 450 e 325 a. C.,aproximadamente) deu-se uma reacão contra o excesso decomplexidade tcnica, e no in¡cio da era cristã a teoriamusical grega, e provavelmente tambm a pr tica, estava muitosimplificada. A maior parte dos exemplos de m£sica grega quechegaram at n¢s provÒm de per¡odos relativamente tardios. Os

    mais importantes de entre eles são um fragmento de um coro doOrestes de Eur¡pides (vv. 338-344), de um papiro datado decerca do ano 200 a. C., sendo a m£sica, possivelmente, dopr¢prio Eur¡pides (NAWM 1)2, um fragmento da Ifignia emÁulide de Eur¡pides (vv. 783-793), dois hinos dlficos aApolo, praticamente completos, datando o segundo de 128-127 a.C., um esc¢lio, ou canão de bebida, que serve de epit fio auma sepultura, tambm do sculo i, ou pouco posterior (NAWM2), e Hino a Nmesis, Hino ao Sol e Hino Musa Cal¡ope deMesomedes de Creta, do sculo ii.A m£sica grega assemelhava-se da igreja primitiva em muitosaspectos fundamentais. Era, em primeiro lugar, monof¢nica, ouseja, uma melodia sem harmonia ou contraponto. Muitas vezes,

    porm, v rios instrumentos embelezavam a melodia em simult neocom a sua interpretaão por um conjunto de cantores, assimcriando uma heterofonia. Mas nem a heterofonia nem oinevit vel canto em oitavas, quando homens e rapazes cantam emconjunto, constituem uma verdadeira polifonia.A m£sica grega, alm disso, era quase inteiramenteimprovisada. Mais ainda: na sua forma mais perfeita (teleionmelos), estava sempre associada palavra, dana ou a ambas;a sua melodia e o seu ritmo ligavam-se intimamente melodia eao ritmo da poesia, e a m£sica dos cultos religiosos, doteatro e dos grandes concursos p£blicos era interpretada porcantores que acompanhavam a melodia com movimentos de danapredeterminados.

    M£sica e filosofia na Grcia -- Dizer que a m£sica da igrejaprimitiva tinha em comum com a grega o facto de sermonof¢nica, improvisada e insepar vel de um texto não postular uma continuidade hist¢rica entre ambas. Foi a teoria,e não a pr tica, dos Gregos que afectou a m£sica da Europaocidental na Idade Mdia. Temos muito mais informaão acercadas teorias musiciais gregas do que acerca da m£sica em si.Essas teorias eram de dois tipos: (1) doutrinas sobre anatureza da m£sica, o seu lugar no cosmos, os seus efeitos e a

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    forma conveniente de a usar na sociedade humana, e (2)descriões sistem ticas dos modelos e materiais da composiãomusical. Tanto na filosofia como na ciÒncia da m£sica osGregos tiveram intuiões e formularam princ¡pios que em muitoscasos ainda hoje não estão ultrapassados. É evi-dente que opensamento grego no dom¡nio da m£sica não permaneceu est ticode Pit goras (cerca de 500 a. C.), o seu clebre fundador, aAristides Quintiliano (sculo iv a. C.), £ltimo autor grego derelevo neste campo; o resumo que se segue, emboranecessariamente simplificado, insiste nos aspectos maiscaracter¡sticos e mais importantes para a hist¢ria ulterior dam£sica ocidental.A palavra m£sica tinha para os Gregos um sentido mais lato doque aquele que hoje lhe damos. Era uma forma adjectivada demusa -- na mitologia cl ssica, qualquer das nove deusas irmãsque presidiam a determinadas artes e ciÒncias. A relaãoverbal sugere que entre os Gregos a m£sica era concebida comoalgo comum a todas as actividades que diziam respeito buscada beleza e da verdade. Nos ensinamentos de Pit goras e dosseus seguidores a m£sica e a aritmtica não eram disciplinasseparadas; os n£meros eram considerados a chave de todo ouniverso espiritual e f¡sico; assim, o sistema dos sons eritmos musicais, sendo regido pelo n£mero, exemplificava aharmonia do cosmos e correspondia a essa harmonia. Foi Platão

    que, no Timeu (o mais conhecido de todos os seus di logos naIdade Mdia) e na Rep£blica, exp s esta doutrina de forma maiscompleta e sistem tica. As ideias de Platão acerca da naturezae funões da m£sica, tal como vieram mais tarde a serinterpretadas pelo autores medievais, exerceram uma profundainfluÒncia nas especulaões destes £ltimos sobre a m£sica e oseu papel na educaão.Para alguns pensadores gregos a m£sica estava tambmintimamente ligada astronomia. Com efeito, Cl udio Ptolemeu(sculo ii d. C.), o mais sistem tico dos te¢ricos antigos dam£sica, foi tambm o mais importante astr¢nomo da antiguidade.Pensava-se que as leis matem ticas estavam na base tanto dosistema dos intervalos musicais como do sistema dos corpos

    celestes e acreditava-se que certos modos e at certas notascorrespondiam a um ou outro planeta. Tais conotaões eextensões misteriosas da m£sica eram comuns a todos os povosorientais. Platão3 deu a essa ideia uma forma potica no belomito da "m£sica das esferas", a m£sica produzida pelarevoluão dos planetas, mas que os homens não conseguiamouvir; tal concepão foi evocada por diversos autores queescreveram sobre m£sica ao longo de toda a Idade Mdia e maistarde, entre outros, por Shakespeare e Milton.A ¡ntima união entre m£sica e poesia d tambm a medida daamplitude do conceito de m£sica entre os Gregos. Para osGregos os dois termos eram praticamente sin¢nimos. Quando hojefalamos da "m£sica da poesia", estamos a empregar uma figura

    de ret¢rica, mas para os Gregos essa m£sica era uma verdadeiramelodia, cujos intervalos e ritmos podiam ser medidos de formaexacta. Poesia "l¡rica" significava poesia cantada ao som dalira; o termo tragdia inclui o substantivo ode, "a arte docanto". Muitas outras palavras gregas que designavam osdiferentes gneros de poesia, como ode e hino, eram termosmusicais. As formas desprovidas de m£sica eram tambmdesprovidas de nome. Na Potica Arist¢teles, depois deapresentar a melodia, o ritmo e a linguagem como os elementosda poesia, afirma o seguinte: "H outra arte que imita

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    recorrendo apenas linguagem, quer em prosa, quer em verso[...], mas por enquanto tal arte não tem nome4."A ideia grega de que a m£sica se ligava indissociavelmentepalavra falada ressurgiu, sob diversas formas, ao longo detoda a hist¢ria da m£sica: com a invenão do recitativo, porvolta de 1600, por exemplo, ou com as teorias de Wagner acercado teatro musical, no sculo xix.

    A doutrina do etos -- A doutrina do etos, das qualidades eefeitos morais da m£sica, integrava-se na concepão pitag¢ricada m£sica como miscrocosmos, um sistema de tons e ritmosregido pelas mesmas leis matem ticas que operam no conjunto dacriaão vis¡vel e invis¡vel. A m£sica, nesta concepão, nãoera apenas uma imagem passiva do sistema ordenado do universo;era tambm uma fora capaz de afectar o universo -- da¡ aatribuião dos milagres aos m£sicos lend rios da mitologia.Numa fase posterior, mais cient¡fica, passaram a sublinhar-seos efeitos da m£sica sobre a vontade e, consequentemente,sobre o car cter e a conduta dos seres humanos. Omodo como a m£sica agia sobre a vontade foi explicado porArist¢teles5 atravs da doutrina da imitaão. A m£sica, dizele, imita directamente (isto , representa) as paixões ouestados da alma -- brandura, ira, coragem, temperana, bemcomo os seus opostos e outras qualidades; da¡ que, quando

    ouvimos um trecho musical que imita uma determinada paixão,fiquemos imbu¡dos dessa mesma paixão; e, se durante um lapsode tempo suficientemente longo ouvirmos o tipo de m£sica quedesperta paixões ign¢beis, todo o nosso car cter tomar umaforma ign¢bil. Em resumo, se ouvirmos m£sica inadequada,tornar-nos-emos pessoas m s; em contrapartida, se ouvirmos am£sica adequada, tenderemos a tornar-nos pessoas boas6.Platão e Arist¢teles estavam de acordo em que era poss¡velproduzir pessoas "boas" mediante um sistema p£blico deeducaão cujos dois elementos fundamen-tais eram a gin stica ea m£sica, visando a primeira a disciplina do corpo e a segundaa do esp¡rito. Na Rep£blica, escrita por volta de 380 a. C.,Platão insiste na necessidade de equil¡brio entre estes dois

    elementos na educaão: o excesso de m£sica tornar o homemefeminado ou neur¢tico; o excesso de gin stica torn -lo-incivilizado, violento e ignorante. "Àquele que combina am£sica com a gin stica na proporão certa e que melhor asafeioa sua alma bem poder chamar-se verda- deirom£sico7." Mas s¢ determinados tipos de m£sica sãoaconselh veis. As melo-dias que exprimem brandura e indolÒnciadevem ser evitadas na educaão dos indiv¡duos que forempreparados para governarem o estado ideal; s¢ os modosd¢rico e fr¡gio serão admitidos, pois promovem,respectivamente, as virtudes da coragem e da temperana. Amultiplicidade das notas, as escalas complexas, a combinaãode formas e ritmos incongruentes, os conjuntos de instrumentos

    diferen- tes entre si, "os instrumentos de muitas cordas eafinaão bizarra", at mesmo os fabricantes e tocadores deaulo, deverão ser banidos do estado8. Os fundamentos dam£sica, uma vez estabelecidos, não deverão ser alterados, poiso desregramento na arte e na educaão conduz inevitavelmentelibertinagem nos costumes e anarquia na sociedade9. O ditado"deixai-me fazer as canões de uma naão, que pouco me importaquem faz as suas leis" era uma m xima pol¡tica, mas tambm umtrocadilho, pois a palavra nomos, que significa "costume" ou"lei", designava tambm o esquema mel¢dico de uma canão

