LIVRO - OS ÍNDIOS XOKLENG MEMÓRIA VISUAL Parte 03

download LIVRO - OS ÍNDIOS XOKLENG MEMÓRIA VISUAL Parte 03

of 40

Transcript of LIVRO - OS ÍNDIOS XOKLENG MEMÓRIA VISUAL Parte 03

40/41. Trabalho artesanal contrastando com a chegada da mquina moderna no posto indgena. Finais dos anos vinte. Acervo Edmar Hoerhan.

81

42/43. O mdico Simes da Silva realizou uma pesquisa na rea indgena, em 1928. As fotos constam de seu pequeno livro, referido na apresentao. Acervo AHJFS.

82

44/45/46. Preocupado com tipos fsicos, o mdico Simes da Silva promoveu a documentao fotogrfica de diversas mulheres indgenas. Acervos AHJFS, DSA e SCS.

83

84

47/48. Gradativamente os ndios vo se submetendo s normas de vesturio prprias aos brancos. Acervo AHJFS. 49/50/51. O convvio com o branco impe a submisso. Acervos AHJFS e SCS.

85

52/53/54/55. A poltica indigenista brasileira sempre objetivou a integrao do ndio na sociedade nacional, ou seja, o seu desaparecimento tnico e cultural. Hoerhan tentou isto de vrias maneiras, inclusive atravs da miscigenao. As fotos detalham momentos do casamento do ndio Mokan com uma jovem descendente de italianos, chamada Filomena, em setembro de 1930. Acervo AHJFS.

56/57/58. Nos finais dos anos trinta, o professor polons Mieczyslaw Brzezinski organizou uma escola no interior da reserva indgena. Observe-se os smbolos do Estado-nao. Hoerhan no s apoiou a iniciativa, como parecia vigi-la. Acervos SCS e AHJFS.

59/60/61. Uma nova escola foi construida nos anos quarenta. Os ndios participaram das tarefas de construo e da sua inaugurao. O Professor Brzezinski logrou alfabetizar diversos indgenas. Acervo AHJFS.

62/63/64/65/66. Um casal de ndios velhos e um jovem de aproximadamente 18 anos foram encontrados por caadores, no interior de Orlees, em 1949. Em pouco tempo, os velhos morreram vtimas de gripe. O jovem foi transferido pelo SPI para o toldo de S. Joo de Cima (ou S. Joo dos Pobres), em Calmon, onde morreu. No eram os ltimos. Uns poucos continuaram a viver na floresta, por alguns anos mais. Acervos Casa da Cultura de Urussanga;MU-UFSC; SCS; AHJFS.

67/68. Convvio e misria I. Velho ndio Xokleng com o autor no toldo S. Joo de Cima. Fotos SCS e Luiz C. Halfpap, 1964.90

91

69. Convvio e misria II. Mulher Xokleng do toldo de S. Joo de Cima. Foto SCS,1975.92

70. Acampamento na floresta I. AI. Ibirama. Foto SCS, 1963.93

94

71. A explorao de palmito na AI Ibirama comeou nos finais dos anos 50. Foi o comeo da destruio dos recursos florestais. Foto SCS, 1963. 72. Acampamento na floresta II. Foto SCS, 1963. 73. Pressionados para mudarem sua tradio nmade, os Xokleng aos poucos foram construindo casas maneira dos civilizados pobres. Foto SCS, 1964.95

74. Aipon Path, sobrevivente e testemunha, um de nossos informantes. Foto SCS, 1965.96

75. Nos anos 60, ainda era comum se encontrar ndios na AI. Ibirama com o lbio inferior furado. Foto SCS, 1963.97

76. O velho ndio Co-ovi vivenciou o contato com os brancos e a tragdia do convvio na reserva. Foto SCS, 1963.98

77/78/79/80. Cenas de uma pesquisa que j vai distante. AI. Ibirama. Fotos, SCS,1963-65.99

100

81. Velhice e memria aguardam reconhecimento. Acervo AHJFS. 82. Mulher e criana circulando na rea indgena, anos quarenta. Acervo AHJFS.101

83/84. Mulheres Xokleng em atividades domsticas. Fotos SCS, 1965.102

85/86. Resgatando a maneira de tecer a fibra da urtiga. Fotos de Vladmir Kozk, 1966.103

