Livro juventude jovens bandeiras

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juventude: novas

bandeirasLeopoldo Vieira

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Vieira, Leopoldo – Juventude: Novas Bandeiras*Ed. Labor Editorial, 2010

Capa: Francisco CavalcanteFoto: Vanguarda Propaganda/ArquivoDiagramação: Gutemberg Gráfica e Editora Revisão: Ruth VieiraSupervisão: Renato Amorim

*Reprodução livre para fins não comerciais, mediante citação da fonte e do autor.Pedidos: [email protected]

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Apresentação

Este livro reúne artigos escritos nos últimos dois anos (2008 a 2010) sobre temas relevantes na pauta de discussões contemporâneas da juven-tude brasileira, marcada por novas bandeiras que vão ganhando espaço na sociedade pela articulação de uma geração nascida para governar e dar um projeto político à nossa democracia, herança da que nos antecedeu nos anos 60, 70 e 80. Ele parte de uma postura absolutamente contrária do sta-tus quo quando este afirma a velha ladainha de que o jovem brasileiro não gosta e está afastado da política. Nada mais antiquado a se dizer e pensar sobre o jovem brasileiro.

Ainda mais agora, em que vivemos em um período especial da nossa história. Mais de vinte anos após a reconquista das nossas liberdades de-mocráticas, enfim, retomamos o otimismo em relação ao nosso futuro e com bases concretas: vivemos em uma nova fase econômica, socialmente próspera e de desenvolvimento nacional.

Neste contexto, o que vimos durante o governo do presidente Lula, foi a conquista por parte dos movimentos e entidades juvenis justamente dessas novas bandeiras que abrem caminho para a realização de lutas his-tóricas. Uma delas foi a aprovação da PEC da Juventude, uma correção da omissão do termo “jovem” na Constituição Brasileira, instituindo agora um novo marco legal e um novo patamar de direitos à nossa juventude.

Podemos dizer que nos últimos oito anos, a esperança realmente ven-ceu o medo. Mas não somos ingênuos, queremos mais. Os jovens são atores fundamentais nesta luta e os desafios do nosso país em relação a sua juven-tude são imensos.

Os artigos aqui dispostos têm como principal objetivo estimular o debate sobre essas conquistas e propor uma ação política diante desses desafios, sem pretensões academicistas. A situação da nossa juventude, o que ela pode vir a ser e os instrumentos que o tempo presente nos trazem fazem parte destas reflexões.

Publicados em diversos portais de esquerda, nos últimos dois anos, vocês encontrarão textos sobre inúmeros temas como eleição, reforma po-lítica, trabalho, desenvolvimento, educação, cultura e direitos humanos, institucionalização e movimento. É, no geral, um convite ao debate, à críti-ca e à discussão.

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Registro meus agradecimentos à Francisco Cavalcante, uma das mais brilhantes cabeças publicitárias do país; à Tatiana Carlotti, pela gentil co-laboração na edição geral; e ao deputado estadual Carlos Bordalo (PT/PA), pelo apoio político.

Dedico este pequeno caderno de ideias e propostas à Ruth, Leon, Sa-mara, Gauss e Orlando.

Por fim, convido a todos a essa leitura, com a certeza de que unida, a juventude brasileira em seus mais diferentes matizes, vai transformar esse país e ser o elo entre o passado e o futuro desenvolvido com justiça social.

Leopoldo Vieira Belém, agosto de 2010.

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Prefácio

O autor Leopoldo Vieira, de forma muito responsável, propõe neste li-vro pensar os desafios atuais que se impõem à juventude brasileira. É uma proposta importante, que diz respeito não apenas aos 50 milhões de jovens brasileiros, mas a toda nossa sociedade.

Na história do Brasil, quem mais marcou a vida política do país, sem dúvidas, foi a juventude. Nos últimos 40 anos, essa juventude tem mudado. Muitos falam que, hoje, os jovens estão fora da política e não participam como o fizeram no passado. Sempre que ouço esse argumento, respondo que não podemos comparar a participação da juventude em diferentes épocas histó-ricas. São momentos completamente distintos. Basta observar. Por isso a mi-nha constatação é que os jovens tem uma participação hoje tão importante quanto tínhamos na década de 60. O que acontece é que ela se expressa de outras formas. Hoje a expressão cultural da juventude é muito grande, e não necessariamente se dá apenas sob as formas da organização estudantil, sin-dical e político-partidária - e mesmo estas continuam existindo fortemente.

O que o Brasil precisa hoje é de uma plataforma clara para a juventu-de, com metas, objetivos e uma mensagem. Nossos jovens, protagonistas do tempo presente, estão atentos. São eles que chamam para si a construção do futuro, apontando os desafios e propondo soluções para o país.

Este livro do Leopoldo é uma contribuição neste sentido. Traz vários temas que devem hoje ser debatidos. A PEC da Juventude, por exemplo, foi uma das principais conquistas dos últimos tempos. Desde 2008 o Conselho Nacional de Juventude trabalhou por sua aprovação ao lado de várias entida-des e movimentos juvenis.Ela estabelece, entre tantos pontos importantes, um Estatuto e um Plano Nacional de Juventude, já em tramitação na Câmara dos Deputados, com metas para a execução de políticas públicas pelo gover-no federal em parceria com Estados e municípios nos próximos 10 anos.

Em seus artigos reunidos neste livro, Leopoldo analisa os avanços das políticas implantadas durante o governo Lula em prol da nossa juventude. São programas fundamentais que ampliam o acesso à educação superior e a formação profissional dos nossos jovens como, dentre outros, o ProUni, o ProJovem e a expansão das universidades públicas e das escolas técnicas. Constituem instrumentos fundamentais para atender as demandas de um novo Brasil, que nos últimos oito anos, durante o governo Lula, gerou 14

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milhões de novos postos de trabalho (2,5 milhões de emprego/ano) e teve a renda da sua população ampliada, possibilitando à nossa juventude novas perspectivas de futuro.

Leopoldo, com sua trajetória de luta iniciada no movimento estudantil como diretor de organização e propaganda do Centro Acadêmico de Direito da UFPA em 2002 e desenvolvida depois dentro do PT, aborda a PEC e outros assuntos importantes como “a reforma política” de forma muito clara, pro-vocando o leitor a fazer uma reflexão mais profunda do papel atual do jovem na política do país.

“Juventude: Novas Bandeiras” aborda ainda alguns assuntos inéditos como a política para os jovens da Amazônia, o pré-sal e a juventude e a dis-puta eleitoral de 2010. Neste livro, o jovem Leopoldo, autor também de “A Juventude e a Revolução Democrática”, do blog Juventude em Pauta e gentil-mente colunista no meu site, dá um exemplo de como nossos jovens estão atentos às questões do seu tempo, preparados para apresentar propostas e discutir o país com muita qualidade.

Boa leitura! José Dirceu – ex-ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República.

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Sumário

I. EleiçõesA disputa de 2010 e a juventude 11 O que os jovens devem esperar de José Serra 15As fábulas juvenis da oposição 21

II. Reforma politicaA reforma política que o Brasil quer e a juventude precisa 27Os jovens na reforma política 31A “crise da política” e os jovens: três falsas respostas 35

III. TrabalhoOs sonhos dos jovens e do Brasil pelo trabalho 41Juventude e trabalho: uma “mochila de direitos” na ordem do dia 45

IV. DesenvolvimentoUma política para a juventude da Amazônia 53O pré-sal e a juventude: reivindicar 50% já é insuficiente 59Se o jovem rural não plantar, o país não vai mais se alimentar 63

V. Educação, Cultura e Direitos HumanosPromover a reconciliação do país através da atual geração 73Um péssimo exemplo para a Juventude Brasileira 77A invasão da universidade pelo povo 81Em defesa da meia entrada 85

VI. InstitucionalizaçãoEm busca do marco legal 91 Eu “pago” o Pacto 95

VII. MovimentoO movimento estudantil e a revolução democrática 103Protagonismo Juvenil e Projeto Nacional 109

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EleiçõesCapitulo I

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A disputa de 2010 e a juventude¹

A discussão sobre os reflexos da crise econômica sobre os jovens ante-

cipa o debate sobre quais projetos estão postos em 2010 para a juventude e qual papel estratégico ela possui para o futuro da sociedade brasileira.

O Brasil dos anos FHC não permitiu qualquer lugar à juventude num projeto de Nação. Pelo contrário, além de não desenvolver nenhuma política para a juventude (PPJ) digna do conceito, propôs e aprovou a primeira Lei do Aprendiz que, na prática, legalizou a exploração do trabalho infanto-juvenil pelas empresas públicas e privadas. Além disso, sucateou o sistema público de ensino fundamental e médio e proibiu a expansão federal dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) com a lei nº 9.649/98 - que am-pliou o abismo qualitativo entre escola pública e particular no que se refere à preparação para o vestibular e impediu o surgimento de uma alternativa profissional aos jovens de baixa renda.

A política macroeconômica de corte de investimentos, sucateamen-to dos serviços públicos e privatizações, somada à derrota política sofrida pela juventude do PSDB (no início do primeiro mandato de FHC) que tinha a apresentar uma agenda pública voltada ao tema, produziram respostas insu-ficientes, dispersas e perdidas pelos ministérios sem qualquer sinal de foco, integração e planejamento.

Apesar de derrotados em 2002, os demos, tucanos e o setor conser-vador que influenciam em outras correntes políticas, seguem aplicando sua receita neoliberal para os jovens, mesmo sob o custo da desmoralização de suas juventudes organizadas que, por exemplo, estão engajadas no Pacto pela Juventude.

Ao contrário do que fazem os governos estaduais petistas como o da governadora Ana Júlia que, em resposta aos efeitos da crise no Pará, injetou R$ 81 milhões no Bolsa-Trabalho (LOA 2009), as administrações tucanas de

¹Publicado em 07-Jul-2009, no blog Zé Dirceu – Um Espaço para a Discussão do Brasil. Reproduzido tam-bém no Portal Juventude do Governo Federal. Vermelho e Blog da Dilma em 17/07, 11/07 e 15/07 de 2009, respectivamente.

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José Serra e Aécio Neves - São Paulo e Minas - recusaram e negligenciaram verbas federais para expandir e melhorar o ensino técnico no montante de R$ 1 bilhão que já foi, em parte, distribuído entre 19 estados.

Na capital paulista, que tem 2,5 milhões de jovens, as “oportunidades” apresentadas pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM-PSDB) restringem-se a duas mil vagas em cursos diversos e por meio de parcerias privadas (com a Votorantim, por exemplo) de custo zero para a prefeitura na áreas de bar-man, jardinagem, motorista de caminhão, marketing pessoal e em áreas de orientação vocacional.

O prefeito demo (mas que governa em parceria com o PSDB) sequer pautou com seu secretariado os relatórios da etapa municipal da Confe-rência de PPJ encaminhados ao seu gabinete pela Coordenadoria de Ju-ventude.

E ao invés de facilitar um canal de comunicação entre juventude e poder público local e de subsidiarem ações da prefeitura - Lei Municipal13.735-04 da então vereadora Tita Dias (PT) que criou a função de “auxiliar de juventu-de”, nas 31 subprefeituras de São Paulo - os nomes que só podem ser encon-trados no site da Coordenadoria de Juventude, estão com dados cadastrais incorretos e defasados.

Contracenando com o Pacto pela Juventude que compromete gestores dos três poderes com políticas públicas específicas, ainda no Estado de São Paulo, cinco cidades - Fernandópolis, Bauru, Ilha Solteira, Itapura e Miras-sol - estabeleceram toque de recolher para a juventude. Em Patos de Minas (MG), já inventaram até carteira de identificação para que adolescentes de 16 a 18 anos não possam circular após o horário estipulado.

No Congresso Nacional retomam a anacrônica agenda da redução da maioridade penal, com o senador ACM Jr à frente, chegando este a comparar “primeiro crime” com primeiro voto, justamente quando são anunciados o ProJovem Prisional, a construção dos presídios específicos para a juventude encarcerada e a convocação por parte do Ministério da Justiça para que a juventude se integre, por meio das Conferências Livres, no Plano Nacional de Segurança Pública, objetivo da Conferência Nacional com o mesmo tema organizada pelo Governo Federal.

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Quando todas as pesquisas comprovam o melhor desempenho dos co-tistas em relação aos “meritocráticos”, a Juventude do PSDB envia carta à redação da revista Veja parabenizando reportagem contra as cotas, reafir-mando a intenção implícita do partido em perpetuar a universidade como um espaço de jovens oriundos das elites brancas, que ocupam os cursos de ponta dos profissões liberais, e fazem predominar a visão da elite no desen-volvimento da pesquisa e da extensão.

O projeto que defenderemos em 2010 Em contraponto, o presidente Lula e seu governo discutiram o lugar

dos jovens no projeto de desenvolvimento nacional. Impulsionaram Secre taria, Conselho, Plano, Pacto, Estatuto e Conferência Nacional de Juventude, além do movimento para incluir o termos “jovem” na Constituição Federal, base para consolidar esse novo papel e entendimento da juventude no país em questão de Estado.

De acordo com números do MEC do do Ministério do Planejamento, Lula terminará 2010 com 350 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tec-nologia (IFETs) concluídos, tendo recebido apenas 140 de FHC, oferecendo 500 mil matrículas à juventude brasileira e 3.433 funcionários e professo-res admitidos. Seu governo abriu mais vagas na universidade pública com o ReUni e, na privada com o ProUni, com os quais democratizou o acesso ao ensino superior com o estímulo à reserva de vagas sócio-raciais e, em dispu-ta no Senado, com a lei de cotas.

Além disso, inaugurou novos campi no interior dos Estados; levantou novas IES; e implantou o Pronaf Jovem, o Minha Primeira Terra, que finan-ciam a pequena propriedade/propriedade familiar do jovem camponês, evitando que ele continue a ter como único projeto de vida o êxodo rural. E também investiu na aceleração da escolaridade com qualificação profis-sional para jovens com precário ensino fundamental, combinando medidas estruturantes com respostas aqui e já.

Esse conjunto de medidas é o combustível que explica a nossa juventude estar no topo do ranking de otimismo em relação ao futuro - segundo a pes-

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quisa “Juventudes Sul-Americanas: diálogo para a construção da democracia regional “ (2009), e pelo estudo da Gallup Internacional (2008). Também vem ao encontro dos sonhos da juventude brasileira (como indica pesquisa do Instituto Datafolha do ano passado) que são: se formar, ter emprego de-cente, casar, ter carro e casa. Não é à toa que no último Feirão de Imóveis da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo cálculos dos organizadores, 33% dos compradores eram jovens de até 29 anos que, agora, compõem uma geração que começa a vida com casa própria.

Seja como oportunidade em tempos de crescimento ou para sair da crise, dialogando com nosso forte mercado interno - revigorado pelo Bolsa-Família, o aumento real do mínimo e implantação do PAC - a juventude agora é “oficialmente” solução. Esses exemplos mostram quais opções a juventude brasileira terá diante de si em 2010.

A opção demo-tucana é o fim deste processo. Por isso, a tarefa das juven-tudes de centro-esquerda e politizadas é preparar o programa da reeleição deste projeto para a juventude brasileira, deixando bem claras as diferenças entre tucanos e petistas. O nosso projeto se expressa na pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff.

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O que os jovens devem esperar de José Serra?²

José Serra está fazendo demagogia com a juventude brasileira. Neste tema, que tem conquistado a cada dia mais espaço na sociedade e na grande imprensa, configurando-se como um assunto central das eleições de outu-bro, o comportamento do candidato do PSDB é padrão: carência de ideias e propostas fazendo corta-luz para uma concepção conservadora.

Isso é facilmente mensurado comparando seu discurso e sua prática como governador de São Paulo e ministro do Planejamento e da Saúde da Era FHC.

Em declaração recente à imprensa, o tucano prometeu: “no caso das famílias ligadas ao Bolsa Família, devemos dar para os seus filhos bolsas de manutenção para que possam cursar as escolas técnicas”.

Em seu discurso no ato de desincompatibilização eleitoral do governo paulista, foi demagogicamente taxativo: “vamos turbinar o ensino técnico e profissional, aquele que vira emprego. Emprego para a juventude, que é cas-tigada pela falta de oportunidades de subir na vida. E vamos fazer de forma descentralizada, em parcerias com estados e municípios (...)”.

Já na Convenção do PSDB, DEM e PPS que homologou sua candidatura em 13 de junho, jurou “criar mais de um milhão de novas vagas em novas escolas técnicas, com cursos de um ano e meio de duração, de nível médio, por todo o Brasil”.

Contudo, quando era o ministro-planejador do ex-presidente Fernando Henrique, foi co-autor da lei que proibiu a expansão das escolas técnicas, senão apoiada na iniciativa privada. Como governador de São Paulo recu-sou, em 2009, verbas do MEC para ampliar a rede profissionalizante. Sempre classificou de “assistencialista” o Bolsa-Família e, em vez de valorizar a co-brança da frequência dos jovens de baixa renda no ensino médio que o pro-

²Publicado originalmente no Portal Nacional do Partido dos Trabalhadores em 18/06/2010 e reproduzido no site do PT-SP, blog Galera da Dilma, site nacional da JPT e JPT-Sampa, entre outros.

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grama exige, evitando o trabalho precoce, Serra quer colocá-los antes dos 18 anos no mercado de trabalho, nos piores empregos, como atestam inúmeras pesquisas.

Ele cortou 64% das verbas pra educação em SP (LDO 2010) e não apli-cou o piso salarial dos professores aprovado no Congresso, entretanto teve a coragem de dizer na Convenção das oposições: “meus sonhos continuam vivos no desejo de uma boa educação para os filhos dos pobres para que, como eu, cada brasileirinho, cada brasileirinha possa seguir seu caminho e suas esperanças”.

Sem dúvida, Serra representa uma ameaça aos avanços da política na-cional de juventude, pois o parco programa executado pelo estado de São Paulo, o Ação Jovem, que é uma bolsa de estudos para alunos de baixa renda entre 15 e 24 anos, encolheu de R$ 279,5 milhões, em 2006 para R$ 198,9 milhões no ano passado; uma queda de 38%. Não há hipótese de que não seria esse o destino do ProJovem, sem falar que foi o voto da oposição que reduziu o número de bolsas do ProUni como contrapartida da isenção fiscal quando da sua aprovação pela Câmara dos Deputado, quando Serra era pre-sidente do PSDB.

Outro “compromisso” do ex-governador de SP, anunciado no mesmo ato de desincompatibilização, propõe: “pensemos no custo para o Brasil de não ter essa nova Educação em que o filho do pobre frequente uma escola tão boa quanto a do filho do rico” é mais uma palavra ao vento, na linha do “diga qualquer coisa para ganhar”, método recomendado por um graduado assessor dele.

Um ministério do extermínio e do encarceramento

Números da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Repú-blica, divulgados em 05/2010, revelam que 40% dos jovens infratores pau-listas estão internados na Fundação Casa, antiga FEBEM, sem necessidade. Dos 4.769 jovens presos (porque essa é a condição real) em São Paulo, em 2009, 1.787 não deveriam estar, pois não cometeram infrações graves.

No dia 16 de maio, o jornal Agora São Paulo noticiou que o ex-gover-

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nador tucano, na prática, criou a “Juventude” do PCC. Segundo o veículo de comunicação, “internos que integram uma versão juvenil do PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa que age nos presídios estaduais, do-mina setores de unidades da Fundação Casa (antiga Febem) na Grande São Paulo” e que “no início do mês, um adolescente foi detido na zona norte com um bilhete assinado `PCC Mirim`. O texto sugeria um ataque contra policiais militares nas ruas”.

Um estudo chamado Mapas do Extermínio, elaborado por entidades li-gadas ao combate à violência no país, com destaque para a ACAT-Brasil (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura), publicado em 11/2009, revelou que a polícia do estado de São Paulo pratica a pena de morte. As vítimas da “pena de morte extrajudicial” são, em sua maioria, jovens entre 15 a 24 anos de idade, moradores das periferias de grandes cidades, negros e de baixa ren-da (classes D e E), em chacinas, execuções sumárias aplicadas em serviço e fora de serviço, e em mortes “misteriosas” de pessoas que se encontram sob custódia do Estado. 63% das pessoas que estão no sistema prisional paulista têm de 18 a 28 anos.

Em encontro com especialistas e parentes de dependentes químicos, o candidato tucano criticou o Plano Nacional de Combate ao Crack lançado pelo presidente Lula, dizendo não ver por que a discussão sobre a origem da droga seja desagradável, se referindo ao factoide criado em torno da suposta permissividade de Evo Morales para com traficantes.

O Plano criticado por Serra estabelece que o Ministério da Saúde, com a aplicação de R$ 410 milhões, aumentará o número de leitos do SUS para o atendimento a dependentes químicos e o de CAPs e a construção de 60 abri-gos, onde os usuários poderão permanecer por até 40 dias. Em seu governo paulista, a “Cracolância”, conjunto de bairros onde se prolifera o crack entre jovens pobres, não apenas seguiu existindo apesar das promessas contrárias do então candidato a governador, como é de amplo conhecimento público que (PNAD 2007)cresceu a proporções calamitosas.

E, acreditem, no cínico discurso em que homologou sua candidatura, José Serra, ex-presidente da maior entidade juvenil do Brasil e também do estado de São Paulo, nem tremeu em definir que “a maioria dos brasileiros

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quer se ver livre do tráfico de drogas, que fomenta o crime, destrói o futuro de jovens e de suas famílias. Quer a recuperação dos dependentes químicos. Eu também quero”.