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    l¡rica ou de um solo instrumental10. Arist¢teles, na Pol¡tica(cerca de 330 a. C.), mostrou-se menos restritivo do quePlatão quanto a ritmos e modos particulares. Concebia que am£sica pudesse ser usada como fonte de divertimento eprazer intelectual, e não apenas na educaão11.É poss¡vel que, ao limitarem os tipos de m£sica autorizados noestado ideal, Platão e Arit¢teles estivessem deliberadamente adeplorar certas tendÒncias da vida musical do seu tempo:ritmos associados a ritos orgi sticos, m£sica instrumentalindependente, popularidade dos virtuosos profissionais. Amenos que encaremos estes fil¢sofos como homens tão desligadosdo mundo real da arte que as suas opiniões no dom¡nio dam£sica não tÒm a menor relev ncia, devemos relembrar osseguintes factos: primeiro, na Grcia antiga a palavra m£sicatinha um sentido muito mais lato do que aquele que lhe damoshoje; segundo, não sabemos qual era a sonoridade dessa m£sica,e não  imposs¡vel que tivesse realmente certos poderes sobreo esp¡rito que não possamos idealizar; terceiro, houve muitosmomentos hist¢ricos em que o estado ou outras autoridadesproibiram determinados tipos de m£sica, partindo do princ¡piode que se tratava de uma questão importante para o bem-estarp£blico. Havia leis sobre a m£sica nas primeiras constituiõesde Atenas e de Esparta. Os escritos dos Padres da IgrejacontÒm muitas censuras a determinados tipos de m£sica. E mesmo

    no sculo xx o assunto est longe de ter sido encerrado. Asditaduras, tanto fascistas como comunistas, procuraramcontrolar a actividade musical dos respectivos povos; asigrejas costumam estipular quais as m£sicas que podem ou nãoser tocadas nos servios religiosos; os educadores continuam apreocupar-se com o tipo de m£sica, bem como com o tipo deimagens e textos, a que se vÒem expostos os jovens de hoje.A doutrina grega do etos, por conseguinte, baseava-se naconvicão de que a m£sica afecta o car cter e de que osdiferentes tipos de m£sica o afectam de forma diferente.Nestas distinões efectuadas entre os muitos tipos de m£sicapodemos detectar uma divisão genrica em duas categorias: am£sica que tinha como efeitos a calma e a elevaão espiritual,

    por um lado, e, por outro, a m£sica que tendia a suscitar aexcitaão e o entusiasmo. A primeira categoria era associadaao culto de Apolo, sendo o seu instrumento a lira e as formaspoticas correlativas a ode e a epopeia. A segunda categoria,associada ao culto de Dioniso, utilizava o aulo e tinha comoformas poticas afins o ditirambo e o teatro.

    O sistema musical grego

    A teoria musical grega, ou harmonia, compunha-setradicionalmente de sete t¢picos: notas, intervalos, gneros,sistemas de escalas, tons, modulaão e composião mel¢dica.Estes pontos são enumerados por esta ordem por Cle¢nides

    (autor de data incerta, talvez do sculo ii d. C.)12 numcompÒndio da teoria aristoxeniana; o pr¢prio Arist¢xeno, nosseus Elementos de Harmonia (c. 330 a. C.), discutedemoradamente cada um dos t¢picos, mas ordenando-os de formadiferente. Os conceitos de nota e de intervalo dependem de umadistinão entre dois tipos de movimento da voz humana: ocont¡nuo, em que a voz muda de altura num deslizar constante,ascendente ou descendente, sem se fixar numa nota, e odiastem tico, em que as notas são mantidas, tornandopercept¡veis as dist ncias n¡tidas entre elas, denominadas

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    "intervalos". Os intervalos, como os tons, os meios-tons e osd¡tonos (terceira), combinavam-se em sistemas ou escalas. Obloco fundamental a partir do qual se constru¡am as escalas deuma ou duas oitavas era o tetracorde, formado por quatronotas, abarcando um diatessarão, ou intervalo de quarta. Aquarta foi um dos trÒs intervalos prim rios precocementereconhecidos como conson ncias. Diz-nos a lenda que Pit gorasdescobriu as conson ncias a partir de quocientes simples, aodividir uma corda vibrante em partes iguais. Na razão de 2:1ter encontrado a oitava, na de 3:2 a quinta e na de 4:3 aquarta.Havia trÒs gneros ou tipos de tetracordes: o diat¢nico, ocrom tico e o enarm¢nico. As notas extremas dos tetracordeseram consideradas como tendo altura est vel, enquanto as duasnotas intermdias podiam situar-se em pontos convenientes nocont¡nuo entre as notas extremas. O intervalo inferior erageralmente o menor e o superior o maior [exemplo 1.1, a), b),c)]. No tetracorde diat¢nico os dois intervalos superioreseram tons inteiros e o inferior um meio-tom. No crom tico ointervalo superior era um semid¡tono, ou terceira menor, e osdois intervalos inferiores, formando uma zona densa, oupyknon, eram meios-tons. No enarm¢nico o intervalo superiorera um d¡tono, ou terceira maior, e os dois intervalosinferiores do pyknon eram menores do que meios-tons, quartos

    de tom, ou pr¢ximos do quarto de tom. Todos estes componentesdo tetracorde podiam variar ligeiramente de amplitude, e estavariedade criava "matizes" dentro de cada gnero.

    Exemplo 1.1 -- Tetracordes

    a) Diat¢nico b) Crom tico c) Enarm¢nicoArist¢xeno defendia que o verdadeiro mtodo para determinar osintervalos era atravs do ouvido, e não de quocientesnumricos, como pensavam os seguidores de Pit goras. Noentanto, para descrever a amplitude de intervalos menores doque a quarta dividia o tom inteiro em doze partes iguais eusava estas como unidades de medida. Das descriões de

    Arist¢xeno e de alguns textos de te¢ricos mais tardios podemosinferir que os gregos antigos, como a maior parte dos povosorientais, ainda nos nossos dias, faziam uso corrente deintervalos menores do que o meio-tom. E encon-tramos,efectivamente, tais microtons no fragmento de Eur¡pides (NAWM1).

    Exemplo 1.2 -- Tetracordes conjuntos e disjuntos

    a) Dois tetracordes conjuntos b) Dois tetracordesdisjuntoscom nota suplementarCada uma das notas, excepto o mese e o proslambanomenos, tinha

    um nome duplo, por exemplo, nete hyperbolaion, em que oprimeiro termo indicava a posião da nota no tetracorde e osegundo era o nome do pr¢prio tetracorde. Os tetracordes eramdenominados segundo a respectiva posião: hyperbolaion, "notasextremas"; diezeugmenon, "disjunão"; meson, "meio"; hypaton,"o £ltimo".Dois tetracordes podiam combinar-se de duas formas diferentespara formarem heptacordes (sistemas de sete notas) e sistemasde uma ou duas oitavas. Se a £ltima nota de um tetracorde eratambm a primeira de outro, os tetracordes diziam-se

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    conjuntos; se eram separados por um tom inteiro, eramdisjuntos (v. exemplo 1.2, onde T = tom inteiro e m =meio-tom). Daqui derivou, com o passar do tempo, o sistemaperfeito completo -- uma escala de duas oitavas composta detetracordes alternadamente conjuntos e disjuntos, como se vÒno exemplo 1.3. O L mais grave deste sistema, uma vez queficava de fora do sistema de tetracordes, era considerado umtom suplementar (proslambanomenos).Exemplo 1.3 -- O sistema perfeito completoAlgumas das notas são designadas a partir da posião da mão edos dedos ao tocar a lira. Lichanos significa "dedoindicador". Hypate significa que se trata da primeira nota doprimeiro tetracorde, enquanto nete deriva de neaton, ou"£ltimo a chegar". O nome do tetracorde diezeugmenon provm dofacto de o intervalo Si-L ser o tom inteiro que separa doistetracordes disjuntos, o "ponto de disjunão" -- em grego,diazeuxis.No exemplo 1.3 os tons exteriores ou fixos dos tetracordesterão sido representados na notaão moderna por notas brancas.A altura dos dois tons intermdios de cada tetracorde(representados por notas pretas) podia, como atr s explic mos,ser modificada por forma a produzir os diversos matizes e osgneros enarm¢nico e crom tico, mas, independentemente damodificaão de altura, estas notas conservavam os mesmos nomes

    que no gnero diat¢nico (por exemplo, mese, lichanos,parhypate e hypate no tetracorde conjunto do meio). Haviatambm um sistema perfeito menor que consistia numa oitava del a L , como no sistema perfeito maior, com um tetracordeconjunto suplementar (denominado synemmenon, ou associado)constitu¡do pelas notas r'-d¢'-sib-l .A questão dos tonoi era objecto de divergÒncias consider veisentre os escritores antigos, o que não  surpreendente, umavez que os tonoi não eram construões te¢ricas anteriorescomposião mas um meio de organizar a melodia, e as pr ticasmel¢dicas divergiam grandemente no ¶mbito geogr fico ecronol¢gico da cultura grega:

    A m£sica da Grcia antiga abrangia peas j¢nicas (ou seja,asi ticas), como os cantos picos de Homero e as raps¢dias,peas e¢licas (das ilhas gregas), como as canões de Safo eAlfeu, peas d¢ricas (do Sul da Grcia), como os versos deP¡ndaro (poeta epiniciano)*, Ésquilo, S¢focles, Eur¡pides (ospoetas tr gicos) e Arist¢teles (o poeta c¢mico), peasdlficas (do Norte da Grcia) helen¡sticas, como os hinos aApolo, a inscrião funer ria pagã de Seikilos do sculo i, um"hino cristão" do sculo iv e todo o resto de um vasto corpus,que se perdeu quase por inteiro, de m£sica grega compostaprimeiro sem, e depois com, o aux¡lio de uma notaão e de umaaprendizagem tcnica, ao longo do per¡odo de cerca de 1200anos que medeia entre Homero e Bocio14.

    Arist¢xeno comparou as discord ncias quanto ao n£mero e alturados tonoi com as disparidades entre os calend rios de Corintoe de Atenas. A parte do tratado onde apresentaria a suaperspectiva não chegou at n¢s, mas a exposião de Cle¢nidesderiva dela com toda a probabilidade. A palavra tonos, ou"tom", dizia ele, tinha quatro significados: nota, intervalo,região da voz e altura. É usada com o sentido de região da vozquando se refere ao tonos d¢rico, ao fr¡gio ou ao l¡dio.Arist¢xeno, acrescentava ainda Cle¢nides, distinguia treze

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    tonoi. Em seguida enumerava-os e mostrava que cada um delescomea no seu meio-tom da oitava.Para fazermos uma ideia mais exacta do que eram os tonoi temosde recorrer a outros autores, possivelmente posteriores, comoAl¡pio (cerca do sculo iii ou iv) e Ptolemeu. Al¡pioapresentava t buas de notaão para quinze tonoi (os deArist¢xeno e dois mais agudos), que revelam ter cada tonos aestrutura do sistema perfeito, maior ou menor, sendo um dadotonos meio-tom mais alto ou mais baixo do que o seguinte. Anotaão sugere que o hipol¡dio corresponderia escalanatural, como o l a L do exemplo 1.3. Ptolemeu consideravaque treze era um n£mero excessivo de tonoi, pois, segundo asua teoria, o prop¢sito dos tonoi era permitir que fossemcantadas ou tocadas, dentro do ¶mbito limitado desta oudaquela voz ou instrumento, determinadas harmoniai, e s¢ haviasete maneiras de combinar os sons da oitava numa harmonia. Umaharmonia, como mais tardiamente o modo, era caracterizada porum certo n£mero de atributos, como o etos, ofeminino/masculino, as notas exclu¡das, as preferÒnciastnicas, e assim sucessivamente, mas a cada harmonia eraassociada uma espcie particular de oitava.Ao discutir a questão das espcies de conson ncias, Cle¢nidesdemonstrou que havia trÒs espcies de quartas, quatro espciesde quintas e sete de oitavas. Quer isto dizer que os tons ou

    meio-tons (ou intervalos menores) podiam ser ordenados de umn£mero de formas sempre igual ao n£mero de notas do intervalomenos um. A quarta diat¢nica podia ascender das seguintesformas: m-T-T (como a quarta Si-mi), T-T-m (como d¢-f ) eT-m-T (como r-sol). Havia espcies equivalentes para a quartacrom tica e enarm¢nica e tambm para a quinta e a oitava. Àsespcies de oitavas atribuiu Cle¢nides os nomes tnicosd¢rica, fr¡gia, etc., demonstrando que todas podiam serrepresentadas como segmentos do sistema perfeito completo nasua forma natural. Assim, a oitava mixol¡dia corresponde aSi-si, a l¡dia a d¢-d¢', a fr¡gia a r-r', a d¢rica a mi-mi',e assim por diante, at  hipod¢rica, que corresponde al --L '. Por conseguinte, as espcies de oitavas são como uma

    srie ascendente de modos, mas esta  uma falsa analogia, poiso autor apenas pretendia com ela tornar mais f cil amemorizaão da sucessão dos intervalos. Não deixa de ser, noentanto, extraordin ria a coincidÒncia entre as designaões deCle¢nides para as sete espcies de oitavas e as de Ptolemeupara os tonoi, de que aquelas espcies derivam no seu sistema.O argumento de Ptolemeu para p r de parte todos os tonoi,excepto sete, baseava--se na convicão de que a altura do som(aquilo a que hoje damos o nome de registo) não era a £nicafonte importante de variedade e expressividade no dom¡nio dam£sica, sendo mais importante ainda a combinaão dosintervalos dentro de um determinado ¶mbito da voz. Narealidade, ele desprezava a mudana ou modulaão do tons, que,

    na sua opinião, não alterava a melodia, enquanto a modulaãodas espcies de oitava ou harmonia modificava o etos aoalterar a estrutura de intervalos da melodia. S¢ eramnecess rios sete tonoi para tornar poss¡veis sete combinaõesou espcies dos intervalos componentes no espao de umaoitava, ou dupla oitava, por exemplo, a oitava central mi-mi'.Na posião central colocava o tonos d¢rico, tal como fizeraCle¢nides, e era essa a escala natural, que na nossa notaãosurgiria sem acidentes. Um tom inteiro acima deste vinha otonos fr¡gio, um tom acima deste o l¡dio e meio--tom mais

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    acima o mixol¡dio. Meio-tom abaixo do d¢rico vinha ohipol¡dio, um tom inteiro abaixo deste o hipofr¡gio e mais umtom abaixo o hipod¢rico. Enquanto Al¡pio representava atravsde letras todo o conjunto de quinze notas transposto para cimaou para baixo, Ptolemeu encarava os limites da voz comoconfinados a duas oitavas, de forma que o £nico tonos queapresentava integralmente o sistema perfeito completo na suaordem normal era o d¢rico (v. exemplo 1.4); aos tonoi maisaltos faltavam as notas mais agudas e eram acrescentadas notassuplementares mais graves, sucedendo o inverso com os tonoiinferiores ao d¢rico. A oitava central continha os mesai(plural de mese) de todos os tonoi. Deste modo, r era o mesedo mixol¡dio, d¢# o mese do l¡dio, e assim por diante. Estasnotas eram mesai em virtude da sua funão na transposião dosistema perfeito completo, enquanto o ttico, ou mese fixo,permanecia sempre na posião central. Imaginemos uma harpa dequinze cordas, cada corda com um nome pr¢prio, como mese ouparamese diezeugmon, conservando esse nome mesmo que lhe fosseconferida uma funão diferente. Assim o mese funcional fr¡gidopodia ser colocado em si, ou paramese ttico, um tom inteiroacima do mese natural, ttico ou d¢rico, que  l .Exemplo 1.4 -- Sistema de espcies de oitavas, segundoCle¢nides, e sistema de tonoi, segundo PtolemeuPodemos agora considerar aquilo que Platão e Arist¢teles

    designavam por harmonia, termo que geralmente se traduz pormodo. Não esqueamos que eles escreviam acerca da m£sica de umper¡odo muito anterior ao dos ensaios te¢ricos atr s citados."Os modos musicais", diz Arist¢teles, "apresentam entre sidiferenas fundamentais, e quem os ouve  por eles afectado demaneiras diversas. Alguns deixam os homens graves e tristes,como o chamado mixol¡dio; outros enfraquecem o esp¡rito, comoos modos mais brandos; outro ainda suscita um humor moderado etranquilo, e tal parece ser o efeito particular do d¢rico; ofr¡gio inspira o entusiasmo15." Ser a posião central daoitava d¢rica mi-mi' no sistema perfeito completo, ou seja, alocalizaão intermdia dos seus tons, ou a combinaão de tonse meios--tons da respectiva espcie de oitava ou harmonia

    (descendo na sequÒncia T-T-m-T-T-T-m), o factor que induz umhumor moderado e tranquilo ou, mais genericamente, qualqueroutro estado de esp¡rito? Possivelmente, uma conjugaão deambas as coisas, mas o mais prov vel  que Arist¢teles nãotivesse em mente nada de tão tcnico e espec¡fico, mas sim anatureza expressiva genrica das melodias e configuraõesmel¢dicas caracter¡sticas de um determinado modo, poisassociava de forma bem clara a estes elementos os ritmosparticulares e as formas poticas correspondentes a esse modo.Poder ter havido outras associaões, nem poticas nemmusicais, como as tradiões, os costumes e as atitudesadquiridas, mais ou menos inconscientes, para com osdiferentes tipos de melodia;  tambm poss¡vel que,

    originariamente, os nomes d¢rico, fr¡gio, etc., se referissema estilos particulares de m£sica ou formas de interpretaãocaracter¡sticas das diversas raas de que o povo grego dostempos hist¢ricos descendia.Apesar das contradiões e imprecisões que dificultam otrabalho do estudioso dos textos antigos sobre m£sica, h umacorrespondÒncia assinal vel entre os preceitos te¢ricos deArist¢xeno a Al¡pio e os fragmentos musicais que sobreviveram.Dois de entre estes prestam-se a ser estudados com algumpormenor: o epit fio de Seikilos (NAWM 2) e um coro do Orestes

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    de Eur¡pides (NAWM 1).Ambos os exemplos ilustram at que ponto os escritos te¢ricospodem servir de guia para a compreensão dos recursos tcnicosda m£sica grega que subsistiu at aos nossos dias. Os sistemastonais descritos na literatura parecem ter aplicaão na m£sicaescrita e poderão ter sido igualmente fundamentais para am£sica mais corrente que não ficou registada por escrito.Entretanto, convm lembrar que, se Eur¡pides escreveu a m£sicado fragmento do Orestes, fÒ-lo quase um sculo antes deArist¢xeno e de ou-tros autores comearem a analisar o sistemade tons. Por conseguinte, não  de admirar que esse fragmentonão se harmonize tão bem com a teoria. Se a canão de Seikilosest mais de acordo com a teoria, talvez seja porque a teoriaorientou a sua composião.

