Livro Marise Ramos

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    Curso:Formao Pedaggica

    Livro:Histria e Poltica da Educao Profissional

    Autora:Marise Ramos

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    SUMRIO

    Apresentao .............................................................................................................. 4

    Captulo I - A educao profissional no Brasil: da fundao do estado capitalistadependente crise dos anos 80 ................................................................................ 7

    O Estado capitalista brasileiro: a materialidade econmica e poltica da historicidade daeducao profissional no pas .................................................................................................. 7A educao profissional e a ideologia do desenvolvimento na consolidao do capitalismo noBrasil ....................................................................................................................................... 22A luta progressista dos anos 80 e a vitria conservadora dos anos 90: da nova LDB reforma curricular no ensino mdio e tcnico ......................................................................... 38As relaes entre o projeto de reforma da educao profissional e a proposta de governo deFHC ......................................................................................................................................... 46

    Sntese ....................................................................................................................... 47Complemente seus estudos .................................................................................... 49Bibliografia Comentada ............................................................................................ 50Captulo II - A educao profissional no Brasil neoliberal ..................................... 52

    As bases das reformas educacionais realizadas no Brasil nos anos de 1990: do governoCollor eleio de Fernando Henrique Cardoso ................................................................... 52A organizao curricular dos cursos tcnicos ........................................................................ 63Entre conquistas e omisses: a nova LDB e as bases jurdicas e polticas para a reforma daeducao profissional nos anos de 1990 e 2000 ................................................................... 67

    Sntese ....................................................................................................................... 76Complemente seus estudos .................................................................................... 77Bibliografia Comentada ............................................................................................ 78Captulo III - A educao profissional no Brasil contemporneo .......................... 80

    Mudanas e conservao no governo Lula: o processo contraditrio de redirecionamento dapoltica de educao profissional ............................................................................................ 81Novas perspectivas traadas para a educao profissional no Brasil: contradies e desafiosnum contexto de retomada do projeto de desenvolvimento ................................................... 94

    Sntese ....................................................................................................................... 99

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    Complemente seus estudos .................................................................................. 101Bibliografia Comentada .......................................................................................... 102Captulo IV - Conceitos para a construo de uma concepo de educao

    profissional comprometida com a formao humana ......................................... 103Formao humana integral ................................................................................................... 103Trabalho, cincia, tecnologia e cultura: categorias indissociveis da formao humana .... 107O trabalho como princpio educativo .................................................................................... 110A produo do conhecimento: pensando a pesquisa como princpio pedaggico .............. 113

    Sntese ..................................................................................................................... 115Complemente seus estudos .................................................................................. 115Bibliografia Comentada .......................................................................................... 116Captulo V - Diretrizes para a organizao e desenvolvimento curricular .......... 118

    Fundamentos para um projeto poltico-pedaggico integrado ............................................. 118A lgica da organizao por eixo tecnolgico ...................................................................... 124A relao parte-totalidade na proposta curricular ................................................................. 129O estgio curricular ............................................................................................................... 132O reconhecimento de saberes e a certificao profissional ................................................. 134

    Sntese ..................................................................................................................... 137Complemente seus estudos .................................................................................. 138Bibliografia Comentada .......................................................................................... 138Consideraes finais .............................................................................................. 139Referncias Bibliogrficas ..................................................................................... 143FRAN, VERIFIQUE SE TODAS AS REFERNCIAS ESTO DENTRO DAS REGRAS

    ...........................................................................................Erro! Indicador no definido.Currculo da autora ................................................................................................. 147

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    APRESENTAO

    Este livro aborda a histria e a poltica da educao profissional no

    Brasile tem como objetivo possibilitar aos educadores e gestores da educao

    a compreenso da sua dinmica luz de um modelo de Estado e da formao

    social concreta brasileira.

    Ao mesmo tempo, pretende-se instrumentalizar esses profissionais para

    o uso da legislaoem termos dos seus fundamentos e princpios, a fim de

    construir um plano consistente e coerente de formao dos trabalhadores no

    mbito dos respectivos sistemas de ensino.

    Nesse sentido, recomenda-se que a leitura desse material seja sempre

    acompanhada de outros textos legais para que as anlises aqui apresentadas

    possam adquirir maior objetividade e aplicabilidade, mediante a apropriao

    especfica da legislao e de sua vinculao com diretrizes polticas na

    perspectiva da historicidade.

    Mais do que uma formao tcnica, este material pretende contribuir

    para uma formao poltica. Por isto, o mtodo de exposio, ainda que tenhauma organizao cronolgica, se pauta principalmente por demonstrar que a

    poltica de educao profissional resultado de disputas e tendncias

    complexas ao longo da histria do pas, frente a uma correlao de foras

    entre as classes que disputam o poder e a direo econmica e poltica da

    sociedade.

    Em razo do exposto, comeamos no captulo 1 com a discusso da

    especificidade do Estado brasileiro, adotando como referncia o conceito de

    Estado ampliado de Antonio Gramsci. O reconhecimento de que o Estado

    brasileiro fundado na lgica do capitalismo dependente analisada tendo

    como base o pensamento crtico de intelectuais como Ruy Mauro Marini,

    Florestan Fernandes, Otvio Ianni e Carlos Nelson Coutinho. Sero discutidas

    as principais mudanas pelas quais passaram a educao secundria e o

    ensino mdio no sculo XX, com nfase na educao profissional

    especialmente a partir da dcada de 1930, mediante uma aproximao com asleis da educao brasileira, finalizando na dcada de 80, com o processo de

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    redemocratizao do Pas, com as disputas travadas em torno da nova

    Constituio Federal e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional.

    Dando continuidade, no segundo captulo, focalizamos os anos de 1990

    e a hegemonia neoliberal, considerando o movimento contraditrio de, por um

    lado, se buscar o fortalecimento da educao profissional e tecnolgica no

    pas, mediante a instituio do Sistema Nacional de Educao Tecnolgica e a

    transformao das Escolas Tcnicas Federais em Centros Federais de

    Educao Tecnolgica; e, por outro lado, realizar-se uma reforma que a

    descolou do sistema de educao escolar.

    Em nosso terceiro captulo, analisamos o percurso histrico

    controvertido das polticas de educao profissional no governo de Luiz

    Incio Lula da Silva. Partindo das expectativas de mudanas estruturais na

    sociedade e na educao, pautadas nos direitos inscritos na Constituio

    Federal de 1988, que no se realizaram plenamente, analisando a inflexo no

    sentido de se valorizar a educao profissional no Brasil que se destaca como

    uma marca de ambos os mandatos dessa gesto.

    Nesse perodo destacam-se medidas que contemplam a integraoentre a educao profissional e o ensino mdio, perspectiva essa que pode ser

    coerente com a construo terico-prtica de uma educao tecnolgica que

    corresponda preparao das pessoas para a compreenso dos fundamentos

    cientfico-tecnolgicos, scio-histricos e culturais da produo moderna.

    Como base para a construo de um projeto de educao profissional

    integrado, elaboramos um quarto captuloque se dedica a apresentar alguns

    conceitos importantes para a construo de uma concepo educao

    profissional comprometida com a formao humana. O primeiro deles

    refere-se formao humana integral, que sugere superar o ser humano

    dividido historicamente pela diviso social do trabalho entre a ao de executar

    e a ao de pensar, dirigir ou planejar. Para isto, apresentamos e

    desenvolvemos alguns pressupostos de ordem filosfica que fundamenta o

    conceito numa perspectiva histrica.

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    Neste captulo ser evidenciada a relao entre os conceitos de

    trabalho, cincia, tecnologia e cultura discutida como unidade, sendo

    considerados, portanto, como conceitos indissociveis da formao

    humana. Com esta compreenso, discutimos o trabalho nos seus sentidos

    ontolgico e histrico, como processo de formao do ser humano e de

    apreenso da realidade para si; discusso essa necessria abordagem do

    trabalho como princpio educativo. A pesquisa como princpio pedaggico o

    ltimo conceito analisado nesse captulo.

    O quinto e ltimo captulo dedica-se propriamente a apresentar

    diretrizes para a educao profissional, especialmente quanto organizao

    e ao desenvolvimento curricular. Abordamos, de incio, os fundamentos para aconstruo do projeto poltico-pedaggico e, em seguida, a lgica da

    organizao da formao por eixos tecnolgicos, baseando-nos na discusso

    sobre o conceito de tecnologia. Por fim, detivemo-nos na proposta curricular,

    orientados pelo princpio da relao entre parte e totalidade.

    Em toda a nossa anlise insistimos na necessidade de se resgatar a

    centralidade do ser humano no cumprimento das finalidades do ensino mdio e

    da educao profissional. Afirmamos a educao como meio pelo qual as

    pessoas se realizam como sujeitos histricos que produzem sua existncia

    pelo enfrentamento consciente da realidade dada, produzindo valores de uso,

    conhecimentos e cultura por sua ao criativa.

    Finalizamos apontando contradies e desafios que precisam ser

    enfrentados, considerando que as prprias diretrizes curriculares nacionais

    que orientam a educao profissional tcnica de nvel mdio e ensino mdio noBrasil esto em debate no Conselho Nacional de Educao e na sociedade

    civil. O desfecho desse processo nos indicar, em boa medida, as

    perspectivas que a educao dos trabalhadores no Brasil tender a tomar, pelo

    menos nos prximos oito anos.

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    CAPTULO I-AEDUCAO PROFISSIONAL NO BRASIL:DA FUNDAO

    DO ESTADO CAPITALISTA DEPENDENTE CRISE DOS ANOS 80

    Este captulo apresenta uma fundamentao terica sobre o Estado

    capitalista brasileiro, sob o referencial materialista histrico-dialtico.

    Busca demonstrar que a modernizao tecnolgica no Brasil foi de origem

    estrangeira, o que permite identificar a existncia de uma estratgia de

    desenvolvimento nacionalista em alguns perodos da histria do pas.

    Analisamos, ainda, a hegemonia neoliberalque se instaurou no Brasil a partir

    dos anos de 1990 e as dificuldades de se super-la mesmo com a mudana da

    composio do bloco no poder, configurada pela vitria da candidatura Luiz

    Incio Lula da Silva, a partir de 2003.

