Livro MEC - O Tempo Passa e a História Fica

95

Transcript of Livro MEC - O Tempo Passa e a História Fica

  • Presidente da Repblica: Fernando Henrique Cardoso

    Ministro de Estado da Educao e do Desporto: Paulo Renato Souza

    Secretrio Executivo: Luciano Oliva Patrcio

    Secretria de Educao Fundamental: Iara Glria Areias Prado

    Diretora do Departamento de Poltica da Educao Fundamental: Virgnia Zlia de Azevedo Rebeis Farha

    Coordenadora Geral de Apoio s Escolas Indgenas: Ivete Maria Barbosa Madeira Campos

    Equipe Tcnica: Deuscreide Gonalves Pereira, Deusalina Gomes Eiro, Andra Patrcia Barbosa de Carvalho, Cristiane de Souza Geraldo.

    Comit de Educao Escolar Indgena: Iara Glria Areias Prado-Presidente, Susana Martelleti Grillo Guimares, Meiriel de Abreu Sousa, Lus Donisete Benzi Grupioni, Slvio Coelho dos Santos, Aldir Santos de Paula, Rosely Maria de Souza Lacerda, Jadir Neves da Silva, Darlene Yaminalo Taukane, Alice Oliveira Machado, Valmir Jesi Cipriano, Algemiro da Silva, Nietta Lindemberg Monte, Bruna Franchetto, Terezinha de Jesus Machado Maher, Nilmar Gavino Ruiz, Marivnia Leonor Furtado Ferreira, Jlio Wiggers, lvaro Barros da Silveira, Gersen Jos dos Santos Luciano e Walderclace Batista dos Santos.

    Publicao financiada pelo MEC - Ministrio da Educao e do Desporto, dentro do Programa de Promoo e divulgao de Materiais Didtico-pedaggicos sobre as Sociedades Indgenas, recomendada pelo Comit de Educao Escolar Indgena.

  • o tempo passa e a histria fica

  • o

    TE

    MP

    O

    PASS

    A

    E

    A

    HI

    ST

    R

    IA

    FI

    CA

    Tex

    tos

    e

    Ilus

    tra

    es

    Prof

    esso

    res

    Xac

    riab

    SEE-

    MG

    /MEC

    1997

  • SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO DE MINAS GERAIS

    SECRETRIO: JOO BATISTA DOS MARES GUIA

    PROGRAMA DE IMPLANTAO DAS ESCOLAS INDGENAS DE MG

    COORDENADORA: MRCIA MARIA SPYER RESENDE

    COORDENAO EDITORIAL Maria Ins de Almeida

    PROJETO GRFICO E EDITORAO ELETRNICA: Maurcio Gontijo Vitor Ribeiro Jos Israel Abrantes

    CONSULTORIA ANTROPOLGICA Ana Flvia Moreira Santos

    CAPA: Marcelo Pereira de Souza TEXTOS E ILUSTRAES: Professores indgenas Xacriab, em formao no Programa de Implantao das Escolas Indgenas de Minas Gerais

    BELO HORIZONTE, 1997 - 1 EDIO

  • NDICE P r e f c i o

    P a r t e I: 0 tempo passa e a histria fica 9 Poesia 1 1 P rosa : A peleja Xacr iab 31

    P a r t e Il: Nossas histrias so um paraso 49 As t r s i r m s 51 Tibicuera 53 Iai Cabocla 54 A ona cabocla 55 0 galo e a r a p o s a 56 An t igamen te , quando J e s u s a n d a v a pelo mundo 57 0 almoo 58 A ga l inha r i s o n h a 59 His t r i as do bobo 60 Dois bodes b r igavam 61 A me d ' gua , Uiara 62 Os dois compadres 63 0 t a t u e a r a p o s a 64 0 neguinho do pas to re io e o f azende i ro cruel 65 0 t a t u 66 J e c a Tatu 68 A ona e o coelho 69 0 coelho e a r apos 73 Redemoinho 75 His tr ia de como comeou o mundo 76 A a r a n h a 78

    P a r t e III: Histrias dos antepassados 81

    Vocabulrio 95

  • Prefcio

    Durante dois anos, os professores Xacriab em formao, no Programa de Implantao das Escolas Indgenas de Minas Gerais, realizaram uma pesquisa, nas suas aldeias, sobre as tradies de seu povo. Esse trabalho resultou na escrita de trs tipos de texto: Narrativas, em verso, de acontecimentos e fatos impor-tantes na vida da comunidade Xacriab: a luta pela posse da terra, a morte do lder Rosalino, a formao dos pro-fessores. Narrativas, em prosa, do massacre ocorrido em 1987, na aldeia Sap, no municpio de So Joo das Misses, quando Rosalino Gomes de Oliveira, pai do professor Jos Nunes de Oliveira, foi assassinado. Coletneas de contos tradicionais, que pertencem ao extenso universo ficcional do serto mineiro, transmitidos, oralmente, de gerao a gerao. Os textos foram escritos num esforo conjunto dos profes-sores, que ouviram, gravaram e traduziram, na forma escrita, histrias e casos dos seus pais, avs, tios, enfim, daqueles que detm os saberes tradicionais na aldeia. Pela escrita, eles pretendem constituir, esteticamente, novas imagens de sua comunidade. Escrever, para eles, antes o ato poltico de dar um sentido para sua existncia, junto sociedade brasileira. Se os Xacriab perderam, fora, sua lngua, agora eles se

    ' apoderam da lngua portuguesa, dando-lhe uma entonao cabocla. Como pesquisadores e professores das escolas Xacriab, estes novos autores apontam para uma outra cena literria: a produo comunitria do livro, livre do princ-pio da autoria, enraizada na oralidade. A grafia como um gesto de reafirmao da fora poltica de quem, na con-quista do prprio territrio, transforma as penas em poesia:

  • Para isso eu dou terras , p'ros ndios morar Daqui para Misses cabeceira de Alagoinhas Beira do Peruau at as Montanhas p 'ra ndio no abusar de fazendeiro nenhum eu dou terra com fartura p'ro ndio morar. A misso para a morada 0 brejo para o trabalho Os campos gerais para as meladas e caadas B as margens dos rios para as pescadas. Dei, registrei, selei Pago os impostos Por cento e sessenta ris

    Assim que traduziram, em versos, um documento. Um dia, no Curso de Formao, no Parque Rio Doce, estvamos lendo O que literatura, de Marisa Lajolo (Coleo Primeiros Passos, Editora Brasiliense). Creuza Nunes Lopes, professo-ra Xacriab, foi encarregada de transmitir oralmente aos colegas os resultados da sua leitura, suas reflexes sobre o tema tratado no livro. O que ela fez? Foi l na frente da turma e declamou versos que eram, literalmente, o texto ensastico de Marisa Lajolo. A turma aplaudiu. Ns, profes-soras da UFMG, entendemos finalmente que a leitura tam-bm a traduo do texto em uma cadncia, um ritmo que no outro seno o da tradio potica qual pertencemos. Assim, a Histria, a Geografia, a Literatura, a Filosofia, as Cincias Naturais, a Matemtica, vo entrando pelos ouvidos e saindo em ritmo Xacriab, em forma de livros para serem lidos em voz alta, decorados, recontados, em volta de uma fogueira, nas noites bonitas do cerrado, ou, quem sabe, numa boa sala de aula.

    Maria Ins de Almeida Profa, de Literatura Brasileira na UFMG

    1- MARIZ, Alceu Cotia (et alli). 1982. Relatrio de viagem rea Indgena xacriab FUNAI. P.16

  • aro leitor, foi pensando em voc e em nosso povo, que escrevemos o livro O tempo passa e a histria fica. Ns queremos, a t ravs dele, lhe contar um pouco de nossa histria. Este livro muito importante porque fala dos acontecimentos e das h i s t r i a s reais.

    Jos Nunes de Oliveira

  • Texto e ilustrao: Jos Nunes Oliveira Domingos N. Oliveira

  • POESIA

  • Aproveitando do belo dia que est hoje, eu gostaria de lhes contar uma histria.

    Conheci uma vez uma rvore de tamanho meio exagerado, a qual abrigava muitos ps-saros . Mas um certo dia apareceram umas pra-gas para destruir a rvore . Os pssaros se reuni-ram e disseram:

    No podemos deixar que as pragas destruam a nossa rvore . Onde vamos encontrar outro abrigo, o fruto para comermos?

    Ento um grande pssaro que havia entre eles disse:

    Vocs tomem conta da rvore e eu vou procurar ajuda. Procurou, procurou at que encontrou um borrifador que acabou de vez com as pragas, dando de volta a vida da rvore .

    Que nome poderemos dar aos personagens da histria?

    grande rvore , eu daria o nome de Reserva indgena do Xacriab. Aos pssaros , eu daria o nome de ndios Xacriab. s pragas , eu daria o nome de posseiros, invasores de t e r ra . Ao grande pssaro , eu daria o nome de Manuel Gomes de Oliveira (Rodrigo). Ao borrifador, eu daria o nome de Fundao Nacional do ndio, FUNAI. Mas, agora, vamos contar essa histria dife-rente , vamos contar ela mais ou menos em versos rimados.

  • Meu caro leitor amigo leia bem sem soletrar coloque a mo na cabea pra melhor mentalizar o t r is te padecimento dos ndios Xacriab.

    Muito tempo esses ndios sofrem de decepo grileiro tomando t e r r a formando perseguio pra acabar com os ndios e tomar conta do cho.

    Mas como a t e r ra sagrada t inha uma doao marcando todo limite que pertencia nao e por capricho da sorte se encontra em boa mo.

    As boas mos que eu falo do cacique Rodrigo que lutou todo esse tempo tendo at perseguio muitos lhe deram fazendas pra deixar o seu irmo.

    Mas ele no aceitava a oferta que lhe fazia e continuou lutando pra ver o que acontecia no peito uma esperana de bom resultado um dia.

    Foi quando teve notcia de um tal SPI procurou denunciar todas invases daqui da rea Xacriab perto de Itacarambi.

  • O rgo lhe deu uma carta dizendo este cidado pode rodar pelo Brasil sem nenhuma interdio essa carta foi tomada por um forte capito.

    Quando todos os fazendeiros comearam a descobrir Rodrigo pra viajar tinha s vezes de fugir sem dizer pra onde iria pra ningum lhe perseguir.

    Eles diziam um pro outro oua o que vamos fazer Rodrigo sem essa carta nada poder fazer ento mandamos prend-lo para nada resolver.