    Nawm 2 -- Epit fio de Seikilos

    O epit fio de Seikilos, embora seja o mais tardio dos doisexemplos, ser examinado em primeiro lugar, uma vez que estcompleto e apresenta menos problemas anal¡ticos. O texto e am£sica estão inscritos numa estela ou pedra funer riaencontrada em Aidine, na Turquia, pr¢ximo de Trales, e datam,aproximadamente, do sculo i d. C. Todas as notas da oitavami-mi', com Sol e D¢ sustenidos (v. exemplo 1.5), entram na

    canão, de forma que a espcie de oitava  inequivocamenteidentific vel como aquela a que Cle¢nides deu o nome defr¡gia, equivalente escala de R nas teclas brancas de umpiano. A nota que mais se destaca  o l , sendo as duas notasextremas mi e mi'. A nota l  a mais frequente (oito vezes),e trÒs das quatro frases comeam com ela; mi'  a nota maisaguda das quatro frases e repete-se seis vezes; mi  a notafinal da pea. De import ncia subsidi ria são sol, que encerraduas das frases, mas  omitido no fim, e r', que  a £ltimanota de outra das frases.A import ncia do l  significativa, porque se trata da notacentral, ou mese, do sistema perfeito completo. Em Problemas,obra atribu¡da a Arist¢teles (mas que poder não ser

    inteiramente da sua autoria), afirma-se o seguinte: "Em toda aboa m£sica o mese repete-se com frequÒncia, e todos os bonscompositores recorrem frequentemente ao mese, e, se o deixam, para em breve voltarem a ele, como não o fazem com maisnenhuma nota16."A oitava mi-mi', com dois sustenidos,  um segmento da duplaoitava Si-si', identificada por Al¡pio como correspondendo aotonos diat¢nico i stico, uma forma menor do modo fr¡gio que tambm conhecida pelo nome de tonos j¢nico (v. exemplo 1.5 efigura 1.1). Este tonos transpõe o sistema perfeito maior paraum tom inteiro acima da sua localizaão natural, hipol¡dia, emL -l ', na notaão de Al¡pio. A identidade do tonos, porm,não parece ser essencial estrutura da pea, pois os tons que

    nela mais se destacam, l e mi, funcionam nesse tonos comolichanos meson e paranete diezeugmenon, ambos inst veis (v.exemplo 1.3). Na escala ttica, em contrapartida, as notas mi,l e mi' são hypate meson, meson, mese e nete diezeugmenon,todas notas est veis, e a espcie de quinta l -mi', que dominaa maior parte da pea, bem como a espcie de quarta mi-l , queprevalece no final, dividem a espcie de oitava em duasmetades consonantes.

    Exemplo 1.5 -- Epit fio de Seikilos (transcrião)

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    Notas musicais

    1.Ritmo do texto B L L L LRitmo da m£sica B L L + B B B B L + B

    Notas musicais

    2.Ritmo do texto L B B L D D LRitmo da m£sica L B B B B B L B + L

    Notas musicais

    3.Ritmo do texto B B D B L D B LRitmo da m£sica B B B B B B B L B + L

    Notas musicais

    4.Ritmo do texto B B B C B B D L LRitmo da m£sica B B B B B B B L B + L

    D = s¡laba dicr¢nicaB = s¡laba breveL = s¡laba longa| = posião poss¡vel da thesisC = s¡laba comum

    At ao fim dos teus dias, vive despreocupado.Que nada te atormente. A vida  demasiado breve, e o tempocobra o seu tributo.

    Extra¡do de Music Theory Spectrum, 7, 1985, 171-172.Foi poss¡vel analisar a estrutura tonal desta breve canão

    segundo os critrios explanados pelos te¢ricos. No que dizrespeito ao etos da canão, pode dizer-se que não  euf¢riconem depressivo, mas sim equilibrado entre os dois extremos, oque est em harmonia com o tonos j¢nico. Na ordenaão dosquinze tonoi segundo Al¡pio, o j¢nico, com proslambanomenos emSi e mese em si, ocupa um lugar intermdio entre o mais grave,o hipod¢rico, com proslambanomenos em F e mese em f , e omais agudo, o hiperl¡dio, com proslambanomenos em sol e meseem sol'. As terceiras maiores dariam ao ouvinte de hoje, eprovavelmente tambm ao da poca, uma impressão de alegria,tal como a quinta ascendente de abertura. A mensagem do poema, com efeito, optimista.Figura 1.1 -- An lise da inscrião de Seikilos

      Nomes tticos Nome segundo a funão Espcie  (tonos i stico) (frig¡a)

    fixo nete diezeugmenon mi' paranete diezeugmenon  tom  paranete diezeugmenon r  trite diezeugmenon  meio-tom  trite diezeugmenon d¢# paramese  disjunão tom

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    fixo paramese si mese  disjunão tomfixo mese l lichanos meson  tom  lichanos meson sol parhypate meson  meio-tom  parhypate meson f # hypate meson  tomfixo hypate meson mi lichanos hypaton

    A canão de Seikilos teve especial interesse para oshistoriadores devido clareza da sua notaão r¡tmica. Asnotas sem sinais r¡tmicos por cima das letras do alfabetoequivalem a uma unidade de duraão (chronos protos); o traohorizontal indica um diseme, equivalente a dois tempos, e osinal horizontal com um prolongamento vertical do lado direito um triseme, equivalente a trÒs tempos. Cada verso tem dozetempos.

    Nawm 1 -- Eur¡pides, Orestes (fragmento)

    O fragmento do coro do Orestes de Eur¡pides chegou at n¢s numpapiro dos sculos iii ou ii a. C. Calcula-se que a tragdiaseja de 408 a. C. É poss¡vel que a m£sica tenha sido composta

    pelo pr¢prio Eur¡pides, que ficou famoso pelos seusacompanhamentos musicais. Este coro  um stasimon, uma odecantada com o coro im¢vel no seu lugar na orquestra, zonasemicircular entre o palco e a bancada dos espectadores. Opapiro contm sete versos com notaão musical, mas s¢subsistiu a parte central dos versos; o in¡cio e o fim de cadaverso vÒm, por conseguinte, entre parÒnteses no exemplo 1.6.Os versos do papiro não coincidem com os do texto. Chegaramat n¢s quarenta e duas notas da pea musical, mas faltammuitas outras. Por conseguinte, qualquer interpretaão terforosamente de se basear numa reconstituião.A transcrião  dificultada pelo facto de certos signosalfabticos serem vocais enquanto outros são instrumentais,

    sendo alguns enarm¢nicos (ou crom ticos) e outros diat¢nicos(v. exemplo 1.6 e figura 1.2). A presente criaão apresenta osintervalos densos como sendo crom ticos, mas, alterando o"matiz", estes poderiam ser igualmente transcritos comoenarm¢nicos do tipo mais denso. As notas que subsistiram

    Exemplo 1.6 -- Stasimon do Orestes (fragmento)

    Notas musicais

    1.Ritmo do texto D B B D B L | D BB L D D

    Ritmo da m£sica L B L | BB B

    Notas musicais

    2.Ritmo do texto B D D L L L | B BD L B LRitmo da m£sica L L L | BB B

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    Notas musicais

    3.Ritmo do texto B D B L(B*?)B L | D DB L B LRitmo da m£sica L B L | B B

    Notas musicais

    4.Ritmo do texto D D D L BL | D L LL LRitmo da m£sica B B L BL | B L

    Notas musicais

    5.Ritmo do texto D C D B | L LRitmo da m£sica B B B L B B |

    Notas musicais

    6.