    Sero discutidos as principais mudanas pelas quais passaram a

    educao secundria e o ensino mdio no sculo XX, especialmente a

    partir da dcada de 1930, retomando a histria da educao no Brasil e a

    respectiva legislao, expostas e discutidas sempre luz da dinmica do

    desenvolvimento econmico brasileiro e frente s disputas travadas em torno

    do projeto societrio e, assim, da prpria poltica educacional. Identificamos,portanto, as motivaes que levam organizao do ensino profissional no

    pas.

    Finalizamos este primeiro momento com a anlise do processo de

    redemocratizao do pas, dedicado s reflexes da luta progressista dos

    anos 80 e da vitria conservadora dos anos 90, processo esse que abrange a

    disputa pelo projeto de nova LDB e a reforma da educao profissional e do

    ensino mdio realizada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.

    O Estado capitalista brasileiro: a materialidade econmica e poltica da

    historicidade da educao profissional no pas

    Ruy Mauro Marini (2000), argumenta que a burguesia brasileira,

    mesmo tendo protagonizado o trnsito de uma economia semicolonial para

    uma economia diversificada nos anos de 1930, animada pela

    industrializao, renunciou a uma iniciativa revolucionria, fazendo uma

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    aliana com as velhas classes dominantes. Com isso, enquadrou o

    desenvolvimento capitalista nacional em uma via traada pelos interesses

    dessa coaliso, resultando num tipo de industrializao que se processou,

    inicialmente, s custas de desemprego e de baixos salrios; e, posteriormente,

    pela associao com o capital estrangeiro, especialmente o norte-americano.

    Figura 1.1Equipamentos e tcnicas

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    Esse capital estrangeiro ingressou no pas principalmente sob a forma de equipamentos etcnicas, associando-se a grandes unidades de produo que pudessem absorver umatecnologia que, pelo fato de ser obsoleta nos Estados Unidos, no deixava de ser avanada

    para o Brasil.Fonte: Paiva apudSELEES (1944), disponvel em:http://www.fnm.ufrj.br/.Acesso em 15 de fev. de 2013.

    http://www.fnm.ufrj.br/http://www.fnm.ufrj.br/http://www.fnm.ufrj.br/http://www.fnm.ufrj.br/
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    Florestan Fernandes (2006), por sua vez, identifica a universalizao

    do trabalho assalariado e a expanso da ordem social competitiva no

    Brasil1, como expresso de uma revoluo burguesa, ainda que no no

    modelo clssico, o qual poderia ter conduzido ao capitalismo independente e democracia poltica.

    Burguesia perifrica

    Segundo Fernandes (2006), o Brasil teria vivido, na verdade, uma

    revoluo burguesa perifrica, que resultou no capitalismo dependente, na

    dominao externa e na autocracia burguesa. Explica ele que, em nenhuma

    das fases do desenvolvimento capitalista no Brasil, as classes dominanteschegaram a impor a ruptura com a associao dependente em relao ao

    exterior (ou aos centros hegemnicos da dominao capitalista); a

    desagregao completa do antigo regime e de suas sequelas ou, falando-se

    alternativamente, das formas pr-capitalistas de produo, troca ou circulao;

    a superao de estados relativos de subdesenvolvimento, inerentes

    satelitizao imperialista da economia interna e extrema concentrao social

    e regional resultante da riqueza.

    Valendo-se de categorias gramscianas hegemonia, intelectuais,

    estado ampliado, sociedade civil e revoluo passiva algumas das quais

    discutidas neste texto, Coutinho (2006) reitera que o movimento liderado por

    Getlio Vargas na transio do Brasil para o capitalismo2, especialmente pela

    expanso da indstria considerado por Marx como o modo de produo

    especificamente capitalista (id., ibid., p. 176) , teria sido a forma mais

    emblemtica de manifestao de revoluo passiva, de modernizao

    conservadora em nossa histria.

    1Florestan indica trs fases do desenvolvimento capitalista mencionado na histria da sociedade brasileira moderna: a) fase de ecloso de um mercado

    capitalista especificamente moderno, que vai desde a abertura dos portos at a sexta dcada do sculo XIX; b) fase de formao e expanso do capitalismo

    competitivo, que compreende o perodo da economia urbano-industrial e a primeira transio industrial, demarcados a partir da sesta dcada do sculo XIX at

    os anos de 1950; c) fase de irrupo do capitalismo monopolista, que se acentua a partir dos 1950 e adquire carter estrutural a partir de 1964. (Fernandes,

    2006) Coutinho (2006), por sua vez, demarca a Abolio e a Proclamao da Repblica para identificar o Brasil como sociedade capitalista, com um Estado

    burgus. De todo modo, na dcada de 1930 que se d efetivamente a consolidao e a generalizao das relaes capitalistas em nosso pas.

    2O autor salienta que o Brasil j era uma sociedade capitalista, com um Estado Burgus, mas depois da 1930 que se d efetivamente a consolidao e a

    generalizao das relaes capitalistas em nosso pas (id., ibid., p. 176).

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    Mais quem foi Gramsci?

    [...] Antnio Gramsci nasceu em Ales, na Sardenha em 1891. Desde

    cedo exerceu intensa atividade intelectual e poltica, tendo sido um dos

    fundadores do Partido Comunista Italiano (PCI) em 1921.

    Por sua militncia poltica e ferrenha oposio ao fascismo foi preso em

    1926, aos 35 anos de idade, e condenado a 24 anos de priso. Nesta ocasio

    era deputado do Parlamento Italiano e principal dirigente do PCI. Aps cumprir

    11 anos de priso, devido ao seu precrio estado de sade, foi posto em

    liberdade, em 20.04.1937, vindo a falecer, sete dias aps, numa clnica em

    Roma.

    Sua obra de maior relevo e repercusso est consubstanciada nos

    denominados CADERNOS DO CRCERE, escritos na priso entre 1929 e

    1935. So 33 cadernos manuscritos que perfazem um total de 2.500 pginas.

    Segundo Giovani Reale destacado filsofo e historiador italiano ... a obra de

    Gramsci constitui uma das mais notveis reelaboraes do marxismo, no

    sculo vinte, tanto por suas referncias aos problemas sociais, culturais e

    polticos, mas tambm por sua tentativa de integrar o marxismo na histria

    italiana... .

    Os escritos de Gramsci s vieram a ser conhecidos aps a Segunda

    Guerra Mundial (1945). At ento eram totalmente ignorados uma vez que

    foram, por inteiro, produzidos no interior da priso.

    Vale acrescentar que o pensamento de Gramsci no constituiu

    unanimidade dentro da ortodoxia marxista-lenista, que sempre identificou nas

    suas propostas um acentuado vis revolucionista. Da explicar-se a dificuldade

    de aceitao e penetrao do gramscianismo nos centros irradiadores do

    Movimento Comunista Internacional (MCI) e, tambm, da sua tardia difuso

    fora da Itlia.

    Entretanto a leitura atenta da sua obra demonstra, insofismavelmente,

    que os seus estudos, reflexes e propostas tm como fundamento essencial eponto-de-partida os referenciais bsicos oferecidos pelo marxismo terico - a

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    filosofia da praxis - isto : o materialismo dialtico, o materialismo histrico, a

    luta de classes, o mito da revoluo, etc. etc. Isto significa dizer que o

    comprometimento total da sua proposta inovadora est dirigido,

    essencialmente, para consecuo da revoluo socialista, cujo propsito

    maior a superao da sociedade burgueso-capitalista e a conseqente

    edificao da sociedade proletria.

    Percebe-se, porm, que certos gramscianos, propositadamente,

    procuram omitir ou esmaecer o sectarismo e o revolucionarismo marxista

    consubstanciados na proposta de Gramsci, apresentando-a, eufemisticamente,

    como uma forma mitigada (de marxismo) de passagem do capitalismo ao

    comunismo, atitude que representa um claro desvirtuamento dos propsitos daobra do pensador italiano. Gramsci, manteve-se sempre fiel essncia do

    projeto comunista, embora, tenha proposto formas e caminhos mais

    consentneos com o mundo do seu tempo, mas sem perder a referncia

    essencial de teoria marxista.

    Qual a essncia da proposta terica de Gramsci?

    O desenvolvimento da teoria de Gramsci buscou motivao nanecessidade de encontrar respostas e alternativas ao inconteste fracasso em

    que se transformara a aplicao do paradigma revolucionrio bolchevista

    (Revoluo Russa/1917) nos pases capitalistas desenvolvidos da Europa.

    Gramsci convenceu-se de que o mencionado fracasso resultara,

    primordialmente, da inadequao da estratgia bolchevista (Guerra de

    Movimento) s condies histrico-polticas e culturais daqueles pases, que,

    evidentemente, se revelavam flagrantemente distintas das condies vigentes

    na Rssia em 1917. Percebeu, tambm, que o ponto focal desta distino

    residia, sobretudo, no grau de desenvolvimento e organizao da Sociedade

    Civil, numa e noutra formao social, e, fundamentalmente na dinmica das

    relaes entre Sociedade Civil e Estado (Sociedade Poltica). Isto

    evidenciava nitidamente: a importncia do processo histrico-cultural dos

    pases alvos, o elevado significado estratgico da Sociedade Civil e a

    necessidade de formulao de uma nova estratgia, adequada ao universo

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    scio-poltico de tipo europeu. A partir da, Gramsci construiu a sua teoria sobre

    a estratgia da Guerra de Posio, destinada conquista do poder numa

    Sociedade do tipo Ocidental. Este termo tem um sentido meramente

    metafrico e no necessariamente geogrfico como pode parecer. Para

    explicitar a sua teoria, o autor criou um corpo conceitual prprio, hoje

    conhecido e designado como Categorias de Gramsci, cuja originalidade

    terminolgica e de suporte analtico constituiu uma especificidade no seio do

    marxismo.

    Por exemplo: Sociedade Civil, Sociedade Poltica, Hegemonia,

    Consenso, Senso Comum, Intelectual Orgnico, Domnio, Direo Cultural,

    Bloco Histrico, Oriente e Ocidente, Crise Orgnica, etc. etc., so categorias deGramsci, frequentemente utilizadas no proselitismo ideolgico das esquerdas,

    sem que a audincia leiga, muitas vezes perceba o vnculo categorial desses

    termos.