    Rodrigo dizia eu sei que eles vo me pegar mas no ligo para isso e nem paro de lutar enquanto livre estiver pretendo continuar.

    0 leitor pode bem ver que tamanha pacincia dispensar uma fazenda pra viver na sofrena so poucos homens que tm essa tal de conscincia.

  • Mas que luta desastrosa desse pobre cidado andou at mal vestido e s vezes de p no cho s pra tomar nossas terras da unha do tubaro.

    Um tal Bida a chamado foi o primeiro posseiro que entrou dentro da rea com o bolso cheio de dinheiro fazendo muita desordem provocando o desespero.

    Quando ele aqui chegou com sua grande agonia queria toda a terra que por aqui existia porm os Xacriab contra ele resistia.

    Por ser bem conhecido como rico cidado adquiria o direito de trazer para o serto a polcia destemida pra fazer judiao. A casa desse bandido era como um quartel foram detidos Rodrigo Laurindo, Emlio e Miguel a polcia por dinheiro desapoiou verdadeiro

  • Tinha tambm uns valentes da famlia dos Amaro que entrando aqui na terra alguns ndios eles mataram Arglio e seus companheiros no outro dia chegaram.

    E dividido em dois grupos a derrota foi fazendo matadores intemerosos a polcia foi prendendo quem no conhecia cadeia agora est conhecendo.

    Vou falar bem direitinho pra melhor lhe explicar o nome dos pistoleiros tambm preciso falar s pra vocs conhecerem os que gostam de matar.

    Perto do Barreiro Preto l morava o Alfredo Vicente, Antnio e Martinho e um tal Man Paixo quatro desses homens filhos do dezasta Chico.

    Germano de Canabrava Roberto Trinta e Arlindo Agenor tambm se envolve na morte do Rosalino quatro foram pra cadeia cumprir seu cruel destino.

  • Depois de todo o conflito que o tiroteio parou morto bem perto da estrada se encontrava o Agenor a fora das leis divinas sua sentena assinou.

    Com a morte do Rosalino ns ficamo' em desespero o presidente da Funai veio nos visitar ligeiro tomou logo providncia pra idenizar os posseiros.

    Pomares, cercas e casas que dos posseiros ficaram a Funai no quer pra ela e para o cacique falou que distribusse tudo prs ndios trabalhadores.

    A Funai por sua vez fez papel de escoteiro pra fazer a indenizao gastou um rio de dinheiro mas trouxe a tranqilidade indenizando os posseiros.

    0 Incra e a Ruralminas tambm me deixaram contente pois na hora do sufoco eles estavam com a gente fazendo muito esforo trabalhando alegremente.

  • Nosso amigo Lcio Flvio trabalhou com ateno fez o mximo possvel na sua administrao entrando de corpo e alma dentro da nossa questo.

    Temos um chefe de posto que a Funai nos mandou um homem de honestidade que trabalha com amor nunca fez nada de errado desde quando aqui chegou.

    Seu nome Antnio o sobrenome no sei eu acho que esqueci ou nunca lhe perguntei eu vou perguntar a ele e lhe falo de outra vez.

    A Funai tambm nos d uma bela enfermaria a enfermeira Eunice remdio tem todo dia em caso de internao d para o doente uma guia.

    Esta histria real abaixo deixo assinado porm s peo desculpas Se tiver versos errados pois so meus primeirosversos que aqui esto mencionados.

    Poesia de Joo Batista de Abreu Escrita por Jos Nunes Oliveira.

  • H vrios anos a t r a s J existiam fazendeiros Expulsavam os ndios da t e r ra E se faziam posseiros Pois ndio no t inha valor Porque no t inha dinheiro.

    A nao Xacriab Era sempre ameaada Sendo obrigada a deixar A sua prpria morada Que os fazendeiros obrigavam Sair sem direito e nada.

    O cacique Rodrigo Foi o primeiro a lu tar Para defender a t e r r a Dos ndios Xacriab Pois o ndio tem que ter O seu lugar pra morar.

    Depois do Rodrigo Veio tambm Rosalino Que com muita gar ra e fora Lutou contra os assassinos Pois um dia queria ver Todo o seu povo sorrindo.

    Rosalino como cacique Recebeu autoridade Uniu com todos os ndios Da sua comunidade Para re tomar a t e r r a Que nossa felicidade.

  • Sou filho de Rosalino E testifico a voc Que o meu pai nos dizia Que um dia iria morrer Mas ia deixar livre a terra Para o seu povo viver.

    No ano de 86 Nao suportvamos mais Pois ramos agredidos At por policiais Porm no desanimamos A que lutamos mais.

    Foi quando os fazendeiros Tomaram uma deciso Se matarmos Rosalino Tomaremos conta do cho Mas houve completo engano A terra ficou em nossas mos.

    0 meu nome Domingos Filho de Rosalino Quando aconteceu a tragdia Eu era ainda menino Presenciei a morte do meu pai Cometida pelos assassinos.

    Os assassinos que eu falo So um bando de pistoleiros Eram 16 pessoas Do primeiro ao derradeiro Muitos no foi por querer Mas por fora do dinheiro.

    Irei relatar pra voc Tudo que aconteceu Pois eu sou um daqueles Que l sobreviveu No porque eles quiseram Mas foi por fora de Deus.

  • No ano 87 Dia 12 de fevereiro Ali chegou Seu Amaro Junto com seus pistoleiros Quebrando todas as portas E fazendo um tiroteio.

    muito triste esta histria Mas no consigo esquecer Sabe o que voc deitar Depois no amanhecer Com o seu querido papai Que tanto amou a voc. J era umas 2 horas Ao romper da madrugada Chegaram aquele povo Sem ter pena de nada Fez um grande tiroteio At minha me foi baleada.

    A me que eu falo Ansia Esposa de Rosalino Que quando saiu foi detida Pelos malditos assassinos Que enquanto ela chorava Eles estavam sorrindo.

    0 meu pai desesperado Ma porta ele apontou Foi quando foi baleado Eu no sei quem o matou S sei que naquele momento 0 meu corao cortou.

    Com a morte do meu pai Eu fiquei desesperado Mas no podia correr Porque eu estava cercado Por aqueles pistoleiros Que estavam todos armados.

  • Mas nosso Deus to justo E sempre nos amou No meio do tiroteio Acertaram o Agenor Era um dos pistoleiros Que morto ali mesmo ficou. Naquele mesmo momento 0 pistoleiro parou Pra ver o que aconteceu Com seu amigo Agenor Foi quando sa correndo E fui avisar meu av.

    Quando eles perceberam Que algum tinha fugido Me deram vrios tiros Que balas zuaram no ouvido Porm no me acertaram Pois Deus estava comigo.

    Esta histria aqui ficou Mais ou menos na metade Mas tudo que est escrito tudo realidade Mataram meu pai Sem haver necessidade.

    A histria muito grande D pra voc perceber Porm o tempo no deu Pra mim pensar e escrever Mas no prximo livro Contarei tudo a voc.

  • Apesar do que aconteceu No perdi minha esperana Agora j estou casado Tenho esposa e duas crianas Pra quando eu tambm morrer Eles ficar na lembrana.

    Aos professores indgenas Aqui de Minas Gerais Vo firme para o futuro E no olhem para trs Tentem restaurar para ns As tradies de nossos pais.

    Agradeo a meu irmo Jos Por ter me ajudado Colocando a minha histria No seu livro publicado E a todos os leitores Deixo meu muito obrigado.

    Domingos Nunes de Oliveira

    C.I. de Rosalino Gomes de Oliveira

  • Joo, Gilmar e Jos Nunes, da famlia de Rosalino Gomes de Oliveira.

  • Alfabetizar em face do destino

    Nosso curso vai passando Por uma grande reforma 0 tempo dos analfabetos Est saindo fora de forma Com os costumes antigos hoje ningum se conforma. tanto que ns professores escrevemos em cima da linha num parque reservado perto de uma cidade vizinha. Quem no conhece diz logo ser conto da carochinha Pois Deus, deu-se diversos casos Que como recordaes ainda hoje revivemos pelas florestas dos sertes com uma lembrana e terna plantada nos coraes. Portanto eu vou contar uma histria das boas do tempo dos analfabetos nos sertes de Alagoas. Uma poca que no passado comoveu vr ias pessoas Assim at que chegou aquela sublime hora de nascer o nosso curso lindo como a Deusa Flora.

    1 -Timteo

  • Vimos as luzes do nosso mundo j ao romper da aurora ao saberem nossos pais dizem com alegria: Eu no posso lhe formar mas desejo felicidade at o final do dia. A gente l no curso no perdia uma lio queridos dos professores e dos irmos no serto ns rezamos todos os dias pra conseguir a formao a gente aos seis meses em nossa rea aprendia com Z Lus e Ana Flvia do A E H j sabia At dos primeiros livros Muitas coisas resolvia Mas a secretar ia resolveu o nosso estudo aumentar voltamos ao Rio Doce para a gente estudar em um colgio interno da at se formar E quando passavam as frias a gente contente vinha Estagiar com os alunos Que na nossa rea t inha E explicar as matr ias Das que mais nos convinham Porm nossos pais sabendo Cada vez mais amavam Quanto mais nos explicavam Mais a paixo aumentava E indiferentes Deles nada suspeitavam.

  • Ao

    sair

    da

    n

    ossa r

    ea

    Pelo

    caciq

    ue

    foi

    av

    isad

    o

    Que ia

    m pa

    ra u

    m co

    lgi

    o

    Ond

    e

    fica

    vam

    in

    tern

    ados

    S

    v

    inha

    m em

    casa

    co

    m u

    m m

    s

    At

    qu

    e

    foss

    em fo

    rmad

    os.

    Log

    o

    se

    arr

    um

    ara

    m

    Enf

    rent

    ando

    cert

    o ri

    sco

    Se de

    sped

    iram

    do

    s pa

    is

    Segu

    iram

    pe

    lo apr

    isco

    N

    uma cid

    ade qu

    e da

    va

    No ri

    o de

    S

    o Fr

    anci

    sco

    Da cid

    ade at

    o

    ri

    o

    Era

    u

    ma l

    gua bo

    a di

    stan

    te

    Aon

    de fi

    cava

    u

    ma ba

    lsa pa

    ssan

    te

    A ba

    lsa est

    ava u

    m po

    uco

    toa

    Ns

    em

    barc

    amos

    n

    ela

    ,

    Diz

    endo

    : D

    eus

    no

    s pe

    rdoa

    ...