87/88/89/90/91. As mulheres Xokleng conheciam as tcnicas para fazer pequenas peas de cermica. Fotos SCS, 1965-66. 92/93/94. Nos anos 70, o regime militar levou o Mobral (movimento brasileiro de alfabetizao) at a rea indgena. Solenidade e emblemas nacionais esto em cena. Acervo SCS.104

105

95. Primeira igreja da Assemblia de Deus construda na AI. Anos 50. Foto SCS, 1963.106

96. Em 1968, o governador Ivo Silveira inaugurou em Ibirama o monumento do pioneiro e do ndio. Foto original arquivo do Jornal O Estado. Acervo SCS.107

97/98. Em momentos festivos na regio, os ndios eram convocados para desfilar e, s vezes, a vergonha no podia ser escondida. Acervo SCS.108

99/100/101. Hoerhan (1892-1976) no viu sua casa ser destruda em conseqncia das obras da barragem. Mas vivenciou muitas outras desiluses. Acervo AHJFS.109

UM POVO LUTAPARA CONSTRUIR SEU FUTURO

APESAR DE TUDO,

Poema para o ndio Xokleng Lindolfo Bell

Se um ndio xokleng subjaz no teu crime branco limpo depois de lavar as mos Se a terra de um ndio xokleng alimenta teu gado que alimenta teu grito de obedincia ou morte Se um ndio xokleng dorme sob a terra que arrancaste debaixo de seus ps, sob a mira de tua espingarda dentro de teus belos olhos azuis Se um ndio xokleng emudeceu entre castanhas, bagas e conchas de seus colares de festa graas a tua fora, armadilha, raa: cala a tua boca de vaidades e lembra-te de tua raiva, ambio e crueldade Veste a carapua e ensina teu filho mais que a verdade camuflada nos livros de histria.

Poema publicado no livro Cdigo das guas. So Paulo, Editora Global, 3a edio, 1994, p. 40.

112

A implantao da barragem Norte e os ndiosCom a inteno de proteger das inundaes as cidades do mdio vale do Itajai, entre elas Blumenau, o governo militar decidiu construir uma barragem de conteno no rio Herclio, afluente do Itajai-Au, no interior de Ibirama, hoje, municpio de Jos Boiteux. Esta barragem fazia parte de um projeto mais amplo, que inclua outras obras similares de menores dimenses na mesma bacia. No contexto dos megaprojetos poca implantados no pas e no cenrio de uma perversa proposta de desenvolvimento econmico, que dava suporte poltico ditadura militar, esta barragem pode ser caracterizada como de pequeno porte. A barragem Norte (tambm denominada Ibirama) comeou a ser construda em 1972, e foi oficialmente terminada em outubro de 1992. As obras complementares, entretanto, no foram integralmente concludas. A barragem tem 400m de extenso; 270 de base; 10 m de topo; 60 m de altura ( a partir da base rochosa); e uma capacidade de reter cerca de 387 milhes de m3 de gua. Funcionando plenamente e em condies favorveis, ela pode representar a diminuio de 2 m no nvel das enchentes que atingem, na cidade de Blumenau, entre 10 e 15 m acima do leito normal do rio. Localizada a cerca de 6km jusante da rea indgena Ibirama, de incio, por absoluta falta de informaes, os indgenas no se opuseram sua construo. Alguns anos depois, em 1978, devido ensecadeira que havia sido construda para permitir os trabalhos no leito do rio, ocorreu uma primeira cheia na rea indgena. Os ndios sofreram perdas de roas e animais, e tiveram diversas de suas casas inundadas. Em conseqncia, comearam a fazer reivindicaes junto FUNAI e ao DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento), este ltimo responsvel pela obra. Iniciou-se, neste momento, uma luta que at o presente no chegou ao fim, devido falta de seriedade dos setores governamentais envolvidos em efetivamente113