    Mas, vejamos como se referiu Gramsci sobre as estratgias da Guerra

    de Movimento e da Guerra de Posio:

    No Oriente o Estado era tudo e a Sociedade Civil era primria egelatinosa. Neste caso a Guerra de Movimento, isto , caracterizada pelo

    ataque frontal e direto Cidadela do Poder.

    No Ocidente entre Estado e Sociedade Civil havia uma adequada e

    equilibrada relao e quem pretendesse flanquear o Estado encontraria, de

    imediato a robusta estrutura da Sociedade Civil. O Estado no era mais que

    uma trincheira avanada, atrs da qual havia uma slida cadeia de fortificaes

    e casamatas... Em tais circunstncias, a revoluo no pode triunfar no

    Ocidente atravs de um choque frontal contra as trincheiras do Estado,

    porque estas se encontram bem consolidadas e protegidas. Neste caso, a

    revoluo triunfar atravs da adoo da estratgia da Guerra de Posio,

    mediante a qual se desgasta o inimigo penetrando nas fortificaes e

    casamatas da Sociedade Civil. Este o nico caminho que pode levar o

    Partido Comunista ao Poder nos pases de perfil Ocidental.

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    A Guerra de Posio, concebida por Gramsci para a conquista do

    Poder no Ocidente, tem como referncia e fundamento a dinmica das inter-

    relaes dialticas (ao recproca) entre a Sociedade Civil e a Sociedade

    Poltica (Estado no sentido estrito), caracterstica essencial das sociedadestipo Ocidental. Lenine, por exemplo, em 1917, empregou a Guerra de

    Movimento, atacando, de modo frontal e direto, o Estado Russo, porque l o

    Estado era tudo e no havia uma Sociedade Civil organizada, participativa e

    dinmica, que fizesse o contrapondo relacional com a Sociedade Poltica

    (Estado).

    J no Ocidente, essa inter-relao dialtica decorrncia de um

    processo hegemnico continuado e desenvolvido ao longo da histria, que, porsua vez, gerou uma concepo de mundo prpria (ideologia), e

    consubstanciada, hoje, no que a linguagem gramsciana chama de Senso

    Comum da Sociedade burguesa. O Senso Comum representado pela

    incorporao, comunho e prtica de valores, princpios, procedimentos,

    tradies, costumes, histria, civismo, vultos, prceres, etc, enfim, a prpria

    cultura. [...]

    Fonte:http://cyborgueeuclides.tripod.com/id7.html.Acesso em 16 de mar. de 2013.

    O carter intervencionista e corporativista do Estado brasileiro se

    mantm ao longo da implementao da poltica econmica nacional-

    desenvolvimentista iniciada durante o primeiro governo Vargas. Os interesses

    considerados vlidos eram aqueles que se fizessem representar no interior do

    prprio Estado.

    Coutinho (2006) analisa a fora e o autoritarismo do Estado brasileiro,

    em contraposio a uma sociedade civil dbil, primitiva e amorfacom as

    categorias gramscianas de sociedade do tipo oriental e ocidental

    subcategorias dentro da categoria de Hegemonia , identificando a formao

    da nao brasileira a partir do Estado e no da ao das massas populares. A

    classe dominante nada tinha a ver com o povo, no era expresso de

    movimentos populares, mas foi imposta ao povo de cima para baixo ou mesmo

    de fora para dentro e, portanto, no possua uma efetiva identificao com as

    http://cyborgueeuclides.tripod.com/id7.htmlhttp://cyborgueeuclides.tripod.com/id7.html
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    questes nacionais. Diz ele: para usar a terminologia de Gramsci, isso impediu

    que nossas elites alm de dominantes, fossem dirigentes. O Estado

    moderno brasileiro foi quase sempre uma ditadura sem hegemonia, ou,

    para usarmos a terminologia de Florestan Fernandes, uma autocracia

    burguesa. (Coutinho, 2006, p. 176)

    As trs refernciasMarini (2000), Fernandes (2006) e Coutinho (2006)

    demonstram que a modernizao tecnolgica no Brasil foi de origem

    estrangeira, definida por Florestan Fernandes como uma modernizao do

    arcaico, marcada, inicialmente, pelo embate entre um projeto de

    desenvolvimento autnomo e outro associado e subordinado ao grande capital.

    Essa anlise identifica a existncia de uma estratgia de

    desenvolvimento nacionalista em alguns perodos da histria do pas,

    demarcados por Ianni (1991) em 1930-45; 1951-54; 1961-64, quando se tinha

    como pressuposto implcito o projeto de um capitalismo nacional, como uma

    nica alternativa para o progresso econmico e social.

    Projeto de um capitalismo nacional

    Esse projeto implicaria a crescente nacionalizao dos centros de

    deciso sobre assuntos econmicos. Mas essa estratgia foi vencida por outra

    com vis de desenvolvimento associado, predominante nos anos de 1946-

    1950; 1955-60 e desde 1964, que considerava o projeto de um capitalismo

    associado como nica alternativa para o progresso econmico e social. Tal

    estratgia implicava no reconhecimento das convenincias e exigncias da

    interdependncia das naes capitalistas, sob a hegemonia dos Estados

    Unidos.

    Esse tenso equilbrio foi rompido e deslocado em favor do capital

    estrangeiro no governo de JK. Apesar de contratendncias no curto perodo do

    governo Joo Goulart, a associao ao capital estrangeirose consolidou a

    partir da ditadura civil-militar.

    Ainda que no governo de Jango e mesmo, em menor medida, noperodo de JK, a sociedade civil tenha se tornado mais ativa, levando a um

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    cenrio de crise do populismo, o Estado brasileiro no deixou de ser

    centralizador e corporativo. Ao contrrio, o golpe civil-militar de 1964 reforou

    e desenvolveu esses traos, implementando a modernizao

    desenvolvimentista baseada na abertura da economia ao capital estrangeiro.

    Se no lastro da herana de Vargas a interveno do Estado na

    economia visava favorecer, sobretudo, o capital nacional, garantindo as

    precondies para o seu desenvolvimentoe, ao mesmo tempo, buscando

    controlar e at restringir o ingresso do capital estrangeiro, durante a ditadura

    essa restrio desapareceu. Tal desaparecimento gerou como consequncia o

    famoso trip: o Estado funcionava como instrumento de acumulao a

    servio tanto do capital nacional quanto e sobretudo do capitalinternacional(Coutinho, 2006, p. 181).

    Ainda, segundo Coutinho (2006), essa abertura ao capital estrangeiro

    no significa uma atitude contrria aos interesses do capital nacional. Na

    verdade, a burguesia brasileira rapidamente se deu conta de que tinha muito a

    lucrar com a associao ao capital internacional, ainda que como scia menor.

    Portanto, a ideia de que haveria no Brasil, como em outros pases do Terceiro

    Mundo, uma burguesia nacional enquanto frao de classe contrria ao

    imperialismo.

    A associao da burguesia brasileira com o capital nacional

    Essa ideia teve papel destacado na estratgia poltica do Partido

    Comunista Brasileiro (PCB)entre 1954 e 1964, que se centrava na luta por

    um governo nacionalista e democrtico, revelou-se ainda, ser sem

    correspondncia com a realidade: no havia nenhum segmento significativo da

    burguesia brasileira realmente interessada em impedir o ingresso do capital

    estrangeiro em nosso pas. Assim, a virada entreguista representada pelo

    governo Juscelino no pode ser considerada uma ruptura com o modelo

    nacional-desenvolvimentista implementado a partir de 1930, mas, ao contrrio,

    uma maior adequao sua aos efetivos interesses das classes

    dominantes brasileiras. (id., ibid., pp. 181-182)

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    A construo analtica de Coutinho convergente com a teorizao de

    Florestan Fernandes sobre o capitalismo dependente, como uma forma tpica

    do capitalismo na sua fase monopolista, que o prprio v se consolidar a partir

    de 1964, em pases de desenvolvimento desigual e combinado, caracterizado

    por ele como um capitalismo tpico, extremamente moderno (pois ele extrai

    sua modernidade do capitalismo industrial avanado) e por vezes

    extremamente dinmico e flexvel (j que ele reflete as estruturas e os

    dinamismos internacionais do capitalismo monopolista), que um capitalismo

    difcil (escravo de uma acumulao espoliativa, que constitui um processo sem

    fim e sem compensaes) e, por isso mesmo, um capitalismo selvagem.

    (FERNANDES, 1995, apud CARDOSO, 2005, p. 21)

    Com base na teoria do desenvolvimento desigual e combinado,

    Florestan supe que as relaes de dependncia sejam formadas como parte

    constitutiva da expanso do capitalismo num momento determinado. Assim, a

    chave da diferenciao internade um pas em relao ao sistema econmico

    mundial no estaria na forma como se propaga o progresso tcnico na relao

    centro-periferia do capitalismo, tal como pensado por tericos da

    dependncia3, mas na condio de heteronomia assumida pelo pasdependente, isto , na baixa capacidade de deciso, direo e gesto do

    processo de produo e de reproduo do capital.

    O capitalismo dependente, em Florestan, uma economia de mercado

    capitalista constituda para operar, estrutural e dinamicamente, como uma

    entidade especializada, ao nvel da integrao do mercado capitalista mundial,

    como uma entidade subsidiria e dependente, ao nvel das aplicaes

    reprodutivas do excedente econmico das sociedades desenvolvidas, e como

    uma entidade tributria, ao nvel do ciclo de apropriao internacional, no qual

    ela aparece como uma fonte de incrementao ou de multiplicao do

    excedente econmico das economias capitalistas hegemnicas (FERNANDES,

    1968, apud CARDOSO, 2005)

    3Este o caso de Raul Prebisch e do pensamento que predominou na Cepal (Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe). Essas so refernciasrelevantes para Florestan, ainda que superadas por ele na sua formulao sobre o capitalismo dependente.

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    Capitalismo dependente

    Em outras palavras, esse modelo tanto estrutural expanso do

    capital quanto histrico, pois criado como necessidade de expanso do

    capital, especialmente na sua fase monopolista, instaurando-se nas diferentes

    economias (dependentes) conforme a prpria histrica do desenvolvimento

    (desigual e combinado) capitalista.