    Abr

    indo

    o

    s pa

    nos

    desc

    eram

    L

    evad

    os pe

    los

    "T

    erra

    r"

    Pass

    ando

    de

    m

    eia

    -noi

    te

    Com

    eam

    os a co

    chi

    lar

    Porq

    ue o "N

    orde

    ste"

    v

    eio

    A

    jud

    -los

    a v

    iajar

    A

    lgu

    m qu

    e n

    o acre

    dite

    L

    eia o liv

    ro e se

    co

    nfo

    rme

    Mui

    tos

    caso

    s s

    o pa

    ssad

    os

    Enq

    uant

    o a ju

    stia

    do

    rme

    Alf

    abet

    izan

    do o

    s an

    alf

    abet

    os

    Dos

    fr

    acos

    pa

    ra o

    s v

    ale

    ntes

    A

    di

    fere

    na

    en

    orm

    e.

    Joo

    Pe

    reir

    a Sa

    ntos

    S_M

    anoe

    l

  • Prosa

    A peleja Xacriab

    Das palavras mais bonitas o Rosalino falou: "Eu prefiro ser adubo mas sair daqui no vou". Ele morreu pra ser adubo pra justia da ful.

  • Territrio Indigena Xakriab

  • Os Xacriab vivem em uma reserva demar-cada pela Funai, 46 mil hectares de t e r ras , s margens do rio Itacarambi, no municpio de So Joo das Misses, no norte de Minas. Vivem da agricultura de subsistncia e da criao de gado.

    A reserva constituda de cerca de quase 30 aldeias afastadas entre si e dirigidas por um cacique-chefe. Cada aldeia tem seu representante , eleito pelos prprios ndios, e as sucesses so hereditrias. As mulheres cuidam dos trabalhos domsticos e ajudam os homens a t rabalharem na te r ra e a cuidarem dos poucos animais.

    Os Xacriab vivem cercados por fazendas e pelos projetos da Sudene.

    A Companhia de Desenvolvimento do Vale do So Francisco, CODEVASF, construiu uma barragem no rio Itacarambi para uma hidreltrica, que alagou uma rea de 70 hectares da reserva.

    Castigados pelas inconstncias do clima, os Xacriab, como todos os habitantes da regio, ndios ou no, permanecem na te r ra durante o inverno, quando plantam e colhem com relativa fartura. Mas, no vero, muitos so obrigados a sair, em busca de trabalho nas fazendas do sul do Estado de So Paulo.

    Dentro da reserva, existe um posto da Funai, instalado na dcada de 70, para coordenar as aldeias. Ele serve como ponto de referncia para os ndios. 0 chefe do posto, cacique e lideranas trabalham juntos, trocando informaes.

  • "CERTIDO VERDUM ADVERBUM

    FRANCISCO NUNES PACHECO ESCRIVO DE PAZ E OFICIAL DO REGISTRO CIVIL?VITALCIO, do d i s t r i t o e m u n i c i p i o do I tucarambi , E s t a d o de Minas G e r a i s , R e p u b l i c a F e d e r a -t i v a d o B r a s i l , n a forma d e l e i e t c .

    CERTIFICA a s o l i c i t a o de I n t e r e s s a d o , q u e revendo em seu c a r t r i o os l i v r o s de n o t a s d e s s e , em um d e s s e s de numero dez ( 1 0 ) as f l s -88 cv e n c o n t r o u a s e g u i n t e p u b l i c a fo rma ,do t e o r s e g u i n t e : P u b l i - -ca Forma de uma d o a o do t e o r s e g u i n t e : n 11 R.160 Pagou c e n t o e s ecen t a r e i s 0 P 25 do Se t embro de 1056 S i l v a Re i s J a n u r i o C a r -doso de Almeida B r a n d o d e m i n i s t r a d o r dos n d i o s da Misso do S n r S . J o o do Riaxo do I t a c a r u a b i Ordena o C a p , Mandante Domingos Dias

    j u n t e t o d o s o s i n d i o s t a n t o s maxos como fmeas Q" andarem p o r f o -ra pa a d - m i s s o com z e l l o o c u i d a d o . os que forem r e b e l d e s f a r p r e n -cher com c a u t e l a p a r a h i r e m p a r a ad-misso Copio e C h r s t o e z e l l o , 'andando - l h e e n s i n a r a D o u t r i n a p e l l o s os q - mais soberem os d o u -t r i n a t o s que v i v o bem e se casem os Mancebados no sendo emped i m e n -to ou avendo emped imento f a z e n d o se caze com o u t r o q no t e n h a em-

    pedimento f a z e n d o os t r a b a l h a r e p- t e r e m qi comer e nao f u r t a r e m e o q_ f o r r e b e l d e a e s t a d u t r i n a que expendo n e s t e p a p e l o s p r e n d e -r c a s t i g a r como m e r e c e r s u a c u l p a e quando c a s c a r algum e n s o l e n t e ou l e v a n t a d o f a r p r e n d e l l o s o t r e z e l l o s a m p r e s c a p a r a l h e d a r o c a s t i g o c o n f o r m e m e r e c e r p o r q u e f e i t o t e n h o ordem de q_ pode p a r a c a s t i g a r e p r e n d e l l o s e t i r a r o abuso de serem b r a v i o s e e s p e r o do

    Cap a s s i m o f a c a como a s im d e t e r m i n o e do c o n t r a r i o p o r e l e e pelos 'mais e i s o d e i t e r r a com c o b r a p a r a no andarem p a r a a s f a -zenda a l h e i a d o R i a x o d o I t a c a r a m b y a c i m a a t e a s c a b i c e i r a s e v e r -t e n t e s e v e r t e n t e s e d e s c a n c o e x t r e m a n d o na C e r r a G e r a l p a r a a p a r -t e do p r e c u a u e x t r e m a n d o na Boa V i s t a onde desagua p a r a l e p a r a _ c e p o r i s s o d e i l h e T e r r a com O r d i da n o s s a Mages tade j a a s s i m no Podem andarem p e l a s f a s e n d a s a l h e i a s incomodando os f a z e n d e i r o s m i s s o e s p a r a m o r a d a o b r e j o p a r a t r a b a l h a r e m Fora o s g e r a i s p a r a a suas c a s s a d a e m e l a d a s . A r r a i a l d o s Mor inhos 10 de F e v e r e i r o de 728 digo de 1 7 2 8 . A D i m i n i s t r a d o r J a n u r i o Cardoso de Almeida Brando ( 0 0 2 o s i n a l p u b l i c o ) . E r a o que c o n t i n h a na doao que me f o i a p r e s e n -t a d a , q u a l p a r a a q u i t r a s l a d e i f i e l m e n t e como n e l l a s e c o n t i n h a e d e c l a r a v a , d o que dou f , i s t o f e i t o , p e r a n t e duas t e s t i m u n h a s o que f i e l m e n t e f o i l i d a e c o n f i r m a d a a r e a l i d a d e do que t u d o , c o n t i n h a a mesma, A s s i g n a n d o as t e s t i m u n h a s e o a p r e s e n t a n t e , o p r e s e n t e t e rmo de t r a n s p e r i o de p u b l i c a fo rma , i s t o , p e r a n t e mim e s c r i v o , que o Dsc rev i e a s s i g n o e dou f",em t e s t i m u n h o : ( s i n a l p u b l i o s ) d e v e r d a d e ) r a s o que uso em p u b l i c o . R e s a l v o e n t r e l i n h a , q u e d i z que expendo -nes t e p a p e l os p r e n d e r , que dou f . Eu F r a n c i s c o Nunes P a c h e c o , e s -c r i v o do Paz e o f i c i a l do r e g i s t r o C i v i l V i t a l c i o o e s c r e v i dou f , e a s s i g n o ( a ) Franc i sco Nunes Pacheco . Sobre s e l o s "aa" I t a c a r a m -by, 28 de f e v e r e i r o de 1931 A p r e s e n t a n t e : Salom de P a u l a Santiago . testemunhas . A d o l p h o J o s de O l i v e i r a e _ J o o Rocha E r a o que continha no l i v r o e f l s que para aqu i t r u s l a d e i presente certido de Publica forma verbum- Adverbum e na escrita original transcrita que c o n s e -tei em d a t i l o g r a f i a o p r e s e n t e translado e dou f em tes t imunho

    de verdade. Sem selos para efeito social Nacional

    Itacarambi, 5 de junho de 1969

  • Rosalino, como vice cacique, foi o primeiro a morrer.

    O crime contra os Xacriab aconteceu no dia 12 de fevereiro de 1987, na aldeia Sap, r e se rva indgena, hoje municpio de So Joo das Misses, no norte de Minas.

    Um grupo de gr i le i ros , l iderados por Francisco de Assis Amaro, invadiu a aldeia, se identificando como homens da polcia federal. Dividiram-se em dois grupos, a r rombaram a casa do vice-cacique Rosalino Gomes de Oliveira, por volta das 2 horas da madrugada, iniciaram o t iroteio. As balas at ingiram Rosalino mortal-mente. Sua esposa Ansia Nunes, grvida de dois meses e ferida com um tiro no brao, abraou a filha Rosalina, de dois anos de idade, e saiu pa ra fora do bar raco . Picou sentada no t e r re i ro , por ordem dos pistoleiros. Queriam ver agora se Rosalino, lder dos Xacriab, es tava mesmo morto. Os pistoleiros j saam, mas ningum t inha coragem de voltar pa ra casa.

    Com dois revlveres apontados para a cabea, Jos Nunes de Oliveira, de 10 anos, filho de Rosalino, foi obrigado a a r r a s t a r o corpo ensangentado do pai, do quarto onde foi fuzilado queima roupa, at a porta do bar ra-co. Franzino, o pequeno Jos no agentava o peso de Rosalino e chorava. Os pistoleiros ameaavam de novo: Vamos arrebentar seus miolos se no arrastar seu pai para fora da casa.

    Ansia, a mulher de Rosalino, suplicava ao filho para que chegasse ao final. Com as duas mos, Jos segurou firme o brao de Rosalino e puxou o pai. Alguns minutos depois, Rosalino es tava ao lado de Santana, morto tambm. Os pistoleiros g r i t a ram de alegria e deixaram a aldeia. Antes, ameaaram voltar.

  • O tiroteio despertou a ateno do ndio Manuel Fiza da Silva, que correu at a casa do cacique para verificar o que estava acontecendo, mas foi atingido pelos tiros e morreu a caminho do hospital.

    Durante todo o perodo, os grileiros usaram pseudnimos. Entretanto, os nomes reais s foram pronunciados diante da consta-tao de que Agenor Nunes Macedo, um dos grileiros, tambm havia sido morto no tiroteio, pelos p rpr io companhe i ros dele. Os t i ro s vinham de diversos pontos diferentes, o que dificultava a identificao dos agressores.