considerar como relevantes e passveis de indenizao os prejuzos causados por projetos dessa natureza. O lago de conteno ocupou cerca de 900 ha das terras da rea indgena. Todas as casas, roas e pomares que se localizavam s margens do rio Herclio e de seu afluente, o Plate, tiveram de ser abandonados. Trechos de estradas, pontes e instalaes do posto indgena tiveram (ou tm) de ser reconstrudos. Os ndios passaram a reivindicar gradativamente, e de maneira mais precisa, a indenizao de seus prejuzos, exigindo a construo de casas, escolas, estradas, igreja, sede do posto, instalao de redes eltrica e de gua, etc, bem como um programa de auto-sustentao da comunidade. De incio, o DNOS e a FUNAI deram pouca ateno aos reclamos indgenas. Depois, quando as conseqncias negativas do projeto da barragem comearam a ficar claras para todos os envolvidos, no houve mais como argumentar em contrrio. Nesse nterim, os indgenas haviam obtido o apoio de diferentes organizaes no-governamentais, de entidades religiosas, de antroplogos, do Ministrio Pblico Federal e de ambientalistas, conseguindo demonstrar que tinham sofrido e continuavam a sofrer graves prejuzos com a construo da barragem e que tinham direito a justas indenizaes. As definies sobre o que fazer por parte dos setores responsveis foram morosas e, at o momento, no foram cumpridas integralmente. Em 1991, os indgenas tomaram o canteiro de obras da barragem. Depois de 18 meses, conseguiram um acordo com o governo do Estado que assumiu parte das indenizaes. A esta altura, o DNOS havia sido extinto. A Secretaria de Desenvolvimento Regional, rgo que assumiu as obras antes atribudas ao DNOS, tambm teve vida efmera. O governo Kleinbing no cumpriu integralmente o que fora acordado com as lideranas indgenas. E no presente (maio/97) os indgenas continuam lutando para conseguir a implantao das obras que reivindicam, bem como do projeto de auto-sustentao. Os problemas decorrentes da implantao da barragem acentuaram a depauperao fsica e cultural dos ndios. Os recursos florestais da reserva foram explorados at a sua exausto 1. O faccionalismo interno se acentuou. Disputas internas envolvendo os ndios como um todo e um segmento no indgena, denominado cafuzo, que, por sua extrema pobreza e trgica trajetria histrica, vivia no interior da reserva, se acentuaram. Cises familiais devido necessidade de relocalizar casas e aldeias, tornaram-se comuns. Neste contexto, muitos ndios migraram para reas urbanas.114

O projeto da barragem no observou a legislao ambiental. Nunca foi elaborado um relatrio de impacto ambiental (RIMA), nem tampouco existe licena de operao. Por tudo isso, pode-se dizer que esta obra acabou se tornando um exemplo de como no se deve construir uma barragem.

O direito dos ndiosA Constituio Federal promulgada em 1988 assegurou importantes dispositivos em favor dos povos indgenas. O reconhecimento dos direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam e a explicitao do respeito diferena cultural e lingstica, bem como a obrigatria consulta aos interesses desses povos em caso de aproveitamento de recursos hdricos ou de explorao de minerais em suas terras, realmente significaram conquistas. O captulo VIII da Constituio Federal (CF) intitulado Dos ndios , em seus artigos 231 e 232 e respectivos pargrafos, delineou as bases polticas em que se devem efetivar as relaes entre os diferentes povos indgenas e o Estado brasileiro. O art. 231, da CF, explicitou, pela primeira vez, que so reconhecidos aos ndios sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies, e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo Unio demarclas, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Ficou dessa forma consignado na CF a manifesta inteno dos constituintes de projetar para o campo jurdico normas referentes ao reconhecimento da existncia dos povos indgenas e definio das pr-condies para a sua reproduo e continuidade. Ao reconhecer os direitos originrios dos povos indgenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas, a CF incorporou a tese da existncia de relaes jurdicas entre os ndios e essas terras anteriores formao do Estado brasileiro. De outra parte, foi garantido o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios (pargrafo 2, art. 231). Ficou tambm explcito que no caso de aproveitamento dos recursos hdricos e de explorao mineral em terras indgenas so necessrias a prvia audincia das comunidades indgenas afetadas e a autorizao do Congresso Nacional (pargrafo 3, art. 231). A CF assegurou ainda aos povos indgenas o direito educao, reconhecendo a utilizao das lnguas nativas e dos115