    Ritmo do texto B L | L L LRitmo da m£sica B B | BB L

    Notas musicais

    7.[texto incerto]

      deusas iradas que fendeis os cus buscando vingana pelocrime, imploramo-vos que livreis o filho de Agammnon da suaf£ria cega [...] Choramos por este mancebo. A ventura  fugazentre os mortais. Sobre ele se abatem o luto e a ang£stia,qual s£bito golpe de vento sobre uma chalupa, e ele naufraga

    nos mares revoltos.enquadram-se no tonos l¡dio de Al¡pio. As trÒs notas maisgraves do tetracorde diezeugmenon são separadas pelo tom dedisjunão do tetracorde meson crom tico, que, por seu turno,surge conjunto com o tetracorde hypaton diat¢nico, do qualapenas são usadas as duas notas superiores. A pea parece,assim, ter sido escrita num gnero misto. A espcie de oitavaou harmonia , aparentemente, a fr¡gia, mas duas harmoniasapresentadas pelo te¢rico musical e fil¢sofo AristidesQuintiliano (sculo iv d. C.) como datando do tempo de Platão-- a d¢rica e a fr¡gia da sua classificaão -- coinci-demquase exactamente com a escala que aqui encontramos, como se

    vÒ na figura 1.2.No stasimon o coro das mulheres de Argos implora aos deusesque tenham piedade de Orestes, que seis dias antes de a peacomear assassinou a mãe, Clitemnestra.Ele combinara com a irmã Electra punir a mãe por ter sidoinfiel ao pai, Agammnon. O coro pede que Orestes sejalibertado da loucura que se apossou dele desde o momento docrime. O ritmo da poesia, por conseguinte da m£sica, dominado pelo p docm¡aco, que era usado na tragdia grega emtrechos de intensa agitaão e sofrimento. O docm¡aco combina

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    trÒs s¡labas longas com duas breves, sendo muitas vezes, comosucede aqui, uma das s¡labas longas substitu¡da por duas maisbreves, de forma que, em vez de cinco notas por p, temosseis. No exemplo 1.6 os ps são separados por barras verticaisnos s¡mbolos que assinalam o "ritmo do texto" para cada linhado papiro.O texto cantado  interrompido por sons instrumentais, sol'nos versos 1 a 4, e mi--si nos versos 5 e 6. O hypate hypaton(l )  o tom que mais se destaca, pois dois dos versos (osversos 1 e 3, pontuados pela nota instrumental sol) terminamnessa nota e v rias frases da melodia organizam-se em torno doparamese mi'; tanto l como mi são notas est veis no tonosl¡dio e são os tons mais graves dos dois tetracordesutilizados na pea (v. figura 1.2)17.

    A m£sica na antiga Roma -- Não sabemos se os Romanos terãosido respons veis por alguma contribuião importante, querpara a teoria, quer para a pr tica musical. Roma foi buscar asua m£sica erudita Grcia, especialmente depois de estaregião se tornar uma prov¡ncia romana, em 146 a. C., e poss¡vel que esta cultura importada tenha substitu¡do umam£sica ind¡gena, etrusca ou italiana, da qual nada sabemos.A versão romana do aulo, a t¡bia, e os seus tocadores, ostibicinos, desempenhavam um papel importante nos ritos

    religiosos, na m£sica militar e no teatro. Destacavam-se aindav rios outros instrumentos de sopro. A tuba, uma trombetacomprida, direita, era tambm utilizada em cerim¢niasreligiosas, estatais e militares. Os instrumentos maiscaracter¡sticos eram uma grande trompa circular, em forma deG, chamada corno, e a sua versão de menores dimensões, abuzina. A m£sica deve ter estado presente em quase todas asmanifestaões p£blicas. Mas desempenhava tambm um papel nasdiversões particulares e na educaão. Muitas passagens dasobras de C¡cero, Quintiliano e outros autores revelam que afamiliaridade com a m£sica, ou pelo menos com os termosmusicais, era considerada como fazendo parte da educaão doindiv¡duo culto, tal como se esperava que tal indiv¡duo

    soubesse falar e escrever o grego.Nos tempos ureos do Imprio Romano (os dois primeiros sculosda era cristã) foram importadas do mundo helen¡stico obras dearte, arquitectura, m£sica, filosofia, novos ritos religiosose muitos outros bens culturais. Numerosos textos documentam apopularidade de virtuosos clebres, a existÒncia de grandescoros e orquestras, bem como de grandiosos festivais econcursos de m£sica. Muitos imperadores foram patronos dam£sica. Nero aspirou at a alcanar fama pessoal como m£sico.Com o decl¡nio econ¢mico do imprio, nos sculos iii e iv, aproduão musical em grande escala, naturalmente dispendiosa,do per¡odo anterior acabou por desaparecer.Resumindo: embora haja uma grande incerteza quanto s questões

    de pormenor, sabemos que o mundo antigo legou Idade Mdiaalgumas ideias fundamentais no dom¡nio da m£sica: (1) umaconcepão da m£sica como consistindo essencialmente numa linhamel¢dica pura e despojada; (2) a ideia da melodia intimamenteligada s palavras, especialmente no tocante ao ritmo emtrica; (3) uma tradião de interpretaão musical baseadaessencialmente na improvisaão, sem notaão fixa, em que ointrprete como que criava a m£sica de novo a cada execuão,embora segundo convenões comummente aceites e servindo-se dasf¢rmulas musicais tradicionais; (4) uma filosofia da m£sica

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    que concebia esta arte, não como uma combinaão de belos sonsno v cuo espiritual e social da arte pela arte, mas antes comoum sistema bem ordenado, indissoci vel do sistema da Natureza,e como uma fora capaz de afectar o pensamento e a conduta dohomem; (5) uma teoria ac£stica cientificamente fundamentada;(6) um sistema de formaão de escalas com base nostetracordes; (7) uma terminologia musical.Parte desta herana (n.os 5, 6 e 7) era especificamente grega;o resto era comum maior parte, se não totalidade, do mundoantigo. Os conhecimentos e as ideias no dom¡nio da m£sicaforam transmitidos, embora de maneira incompleta e imperfeita,ao Ocidente por diversas vias: a igreja cristã, cujos ritos em£sica derivaram inicialmente, em grande medida, de fontesjudaicas, se bem que despojados dos instrumentos e danas queos acompanhavam no templo, os escritos dos Padres da Igreja eos tratados enciclopdicos do princ¡pio da Idade Mdia, queabordavam a m£sica juntamente com uma quantidade de outrostemas.

    Os primeiros sculos da igreja cristã

    Algumas caracter¡sticas da m£sica da Grcia e das sociedadesmistas orientais- -helen¡sticas do Mediterr neo orientalforam seguramente absorvidas pela igreja cristã nos seus dois

    ou trÒs primeiros sculos de existÒncia. Mas certos aspectosda vida musical antiga foram liminarmente rejeitados. Umdesses aspectos foi a ideia de cultivar a m£sica apenas peloprazer que tal arte proporciona. E, acima de tudo, as formas etipos de m£sica associados aos grandes espect culos p£blicos,tais como festivais, concursos e representaões teatrais, almda m£sica executada em situaões de conv¡vio mais ¡ntimo,foram por muitos considerados impr¢prios para a Igreja, nãoporque lhes desagradasse a m£sica propriamente dita, masporque sentiam a necessidade de desviarem o n£mero crescentedos convertidos de tudo o que os ligava ao seu passado pagão.Esta atitude chegou mesmo a suscitar, de in¡cio, uma grandedesconfiana em relaão a toda a m£sica instrumental.

    A herana judaica -- Durante muito tempo os historiadores dam£sica pensaram que os primeiros cristãos tinham copiado osservios religiosos pelos da sinagoga judaica. Osespecialistas mostram-se hoje mais cpticos em relaão a estateoria, dado que não h provas documentais que a confirmem.Julga-se at que os primeiros cristãos terão evitado copiar osservios judaicos por forma a sublinharem o car cter distintodas suas crenas e rituais.É necess rio estabelecer uma distinão entre as funõesreligiosas do templo e da sinagoga. O templo -- ou seja, osegundo templo de Jerusalm, que existiu no mesmo lugar doprimeiro templo de Salomão de 539 a. C. at  sua destruião

    pelos Romanos em 70 d. C. -- era um local de culto p£blico.Esse culto consistia principalmente num sacrif¡cio, em geralde um cordeiro, realizado por sacerdotes, assistidos porlevistas, entre os quais se contavam v rios m£sicos, e napresena de leigos israelistas. Umas vezes o sacerdote eoutras tambm o crente leigo comiam parte do animal "assado".Estes sacrif¡cios realizavam-se diariamente, de manhã e detarde; no sabbath e nas festas havia sacrif¡cios p£blicossuplementares. Enquanto decorria o sacrif¡cio, um coro delevitas -- com doze elementos, pelo menos -- cantava um salmo,