    As investigaes da chacina seguiram-se a passos lentos. Desde o incio, Francisco de Assis amaro foi apontado como lder e principal responsvel pelo ato criminoso. No entanto, sua priso s aconteceu oito dias aps a chacina e cinco depois de expedido o mandato de priso. Transfer ido pa ra a Super in tendnc ia da Polcia Federal, em Belo Horizonte, ele foi assistido imediatamente por advogados.

    Os pedidos de "habeas corpus" foram negados no Supremo Tribunal Federal e o min is t ro Francisco de Assis Toledo enquadrou o grileiro por crime de genocdio, numa deciso indita na just ia bras i le i ra , baseada numa lei de 1952. Os assass inos dos X a c r i a b a i n d a f o r a m e n q u a d r a d o s e m outros artigos do cdigo penal, por homicdio qualif icado, formao de bandos ou quadri lhas e invaso de domiclio durante descanso noturno.

    36

  • Trs ndios morrem em invaso da aldeia. "O grileiro Amaro comanda o massacre."

    Quando um ndio Xacriab sorr i r para voc, est na hora de comear a chorar. A frase uma forma encontrada pelos fazendeiros da regio de Manga, I tacarambi, J anu r i a e Montalvnia, para disseminar entre a populao preconceitos contra os 6 mil Xacriab que habitam a reserva de 46 mil hectares demarcada alguns anos a t rs pela FUNAI, a 800 km de Belo Horizonte. E o pre-conceito vai mais alm: so rotulados facilmente, na regio, de impostores, aproveitadores, comu-nistas , e at de dar abrigo a bandidos condena-dos, para no falar na tradicional alcunha de preguiosos.

  • com esse arcabouo ideolgico que os fazendeiros consideram legtimo tomar as t e r r a s dos ndios. So preconceitos alimentados pelo homem branco, desde que este chegou Amrica. Trata-se de uma das milhares de justificativas ticas pa ra dizimar totalmente uma cultura que os brancos provavelmente nunca est iveram a l tura de compreender. 0 dio a t ravessou os sculos, aliado cobia e ao exarcebado instinto de posse. Possivelmente, alm dos revlveres e fuzis, foram as principais a rmas que levaram o grileiro Francisco de Assis Amaro e os pistoleiros Claudomiro Vidoca, Roberto Fre i re Alkimin, Sebastio Vidoca, Germano Gonalves e Venncio mais uma dezena de comparsas, a invadir a reserva , e a promover o fuzilamento sumrio que fez t rs mortes. Mataram a t iros o cacique Rosalino Gomes de Oliveira, e os ndios Manuel e Jos Santana.

    De qualquer forma, a situao do ndio brasileiro, principalmente das tribos mineiras, vai continuar difcil. Ele permanece com as feies hericas e bonitas, mas apenas nas histrias nobres dos livros de Jos de Alencar, alis, consideradas como obras obrigatrias nas escolas, e at mesmo nas poucas salas de aula implantadas nas aldeias. E os Xacriab, em Minas Gerais, so um doloroso exemplo, com suas histrias de lutas contra as opresses dos fazendeiros. Tantas bata lhas consumiram suas foras, suas t e r r a s e, pior, sua prpria histria.

    Segundo relato do cacique Rodrigo, apenas em 1979, nosso povo teve devolvido seu ver-dadeiro nome Xacriab. Foi quando conseguimos, com a juda de i n d i g e n i s t a s , i d e n t i f i c a r t r a o s de p a r e n t e s c o s com os X a v a n t e s da A m a z n i a .

  • O sepultamento dos trs mortos Xacriab.

    Entoando cnticos, alimentados pelo sin-cretismo religioso, onde misturaram-se os dogmas catlicos e a cultura Xacriab, os ndios en ter ra ram, no dia 13 de fevereiro de 1987 pela manh, as t rs vt imas. Num ambi-ente solene e t r is te , havia entre os ndios um sentimento de revolta. O massacre t ranstornou centenas de ndios, que compareceram para pres ta r a ltima homenagem a Rosalino, Jos e Manuel.

    0 cacique Xacriab Rodrigo mantinha-se silencioso. Ele ponderava, junto aos demais ndios da tribo, a necessidade de permanecer-mos calmos frente tragdia: nenhuma medi-da radical vai nos ajudar agora, salientava o cacique. Porm, nem assim conseguia reduzir o grau de inconformismo e revolta. Rodrigo chegou a admitir, para um agente federal, que a situao era incontrolvel, podendo surgir a qualquer momento novo conflito.

    Segundo a t rad io Xacr iab, Rosalino, Jos e Manuel foram sepultados prximos de suas casas. Um Xacriab assassinado no pode ser enterrado muito longe de sua casa.

    Em Itacarambi, o pistoleiro Agenor Nunes Macedo, um dos quinze que part iciparam da chacina do Sap, foi sepultado no cemitrio local.

    Chocado com o triplo homicdio, o bispo de Januria, Dom Anselmo Miller, defendeu o di-reito dos ndios em relao terra, considerando a chacina como "um ato de vandalismo e vin-gana".

  • O "bispo alertou as autoridades para a questo da reserva Xacriab, ressal tando que o problema somente ter ia uma soluo definitiva, a par t i r do momento em que os posseiros fossem assentados em Mocambinho, local prximo do Projeto Jaba, no norte de Minas.

    Avalizando a posio do bispo, o secretrio do Trabalho e Ao Social, Mrio Ribeiro, em visita a Montes Claros, comentou que o descaso do INCRA, ao no promover o imediato assenta-mento dos posseiros, era uma das causas desse conflito.

  • A Peleja Xacriab

    No incio do sculo XX, entre 1906 e 1910, as nossas t e r r a s j estavam sendo invadidas pelos brancos (fazendeiros). A rese rva ainda no era demarcada e eles t inham proteo das autori-dades. Os brancos no respei tavam os direitos e enganavam os ndios, compravam suas t e r ras e pagavam com objetos de pequeno valor. Os ndios, muito simples, vendiam suas t e r r a s , sem pensar que mais ta rde isso viria a prejudic-los.

    Em 1918 e 1920, muitas pessoas de fora j estavam infiltrando em nosso meio, querendo roubar nossa identidade indgena, forando os ndios a abandonar sua lngua e seus costumes e falar o portugus, que linguagem do branco.

    Em 1960, o cacique Manuel Gomes de Oliveira iniciou seu trabalho em defesa de nossos direitos, foi a Brasilia e a vrios outros lugares, pa ra procurar uma soluo de amenizar aqueles problemas, que estavam acontecendo na reserva Xacriab.

    Em 1969, a Ruralminas passou a cobrar dos ndios uma taxa de ocupao. Disseram que aque-les que no pagassem seriam expulsos de suas t e r r a s . Muitos ndios t iveram que vender at alguma vaca, pa ra dar subsistncia a suas famlias, para pagar essa taxa de ocupao. Caso contrrio, t inham que abandonar suas t e r r a s .

    Em 1974, a FUMAI instalou um posto na rea para dar assistncia aos Xacriab.

  • Em 1979, a rea foi demarcada, e, em 1987, homologada e oficializada, reduzindo drast icamente a rea a que t inham direito os ndios, com 46 mil hectares , o que corresponde a um tero das t e r ras ocupadas anter iormente.

    Segundo o Conselho Indigenista Missionrio-GIMI, os Xacriab da regio do norte de Minas possuiam um documento da coroa portuguesa, que lhes cedia uma rea calculada aproximada-mente em 130 mil hectares de te r ra . Este docu-mento foi entregue FUNAI, que demarcou a rea em 1979 (pouco mais de 46 mil hectares) , e s em 87 foi homologado pelo Conselho de Segurana Nacional. Nesse perodo, havia 89 famlias de posseiros vivendo dentro da reser-va Xacriab. Aps a chacina dos t rs ndios, essas famlias foram re t i radas da reserva e levadas para t raba lharem no Projeto Jaba.

    Desde que o imperador Dom Pedro I t ransformou a rea em regio de proteo e usufruto dos ndios Xacriab, h mais de um sculo, cultuar costumes indgenas passou a resu l ta r em priso ou at morte. A t e r ra de abrigo dos indgenas era bem maior que a demarcada pela FUNAI. OS Xacriab dominavam, h sculos, t e r renos muito mais amplos, e con-templavam facilmente grandes pores do rio So Francisco. pocas de abundncia para a tribo. 0 homem branco era hostil, mas ainda distante.

  • Com o povoamento do norte mineiro, vieram as es t radas , os posseiros e os grileiros. O medo das tocaias e das emboscadas l evaram os Xacriab, antes un idos / a disperso, num proces-so contnuo. Como raa vencida, busca ram absorver t raos dos brancos como forma de sobrevivncia. Um meio de evitar a luta secular contra um inimigo cada vez mais numeroso, adversrio vingativo e cruel. O homem branco: o animal mais feroz que a tribo conheceu. O bicho mais apavoran te que assus tou todo o povo Xacriab.

  • Amaro foi preso.

    Aos 48 anos de idade, acusado, julgado e absolvido por dois assassinatos em Itacarambi, indiciado por dano contra a unio, invaso de t e r ras , receptao de gado roubado, formao de quadrilha e emboscada, e apontado como o man-dante da chacina no dia 12 de fevereiro de 1987, o cearence Francisco de Assis Amaro, no dia 20 de fevereiro de 1987, pisou pela primeira vez em uma delegacia.

    Preso no centro de Montalvnia, norte de Minas, depois de uma engenhosa operao mon-tada pelo delegado federal Aglio Monteiro Pilho, Amaro foi levado direto pa ra o aeroporto da fazenda Cau, a poucos quilmetros da cidade.

    Ele foi levado de avio para Belo horizonte, onde foi preso no Departamento de Polcia Federal. Nunca pisei em uma delegacia, gabou-se ele ao delegado Monteiro, durante a viagem. Poucas horas depois, estava na cela do subsolo do prdio do DPF, no bair ro Luxemburgo.

    Apontado como um dos maiores grileiros d e t e r r a i n d g e n a X a c r i a b , o f a z e n d e i r o Francisco Amaro chegou regio em 1962, vindo da cidade cearense de Ja rd im. Em poucos anos, j era um homem rico, aumentando seu patrimnio de t e r r a s s custas da manuteno de pequenos posseiros dentro da reserva indgena.