Essas notícias fecham a política de juventude de um eventual governo Serra a partir do exemplo de São Paulo: corta-se o orçamento das políticas sociais para os jovens e cria-se um ministério para intensificar a repressão, promover pirotecnias constituir o terreno para não apenas manter ou entre-gar a juventude para o crime, como promover sua “filiação” às organizações criminosas de altíssima periculosidade social.

Depois de amplos setores do PSDB e dos aliados DEM serem os balu-artes das posições contra as cotas sócio raciais no ensino superior e da pro-posição da redução da idade penal, de suas administrações serem experi-ências-piloto do Toque de Recolher e mais todo esse contexto paulista, José Serra vem defender a criação de um ministério específico para a segurança públicas. Será o ministério do “encarceramento e extermínio da juventude”, especialmente a negra e de baixa renda.

Participação juvenil: arquivar Conferência,Conjuve e marco legal

“O governo deve ouvir a voz dos trabalhadores e dos desamparados, das mulheres e das famílias, dos servidores públicos e dos profissionais de todas as áreas, dos jovens e dos idosos”.

Essa é mais uma jogada de cena do presidenciável do PSDB.No dia 26 de março, na ALESP, 500 jovens lotaram o auditório onde

aconteceu a audiência pública, organizada pela UEE-SP, UBES, UPES e UNE, com o objetivo de pressionar os parlamentares a aprovarem a PEC 09/2009, que prevê a criação de um Fundo Social com os royalties do pré-sal de SP, cujos recursos devem ser aplicados no financiamento da educação paulista.Na manifestação pacífica, o governador José Serra forçou o confronto com a PM e fez uso desproporcional da força policial contra estudantes e profes-sores, dezenas de pessoas ficaram feridas, entre elas o estudante Augusto Chagas, presidente da UNE.

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Afirma que é uma “anomalia” entidades de classe receberem e darem apoio a governos, dizendo-se “do tempo que (sic) a UNE era independente (...) não era oficialista como é agora”, sem explicar, claro, o que foi fazer no Comício da Central, em 1964, ao lado do presidente João Goulart, Brizola e Arraes, em apoio às Reformas de Base. Logo, é Serra quem julga a legitimida-de, representatividade e justeza de um movimento juvenil.

Por outro lado, foi muito esclarecedora a entrevista de Mariana Mon-toro, neta do ex-governador paulista Franco Montoro e Coordenadora Es-tadual de Juventude do Governo de São Paulo, ao Diário do Grande ABC em 09/2009: “nosso conselho estadual não engrena de jeito nenhum. É difícil o conselho do jeito que ele é hoje. Tem uma burocracia que atrapalha” e arre-matou: “a criação do órgão específico não é garantia de que existam políticas para a juventude”.

Ambos os casos, da UNE e Mariana, nos levam a temer pelo futuro, por exemplo, da Conferência e do Conselho Nacional de Juventude e, junto com eles, pelo futuro de questões a estes vinculadas, como a PEC, o Estatuto e o Plano Nacional da Juventude, que formam o marco legal.

Jovens brasileiros não são uma “banda numa propaganda...”

Assim como seu discurso “paz e amor”, rapidamente mutado para a li-nha “oposição radical”, e seus factóides não tem surtido efeito no eleitorado em geral, entre a juventude e a faixa populacional que acaba de sair da fase/grupo social (25 a 34 anos), o crescimento da pré-candidata do PT foi bom-bástico, segundo o último levantamento do Instituto Datafolha.

Entre os jovens de 16 a 24 anos, Serra lidera com apenas 3 pontos de vantagem: 39 a 36%. Em março, ele tinha 48% e Dilma 28. Em abril, o tucano cravava 45% contra 27% de Dilma.

Entre o público de 25 a 34 anos (os que se lembram do segundo go-verno de FHC), Dilma já ultrapassou Serra, conquistando em maio 42% das intenções de voto, contra 36% do ex-governador de São Paulo. Em março, Serra abria 41 a 31%, seguido de 41 a 33% em abril.

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Claro que ainda há trabalho a fazer, pois as chances de ampliar essa margem ainda são grandes, até porque, entre 16 e 24 anos, 67% sabem que Dilma é candidata do presidente Lula, e entre 25 a 34 anos, 72%. Ou seja: ainda temos muito para crescer.

Mas, uma coisa é certa: com Serra será reaberta a caixa fechada de mal-dades contra os jovens desse país, que fazia “João” dizer no vídeo da campa-nha Lula Presidente 2002 que “ninguém nasce mau, ninguém nasce bandido, é tudo uma questão de oportunidade”.

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As fábulas juvenis da oposição³

Já é lugar comum escutar que a candidatura da senadora Marina Silva tra-

ria prejuízos à da ministra Dilma, especialmente entre o eleitorado jovem, pro-liferando confusão e dissidência inclusive na juventude do seu ex-partido. Dizer que o ambientalismo arrebata a juventude de hoje, que é o grande tema abraça-do pela atual geração está no mesmo nível de afirmar que a UNE atualmente é “raquítica de ideais”. Arrogância geracional e carência total de dados.

Para comprovar o que digo não é preciso sequer apelar ao PNAD. Pesquisa da MTV Brasil (1), o 4º Dossiê Universo Jovem, que entrevistou 2.579 pessoas de 12 a 30 anos, das classes A, B e C (ou seja, de classe média), em 9 cidades bra-sileiras (2) , revelou que 17% conhecem e valorizam as causas ambientais; 26% têm informação, mas não estão dispostos a sacrifícios pessoais; 20%, não valori-zam as causas ambientais e não pretendem fazer nada em favor do planeta; 21% não dominam o assunto; e 16% são resistentes à reciclagem, não se preocupam com o futuro e contribuem muito pouco para a defesa do planeta (3).

A pesquisa também mostrou que esses jovens acreditam que não jogar lixo no chão já é uma ação suficiente para evitar o aquecimento global, principal temor ambiental de 24% deles. Números que aparecem no estudo porque são frequentes no grande noticiário e se manifestam na pesquisa com as mesmas limitações de abordagem dos jornalões impressos, televisivos, radiofônicos ou virtuais. Para completar, “a Natureza” surge nas respostas depois de questões como a violência, o desemprego e as drogas.

Não resiste sequer ao Roda Viva, programa da TV Cultura de São Paulo, a identidade Marina Silva-juventude. Entrevistada, ela mostrou incoerência dian-te das câmeras ao fugir de temas polêmicos como a descriminalização do aborto, já que defende que os políticos “mostrem a cara”, ficando parecida ao modelo de figuras públicas que critica. Sobre a maconha, colocou-se contra a legalização. Não são assuntos periféricos, estão na raiz do problema do trio violência-crimi-nalidade-encarceramento e gravidez precoce indesejada. Respectivamente.

³Publicado em 20/10/2009, no blog Zé Dirceu - Um Espaço para a Discussão do Brasil.

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Embora saibamos que, segundo pesquisas recentes, os jovens “comuns” te-nham posições conservadoras semelhantes as de seus pais, o que poderia levar a crer que a omissão sobre aborto e opinião contra a legalização da maconha a favoreceriam, até pela retórica religiosa, sabe-se que a maior parte dessa juven-tude, das classes D e E, é alcançada pelo ProJovem em suas 5 modalidades (Urba-no, Adolescente, Campo, Trabalhador e Prisional) - que se alia ao crescimento da economia e produz primeiro emprego - pelo Bolsa-Família, ProUni, proliferação dos IFETs, ampliação das vagas nas IFES, cotas sócio-raciais.

Tudo isso não quer dizer que o ambientalismo e a ecologia não sejam te-mas da maior importância, mas é preciso desmistificar que estejam no centro da pauta da juventude brasileira e que Marina seja a portadora desse hipotético voto e dessa causa. Razões do “prejuízo” que a senadora em campanha causaria para a pré-candidata do PT.

O governo do presidente Lula tem muito a mostrar na área ambiental. Na verdade, o maior feito de todos os tempos, com direito à inédita inclusão do as-sunto na agenda pública da Nação. Não é à toa que a maioria das organizações juvenis ou de apoio à juventude que trata do meio ambiente e da ecologia é liga-da, influenciada e referenciada no PT.

Então quando a propaganda política começar, com nomes e números, não haverá dúvida em quem votar em 2010, escolhendo entre Dilma e Marina. Mes-mos números e nomes que elevarão ao extremo o entusiasmo da juventude do PT com nossa candidata ao Planalto. E para a vanguarda que luta pelas políticas públicas de juventude, tentando enfrentar os dilemas da condição juvenil brasi-leira, não resta dúvida: Marina, pelas opiniões e omissões, está do outro lado do nosso combate.

Duas outras fábulas juvenis

O “toque de mídia” que tenta dar vida à candidatura Marina Silva como portadora da “grande causa” juvenil, busca também disputar a re-ferência crítica de parcela dos jovens de classe média enaltecendo per-sonagens como o “velho comunista” Roberto Freire e o “ex-exilado” José Serra. Numa fórmula que os lança à Europa e suas coalizões de “verdes,

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pós-comunistas e social-democratas”. O “supra-sumo” da coerência, éti-ca e combatividade. Exemplos jovens militantes.

Falsas ideias. Falsos ídolos.Serra era presidente da UNE quando desfechado o golpe militar.

No comício da Central do Brasil foi mais radical que Arraes e Brizola na defesa do projeto do governo Jango. Depois do primeiro de abril, esteve na primeira delegação que fugiu do Brasil, abandonando seu mandato. Não teve absolutamente nada a ver com a resistência estudantil que se seguiria até o AI-5, nem com a adesão destes às epopéias da luta arma-da. Voltou só quando a oposição já poderia atuar em terreno tranquilo. Hoje, renega até a cooperação estratégica entre a UNE presidida por ele e as reformas de base, numa declaração infeliz contra a direção da entidade dos dias de hoje, na qual afirmou que no seu tempo ela era independente.

Roberto Freire foi aprovado pelo SNI em 1970, no horror do AI-5, quando a esquerda, especialmente os jovens, estavam na cadeia sendo torturados e assassinados, foi nomeado pelo mais feroz dos ditadores, Médici, procurador do Incra. O jovem advogado pernambucano Roberto João Pereira Freire tinha 28 anos. Ele não era um qualquer, tal qual a função que recebeu, pois era militante do PCB desde o tempo de facul-dade. Ele se formou aos 24 anos, pela UFPE.

É pertinente a pergunta do jornalista Sebastião Nery, no artigo A Estranha História de Roberto Freire, de Carta O Berro: “Será que os comandantes do IV Exército e os generais Golbery (governo Castelo), Médici (governo Costa e Silva) e Fontoura (governo Médici), que che-fiaram o SNI de 64 a 74, eram tão debilóides a ponto de nomearem pro-curador do Incra, o órgão nacional encarregado de impedir a reforma agrária, exatamente um conhecido dirigente universitário comunista e aliado do heróico Francisco Julião nas revolucionárias Ligas Campone-sas?”

A menção a qualquer liderança do DEM só nos remeteria à Arena Jovem ou a “playboys” sem história, que iniciaram sua vida pública por impulso de seus pais ou avós visando a renovação oligáquica. Aécio, em-

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bora não seja oligarca, é este segundo caso, forçando a todo custo a idéia de que seria o governo que seu avô Tancredo não pode realizar. Outro “toque de mídia”.

NOTAS

1) Insuspeita de ser a tradutora da linha demo-tucana para a juventude classe média, ligada que é, no país, ao grupo Abril, o mesmo da Revista Veja. Em 2006, a MTV Brasil lançou a vergonhosa campanha dos Toma-tes, onde desestimulava o voto juvenil e o alistamento eleitoral facultativo aos 16 anos.(2) As cidades foram Belo Horizonte, Brasília, Manaus, Porto Alegre, Salvador, São Paulo, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro e Recife.(3) Seguindo seu estilo “Superinteressante”, o Dossiê classifica a juventude nas seguintes categorias: : com-prometidos, teóricos, refratários, intuitivos e ecoalienados.

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Reforma Política

Capitulo II

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A reforma política que o Brasil quer e a juventude precisa4

A Câmara dos Deputados, através do seu colégio de líderes, tem a obri-

gação de retomar a pauta da reforma política, causa central para a juventu-de do Brasil tomar para si. Construir um regime democrático foi a grande contribuição das gerações anteriores. A da atual geração é aprimorar este regime para torná-lo produtor de uma Nação de iguais e economicamente próspera. Além disso, temos 30% da nossa população composta por pessoas entre 15 a 29 anos, um bônus demográfico que, somado à transversalida-de das demandas juvenis entre as áreas da administração pública e a mani-festação peculiar das opressões de raça, gênero, deficiência física etc sob o guarda-chuva deste grupo social, tornam os jovens centrais e universais para um projeto de país que se possa levar a sério.

Em diversas entrevistas e artigos que escrevi recentemente por oca-sião do meu livro A Juventude e a Revolução Democrática, tenho combatido um discurso em voga, manhosamente disseminado pela grande imprensa de que há no Brasil uma juventude avessa à política. Se é verdade que, por um lado, a maioria dos jovens pouco crê nos partidos e nas instituições republi-canas, como o Congresso, por exemplo, é também verdadeiro que os jovens, segundo inúmeras pesquisas, acompanham o noticiário, o horário político e se organizam de múltiplas maneiras, principalmente em grupos culturais, religiosos e através de ONGs que praticam o voluntariado. Nesta última sea-ra, a opção preferida é a causa ambiental.

O índice de pessoas na faixa etária de 15 a 29 anos que opta pelo engaja-mento partidário, nas frentes juvenis, não pode ser tomado como referencial, até porque é um tipo de organização que exige adesão a causas mais sofisti-cadas e níveis de entrega e disciplina que a própria condição juvenil brasilei-ra impede, pois há a pressão pela procura de empregos, pelo trabalho pre-coce e pela conciliação difícil e desestimulada entre ocupação profissional e 4Publicado em 12/03/2010 no blog Zé Dirceu- Um Espaço para a Discussão do Brasil.

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estudo. A própria exclusão educacional e o alto grau de pobreza da juventude são elementos limitadores. De modo geral, nem aqui e nem em outros países do mundo, a proporção entre população e filiação partidária é grande. Con-tudo, nota-se que as campanhas eleitorais, que no Brasil conseguem atingir um apelo de massas, quase no nível de torcidas, possuem grande contigente de jovens participantes, mesmo que seja conjugando trabalho e eleição ou, caso não, restrinja-se ao período de propaganda política.

Recentemente a MTV, ligada à Editora Abril, a mesma que publica a re-vista Veja, lançou uma campanha que desestimulava os jovens a votarem e a tirarem o primeiro título aos 16 anos. Segundo a infame publicidade, a opção para a juventude era atirar tomates nos políticos. Foi retumbantemente der-rotada pelos números recordes de alistamento eleitoral. Então, evidente-mente se trata de um mito. A juventude brasileira se organiza, é politizada e gosta de fazer política, o que não significa que isso seja sinônimo de discutí-la em todos os momentos: no bar, na balada etc. Essa é uma idéia deveras errônea de quem acha que ser politizado é saber de cor as datas comemora-tivas da Revolução Russa.

Mas, esses elementos de contraponto a este mito não respondem à des-confiança e até hostilidade que a maioria dos jovens possuem para com as instituições, parlamentares e partidos, ou seja, naquilo que é a política pro-fissional. Se ela não é única forma de fazer política, na minha opinião é a mais importante, a que decide o jogo de forças entre as classes e grupos sociais e, logo, o problema crucial que precisamos enfrentar, pois a participação da sociedade e da juventude, embrião dos padrões societários, é fundamental numa democracia, caso não se queira que ela se converta num livre mercado de gerenciamento de negócios de meia dúzia de milionários.

Acredito que a explicação disso esteja na combinação entre a condição juvenil terrível marcada pelo signo “menos” e os sucessivos escândalos pau-tados na mídia que falam permanentemente em compra de votos, caixa 2, privilégios e como se a atividade política profissional, supostamente voltada a sustentar tais acontecimentos, fosse caracterizada por manobras escusas, expressas nas palavras devidamente criminalizadas como “acordos”, “con-chavos”, “estratégias”. No terreno fácil e fértil para a manutenção dos seus

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negócios, a mídia semeia as ideologias de que política é só para políticos (ra-ciocínio “lógico”, pois quem iria querer se meter nessa “lama”?). Resultado: a juventude cujos sonhos esbarram na própria condição juvenil acredita que, por outro lado, os tais políticos nada fazem para sanar e possibilitar que seus projetos de vida se realizem e, ao invés disso, chafurdam-se neste pântano.

Ocorre que ao mostrar uma política apenas por essa ótica, sem apon-tar os avanços e compromissos que existem e se desenvolvem nas institui-ções democráticas, especialmente voltados aos jovens, tais como as dezenas de leis e políticas públicas, a grande imprensa erra, mas o que retrata não é exatamente mentira.

Vivemos em um sistema político-eleitoral onde as campanhas pes-soais de milhares de candidatos são caríssimas. Por isso estes dependem de empresas e essas escolhem para financiar aqueles que assumem a defesa de seus interesses que, quase sempre, têm a ver com dividendos para seus ne-gócios operados pelo homem público eventualmente vencedor. Os governos que se elegeram graças a esse tipo de financiamento muitas vezes perseguem possíveis financiadores de opositores, levando-os ao apoio clandestino, dada a impossibilidade se travar uma disputa “para vencer” com parcos recursos. E mais, esses mandatários têm relativa liberdade para decidir como se com-portam sem muito se importar com idéias e causas a não ser que queiram, instigando-os ao compromisso não com suas consciências e sim com seus patrocinadores. Esse modelo só pode favorecer a corrupção, o patromonia-lismo, o clientelismo e a pouca preocupação com o voto consciente e progra-mático.

Por isso, a reforma política que tenha como pontos-chave as listas partidárias fechadas, fidelidade partidária e financiamento público de cam-panha deve ser abraçada pelos movimentos, entidades e organizações juvenis como método para re-entusiasmar a juventude com a política propriamente dita, pois uma reforma nesse patamar fortalece a ação coletiva ideológica através dos partidos e abole o constrangimento que a propriedade privada impõe à democracia. O que encoraja o engajamento por grandes causas e projetos para o país e para a juventude brasileira, desburocratizando a esfera pública política e socializando sua atividade.

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A disputa pelo apoio da juventude é fundamental não só para vencer essa guerra, mas para ganhá-la para a idéia de que a democracia é sim a viabilizadora dos seus sonhos através da conversão de suas bandeiras de luta em políticas públicas e direitos, e que este regime é estratégico para a realização dos seus sonhos. Ganhar essa disputa é central para nossa utopia de construir um Brasil desenvolvido com justiça social pelo investimento na atual geração de jovens. A juventude precisa saber disso, pois ao fazer políti-ca profissional na democracia, pautando as demandas do seu grupo social e demarcando legalmente as bandeiras da sociedade civil juvenil, ela é o ápice do que chamamos de protagonismo juvenil.

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Os jovens na reforma política5

O Parlamento Nacional é a representação do conjunto da sociedade. A população de 15 a 29 anos, hoje no Brasil, é de 50 milhões de jovens, corres-pondendo a um terço do povo brasileiro. Porém, no Congresso Nacional há somente 2% de jovens deputados federais, sem contar o Senado, que tem uma barreira absurda de 35 anos para se poder exercer o mandato. Por outro lado, do ponto de vista até quantitativo, o número de jovens que participa da vida política é muito maior atualmente do que comparado às gerações anteriores.

Conforme bem lembrou o Secretário Nacional Adjunto de Juventude do Governo Federal, Danilo Moreira, quando de sua posse como novo presiden-te do Conjuve, “se você observar nossa Conferência Nacional, foram 400 mil participantes no processo (...) hoje, felizmente, o movimento de juventude não é sinônimo de movimento estudantil”. Os jovens atuam e se organizam em torno do meio ambiente, gênero, diversidade sexual, mundo do trabalho urbano e rural, educação etc, tanto em termos gerais, quanto específicos.

Também, a título de exemplo, foi sensacional a movimentação da juven-tude no Senado (uma blitz!) em prol da votação da PEC que inclui o termo jovem na Constituição. Ela já foi aprovada, por unanimidade, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Essa geração, portanto, reúne uma quantidade espetacular de dirigentes em todos os níveis que sabem o que querem e fazem política bem feita: com grau de maturidade e habilidade, operando em alto nível e conseguindo influenciar diretamente sobre o Es-tado.

Na realidade, o que existe é exclusão política da juventude que precisa ser corrigida. Logo, esses questionamentos são absolutamente pertinentes para os jovens filiados a partidos e com pretensões eleitorais, o que não é ne-nhuma preocupação de “burocratas”, pois refere-se aos quadros que dirigirão a política nos próximos anos nos municípios, estados e em âmbito federal.

5Publicado em 20/03/2010 no blog Zé Dirceu – Um Espaço para a Discussão do Brasil. É a segunda parte do artigo A Reforma Política que o Brasil Quer e a Juventude Precisa.

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A juventude politizada quer contribuir sim, com o debate da reforma política, porque será diretamente abarcada por ela. O voto em lista e o finan-ciamento público facilitariam candidaturas de muitos jovens. Mas em que lugar da lista a juventude entraria? Na ponta de cima ou abaixo? Geralmente os jovens têm uma vida partidária ativa, mas isso não garante a entrada na lista.

Neste sentido, é pertinente a proposta do presidente da Frente Parla-mentar da Juventude da Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), de su-gerir que os partidos políticos sejam obrigados a reservar pelo menos 10% das suas vagas para cargos eletivos aos candidatos com idade entre 18 e 29 anos.