    Isto se faz pela necessidade de aplicao do excedente extrado nas

    economias hegemnicas em outros mercados, como contramedida queda

    tendencial da taxa de lucro; ou seja, a acumulao de capital nos pases de

    capitalismo avanado precisa que o excedente seja aplicado em pasesdependentes, com custos muito menores para o capital e segundo a lgica

    daquelas economias. Para isto, entretanto, preciso que a burguesia dos

    pases dependentes se associe de forma subordinada burguesia

    internacional. Como o excedente extrado internamente precisa ser

    compartilhado com ela por isto o capitalismo dependente tributrio ao

    capital internacionalo pressuposto e resultado dessa forma de capitalismo

    so a superexplorao e a superexpropriao do trabalho. Nesse sentido, arelao de classes no pode ser vista exclusivamente ao nvel local, mas sim

    internacionalmente.

    Desse modo, ento, sob o capitalismo dependente tanto no se

    configura uma burguesia nacional posto que ela se forma, desde a sua

    origem, como uma classe associada e subordinada internacionalmente

    quanto o desenvolvimento no nacional, mas sim dependente, de forma

    estrutural e dinmica, sendo subsidirio e tributrio das economiashegemnicas.

    Vimos que:

    O Estado, na fase do capitalismo monopolista, no s

    exerce funes econmicas, mas a essas subordina suas

    funes coercitivas e ideolgicas, de tal modo que a poltica se

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    subsume a burocracia estatal, especialmente na forma do

    planejamento.

    No capitalismo dependente, o planejamento torna-se um

    dispositivo de relao com o capital internacional, em um

    processo em que seus representantes figuram como apoio,

    mas se constituem, mediante uma aliana com a burguesia

    local, em efetivos dirigentes da economia e da poltica do pas.

    Isto ainda mais importante se considerado que as crises

    momentos em que o Estado mais chamado a atuar

    economicamente normalmente irrompem a partir do setor

    externo da economia, exacerbando, nos pases dependentes,as funes econmicas do Estado.

    A evoluo do sistema poltico-econmico brasileiro

    No Brasil, como assinala Ianni (1991), essa evoluo a partir de 1930,

    revela uma atuao do Estado cada vez mais complexa na economia.

    Conforme vimos analisando, tambm Ianni reconhece que, sob o populismo e o

    militarismo, predominou a estratgia de desenvolvimento dependente,

    disfarada de associada. A transio para uma economia em que o setor

    industrial passou a predominar correspondeu a importantes mudanas no

    subsistema econmico brasileiro, implicando uma srie de ajustes econmicos,

    sociais, polticos e culturais. O Estado brasileiro foi levado a desempenhar

    funes novas e decisivas na reorientao, no funcionamento, na diversificao

    e na expanso da economia do pas. Adotaram-se, assim, progressivamente,

    tcnicas de planejamento como instrumentos da poltica econmicagovernamental.

    A poltica de educao tecnolgicano pas foi objeto dessas tcnicas

    de planejamento e sempre figurou como uma preocupao dos planos

    nacionais de desenvolvimento (PND). Mas como o desenvolvimento brasileiro

    marcado pelo capitalismo dependente, tambm o a poltica de educao

    tecnolgica. As mudanas histricas que se processaram at os dias de hoje

    so significativas em termos de ampliao e expanso desse tipo de educao,

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    mas do provas de estarem a servio de um desenvolvimento capitalista

    dependente.

    Nos anos de 1990, o neoliberalismo torna-se hegemnicotambm no

    Brasil. Como demonstra Paulani (2006, p. 76), este constitui o discurso mais

    congruente com a etapa capitalista que se inicia a partir dos anos de 1970, de

    financeirizao do capital. Nas palavras da autora:

    O modo de regulao do capitalismo, que funcionava no perodo anterior, dos

    anos dourados, no se adequava mais a um regime de acumulao que

    funcionava agora sob o imprio da valorizao financeira. Voltil por

    natureza, logicamente desconectado da produo efetiva de riqueza material

    da sociedade, curto-prazista e rentista, o capital financeiro s funciona

    adequadamente se tiver liberdade de ir e vir, se no tiver de enfrentar, a cada

    passo de sua peregrinao em busca de valorizao, regulamentos, normas

    e regras que limitem seus movimentos. (id., ibid., p. 75).

    Aqui esto os fundamentos que sustentaram o pacote inicial de

    medidas desenhado pelo movimento neoliberal reduo do Estado ao

    mnimo, inexistncia de proteo ao trabalho, abertura da economia, liberdade

    para o funcionamento do mercado. Ainda, nas palavras da autora citada,

    contrariamente ao que ocorria na fase anterior, a atuao do Estado se dagora visando preservar no os interesses da sociedade como um todo

    (emprego, renda, proteo social etc.), mas os interesses de uma parcela

    especfica de agentes, cujos negcios dependem fundamentalmente dessa

    atuao. o fato de o neoliberalismo ter se tornado prtica de governo,

    justamente nessa fase de exacerbao da valorizao financeiraque explica

    porque esse elemento foi adicionado ao pacote neoliberal.

    Ao analisar a fase anterior, vemos que na regulao fordista as formas

    institucionais que vinculavam capital monetrio e trabalho, capital produtivo e

    meios de produo, capital mercadoria e produtos acabados, eram frmulas

    rgidas, incompatveis com um ambiente de acumulao em permanente

    ebulio. esse conjunto de transformaes sobre o processo de acumulao

    que visa conferir ao capital a flexibilidade necessria para que se aproveitem

    as oportunidades de acumulao,onde quer que elas se encontrem (no setor

    produtivo, no setor financeiro, nos negcios do Estado).

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    esta a razo que leva alguns autores, como Harvey (2000), a

    afirmarem que essa fase da histria capitalista caracterizada por um regime

    de acumulao flexvel, que outra forma de falar do regime de acumulao

    sob dominncia financeira, j que flexibilidade uma das caractersticas

    constitutivas do capital financeiro.

    Uma condio fundamentaldessa dinmica foi o abandono do pleno

    empregocomo meta primeira da poltica econmica, j que nveis de atividade

    inferiores a esse fragilizam os trabalhadores, obrigando-os a aceitar qualquer

    coisa, desde que se preserve o espao para a venda de sua fora de trabalho.

    Assim, no s circunstancialmente que o pleno emprego deixa de ser

    atingido. A despeito das oscilaes cclicas naturais que a acumulaocapitalista experimente, e que podem eventualmente fazer com que o produto

    se aproxime desse nvel, sua busca deliberada como poltica de Estado

    incompatvel com a atual fase do capitalismo.

    Nessa fase, as funes econmicas do Estado no desaparecem, mas

    se exacerbam em relao aos interesses do mercado e sua plena liberdade.

    A educao tecnolgica tambm objeto dessa inflexo, conformando-se,

    inclusive, como mercadoria. As reformas educacionais levadas cabo nos

    anos de 1990 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso do prova disto. O

    neoliberalismo no est superado, mas entra em uma nova fase em que se

    retoma a necessidade de dinamizao da economia produtiva, no governo de

    Luiz Incio Lula da Silva, e da ao do Estado no asseguramento de condies

    sociais necessrias produo e ao controle das crises. O cenrio de um novo

    desenvolvimentismo4 ainda incerto, mas neste que se encontram

    atualmente as polticas de expanso da educao tecnolgica sustentada pelo

    Estado.

    4 Uma obra recente sobre esse tema a de Castelo (2010).

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    A educao profissional e a ideologia do desenvolvimento na

    consolidao do capitalismo no Brasil

    A relao entre educao bsica e profissional no Brasil est marcada

    historicamente pela dualidade. Nesse sentido, at o sculo XIX no hregistros de iniciativas sistemticas que hoje possam ser caracterizadas como

    pertencentes ao campo da educao profissional. O que existia at ento era a

    educao propedutica5para as elites, voltada para a formao de futuros

    dirigentes.

    Os primeiros indcios do que hoje se pode caracterizar como as origens

    da educao profissional surgem a partir de 1809, com a criao do Colgio

    das Fbricas, pelo Prncipe Regente, futuro D. Joo VI (Brasil, 1999 - Parecer

    n 16/99-CEB/CNE). Nessa direo, ao longo do sculo XIX foram criadas

    vrias instituies, predominantemente no mbito da sociedade civil, voltadas

    para o ensino das primeiras letras e a iniciao em ofcios, cujos destinatrios

    eram as crianas pobres, os rfos e os abandonados, dentre essas, os Asilos

    da Infncia dos Meninos Desvalidos.

    A perspectiva da educao profissional no Brasil

    Essa educao tem a sua origem dentro de uma perspectiva

    assistencialista com o objetivo de amparar os rfos e os demais desvalidos

    da sorte, ou seja, de atender queles que no tinham condies sociais

    satisfatrias, para que no continuassem a praticar aes que estavam na

    contra-ordem dos bons costumes.

    O incio do sculo XX trouxe uma novidade para a educao profissionaldo pas quando houve um esforo pblico de sua organizao, modificando a

    preocupao mais nitidamente assistencialista de atendimento a menores

    abandonados e rfos, para a da preparao de operrios para o exerccio

    profissional. Assim, em 1909, o Presidente Nilo Peanha criou as Escolas de

    5 Educao Propedutica: Tem como objetivo apenas, levar o aluno a um prximo nvel de ensino mais avanado. Por exemplo: aprender todos os contedos

    do segundo ano para ter a progresso para o terceiro. Enfim, consiste em uma viso de educao dissociada da viso defendida e discutida pela autora desselivro, que concebe a educao vinculada a prtica social tendo o trabalho como princpio educativo.

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    Aprendizes Artfices, destinadas aos pobres e humildes, e instalou dezenove

    delas, em 1910, nas vrias unidades da Federao.

    A criao das Escolas de Aprendizes Artfices e do ensino agrcola

    evidenciou um grande passo ao redirecionamento da educao profissional,

    pois ampliou o seu horizonte de atuao para atender necessidades

    emergentes dos empreendimentos nos campos da agricultura e da indstria.

    Nesse contexto, chega-se s dcadas de 30 e 40, marcadas por grandes

    transformaes polticas, econmicas e educacionais na sociedade brasileira.