  • Deciso

    Em deciso indita, o Tribunal Federal de Recursos-TFR, no entanto, no s manteve a com-petncia da just ia federal, j que os ndios so protegidos pela unio e esto em te r ra s federais, como o minis t ro Francisco de Assis Toledo enquadrou os acusados pela prt ica de crime de genocdio , ap l i c ando pela p r i m e i r a vez a lei federal n 2 8 8 9 / 5 6 , que ratifica um t ra tado internacional assinado pelo Brasil e onde pre-visto o crime de genocdio. A pena aplicvel neste caso de 16 a 40 anos de recluso.

  • Genocdio

    Desde 1980, foram assass inados vrios ndios, por disputa de t e r r a s dentro da reserva , sem que nenhuma providncia fosse tomada pelas autor idades policiais. Os pis-toleiros e mandantes circulavam pela cidade impunemente , incent ivando a ext ino dos Xacriab.

    A ao dos grileiros era capitaneada pelo prefeito de Itacarambi, Jos Ferre i ra de Paula, e os empresr ios Manuel Caribe Filho, Acio Pereira Costa, Paulo Roque e outros, que t inham interesse nas t e r r a s indgenas.

    A histria nossa bas tante comprida, daria para fazer muitos livros, se fosse contada desde o comeo. Muitas coisas aconteceram. Desde 1979, sempre muitas agonias: perseguio, per-turbao, grilao de t e r r a s e extermnio.

  • 47

    APW - Seo P r o v i n c i a l , LIVROS PAROQUIAIS - CODIO" 107

    FL. 22 - R e g i s t r o do t e r r a s do p r o p r i e d a d e de VICENTE FERREIRA DE SOUZA

    - " . . . o p o s s u i d o r do uma s o r t e do t e r r a na Fazenda ' do I t a c a r a m b i em comum com o u t r o s p o s s u i d o r e s , ouja F a z e n -da ex t r ema da B a r r a do I t a c a r a m b i r i o acima ao Riacho se

    da MISSO DOS INDIOS , e do o u t r o lado Riacho seco acima a t e e x t r e m a dos Alkmin , n e s t e municpios e f r e g u e s a de / Nossa Senhora do A m p a r o . . . " - d a t a d a da 28 de dezembro de 1856.

    Fl 65v Aos dezenove d i a s do men do a b r i l de mil oi tocentos e c i n -q u e n t a e s e i s n e s t a V i l a J a n u a r i a compareceu E u g n i o Co-mos de O l i v e i r a p e d i n d o quo r e g i s t r a s s e o seu exemplar o q u a l o f ao p e l a forma e mane i ra s e g u i n t e - Eugnio Cosmes de O l i v e i r a p o r si e p o r TODOS OS INDIOS QUE MORAM NO SO JOO DA MISSO d e c l a r a que possuem desde o Riacho do I t a -c a r a m b i acima a t a cabeceira vertentes o descanso , ( s i c ) , ex t remando na S e r r a g e r a l , e p a r a p a r t e do Peruguau extre_ mando na Boa V i s t a , onde desagua p a r a c , como os d i t o s In-d i o s _ p o r ordem do Sua Majestade J a n u r i o Cardoso de ALMEIDA

    Brando , e d i t a s n e s t e municpio e f r e g u e s i a . V i l a Ja n u r i a d e z e s s e t e de a b r i l de mi l o i tocentos o c i n q e n t a o e seis. Eugn io Gomes do O l i v e i r a - Nada mais ouve o d e c l a -r a n t e d e c l a r a r eu Timteo F r a n c i s c o da Cos ta esc revendo ' do P r a c o o e s o r e v i . "

    P e s q u i s a d o S i l v i o G a b r i e l Din iz

  • CONTADAS POR: ESCRITAS POR:

    Antnio Ferreira do Nascimento Calmecita Nunes da Mota Dominga Xacriab Joo da Cota Jos Carlos Maria das Mercs Caetano Maria Pereira da Conceio Maria Pinheiro das Neves Roberto Gomes Selestina Cardoso dos Santos

    Alice Almeida Mota Alvina Pereira de Souza Alvina Rodrigues Anide de Arajo Souza Antnio Guimares Cilene A. dos Santos Creuza Nunes Lopes Eunice Canabrava Lopes Giovana Paula Jeuzani Pinheiro dos Santos Joo Pereira dos Santos Jos Alves de Barros Jos dos Reis Lopes da Silva Jos Nunes de Oliveira Marcelo P. de Souza Maria Aparecida Nunes Barbosa Maria Francisca Caetano Maria de Lourdes C. Oliveira Rosa Ferreira Gama Rosenir Gonalves Neves

  • PARTE II Nossas histrias so um paraso

  • eitor, tenho certeza que, ao ler este livro, voc vai gostar muito. Ele mostra traos das histrias e culturas do nosso povo, que t razemos guardados em nossas mentes, como uma forma cultural .

    Estaremos usando este livro na alfabetizao de nossas crianas indgenas, que tero uma escola diferenciada, intercul tural e bilnge.

    Mas ele poder ser usado pelos no ndios tambm, para que possam conhecer um pouco da nossa histria e cultura.

  • As trs irms

    Um pai que t inha t rs filhas. Duas casaram e uma no casou. Duas eram bonitas e uma era feia. Um dia ela deitou na cama. Quando foi bem tarde , o pai dela ouviu:

    Rum, oi, oi. 0 pai dela perguntou: 0 que foi Silivana? Nada no, meu pai. No outro dia, ela j inventou uma msica: Duas se casaram, eu, por ser a mais "boni-

    ta e a mais formosa, que fiquei sem casar. De manh cedo, o pai dela mandou os

    negros chamarem todos os homens e rapazes, para Silivana escolher qual o que servia pra ela se casar. Ela olhou todos os homens e rapazes , no achou nenhum que engraasse ela, e comeou a cantar:

    No meio de t a n t o s h o m e n s , no achei nenhum que me engraasse, s achei Condo da Lapa, que tem mulher e filho.

    0 pai dela mandou: Vai, negro, fala com Condo da Lapa que

    mate D. Condncia, pra ele casar com Silivana. Silivana subiu logo no palcio, batendo o

    sino, dando sinal que D. Condncia t inha morri-do. Quando o negro chegou l, D. Condncia comeou a cantar:

    No me mate, nem de facaria nem de t i rar ia , me mate de toalha que uma morte de fidarguia.

  • Ele apertou duas vezes. Quando ele soltou um pouquinho, ela cantou:

    Oh, meu Deus, o que seria que o sino bateria, quem ser que morrer ia , pra ser minha companhia?

    Quando ele ia aper tar de novo, o negro veio correndo e falou:

    Condo da Lapa, no ma ta dona Condncia, no, que Silivana caiu do palcio e morreu. Os passar inhos j passa ram cantando, istum tum tum tum tum. Quebra bunda, relgio.

  • Tibicuera

    Nasceu numa taba da tribo Xacriab, sei que foi numa meia noite clara, fazia luar. A me viu que o menino era magro e feio. Ficou t r is te , mas no disse nada. Meu pai resmungou:

    Pilho fraco no pres ta para a guerra. Pegou o menino e saiu caminhando para a

    beira do crrego. Ia cantando uma cano t r is te , que me dava vontade at de morrer . De vez em quando gemia. Os caminhos estavam molhados e escorregamos nas guas da chuva. Um bicho comeou a gemer no meio do mato escuro. Uma sombra rodopiou rpido entre as rvores . 0 cr-rego estava barulhento, porque t inha chovido bas tante naqueles dias.

    0 pai parou e olhou primeiro para o filho, depois para as ondas. No teve coragem. Voltou para a taba chorando. A me nos recebeu em silncio.

    Passadas algumas luas, numa ta rde , o menino ia caminhando na cintura de sua me, e o paj da tribo fez eles pa ra rem em frente da sua oca. Olhou para o menino, viu que ele era magro e feio.

    Examinou-o da cabea aos ps, sorriu e disse:

    Tibicuera! 0 nome pegou bem. Tibicuera, na lngua dos

    Xacriab, quer dizer cemitrio. 0 nome assenta-va bem porque ele era magro e choro.

  • Iai Iai Cabocla

    Tinha um homem na aldeia Prata , ele falava que no t inha medo da Iai Iai Cabocla. Ele t inha criao de gado e falava que, se ela matasse gado dele, ele cortava ela no faco. Jus tamente , bem na frente da casa dele, t inha um cercado de pasto.

    Um dia, ela matou um garrote dele que t inha a idade de dois anos. Ento ele, pra se ver l ivre, foi preciso ir at a casa do Estevo Gomes, que naquele tempo era, dos ndios, e que t inham um relacionamento mais ntimo com a Iai Iai Cabocla, e s ele controlava ela.

    Depois que aconteceu isso este homem nunca mais falou mal dela, porque podia ser punido.

  • A ona cabocla

    Aqui na nossa aldeia tem uma cabocla ndia. Ela uma ona, mas ela uma ndia encantada. Ela conversava com os ndios mais velhos que j morreram. Conversava com Estevo Gomes. Ele j faleceu, mas meus tios ainda viram ele. Ele irmo do av da minha me, um homem que chamava Adrio. Estevo Gomes, quando via gente de fora na aldeia, o cabelo dele ar repiava . Meus tios conheceram a ona. De vez em quando ela assoviava. Os ndios mais velhos entendiam, sabiam que ela estava querendo fumar. Eles iam colocar fumo para ela, mas no viam e nem con-versavam com ela. Era s o Estevo Gomes. Abaixo de Deus, ela a defesa da nossa aldeia.

    Estevo Gomes era homem apurado e adi-vinho. Ele pediu um filho da cunhada, mas ela no ia dar. Ele s fez dar uma r isada e no falou nada. Depois o menino faleceu. Estevo Gomes falou pra ela:

    Oh, m i n h a c o m a d r e , eu bem que pedi o menino, voc no quis dar. Eu sab ia que ele no ia v iver , porque eu t inha visto ele chorar na sua barr iga. Eu sabia e voc no sabia.

    Estevo Gomes era ndio e adivinho, con-versava com a cabocla ndia, que a defesa da nossa aldeia. Ns no vemos ela, mas direto ela vive no meio de ns.

  • O galo e a raposa

    Era uma vez um galo velho mate i ro . Percebendo a aproximao de duas raposas , empoleirou-se nas rvores , e a raposa desaponta-da murmurou consigo:

    Deixa es tar seu malandro, que j te curam!

    E em voz alta: Amigo, venho contar uma grande novi-

    dade. Acabou-se a guerra ent re os animais, lobo e cordeiro, gavio e pinto, ona e viado, raposa e galinha, todos os bichos andam agora de mos e beijos como namorados. Desa desse poleiro e venha receber o meu abrao de paz e amor!