Não podemos garantir que um político jovem terá compromisso com programas ligados à juventude, mas pelo menos haverá uma pluralidade maior, pois a medida poderia forçar os partidos a renovar seus quadros e a reverter o “baixo interesse” dos jovens pela política, além da renovação que tem que ser estimulada e iniciada.

Claro que só isso não resolve a questão da “oxigenação de ideias”, até porque inúmeras pesquisas recentes revelam que a juventude em geral de-fende pontos de vista similares a de seus pais, especialmente em questões polêmicas como drogas e aborto. Mas há que se lembrar que, para este caso, o público preferencial é o jovem político, engajado e atuante na organização juvenil do partido e que já possui larga experiência, por estarmos há 25 anos na democracia e pelo advento das PPJs (Políticas Públicas de Juventudes) em captação de recursos, conhecimento da administração pública, gestão dela, relação com parlamentares e negociação política, além do acúmulo trazido dos movimentos sociais.

Portanto, a juventude é portadora sim de um certo teste mínimo para exercer funções públicas e está repleta de ideias e propostas. No mesmo ho-rizonte, não é exclusivamente uma questão de renovação, uma preocupação da política geral. O peso, ainda ínfimo, da juventude em cargos eletivos está crescendo e temos vários políticos jovens fazendo política. Mas, outra ques-tão nodal é que, como lembra a deputada Manuela D’Ávila (PC do B/RS), o erro deles está em deixar de “ser jovem”.

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Isso implica construir canais cada vez mais sofisticados para que as bandeiras sociais da juventude se convertam em questão de Estado, em ins-titucionalização, em políticas públicas, para começarmos a resolver na raiz, a condição social injusta do Brasil. Para isso as cotas viriam muito a calhar: com parlamentares sensíveis avançamos, com parlamentares jovens, fare-mos História.

Para completar um arcabouço propositivo, destaco também o proje-to levantado na recente Convenção Nacional da Juventude do PMDB de re-servar, na forma da lei, claro, parte do fundo partidário, para as juventudes partidárias, para estimular as atividades dessas na formação de candidatos jovens. Um exemplo de atividade poderia ser a “Torne-se um deputado”, feito pela juventude dos Democratas.

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A “crise da política” e os jovens: três falsas respostas6

Aparentemente uma campanha capaz de reencantar a juventude com a política, o projeto Ficha Lima, ao contrário, serve para colocar em segundo plano as questões programáticas e a ação coletiva, aprofundando a idéia de que a política é uma atividade suspeita e que, para medir seu desempenho e validade, deve prevalecer a “imunidade ao denuncismo”, ao invés das idéias e propostas, o que realmente importam para a verdadeira responsabilidade do Poder Público.

Transfere o controle da política dos cidadãos para ONGs e para o Poder Judiciário e estes, imbuídos da tese de que “o povo não sabe votar” ou “o povo sequer lembra em quem votou na última eleição”, querem fazer de si mesmos intermediários da democracia, os mediadores da soberania popu-lar, a corte que define - acima do povo - quem tem “virtudes “suficientes para se propor representante da sociedade. Sem contar que permite que qualquer leviandade contra uma pessoa pública vire “verdade” ao sabor das amizades e inimizades da grande mídia o que, depois do projeto aprovado, passaria a ser também “fiado” pela Justiça Eleitoral.

A despeito de quererem limitar os direitos de pessoas acusadas de cri-mes graves, que maculam para sempre uma biografia, como pedofilia, tráfi-co, homicídio e racismo, o que merece um debate melhor, quando vão além, extrapolam: seriam impedidos também aqueles que recebem acusação de “uso da máquina”, “compra de votos” ou que tenham renunciado “para evitar cassação”, quando todos sabem que nestes dois últimos são a baixaria mais comum em campanhas eleitorais. No caso da renúncia, ao invés de avançar-mos para o Judiciário julgar a procedência de denúncias, propõe o aprofun-damento dos julgamentos políticos, muitas vezes desrespeitosos com o devi-do processo legal e extremamente influenciados pela opinião publicada, sem contar que a renúncia é a outra face das cassações políticas – um verdadeiro

6Publicado em 19/04/2010 no Portal da JPT.

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tribunal de exceção – já que remete à soberania popular o “julgamento” do acusado, judicializar isso é usar dois pesos e duas medidas.

Proposta superficial que é, seus simpatizantes ou se enganam ou ilu-dem outrem quando afirmam que a lei da “ficha limpa” impediria a eleição de figuras contestadas como Renan Calheiros ou Fernando Collor. Estes e muitos outros tidos, havidos, pintados e linchados como exemplos do “mal” estão em dia com a Justiça, a começar por Collor, que se elegeu senador de-pois de ficar inelegível por oito anos.

O projeto “Ficha Limpa” é assim antidemocrático, contrário aos direitos humanos e só joga mais lenha na fogueira da descredibilidade das institui-ções.

As melhores respostas para a “crise da política” entre parcela dos jo-vens, as que realmente resolvem, são a reforma política e abrir canais de diá-logo e participação no executivo e legislativo para os jovens participarem das decisões acerca das política públicas e legislações que lhes dizem respeito, poderem fiscalizá-las e vê-las acontecer.

As juventudes políticas devem mais uma vez mostrar sua maturidade geracional e dizer não a essa excrescência dos que operam pra desmorali-zar a política, pois, convenhamos, as 4,5 milhões de assinaturas colhidas em todo o Brasil, para encaminhar este projeto de lei de iniciativa popular, se-riam muito mais úteis se impulsionassem uma grande pressão da sociedade pela reforma política que o Congresso protela e os partidos conservadores se recusam a fazer. E no “reino da necessidade”, das injustiças e opressão, só a política salva!

Voto facultado, uma outra falsa panacéia

Outra campanha que vez por outra os setores poderosos que se bene-ficiam do descrédito da política, dos homens e mulheres públicos e das ins-tituições democráticas, lançam, é a idéia do voto facultativo. Entre os jovens, notadamente os de classe média (A e B), é um sucesso estrondoso.

Novamente, um caminho errado.Os valores que tem que ser semeados entre a juventude, para fortalecer

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nossa democracia e para ela mesma poder obter resultados do Poder Público que mudem sua vida, são outros.

O Estado Democrático de Direito é, formalmente, o representante de toda a sociedade, baseado no princípio da soberania popular e vontade geral, manifestados através do sufrágio universal.

Se o Estado Democrático de Direito, apesar da formalidade, não ope-ra como representante de toda a sociedade, isso é uma luta também demo-crática para adequar a realidade à idéia e não um motivo para se desprezar o Estado.

Então, concebê-lo como representante de toda a sociedade e buscar fazê-lo operar como tal, implica a reciprocidade da sociedade, obrigada a es-colher sua direção, já que esta, corretamente, é obrigada a prestar universal-mente seus serviços públicos.

Adiante, não se pode atribuir representação a quem não foi votado para tal. Logo, do ponto de vista teórico, o voto facultativo implica reconhe-cer duas categorias de cidadãos: uma que vota e, logo, é representada pelo Estado, com quem este é responsável por ser-lhe representante escolhido por ela. Outra que não vota, não escolhe, portanto, seus representantes - a direção do Estado - e com quem este, do ponto de vista teórico, não teria responsabilidade alguma.

Nosso desafio é tornar o voto da juventude um ato consciente de ação política e não formar uma geração que negue o voto como instrumento fundamental de transformação do status quo.

Os dilemas do primeiro voto

Apesar de ter lançado uma ampla campanha nacional e ter possibilita-do um pré-alistamento pela internet, o Tribunal Superior Eleitoral registrou redução de 43% nas inscrições de eleitores de 16 a 17 anos em relação à úl-tima eleição. Foram somente 1,5 milhão de jovens inscritos em 2010, contra 2,7 milhões de eleitores há dois anos (2008).

Ouvido pelos jornais sobre o balanço do TSE da mobilização pelo pri-meiro voto, o professor da Unicamp, Roberto Romano, atribui a queda aos

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partidos políticos “que não envolvem o jovem, não possuem programas ju-venis e muito menos falam na mesma linguagem deles”. Para ele “isso ocorre em todos os partidos políticos, que apenas usam os jovens como outro elei-tor de maneira predatória”.

Uma injustiça, já que é crescente a pauta das políticas de juventude e a organização das juventudes partidárias, além do que Romano é uma fonte bastante duvidosa por não ser um estudioso da condição juvenil. Porém, o que ele diz não é de todo errado, ainda que com os avanços recentes que citei.

É fundamental travar o bom combate, da esquerda à direita, para colo-car a juventude no centro da campanha eleitoral e da elaboração programáti-ca, porque assim o bônus demográfico do grupo social e suas peculiaridades sócio-econômico-culturais transversais exigem.

É nodal destacar tais avanços e propostas específicas a eles na propa-ganda eleitoral e no marketing político dos partidos e, mais do que nunca, reconhecer que as campanhas partidárias pelo voto aos 16 devem superar a idéia de simples estímulo à cidadania. Para ter resultados eficazes nesse “convite” ao alistamente eletoral, é necessário vincular o chamado a uma vontade política, no caso das esquerdas, dar prosseguimento aos projetos, programas e ações que tem mudado a vida da juventude brasilera, tal como despertar a esperança deles serem contemplados por elas, para quem está fora deste público e amenizar preconceitos e rejeições à parcelas juvenis ain-da descrentes ou avessas ao “vermelho”. Contudo, é uma diretriz que cabe em toda a topografia partidária brasileira, incentivando a juventude conhe-cer e optar por projetos políticos globais e propostas voltadas a ela, cada qual com sua matriz ideológica.

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TrabalhoCapitulo III

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Os sonhos dos jovens e do Brasil pelo trabalho7

Segundo os dados mais recentes do IPEA, 46% dos jovens entre 15 e 29 anos, estão desempregados. 50% dos ocupados entre 18 e 24 anos são assalariados informais, porcentagem que se mantém em 30% entre os que têm de 25 anos a 29 anos de idade. Apenas 48% das pessoas entre 15 anos e 17 anos cursam o ensino médio e somente 13% daquelas entre 18 anos e 24 anos estão no ensino superior. De acordo com o Datafolha (1), 64% vivem com os pais e 13% com parentes.

Paralelamente a isso, o Datafolha (2008) registrou o sonho do jovem médio brasileiro assentado em: terminar os estudos, ter uma casa, fazer família e obter sucesso profissional. O retrato foi taxativo: “Os sonhos variam pouco entre as classes de renda, educação ou região onde moram os entre-vistados”.

Não chega a surpreender, então, outro registro do ano passado, dessa vez do Instituto Gallup Internacional (2008): a juventude brasileira é a mais otimista do mundo em relação ao futuro. Por quê? Nossa fase de prosperi-dade (2), que se traduz, principalmente no crescimento da geração de em-pregos - um milhão em plena crise. Todavia, para fazer dos sonhos realidade é necessário buscar a realização do principal dele, ainda de acordo com o mesmo instituto: ter um bom emprego fixo, com carteira, numa boa empre-sa, com bom salário. Por outro lado, já é um consenso nacional que os jovens entram na criminalidade não pela pobreza pura e simplesmente, mas pela soma dela com a massificação de um certo padrão de consumo.

Todos os anos, entram 2 milhões de jovens na PEA, nos termos identi-ficados pelo IPEA e Datafolha. O desafio é responder a essas questões hoje, aqui e já, pois não se trata de personagens de histórias em quadrinhos e sim de seres humanos e, embora permeada pela busca da autonomia ou pela pressão/necessidade familiar, o certo é que a juventude brasileira quer tra-

7Publicado em 27/11/2009, no blog Zé Dirceu – Um Espaço para a Discussão.

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balhar para realizar seus sonhos e o ponto de partida não é nada idílico.

Podemos imprimir uma nova lógica?

Os filhos dos mais ricos se preparam para ser profissionais liberais, com algum impulso da influência e/ou tradição familiar. Enquanto os das camadas populares querem sua cooptação o mais breve possível pelo pro-letariado brasileiro. São processos distintos. Para os primeiros, está posto a reprodução do status quo. Para os segundos, a possibilidade de mobilidade e ascensão social, que não pode esperar.

O dilema não é a idade de ingresso no mundo do trabalho, mas a qualida-de da preparação para este. Aos 15 ou aos 25, o lado de maior renda sempre tem vantagem sobre o mais pobre pelo tipo (e não exatamente a quantidade) de educação formal a que um pode ter acesso e o outro não, seja um paralelo do ensino fundamental, médio ou superior. E a quantidade de estudo como apresentada hoje – zona de corte - é uma distorção mercadológica.

Portanto, enquanto os ricos ganham postergando a entrada no mundo do trabalho para “se prepararem”, os pobres só perdem em experiência, ga-nhos materiais acumulados e progressão funcional.

No mesmo sentido, a afirmação de que chegaremos rapidamente numa expectativa de vida de 100 anos é um exagero. Hoje, no Brasil, apenas 3 mi-lhões de pessoas tem mais de 80 anos (IPEA). Nos morros cariocas, se for negro e homem , segundo dados apresentados pelo deputado federal Ciro Gomes (PSB/CE) no seminário Juventude e Projeto Nacional, a expectativa de vida é de 21 anos.

Para imprimir a transição do jovem da categoria de necessidadepara a a da possibilidade, o importante é garantir a mobilidade social. Só que isso deve estar associado ao papel vislumbrado à juventude num projeto de de-senvolvimento nacional. Para tal, há duas vias que se retroalimentam. O Mi-nistério do Planejamento projeta que o Brasil vá crescer sustentadamente 5% ao ano numa década. O país, então, precisa de uma juventude para dar base para essa expansão. Ao mesmo tempo, essa fase da economia é o mo-mento histórico mais oportuno para incluir a juventude no mundo do traba-

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lho de forma decente e alterar, pelo investimento geracional, o padrão socie-tário nacional.

Os jovens das classes A, ainda pelo mesmo levantamento do Datafolha, somam 4%. Da B, 27%. Os jovens mais pobres, das classes C (53%), D (14%) e E (2%), então, são o foco principal de uma política pública de trabalho espe-cífica. Esse período de desenvolvimento nacional não pode prescindir dessa força produtiva. Uma pesquisa, por exemplo, da consultoria americana John Snow Brasil, feita esse ano no DF, baseado num projeto de empresas chama-do Jovem de Expressão, demonstra que a cada R$ 1 aplicado em programas sociais para tirar pessoas entre 18 e 24 anos da inatividade por desemprego ou criminalidade, a sociedade ganha num prazo de 45 anos, que equivale a idade produtiva entre 20 e 65 anos, R$ 318 como retorno. Ademais, é uma solução estruturante para o dilema da Previdência Social.

Para chegarmos ao patamar razoável de criar 2,5 milhões de emprego anuais, investir 23% do PIB e crescer de 6% a 7%, é mais que imprescindí-vel formar um potente e coeso proletariado juvenil. Do ponto de vista empre-sarial, ou seja, do empreendedorismo juvenil vamos bem. Pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2008 mostrou que, do total de jovens entre 18 e 24 anos no Brasil, 15% empreendem, o equivalente a 3,82 milhões de pessoas. De acordo com o Sebrae, a taxa média de empreendedorismo jovem entre 2001 e 2008 ficou em 11,9%. Do total de empreendedores brasileiros, 25% são jovens, o que coloca o País em terceiro lugar no ranking mundial. De acordo com o relatório, 68% dos jovens empreendem por oportunidade e 32% por necessidade.

Os que empreendem (3) , por qualquer dos motivos têm em comum a busca do “lugar ao sol”. Realizam-se na atividade que desempenham, ajudam outros jovens a sair do desemprego e o país a crescer. O tempo livre não deve significar, tanto por essas questões subjetivas do jovem brasileiro, quanto pela objetividade das demandas nacionais, inatividade. Embora precisemos avançar na construção de equipamentos públicos de esporte e lazer, meca-nismos atuais como a meia-entrada e o meio-passe estudantil já, de certa forma, são “mecenas” desse tempo livre para a formação e experimentação.

Politicamente, há quem acredite que adotar um programa que assuma

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como norte estratégico o financiamento da inatividade, a postergação da en-trada no mercado para os 25 anos e implementar uma “previdência juvenil” é polarizar com um projeto de direita, capaz de “ganhar” a juventude, tanto eleitoralmente, quanto para uma visão de longo prazo, de projeto sociedade. Pelos números e dados, a única coisa que o campo nacional, democrático e popular conseguiria seria a mais brutal rejeição, caracterizada na subjetivi-dade de pais e mães como “não querem que meu filho seja alguém na vida” e, na do jovem, como “não querem me dar chance de realizar meus sonhos”.

Notas

1. Pesquisa Datafolha de 2008 – Sonhos, Medos, Vontades, Dúvidas e Certezas do Jovem Brasileiro - Faixa etária entrevistada: 16 a 25 anos.2. A conquista da Copa de 2014, das Olimpíadas de 2016, a descoberta do Pré-Sal, virarmos credores do FMI, havermos liquidado a dívida externa, taxarmos o capital especulativo e ainda recebermos aplausos globais, sem símbolos dessa etapa.3. A pesquisa mostra que o jovem empreendedor por necessidade tem renda concentrada na faixa de um a três salários mínimos e nível de escolaridade de cinco a 11 anos. Eles desempenham principalmente serviços orientados ao consumidor (70%), em segmentos como comércio e alimentação, seguidos do setor de trans-formação (30%), em trabalhos como pequenas atividades de manufatura e industriais. Enquanto isso, o jovem empreendedor por oportunidade diferencia-se por dispor de uma renda maior (36% até três salários mínimos; 34% de três a seis salários) e uma escolaridade maior, sendo que 25% estão cursando ou já ter-minaram o nível superior. Em geral, iniciam seus negócios com atividades mais especializadas, por conta de um nível maior de qualificação e renda.

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Juventude e trabalho: uma “mochila de direitos” na ordem do dia8

O trabalho é o tema central da pauta da juventude brasileira. O Bra-sil precisa, por meio da sociedade e com a participoação dos jovens políti-cos que atuam nos movimentos juvenis, sociais, partidários, no parlamento e confererações de jovens empresários, definir a matriz de como enfrentar essa questão e passar das análises gerais para as propostas concretas.

Como defendi no meu artigo anterior publicado neste espaço, precisa-mos resgatar a concepção do papel dos jovens como agentes do desenvolvi-mento (predominante na década de 80), somada ao acordo da última década do século XX e primeira do século XXI: sujeito de direitos.

Não é o caso de repetir os enormes avanços obtidos no governo do pre-sidente Lula, que devem, inclusive, ser demarcados na “Consolidação das Leis Sociais”. Aliás, uma sistematização a ser feita e abraçada pela Secretaria e Conselho Nacional de Juventude. Todavia, temos que formular os passos à frente.

Trabalho decente

Nessa direção, a tarefa imediata a enfrentar é a questão do trabalho decente e da não contraposição entre trabalhar e estudar, mesmo para quem já está com a escolaridade comprometida. Neste ponto, não dá para simples-mente esperar a “dinâmica da economia”, porque há todo um processo histó-rico que precisamos reverter, a elevação contínua do desemprego, a desvalo-rização do trabalho e o empobrecimento das famílias nos últimos 20 anos de neoliberalismo. Nesse período, a juventude foi forjada como a mão-de-obra mais desqualificada e menos experiente, razão pela qual acaba aceitando as piores condições de trabalhos que lhe são impostas.

8Publicado em 23-01/2010, no blog Zé Dirceu – Um Espaço para a Discussão do Brasil. É a segunda parte do artigo Os sonhos dos Jovens e do Brasil pelo Trabalho.

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Não basta reduzir a jornada para 40 horas semanais. É necessária uma legislação específica que concilie horário de estudo e de trabalho do jovem, pois, segundo o IPEA, a incorporação dele ao mercado de trabalho beneficiou principalmente aquele que nem estudava e nem trabalhava. O sindicalismo juvenil, que se fortalece com a organização da Juventude da CUT, da CTB etc, ainda deve essa plataforma própria à população trabalhadora que tem até 29 anos. Além disso, as medidas que estão sendo discutidas no Congresso Nacional - uma autêntica “mochila de direitos” - devem ser apoiadas e enca-minhadas com este sentido de “pacote”, numa luta social e institucional.

Para tirar a juventude da condição de precariedade e vulnerabilidade, como apontam tantas pesquisas, temos que transitar para a noção de “inclu-são arbitrária”. Uma proposta concreta que pode dar muito certo é o Projeto de Lei apresentado na Assembléia Legislativa do Pará pelo deputado petista Carlos Bordalo, que institui cota de 30% para jovens de 18 a 29 anos nos concursos públicos. Uma oportunidade, acima de tudo, decente.

Além disso, tem que ser aprovado o Projeto de Lei 2117/07, do depu-tado federal Felipe Pereira (PSC/RJ), um dos mais jovens da Câmara, que concede aos contratantes, pelo prazo de um ano, redução de 3% da alíquota da contribuição para o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) e re-dução de 70% do valor das alíquotas das contribuições sociais (PIS e Cofins) para o primeiro contrato.

No sentido da empregabilidade quanti e qualitativa, uma medida impor-tante foi a regulamentação do artigo 442-A, da CLT, pelo qual fica proibida a exigência de experiência mínima de seis meses para candidatos a vagas do mesmo tipo de atividade prevista para o cargo, estendendo-se aos de cheia e concursos regidos pela CLT.