    A partir de ento, a histria do desenvolvimento industrial e tecnolgico

    brasileiro foi marcado pelo embate entre um projeto de desenvolvimento

    autnomo e outro associado e subordinado ao grande capital. Esse tenso

    equilbrio foi rompido e deslocado em favor do capital estrangeiro no governo

    de JK.

    Figura 1.2Cartaz do governo do Estado Novo (1935): "() O Brasil est de p, vigilantee disposto a tudo empenhado na conquista de seu destino imortal!".

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    Nesse perodo, a formao dos trabalhadores tratada como uma necessidade da expansoindustrial, porm, parte da poltica educacional.

    Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Estado_Novo2_-_1935.jpg

    Na reforma educacional implementada por Francisco Campos em

    1931, cuja normatividade consagrada pela Constituio de 1934, o governo

    federal compromete-se com o ensino secundrio, dando-lhe contedo e

    seriao prpria. Porm, o carter enciclopdico dos currculosmanteve a

    caracterstica elitistadesse ensino, enquanto os ramos profissionais foram

    ignorados, criando-se dois sistemas independentes. Ainda que se tenha

    regulamentado o ensino profissional comercial, nenhuma relao entre eles foi

    estabelecida.

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    O dualismo do ensino tcnico

    No momento em que a ideologia do desenvolvimento comeava a

    ocupar espao na vida econmica e poltica do pas, sequer houve qualquer

    preocupao consistente com o ensino tcnico, cientfico e profissional,

    oficializando-se o dualismo configurado por um segmento enciclopdico e

    preparatrio para o ensino superior e outro profissional independente e restrito

    em termos da configurao produtiva e ocupacional.

    Somente a Constituio de 1937 apresenta os indicativos de uma

    organizao sistematizada do ensino industrial. o que se v a seguir.

    O ensino pr-vocacional destinado s classes menos favorecidas , em

    matria de educao, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhes dar execuo

    a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de

    iniciativa dos Estados, dos Municpios e dos indivduos ou associaes

    particulares e profissionais. dever das indstrias e dos sindicatos

    econmicos criar, na esfera de sua especificidade, escolas de aprendizes,

    destinadas aos filhos de seus operrios ou de seus associados. A lei regular

    o cumprimento desse dever e os poderes que cabero ao Estado sobre

    essas escolas, bem como os auxlios, facilidades e subsdios a lhes serem

    concedidos pelo poder pblico (Constituio de 10 de novembro de 1937, art.129).

    A Lei Orgnica do Ensino Secundrio (1942), promulgada durante o

    Estado Novo, na gesto do Ministro Gustavo Capanema, acentuava a velha

    tradio do ensino secundrio acadmico, propedutico e aristocrtico.

    Predominava a funo propedutica voltada para o ensino superior, sob a

    gide de uma Constituio (1937) que fortaleceu o ensino privado. Juntamente

    com esta, o conjunto de leis orgnicas que regulamentou o ensino profissionalnos diversos ramos da economia, bem como o ensino normal, significou um

    importante marco na poltica educacional do Estado Novo. Entretanto, se havia

    organicidade no mbito de cada um desses segmentos, a relao entre eles

    ainda no existia, mantendo-se duas estruturas educacionais paralelas e

    independentes.

    Esse quadro de industrializao exigiu uma qualificao maior de

    mo de obra, de modo que o ensino tcnico industrialvai ganhando maior

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    dimenso ao ponto de, em 1959, a Lei n 3552 de 16 de fevereiro, estabelecer

    nova organizao escolar e administrativa para estabelecimentos do ensino

    industrial. Ao ser regulamentado, o Decreto n 47038 de 16 de novembro de

    1959 definiu as Escolas Tcnicas que comporiam a rede federal de ensino

    tcnico, transformando-as em autarquias e em Escolas Tcnicas Federais.

    Observa-se, portanto, o Estado assumindo parte da qualificao de mo de

    obra, de acordo com as funes adquiridas por ele no plano dos investimentos

    pblicos estratgicos6.

    Dentre as razes para a organizao do ensino tcnico industrial,

    duas tm diretamente a ver com a atuao do Estado, a saber:

    (I) a criao da CSN e da Fbrica Nacional de Motores;

    (II) a tendncia dominante de uso de critrios uniformes de organizao e

    progresso do ensino, a fim de que a escola pudesse ser utilizada

    eficientemente como instrumento de controle social. (Cunha, 1977, pp.97 a

    99)

    Esta ltima razo tambm esteve na base da determinao de se

    elaborar uma Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, advinda da

    Constituio de 1946. (Cunha, 1977, pp.97 a 99)

    O projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB)

    entrou para a pauta do Congresso em 29 de outubro de 1948, data em que se

    comemorava o aniversrio de queda de Getlio Vargas e do Estado Novo.

    Tendo sofrido vrios retornos Comisso de Educao e Cultura, o texto em

    debate foi substitudo por um projeto de Carlos Lacerda, apresentado em

    1958, que incorporava os interesses dos estabelecimentos particulares deensino.

    As discusses travadas em torno do projeto

    foram marcadas pelo conflito entre escola pblica

    e escola particular.

    6Lembremos que, indicando uma tentativa de maior homogeneizao escolar e conferindo um carter mais universal ao ensino tcnico, a Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional de 1961 fez com que o ensino tcnico, que antes era terminal, se tornasse equivalente ao secundrio propedutico, podendo ostcnicos, uma vez concludo seus cursos, candidatarem-se a qualquer curso de nvel superior.

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    No obstante hegemonia do pensamento privatista, o crescimento

    da procura pelo ensino secundrio entre significativos contingentes da

    populao urbana que no tinham condies de arcar com os custos do ensino

    privado fez com que as presses se concentrassem sobre os governos dos

    Estados da Federao. O atendimento a essas reivindicaes provocou intenso

    processo de criao de escolas secundrias pblicas estaduais.

    Uma outra polarizao tambm orientou as discusses. Tratava-se da

    tendncia que considerava insuficientes todas as propostas at ento

    formuladas porque no davam ateno vinculao da educao ao

    desenvolvimento brasileiro. As crticas salientavam a necessidade de o

    projeto criar as condies para a construo de um sistema de ensinovoltado para a realidade e as necessidades do desenvolvimento

    brasileiro. Entretanto, o texto convertido em lei em 1961 representou uma

    soluo de compromisso entre as principais correntes em disputa, no

    correspondendo plenamente s expectativas de nenhuma das partes

    envolvidas no debate.

    Resolues da LDB de 61 para a educao profissional

    O fato mais relevante foi a equivalncia entre este e o ensino mdio.

    Organizado em dois ciclos o ginasial de 4 anos e o colegial de 3 anos

    ambos compreendiam o ensino secundrio e o ensino tcnico (industrial,

    agrcola, comercial e de formao de professores). A partir disto, os concluintes

    do colegial tcnico podiam se candidatar a qualquer curso de nvel superior.

    Quebrou-se, tambm, a rigidez das normas curriculares, abrindo-se a

    possibilidade de os Estados e os estabelecimentos anexarem disciplinasoptativas ao currculo mnimo estabelecido pelo Conselho Federal de

    Educao.

    Alguns sinais da equivalncia j haviam sido dados em 1953, quando

    foram definidos os cursos superiores, nos quais alunos formados no ensino

    tcnico industrial poderiam se candidatar. Esses deveriam ter cursado algumas

    disciplinas de carter geral ou certificado sua aprovao em exames dessas

    mesmas disciplinas em estabelecimentos de ensino federal ou equiparado.

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    Tais cursos eram os de engenharia, qumica, arquitetura, matemtica, fsica e

    desenho.

    A equivalncia estabelecida pela Lei n

    4.024/61 veio ento, conferir maior homogeneidade

    escolar a este campo e, ainda, um carter mais

    universal ao ensino tcnico.

    A transio do Governo Vargas para o de Juscelino Kubitschek

    caracterizou-se pelo abandono de uma poltica destinada a criar um

    sistema capitalista nacional em nome de uma poltica orientada para o

    desenvolvimento econmico dependente. O Plano de Metas (1956-1960)nos permite ver duas caractersticas dos anos JK, a saber:

    a abertura ao capital estrangeiro por via das

    multinacionais e da ideologia desenvolvimentista.

    Forma-se, nesse contexto, uma burguesia industrial

    brasileira associada, de forma subordinada,

    burguesia internacional;

    o Estado, alm de se manter como mediador

    entre as diversas foras sociais do pas, passa

    tambm a produzir mercadorias e servios,

    principalmente os infraestruturais.

    Figura 1.3JK

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    Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Juscelino_Kubitschek.jpg

    Ainda que no governo de Jango e mesmo, em menor medida, no

    perodo de JK, a sociedade civil tenha se tornado mais ativa, levando a um

    cenrio de crise do populismo, o Estado brasileiro no deixou de ser

    centralizador e corporativo, como j vimos e exemplificamos com o golpe civil-

    militar de 1964.

    A qualificao de trabalhadores tambm se deu de forma associada

    aos interesses estrangeiros. nesse contexto que, em 1965, criada a Equipe

    de Planejamento do Ensino Mdio (EPEM) no mbito do Ministrio da

    Educao. Sua existncia paralela ao Programa Intensivo de Formao de

    Mo de Obra (PIPMO), desenvolvido pelo Ministrio do Trabalho. Enquanto

    este ltimo voltava-se preparao de operrios qualificados, a EPEM

    destinava-se a assessorar os Estados na formulao de planos para o Ensino

    Mdio.

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    A organizao do ensino tcnico industrial

    Contou com a Comisso Brasileiro-Americana de Educao Industrial

    (CBAI), constituda com a colaborao de rgos americanos como a USAID e

    a Aliana para o Progresso, no contexto do Acordo Brasil e Estados Unidos

    firmado ainda em 1946, com o objetivo de fornecer equipamentos, assistncia

    financeira e orientao tcnica s escolas tcnicas brasileiras.

    No Plano Estratgico de Desenvolvimento (1967), no qual se previa o

    fim da recesso, uma das linhas de ao era:

    dar prioridade preparao de recursos humanos para atender aos

    programas de desenvolvimento nos diversos setores, adequando o sistema

    educacional s crescentes necessidades do pas, principalmente no que se

    refere formao profissional de nvel mdio e ao aumento aprecivel da

    mo de obra qualificada" (Brasil, M. P., Plano Estratgico do

    Desenvolvimento, apudMachado, 1989, p. 53).