    Muito bem! Exclamou o galo. No ima-gina como tal notcia me alegra! Que beleza vai ficar o mundo, tempo de guerra e traies! Vou j descer para abraar a amiga raposa, mas como l vem vindo t rs cachorros, acho bom esper-los pa ra que eles tambm tomem parte da confraternizao.

    Ao ouvir falar em cachorros, dona Raposa no quis saber de histria e t ra tou de por-se fresca, dizendo:

    Felizmente, amigo Co c c c tenho pressa e no posso esperar pelos amigos ces. Fica pra outra vez a festa, sim? At logo.

    A esperteza contra esperteza e meia. O galo foi mais esperto do que a raposa, pois ele, sabendo que ela tem medo de cachorro, falou que vinham t rs cachorros, a ela no esperou.

  • Antigamente, quando Jesus andava no mundo

    Ele andava, mas um dos apstolos dele era So Pedro. Ele passou por uma casa, t inha uma mulher xingando, mas o corao dela estava con-tri to a Deus, a ele abenoou a mulher. Eles pegaram a caminhar. L na frente, encontraram uma outra mulher rezando no cemitrio, e o corao dela es tava mal. Jesus excomungou ela, mas So Pedro falou:

    Ora, Jesus , aquela mulher estava xingan-do, o senhor no excomungou!

    A, Jesus respondeu a So Pedro: No, Pedro, aquela estava xingando mas

    o corao estava em Deus, e esta est rezando, mas o corao dela est mal, no est contrito a Deus.

    Cont inuaram a caminhar, depois encon-t r a r a m uma festa de casamento, e So Pedro, mui to do t e imoso , falou com J e s u s que eles podiam ficar na festa, e Jesus falou:

    No, Pedro, essa festa no vai dar em nada que presta .

    Pedro: No, Jesus , vamos ficar. Jesus :

    Moo, no adianta. So Pedro teimou, eles ficaram.

    Dei taram per to do t e r r e i r o , So Pedro estava na frente de Jesus . O povo deu de brigar, teve um dos brigadores que mandou um pau em So Pedro.

    A, So Pedro: Vamos, Jesus , aqui teve foi bom. E Jesus :

    Eu falei pra voc.

  • O almoo

    Um dia um menino me contou que conhecia um senhor, que todo dia que ele ia para a roa, mandava a mulher mandar a ona comer ele.

    Como isso mesmo, menino? . Toda vez que ele vai p ra roa, ele fala:

    "Mulher, um dia voc manda aono p ra me comer". A mulher fica perguntando: "Pra man-dar a ona te comer?", "No, pra mandar aono pra me comer".

  • A galinha risonha

    Conta um senhor que l na travessa do rio Barra do Sumar, quando ele atravessava o rio noite, avistou uma galinha d'gua sorrindo. Disparadamente, galinha d'gua um pssaro conhecido na regio. Ele disse que ela sorria tanto, que ele no entendia nada, pois nunca tinha visto galinha sorrir. Que susto ele passou!

  • Histria do bobo

    Era uma vez, um besta que o pai dele man-dou andar para conhecer e saber conversar. A ele chegou num lugar onde t inham uns caras matando um porco, e ele falou:

    No mata o bichinho no, corao mal. E os caras responderam: Esse homem besta. pra falar: mata que

    como. Ele falou: Agora j sei. A o bobo andou e chegou numa cidade onde

    t inham uns caras brigando. Ele chegou e falou: Mata que eu como. A os caras falaram: Esse homem bobo. de falar: Deus que

    desaparta . A ele disse: J sei; Deus que desapar ta . Ele encontrou uns noivos casando e falou: Deus que desaparta . E o povo falou: Esse homem bobo. de falar: Parabns.

    E l na frente ele encontrou uns homens conver-sando:

    Jus tamente , perfei tamente, lgico. E o bobo falou: Agora j sei. L, ele encontrou uns matando os outros, e a

    polcia chegou e falou: Foi voc quem matou este homem a? O bobo falou: Justamente. E voc tem este corao mal? E ele: Perfeitamente. A polcia falou: Voc vai para a cadeia. E ele falou:

    lgico.

  • Dois Bodes Brigavam

    Era uma vez, dois bodes que brigavam, e o leo queria resolver o problema deles, e ento chegou e perguntou:

    Por que vocs dois esto brigando? E eles responderam: porque ns estamos tentando dividir um

    pedao de t e r ra . E mandaram o leo ficar no meio deles dois

    para ele most rar o lugar onde eles queriam dividir. Empinaram os dois e ba teram os chifres no leo, que saiu todo machucado e saiu andando.

    Quando chegou na frente, encontrou uma porca parida com os leitezinhos. A porca, com medo do leo comer ela e os leitezinhos, mandou eles pedirem a beno ao leo, chamar ele de padrinho, e o leo prosseguiu a viagem.

    Quando ele chegou mais na frente, encontrou uma gua e foi cumpriment-la, mas quando ele deu a mo gua, ela bateu os ps nele. Ele saiu e falou que nunca mais ia resolver problemas de bode, ser padrinho de leito e nem cumprimentar gua.

  • A me d'gua, Uara

    Sabemos das aes de Uara por meio de muitas lendas: conhea uma delas. Dizia-se que numa paragem longnqua do Brasil, havia uma se r ra diferente das outras . Dizia-se que essa ta l s e r r a era toda verde , por ser de esmeralda toda ela. Os rios prximos, lagos, are ias , os ps-sa ros , as nuvens , at o prprio luar, t inham tons esverdea-dos por causa dos reflexos verdes da ser ra . Esta se r ra marav i lhosa ficava s margens da lagoa de Vaparuu, longe, muito longe. As pedras verdes eram os cabelos de Uara, a me d'gua. Uma linda sereia de cabelos v e r d e s e o lhos a z u i s p r o f u n d o s . P o s s u a um palcio encanta-do e a t ra a , com seus lindos olhos e com sua linda beleza, todos os que a viam. Ela a r ras tava-os p a r a as profundezas do mar. Ns no queramos que a Uara, chamada de me d'ga, acordasse.

  • Histria dos dois compadres

    Uma certa vez, dois compadres, t inha um deles que no gostava de dar almoo, se estivesse na hora de almoar. No dava comida para ningum. A o compadre, um dia, resolveu sair por a bestando com uma espingarda.

    Quem sabe se eu no mato uma caa. E, nesse tempo, a caa era muito difcil, e

    o compadre era bem pobrezinho, no t inha nada. 0 outro era rico, t inha gado, coisas de comer. Foi andando, andando, at que no estava agen-tando mais de fome, e nada de caa. A ele falou:

    Meu compadre no gosta de dar almoo pra ningum, mas vou jogar uma nele que ele vai me dar comida.

    Foi para l, caminhou, caminhou at chegar na casa do compadre, e o rico ainda no t inha almoado.

    , compadre, t bom? Tudo bem? O com-padre me a r rume um copo d'gua, por favor, que j estou pra morrer de fome e sede.

    O rico t rouxe a gua para ele, ele bebeu e ficou esperando o compadre chamar pa ra almoar, e quando ele viu que o compadre no ia chamar, ele falou:

    Ser, compadre, que a gente, estando com fome e bebendo gua e saindo logo, tem algum perigo?

    0 compadre falou: No, se sair logo, no tem nenhum perigo.

  • O tatu e a raposa

    A raposa encontrou com o ta tu e o cumpri-mentou, dizendo:

    Bom dia, amigo Tatu. E o ta tu respondeu assim: Eu me chamo Cajueiro-peba, espada de

    meia-lgua, tu no faz de besta, gua. Um belo dia o t a tu simplesmente encontrou

    com ela e disse: Bom dia, amiga Raposa. E ela, j nervosa, por causa da decepo que

    j t inha levado, respondeu assim : Eu me chamo Rainha-das-coisas. Me

    respeita, corno.

  • O neguinho do pastoreio e o fazendeiro cruel

    Era uma vez, um neguinho que era escravo de um fazendeiro cruel. 0 neguinho era afilhado de Nossa Senhora. Certo dia, em que o neguinho pas toreava no campo, t r in ta cavalos se assus-t a ram e fugiram para longe. J era tardezinha, quase noite, e o neguinho tentava jun ta r os ca-valos com medo do fazendeiro ficar bravo.

    Sempre que o neguinho no dava conta do servio, o fazendeiro dava-lhe uma sur ra e o deixava de castigo sem comer. J era noite, o neguinho acendeu uma vela e foi procurar os cavalos, pedindo sempre ajuda sua madrinha, Nossa Senhora. Logo em seguida, ele conseguiu reuni-los.

    Numa outra vez em que o neguinho estava juntando os cavalos, o filho do fazendeiro espan-tou-os de propsito. Como era de costume, espan-tava os cavalos para que o neguinho tornasse a junt-los.

    O fazendeiro, que era muito cruel, bateu no neguinho at mat-lo, depois jogou num formigueiro para que seu corpo fosse devorado pelas formigas.

    Depois de algum tempo, o neguinho foi visto vivo e feliz num cavalo em plo e sem rdeas.

    0 fazendeiro viu o neguinho montado, achou aquilo esquisi to, pois t inha jogado o corpo no formigueiro para que fosse devorado pelas formigas.

    Mas o neguinho foi muito feliz, pois sua madr inha lhe protegia.

  • O tatu

    A Iai Cabocla, ela se t ransforma em vrios animais, ona, sapo, ta tu etc.

    Um dia, o fazendeiro e s t ava querendo invadir nossas t e r r a s e falou que t inha que tomar nossas t e r r a s , e saiu. Quando ele chegou em Misses, no meio da estrada, de longe, ele enxer-gou um ta tu .

    Ele falou: Eu vou mata r aquele ta tu . Ele foi pa ra pegar nele, mas quando ele

    abaixou pa ra pegar, s achou o lugar. Desse dia em diante, ele comeou uma febre com frio, e ficou de cama. E no demorou, ele morreu.

    Ele ficou com medo. Antigamente, os ndios eram perseguidos pelos brancos.

  • Jeca Tatu

    O Jeca era um homem muito pobrezinho, e s dava para beber pinga. Os ps dele eram muito grandes. Quando foi um dia, ele levantou cedinho e foi catar coco; depois voltou e foi tomar pinga.

    Quando foi um dia, ia passando um vizinho do Jeca e ele estava deitado. 0 vizinho falou:

    Jeca, como voc no faz igual o vizinho italiano? Compra veneno pra mata r formigas nos stios e planta muita lavoura.