Serviço militar

A questão do serviço militar tem grande contribuição. Hoje a ampla maioria dos jovens que quer servir é de baixa renda, de escassa escolaridade e assídua nas estatísticas de desemprego, em busca de uma oportunidade. O alistamento obrigatório pretende a mão-de-obra qualificada, barata e tem-

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porária, ao invés de formar quadros que possam se dedicar a vida inteira. A aprovação do fim da obrigatoriedade significaria, então, fortalecer as Forças Armadas e criar um instrumento de mobilidade social para esses jovens. Um projeto nesse sentido, do deputado Silvinho Peccioli (DEM/SP), já foi apro-vado em 17 de junho de 2009 pela CCJ da Câmara dos Deputados. O mesmo deve ocorrer no Plenário e no Senado.

Ainda no terreno do papel do serviço militar para a mobilidade social geracional, é essencial aprovar o Projeto de Lei 5232/09, do deputado Paes de Lira (PTC/SP), que possibilita a jovens recém desincorporados do serviço militar obrigatório, por excesso de contingente, se engajarem nas polícias militares e nos corpos de bombeiros.

Educação profissionalizante e independência financeira Ao mesmo tempo em que empregamos e elevamos a renda da juventu-

de, há que se implementar medidas firmes para que os jovens não trabalhem antes dos 18 anos (1), possibilitando a esse público (que começa aos 15) a elaboração do seu projeto de vida.

Nesse horizonte, é pertinente o Projeto de Lei apresentado pelo fale-cido deputado federal João Herrmann (PDT/SP), que institui “bolsa-escola” para estudantes carentes entre 15 e 19 anos matriculados no ensino médio (2). Na mesma direção é importante fortalecer a posição do MEC de querer estender o Bolsa-Família para a faixa etária juvenil do ensino médio. Hoje, segundo dados do Ministério, apenas 3% dos 16,2 milhões de alunos benefi-ciados estão nesse nível.

Segundo dados da CNTE (3), 85% dos que concluem o ensino médio não têm independência financeira. Está mais do que na hora de uma reforma para estabelecer uma educação profissionalizante e técnica que prepare o estudante para o mercado de trabalho antes da formação superior, mesmo porque muitos pagam a própria universidade. Sem contar que os altos ín-dices de evasão na atualidade são motivados pela pressão doméstica pelo trabalho ou para sustentar as consequências da gravidez precoce indesejada. Isso faz com que cursos de capacitação profissional sejam mais atraentes do

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que um ensino voltado ao vestibular e à educação superior. Inclusive, uma reforma nesses termos permitiria a parceria entre instituições de ensino e empresas, muito salutar ao país, pois facilitaria o planejamento da formação profissional ancorada nas tendências de vagas do mercado.

Se o Brasil é o terceiro país em empreendedorismo juvenil, é importan-te transformar em lei o projeto da CONAJE (Confederação Nacional de Jovens Empresários) de incluir o empreendedorismo nos currículos do ensino mé-dio, pois assim como necessitamos formar um proletariado juvenil grande e capacitado, temos que incentivar uma nova geração de empresários para corresponder ao outro lado da moeda, que é a demanda por produção provo-cada pelo aumento e melhora da condição social da população. Nisso, micro, pequenas e médias empresas tem papel essencial, especialmente nas áreas de pressão da demanda. Logo, formar jovens empresários, intelectualmente e dando acesso para o sucesso de suas atividades econômicas, é basilar.

Moradia e “tempo livre” Também é imperioso responder a assuntos estruturais relacionados

com a construção do novo padrão societário via investimento geracional, como a questão da moradia e do “tempo livre”, que compõem um tripé que envolve três fases do “direito à transição”: a elaboração do projeto de vida, a criação das condições de mobilidade social, e a realização de sonhos.

É o caso de apostar na provação do Projeto de Lei 5207/09, da deputa-da Manuela D’Ávila (PC do B/RS), que reserva 15% dos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) para a jovens entre 18 e 29 anos. Ele atua num dos gargalos do déficit habitacional brasileiro: a coa-bitação precária - onde mais de um núcleo familiar reside no mesmo imóvel por falta de recursos financeiros. Este é considerado o principal fator que impede os jovens de formar novos domicílios e retarda sua saída da casa dos pais.

Outra contribuição global para a criação de uma juventude de bem estar social é o Projeto de Lei 269/08 da senadora Patrícia Saboya (PDT/CE), pelo qual pessoas físicas e jurídicas poderão deduzir do imposto de ren-

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da - 6 e 4% respectivamente - doações ou patrocínios para políticas públicas de juventude desde que através de organizações sem fins lucrativos. Este já entrou na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Para complementar a estruturação do tempo livre para os jovens, o ideal seria incorporar os CUCAS (4), CRJs (Centros de Referência da Juven-tude) e Praças da Juventude ao plano de investimentos Federal e planejar suas construções, de acordo com cada modelo, em parceria com as entidades federativas. Os primeiros a serem construídos nas capitais; os segundos nas cidades de médio porte; e as terceiras, do Ministério dos Esportes, aos muni-cípios de pequeno porte.

A meia-entrada tem que sair sem cotas do processo de revisão em curso no Congresso e, de preferência, vinculada à comprovação da matrícula, via documento oficial, para além da escola formal, mas incorporando cursos de qualificação profissional e aceleração de escolaridade. Qualquer retrocesso à ideia de “imposto estudantil” será duas vezes excludente: na renda e no público.

Já as carteiras de meio-passe estudantil têm que ser livres de cotas e óbices, pois não é o caso do transporte do jovem só até a escola, nem apenas uma discussão sobre o “direito e ir e vir” ou “como aliviar a renda doméstica”, mas trata-se de um instrumento de mobilidade para o trabalho, atividades/eventos artístico-culturais, de esporte e para o lazer. Esse é o sentido que o meio-passe deve possuir quando inscrito no Estatuto da Juventude.

ProJovem e Pronaf Jovem No mais, a tarefa é seguir com processos que acelerem a escolaridade

dos que têm formação básica insuficiente com o ProJovem (5), afinal, sem qualificação não existirá absorção desse segmento pela demanda que virá da economia. Talvez uma abordagem de gênero do programa abrindo uma es-pecialidade voltada a jovens vítimas de exploração-sexual ou recém egressas da gravidez seja uma demanda latente, uma vez que está mais do que óbvio que sem oportunidade de renda não há “ECA” que auxilie essas meninas. O PNAD deixou claro que embora a empregabilidade juvenil tenha crescido,

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destacadamente para os que superaram o desemprego de inserção, a desi-gualdade de gênero pouco se alterou em uma década.

É fundamental também expandir em padrões “sulistas” o Pronaf Jovem e o “Minha Primeira Terra” para o Norte do país, desburocratizando-os. Esta é uma necessidade do nosso meio rural, tal qual a intensificação/massifica-ção das Casas Familiares Rurais.

E por fim investir em acordos que incentivem a empregabilidade de-cente da juventude, envolvendo convênios de governos com as federações industriais e da agricultura estaduais, para absorver os recém-formados em programas de educação profissional, pode ser uma reedição muito interes-sante e útil do “Pacto pela Juventude”.

Notas:

(1) Ressalto a relevância da proibição do emprego doméstico antes dessa idade, sancionada pelo presi-dente Lula.(2) O pagamento será creditado em nome da mãe quando menor de idade, ou do próprio jovem quando maior de 18 anos. A contrapartida é a prestação de serviços comunitários. O projeto dialoga com os estu-dantes de baixa renda (pois a rede particular detém só 12% das matrículas e os menores índices de aban-dono, 1,53%) que por terem que trabalhar para ajudar no sustento do lar e pelo problema de mobilidade estudantil deixam de ir às aulas e concluir seus estudos. (3) Pesquisa da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, O Aluno do Ensino Médio Público Estadual - Percepções, Hábitos e Expectativas, 2009.(4) O Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (CUCA). (5) Dos 4,5 milhões de jovens em situação de risco, 1 milhão já foi contemplado pelo ProJovem em suas quatro modalidades. A meta é fechar 2010 com 2,3 milhões de jovens atendidos, precisando abarcar 1,3 mi ainda este ano. Um objetivo factível se considerarmos que o programa incorporou 500 mil/ano, ressalvando-se que foi lançado no início de 2008 e terá seu ápice orçamentário em 2010. Caso cumpra apenas a média, o ProJovem terá alcançado 1/3 de toda a juventude em situação de risco em apenas 3 anos. Sucesso que fundamenta a luta pela sua ampliação e estruturação operacional crescentes.

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DesenvolvimentoCapitulo IV

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Uma política para a juventude da Amazônia9

De acordo com o PNAD de 2007, 61,5% da população da Amazônia é infanto-juvenil (0 a 29 anos). Isso considerando apenas os estados do Norte, excluindo-se, portanto, o Maranhão e o Mato Grosso. A faixa de 15 a 29 anos, por sua vez, compreende 29,1% desse total. Logo, a idéia de que o Brasil tem um bônus demográfico juvenil (1/3 dos habitantes do país) e disso deman-da um investimento geracional para o desenvolvimento nacional, sendo este grupo social ponto de partida para reprodução ou superação do nosso status quo, tem plena validade na Região.

Contudo, lendo os números do IBGE, o desafio amazônico é ainda maior, a juventude é “mais estratégica” do que no restante da nação para o desen-volvimento, uma vez que precisamos criar condições para que quando as crianças de hoje se tornarem adolescentes, haja um outro padrão de possi-bilidades.

Essa relação jovem-desenvolvimento na Amazônia ainda vai além, imiscuindo-se na discussão de qual o melhor projeto para a região, onde se opõem o “progresso a todo custo” versus sustentabilidade. Então, é pelo in-vestimento geracional que mudaremos os padrões sócio-econômicos e cul-turais amazônicos.

Sendo assim, a grande tarefa programática é promover um investimen-to geracional que forme pessoas munidas de uma profunda consciência am-biental, protagonistas de iniciativas econômicas sustentáveis, produtoras de conhecimento baseado na tecnologia limpa, ambientalmente correta e so-cialmente justa, e comprometidas com a defesa desse patrimônio brasileiro da biodiversidade mundial. Isso requer uma mudança brusca de paradigma: sair da quase total invisibilidade da qual padece essa enorme diversidade da condição juvenil amazônica para uma urgente política específica.

9Publicado em 30/04/2010 no blog Zé Dirceu - Um Espaço para a Discussão do Brasil, do ex-ministro-chefe da Casa Civil.

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Uma diversidade juvenil que exige uma variedade de respostas

O Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ), criado pela ONU em 2003, referenciado na educação, saúde e renda apenas, para medir as condições de vida dos jovens, coloca os estados da Amazônia (novamente considerando só a Região Norte) entre os piores do Brasil. Pelo IDJ, nenhum estado nortista se posiciona sequer entre os dez melhores índices nacionais. Esses se resu-mem às unidades federativas do centro-sul.

No campo habitam 27% da população juvenil da Amazônia, quando a média brasileira é de 16% (Censo IBGE 2000). E isso porque se computa, ge-nerosamente, pequenas vilas e municípios como meio urbano, quando eles são quase indistintos do espaço rural. Um campo que, a cada dia, se depa-ra com a introdução de chagas sociais tipicamente “urbanas”: drogatização, prostituição, violência, criminalidade, etc.

Segundo os recentes dados do IPEA, publicados no livro Juventude e Políticas Sociais no Brasil, na Região Norte, 13,2% das jovens entre 15 e 19 anos já têm filhos, sendo que 44,4% delas estão na faixa de renda de até meio salário mínimo.Uma em cada dez meninas de 10 a 19 anos tem pelo menos um filho. 64,61% dessas só possuem, no máximo, sete anos de escolaridade. Em 2008, foram 42.614 novas jovens mães. Das moças entre 10 e 17 anos com filhos, 75% não estudam e 57% delas nem trabalham.

A juventude indígena, segundo estudos da ONU e Funai, enfrenta dile-mas ultrasingulares, como altos índices de suicídio, obstáculos à promoção da identidade e da tradição de suas comunidades, dificuldade de acesso à saúde, impasses lingüísticos, desnutrição, cooptação por gangues que se or-ganizam ao redor das aldeias, violência dentro das escolas e expansão verti-ginosa (e focada nos jovens) do alcoolismo e da AIDS, além de que 38% dos 750 mil índios brasileiros vivem em situação de extrema pobreza, o que afeta pesadamente os jovens das aldeias. Esse pelo menos é o quadro apontado pelo estudo “A situação dos povos indígenas no mundo10 ”, lançado pela ONU em janeiro e ainda com versão em inglês somente.

Condição engendrada por políticas errôneas de assimilação, desapro-

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priação de terras, marginalização/racismo nos ambientes de convívio misto (como escolas) e abusos de forças militares. Não é à toa que, antes fenômeno marcante do jovem camponês, agora os jovens índios acabam deixando suas áreas ancestrais e migram para as cidades em busca de melhores oportuni-dades e acabam, quase sempre, tendo o mesmo final dos primeiros: viver em favelas, marginalização, exploração sexual etc.

Sem contar os tais “grandes projetos”, remanescentes do desenvolvi-mentismo de direita predominante na ditadura e do plano de “colonização” da Amazônia, que muito levaram em riquezas e recursos naturais e pouco ofereceram em oportunidades para os jovens locais, desde as passadas ge-rações.

Sendo assim, uma política - urgente, necessária e fundamental - para a juventude da Amazônia requer pensar na educação, trabalho, cultura, inova-ção tecnológica, esporte, lazer, saúde, proteção, com recortes que incorpo-rem à questão rural, da identidade e pertencimento, renda, interiorização e muita especificidade na abordagem. Por isso foi fantástica e muito acertada a articulação dos jovens petistas da Amazônia, que se reuniram durante o Seminário “Amazônia: Caminhos para o Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável coma inclusão do seu povo”, realizado em Belém, nos dias 15, 16 e 17 de abril de 2010, e formularam uma Carta11 para ser incorporada na plataforma voltada aos jovens da campanha da ex-ministra Dilma, com idéias e propostas para essa política especial, da qual tive a honra de ser um dos idealizadores, junto com as dirigentes nacionais da JPT, Ana Tereza Ferreira e Márcia Ribeiro, e da professora Jacqueline Freire, da UFPA, que tem sua pesquisa voltada aos jovens rurais e ribeirinhos e tem dado uma inestimável contribuição a este debate.

São 13 pontos certeiros, que colocam a juventude do PT Amazônico cumprindo seu papel central na disputa dos jovens da região e no centro da discussão estratégica sobre desenvolvimento sustentável, diferencial que terá que ser pauta na campanha de Dilma Presidente:

10State of the World’s Indigenous Peoples (http://www.un.org//esa/socdev/unpfii/documents/SWIP_web.pdf). 11“Carta da JPT ao Seminário Amazônia: Caminhos para o Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável coma inclusão do seu povo”.

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“1. Garantia de acesso e permanência com sucesso de jovens em todos os níveis de ensino, da educação básica à superior, com políticas afirmativas que garantam os direitos por meio de cotas raciais para jovens negros e in-dígenas e cotas sociais para jovens em situação de vulnerabilidade social; 2. Expansão e interiorização da rede federal de ensino, em níveis Técnico, Tecnológico (IFETs) e Superior(Universidades), vinculados às cadeias pro-dutivas e dinâmicas sócio-culturais locais; 3. Reestruturação curricular da educação básica e superior, referenciada numa matriz de educação para a sustentabilidade, estimulando a formação para o empreendedorismo, com enfoque territorial e solidário; 4. Investir em ciência para formar uma ge-ração que produza conhecimento e tecnologia voltados à sustentabilidade e inclusão social; 5. Institucionalização de políticas que promovam a inser-ção dos jovens no mundo do trabalho e geração de renda, especialmente através do financiamento para a economia solidária; 6. Garantia de políticas públicas de educação e qualificação profissional para jovens do campo e da floresta, referenciada na metodologia da alternância, articulada à política e financiamento da agricultura familiar assegurando mecanismos de desburo-cratização do acesso à terra e ao crédito; 7. Implementação de políticas de financiamento e assistência estudantil que garanta a permanência na escola de jovens do campo e da cidade e o adiamento do ingresso destes no mundo do trabalho; 8. Expandir e interiorizar equipamentos públicos de esporte, cultura e lazer; 9. Estimular a produção cultural dos/pelos/para jovens que valorizem a identidade e o pertencimento; 10. Fortalecer os mecanismos de proteção social de crianças, adolescentes e jovens em situação de risco, de exploração sexual e/ou tráfico humano; 11. Implementação de políticas es-pecíficas de saúde para jovens com destaque para o enfrentamento da gra-videz precoce, prevenção de DST/HIV/AIDS e uso de drogas; 12. Promoção de políticas que assegurem a re-inserção sócio-produtiva de jovens de baixa renda e egressos do sistema penal e exploração sexual e do trabalho escra-vo; e 13. Atualização da Política Nacional de Juventude a ser implementada na região, sintonizada com os desafios e a sustentabilidade amazônica, com controle social pela sociedade civil”.

A isso, acrescentaria a constituição de mecanismos e instrumentos

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mais firmes para obrigar a grande iniciativa privada que opera na Amazônia, com a batuta dos “grandes projetos”, a intensificarem sua “responsabilidade social”, através do investimento na educação para o trabalho de milhões de jovens para incorporá-los ao seu quadro funcional posterior.

Projeto político

Todavia, o desafio não se reduz às questões sociais. Para dar cabo dele é preciso fortalecer, empoderar e projetar politica e programaticamente os jovens da Amazônia, para que sejam parte da vanguarda dos processos po-líticos juvenis do país, presentes em espaços de direção, visibilidade e com capacidade de influenciar a formulação de programas, ações e projetos. Ja-mais recaindo no discurso falso e fácil do “Norte contra o Sul”, mas se inte-grando à dinâmica nacional de modo a fazer valer o peso da militância ju-venil na região, combinado com a real importância estratégica e geopolítica dela no contexto.

É também ‘geracionalmente’ que se vai criar a força que a região pre-cisa ter pra ser valorizada e defendida e isso começa com essas articulações e com essas demonstração de capacidade de formular política consistente pelas próprias jovens lideranças amazônicas.

Esse é o caminho para criarmos aquilo que se espera como a “juventude ecológica”, a “juventude do meio ambiente”, a “juventude do século XXI”, que já pense a vida protegendo, conservando e convivendo com a natureza, com energia e esperança para resolver os dilemas da Amazônia.

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O pré-sal e a juventude: reivindicar 50% já é insuficiente12

Mostrando a capilaridade do seu movimento, estudantes de todo o país se mobilizaram na semana que passou, na Jornada de Lutas da UNE, se mani-festando a favor da principal bandeira levantada pela entidade hoje: a reser-va de 50% do fundo social do pré-sal para a educação.

A força das manifestações e das propostas estudantis mostraram por-que a UNE é tão combatida pelos setores oposicionistas da imprensa e odia-da pelas classes dominantes do Brasil. E isso não é só pela “tradição da enti-dade”, mas também pela enorme “virtú” de sua direção .

Entretanto, no Rio, para além do pré-sal, a luta dos estudantes foi para que todos dispusessem de subsídios no transporte público. Foi pelo direito do universitário à meia-passagem, promessa de campanha ainda não cum-prida pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB); contra as restrições ao passe-livre secundarista e a implementação da “coleira-eletrônica” nas escolas.

A exemplo do Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, a juventude, com duas mil pessoas nas ruas, teve como pauta a aprovação da meia-passagem para estudantes de todos os níveis de ensino. “Belô” é a única capital do país que não possui nenhuma política de subsídio à passagem em transportes coleti-vos urbanos para os jovens, seja para aliviar a renda doméstica, combater a evasão ou facilitar o acesso aos espaços de lazer/esporte/cultura, além do trabalho. Durante a passeata, foi lançada uma frente parlamentar suprapar-tidária em defesa do meio-passe e o prefeito Márcio Lacerda (PSB) se com-prometeu em receber os estudantes e apresentar o projeto nesse sentido que a prefeitura encaminhará à Câmara Municipal.

Na capital amazonense, além de reivindicar que 50% dos recursos do fundo do pré-sal sejam investidos na educação, os estudantes reivindicaram melhores condições para o transporte coletivo e vão combater os cortes à meia-passagem e a burocratização do acesso a esse direito. Defendem tam-

12Publicado em 05/04/2010, no Portal da Juventude do Partido dos Trabalhadores

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bém que, com os recursos provenientes do pré-sal que caberão ao estado, haja formas de financiamento para o passe-livre.

Para além do movimento estudantil, há a proposta do ministro Fernando Haddad de distribuir biciletas, uniformes e cadernos para estudantes, especial-mente os da zona rural qu,e para terem acesso ao transporte que os leva à escola, muitas vezes têm que se deslocar a pé por distâncias quilométricas e, geralmen-te, são de baixa renda. Haddad retomou essa pauta em audiência, há três sema-nas, na Comissão de Educação na Câmara.

Para além do que propõe o ministro, precisamos, até para colocar em práti-ca a idéia da postergação do ingresso do jovem no mercado de trabalho, instituir um “cheque estudantil” ou “kit escolar” e uma bolsa escola para alunos carentes no ensino médio.

As três questões postas são nodais para a juventude brasileira: para a no-ção de “agente do desenvolvimento nacional” combinada com a de “bônus de-mográfico”

Reivindicar verbas do pré-sal para o passe livre é uma boa proposta em-brionária que significa que os jovens organizados querem o fundo social do pe-tróleo financiando políticas de juventude e que não dá mais para limitar este debate a porcentagens para este ou aquele fim sem o devido detalhamento de seus sub-ítens, para a sociedade civil e política terem a clareza do que querem e o que não querem apoiar, como é o caso educacional . A “vida real” superou as direções e vanguardas políticas e estabeleceu a demanda concreta de avançar na discussão.