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    diferente para cada dia da semana, acompanhado porinstrumentos de cordas. Nas festas mais importantes, como avspera da P scoa, cantavam-se os salmos 113 a 118, que tÒmrefrões em aleluia, enquanto os crentes faziam os sacrif¡ciospessoais, e em seguida um instrumento de sopro semelhante aoaulo vinha associar-se ao acompanhamento de cordas. Os crentestambm rezavam no templo ou voltados para o templo, mas amaior parte das oraões fazia-se em casa ou na rua. H umparalelismo evidente entre o sacrif¡cio no templo e a missacristã, que era um sacrif¡cio simb¢lico, em que o sacerdotepartilhava do sangue sob forma de vinho e os crentes seassociavam partilha do corpo de Cristo sob forma de pão.Todavia, sendo a missa igualmente uma comemoraão da £ltimaceia, imita tambm a refeião judaica dos dias de festa, comoa refeião ritual da P scoa, que era acompanhada por m£sicacantada.A sinagoga era um centro de leituras e homilias, bem mais doque de sacrif¡cios ou oraões. A¡, em assembleias ou servios,as Escrituras eram lidas e comentadas. Determinadas leituraseram feitas nas manhãs normais do sabbath e nos dias demercado, segundas-feiras e quartas-feiras, enquanto havialeituras especiais para as festividades das peregrinaões,para as festividades menores, para os dias de jejum e para osdias de lua nova. Ap¢s a destruião do templo, o servio da

    sinagoga incorporou elementos que substitu¡am os sacrif¡ciosdo templo, mas esta evoluão deu-se j , provavelmente,demasiado tarde -- no final do sculo i ou no sculo ii --para servir de modelo aos cristãos. Segundo parece, o cantoquotidiano dos salmos s¢ comeou a realizar-se bastante depoisde iniciada a era cristã. O que a liturgia cristã ficou adever sinagoga foi principalmente a pr tica das leiturasassociadas a um calend rio e o seu coment rio p£blico numlocal de reunião dos crentes.À medida que a igreja cristã primitiva se expandia deJerusalm para a Ásia Menor e para o Ocidente, chegando aÁfrica e Europa, ia acumulando elementos musicaisprovenientes de diversas zonas. Os mosteiros e igrejas da

    S¡ria tiveram um papel importante no desenvolvimento do cantodos salmos e dos hinos. Estes dois tipos de canto religiosoparecem ter-se difundido a partir da S¡ria, via Biz ncio, atMilão e outros centros ocidentais. O canto dos hinos  aprimeira actividade musical documentada da igreja cristã(Mat., 26, 30; Mar., 14, 26). Por volta do ano 112 Pl¡nio, oJovem, faz referÒncia ao costume cristão de cantar "uma canãoa Cristo como se ele fosse um deus" na prov¡ncia de que eragovernador, a Bit¡nia, na Ásia Menor18. O canto dos cristãosera associado ao acto de se comprometerem atravs de umjuramento.

    Biz ncio -- As igrejas orientais, na ausÒncia de um autoridade

    central forte, desenvolveram liturgias diferentes nas v riasregiões. Embora não subsistam manuscritos anteriores ao sculoix com a m£sica usada nestes ritos orientais, algumasinferÒncias podem ser feitas quanto aos prim¢rdios da m£sicareligiosa no Oriente.A cidade de Biz ncio (ou Constantinopla, hoje Istambul) foireconstru¡da por Constantino e designada em 330 como capitaldo seu imprio reunificado. A partir de 395, data em que foiinstaurada a divisão permanente entre Imprio do Oriente e doOcidente, at  sua conquista pelos Turcos, em 1453, ou seja,

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    por um per¡odo de mais de mil anos, esta cidade permaneceucomo capital do Imprio do Oriente. Durante boa parte destelapso de tempo Biz ncio foi a sede do governo mais poderoso daEuropa e o centro de uma cultura florescente, onde secombinavam elementos helen¡sticos e orientais. A pr ticamusical bizantina deixou marcas no cantochão ocidental,particularmente na classificaão do report¢rio em oito modos enum certo n£mero de c nticos importados pelo Ocidente emmomentos diversos entre o sculo vi e o sculo ix.As peas mais perfeitas e mais caracter¡sticas da m£sicamedieval bizantina eram os hinos. Um dos tipos maisimportantes  o kontakion estr¢fico, espcie de elaboraãopotica sobre um texto b¡blico. O mais alto expoente dacomposião de kontakia foi um judeu s¡rio convertido queexerceu a sua actividade em Constantinopla na primeira metadedo sculo vi, S. Romano Mel¢dio. Outros tipos de hinos tiveramorigem nos breves responsos (troparia) intercalados entre osvers¡culos dos salmos e que foram musicados com base emmelodias ou gneros musiciais, talvez, da S¡ria ou daPalestina. Estas inserões foram ganhando import nciacrescente e algumas de entre elas acabaram por se converter emhinos independentes, de que existem dois tipos principais: osstichera e os kanones. Os stichera eram cantados entre osvers¡culos dos salmos normais do of¡cio. Um kanon era uma

    composião em nove partes, baseada nos nove c nticos ou odesda B¡blia19. Cada uma dessas partes correspondia a uma dasodes, e todas continham v rias estrofes, ou troparia, cantadascom a mesma melodia. A primeira estrofe de cada ode era o seuheirmos, ou estrofe--modelo, e as respectivas melodias eramcompiladas em livros denominados hermologia. Cerca do sculo xa segunda ode comeou a ser habitualmente omitida.Os textos dos kanones bizantinos não eram criaõesinteiramente originais, mas sim colagens de frasesestereotipadas. Do mesmo modo, as suas melodias tambm nãoeram inteiramente originais; eram constru¡das segundo umprinc¡pio comum a toda a m£sica oriental, chamadocentonizaão, igualmente observ vel nalguns c nticos

    ocidentais. As unidades estruturais não eram uma srie denotas organizadas numa escala, mas antes breves motivos ouf¢rmulas; de entre estes esperava-se que o criador da melodiaescolhesse alguns e os combinasse para compor a sua melodia.Alguns dos motivos deviam ser usados no princ¡pio, outros nomeio e outros ainda no final de uma melodia, enquanto outrosserviam de elos de ligaão; havia tambm f¢rmulas ornamentaispadronizadas (melismas). Não sabemos ao certo at que ponto aescolha das f¢rmulas ficava ao critrio do cantor individualou era previamente fixada por um "compositor". Quando, porm,as melodias vieram a ser registadas em manuscritos com notaãomusical, o report¢rio de f¢rmulas j era praticamente fixo.Os tipos ou modos de melodias tÒm designaões diferentes nas

    diversas culturas musicais -- r ga na m£sica hindu, maqam nam£sica rabe, echos na grega bizantina -- e em hebraico sãoconhecidos por v rios termos traduz¡veis por modo. Um r ga,maqam, echos ou modo , ao mesmo tempo, um vocabul rio dasnotas dispon¡veis e um report¢rio de motivos mel¢dicos; osmotivos de cada grupo tÒm como denominador comum o facto deexprimirem mais ou menos a mesma gama de sentimentos, o deserem compat¡veis em melodia e ritmo e o de derivarem da mesmaescala musical. A escolha de determinado r ga ou modo podedepender da natureza do texto que se pretende cantar, da

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    ocasião em que vai ser cantado, da estaão do ano ou mesmo(como acontece na m£sica hindu) da hora do dia. A m£sicabizantina tinha um sistema de oito echoi, e as compilaões demelodias para kanones organizavam--se de acordo com estesistema. Os oito echoi bizantinos agrupavam-se em quatropares, e os quatro pares tinham por notas finais,respectivamente, R, Mi, F e Sol. A exemplo do que sucedia emBiz ncio, passaram a distinguir-se, por volta do sculo viiiou ix, oito modos diferentes no canto ocidental, e as finaisacima indicadas eram tambm as finais dos quatro pares demodos ocidentais. Assim, as bases do sistema ocidental demodos parecem ter sido importadas do Oriente, embora aelaboraão te¢rica do sistema de oito modos do Ocidente tenhasido fortemente influenciada pela teoria musical grega, talcomo foi transmitida por Bocio.

    Liturgias ocidentais -- No Ocidente, como no Oriente, asigrejas locais eram de in¡cio relativamente independentes.Embora partilhassem,  claro, uma ampla gama de pr ticascomuns,  prov vel que cada região do Ocidente tenha recebidoa herana oriental sob uma forma ligeiramente diferente; estasdiferenas originais combinaram--se com as condiões locaisparticulares, dando origem a v rias liturgias e corpos dec nticos distintos entre os sculos v e viii. Com o passar do

    tempo a maioria das versões locais (a ambrosiana  uma dasexcepões) desapareceram ou foram absorvidas pela pr ticauniforme que tinha em Roma a sua autoridade central. Entre osculo ix e o sculo xvi, na teoria e na pr tica, a liturgiada igreja ocidental foi-se romanizando cada vez mais.Durante o sculo vii e o princ¡pio do sculo viii o controleda Europa ocidental estava repartido entre Lombardos, Francose Godos, e cada uma destas divisões pol¡ticas tinha o seureport¢rio de c nticos. Na G lia -- territ¢rio quecorrespondia, aproximadamente, Frana actual -- havia ocanto galicano, no Sul da It lia, o benaventino, em Roma, ocanto romano antigo, em Espanha, o visig¢tico ou mo rabe, naregião de Milão, o ambrosiano. (Mais tarde a Inglaterra

    desenvolveu o seu dialecto do canto gregoriano, chamado sarum,e que subsistiu do final da Idade Mdia at  Reforma.)A liturgia galicana, que inclu¡a elementos clticos ebizantinos, esteve em vigor entre os Francos quase at aofinal do sculo viii, momento em que foi suprimida por Pepinoe pelo seu filho Carlos Magno, que impuseram o cantogregoriano nos seus dom¡nios. Esta liturgia foi tãoradicalmente suprimida que pouco se sabe acerca dela.Em contrapartida, conservaram-se quase todos os antigos textoshisp nicos e as respectivas melodias, mas numa notaão que athoje desafiou todas as tentativas de transcrião, pois o seusistema tornou-se obsoleto antes de o canto passar a serregis-tado em linhas de pauta. Os usos hisp nicos tomaram

    forma definida no Conc¡lio de Toledo de 633, e ap¢s aconquista muulmana do sculo viii esta liturgia recebeu o seunome de mo rabe, embora não haja motivos para pressuporinfluÒncia rabe na m£sica. O rito hisp nico s¢ em 1071 foioficialmente substitu¡do pelo rito romano, e ainda hojesubsistem dele alguns vest¡gios em certas igrejas de Toledo,Salamanca e Valladolid. Descobriram-se afinidades musicaisentre os ofert¢rios ambrosianos e gregorianos e a categoriacorrespondente em Espanha, denominada sacrificia.O canto romano antigo  um report¢rio que subsiste em