    0 Jeca respondeu: Qu, no paga a pena! S paga beber

    pinga. Depois de um dia, o Jeca teve uma idia,

    resolveu caar remdio para deixar a pinga. Arranjou os remdios e foi tomar. Tomou,

    tomou at deixar de tomar pinga. Depois disso, ele colocou uma grande roa.

    Um certo dia, o Jeca estava t rabalhando na roa, e por a mesmo o italiano ia passando, e falou:

    Pra que tan ta roa, Jeca? O Jeca Tatu respondeu: Eu quero ganhar os meus tempos perdi-

    dos. 0 Jeca falou que depois que ele deixou de

    beber melhorou de situao, t inha bastante cri-ao, fez uma casa boa, comprou um carro, anda-va no carro com a esposa e os filhos.

    O Jeca Tatu agradeceu muito a Deus de ele ter bebido o remdio e ter melhorado. Agora o Jeca Tatu est gordo, bom de situao, chega a es tar matando ona de morro.

  • A ona e o coelho

    A ona ia para a festa e chamou o amigo Coelho para ir com ela. 0 amigo Coelho disse que estava com o dente doendo e no ia. Mas a amiga ona implicou:

    Vamos, amigo, vamos... 0 amigo Coelho decidiu: Ento vamos, mas assim, se deixar eu ir

    montado em voc. A a amiga Ona falou: Ento eu levo. Pode arriar. Depois o amigo Coelho arriou ela. Depois de

    arriada, o amigo Coelho pegou a espora e colocou no p. A a amiga perguntou:

    Pra que as esporas, amigo Coelho? pra tinir, para no cochilar. Depois o amigo Coelho pegou o chicote, colocou

    no brao. A amiga quis desconfiar e perguntou: Pr que esse chicote, amigo Coelho? Pra espantar os mosquitos em meus olhos. 0 amigo Coelho montou e saiu deva-

    garinho. A amiga Ona comeou a andar ligeiro, e o amigo Coelho falou:

    Amiga Ona, no anda ligeiro, seno meu dente di, anda devagarinho...

    Quando chegou pertinho da festa, o amigo Coelho riscou a espora nela, at chegar na festa.

    Depois chegou l. 0 amigo Coelho pulou no cho duma vez, e a ona ficou l amarrada no pau. O amigo Coelho foi participar da festa, com outros amigos.

    Quando chegou a hora de voltar, o amigo Coelho deu um jeito, tornou a montar. Chegou as esporas, chegou as esporas. Chegou no lugar onde ele pegou ela.

  • Ele pulou no cho e largou ela l. Depois ela foi perseguir ele, e falou:

    En, amigo Coelho, eu te pego, nem que seja na bebida.

    Deste dia, o amigo Coelho ficou esperto. Foi no mato, t i rou uma abelha, t i rou o mel, e lambuzou o corpo, enrolou nas folhas e desceu pra bebida.

    Chegando l, a ona j estava esperando, mas, como o coelho estava cheio de folhas, a ona no o reconheceu e perguntou:

    Amigo Folhao, voc no viu o amigo Coelho por a?

    E ele: No, faz tempo que o vi. E bebeu, bebeu, mas assim, um de l, outro de

    c, bebendo juntos. Depois, o folhao saiu e, quando estava l longe, gritou para a ona:

    Amiga Ona, o coelho sou eu! E ela: Ah, meu bichinho, eu te pego, no tem pra

    onde voc ir. Quando foi um dia, ele tornou a engan-la, e

    encontraram-se na bebida. Ela distraiu e ele entrou no buraco. A ona deixou o amigo Sapo vigiando, enquanto ia em casa pegar uma cavadeira.

    Voc vai vigiando ele a. Se deix-lo sair, eu te mato!

  • Mas o coelho teve uma idia pra enganar o sapo. Ele represen tava para o sapo, sempre mastigando. 0 sapo, que era ambicioso, pergun-tou:

    0 que voc est comendo, amigo Coelho? E ele: Estou comendo farinha. Vou jogar um

    pouquinho pra voc: abra bem as mos, os olhos e os braos para aparar , porque eu no posso sair.

    E encheu as mos de te r ra , jogando nos olhos do sapo. Enquanto o sapo t irava a te r ra dos olhos, ele saiu fora e fugiu. Quando a ona chegou, perguntou:

    E a, amigo Sapo, o amigo Coelho est a? Est sim, pois eu no vi ele sair! A ona, para ver se estava mesmo, cavou o

    buraco, cavou, cavou e, j desconfiada, falou: Amigo Sapo, voc no vai sair daqui at eu

    terminar. Quando deu no fim do buraco, e ela, no

    vendo o coelho que havia fugido, pegou a perna do sapo e falou:

    Pois, agora, quem vai pagar voc, que o deixou fugir. Vou jog-lo no fogo!

    E o sapo, apavorado, gritava: No me jogue no fogo, amiga Ona, me

    jogue na gua. A ona, perdendo a pacincia, no sabia se o jogava no fogo ou na gua.

    Finalmente, ela resolveu e o jogou na gua.

  • Depois, j dentro da gua, ele gritou: , bicho besta, era isso mesmo que eu que-

    ria, pois eu sou mesmo da gua. A ona, que ainda estava perto, segurou-lhe a

    perna, mas o sapo tornou a fint-la, dizendo: Voc segurou foi um pedao de pau. E ela, desapontada, falou: Um ou outro vai ter que me pagar! Quando foi um dia, encontraram-se a ona e o

    coelho. E, para se ver livre dela, ele disse: Amiga Ona, eu vou fazer um pre-

    sente para voc, mas voc pretende saber agora? O que ? Perguntou. um boi, para voc comer e no me

    perseguir mais. Hoje no posso, mas amanh eu levo. Mas

    se voc ouvir gritar, sou eu quem vou tocando o boi.

    Cheio de travessura, o coelho subiu em cima da serra, caou a maior pedra e falou para a ona:

    Pica de braos abertos, olhos fechados e boca aberta.

    E assim mesmo ela ficou. L vai o boi, amiga Ona. E jogou a pedrona na ona e a matou.

  • O coelho e a raposa

    Era uma vez um homem que gostava de plan-ta r roa. E at chegar o tempo, ele plantou uma roa que deu muito boa e o amigo Coelho descobriu de quem era. E todos os dias, ele vinha comer na roa. Quando foi um dia, o coelho foi para a roa e na estrada encontrou a amiga Raposa e chamou-a para ir com ele. Ela foi, mas o amigo Coelho falou:

    Amiga Raposa, no vai comer muito, porque seno voc no cabe na porteira.

    Muito bem! Chegando l, eles foram comendo, comendo, e a raposa, que era ambiciosa, comeu muito. E no coube na porteira. 0 amigo Coelho falou:

    Amiga Raposa, vamos embora? Porque se a gente ficar mais tempo, o homem pegar ns aqui, e, se ele nos pegar aqui, ele vai nos matar.

    Depois os dois sairam, num gesto muito ligeiro. Mas quando passou na porteira, o coelho passou e a raposa no passou.

    Mas porque a amiga Raposa no passou? Porque a barriga estava cheia. O coelho falou:

    Amiga Raposa, deita no cho e faz que est morta. A o homem pega voc e joga fora e voc sai correndo pra ns irmos embora. E eu vou esconder aqui na mata.

    Pouco tempo depois, l vem o homem olhar a roa, chamou os cachorros e l se foi. Quando chegou, viu a raposa cada na porteira, e falou:

    Sua bichinha, voc quem est comendo aqui? E por isso no morreu, fingindo de morta.

    O homem falou: Vou t i rar daqui de dentro da minha roa. E jogou fora! Ela caiu do outro lado da roa. Quando o homem foi embora, a raposa levan-

    tou e saiu correndo e chamou o amigo Coelho. Quando chegaram bem longe, a raposa chamou o amigo e falou:

    Vamos t r a ta r de ser compadres? E abraou ele, dizendo: Amigo Coelho, obrigado pelo que voc me

    fez, me livrou da morte. E at hoje eles so compadres.

  • Redemoinho

    No tempo dos antigos, aconteciam muitos redemoinhos fortes. Que carregavam at roupa das pessoas. A disse que, uma vez, t inha uma mulher que se chamava Maracaj, e ela era me solteira. Tinha uma criancinha de um ano e no gostava do filho.

    A veio um vento, com um redemoinho to forte, que o povo correu pra dentro das casas e o redemoinho passou no te r re i ro da casa da Maracaj. A ela jogou a criana pela janela da casa e falou:

    Redemoinho, Saci-perer! Leva, que esse a para voc.

    A uma vizinha, que era madrinha da cri-ana, viu aquela coisa to branquinha, no meio daquele redemoinho, chamou o marido e falou:

    Olha l, que coisinha to alvinha! E perguntou para ele:

    Ser que o Saci? A o marido respondeu: Que Saci, que nada. Deus nunca deixa a

    gente ver aquele sacerdote to feio, de uma perna s, gorro vermelho na cabea e cachimbo na boca, que eu tenho at medo de lembrar. E ele no branco, ele preto.

    A a mulher ficou t r is te e falou: Aquele vai ser o meu afilhado. Minha

    comadre falou que ela ia dar ele para o sacer-dote.

    A ela gritou, com uma toalha na mo: Saci-perer, voc um sacerdote. Some

    daqui, para mais nunca. E deixe o meu afilhado cair aqui. Cai, cai, cai! Aqui, anjinho, porque voc abenoado.

    Quando a criana caiu, j era um beija-flor.

    7S

  • Histria de quando comeou o mundo

    Quando comeou o mundo, t inha uma mulher sozinha, que morava no deserto, sem vizinho e sem ningum, nem parentes. E onde ela morava, t inha bicho-homem.

    Quando entrava a noite, ela ficava gritando algum para dormir com ela, porque ela estava com muito medo de ficar ali sozinha.

    Um dia, ela gritou, e o bicho-homem respondeu assim:

    Vai eu! Ela tornou a gritar: Quem quer dormir mais eu? Ele respondeu de novo: Vai eu! E assim continuavam todos os dias, at que um

    dia o bicho acertou com a casinha dela. Ele chegou e bateu na porta. Ela t inha uma

    cachorrinha muito valente que comeou a latir, mas ele continuou batendo na porta.

    A mulher abriu a porta. Quando ela olhou, quase desmaiou de medo dele. Ele t inha os dentes muito grandes. Ela perguntou:

    Para que esse dento to grande? Ele respondeu: Pra te morder.