    Nesse contexto, o ponto de maior impacto no ensino secundrio foi a

    reforma de 1971. A Lei n 5.692, de 11 de agosto desse ano, colocou como

    compulsria a profissionalizao em todo o ensino de 2o grau. Essas

    medidas foram significativas da prtica economicista no plano poltico que,

    concebendo um vnculo linear entre educao e produo capitalista,

    buscou adequ-la ao tipo de opo feita por um capitalismo associado ao

    grande capital. A contradio que aparece nesse quadro, porm, a crescente

    funo propedutica do ensino tcnico contrapondo-se ao propsito contenedor

    de acesso ao Ensino Superior.

    Com uma poltica de incentivo nacional e internacional, a rede deEscolas Tcnicas Federais se consolidou em 19597 e ocupou um lugar

    estratgico na composio da fora de trabalho industrial brasileira, de tal

    modo que em 1971 se configurou um projeto ainda mais ousado, tal como a

    transformao de algumas delas em Centros Federais de Educao

    Tecnolgica (CEFET). Tambm esse projeto recebeu apoio internacional, pois

    7Lei n. 3552 de 16 de fevereiro de 1959, regulamentada pelo o Decreto n. 47038 de 16 de novembro de 1959.

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    se iniciou com um Contrato de Emprstimo Internacional (n. 755/BR)8, na

    forma do PRODEM I (Programa de Desenvolvimento do Ensino Mdio),

    elaborado por comisses das quais participavam brasileiros e americanos. A

    formao de professores brasileiros para esse projeto ocorreu por meio de ummestrado na Universidade Estadual de Oklahoma, Estados Unidos.

    Observamos, assim, que na dcada de 70, as reformas educacionais

    fizeram parte do mito da economia planificada. Os I e II Planos Nacionais de

    Desenvolvimento espelham a determinao dos governos da ditadura militar

    em implementar o desenvolvimento acelerado, com influncia crescente da

    mquina estatal. As polticas se delinearam com a inteno de criar condies

    para o pas enfrentar a competio econmica e tecnolgicas modernas. A

    entrada das multinacionais no pas era significativa e as principais fontes de

    financiamento eram o Banco Mundial e o Banco Interamericano de

    Desenvolvimento (BID), ou seja, o pas se endivida para crescer,

    considerando o excesso de liquidez do sistema bancrio internacional, com

    abundante oferta de capital e, ao mesmo tempo, a existncia de muitos

    projetos de investimento produtivo.

    Formao qualificada de trabalhadores

    Era grande a preocupao com essa formao se justificando pela

    possibilidade de expanso dos empregos. Mantinha-se, no entanto, dois eixos

    de atuao: a formao acelerada de operrios para realizao do trabalho

    simples, e a formao de tcnicos de nvel intermedirio, em menor nmero,

    para realizar a funo de prepostos nas multinacionais, em paralelo com a

    formao propedutica destinada s classes mais favorecidas.

    O Estado brasileiro assumiu a doutrina da Escola Superior de Guerra e

    dos tericos keynesianos9, responsabilizando-se pela produo e pelo

    fornecimento direto de insumos industriais bsicos como a energia eltrica, o

    8 Contrato de emprstimo assinado em 21 de junho de 1971, com prazo de execuo at 30 de dezembro de 1975.

    9 O keynesianismo refere-se ao conjunto de ideias que propunham a interveno estatal na vida econmica com o objetivo de conduzir a um regime de plenoemprego, no sentido de fazer com que o crescimento da demanda ocorresse em paridade com o aumento da capacidade produtiva da economia.

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    petrleo e derivados, transportes, comunicaes, siderurgia, e matrias-primas

    industriais bsicas. Pretendia-se implementar uma poltica de absoro de

    tecnologias, favorecendo a adaptao e a elaborao tecnolgica autnoma.10

    Essas circunstncias levaram a uma poltica ainda mais contundente de

    formao de recursos humanos e qualificao acelerada de trabalhadores.

    Esse o perodo em que a Teoria do Capital Humano mais difundida e que

    tomam fora os princpios da economia da educao.

    Saiba mais...

    A Teoria do Capital Humano uma elaborao de Theodore Shultz debase econmica neoclssica, cujo objetivo foi explicar a influncia do fator

    humano (H) na produtividade. A teoria do fator econmico considera que a

    sociedade como produto de fatoreseconmico, social, polticoque atuariam

    independentemente um dos outros nos diferentes momentos da sociedade. A

    primazia do fator econmico ocorre enquanto a sociedade no tenha atingido o

    seu momento pleno de desenvolvimento, que seria o ponto timodas relaes

    de produo e de distribuio de renda. A educao aparece, ento, compondoo fator econmico, como um capital individual que teria consequncias sobre o

    capital social. Partindo dos componentes que inferem na variao do PIB da

    renda per capita (relao entre capital fixo e capital varivel e nvel de

    tecnologia), a TCH introduz o fator H (recursos humanos), que podem ser

    potencializados pela educao. Ela tenta mostrar que os resultados no

    explicados pelos primeiros, so explicados pelo ltimo. O carter ideolgico da

    Teoria do Capital Humano pode ser explicado por sua circularidade, que pode

    ser identificada contrapondo-se os aspectos macro e micro econmicos que a

    fundamentam. Explicamos: segundo essa teoria, o capital humano fator de

    10 O I Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974) (,) anunciou o objetivo de elevar do Brasil categoria dos pases de alto nvel de desempenho em

    todos os setores, com taxa de crescimento do PIB, estavelmente na ordem de 9% ao ano e expanso industrial acima de 10%, emprego expandido at 3,2% e

    a taxa de inflao reduzida para 10% ao ano, perseguindo elevados nveis de reservas e vitalidade no mercado de capitais e propiciando condies de

    competitividade para as empresas privadas em relao s empresas estrangeiras. O II Plano Nacional de Desenvolvimento definiu o modelo econmico e as

    estratgias para manter a performance do "milagre", e ajustar a estrutura econmica brasileira situao internacional, enfrentando, no entanto, a crise de

    energia devido elevao do preo do petrleo e de outros produtos essenciais como carvo, fertilizantes. A baixa relativa dos preos dos produtos de

    exportao deslocou a prioridade para a substituio de importaes, e para a tentativa de reduzir sua dependncia em relao a fontes externas de energia,executando programas de pesquisa relacionadas a busca de fontes alternativas.

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    desenvolvimento social e de equalizao da renda individual, portanto, de

    mobilidade social; mas o fator econmico determina o acesso e a trajetria

    escolar. Portanto, o que determinante do acesso educao as condies

    econmicas e de distribuio de rendavira determinado. Inverte-se, assim, a

    realidade, pois a superestrutura aparece determinada pela estrutura. Para

    aprofundamento do tema, ver Frigotto (1989).

    O discurso utilizado para sustentar o carter manifesto de formar

    tcnicos construiu-se com base nas necessidades do mercado de trabalhoe

    pela necessidade de possibilitar aos jovens que no ingressavam nas

    Universidades,a opo pela vida economicamente ativa imediatamente aps a

    concluso do 2ograu. Ocorre que este ltimo argumento no condizia com oprojeto de ascenso social da classe mdia, que rejeitou a funo contenedora

    do ensino tcnico. Consequncia disto foram as medidas de ajustes

    curriculares nos cursos profissionaisoficialmente reconhecidas nos pareceres

    do Conselho Federal de Educao e, finalmente, a extino da

    profissionalizao obrigatria no 2ograu pela Lei n 7.044 em 1982.

    Cunha (1976), ao analisar as motivaes que levaram inflexo da

    profissionalizao universal e compulsria empreendida pela Lei n

    5.692/71, para uma flexibilizao promovida pelo Parecer n 75/76 e

    consolidada pela Lei n 7.044/82 identifica, dentre outros sujeitos, a burocracia

    do ensino industrial11 como um dos responsveis pelas alteraes feitas

    posteriormente por esses dois ltimos instrumentos legais, como reao

    sobrecarga que a reforma imps sobre as escolas tcnicas, especialmente as

    da rede federal.

    Com a obrigatoriedade da profissionalizao no 2o grau, o fato de as

    escolas tcnicas federais serem referncia na oferta do ensino

    profissionalizante fez com que essas fossem procuradas para estabelecer

    convnios com outras instituies, visando oferta da parte especial do

    11 Burocracia aqui entendida no sob o aspecto negativo, que sugere lentido e ineficincia, mas como grupos gestores de um processo. Alm desses

    sujeitos, cumpriram um importante papel nessa distenso as presses da burocracia do ensino secundrio e dos empresrios do ensino. Crticas pedaggicas profissionalizao compulsria tambm tiveram lugar.

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    currculo das habilitaes tcnicas. Com isto, alm do aumento de sua

    clientela, vrios descontentamentos advieram das relaes com outros

    sistemas de ensino impostos por essa poltica, que restringia a autonomia

    dessas escolas e colocava para elas novas responsabilidades que podiam

    comprometer a qualidade de seus servios.

    Preocupavam, ainda, com a possvel desvalorizao da profisso

    de tcnico, medida que escolas sem tradio no ensino profissional

    passaram a diplomar pessoas com menor qualificao do que a dos

    concluintes das escolas tcnicas; e, por fim, com o fato de as normas relativas

    formao desse tipo de profissional se estabelecerem por pessoas que no

    reconheciam a realidade do trabalho, suas necessidades e seus problemas.

    O autor conclui que a inflexo da poltica educacional de

    profissionalizao universal e compulsria no ensino mdio para uma distenso

    consistiu na substituio das habilitaes profissionais pelas habilitaes

    bsicas, e pelo entendimento da educao geral como preparao para a

    formao profissional. Esta inflexo decorreu da tentativa de eliminar tenses

    geradas pela prpria poltica educacional, mas de modo tal que ela mesma no

    fosse posta em questo.

    No caso das escolas tcnicas federais, tal inflexo acabou por valorizar

    a formao por elas desenvolvida, consolidando-as como as instituies mais

    adequadas para conferir ao ento 2o grau o carter profissionalizante

    voltado para a formao em habilitaes profissionais especficas. Pode-se

    dizer que a partir da Lei n 7.044/82 at o final da dcada de 80, as escolas

    tcnicas federais desempenharam sua funo de formar tcnicos de 2o

    graucom reconhecida qualidade, merecendo o respeito das burocracias estatais e

    da sociedade civil, que as isentavam de qualquer questionamento sobre seu

    papel econmico e social relativamente s respectivas obrigaes

    educacionais.