seus prprios processos de aprendizagem (art. 210, pargrafo 2), e a proteo s suas manifestaes culturais (art. 215, pargrafo 1). Em princpio, pois, com a CF de 1988 os povos indgenas que vivem no territrio controlado pelo Estado brasileiro passaram a ter reconhecidos os seus direitos fundamentais, enquanto sociedades diferenciadas. Isto foi importante para garantir a sua reproduo biolgica e a continuidade de suas lnguas e tradies. A Constituio do Estado de Santa Catarina, promulgada em 1989, por sua vez, assegura que O Estado respeitar e far respeitar, em seu territrio, os direitos, os bens materiais, crenas e tradies, e todas as garantias conferidas aos ndios na Constituio Federal (Art. 192). E no pargrafo nico desse artigo, fica ainda expresso que O Estado assegurar s comunidades indgenas nativas, de seu territrio, proteo, assistncia social, tcnica e de sade, sem interferir em seus hbitos, crenas e costumes. Os povos indgenas esto ainda protegidos por uma srie de convenes internacionais. A Declarao dos Direitos do Homem, por exemplo, aprovada pela Assemblia Geral das Naes Unidas, em 1948, estabelece em seu art. 1, que todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos. So dotados de razo e conscincia e devem agir em relao uns aos outros com esprito de fraternidade2. Est, portanto, claro que os Xokleng tm direitos explicitos que lhes garantem a igualdade com os demais cidados do Brasil e de Santa Catarina. Alm disto, eles tm alguns direitos a mais que lhes asseguram a proteo do Estado por sua condio de integrantes de um povo minoritrio. Esta proteo deve ser simultaneamente exercida pelos governos federal, estadual e municipal.

Notcia sobre a populao indgena do Brasil.Cerca de 280 mil indgenas vivem aldeados no Brasil hoje, representando quase 0,2% da populao do pas, que estimada em 150 milhes de habitantes. Admite-se que cerca de 50 mil indgenas vivem desaldeados na periferia de reas urbanas, ou na zona rural. Esta populao nativa se apresenta sociedade nacional com enorme sociodiversidade. So cerca de 200 etnias, falando mais de 160 idiomas. Estima-se que 60 pequenos grupos ainda se mantm arredios ao convvio com o branco no interior116

da Amaznia. Na maioria desses povos, a populao no ultrapassa a 1000 pessoas. Dois povos teriam populaes por volta de 20 mil indivduos (Kaingang e Ticuna); e apenas um povo tem mais de 30 mil pessoas (os Guarani). Falamos, portanto, de microssociedades. No seu conjunto, esses povos representam uma nfima parcela da populao nativa existente no espao ocupado pelo territrio brasileiro, poca da invaso europia (sculo XVI), e que estimada entre 4 e 6 milhes. A dominao colonial vitimou povos inteiros pela introduo do trabalho escravo; doenas epidmicas; guerras de extermnio; converso religiosa; desorganizao social; miscigenao; etc. Os contingentes que lograram escapar ao invasor nos primeiros sculos, foram gradativamente submetidos a uma poltica integracionista que se acentuou com a formao do Estado-nao. neste contexto que a partir de meados dos anos setenta, os povos indgenas foram adquirindo uma crescente visibilidade. Este fenmeno no foi isolado. Coincide com o processo de redemocratizao do pas e a emergncia de diversas organizaes no-governamentais. Gradativamente, lideranas indgenas emergem no cenrio nacional reivindicando direitos, especialmente relativos demarcao de suas terras de ocupao tradicional; a assistncia governamental em programas de sade e de educao; o respeito diferena cultural e lingstica, etc. Os Xokleng, portanto, fazem parte enquanto povo de um universo maior, ou seja, o universo das minorias tnicas no cenrio do Estado-nao. Suas lutas no so isoladas. Elas integram um processo de conquistas que est permitindo a compreenso dos direitos do cidado, seja ele ndio ou no, e tambm dos espaos polticos prprios aos povos minoritrios. Nesse sentido, preciso se pensar o Brasil como um pas democrtico, pluritnico e multissocietrio.

O povo Xokleng no presenteA rea indgena de Ibirama tem 14.528 ha, onde vivem aproximadamente 1200 pessoas. A maioria se identifica como Xokleng. Neste nmero est includo um pequeno grupo de ndios Guarani. Mas, cerca de 30% dessa populao est a maior parte do tempo fora da reserva, em busca de trabalho. Uns poucos esto tentando viver permanentemente na periferia de cidades como Blumenau, Cambori, Joinville ou Florianpolis.117