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    manuscritos de Roma com datas que vão do sculo xi ao sculoxiii, mas cujas origens remontam pelo menos ao sculo viii.Julga-se que esta liturgia representaria um uso mais antigo,que ter persistido e continuado a desenvolver-se em Romamesmo depois de o report¢rio gregoriano, fortemente impregnadode influÒncias do Norte, do pa¡s dos Francos, se ter difundidopela Europa. O reino franco, fundado por Carlos Magno(742-814), ocupava a zona que hoje corresponde Frana,Su¡a e parte ocidental da Alemanha.Quais foram então as melodias trazidas de Roma para terrasfrancas? Ningum pode responder com segurana a esta pergunta.Os tons da recitaão, os tons dos salmos, e alguns dos outrosgneros mais simples eram muito antigos e poderão ter sidopreservados praticamente intactos desde os tempos maisremotos; cerca de trinta ou quarenta melodias de ant¡fonapoderão ter tido origem na poca de S. Greg¢rio e boa partedas melodias mais completas -- tractos, graduais, ofert¢rios,aleluias -- deverão ter sido usadas (talvez em versões maissimples) em Roma antes de se difundirem para norte; almdisso,  poss¡vel que algumas das melodias mais antigas setenham conservado nos manuscritos do canto romano antigo. Sejacomo for, podemos deduzir que no seu novo local de acolhimentogrande parte, se não a totalidade, desta m£sica importada tersofrido modificaões antes de, finalmente, ser registada sob a

    forma em que hoje a encontramos nos mais antigos manuscritosdo Norte. Alm disso, muitas novas melodias e novas formas decantochão desenvolveram-se no Norte j depois do sculo ix. Emsuma, praticamente todo o corpo do cantochão, tal como hoje oconhecemos, provm de fontes francas, que, provavelmente, sebasearam em versões romanas, com acrescentos e correcões daresponsabilidade dos escribas e m£sicos locais.Uma vez que a maioria dos manuscritos transmitem um report¢rioe uma versão do cantochão compilada e corrigida no reinofranco, os estudiosos foram levados a crer que boa parte docantochão foi composto e tomou a forma definitiva nos centrosreligiosos do Norte. No entanto, comparaões recentementeefectuadas entre as versões franca e romana antiga vieram

    reforar a convicão de que a romana antiga representa o fundooriginal, que apenas ter sofrido ligeiras alteraões ao seracolhido na G lia. O cantochão conservado nos mais importantesmanuscritos francos, nesta perspectiva, transmite o report¢riotal como ter sido reorganizado sob a orientaão do papaGreg¢rio (590-604) e de um seu importante sucessor, o papaVitaliano (657-672). Em virtude do papel que Greg¢rio Iter supostamente desempenhado neste processo, tal report¢riorecebeu o nome de gregoriano. Depois de Carlos Magno ter sidocoroado em 800 como chefe do Sacro Imprio Romano, ele pr¢prioe os seus sucessores procuraram impor este report¢riogregoriano e suprimir os diversos dialectos do cantochão, comoo cltico, o galicano, o mo rabe, o ambrosiano, mas não

    conseguiram eliminar por completo os usos locais. Os monges daabadia beneditina de Solesmes, em Frana, organizaram nossculos xix e xx ediões fac-similadas e comentadas das fontesdo canto gregoriano na srie Palografphie musicale. Lanaramtambm ediões modernas do cantochão em notaão neum tica,coligindo-o em volumes separados para cada categoria de canto;em 1903 o papa Pio X conferiu a esta obra o estatuto de ediãooficial do Vaticano. Com a promoão da missa em l¡nguavern cula pelo Conc¡lio Vaticano II (1962-1965), estes livrospassaram a ser muito pouco usados nos servios religiosos

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    modernos e deixaram de ser regularmente reeditados.O mais importante centro da igreja ocidental a seguir a Romaera Milão, cidade florescente ligada a Biz ncio e ao Orientepor laos culturais muito fortes; foi a residÒncia principaldos imperadores do Ocidente no sculo iv e mais tarde veio aser a capital do reino lombardo, no Norte da It lia, que tevea sua poca de florescimento entre 568 e 744. De 374 a 397 foibispo de Milão Santo Ambr¢sio, a quem se deve a introduão dasalmodia em respons¢rio no Ocidente. O papa Celestino Iincorporou--a mais tarde na missa em Roma. Dada a import nciade Milão e a energia e grande reputaão pessoal de SantoAmbr¢sio, a liturgia e a m£sica milanesas exerceram uma forteinfluÒncia não s¢ em Frana e Espanha, mas tambm em Roma. Osc nticos do rito milanÒs vieram mais tarde a ser reconhecidospor canto ambrosiano, embora seja duvidoso que alguma dam£sica que chegou at n¢s date do tempo do pr¢prio SantoAmbr¢sio. A liturgia ambrosiana, com o seu corpo completo dec nticos, manteve--se, em certa medida, em Milão at aos diasde hoje, apesar de ter havido v rias tentativas para asuprimir. Muitos dos c nticos, na sua forma actual, sãosemelhantes aos da igreja de Roma, indicando, quer uminterc¶mbio, quer uma evoluão, a partir de uma fonte comum.Nos casos em que h duas versões da mesma melodia, quando esta de tipo ornamentado (como, por exemplo, um aleluia), a

    ambrosiana , geralmente, mais elaborada do que a romana; nasde tipo mais despojado (como um salmo), a ambrosiana  maissimples do que a romana.

    A preeminÒncia de Roma -- Como capital imperial, a Roma dosprimeiros sculos da nossa era albergou um grande n£mero decristãos, que se reuniam e celebravam os seus ritos emsegredo. Em 313 o imperador Constantino concedeu aos cristãosos mesmos direitos e a mesma protecão que aos praticantes dasoutras religiões do imprio; desde logo a Igreja emergiu dasua vida subterr nea e no decurso do sculo iv o latimsubstituiu o grego como l¡ngua oficial da liturgia em Roma. Àmedida que declinava o pret¡gio do imperador romano, o do

    bispo de Roma ia aumentando, e comeou gradualmente a serreconhecida a autoridade preeminente de Roma em questões de fe disciplina.Com um n£mero crescente de convertidos e riquezas cada vezmais avultadas, a Igreja comeou a construir grandesbas¡licas, e os servios deixaram de poder realizar-se deforma relativamente informal, como se celebravam nos primeirostempos. Entre o sculo v e o sculo vii muitos papas seempenharam na revisão da liturgia e da m£sica. A Regra de S.Bento (c. 520), conjunto de instruões determinando a forma deorganizar um mosteiro, menciona um chantre, mas não indicaquais eram os seus deveres. Nos sculos seguintes, porm, ochantre mon stico tornou-se uma figura-chave do panorama

    musical, uma vez que era respons vel pela organizaão dabiblioteca e do scriptorium e orientava a celebraão daliturgia. No sculo viii existia j em Roma uma scholacantorum, um grupo bem definido de cantores e professoresincumbidos de formar rapazes e homens para m£sicos de igreja.No sculo vi existia um coro, e atribui-se a Greg¢rio I(Greg¢rio Magno), papa de 590 a 604, um esforo deregulamentaão e uniformizaão dos c nticos lit£rgicos. Asrealizaões de Greg¢rio foram objecto de tal admiraão que emmeados do sculo ix comeou a tomar forma uma lenda segundo a

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    qual teria sido ele pr¢prio, sob inspiraão divina, quemcompusera todas as melodias usadas pela Igreja. A suacontribuião real, embora provavelmente muito importante, foisem d£vida menor do que aquilo que a tradião medieval veioposteriormente a imputar-lhe. Atribuem-se-lhe a recodificaãoda liturgia e a reorganizaão da schola cantorum; a designaãode determinadas partes da liturgia para os v rios serviosreligiosos ao longo do ano, segundo uma ordem que permaneceuquase inalterada at ao sculo xvi; alm disto, teria sido eleo impulsionador do movimento que levou adopão de umreport¢rio uniforme de c nticos em toda a cristandade. Umaobra tão grandiosa e tão vasta não poderia, como  evidente,ter sido realizada em apenas catorze anos.Os c nticos da igreja romana são um dos grandes tesouros dacivilizaão ocidental. Tal como a arquitectura rom ntica,erguem-se como um autÒntico monumento f religiosa do homemmedieval e foram a fonte e a inspiraão de boa parte doconjunto da m£sica ocidental at ao sculo xvi. Constituem umdos mais antigos report¢rios vocais ainda em uso no mundointeiro e incluem algumas das mais not veis realizaõesmel¢dicas de todos os tempos. Ainda assim, seria um erroconsider -los puramente como m£sica para ser ouvida, pois não poss¡vel separ -los do seu contexto e do seu prop¢sitolit£rgicos.