    A partir de meados de 1976, as estratgias adotadas pelo II PND

    comeam a sinalizar fraqueza. O modelo econmico dependente entravou o

    desenvolvimento cientfico e tecnolgico nacional, a disparidade de renda se

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    ampliou enormemente e medidas recessivas foram conjugadas com o

    crescimento s custas do capital estrangeiro. A fraca transio democracia

    no incio dos anos de 1980se fez no contexto do Consenso de Washington,

    com cujas premissas o Brasil se comprometeu, principalmente em razo da

    crise fiscal, inflacionria e de credibilidade externa vivida nesseperodo.

    Mesmo frente a um processo recessivo e altamente inflacionrio, o

    governo Sarney implementou o Programa de Expanso e Melhoria do

    Ensino Tcnico (PROTEC)12, em 1986, mediante o qual as Unidades de

    Ensino Descentralizadas, vinculadas a uma escola-me (escola tcnica ou

    agrotcnica ou CEFET) foram criadas. A exposio de motivos n 135, de 4 de

    julho de 1986 apresenta a razo desse Programa baseado no I PND da Nova

    Repblica, no qual se definiam as "metas estratgicas das reformas, de

    crescimento econmico e de combate pobreza" (Brasil, MEC, 1986c). Um

    emprstimo foi obtido junto ao Banco Mundial para a realizao do Programa

    de Melhoria e Expanso do Ensino Tcnico (PROTEC).

    O PROTEC tinha como objetivo implantar 200 novas escolas tcnicas

    industriais e agrotcnicas de 1oe 2ograus, justificado por dados estatsticos

    que apontavam para a precariedade do atendimento nesse nvel de ensino13.

    O quadro resultante do PROTEC em 1993 demonstrava a inaugurao de 11

    Unidades de Ensino Descentralizadas (UnEDs) e 36 destas em construo14.

    Houve uma tentativa de tornar as UnEDs em autarquias, atravs do mesmo

    projeto que veio a propor a transformao de todas as ETFs em CEFETs e a

    instituio do Sistema Nacional de Educao Tecnolgica15. No entanto, em

    12Sobre esse programa e seus fundamentos polticos ver Frigotto e Ciavatta (1988).

    13As estatsticas naquele momento indicavam que, do total de estabelecimentos de 1 oe 2ograus, apenas 4,3% eram de 2ograu; da matrcula geral de 1oe2ograus, apenas 10% referiam-se ao 2ograu; do total da matrcula de 2ograu, 41,4% incide em estabelecimentos particulares" (Brasil, MEC, 1986).

    14Dados apresentados em Brasil, MEC (1993). Acrescenta-se que a criao de 2 CEFET's aps a Lei n. 6545/78 foi realizada pela transformao emCEFET's da ETF-Ba, fundida ao CEMTEC-Ba e da ETF-Ma,. A primeira medida foi feita pela Lei n. 8.711 de 28 de setembro de 1993 e a segunda pela Lei n.

    7863 de 31 de outubro de 1989.

    15Nagib L. Kalil, em pronunciamento no III CONET - Congresso Nacional de Educao Tecnolgica, 1993. A transformao das UnEDs em ETFs consta daminuta de projeto de lei recebido pelas ETFs em 23 de maro de 1993.

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    suas verses finais, a questo foi retirada do projeto, permanecendo o mesmo

    quadro j citado.

    Ao final da dcada de 80, o processo de redemocratizao das

    relaes institucionais, somado s mudanas no mundo do trabalho ,

    comeou a pautar na sociedade e no interior das instituies o debate sobre

    uma formao de novo tipo que incorporasse dimenses polticas

    comprometidas com a cidadania. Docentes e servidores tcnico-

    administrativos das escolas federais reuniram-se em corporaes nacionais, a

    Associao Nacional de Docentes das Escolas Federais (ANDEF) e o Sindicato

    Nacional dos Servidores das Escolas Federais (SINASEF).

    Politecnia

    Apesar dessa articulao ocorrida no auge da discusso sobre uma

    nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional no ter sido suficiente

    para incorporar plenamente as comunidades dessas escolas no debate,

    docentes e servidores organizados politicamente e/ou qualificados em

    programas de ps-graduao em educao levaram para seu interior a

    discusso a politecnia, cerne dos embates sobre o ensino mdio naquele

    momento.

    No incio da dcada de 90, quando o projeto de um governo

    democrtico-popular foi derrotado nas urnas, a Secretaria de Educao Mdia

    e Tecnolgica do Ministrio da Educao (SEMTEC), preocupada em alinhar a

    formao de tcnicos reestruturao produtiva e, ao mesmo tempo, fortalecer

    essas instituies diante do novo cenrio poltico do pas16

    , mobilizou-sepoliticamente em dois sentidos, a saber: a) implementar um novo modelo

    pedaggico nas escolas tcnicas e CEFETs; b) instituir o Sistema Nacional de

    Educao Tecnolgica e transformar todas as Escolas Tcnicas Federais em

    16 A redemocratizao do pas colocou o tema da finalidade das escolas tcnicas e cefets em pauta para os segmentos conservadores e progressistas.Dentre os primeiros, a crtica centrava-se no seu alto custo e no distanciamento do mercado de trabalho, demonstrado pelo elevado nmero de alunos que se

    dirigiam ao ensino superior. Dentre os progressistas, questionava-se a concentrao de recursos pblicos em instituies que serviam predominantemente ao

    capital, com atendimento seletivo e restrito populao. Sob a hegemonia dos segmentos conservadores, o carter pblico dessas instituies foi, diversas

    vezes, ameaado por medidas designadas, por exemplo, como estadualizao transferncia para os sistemas estaduais de ensino e senaizao incorporao pelo sistema S; e, ainda, privatizao transferncia total ou parcial para os setores privados.

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    Centros Federais de Educao Tecnolgica (CEFETs)17. Esta ltima medida

    realizou-se por meio da aprovao da Lei n 8948/9418.

    Apesar de no manifestas, outras motivaes comprometiam as

    comunidades das escolas tcnicas a cefetizao. A criao do Sistema

    Nacional de Educao Tecnolgica tenderia a unificar e fortalecer essa rede de

    ensino, enquanto a transformao das Escolas Tcnicas Federais em CEFETs

    pretendia evitar seu sucateamento, por dificultar tentativas de estadualizao

    (transferncia para os sistemas estaduais), senaizao (transferncia para

    senai) ou privatizao (transferncia para o mercado). Isto se vinculava,

    especialmente, implantao do ensino superior, que condicionaria sua

    permanncia no sistema federal de ensino.

    Figura 1.4Linha do tempo da Educao Profissional no Brasil

    XXX

    DIAGRAMADOR: FAVOR INSERIR A LINHA DO TEMPO DISPONVEL EM

    (http://200.17.98.190/portalead/Sit_Historico.aspx)

    Obrigada!

    Fonte: http://200.17.98.190/portalead/Sit_Historico.aspx

    O quadro demonstrado explica a mobilizao que existiu tambm em

    torno da reformulao curricular no interior das instituies, mediante a

    implantao de um currculo comum da educao tecnolgica19. A

    discusso travada entre representantes das escolas especialmente os

    17 Esse assunto j se gestava desde 1989 envolvendo a ento Secretaria Nacional de Educao Tecnolgica SENETE. Algumas Escolas TcnicasFederais como a de Pelotas, Campos, Par, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, So Paulo, Maranho e Bahia j reivindicavam a sua

    transformao em CEFET's ao final da dcada de 80, encaminhando processos ao Ministrio da Educao. Em 1992 uma comisso de avaliao das Escolas

    Tcnicas foi criada com o objetivo de verificar as condies estruturais das escolas de modo a classificar temporalmente sua transformao, emitindo relatrios

    ao Ministrio da Educao e do Desporto (Brasil, MEC, 1992).

    18A instituio do Sistema Nacional de Educao Tecnolgica foi suprimida da lei, como condio para aprov-la, devido presso do segmento privado,que no concordava em ter suas instituies sob a regulao total do Estado.

    19A SEMTEC formalizou a proposta de um modelo pedaggico para as instituies feferais de educao tecnolgica mediante um documento enviado sDirees-Gerais em 27/04/1994. Os Diretores de Ensino o discutiram em encontro realizado em Barbacena no perodo de 12 a 16/09/1994. No Seminrio

    dobre Reestruturao do Modelo Pedaggico e Estruturao do Modelo de Formao de Professores para o Ensino Tcnico Industrial Brasileiro, realizado em

    Belo Horizonte, no perodo de 11 a 13/10/1994, SEMTEC e o CONDITEC (Conselho de Diretores das Escolas Tcnicas) assumiram o compromisso deconduzir essa discusso com a mxima participao das comunidades institucionais.

    http://200.17.98.190/portalead/Sit_Historico.aspxhttp://200.17.98.190/portalead/Sit_Historico.aspx
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    diretores de ensino trouxe o conflito entre diferentes concepes de

    educao tecnolgica.

    Uma delas centrava-se na formao humana, incluindo a construo

    sistematizada do conhecimento articulada com o mundo do trabalho em suas

    mltiplas dimenses; a outra possua vis tecnicista e economicistana tica

    do capital humano. Num contexto econmico-poltico neoliberal, as polticas

    relativas a essa rede de ensino,na primeira metade da dcada de 90, foram

    permeadas por esse conflito e hegemonizadas pela segunda viso.

    Neste momento, a cefetizao de todas as escolas tcnicas,

    aprovada pela Lei n 8.948/94, ainda no sara do papel dada a ausncia de

    regulamentao. O apoio reforma da educao profissional por parte dos

    diretores-gerais foi conseguido, total ou parcialmente, mediante a efetivao

    desta medida pelo Decreto n 2.406/1997. Este decreto reconfigurou a

    identidade dos novos CEFETs20com base no Decreto n 2.208/97, mas no

    conferiu autonomia para ministrar cursos superiores, salvo os de formao

    de tecnlogos e de professores para disciplinas de educao cientfica e

    tecnolgica. A efetiva transformao das escolas tcnicas em CEFETs deu-se

    mediante decreto para cada uma delas, aps aprovao de um projeto

    apresentado pela instituio, elaborado segundo as diretrizes estabelecidas

    pela Portaria n 2.267/1997.