Adiante. Se os recursos do pré-sal podem ser investidos no passe livre ou meia passagem - que, repito, são ótimas idéias - podemos também dar um pas-so para os governos tirarem de seus orçamentos o montante para pagar essa conta, ao invés do contexto hodierno, onde a falta de recursos impõe o empurra-empurra sobre se pagam esta “conta” os empresários, os usuários, se se faz re-núncia fiscal etc.

Quanto à proposta do ministro Haddad, realmente hoje a União não ne-cessariamente deve e pode arcar com isso porque faltam recursos. Por isso ela, tal como ocorreu na Jornada de Lutas da UNE, com desdobramentos da con-signa original da entidade pelos estados, determina também um detalhamento

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da discussão da tese dos 50% dos dividendos do fundo social do pré-sal para a educação.Não podemos esquecer, por outro lado, da demanda latente do ensino fundamental e da revolução que o país tem que promover nesse setor para ter uma formação escolar completa e se aproximar dos resultados nas nações de-senvolvidas.

Para além disso, tenho total e integral acordo com o ex-ministro Zé Dirceu, quando defendeu recentemente em seu blog que “sem uma revolução tecnológi-ca e de inovação que se estenda pela educação básica e profissional, o Brasil não dará o salto de qualidade que precisa para agregar valor à sua produção e expor-tação, nem elevará o salário médio de sua população e a sua produtividade”.

O Brasil é um dos países em que os investimentos em pesquisa e desen-volvimento mais crescem - cerca de 10% anuais - mas isso ainda corresponde a somente 1,1% do PIB, onde 0,5% vem da iniciativa privada. Para se ter uma idéia, nos países desenvolvidos, esse índice chega a 2,5% e 3% (MCT).

Essa é outra questão basilar que está posta por trás do debate do pré-sal. Claro que primeiro temos que garantir o seu marco regulatório soberano, como defende o governo. Mas, na discussão de sua partilha futura, não há dúvida de que simplesmente reivindicar “50% para a educação” já é insuficiente.

Assim, dentro dessa fatia, creio existir dois eixos prioritários: 1) garantir que esses recursos fluam especialmente para o ensino básico (agora incorpoan-do o ensino médio); para formatar a simbiose do ensino médio com o técnico de alto nível (uma vez que o ensino superior já está bastante provido e melhorará gradualmente se mantivermos os níveis atuais de investimentos) e; a inovação tecnológica.

Será nossa oportunidade histórica de nos libertarmos desses dois gargalos do nosso desenvolvimento, ainda tendo como foco a juventude, sem a qual ne-nhuma país cresceu e prosperou.

Royalties: juventude tem que saber o que quer deles

Manifestantes estudantis de Pernambuco realizaram na semana da “emen-da Ibsen” atos em defesa da partilha dos royalties do pré-sal por todos os esta-dos igualmente. Uma grande participação da juventude também se observou

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nos protestos convocados pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, já propugnando pelo privilégio dos estados produtores e pela não alteração dos contratos já firmados para exploração petrolífera.

Considero que deve haver participação nos royalties a todos os estados, mas não pelo critério dos fundos de Participação dos Municípios (FPM) e dos Estados (FPE). Para ser justo, tem que existir sim, tratamento diferenciado para os produtores.

A juventude política brasileira, além de suas causas específicas, sem-pre abraçou, discutiu e propôs soluções para os grandes temas nacionais. Penso que as suas principais entidades, movimentos e organizações, civis e partidárias, devem ser posição pública sobre o que fazer o que os royalties, ao invés de, por exemplo, simplesmente defender 50% do fundo social para a educação como se outros debates primordiais que antecedem a isso não fossem absolutamente pertinentes e necessários, inclusive para serem feitos pelos jovens nos estados brasileiros.

Chega a ser cômico que, durante a jornada de lutas da UNE em Per-nambuco, alguém tenha levantado a consigna de que “caso o estado receba royalties equânimes da exploração do pré-sal, que 50% sejam para a educa-ção local”.

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Se o jovem rural não plantar, o país não vai mais se alimentar13

Com o objetivo de promover a troca de experiências da juventude cam-

ponesa e projetar ações de transformação nos territórios rurais, está em cur-so o III Intercâmbio da Juventude Rural Brasileira, promovido pela Rede Jo-vem Rural. Neste semestre que começa, os intercambistas terão uma vivência de 10 dias aprendendo novas técnicas agrícolas e tecnologias alternativas.

Já entre 26 e 30 de julho, em Brasília, acontecerá o 2° Festival Nacional da Juventude Rural, com o tema “Sucessão Rural com Terra, Políticas Públi-cas, Meio Ambiente Sustentável, Trabalho e Renda”, organizado pela Comis-são Nacional de Jovens da CONTAG.

Esses dois eventos, somados ao período eleitoral, onde os jovens são assunto crescente nos programas de governo e até na grande imprensa, con-figuram um momento propício para debater os dilemas e a importância do investimento geracional nesses brasileiros.

Dados recentes revelam que 70% dos alimentos que o brasileiro con-some diariamente saem da agricultura familiar (MDA). Números da REAF (Reunião Especializada de Agricultura Familiar) apontam que 60% dos ali-mentos consumidos na região do Mercosul provêm da mesma fonte. Por ou-tro lado, no Brasil, mais de 30% das propriedades não têm sucessor, embora pesquisas da FETRAF apontem que cerca de 55% a 60% dos jovens gosta-riam de permanecer no campo.

Para além de slogan, é uma previsão em fase de realização a palavra de ordem “se o jovem do campo não planta, a cidade não almoça e nem janta”, então uma política pública para manter os jovens no campo com qualida-de de vida é condição para a segurança alimentar de todo o povo. Assim, se existe um bônus demográfico que torna a juventude estratégica num projeto de desenvolvimento nacional, os jovens rurais ocupam um lugar essencial, até porque, segundo o DIEESE, o país conta hoje com uma populalção rural

13Publicado originalmente no blog Zé Dirceu – Um Espaço para a Discussão do Brasil em 10/06/2010.

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de 31,3 milhões de habitantes, sendo que 15,4 milhões (49,29%) possuem menos de 24 anos, o que, esticando até os 29, certamente ultrapassa os 50% da população deste meio.

Contra o atual padrão produtivo hegemônico do agrobusiness, que vem destruindo a biodiversidade, esterilizando áreas produtivas, desmatando e fomentando uma precária condição juvenil, uma política de juventude rural pode semear por toda uma geração, um novo modelo agrícola, baseado na agroecologia e na sustentabilidade, ainda que não exclusivamente de enfo-que cooperativista e de economia solidária; e contribuir decisivamente para sanar problemas ecológicos, de saúde, escolaridade e renda de modo geral.

Quase não ficam no campo sem viver contrariados

Atualmente, 12% dos jovens rurais, na faixa de 15 a 24 anos, são anal-fabetos, segundo estudo do PNAD (2001), quatro vezes mais que o índice da mesma população nas cidades e o número dos que só trabalham é duas vezes maior do que os que só estudam. Pela Agência Nacional dos Direitos da In-fância (ANDI), 5,9 milhões de jovens brasileiros entre 15 e 24 anos vivem no campo, sendo que 1,8 milhão deles em situação de extrema pobreza.

O retrato capturado pelos inúmeros estudos a esse respeito é congruen-te: são carentes de políticas públicas especiais, de infra-estrutura de esporte, arte e lazer e bombardeados por um modo de vida urbano e suas supostas oportunidades. Sem apoio econômico, técnico e científico para a sua produ-ção ou para a produção familiar, acabam esmagados pelo agronegócio, pelo latifúndio e pelos “grandes projetos” implantados no interior. Na pobreza, ficam reféns do trabalho escravo e do êxodo rural que engrossa a população de flagelados nos centros urbanos e os torna alvos fáceis para o recrutamen-to do crime, do vicio, da prostituição etc.

No campo, ao contrário do peso que tem a pressão para o jovem traba-lhar para participar do sustento doméstico, a questão da autonomia fora do núcleo familiar é o dilema crucial, sempre mediado pela renda, pois é o pai que decide e gerencia o recurso (quando há ele) e este, muitas vezes, vê no filho um empregado e não um parceiro. Por isso, eles saem das propriedades

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para procurar trabalho nas cidades e centros urbanos, preferindo ser “bóias frias” a trabalhar com o pai no sítio ou, sem receber salário trabalhando com o pai, optam por procurar emprego que possibilite participar do mundo con-sumista, às vezes para comprar um simples celular ou até uma moto, ga-nhando um salário mínimo na cidade.

Não é de se espantar que migrar para a cidade passa a ser um projeto de vida do jovem camponês desde muito cedo.

Educação no campo é “miragem de sol quente”

O Censo Escolar 2002, do Ministério da Educação e do Instituto Nacio-nal de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), aponta que 94% dos estu-dantes do ensino médio residentes no campo freqüentam escolas urbanas, entretanto, conforme o Censo 2000 – IBGE, apenas 1,56% dos universitários do país eram jovens do campo.

Pesquisa recém saída do “forno” do Ibope/CNA, revela o pior dos mun-dos da educação no campo. Avaliando as escolas rurais em nove estados e no Distrito Federal, constatou-se que 70% das escolas não têm biblioteca, 74% não têm máquina fotocopiadora, 58% não dispõem de sistema de esgota-mento sanitário, 92% não têm internet, 66% não têm computador, 82% não têm telefone, 56% não têm televisão, 30% das crianças trabalham ajudando os pais na roça, 49% já foram reprovados uma vez ou mais, 55% dos estu-dantes mais pobres têm, no máximo, 5 livros em casa, 66% dos professores recebem, no máximo, dois salários mínimos, 50% das escolas não têm dire-tor. Dados do INEP mostra que apenas 9% dos professores do campo são for-mados em universidades e recebem quase metade em relação àqueles que trabalham em áreas urbanas.

Para além das consequências sociais do êxodo rural juvenil e dos pro-blemas que incidem por isso na sucessão rural, existe um fator econômico muito relevante, que é o investimento potencial perdido (no caso de pessoas com renda um pouco maior), como lembrou Gabriel Souza, presidente da JPMDB, no artigo Em Defesa do Jovem do Campo (07/04/09 em www.ga-brielsouza.com):

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“...um estudante fora de sua cidade natal, morando em outro município para estudar, custe aos seus pais a quantia de R$ 1 mil por mês (sabemos que o custo disso pode ser muito maior em alguns casos), em 12 meses tere-mos, somente naquela família, o custo de R$ 12 mil. Se tivermos, na mesma cidade, 40 famílias na mesma situação, teremos então R$ 480 mil deixando de circular na economia local em apenas um ano. Se quisermos calcular esse valor em quatro anos, teremos a absurda quantia de R$ 920 mil!”

Hora de o Governo Federal dar um passo à frente

O Governo Federal promoveu avanços instituindo algumas políticas para o jovem rural, como o Consórcio Nacional da Juventude Rural, o Sabe-res da Terra/Projovem Campo, o Pronaf Jovem, o Minha Primeira Terra e o Pronera, muito ainda prenhes da concepção de que a qualificação do jovem trabalhador rural garante melhor renda e também possibilita ao assalariado participar de políticas de crédito fundiário para adquirir terra própria, e com viés de “política incidente na juventude”. Todavia, apesar de todos os avanços , eles não abrangem de uma mesma forma os jovens agricultores, ainda estão dispersos e tímidos em alcance.

O “Projovem rural”, no ano de 2007 (MEC), atingiu cinco mil jovens em todo o Brasil. Ano passado, as matrículas cresceram, porém chegando à mar-ca de 35 mil cadastrados no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-ção (FNDE).

O Consórcio Social da Juventude Rural, em parceria com a FETRAF e CONTAG, atingiu algumas dezenas de jovens de sindicatos rurais.

O Pronaf Jovem (27 mil beneficiados) e o Minha Primeira Terra, bons na concepção, trazem exigências irreais de acesso, que aumentam a forte buro-cratização advinda da má vontade de financiamento por parte do Banco do Brasil, que trata o assunto de modo extremamente comercial, dificultando a mera primeira fase de aprovação da viabilidade econômica dos projetos.

Onde foram construídos Centros Tecnológicos, a grade agrotécnica e a própria inserção de alunos provenientes da agricultura familiar ou assenta-mentos, dependeram da ação dos movimentos sindicais.

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O Pronera é um enorme avanço, mas está longe de ser uma política de acesso dos jovens do campo ao ensino superior, não para terem diploma pelo diploma e sim para constituir a rede de cientistas oriundos do campesinato comprometidos com o desenvolvimento de uma nova produção agrícola e com as demandas mais sofisticadas que brotam da agricultura familiar e das cooperativas de assentados.

De modo geral, a política para os jovens do campo ainda não é perma-nente, articulada, massiva e nem integrada. Este nó precisa ser desatado à luz da tese do bônus demográfico-geracional, produtor em potencial de jus-tiça social, adensada da demanda futura de sustentabilidade ambiental e ali-mentar da sociedade brasileira.

Juventude rural num programa de governo

Aprovada a inclusão da juventude na Constituição, legalmente demar-cando que é sujeito de direitos, é preciso voltar as atenções aos jovens ru-rais, especialmente para as regiões onde o percentual deles é maior do que a média nacional, como na Amazônia e no Nordeste. E o passo necessário é construir, a partir de 2011, uma política integrada e ampla para eles, o que só será possível com a vitória de quem representa a continuidade da política nacional de juventude em curso.

Nela, terra, educação e renda são centrais, mas tem que contemplar o acesso à cultura, ao lazer, esporte e saúde que objetive dar ao jovem a opção de ficar no campo.

Quanto à educação, se o ensino médio urbano exige profissionalização, muito mais o rural. Lá, além da formação humanista e de conhecimentos ge-rais básica que compõem um cidadão, a preparação para o trabalho é ques-tão-chave não só para a qualidade de vida, mas para a alimentação do país. Um ensino médio que serve como ponto de corte empregatício, acúmulo de fatos e fórmulas decoradas e coleção de curiosidades já não serve para quase nada na cidade, muito menos no campo.

É preciso institucionalizar a Pedagogia da Alternância como metodo-logia da educação no campo, absorvendo o melhor do modelo das Casas Fa-

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miliares Rurais, combatendo eficazmente a evasão pelo trabalho; inserir na grade curricular dos ensinos fundamental e médio conteúdos voltados para a produção familiar e estabelecer um percentual do FUNDEB exclusivo para as escolas rurais, pois só lutar por “mais investimentos” é genérico demais ante a envergadura da tarefa.

Com quatro vezes mais chances de se tornar analfabeto do que o da ci-dade (INEP), é urgente uma política de combate ao analfabetismo juvenil no campo, que envolva brigadas de estudantes universitários, como por exem-plo, os beneficiados pelo Fies (que poderiam abater disso sua dívida), prou-nistas, cotistas e eventuais contemplados por um “bolsa-ensino médio”.

No processo de expansão da rede de ensino técnico (IFETs), que o MEC projeta 1000 unidades para até 2020, é imprescindível incluir uma grade agrotécnica, com reserva de vagas para jovens agricultores, para que bene-ficie os protagonistas da atividade econômica. Complementar a isso, sob os mesmos critérios curriculares e de vagas, é importante planejar a introdu-ção de centros tecnológicos em municípios com menos de 20 mil habitan-tes, para além do que a candidata Dilma Rousseff já propõe em seu plano de governo: erguer uma escola técnica em todas as cidades com mais de 50 mil habitantes.

Passando ao largo da polêmica de cotas ou não para jovens agricultores nas universidades – tema debatido pelo movimento sindical rural – e para além do Pronera, podemos começar a discutir a idéia de projetos-piloto de “universidades familiares rurais”, voltadas a formar jovens do campo com ensino médio concluído para serem os cientistas a subsidiarem as necessi-dades da agricultura familiar e solidária, para exercerem a profissão nessa esfera.

Para uma política efetiva de acesso à terra e ao crédito, cabe o esforço para desburocratizar o Pronaf Jovem e o Minha Primeira Terra, incorporando no planejamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário as propostas da juventude rural organizada, aprovadas na I Conferência Nacional de Juven-tude: “garantir o acesso à terra ao jovem e à jovem rural, na faixa etária de 16 a 32 anos, independente do estado civil, priorizando este segmento nas metas do programa de reforma agrária do governo federal” e “transformar

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o Pronaf Jovem em uma linha de crédito para produção agrícola e não agrí-cola”; vincular o Projovem Campo à formação exigida para acessar estes dois programas, estimular, via convênios, a criação de assessorias para projetos da juventude rural nas EMATERs; implementar medidas de subsídio agrícola (para insumos ao jovem do campo) e reestruturar o crédito, associando-o à metas sociais dos bancos públicos.

Seria pertinente também selecionar vagas especiais para jovens resga-tados do trabalho análogo à escravidão neste Projovem Campo remodelado e fazê-lo orientado a transmitir, no que tange à qualificação profissional, uma visão administrativa da propriedade.

Sobre a disseminação DSTs/AIDS e drogatização no meio rural, uma alternativa seria um programa integrado, em grande escala, de educação sexual, planejamento familiar e prevenção em conjunto com sindicatos de trabalhadores rurais e coordenações de assentamentos.

Por fim, não pode mais esperar uma grande política de esporte, cultura e lazer para uma autêntica “juventude do interior”, que abarque o campo e os 10% da população que, segundo o IBGE, habitam em uma faixa intermedi-ária entre meio urbano e rural, correspondendo a 17 milhões de pessoas que moram no campo, mas aparecem nas estatísticas como cidadãos de cidades.

Isso seria o processo combinado de interiorização de espaços públicos de esporte, cultura e lazer, a exemplo das Praças da Juventude e Praças do PAC, mas chegando até as agrovilas, estimulada por parcerias entre os en-tes federativos e vinculada a uma reserva de pontos de cultura para jovens rurais, com editais específicos, que incentivem a identidade e o pertenci-mento, a exemplo da bela política cultural para os jovens do campo desen-volvida pela Associação Cultural Terra Livre, que promove curso de violão com crianças e jovens em Santa Catarina, proporcionando a oportunidade de conhecer a diversidade musical brasileira, com enfoque na de raíz, pela qual aprendem canções “clássicas” do “sertanejo” e recuperam suas identidades campesinas.

São propostas mais empíricas do que acadêmicas, mas que trazem a certeza de que a segunda geração de PPJs no Brasil, da lavra da presidência de Dilma Roussef, tem que trazer à luz a juventude camponesa.

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Educação, Cultura e

Direitos Humanos

Capitulo V

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Promover a reconciliação do país através da atual geração14

Deflagrada pelo anúncio da terceira versão do Plano Nacional de Direi-tos Humanos, entrou novamente na pauta da Nação a polêmica sobre a lega-lidade de julgar e punir torturadores que atuaram no período militar e, aci-ma de tudo, abrir a verdade histórica - já que uma coisa leva a outra - e repor a memória daquele período à sociedade. É que o Supremo Tribunal Federal marcou para o dia 14 de abril, o início do julgamento sobre a interpretação da Lei da Anistia, tendo como relator o ministro Eros Grau que, na ditadura, jovem comunista que era, foi preso e torturado pelos agentes de repressão. Embora a presidência da “suprema corte” tenha adiado a sessão, arguindo a neessidade de todos os ministros estarem presentes dada a importância da matéria, a largada foi dada e não volta atrás.

O próprio presidente do Supremo, Gilmar Mendes, na sua declaração de voto no caso Battisti, já declarou que tortura, pela lei brasileira, não é crime político e não tem nenhum cabimento estabelecer sinal de igualdade entre os que usurparam o poder constitucional democrático e os que resistiram a isso, nem entre os que operavam militarmente com o Estado usurpado e os que pegaram em armas amadoramente, com pouca idade, para combater o fim de qualquer resquício de liberdade.

Indubitavelmente, a sociedade pode e deve conhecer os atos tais como ocorreram, principalmente os jovens, pois tem que ser formados como os guardiões da democracia, uma vez que não viveram aqueles tempos. Repor a verdade histórica é um direito da atual juventude brasileira, especialmente após o famoso e lamentável editorial da Folha de 17 de fevereiro deste ano, que tentou reescrever a história do país com o conceito de “ditabranda”, a gota d’água da conduta de setores da Imprensa, de por panos quentes a bru-talidade institucionalizada que foi o regime militar.

14Publicado em 16/04/2010, no Espaço Aberto, o maior blog do estado do Pará sobre política.

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Como parênteses, cabe dizer que o jornal não informou aos seus leitores que disponibilizava para o regime seus carros de reportagem para transpor-tar para os porões da ditadura jovens que simplesmente resistiam ao terror e ao império do arbítrio.

Para além da justiça, que nada tem a ver com “revanchismo”, é assim que extirparemos os resquícios autoritários presentes ainda nesta geração, seja por não ter vivenciado aqueles tempos ou por causa de safadezas jorna-lísticas como esta da Folha, e que, por isso, não tem visões tão nítidas quanto são necessárias sobre aquele período, para que aqueles anos jamais se re-pitam. Resquícios autoritários, neste caso, são a predisposição de algumas opiniões juvenis, ante o desencanto com a política e políticos, de apoiar a hipótese de regimes “fortes” como solução para essa frustração, sem falar que nas escolas militares ainda se ensina que o golpe foi uma “revolução democrática”, através de bibliografias como História do Brasil – Império e República, de uma Coleção “Marechal Trompowsky”, que diz que as medidas ditatoriais foram para “preservar a ordem”.