    Ela perguntou: Pra que essa unhona? Ele falou: pra te unhar. E ela foi ficando com muito medo dele. A per-

    guntou: Pra que essa bocona? Ele falou: para te comer. E pulou nela. Ela saiu correndo e entrou numa

    bruaca. Ele engoliu a bruaca com a mulher dentro. No outro dia, ele fez coc. A mulher ainda esta-

    va viva e saiu correndo e foi embora.

    76

  • A aranha

  • Se os ndios no usassem colares, pinturas, cocares, ficavam todos como brancos.

    Mas no bem assim, o que vale mesmo a histria.

    Se no tivesse histria, no existia ndio. Ento, se existe a histria, porque ns somos ndios. Ns no falamos a nossa lngua, mas esta-mos correndo atrs disso.

    Na nossa rea Xacriab, tem muita gente mais velha. Sabem falar a lngua. Ento, com isso, ns poderemos recuperar a nossa lngua.

  • PART

    E III

    Hist

    ria

    s do

    s an

    tepa

    ssad

    os

  • inha me me contou uma histria muito antiga que, de primeiro, os povos velhos gostavam de comer vr ias razes e folhas de rvores . Por exemplo, folha de cariru, raiz de umbu etc.

    Os povos velhos antigos e ram muito sabidos. Na poca deles no existia milho, s mandioca. Eles cortavam uma casca de rvore spera pa ra ra la r a mandioca. Esta rvore ns conhecemos at hoje, que o angico.

    Naquela poca, no existiam as sementes que tem agora. S existiam o milho maroto, o preto e o branco. Agora a semente do feijo da ronca, feijo vagem roxa e o carioca preto.

    Existiam tambm o feijo catador e o de corda. O catador era o feijo roxo e o feijo de corda era o feijo pau, sobe-pau, barrigudo e paquim-pimenta. E o feijo mangal, preto e branco.

    Agora a semente de ar roz . Era o a r roz amarelo guapo e chemanguim. Essas sementes eram muito boas, porque se plantava no seco e no brejo. Todas saam. Agora que no sai mais, porque as chuvas encur taram.

  • ntigamente, os ndios s viviam de ar tesanato . No existia isqueiro. Quando eles queriam acender fogo, pegavam uma pedra, ajun-tavam um matinho de bucha de peneira, colo-cavam em cima de uma pedra grande e batiam uma pedra na outra com fora e o fogo acendia. Depois eles colocavam lenha. Ali assavam tatu, mandioca, ba ta ta etc.

    Pa ra fazer fa r inha de mandioca, eles t i ravam casca de angico para ra la r e lasca de aroeira para raspar . Tiravam cordas de imbiruu para fazer tipitir para espremer a massa e para to r r a r a farinha. Tinham um tacho de bar ro e o beiju assavam em cima de uma pedra. Colocavam fogo em cima da pedra. Quando estava bem quente, eles t i ravam o fogo e a cinza e colo-cavam a massa e faziam o beiju.

    Assim que viviam os ndios antigamente, na histria que minha av conta.

  • t i n h a a s e m e n t e de b a t a t a r o x a e a r a i n h a . Semente de mandioca castelo, que era p ra fazer far inha e tapioca p ra fazer o beiju e o biscoito. E a mandioca mansa e a manteiga. Estas mandiocas servem pa ra comer cozida e cortada com feijo.

    As sementes de b a n a n a s e ram s de bananas roxas : So Tome e naniquinhas. As sementes de abbora eram s a jacar e a japone-sa.

    Tinha as sementes de melancia comum, que era a melancia pre ta e a branca. E a semente do quiabo era s o chifre-de-veado. E o algodo era s a semente de algodo crioulo e o algodo maranho.

    Os ndios antigos falavam assim: Vamos plantar mais algodo crioulo, que

    mais inteiro que o maranho e mais quebrado, limpo.

  • eu pai contava que, antigamente, as pessoas no gostavam muito de t raba lhar no roado. Ele contava que meu av, que era pai dele, no gostava de t rabalhar , ele gostava era de caar animais no mato para o sustento da famlia. Caava todos os dias.

    Mas, nessa poca, existiam muitos animais, no t inha quase desmatamento e queimadas. Ento, agora, se a gente no t raba lhar no roa-do, no tem jeito mais de sus tentar a famlia, no tem quase animais de caa na rea indgena.

    Quando eu era pequeno, meu pai saa comi-go e com meus irmos e a t ravessava um morro alto que, do outro lado, se chamava Custdio.

    Ento, nessa poca, que meu pai me levava para a caa de animais, s existiam tamandus , que ns chamamos de bandeira, e o michita, a cutia, o veado, a paca etc.

  • ontam meus avs que antigamente os ndios viviam todos pelados. S usavam suas prprias roupas de dana.

    Quando chegava o final de semana, eles p reparavam seus prprios remdios para levar ao te r re i ro .

    Picavam sbado e domingo cumprindo ordem. 0 remdio necessrio que eles usam a "bucha ou raspa de jurema, que uma rvore muito sagrada, usada em caadas de animais para ter mais sorte.

    Contam meus avs que a dana Tor um segredo muito escondido.

    Quando estiver danando, ficam todos silen-ciosos, chegam at a ter o poder de conversar com nosso pai Tup.

  • t 1950, mais ou menos, o casa-mento era diferente de agora. Os rapazes s viam a moa quando comeavam a namorar . A, agora, pronto: no a viam mais nunca. No dia em que o rapaz ia na casa da moa, os pais no deix-avam eles se encontrarem.

    As moas, quando viam os rapazes chegan-do, corriam, escondiam dentro dos quartos. Com vergonha, aquelas que no corriam ficavam espiando nos buracos das paredes, nas frinchas das janelas .

    O rapaz, de vez em quando, freqentava a casa da moa, mas s que no adiantava nada, porque nem a cara dela ele via.

    E t inham as mostras de casamento. Se tivesse uma moa bem bonita, aquela era a mostra das outras . No dia em que o rapaz pedia o casamento, o pai da moa apresentava esta moa bem bonita, a o rapaz ficava doido:

    Se for aquela ali, eu estou bonito. Ele ficava todo fofo. Quando dava no dia do casa-mento, o pai levava uma das mais feias. 0 rapaz ficava todo t r is te , mas. . . fazer o qu ?

  • eu pai contou que o pai dele tra-balhava em uma fazenda, e no ganhava nada, somente a comida. Enquanto ia cuidar do gado da fazenda, seu pai falava:

    Vo, meus filhos, t r a b a l h a r tambm, porque cada um de vocs vai a r rumar o que comer.

    Ento meu pai era criana e ia. Quando chegava l, eles colocavam meu pai

    para ajudar na fabricao de acar, para gan-ha r a comida. E as i rms iam cuidar das cri-anas e ajudar no servio da casa. No dia em que eles saram de l, t iveram que sair escondido porque seno o fazendeiro ia persegui- los. Quando meu pai chegou, casou com minha me, que morava em Xacriab.

  • meu pai contava que, no tempo dele pequeno, as coisas eram diferentes. A roupa de vest ir era feita assim: fiava o algodo na roda e tecia o pano, depois t in tava de t inta de pau chamado muamb. Fazia uma camisa bem com-prida, e vestia sem a cala.

    O t ranspor te era com carro de boi ou cava-lo. Vendiam algumas coisas, trocando a troco de outras para o seu alimento. Gastavam dois ou t rs dias para chegar na cidade.

  • os antepassados da minha me e do meu pai, a vida era muito difcil e diferente.

    Meus pais falavam que escola, principal-mente, quase no existia. As crianas cresciam e iam t raba lhar na roa junto com o pai.

    Eu e meus irmos, pa ra comearmos a aprender, quando ramos pequenos, meu pai colocou um professor dentro de casa para nos ensinar, porque a escola no t inha prdio prprio. Hoje, escola, tem em quase todas as aldeias, com prdio prprio.

  • eu pai contava que, no tempo de criana, eles brincavam, cantavam na beira de um fogo que era feito noite.

    A casa era grande, no t inha luz, usavam o leo da mamona com a xcara feita de bar ro e um puxador feito de algodo. Colocavam um pouco de leo de mamona, o puxador e acendiam. A luz era muito boa.

    E o pai dele ensinou a conhecer muitos tipos de razes e a fazer benzimentos.

    Meu pai sabe fazer isso at hoje.

  • eu pai contou para mim que exis-tiam muitos e muitos animais, na poca em que ele era pequeno. Que existia paca, ta tu, anta-mateira , moco, ona, veado, cacheiro, caititu, ta tu-canastra , cutia, ti.

    Ele conta que o ta tu-canast ra pesava mais de 40 quilos, os menores pesavam uns 25 quilos e no casco deles cabia uma quar ta de milho. Esses eram os grandes. Nos pequenos, cabiam de meia quar ta a 15 pratos .

  • ntes, ns vivamos uma vida bem mais fcil e melhor, porque chovia mais, a nossa t e r r a era mais rica em matr ia orgnica, no havia muita eroso. As coisas eram bem mais fceis e a gente vivia uma vida bem mais t ran-qila, quase tudo era produzido pelas roas que a gente plantava.

    Ns plantvamos o milho, feijo, arroz, algodo, mamona, cana-de-aucar e t c , e tudo dava com a maior facilidade.

    A gente s ia nas cidades vender algumas coisas para comprar outros produtos igual a caf, sal querozene etc. 0 res tan te todo a gente plantava aqui mesmo na roada.

    Ento, antes era bem melhor, a gente dependia pouco do comrcio das fbricas. Hoje, tudo ficou mais difcil: nossas t e r r a s ficaram mais pobres, esto ocorrendo muitas eroses, chove pouco, ns t rabalhamos muito para colher pouco.

    A dificuldade demais, cada dia que passa as coisas mais difceis ficam, quase no colhe-mos nada porque as plantaes morrem com o sol. 0 res tan te que fica os insetos destrem.

  • Vocabulrio Xacriab

    Aiat dadam olho Amiotsch-banana Angrata-av e av Bacotong /Bicong-filha Balozinha-menina/mulher D'agr-mulher Estrag-sol D'ate-perna D'atoh-boca corne kan-arco Cudai-criou-tamandu bandeira Cudai-porco do mato Uk-ona Inscgiut-tio Lavazar/manmam -fumo Nhionosso-cacau Ingr-filho Etik-flecha D'agrang-cabea D'ahaschi-cabelo Goabsang-co Gr-casa Oaitomorim-estrela O-lua Ot-rvore Kupasch-farinha Ku-gua Kutsch-fogo Nchatari-me Notsch-milho. Mamang pai Churer-anta