Existem quatro aldeias na rea indgena, sete escolas e diversas igrejas Evanglicas. O acesso para algumas dessas aldeias difcil, devido precariedade das estradas. A infraestrutura mantida pela FUNAI para atender os indgenas insatisfatria, tendo em vista a permanente falta de recursos financeiros e humanos. A assistncia sade est sendo oferecida pela Fundao Nacional de Sade, mas no atende aos reclamos dos ndios. H casos detectados de tuberculose, e a diarria, a gripe, a pneumonia, etc, so comuns. Dois grupos esto vivendo h meses em acampamentos improvisados, como uma forma de protesto para obter as indenizaes devidas em conseqncia das obras da barragem, e para a regularizao fundiria de uma parte da reserva. As condies de vida na rea indgena so difceis. H problemas de abastecimento de gua, de falta de energia eltrica para a maioria da populao aldeada e dificuldades de acesso entre as diversas aldeias. Com os problemas conseqentes da implantao da barragem, a maioria das famlias indgenas ficou sem condies de manter roas com tamanho suficiente para lhes assegurar a sobrevivncia. Paralelamente, a legislao federal relativa proteo ambiental impediu drasticamente os usos possveis dos recursos representados pela flora e fauna. No sendo cumprido o acordo com o governo estadual, que permitiria a implantao do projeto Ibirama, destinado a promover a auto-sustentao dos indgenas, a partir de 1992, a situao se agravou. Muitas famlias sofrem as conseqncias da fome, do desespero e da falta de futuro. Felizmente, um nmero significativo de idosos conta com os rendimentos de aposentadorias, como trabalhadores rurais. Esses rendimentos, embora pequenos, so muito valorizados, pois asseguram a alimentao de filhos e netos dos beneficiados. O artesanato uma outra fonte de renda. Hoje, arcos e flechas, colares, cermicas, chocalhos, etc, so produzidos para a venda aos eventuais visitantes da rea, ou para a comercializao nas cidades mais prximas. As incurses aos centros urbanos so tambm motivadas para a obteno de auxlios, representados por agasalhos, sementes, medicamentos, etc, ou para resolver questes burocrticas e polticas. No mbito das Prefeituras locais, os indgenas fazem diferentes pedidos, em particular para a soluo imediata de problemas de sade, transporte e material escolar. Na falta de condies para tirar da natureza o que necessitam para sobreviver, parece, que os ndios agora se especializam em fazer suas incurses de caa e coleta nos espaos urbanos,118

particularmente nos domnios da burocracia. Uma triste realidade. No passado, foram atrados ao convvio com os brancos com presentes e promessas. Agora, tm que pedir, comover, implorar! Nas aldeias, contudo, a vida acontece e se renova. H festas. H partidas de futebol. H namoros, casamentos, brigas familares e polticas. Nascem crianas. Ocorrem batizados. Freqentam-se cultos nas Igrejas. As crianas vo s escolas e os pais acompanham com interesse o desempenho escolar dos filhos. A lngua Xokleng falada pela maioria, numa manifestao explcita de resistncia tnica. H poucos anos, os pais passaram a valorizar o aprendizado da escrita Xokleng e, hoje, o grupo vivencia um momento histrico particular de reestruturao e perpetuao da cultura, a partir dessa nova forma de conhecimento. Muitos adolescentes prosseguem os estudos, tentando concluir o primeiro e, mesmo, o segundo graus. A busca de trabalho, de ganhos, outra constante. Ganhar e gastar fazem parte do cotidiano indgena, pois sua tradio contrria s diversas formas de acumulao. O coletivo ainda predomina sobre o individual. Se algum tem demais, divide; faz uma festa ou gasta com presentes. Assim, os Xokleng continuam sendo mantenedores dos espaos da diferena cultural, que lhes permite continuar a ser ndios, a ser um povo.

1. O livro de NAMEM, Alexandro M. Botocudo: uma histria do contato, (Florianpolis, Editora da UFSC - Editora da FURB, 1994), oferece mais informaes sobre as conseqncias da implantao da barragem. 2. No livro A Temtica Indgena na Escola. Novos subsdios para professores de primeiro e segundo graus, organizado por SILVA, Aracy e GRUPIONI, Lus Donisete, e publicado pelo MEC/ UNESCO/MARI, 1995, publicamos o artigo Os Direitos dos Indgenas no Brasil , que oferece mais detalhes sobre este tema. Ver tambm o livro de minha autoria Povos Indgenas e a Constituinte, (Porto Alegre, Movimento - Editora da UFSC, 1989).

119

1. O cacique Aniel Pripr caminha sobre parte da massa de concreto da barragem Norte. Arquivo do Dirio Catarinense (DC). Foto de Daniel Conzi, 1997.