Para ser coerente com a História de participação da juventude brasilei-ra (na verdade, a sua parcela politizada e organizada) na luta pelas grandes causas da Nação, é imprescindível a esta abraçar a campanha pela abertu-ra dos arquivos da ditadura e o julgamento dos torturadores (a revisão da Lei da Anistia), além de outros assuntos nodais como a democratização dos meios de comunicação, a reforma agrária, a soberania sobre o pré-sal e a reforma política.

Isso seria, inclusive, um grande ato de justiça da atual geração para com as que a antecederam e lutaram para o Brasil ser um país aberto em possibi-lidades como é hoje em dia

Os jovens daquela época padeceram dos efeitos do decreto-lei 477, ex-pressão do AI-5 para as universidades brasileiras, que perseguia quem inte-grasse movimentos “subversivos”, fazendo-os perderam o emprego, a vaga na instituição de ensino e o próprio direito de estudar, sendo banidos do país ou convidados “gentilmente” a se autoexilar. Quando não, seguiam o rito “normal” das coisas: foram enviados para as câmaras de tortura, de onde saíram com marcas eternas da repressão e violência.

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Esse era o destino dado pela ditadura especialmente aos jovens brasi-leiros, que eram forçados a interromperem a vida literalmente e em todas as semânticas. Jovens esses em plena atividade física, intelectual e artística, que poderiam ter dado grande contribuição na construção de uma grande nação, mas, ao invés disso, estavam em celas, erráticos mundo afora ou em valas clandestinas.

Todo jovem deste país deve saber o que foi, para que, quem e como foi, se envergonhar deste período e repudiar qualquer menção positiva, ame-nizadora ou que tome como exemplo político a ditadura. Temos a chance de promover a efetiva reconciliação da nação através da atual geração, semean-do os valores e representações democráticas que, gradualmente, se univer-salizarão num grande consenso do país.

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Um péssimo exemplo para a Juventude Brasileira15

Um péssimo exemplo para a juventude brasileira foi o beija-mão de Stefano Stefani, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados da Itália, pelo presidente da Juventude dos De-mocratas, deputado federal Efraim Filho. A atitude foi em solidariedade ao governo italiano ante o refúgio político concedido pelo Brasil ao es-critor Cesare Battisti.

Um péssimo exemplo porque, apesar de membros do governo Ber-lusconi terem afirmado que o Brasil é conhecido por suas dançarinas e não por seus juristas, por haver uma decisão soberana do país, mesmo diante de divergências no interior do Congresso, a juventude dos Demo-cratas fez uma opção por apoiar a Itália, que encampa uma campanha mundial nitidamente pós-colonialista contra o Brasil.

Um péssimo exemplo porque assina embaixo da posição de um go-verno que tem a participação de partidos fascistas, herdeiros diretos de Mussolini e dos crimes contra a humanidade e a democracia cometidos por aquele regime infame. Assina embaixo também de uma condenação proferida a mando de um governo, nos anos 70, profundamente vincu-lado à Cosa Nostra, como ficou provado vinte anos depois.

Um péssimo exemplo porque é conivente com um julgamento à re-velia, onde os advogados que “representavam” o escritor italiano por-tavam procurações falsificadas. Porque se tratou de um tribunal que condenou Cesare por supostos crimes cometidos simultaneamente em locais diferentes, em horários demasiadamente aproximados e, por-tanto, incompatíveis com o tempo para se locomover de um a outro. Porque se tratou de um crime pelo qual mais quatro pessoas já haviam sido condenadas. Logo, um complexo jurídico incompatível com os prin-

15Publicado em 03/05/2009 no site Cesare Livre!, do Comitê de Solidariedade a Cesa Battisti, citada na pauta de informes no Pequeno Expediente da Sessão Ordinária de 05/03/09, da Câmara dos Deputados.

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cípios e atos de um Estado democrático de direito que, dado o atual contexto brasileiro, de ter consolidado a democracia nestes últimos 25 anos pós-ditadura, devem ser abraçados por todos os partidos inscri-tos nessa mesma ordem democrática. E sem vacilos, pela história de assassinatos, tortura, desaparecimento, censura e castração vivida pela nação de 1964 a 1985.

Vergonha maior ainda porque dá razão a um governo que não mexe uma palha para prender e condenar, pedindo extradição no além-pátria, daqueles ativistas da extrema direita envolvidos com ações paramilita-res nos mesmos “anos de chumbo”.

A juventude do Democratas corrobora com a farsa de querer con-verter um crime político, com as devidas leis de exceção para regula-mentá-lo na Itália, em crime comum. Mas, que pelos fatos do julgamento condena não pelo critério de quem apertou o gatilho e, sim, por envol-vimento com grupos de esquerda que lutavam contra o Estado. Afinal, é disso que se trata uma condenação de cinco pessoas pelo mesmíssimo suposto crime, o que, inclusive, é o que faz o governo Berlusconi ta-xar Battisti e seus companheiros de “terroristas”. Aqui, qualquer seme-lhança com a tentativa, por parte de ex-torturadores desavergonhados e seus comparsas, de dar a pecha de tais aos bravos jovens que desafia-ram a ditadura, não é mera coincidência. Aliás, faz parte da tradição que comandou o ex-PFL, agora DEM, até nossos dias.

E, justamente aqui reside o maior dos péssimos exemplos que dá o dirigente juvenil do Democratas. Quando se acabou com a velha sigla de agentes dos governos militares e oligarcas para se criar o DEM, o objetivo era criar um partido identificado com o liberalismo político e econômico, renovando a direção partidária a partir do empoderamento de jovens parlamentares dissociados da genética UDN-ARENA-PDS-PFL e buscando semear tais valores na atual geração de jovens do país. Não é à toa o investimento que o DEM faz em sua frente juvenil.

Contudo, como se vê, a verdadeira “atitude 25” da juventude do DEM e a real “força das novas idéias” que usa como slogan é ser panfle-teira de um modelo econômico que foi à bancarrota após produzir tanto

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emprego precário, pobreza, desnível educacional, marginalização dos bens culturais e desemprego de inserção à juventude do país, e fortale-cer os resquícios autoritários entre ela, que enxergam saídas ditatoriais, restrição de partidos e apoio a idéias conservadoras como alternativas para o Brasil.

Uma vergonha para a juventude realmente democrata! Um péssimo exemplo para os jovens brasileiros!

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A invasão da universidade pelo povo16

Este Dia da Consciência Negra ocorre na semana em que o Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro declarou constitucional a política estadual de cotas. Mais uma derrota para a direita conservadora que tem como projeto para os jovens negros o assassinato sumário, o toque de recolher - como medida para “evitar” essas execuções - e a redução da idade penal. Neste dia em que se celebra a resistência dos Palmares, melhor resultado impossível para as lutas da juventude negra e trabalhadora.

Como lembra o diretor de Estudos, Cooperação Técnica e Políticas In-ternacionais do IPEA, Mário Theodoro, “a universidade pública é considerada excelente e esse é o filé que as elites brancas não querem dividir”. Apesar de que parte dessa elite, que foi se formar em universidades norte-americanas, lançou mão da política de reserva de vagas para estudantes estrangeiros que estas instituições adotavam, coisa “esquecida” quando defendem a “merito-cracia”.

Flávio Bolsonaro, quando protocola ação declaratória de inconstitucio-nalidade contra as cotas no TJE-RJ, o mesmo fazendo o DEM no Supremo e a JPSDB enviando carta à redação da Veja elogiando reportagem contrária à medida, provam que elas estarão no centro da disputa de projeto para a juventude brasileira em 2010. Formar uma elite negra, que supere a atual, “pálida”, é um dos pilares da proposta de esquerda. O da direita é seguir o extermínio da juventude afrodescendente, como prova o documento “Mapas do Extermínio” , elaborado por entidades ligadas ao combate à violência no país, com destaque para a ACAT-Brasil (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura), e publicado esse mês, revelando que a polícia do estado de São Paulo pratica a pena de morte extrajudicial, em sua maioria, contra pessoas entre 15 a 24 anos, moradores das periferias de grandes cidades, negros e de baixa renda (classes D e E), em chacinas, execuções sumárias aplicadas

16Publicado em 20/11/2009 no Portal da Juventude do PT.

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em serviço e fora de serviço, e em mortes “misteriosas” de pessoas que se encontram sob custódia do Estado.

Apesar da oposição à medida ser propagada por intelectuais ligados às classes dominantes e alcançar até mesmo estudantes, geralmente os que têm pais que podem pagar pelo ensino privado, ela é a parte mais importan-te da reforma universitária construída gradualmente pelo presidente Lula, coerentemente com seu programa de inversão de prioridades e atenção à juventude, pois se refere à democratização do acesso à educação superior. O modelo de universidade, ainda em disputa, é central, mas seja qual pre-valecer no Brasil a médio e longo prazo, todas as classes sociais, pessoas de todas as cores já invadiram a então “Torre de Marfim” do conhecimen-to, como desejava Che Guevara em seu legendário discurso aos estudantes cubanos. Agora jovens que tiram “notas vermelhas” no ENEM, apesar dos progressos da rede pública, relegados a trabalharam no sub-emprego, pre-caridade e funções econômicas secundárias (como considera a elite o tra-balho assalariado) e subalternas, poderão sonhar com um futuro melhor e dar sua contribuição especial ao desenvolvimento nacional.

Contra os argumentos dos anti-cotistas há defesa irrefutável: 1- Os cotistas obtiveram desempenho melhor do que os que ingressa-

ram pela meritocracia tradicional, conforme documenta enorme gama de pesquisas recentes, provando que o acesso à universidade, além de esti-mulante, nada tem a ver com o conteúdo ministrado no ensino médio, pelo menos não de modo complementarmente automático.

2 - A meritocracia tradicional, portanto, não prova nada a não ser o que todos sabemos: que a rede particular é mais bem estruturada que a pública, por causa da reforma educacional da ditadura e dos anos de neoli-beralismo (1990-2002).

3 - A auto-declaração é o método mais adequado, pois sem influenciar a priori nas decisão de implantar as cotas, cujo objetivo primordial é possi-bilitar mobilidade social ampla, geral e irrestrita mediante a educação, ela estimula a consciência étnica, fundamental para o Brasil dar passos firmes na superação do seu racismo envergonhado.

4 - A dimensão racial das cotas é o pagamento justo da dívida social

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do Estado brasileiro para com os povos indígenas e a população negra no que tange à legalidade, historicamente excluídos das possibilidades mais aprimoradas de desenvolvimento humano.

5 - A juventude “pobre, preta ou quase preta de tão pobre” não pode esperar gerações e gerações pelo incremento da rede pública, pois isso sig-nfica mais décadas e décadas de exclusão social e obstáculos ao seu desen-volvimento pessoal e coletivo étnico e de classe, que se integra em quanti-dade e qualidade ao regime democrático no seu aspecto mais importante: o sócio-cultural. Além disso, como referido, a educação dos antigos primeiro e segundo graus não é o que define o desempenho na academia. Isso não guarda contradição com a necessária revolução na educação básica que dá seus primeiros passos no governo do PT.

As cotas representam mais progressos na utopia de construir um Brasil desenvolvido pelo investimento geracional, alterando para muito melhor sua condição social desde já. Agora é fortalecer as mobilizações para aprovar também no Senado a invasão da universidade pelo povo, para encerramos a insegurança jurídica que a disputa no terreno das comarcas estaduais produz e fortalecer a hermenêutica jurisprudencial do artigo 5° da Constituição Federal, segundo a qual não há igualdade formal sem igual-dade material.

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Em defesa da meia entrada17

Já aprovado pelas comissões de Constituição e Justiça e Educação, tra-mita no Senado, projeto-de-lei que restringe o direito à meia-entrada. Quan-do criada, seu objetivo era estimular e possibilitar o acesso dos jovens, prin-cipalmente estudantes, aos bens culturais como meio de desenvolvimento intelectual e de lazer.

A iniciativa possui um viés nitidamente comercial, pois busca criar, de um lado, público para os dias de baixa clientela em cinemas, teatros, cam-peonatos e, de outro, reduzir preços para elevar o já alto consumo em fe-riados e fins-de-semana através, justamente, da proibição do exercício do direito nessas datas e permissão somente de segundas-feiras até quintas ou sextas, casos de teatro e cinemas, respectivamente. Para shows, só domingos seriam liberados.

O projeto advoga regulamentar a emissão das carteiras de meia-entra-da, propondo o retorno do sistema de documento único, cujo acesso se limi-taria a estudantes do ensino médio e universitário, o que reduz a quantidade de atingidos atualmente pela MP 2208/01 que estende o benefício para jo-vens a partir dos 18 anos.

Na prática, o projeto-de-lei restabelece que apenas a UNE e a UBES po-dem emitir o Documento de Identificação Estudantil, cujo preço acima do custo representava uma exclusão, pela renda, de milhares de jovens pobres. Só que agora pesa a mão dos interesses privados, que tornará quase ine-ficaz e sem sentido o direito, uma vez que a maioria dos estudantes, depois de novamente alijados pelo preço da carteirinha, serão sufocados pelos dias de trabalho e/ou estudo coincidirem com os únicos em que o direito poderá ser exercido, além das proibições de pais e mães para a diversão em “dia de aula”. Um retrocesso inaceitável em tempos de expansão das políticas públi-cas de juventude no país.

17Publicado em 06/11/2008, no Portal da JPT.

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Isso não quer dizer que não haja necessidade de se regulamentar as ga-rantias advindas da MP editada no governo FHC. Se por um lado ela ampliou o acesso e o exercício do direito à meia-entrada, possibilitando que jovens - e não apenas estudantes - pudessem pagar metade do preço em eventos es-portivo-culturais e que discentes pagassem meio ingresso apenas tendo que comprovar seu vínculo com uma instituição de ensino, a medida incentivou a proliferação de entidades estudantis cartoriais, voltadas exclusivamente para emissão de DIEs, cujos rendimentos enriquecem uma verdadeira má-fia portadora de toda sorte de intenções escusas, já que qualquer entidade estudantil pode emitir o documento (o que por outro lado não transforma automaticamente em incorreto que CAs, grêmios e DCEs possam faze-lo le-gitimamente).

Não dá, no mesmo sentido, de deixar de reconhecer que a MP fragilizou a ação política da UNE e da UBES quando essas resistiam à implantação do neoliberalismo na educação. Nem, tampouco, fechar os olhos para a realida-de de que tamanho contingente de beneficiados de fato pesa no alto preço dos ingressos atualmente.

Contudo, há que se construir uma nova regulamentação que vá ao en-contro da redução de preços dos eventos, manutenção do acesso, e do finan-ciamento das atividades políticas autônomas da UNE e da UBES.

Sendo assim, é preciso rejeitar categoricamente a proposta em trâmite no Senado Federal e afirmar caminhos democráticos para o direito à meia-entrada.

É correto que se limite o direito à meia aos estudantes do ensino re-gular, público e privado, secundarista e universitário. Cursos de línguas ou música, por exemplo, já constam na legislação como parte da rede oficial. Preservar que estes, de modo apartado, possam gozar do benefício só sobre-carrega o sistema de entretenimento. Mas é um equívoco derrubar a garantia para jovens de até 18 anos ou para alunos e alunas de cursinho que precisam mais do que nunca assistir filmes e peças teatrais como subsídio para o ves-tibular.

É correto restituir à UNE e à UBES o monopólio da emissão dos DIEs - sem prejuízo das legislações estaduais que reconhecem também outras

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associações estudantis - até porque são as únicas entidades nacionais reco-nhecidas por lei, mas, na forma desta, tem que haver previsão de repasse de porcentagens para entidades de base filiadas.

Há que se convir que é uma distorção, do ponto de vista do que é um di-reito, converter o fim da meia-entrada numa espécie de “imposto estudantil” para financiar o movimento. Isso é justo, mas que seja assegurada a meia-entrada também mediante a comprovação da condição de estudante, através de documento escolar oficial das instituições.

Tirar carteira da UNE/UBES tem que ser uma opção política de estu-dantes que se sentem representados por elas. Essa sim é uma postura demo-crática que fortalece as entidades, afinal não se trata de empresas, exatamen-te o que são as entidades fantasmas que parasitam a MP 2208/01.

Do ponto de vista empresarial, é mais produtivo (ou rentável), de acor-do com o raciocínio de que a meia-entrada deve seguir existindo, que se res-trinja o direito nos dias de semana e a libere nos feriados, fins-de-semana e período de férias letivas (exatamente o contrário da proposta do showbusi-ness), pois baratearia custos em um período de baixa, incentivando público, e garantiria bilheteria “bombando” nos dias em que os jovens podem se di-vertir, sem competir com estudos, trabalhos e restrições domésticas. Não é a melhor saída, mas é o jogo da negociação em curso.

À UNE cabe combater as manobras reacionárias prenhes do espírito do “burguês níquel” e fazer jus ao hino composto por Vinícius de Moraes: ser a nossa força e a nossa voz.

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InstitucionalizaçãoCapitulo VI

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Em busca do marco legal18

O marco legal da juventude brasileira é o legado da atual geração de jovens políticos e se expressa em três projetos que tramitam no Congresso Nacional: a PEC19, o Estatuto e o Plano Nacional de Juventude.

A primeira deve consistir no reconhecimento pelo Poder Público do jo-vem como sujeito de direitos, numa perspectiva vinculada ao papel estraté-gico dele no desenvolvimento nacional. Como está hoje, a PEC não determi-na a obrigatoriedade do Estado desenvolver Políticas Públicas de Juventude (PPJs), pois dá conta apenas da primeira demanda, ainda que desvinculada de um sentido político tão preciso.

Porém, dada a iminência de ser apreciado pelo Senado e o retrocesso que adviria de qualquer alteração nessa altura da disputa, cabe ao Estatuto preencher tal lacuna. Contudo, é preciso combater para que, no âmbito da interpretação, com o advento desse novo ator constitucional, estabelecido na forma da lei como o indivíduo de 15 a 29 anos, ela “revogue as disposições em contrário”, sendo transcendente ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O Estatuto, embora o relatório da deputada Manuela D’Ávila (PC do B) contenha avanços importantes em relação ao seu estado atual, como a cria-ção da Rede Nacional da Juventude, constituída pelo Sistema Nacional de Juventude (Sinajuve) e a instituição do Fundo Nacional de Juventude, ainda possui um caráter protetor e tutelador. Um caminho ineficaz, pois para fazer jus ao acúmulo de 20 anos do movimento por PPJs, ele deve adquirir um viés emancipador e participativo, garantindo o “direito à transição”, posto que hoje, ainda que limitado à proteção e tutela, o jovem, do dia para a noite – a do aniversário – perde todas as garantias positivadas.

A tática de “garantir o marco legal e depois a gente vê” implica em con-taminar as PPJs com este caráter ainda protetor e tutelador, provocando

18Publicado em 09/01/2010 no blog Zé Dirceu – Um Espaço para a Discussão do Brasil, em colaboração com David Barros, presidente do Conselho Nacional de Juventude (2009-2010). 19Aprovada em 13;07;2010, como a Emenda 65 à Constituição Federal, prevendo a elaboração do Estatuto e Plano Nacional de Juventude.

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um retrocesso no “fazer história” da institucionalização conquistada a du-ras penas dos anos 90 para cá. Temos tempo ainda para disputar avanços, principalmente de seu fundamento: “do direito à transição”. Para tal, é útil resgatar a concepção de subdividir a juventude nas classificações de jovem-adolescente (15 a 18 anos de idade), jovem-jovem (18 a 25 anos de idade) e jovem-adulto (25 a 29 anos de idade), estabelecendo a cada qual o procedi-mento legal a ser adotado pelo Estado e a divisão de prerrogativas entre as unidades federativas.

O Plano Nacional de Juventude é a complementaridade desse processo. Não pode se ser mera colcha de retalhos, superposições de autênticas “pau-tas de reivindicações” setoriais de cada juventude (de movimento social, movimento juvenil e juventudes partidárias), mas deve estabelecer metas e prazos, num planejamento qualitativo e quantitativo deste investimento geracional demarcado no Estatuto e previsto pela PEC.

Dos 15 a 18 anos, o eixo fundamental é possibilitar a formulação do projeto de vida, tendo como elementos principais estudar e ter acesso ao lazer, esporte e cultura, postergando o ingresso no mundo do trabalho aos 18 anos. Dos 18 a 25 anos, o eixo fundamental é criar condições de mobilidade social, tendo como elemento primordial o trabalho. Dos 25 a 29 anos, o eixo fundamental é a realização dos sonhos (consolidar autonomia e mobilidade), tendo como elementos o crédito para casa própria e o empreendedorismo.

Quanto ao Sistema Nacional de Juventude, é preciso adaptá-lo para a necessária distribuição federativa de atribuições, onde a parte educacional deve se reger conforme a LDB, o crédito dividido entre governos estaduais e federal, as políticas de trabalho com os estados e as do “tempo livre”, prerro-gativas municipais, por exemplo.

As de trabalho precisam de uma reformulação da função da iniciativa privada para os jovens, em que assuma, para além da Lei do Aprendiz, “es-colas de produção” para incorporar o grupo social ao seu quadro funcional, estejam previstas parcerias com o sistema público e privado do ensino bási-co na fusão ensino médio e técnico, e linhas de crédito para o empreendedo-rismo/economia solidária para jovens nos bancos privados.

O Sistema Nacional de Juventude, no que se refere à Rede Institucional,

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deve estabelecer nitidamente, também, a partilha entre a divisão de poderes: secretarias no executivo, conselhos, frentes, “parlamentos jovens” e comis-sões de juventude no Legislativo.