    A luta progressista dos anos 80 e a vitria conservadora dos anos 90: da

    nova LDB reforma curricular no ensino mdio e tcnico

    Fechando-se o ciclo da ditadura civil-militar, a mobilizao nacional para

    a transio democrtica levou, ainda que lentamente, instalao do

    Congresso Nacional Constituinte em 1987.

    Figura 1.5Redemocratizao do Brasil

    20 Lei n. 6.545, de 30/06/1978, regulamentada pelo Decreto n. 87.310, de 21/06/1982.

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    Ulysses Guimares segurando a Constituio Federal de 1988

    Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ulyssesguimaraesconstituicao.jpg

    Do lado da estrutura governamental, a preocupao com o ensino

    secundrio voltava-se, mais uma vez, para contornar a presso por vagas no

    ensino superiore para o ajuste da formao s necessidades educativas

    trazidas pela incipiente modernizao das bases tcnicas e de gesto do

    trabalho.

    Do lado da sociedade civil, a comunidade

    educacional organizada se mobilizava fortemente em

    face do tratamento a ser dado educao naConstituio, antes mesmo da instalao da

    Assembleia Constituinte.

    Em relao ao ensino mdio, um importante avano era sinalizado no

    sentido de um tratamento unitrio educao bsica que abrangesse desde

    a educao infantil at o ensino mdio, este como a ltima etapa. O debate

    terico travado pela comunidade educacional, especialmente dentre aqueles

    que investigavam a relao entre Trabalho e Educao, afirmava a necessria

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    vinculao da educao prtica social e o trabalho como princpio

    educativo.

    Trabalho como princpio educativo

    Maria Ciavatta

    [...] Do ponto de vista poltico-pedaggico, tanto a conceituao do

    trabalho como princpio educativo quanto a defesa daeducao politcnica e

    da formao integrada, formulada por educadores brasileiros, pesquisadores

    da rea trabalho e educao, tm por base algumas fontes bsicas terico-

    conceituais. Em um primeiro momento, a vertente marxista e gramsciana

    (Marx, op. cit.; Gramsci, 1981; Manacorda, 1975 e 1990; Frigotto, 1985;

    Kuenzer, 1988; Machado, 1989; Saviani, 1989 e 1994; Nosella, 1992;

    Rodrigues, 1998). Em um segundo, sem abrir mo da vertente gramsciana, a

    ontologia do ser social desenvolvida por Lukcs (1978 e 1979; Konder, 1980;

    Chasin, 1982; Ciavatta Franco, 1990; Antunes, 2000; Lessa, 1996).

    Gramsci (op.cit.) prope a escola unitria que se expressaria na unidade

    entre instruo e trabalho, na formao de homens capazes de produzir, mastambm de serem dirigentes, governantes. Para isso, seria necessrio tanto o

    conhecimento das leis da natureza como das humanidades e da ordem legal

    que regula a vida em sociedade.

    Opondo-se concepo capitalista burguesa que tem por base a

    fragmentao do trabalho em funes especializadas e autnomas, Saviani

    (1989, p.15) defende apolitecnia que postula que o trabalho desenvolva,

    numa unidade indissolvel, os aspectos manuais e intelectuais [...] Todo

    trabalho humano envolve a concomitncia do exerccio dos membros, das

    mos e do exerccio mental, intelectual. Isso est na prpria origem do

    entendimento da realidade humana, enquanto constituda pelo trabalho.

    Frigotto argumenta em dois sentidos. Primeiro, faz a crtica ideologia

    crist e positivista de que todo trabalho dignifica o homem: Nas relaes de

    trabalho onde o sujeito o capital e o homem o objeto a ser consumido,usado, constri-se uma relao educativa negativa, uma relao de submisso

    http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.html
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    e alienao, isto , nega-se a possibilidade de um crescimento integral (1989,

    p. 4). Segundo, preocupa-se com a anlise poltica das condies em que

    trabalho e educao se exercem na sociedade capitalista brasileira; como a

    escola articula os interesses de classe dos trabalhadores... preciso pensar a

    unidade entre o ensino e otrabalho produtivo, o trabalho como princpio

    educativo e a escola politcnica (1985, p. 178).

    Disponvel em: Acesso

    em 16 de fev. de 2013.

    Se o saber tem uma autonomia relativa face ao processo de trabalho do

    qual se origina, o papel do ensino mdiodeveria ser:

    Recuperar a relao entre conhecimento e a

    prtica do trabalho. Isto significaria explicitar como a

    cincia se converte em potncia material no

    processo de produo.

    Assim, seu horizonte deveria ser:

    Propiciar aos alunos o domnio dosfundamentos das tcnicas diversificadas utilizadas

    na produo, e no o mero adestramento em

    tcnicas produtivas. No se deveria, ento, propor

    que o ensino mdio formasse tcnicos

    especializados, mas sim politcnicos.

    Saiba mais...

    Politecnia diz respeito ao domnio dos fundamentos cientficos das

    diferentes tcnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno

    (Saviani, 2003, p. 140). Nessa perspectiva, o ensino mdio deveria se

    concentrar nas modalidades fundamentais que do base multiplicidade de

    processos e tcnicas de produo existentes.

    http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/traproimp.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/traproimp.html
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    Esta era uma concepo radicalmente diferente do 2o grau

    profissionalizante, em que a profissionalizao entendida como um

    adestramento a uma determinada habilidade sem o conhecimento dos

    fundamentos dessa habilidade e, menos ainda, da articulao dessa habilidade

    com o conjunto do processo produtivo (Saviani, 1997, p. 40).

    O iderio da politecnia

    Buscava, portanto, romper com a dicotomia entre educao bsica e

    tcnica, resgatando o princpio da formao humana em sua totalidade; em

    termos epistemolgicos e pedaggicos, esse iderio defendia um ensino que

    integrasse cincia e cultura, humanismo e tecnologia, visando aodesenvolvimento de todas as potencialidades humanas. Por essa perspectiva,

    o objetivo profissionalizante no teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos

    interesses do mercado, mas constituir-se-ia numa possibilidade a mais para os

    estudantes na construo de seus projetos de vida, socialmente determinados,

    culminada com uma formao ampla e integral.

    Com isto se fazia a crtica radical ao modelo hegemnico do ensino

    tcnico de nvel mdio implantado sob a gide da Lei n 5692/71, centrada

    na contrao da formao geral em benefcio da formao especfica.

    Especialmente no ensino industrial, conhecimentos das reas de Cincias

    Sociais e Humanas e, eventualmente, das Linguagens, tinham pouca

    relevncia na formao dos estudantes.

    Sob um olhar pragmtico, caso o estudante viesse a trabalhar ou a

    prosseguir os estudos na rea em que se habilitou tecnicamente, e suasexperincias de vida no desafiassem seus conhecimentos naquelas reas,

    pouco se sentiam tais lacunas de formao. Outros estudantes, porm, ao

    tomarem diferentes rumos, acabavam tendo que supri-las por meio de

    estratgias as mais diversificadas.

    Em face dessa realidade e buscando resgatar a funo formativa da

    educao, os projetos originais da nova LDB insistiam que o ensino mdio,

    como etapa final da educao bsica, seria composto de, pelo menos, 2400horas. A formao profissional, que nunca substituiria a formao bsica,

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    poderia ser acrescida a este mnimo e preparar o estudante para o exerccio de

    profisses tcnicas.

    O projeto de uma nova LDB foi apresentado pelo deputado Octvio

    Elsio em dezembro de 1988, dois meses depois de promulgada a Constituio,

    incorporando as principais reivindicaes dos educadores progressistas,

    inclusive referentes ao ensino mdio. Iniciava-se, assim, uma importante

    mobilizao pela aprovao de uma nova LDBque pretendia trazer avanos

    significativos para a educao nacional na perspectiva da democratizao e

    da universalizao da educaopara todos de qualidade.

    Em relao educao profissional e ao ensino mdio, o horizonte

    traado por este projeto, era da escola unitria e politcnica, superando-se a

    histrica dualidade que marca a histria da educao brasileira. O longo debate

    em torno desse projeto e do Substitutivo Jorge Hage foi atravessado pela

    apresentao de um novo projeto de LDB pelo Senador Darcy Ribeiro.

    Para conhecer um pouco mais o texto

    apresentado pelo deputado Octvio Elsio,

    indicamos a leitura do texto: Educao Profissionalna LDB, de autoria de Nacim Walter Chieco

    Francisco e Aparecido Cordo, disponvel em:

    http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/articl

    e/viewFile/987/891.

    Ainda em 1996, no perodo que antecedeu a aprovao desta lei, o

    governo FHC enviou Cmara dos Deputados um projeto de lei que

    reformaria a educao profissional, principalmente quanto a sua vinculao

    com o ensino mdio, que recebeu, naquela casa, o nmero 1.603.

    O Projeto de Lei n 1603/9621, que disps sobre a Educao

    Profissional e a organizao da Rede Federal de Educao Profissional

    21 No mbito do Congresso Nacional a resistncia levou apresentao de trs novos objetos legislativos: o PLS 236/96, de autoria do Senador Jos Eduardo

    Dutra, o PL 2933/97 do Deputado Federal Joo Faustino, e o PDL 402/97 dos Deputados Federais Miguel Rosseto e Luciano Zica. Ainda que com formatos

    diferentes, os dois primeiros projetos intencionavam a mesma coisa: recuperar a misso educativa regular das escolas tcnicas e, portanto, preserv-las,

    caracterizando a educao profissional como um processo educativo mais amplo e democrtico. O PDL, por sua vez, buscou sustar os efeitos do Decreto

    http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891
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    constitui-se na definio de uma matria que passou por duas verses

    prvias22. Em exposio de motivos23do Ministro Paulo Renato, o anteprojeto

    foi anunciado como integrante da proposta de governo de FHC, j que

    estabelece a necessria relao entre a reforma constitucional, a retomada dodesenvolvimento e a "formao profissional que deve acompanhar o avano

    tecnolgico de modo a atender a demanda do setor p