    Os Padres da Igreja -- Esta perspectiva est em sintonia com aconvicão dos Padres da Igreja de que o valor da m£sicaresidia no seu poder de elevar a alma contemplaão dascoisas divinas. Eles acreditavam firmemente que a m£sica podiainfluenciar, para melhor ou para pior, o car cter de quem aouvia. Os fil¢sofos e os homens da Igreja da alta Idade Mdianão desenvolveram nunca a ideia -- que nos nossos dias temospor evidente -- de que a m£sica podia ser ouvida tendo apenasem vista o gozo esttico, o prazer que proporciona acombinaão de belos sons. Não negavam,  claro, que o som dam£sica  agrad vel, mas defendiam que todos os prazeres devemser julgados segundo o princ¡pio plat¢nico de que as coisas

    belas existem para nos lembrarem a beleza perfeita e divina;por conseguinte, as belezas aparentes do mundo que apenasinspiram o deleite ego¡sta, ou o desejo de posse, devem serrejeitadas. Esta atitude est na origem de muitas dasafirmaões sobre a m£sica que encontramos nos escritos dosPadres da Igreja (e, mais tarde, nos de alguns te¢logos dareforma protestante).Mais especificamente, a sua filosofia determinava que a m£sicafosse serva da religião. S¢  digna de ser ouvida na igreja am£sica que por meio dos seus encantos abre a alma aosensinamentos cristãos e a predispõe para pensamentos santos.Uma vez que não acreditavam que a m£sica sem letra pudesseproduzir tais efeitos, exclu¡ram, a princ¡pio, a m£sica

    instrumental do culto p£blico, embora fosse permitido aosfiis usar uma lira para acompanharem o canto dos hinos e dossalmos em suas casas e em reuniões informais. Neste ponto osPadres da Igreja debatiam-se com algumas dificuldades, pois oAntigo Testamento, especialmente o Livro dos Salmos, estcheio de referÒncias ao saltrio, harpa, ao ¢rgão e a outrosinstrumentos musicais. Como explicar estas alusões? O recursohabitual era a alegoria: "A l¡ngua  o 'saltrio' do Senhor[...] por 'harpa' devemos entender a boca, que o Esp¡ritoSanto, qual plectro, faz vibrar [...] o '¢rgão'  o nosso

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    corpo [...]" Estas e muitas outras explicaões da mesma ordemeram t¡picas de uma poca que se comprazia em alegorizar asEscrituras.A exclusão de certos tipos de m£sica dos servios religiososda igreja primitiva tinha tambm motivos pr ticos. As peasvocais mais elaboradas, os grandes coros, os instrumentos e adana associavam-se no esp¡rito dos convertidos, mercÒ de umatradião de longa data, aos espect culos pagãos. Enquanto asensaão de prazer ligada a tais tipos de m£sica não p de, porassim dizer, ser transferida do teatro e da praa do mercadopara a igreja, essa m£sica foi objecto de uma grandedesconfiana; antes "ser surdo ao som dos instrumentos" do queentregar-se a esses "coros diab¢licos", a essas "canõeslascivas e perniciosas". "Pois não seria absurdo que aquelesque ouviram a voz m¡stica do querubim dos cus expusessem osseus ouvidos s canões dissolutas e s melodias alambicadasdo teatro?" Mas Deus, apiedando-se da fraqueza humana, "juntouaos preceitos da religião a doura da melodia [...] asmelodias harmoniosas dos salmos foram introduzidas para queaqueles que são ainda crianas estejam, afinal, a formar assuas almas, mesmo quando julgam estar apenas a cantar am£sica20"."H quem diga que enfeiticei as pessoas com as melodias dosmeus hinos", dizia Santo Ambr¢sio, acrescentando com orgulho,

    "e não o nego21." Havia certamente na Igreja quem desprezassea m£sica e tendesse a considerar toda a arte e a cultura comoinimigas da religião, mas havia tambm homens que não s¢defendiam a arte e a literatura pagãs, como eles pr¢prios, tãoprofundamente sens¡veis sua beleza, chegavam a recear oprazer que sentiam ao ouvirem m£sica, mesmo na igreja. Asclebres palavras de Santo Agostinho exprimem este dilema (v.vinheta).Em 387 d. C. Santo Agostinho comeou a escrever um tratado, DaM£sica, de que completou seis livros. Os cinco primeiros, ap¢suma breve definião introdut¢ria da m£sica, tratam dosprinc¡pios da mtrica e do ritmo. O sexto, revisto por voltade 409, aborda a psicologia, a tica e a esttica da m£sica e

    do ritmo. Santo Agostinho projectara inicialmente outros seislivros consagrados melodia.O conflito entre o sagrado e o profano na arte não  exclusivoda Idade Mdia. Sempre foi objecto de consenso geral a ideiade que certos tipos de m£sica, por este ou aquele motivo, nãosão pr¢prios para serem ouvidos na igreja. As diversasigrejas, as diversas comunidades, as diversas pocas, traarama fronteira em pontos diferentes, se bem que esse limite nemsempre seja n¡tido. O motivo por que nos primeiros tempos docristianismo ele foi por vezes fixado tão pr¢ximo do ascetismomais extremo prende-se com a situaão hist¢rica. A Igreja, nosseus comeos, era um grupo minorit rio a braos com a tarefade converter toda a populaão da Europa ao cristianismo. Para

    o fazer tinha de instaurar uma comunidade cristã claramenteseparada da sociedade pagã que a rodeava e organizada porforma a proclamar, por todos os meios poss¡veis, a urgÒncia desubordinar todas as coisas deste mundo ao bem- -estareterno da alma. Assim, na opinião de muita gente, qualexrcito avanando para o campo de batalha, não podia dar-seao luxo de levar consigo um excesso de bagagem sob a forma dem£sica que não fosse estritamente indispens vel sua missão.Na grande met fora de Toynbee, a Igreja era "a cris lida dondesaiu a nossa sociedade ocidental". A sua "semente de poder

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    criador"22 no dom¡nio da m£sica teve por encarnaão o cantogregoriano. Os mission rios cristãos que percorriam as antigasestradas romanas no in¡cio da Idade Mdia levaram estasmelodias a todas as regiões da Europa ocidental. Elas foramuma das fontes que, com o passar do tempo, vieram a dar origem  m£sica ocidental.Bocio -- A teoria e a filosofia da m£sica do mundo antigo --ou aquilo que delas continuava acess¡vel ap¢s a queda doImprio Romano e as invasões b rbaras -- foram sendocoligidas, resumidas, modificadas e transmitidas ao Ocidenteao longo dos primeiros sculos da era cristã. Os autores quemais se assinalaram neste processo foram Martianus Cappella,com o seu tratado enciclopdico intitulado As N£pcias deMerc£rio e da Filologia (princ¡pio do sculo v) e AniciusManlius Severinus Boetius (c. 480-524), com a sua Deinstitutione musica (princ¡pio do sculo vi).A obra de Martianus era essencialmente um manual sobre as seteartes liberais: gram tica, dialctica, ret¢rica, geometria,aritmtica e harmonia, por esta ordem. As primeiras trÒs -- asartes da palavra -- vieram a ser agrupadas sob o nome detrivium (o triplo caminho), enquanto as quatro £ltimasreceberam de Bocio a designaão de quadrivium (o qu druplocaminho) e constitu¡am as artes matem ticas.Martianus recorreu ao artif¡cio de apresentar as suas

    introduões a estes temas como discursos das damas de honor nocasamento de Merc£rio com Filologia. A parte consagradaharmonia baseia-se, em grande medida, no autor grego eclcticodo sculo iv Aristides Quintiliano, que, por seu turno, foibuscar as suas concepões te¢ricas a Arist¢xeno, emboraintroduzindo na sua exposião ideias neoplat¢nicas.Bocio foi a autoridade mais respeitada e mais influente naIdade Mdia no dom¡nio da m£sica. O seu tratado, escrito nosprimeiros anos do sculo vi, ainda na juventude do autor, eraum compÒndio de m£sica enquadrado no esquema do quadrivium,servindo, por conseguinte, como as restantes disciplinasmatem ticas, de preparaão para o estudo da filosofia. Poucacoisa neste tratado era fruto do pr¢prio Bocio, pois

    tratava-se de uma compilaão das fontes gregas de quedispunha, com especial destaque para um longo tratado deNic¢maco, que não subsistiu at aos nossos dias, e para oprimeiro livro da Harmonia de Ptolemeu. Bocio redigiu manuaissimilares para a aritmtica (que sobreviveu, completo, at actualidade) e para a geometria e a astronomia, quedesapareceram. Traduziu tambm do grego para o latim os quatrotratados de Arist¢teles sobre l¢gica, que, no conjunto, sãoconhecidos por Organum. Embora os leitores medievais possamnão se ter apercebido da dependÒncia de Bocio em relaão aoutros autores, compreenderam que a autoridade da teoriamusical e da matem tica gregas estava naquilo que Bocio diziasobre estes temas. Não os afligiam muito as contradiões do De