Quanto à proposta do Fundo, a disputa primordial é assegurar a parti-cipação dos jovens, em caráter especial, na elaboração da LDO, LOA e PPA, contrapondo-se à idéia de se limitar o financiamento das PPJs no Poder Pú-blico, o que acaba restringindo a necessária expansão do tema na Adminis-tração Pública.

Mas, se o considerarmos como um ponto de partida, haja vista os pas-sos que ainda devem ser dados para convencer a sociedade sobre o caráter universal do assunto, pode ser progressivo. Faz-se necessário dividir tarefas com a Federação, ampliando a perspectiva de fundos estaduais e municipais para corresponder à distribuição federativa das atribuições das políticas de juventude.

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Eu “pago” o Pacto19

As críticas mais contundentes ao Pacto pela Juventude, impulsionado pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), partem da socióloga Lívia de Tommasi, que escreveu uma ácida (mas importante) crítica a ele no artigo “O que eu acho dessa história de ‘Pacto pela Juventude’ lançado pelo Conju-ve”, em 09/09/08, no site do Observatório Jovem da UFF.

Sua argumentação é centrada em três elementos:- A idéia do Pacto, segundo ela, cessa a explicação dos conflitos à so-

ciedade, deslegitimando-os e engavetando-os, esvazia a possibilidade de consolidação dos assuntos relacionados à condição juvenil, resvalando no modismo efêmero, reabilita empresários exploradores de pais e filhos traba-lhadores, “lava” a imagem de políticos corruptos. Tudo dentro de uma piro-tecnia que promove grandes eventos em detrimento dos dilemas concretos dos jovens.

- As políticas predominantes de juventude na área da cultura isolam o jovem numa espécie de “se vira nos 30” artístico e as relativas ao mundo do trabalho são ineficazes na qualificação, na escolaridade e, portanto, inúteis para sanar o desemprego de inserção.

- A matriz dessas coisas seria uma escola política de PPJ burocrática, que privilegia a ação em espaços com baixa legitimidade e representativida-de social, como os conselhos de juventude, aprisionando-a. Essa escola tem sede em Brasília, especificamente no Conjuve que não seria capilarizado na sociedade civil.

As opiniões expressas pela Lívia são úteis para dinamizar a inteligência contra-propositiva e são necessárias para aperfeiçoar a próspera fase que o Brasil está vivendo na área de formulação/empoderamento/visibilidade das políticas de juventude, da gradativa centralidade que a juventude vem

19Publicado em 07/10/2008 no Portal da JPT. Uma versão resumida deste artigo também foi reproduzida no blog Zé Dirceu – Um Espaço para a Discussão do Brasil em 16/10/08.

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conquistando no país. Ela se propõe com isso a ser a própria antítese deste processo.

“Nem tanto ao céu”

Se o consenso não tem que ser o substrato e/ou a significação da ação política, as teorias do conflito também não podem ser o suporte exclusivo dela, muito menos seu intuito, ainda mais quando se trata de sociedades de-mocraticamente imaturas, portadoras de elites ‘dobermanianas’ (aparente-mente domesticadas, mas verdadeiramente traiçoeiras), ao mesmo tempo em que são ignorantes no assunto. Nesse segundo caso, não remeto apenas às elites econômicas, mas às políticas e intelectuais. Por isso, é mais con-sistente o debate da tática e da estratégia do que a discussão meramente acadêmica.

O Pacto não deslegitima e nem esconde conflito algum, destacadamente aqueles que poderíamos de modo genérico alcunhar de “relação juventude-capitalismo”, que abarca as relações gênero-capital, etnia-capital, sexualida-de-capital, trabalho-capital etc, sob o guarda-chuva da condição juvenil. Pelo contrário. O Pacto, a partir de mil e uma pesquisas, narrativas como o movi-mento Um Milhão de Histórias de Vida de Jovens, dos debates da Conferência Nacional de PPJ, do acúmulo do estudo das ONGs que se assentam no Conju-ve e do experimento de entidades e organizações juvenis nele empossadas, apresenta uma plataforma de soluções para os dilemas do jovem brasileiro. Tais soluções nascem da melhor concepção de que é melhor avançar sobre essas demandas aqui e já do que procurar a “mais-valia juvenil”, isto é, aquilo que faria a práxis da juventude ser anticapitalista e, por conseguinte, adiar a tentativa de responder a elas até o culminar do acirramento da luta de clas-ses, dentro da visão de que o capitalismo só morrerá “de morte matada”.

Fomentar uma concertação entre diferentes atores, além de apontar imediatamente as respostas em vias de materialização, também inclui a juventude na agenda institucional do país, brotando da sociedade e se es-praiando entre os três poderes, concedendo visibilidade ao tema e desper-tando governos sem consenso conceitual ou mesmo uma rala concepção de juventude mais contemporânea para a necessidade de desenvolver políticas

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de juventude específicas. Além, claro, de responsabilizar esses mesmos go-vernos defasados – existentes na esquerda, no centro e na direita – e empre-sários arredios, por exemplo. Isso é o oposto completo da tese do modismo e tem mais poder para converter as políticas de juventude em questão de Estado do que o desencadear de conflitos espontâneos ou dirigidos, pois esses demorarão em lograr progredir a consciência, e seus reflexos podem gerar obstáculos desnecessários justamente emanados dessa “consciência morosa”. Nisto, me refiro menos aos jovens desorganizados, aos movimen-tos sociais gerais e mais a governantes e empresários envolvidos hoje com o Pacto.

Quanto às “adesões complicadas” cabem questões como: O empresário que explora o pai e o filho, o político corrupto, serve à que causa quando topa o Pacto? À corrupção, à exploração ou ao desafio proposto?

O pessimismo da razão, quando superdosado, gera também o pessimis-mo da ação. Não dá para pensar diferente quando observamos a preocupação com a “lavagem” da imagem de uns e outros se sobrepor aos efeitos positivos da adesão desses signatários ao Pacto. Se eles abandonarão suas práticas é incerto, mas que assumem o compromisso público de fazerem algo pela ju-ventude, para os que queremos emancipar, não há dúvida. A luta, então, dei-xa de ser contra a participação deles e mesmo contra a idéia de concertação em prol dos jovens para ser pelo cumprimento da promessa sacramentada. Holofotes logo passam a ser imprescindíveis, pois possibilitam a necessária publicidade da agenda juvenil para o país e mais eficácia no controle social sobre a satisfatória realização de planos e metas dos acordos firmados. A au-sência dos holofotes só pode ser substituída pela bioluminescência, atributo dos seres abissais, que certos intelectuais acreditam compartilhar.

Dizer que o ProJovem não resolve nada perde toda a razão quando não se oferece uma alternativa. O que defende a Lívia? Uma solução radical? Qual? Ou defende que os jovens aguardem gerações e gerações enquanto se investe no ensino básico e fundamental? Ou será que apresenta soluções que metem a juventude no global, tipo “crescimento com distribuição forte de renda”, alienando do debate a condição juvenil?

Enquanto nada parecido surge, cabe, diante de cursos de péssima qua-

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lidade, melhora-los através do controle social; cabe, diante da rejeição dos diplomas do ProJovem nas escolas, obrigá-las a aceitá-los, mexendo na le-gislação.

Se conselhos sem legitimidade se espalham, trata-se de dar-lhes legiti-midade, em duas vias: a representatividade social e o respeito do poder pú-blico. Em relação ao Conjuve, pelo menos, há o segundo e isso o faz funcionar melhor do que se apenas o primeiro fosse verdade. Digo isso porque sem o respeito do Estado, não tem eleição direta que dê jeito.

Como dizem os mais velhos, é adequado evitar jogar o bebê junto com a água. Lutar por eleições diretas para o espaço não produz automaticamen-te sua ilegitimidade e ineficácia. Seguindo o raciocínio da Lívia, considerar eleições como panacéia é postergar a solução do problema de representati-vidade indicado. Que autor, livro ou manual asseguram ampla legitimidade seguindo esse rito para um conselho? Não estamos falando do poder execu-tivo ou legislativo como um todo. Esse é o mesmo erro que compara eleições universitárias para a Administração Superior com o sufrágio universal de uma nação.

Pergunto-me também como um hipotético conselho robusto e reconhe-cido, concebido e respeitado como o elo entre as bandeiras juvenis levanta-das e o poder público, chave-mestra para a implementação de políticas esta-tais coadunadas com a vontade geral, pode aprisionar a juventude?

Corretíssima está a Lívia quanto às elaborações de planos estaduais/municipais, fazendo alusão à cópias de documentos nacionais. Mas, nova-mente, não se trata de questionar a “escola” e sim subsidiar quem ainda pa-tina em PPJ.

A suposta polarização entre uma escola burocrática e uma “dos movi-mentos” é uma falácia e só existirá se a via do conflito como âmbar do desen-volvimento das sociedades prevalecer. Propugno pelo avesso disso: a busca do entendimento entre quem está na sociedade política e na sociedade civil pela crescente interação em busca de uma cooperação estratégica pactuada. E a agenda da juventude, se não procurarmos a sua “mais-valia” como ele-mento desagregador, possibilita isso. Deixemos que essa “mais-valia” seja-nos apresentada pelo processo histórico e, no caso concreto, formulemos a

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superação dialética dela, sem videntismos.Por fim, lamento o que ela diz sobre os Pontos de Cultura. O projeto dá

um destaque e oportunidade para - perdoem o jargão - a voz da juventude como nunca antes se viu. Pensar em política cultural para jovens como si-nônimo de “banda na praça”, como dizem os jovens LGBTs - é o “ó”. É auto-desqualificante.

O pacto é um expediente nodal da governabilidade, nobilíssimo em unir passos firmes na direção da realização do programa consagrado nas urnas ao fortalecimento das instituições democráticas. É uma honra e uma opor-tunidade ímpar, portanto, que um governo popular como o do presidente Lula, que tanto tem avançado em áreas tão fundamentais como o comércio, a indústria, a distribuição da renda, a geração de empregos, a integração si-métrica do continente, paute um expediente desse porte para dar vez à ju-ventude brasileira.

Tomar as ruas pode ser mero carnaval. Na democracia, os resultados aparecem quando as ruas tomam os gabinetes.

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MovimentoCapitulo VII

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O movimento estudantil e a revolução democrática20

Eu me espanto com o fato de o movimento estudantil tentar repetir o que

fizemos no passado. Os tempos são outros. É preciso renovar (Vladimir Palmeira)

A educação, grosso modo, determina o que se deve ser, pensar e saber de acordo com os interesses estratégicos da classe dirigente e seu “público-alvo”, através das instituições de ensino, é a juventude. É por meio dela que se trava um dos mais ácidos combates ideológicos e materiais pela juventude como expressão dos futuros padrões societários.

Por causa da significação existencial lato senso da escola, o estudante tem um contato muito mais elevado com a história e o funcionamento da sociedade do que qualquer outro sub-grupo juvenil. Disso se desdobram ele-mentos e condições que tornam os estudantes atores protagonistas da ativi-dade política empreendida pelos jovens.

As instituições de ensino concentram centenas deles num único espaço de sociabilidade e gera um universo condensado de expressão social e iden-titária: os esportistas, os atores, os torcedores, os músicos, os “carolas”, os bandistas, os políticos, os “intelectuais”, o lúmpem-estudante, os integrantes de gangues etc. Mas, também reúne, num modelo próximo ao Fordismo, as nuances da condição juvenil do país: os desinformados-contaminados por DSTs, as moças que praticam ou terão de praticar o aborto, os que começam a descobrir sua homossexualidade, os egressos do campo que conseguiram uma oportunidade de se matricular, os que já têm que conciliar estudo e tra-balho para ajudar na renda doméstica, os que já atuam no limiar da crimina-lidade, os muito pobres que mal conseguem dinheiro para chegar à escola. Enfim, é o congresso do signo “menos”.

Tal concentração e atividade social coletiva tornam-se combustíveis

20Publicado em 01/04/2009 no Portal da JPT.

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altamente inflamáveis quando se aflora a contradição entre a “fase da for-mação psico-sócio-cultural” com as regras da educação “bancária”, passando da indignação perante o professor como detentor da verdade inquestionável até a contestação da hierarquia, do uniforme, da repressão à manifestação da sexualidade e da identidade estético-comportamental, dos limitadores de vocabulário e do tom do uso da voz, da punição, do bombardeio informacio-nal competitivo, do método decorativo do aprendizado.

Essa etapa geralmente é incendiada pelas condições estruturais da ins-tituição. A precaridade das instalações, a insuficiência das bibliotecas, a falta de professores, a falta de equipamentos no laboratório, o odor dos banhei-ros e outros fatores se constituem como a base material de autênticas “lu-tas econômicas” dos estudantes, despertando eles para a ação política mais imediata que logo evolui para a organização, que , por sua vez, rapidamente se articula com as entidades tradicionais (UNE, UBES, uniões municipais e estaduais de estudantes) e, não mais que de repente, vira um questionamen-to mais denso à educação e ao sistema. Tudo isso, com os antecedentes de relação social com vários outros estudantes nos idos das artes, do esporte etc, formam “bases sociais” desta nova conduta política e referências de en-corajamento de novos comportamentos similares.

Quanto aos estudantes universitários, são formados para serem os operadores do sistema, os dirigentes de poderes de Estado, os ideólogos, os profissionais que coordenarão o mercado. Relacionam-se com a instituição que fornece as tecnologias para o sistema funcionar e com a “teoria geral do mundo” correspondente à etapa do desenvolvimento das forças produtivas. Na universidade a disputa é voraz, pois pode haver choques com o méto-do de conhecimento, com o conhecimento transmitido e com o público final desse conhecimento, além da orientação geral da práxis profissional. Con-tudo, aquela diversidade identitária social secundarista não apenas perma-nece como se desenvolve, uma vez que nessa etapa já está mais consolidado o processo de formação subjetivo. Com a nova política de cotas sociais e ra-ciais, a diversidade social tende a se manifestar ainda de modo mais violento. Nas faculdades privadas, surge a tensão do jovem que tenta se qualificar, ao mesmo tempo conciliando estudos e trabalho, sendo pais e mães precoces,

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para ampliar a renda doméstica.Essa melhor compreensão do desenvolvimento histórico e contradições

sociais, diversidade juvenil e base sócio-política concentrada em estruturas permanentes resguardam a especialidade do movimento estudantil diante dos demais movimentos juvenis e do estudante no seio da juventude em ge-ral. É o que caracteriza o movimento estudantil como a “classe fundamental” da juventude. Todavia, uma “classe fundamental” que, ao invés de aprimorar sua capacidade dirigente, vem perdendo espaços justamente no terreno das transformações reais da vida da população de 15 a 29 anos para outras for-mas associativas, porque incapaz de atualizar sua estratégia.

Isso quer dizer que, ao contrário dos operários, o movimento estudantil não necessariamente deve nascer como movimento defensivo. Não é apenas porque o banheiro está quebrado que o estudante pode se organizar. O mo-vimento estudantil tem condições de ser a força que acimenta um bloco his-tórico das juventudes pela superação da condição social marcada pelo signo “menos”, estratégico, consequentemente, do ponto de vista geracional , para a construção de um país justo e desenvolvido.

Ocorre que os esforços do movimento estudantil tradicional se voltam a dois pontos-chaves:

1 - Canalizar a escola ou universidade para uma luta exclusivamente educacional, centrada nas “lutas econômicas”: por infra-estrutura, por mais verbas, por melhores salários para professores, por democracia administra-tiva interna, ou, então, para políticas públicas dentro da escola: a assistência estudantil. A luta “estratégica” seria a reprodução da “tradição” do movimen-to estudantil brasileiro, de engajamento nos temas gerais do país.

2 - Tenta repetir como farsa, mesmo que involuntariamente, o estere-ótipo dos anos 60 e 70, direcionando-se para uma perspectiva de formar militantes para uma luta “revolucionária”, através, inclusive, do uso “tático” de elementos da grade curricular, para uma luta que seria “essencialmente operária”, da “classe estratégica que produz mais-valia”.

Assim, de modo geral, as entidades estudantis se concentram em con-vidar o estudante para manifestações, doutriná-los para serem um abstrato “agente revolucionário” sem diálogo com a realidade concreta do que é de

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fato ser isso no quadro realmente existentes das instituições nacionais, cons-truir organismos para a pauta “econômica” do movimento estudantil ou ser a “mocidade” de passeatas.

Passam ao largo, ademais, de questões que caberiam neste esquema e servem como elementos para um movimento estudantil atual e renovado como, por exemplo, não atuar num curso de Direito simplesmente para a luta geral por melhores condições de ensino para a universidade e faculdade, mas também para operar uma disputa ideológica sobre o que é o Direito, incidir na formação acadêmica por dentro - pela disputa das disciplinas curricula-res - e por fora, com palestras, programas de extensão como as assessorias jurídicas populares para fazer marchar desde já uma nova práxis acadêmica, visando um novo operador jurídico, anti-positivista, popular etc. Poderíamos citar, no mesmo exemplo, uma nova postura do movimento estudantil de Me-dicina na hora em que vem à tona epidemias como a da Dengue, com um engajamento para contribuir para sanar essa chaga e a propagação de uma outra ação política discente do curso coadunada com uma outra visão da for-mação e do papel dos médicos. O que poderia fazer o estudante de economia se, ao invés de exclusivisar a formação militante doutrinária de um lado e, de outro, as demandas gerais “econômicas” do movimento, contribuísse de alguma forma no apoio ao desenvolvimento de experimentos populares na área da economia solidária, trazendo para arena o que deve ser um econo-mista e a economia. Ou, quem sabe, o envolvimento das grandes entidades na mobilização estudantil para a erradicação do analfabetismo no Brasil.

Isso não quer dizer que a luta pelo meio-passe, passe-livre, passe-inter-municipal, cotas, ampliação de vagas, pelas casas de estudante, creches para mães-alunas, reformas curriculares e estruturais, contra a corrupção sejam menores ou secundárias, ou mesmo que se despreze a necessária educação político-ideológica dos ativistas estudantis, mas sim que este movimento estudantil tradicional, ao empunhar filosoficamente realidades passadas do combate dos discentes, deixa escapar pelos dedos todo o potencial da diver-sidade identitária e social juvenil que a unidade de ensino engloba e concen-tra.

Tudo aquilo que se propõe a fazer uma conferência ou um orçamento

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participativo de juventude, ou seja, reunir os mal estares juvenis para dese-nhar demandas sistematizadas pela diversidade, as entidades gerais estu-dantis têm no seu locus de base. Logo, o movimento estudantil é, em si, um extraordinário laboratório, em potencial, de políticas públicas e direitos para a juventude e reúne, como movimento social que é, as melhores condições de trazer as PPJs para a seara da sociedade, como luta e não apenas como ação de governo e especialistas de ONGs.

Portanto, resta ao movimento estudantil fazer três opções: uma, é ser um movimento específico por educação dos jovens; outra, é ser o celeiro de pretensos “bolcheviques” de classe média (que pode se casar com a primei-ra); e a terceira é ser um eixo-de-força por políticas públicas de juventude.

No regime democrático, a grande causa da vanguarda da juventude brasileira é unir uma educação político-ideológica transformadora com a mudança real da condição juvenil dentro de um projeto estratégico de de-senvolvimento soberano com justiça social para o país. Aqui se unem as boas idéias libertárias, o povo propriamente dito e as grandes causas geracionais. Se a condição juvenil é transversal à diversidade de condições sociais (gêne-ro, etnia, sexualidade) e necessidades específicas em cada parte da resposta do poder público às primeiras (saúde, trabalho, assistência social, cultura, agricultura), podemos dizer que sua solução é o ponto de partida para a su-peração quanti e qualitativa do retrato social brasileiro e que esta, quando se faz história através do movimento por políticas públicas e direitos para a juventude, sob a consciência da “juventude para si”, eleva a juventude de um mero “setor” ou “setorial” a sua face universal para qualquer programa de transformação da realidade.

É esse giro estratégico, colocando as PPJs no centro da agenda política da sociedade civil e superestrutura juvenil (juventudes partidárias, parla-mentares jovens etc) e do movimento estudantil por tudo que se disse acima, que é o acerto de contas que a vanguarda juvenil brasileira precisa realizar.

A diretoria de PPJs da UNE, da UBES e suas congêneres em estados e municípios, devem passar a ter essa centralidade no funcionamento das enti-dades, convertendo as unidades de ensino médio, técnico e universitário em fábricas privilegiadas de políticas públicas de juventude em sua dimensão so-

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cial, justamente aquelas demandadas pela sociedade civil a partir do auto-re-conhecimento das necessidades e da organização das possibilidades, trazen-do não mais o bandista, o artista, a moça que abortou, o jovem homossexual para uma luta abstrata, tratando a arte como um atrativo de cooptação ou o esporte como a “pelada” após a reunião de um coletivo de curso, mas para um pólo-irradiador de reivindicações perante o Estado, para que este responda com ações, programas e projetos à condição juvenil que a “escola”concentra.

Este acerto de contas tem que ser feito no âmbito das juventudes par-tidárias, onde o movimento estudantil tradicional domina a pauta com sua agenda estereotipada exatamente pelo seu apelo ideológico advindo dos anos de combate à ditadura, mas que passaram e este precisa redefinir-se estrategicamente à luz da democracia.

Essa situação onde o velho não morre e o novo não nasce é a raíz da crise do movimento estudantil brasileiro, ampla, geral e irrestrita a todos os grupos que nele atuam. E é a raíz da separação entre os que atuam no movi-mento estudantil e os que, já passados por este ou desinteressados por sua tradição prática, se articulam timidamente em torno de PPJs, cavando um abismo entre ambos.

Na Europa, Estados Unidos e Japão, surge um novo e confuso movimen-to estudantil. Não mais mobilizados para dormirem com suas namoradas (e vice-versa), a nova rebelião da juventude do Norte tem como pavio as novas condições juvenis lá existentes, muito próximas - proporcionalmente falando, é claro - às nossas. Porém, se não perceberem que as pedras em si mesmas não terão o mesmo efeito de 40 anos atrás e não se voltarem às experiências latino-americanas de políticas públicas de juventude, serão uma geração sem aposentadorias, em países decadentes econômica e socialmente. Se nós não acertarmos as contas com nosso momento histórico, seremos uma geração aposentada compulsoriamente pela História.

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Protagonismo Juvenil e Projeto Nacional21

Discutir os jovens como protagonistas da construção das políticas pú-blicas voltadas a eles, pressupõe, antes de tudo, encontrar o lugar da juven-tude num projeto nacional, tendo bastante nitidez sobre do que está sendo conceitualmente tratado.

Se é verdade que quem faz a história não é conceito de juventude, ele é essencial para se saber qual história está sendo realizada. E saber, principal-mente, o que é ser jovem na formação social brasileira.

Grosso modo, juventude é, ao mesmo tempo, fase e grupo social. Fase porque consiste na etapa da vida em que o indivíduo, dentro de um profícuo processo de socialização, forma seus valores - ideia de como deveria ser a realidade - e representações - ideia do que é a realidade. Mas, tem por carac-terística, construída pela nossa formação social, a qualidade de ser transver-sal, tanto à questões étnico-raciais, de gênero, de condição física, sexualidade etc, como em temas próprios à organização de produção em que estamos inseridos e, como não poderia deixar de ser, do modus operandi das políticas públicas estatais: saúde, educação, trabalho, agricultura, assistência et cater-va. Tudo sob o guarda-chuva da condição juvenil, que cria as peculiaridades em cada micro seara dessa.

Todas as pesquisas recentes realizadas no país para entender o assun-to (PNAD, IPEA, IBGE, Fundação Perseu Abramo, Instituto Datafolha e ou-tros) revelam de modo quase padronizado as tendências fundamentais da condição social dos jovens brasileiros: marcados pelo signo “menos”, com desemprego de inserção, vulnerabilidade e precariedade no mundo do tra-balho, pressionados a ingressar precocemente no mercado para contribuir com a renda doméstica ou pela busca e-ou necessidade de autonomia, a in-cidência pesada e majoritária do êxodo rural que engendra o incremento do

21Transcrição corrigida da palestra proferida pelo autor no seminário “Memória do Protagonismo da Ju-ventude Brasileira”, organizado pelo Centro de Estudo e Memória da Juventude (CEMJ), no dia 12 de junho de 2009, no Congresso da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP).

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recrutamento pela criminalidade, violência, prostituição, exploração sexual; a gravidez precoce, a evasão e defasagem escolar, a exclusão do acesso aos bens culturais, esportivos e de lazer e uma larga lista, cujo conteúdo é deter-minante na construção da condição social do Brasil de modo geral, através da reprodução geracional desta.

Portanto, a juventude é, por um lado, o ponto de partida de um país desigual e atrasado, mas, ao mesmo tempo, o mesmo ponto para a superação deste status quo. Essa determinação dialética, além das anteriores fase de gênese ideológica e transversalidade sociocultural, é o que assegura o cará-ter universal da juventude no contexto hodierno, isto é, para além de um seg-mento ou setorial que demanda proteção ou investimento do Poder Público, ela se encontra no âmago dos caminhos que possamos imaginar para supe-rar nosso impasse de “nação em desenvolvimento”. Colocá-la na centralidade de um projeto estratégico para o país é encontrar o meio de desatar este nó.

A crença em saídas universalistas, de apenas melhorar a vida dos “adul-tos” ou “mais velhos”, enfim, dos “pais”, por medidas que negam a especifi-cidade da juventude, não assegura que os “filhos” viverão num novo padrão societário, pois ao não investir na reprodução geracional de uma nova con-dição social, nada assegura que essa alteração quanti e qualitativa imediata será transmitida no processo de renovação social, uma vez que não se acerta as tendências fundamentais da condição juvenil. É gasto de energia e puro mecanicismo.

Protagonismo juvenil: juventude para si

O conceito liberal do protagonismo juvenil, termo surgido e crescido junto à “onda PPJ” que se espraia pela sociedade desde os anos 90, pode ser sintetizado em quatro teses: 1)O jovem como senhor do seu próprio destino; 2) a hipotética negação, pelas mais recentes gerações, da luta pelo poder e do método de resolução “da vida” pela participação política (como teriam almejado e praticado as “levas” de jovens dos ans 60 e 70, por exemplo); 3) a opção, consequentemente, em tese, pelas saídas individuais, cuja expressão “política” mais bem alinhavada seria o voluntariado ou seja, amenizar as

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mazelas do mundo aos poucos, cada qual fazendo sua parte e, principalmen-te, a parte que gosta, de preferência numa ONG; 4) a rejeição do conceito de classes sociais e grupos sociais, substituindo-os por “ator social”.

Nada mais falso.Sobre a primeira tese, é pertinente a análise de Augusto Vasconcelos,

doutorando em Ciências Sociais pela UFBA e membro do Núcleo de Pesquisa e Estudos sobre Juventudes e Identidades do CNPq, no artigo Protagonis-mo Juvenil e Questão Democrática, publicado na revista Juventude.br, No 6: “(...) o risco dessa terminologia é resvalar na ideia de que os jovens, na busca de sua autonomia, seriam os únicos responsáveis por trilhar os caminhos a serem perseguidos em suas vidas, desconsiderando-se assim os limites im-postos pelas condições sociais”. Contudo, não se trata de uma “filosofia ino-cente”, mas de uma translúcida orientação política: a desrresponsabilização do Poder Público para com a juventude no sentido da provisão dos direitos e oportunidades para corrigir os tais limites sociais.

A segunda tese do liberalismo é a mais escabrosa, devido ao fato de que nos anos 60 e 70, quando os jovens , em sua maioria, de classe média, foram à ação pelo não-cumprimento das promessas de desenvolvimento e liberda-de, tanto no Rio de Janeiro e São Paulo, quanto em Paris ou Praga, não hava pesquisas como as que temos hoje, que medem difusamente essas identida-des geracionais, como a do Instituto DataFolha do ano passado ou a recém concluída Juventude e Integração Sul-Americana, do IBASE.

Paulo Carrano, professor da UFF, em entrevista de 29 de setembro de 2008 ao Instituto Humanitas da Unisinos, dá boas pistas sobre tais falácias: “Qualquer tentativa de estabelecimento de perfis unitários para os jovens ou qualquer outro grupo etário tende a resvalar em simplificações. A resposta para isso poderia ser uma outra indagação: é possível traçar um único perfil para a humanidade em qualquer século? A maioria das pessoas, cientistas sociais ou não, tenderá a dizer que a humanidade é composta de sujeitos e contextos múltiplos e que não seria possível estabelecer um padrão univer-sal(...)somente em contextos muito específicos podemos falar em “unidades de geração”. Fazer parte de uma classe ou de uma geração não é questão de escolha. Entretanto, no interior de uma mesma classe social, há uma multi-

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plicidade de corpos jovens (homens, mulheres, brancos e não brancos etc.) que experimentam trajetórias biográficas únicas, são capazes de realizar es-colhas alternativas, de elaborar projetos de vida e reagem diferentemente às adversidades e possibilidades que a vida lhes oferece. E isso é algo que faz com que dentro de uma mesma classe social existam diferentes modos de experimentar a condição juvenil”. E completa: “As pesquisas têm demons-trado que há uma diminuição real do envolvimento dos cidadãos de todas as idades no envolvimento coletivo pela resolução dos problemas públicos. Os problemas contemporâneos se caracterizam pela incerteza, a insegurança e a falta de garantias”.

Segundo Zygmunt Bauman, sociólogo polonês , que é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia, “Pessoas que se sen-tem inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade, não podem realmente assumir os riscos que a ação coletiva exige”

O que há, sim, e muito errôneo, é o comparativo entre as minorias mo-bilizadas de ontem (Paulo Carrano) - que deixaram sem dúvida grande lega-do -com maiorias de hoje. É, entretanto, este grande legado, que induz a esse erro comparativo, pois se tende a ver o jovem como sujeito da resolução das questões sociais, de onde emanou a ideia de “biologicamente revolucioná-rio” e simplesmente não é e nunca foi em sua totalidade. De 60, 70 para cá, há décadas que se produz historiografia. Não se pode afirmar o mesmo dos tempos recentes.

Usando de forma manhosa os estereótipos, sem qualquer comprovação científica do que reproduzem a não ser a soma de plágios (ou referências bibliográficas, como prefiram) de outros “pensadores sociais” que se com-portam de modo similar, os ideólogos do conceito liberal de protagonismo juvenil na verdade buscam dissuadir a juventude da participação política e do acesso -busca pelo acesso dos meios que de fato alteram a realidade social e individual.

Essa perspectiva se soma à derradeira tese, pela qual só há “atores so-ciais”. Ou seja: sem grupo social com identidades comuns e sem consciência para que as se crie para uma ação política em torno delas, sejam materiais

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ou espirituais, há a dispersão da força social que a juventude, em potencial, possui. Por outro viés, os “atores “ da quimera liberal seguem sendo diferen-ciados socialmente pela posição que ocupam no processo produtivo.

Porém, novamente, não se trata só de “ideias para o debate”. Ao propa-gar, massificar, midiatizar essa visão, a juventude, a atual geração, volta-se para consumir, pois é, afinal, o destino que lhe resta. É a simples vulgaridade, nada mais: arregimentar consumidores.

A idéia do voluntariado, terceira tese, é a expressão política disso. Em-bora não seja a fundo um mal, é a ação dispersa com coração quente. Todos, sem a “pachorra” de querer mudar o mundo, fazendo um pouco sem alterar nada, mas como a “alma lavada”. É a alternativa “política” que o liberalismo oferece para jovens portadores de uma condição social tão brutal.

Protagonismo juvenil e as tarefas políticas da juventude brasileira

Noberto Bobbio, o luminoso senador italiano, afirmava que a diferença entre direita e esquerda reside em a primeira tomar as desigualdades como naturais e a segunda como sociais, do que decorreria a ação política para transformá-la.

A pesquisa de 2008, do Instituto Datafolha, apontou que os grandes so-nhos do jovem brasileiro são casar, se formar, ter um bom emprego e uma casa. Sonhos prosaicos que começam a ter perspectivas menos movediças de se realizarem sob o governo do presidente Lula. A constatação de que juventude brasileira é a mais otimista do Mercosul: 83%, feita pela pesqui-sa Diálogo Com as Juventudes Sul-Americanas, lançada em 19 de junho de 2009, prova que estamos trilhando esse caminho. Mas, são ainda utopias.

Definido e desmascarado o conceito liberal de protagonismo juvenil (direita), o que pode, então, sê-lo para a esquerda?

Só pode ser a atitude do jovem em solucionar os limites impostos pe-las condições sociais à sua trajetória de vida, a partir da conversão do auto-reconhecimento de sua condição em vontade de agir. Neste caso, inverte-se a lógica liberal de conceber o protagonismo juvenil como busca da eman-

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cipação dele como algo dependente exclusivamente de sua subjetividade, e sim enxergando que sua emancipação depende justamente da postura dele frente ao Estado e à política. Logo, protagonismo juvenil, numa visão de es-querda, é o jovem politicamente engajado para mudar sua vida. É quando se transita da “juventude em si” para a “juventude para si”.

Ao contrário das vanguardas juvenis das gerações brasileiras de 60 e 70, que não possuíam meios para alterar o quadro político e social posto, já que o Brasil estava imerso em uma ditadura, e terminaram tendo como res-posta deste regime seu extermínio físico e intelectual, as nascidas em 90 e 00 têm toda uma democracia pela frente.

E o primeiro elemento é rechaçar a repetição - como farsa - do padrão de atividade política de parcelas da juventude dessas lendárias décadas. Se a direita não pode tomar aquilo como modelo superado para afirmar “uma nova juventude”, a esquerda não pode se imiscuir no mesmo equívoco, pois ambas carecem da falta de dados comparativos e de uma tendência à homo-geneização que não passa de idealismo.

Assim, reafirmo questões centrais que abordo no meu livro A Juventude e a Revolução Democrática: o horizonte da persuasão de vanguarda deve ser para “criar as condições para a realização dos sonhos da juventude brasileira de concluir os estudos, ter boa formação, trabalho decente, construir um lar e constituir família, alterando a condição juvenil. Isso pressupõe convencer as juventudes sociais a reorientar sua ação, tendo por método a institu-cionalização das bandeiras em políticas de governo e normas estatais de for-ma pacífica, através do exercício das liberdades políticas: votar – governar – participar,- E, por fim, ganhá-las para a idéia de voltar-se para a reflexão teórica acerca do Estado, das instituições democráticas e da demarcação legal como fim mais aprimorado para suas bandeiras, coesionando-as para uma estratégia comum na revolução democrática”.

Se as “minorias mobilizadas” do professor Paulo Carrano empunharam em sua época a causa grande de um país desenvolvido com justiça social, partindo do ambientalismo, ecumenismo, feminismo, antirracismo, liberda-des em todos os cantos da dimensão individual e coletiva, no contexto ho-dierno, ao nos depararmos com a condição juvenil sendo ponto de partida

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e de superação para a reprodução geracional da condição social brasileira, pode-se afirmar, sem embargo, que a causa nobre da juventude de hoje é ela própria, lutando por e construindo PPJs, para realizar seus prosaicos sonhos, meio pelo qual se completa a “causa grande” das gerações anteriores: o Bra-sil como potência econômica e social.

A luta ideológica

A juventude é meio de reprodução ou superação geracional da condi-ção social brasileira de desigualdade e injustiça.

Esse é o novo consenso que a juventude precisa afirmar na sociedade e consiste no aspecto principal da participação política (protagonismo) juvenil.

Onde quer que se organizem e atuem, a geração contemporânea de jo-vens políticos tem como obra fundamental tornar esse conceito hegemônico.

É assim que ocorrerá a reprodução geracional do novo consenso.E a tática para isso é a edificação do sistema nacional de juventude, que

é um conjunto de iniciativas que abarcam os poderes executivo, legislativo e judiciário coerentes e articuladas para produzir políticas públicas, direi-tos e oportunidades, tendo como epicentro a proliferação, nas respectivas divisões federativas, de frentes, comissões, conselhos e órgãos no Executivo de juventude, bem como dos “Parlamentos Jovens” e os canais participação popular juvenil, evidentemente com a demarcação de verbas para o financia-mento deste arcabouço.

Esse é o elemento primordial que vai dar, pelo diálogo intersocial, gera-cional e intergeracional em prol de sua edificação e/ou pelos seus resultados, a visibilidade à pauta juvenil e a predominância da consciência da juventude “para sí” , pela renovação da sociedade política, na atividade da República.

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Leopoldo Vieira nasceu em Belém, em 07/10/1983.

Iniciou sua atividade política aos 13 anos, durante o antigo 1º grau, nas eleições municipais de 1996. Com intensa militância secundarista na reconstrução da UMES/PA e nas ações da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), filiou-se ao PT aos 15 anos, em 1998.

No movimento estudantil universitário, foi diretor de organização e propaganda do Centro

Acadêmico de Direito e diretor de imprensa do DCE da UFPA (2002-2004), além de articulador político da Diretoria de Relações Internacionais da UNE (2004-2005).

No movimento pelas políticas públicas de juventude, foi representan-te do Congresso da Juventude no Conselho da Cidade, da Prefeitura Muni-cipal de Belém (2001-2002), Secretário Nacional Adjunto de Juventude do PT (2005-2007), membro e Secretário de Políticas Públicas do Conselho de Juventude do Estado do Pará (COJUEPA) e Assessor de Juventude da Casa Civil do Governo do Pará (2007-2008).

É autor do livro A Juventude e a Revolução Democrática, colunista so-bre assuntos da juventude do site do ex-ministro José Dirceu e editor do blog Juventude em Pauta! (www.juventudeempauta.blogspot.com), uma das prin-cipais referências nacionais na área em que atua.

Compõe a direção estadual da juventude do Partido dos Trabalhadores no Pará e é consultor para o desenvolvimento de políticas públicas e legis-lação de juventude, tendo contribuído para formular dezenas de iniciativas em mandatos municipais e estaduais de todo o país. Desde 2009 assessora o mandato do deputado estadual Carlos Bordalo (PT/PA), o parlamentar que mais tem iniciativas voltadas à juventude na Assembléia Legislativa do esta-do do Pará.

Recentemente, foi destaque na edição especial de 30 anos do PT da re-vista Teoria & Debate (Nº 86) , editada pela Fundação Perseu Abramo, na reportagem “Como Nossos Pais”, sobre os futuros dirigentes do partido.

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Índice de siglas

PPS – Partido Popular SocialistaDEM – Partido DemocratasPSDB – Partido da Social Democracia BrasileiraFHC – Fernando Henrique CardosoPT – Partido dos TrabalhadoresIFET’s – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia PCC – Primeiro Comando da CapitalPPJ – Políticas Públicas de JuventudeACAT – Associação dos Cristãos para a Abolição da TorturaCAPS - Centros de Atenção PsicossocialSUS – Sistema Único de SaúdeUEE - União Estadual dos EstudantesUBES – União Brasileira dos Estudantes SecundaristasUPES – União Paulista dos Estudantes SecundaristasUNE – União Nacional dos EstudantesALESP – Assembléia Legislativa do Estado de São PauloPEC – Projeto de Emenda à ConstituiçãoIFES – Instituições Federais de Ensino SuperiorIES – Instituição de Ensino SuperiorCEFETs – Centros Federais de Educação TecnológicaDSTs – Doenças Sexualmente TransmissíveisHIV – H uman Imunodeficiency Vírus (Vírus da Imunodeficiência Humana)AIDS – Acquired Immunodeficiency Syndrome (Síndrome da Imunodefici-ência Adquirida)DIEs – Documento de Identificação EstudantilFNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da EducaçãoMP – Medida ProvisóriaPIS – Programação de Integração SocialCOFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade SocialFGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

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PSC –Partido Social CristãoONU – Organização das Nações UnidasIDJ – Índice de Desenvolvimento JuvenilFUNAI – Fundação Nacional do ÍndioJPT – Juventude do Partido dos TrabalhadoresUFPA – Universidade Federal do ParáFNHIS – Fundo Nacional de Habitação de Interesse SocialCONAJE – Confederação Nacional dos Jovens EmpresáriosCAE – Conselho de Alimentação Escolar CUCA – Centro Urbano de Cultura e ArteCRJs – Centro de Referência da JuventudeECA – Estatuto da Criança e do AdolescentePNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de DomicíliosPIB – Produto Interno BrutoMDA – Ministério do Desenvolvimento AgrárioDIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconô-micosREAF/Mercosul – Reunião Especializada de Agricultura Familiar / Mercado Comum do SulUFPE – Universidade Federal de PernambucoSNI – Serviço Nacional de InformaçõesINCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaPCB – Partido Comunista BrasileiroONGs – Organizações Não-GovernamentaisCCJ – Comissão de Constituição e JustiçaPC do B – Partido Comunista do BrasilPMDB – Partido do Movimento Democrático BrasileiroIPEA – Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaPSB – Partido Socialista BrasileiroGEM – Global Entrepreneurship MonitorCUT – Central Única dos TrabalhadoresCTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

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CLT – Consolidação das Leis TrabalhistasCNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores da EducaçãoPronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiliaProjovem - Programa Nacional de Inclusão de JovensProUni - Programa Universidade Para TodosReUni - Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades FederaisJPSDB – Juventude do Partido da Social Democracia BrasileiraJDEM – Juventude DemocratasJPMDB – Juventude do Partido do Movimento Democrático BrasileiroUJS – União Nacional da Juventude SocialistaUMES – União Metropolitana dos Estudantes SecundaristasCA – Centro AcadêmicoDCE – Diretório Central dos EstudantesIBGE – Instituto Brasileiro de Geografia EstatísticaFETRAF – Federação dos Trabalhadores da Agricultura FamiliarCONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura FamiliarFPM – Fundo de Participação dos MunicípiosFPE – Fundo de Participação dos EstadosINEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Tei-xeira CNA – Confederação Nacional da AgriculturaAI – 5 – Ato Institucional número 5UDN – União Democrática NacionalARENA – Aliança para a Reconstrução NacionalPDS – Partido Democrático SocialPFL – Partido da Frente LiberalTJE – Tribunal de Justiça do EstadoENEM – Exame Nacional do Ensino MédioSINAJUVE – Sistema Nacional de JuventudeCONJUVE – Conselho Nacional de JuventudeLDB – Lei de Diretrizes e Bases

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LDO – Lei de Diretrizes OrçamentáriasLOA – Lei Orçamentária AnualPPA – Plano PlurianualLGBTs – Ab. De Lésbicas, Gays e TrangênerosUFBA – Universidade Federal da BahiaCNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoUFF – Universidade Federal FluminenseIBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e EconômicasCOJUEPA – Conselho de Juventude do Estado do Pará

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Fone/fax: (91) 4141-8924 / 3241-6219 / 3224-5301E-mail: [email protected]

Rua 28 de Setembro, 283 - Bairro: Comércio - Belém-PA.

Digitação, Arte final, Impressão e Acabamento

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