Livro Sobre Ceramica Portuguesa Oleiro Olaria

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UNIVERDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS ARTES DA OLARIA AO DESIGN CERÂMICO PORTUGUÊS Hibridismo Cultural Mariana Carreiras MESTRADO DESIGN DE EQUIPAMENTO ESPECIALIZAÇÃO EM DESIGN DE PRODUTO 2012

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historia da cerâmica portuguesa, processo completo da extração, refinamento, criação e queima e do desenvolvimento de tecnologias para o desenvolvimento da cerâmica em Portugal.

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  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

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    UNIVERDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS ARTES

    DA OLARIA AO DESIGN CERMICO PORTUGUS

    Hibridismo Cultural

    Mariana Carreiras

    MESTRADO DESIGN DE EQUIPAMENTO

    ESPECIALIZAO EM DESIGN DE PRODUTO

    2012

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

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    UNIVERDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS ARTES

    DA OLARIA AO DESIGN CERMICO PORTUGUS

    Hibridismo Cultural

    Mariana Carreiras

    MESTRADO DESIGN DE EQUIPAMENTO

    ESPECIALIZAO EM DESIGN DE PRODUTO

    Dissertao orientada pelo Prof. Doutor Paulo Parra e co-orientada por

    Prof. Jos Viana

    2012

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    AGRADECIMENTOS

    A elaborao desta dissertao, com o objectivo de obteno do grau de Mestre

    em Design de Produto, foi possvel devido ao apoio de algumas pessoas, s quais

    gostaria de agradecer.

    O primeiro agradecimento para o orientador Paulo Parra e co-orientador Jos

    Viana, pela disponibilidade, apoio e cordialidade demonstrados para a realizao desta

    dissertao, com este tipo de temtica. Para alm da disponibilidade, necessrio

    salientar o meu total agradecimento pelas sugestes e crticas, e alguma tranquilidade,

    que foram determinantes para a execuo deste trabalho.

    Agradeo tambm aos professores e colegas do programa do Mestrado de

    Design de Produto, Estudos Culturais e Design de Interiores, que a partir dos seminrios

    de diferentes temticas, contriburam para a estrutura de muitas das questes que foram

    surgindo ao longo desta dissertao.

    Uma palavra de agradecimento especial pela ajuda, leitura e sugestes a nvel de

    estruturao tcnica e lingustica que enriqueceram este trabalho, ao professor Eduardo

    Duarte, professora Ana Vasconcelos, a Maria de Lurdes Gouveia, Joo Salgado, e a

    Catarina Loureno e Slvia Jesus pela pacincia e apoio moral. A toda a minha famlia,

    amigos, e principalmente ao Sam Baron e Catarina Carreiras, minha irm, pela

    disponibilidade, fora e confiana que me foram dando ao longo da estruturao da

    dissertao e no projecto prtico.

    Ao Joo, por toda a compreenso, pacincia e apoio moral durante todo o

    percurso de trabalho.

    Por fim, dirijo uma palavra de agradecimento a todas as associaes existentes

    actualmente do Sector de Artes e Ofcios por terem-me recebido e tentado explicar qual

    a situao presente atravs das entrevistas concedidas, testemunhos sem os quais este

    trabalho seria, decerto, mais pobre. Aos artesos entrevistados e visitados, em especial

    olaria Norberto Batalha e ao oleiro Nuno Batalha pela sua disponibilidade,

    acessibilidade, incentivo e confiana por cada vez que, ao longo do projecto prtico, me

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    dissipava as minhas dvidas e incertezas. s lojas de artesanato, sobretudo s que j

    procuram uma relao entre o Design e o artesanato, nas reas de Sintra, Lisboa,

    Cascais e Mafra, pela receptividade com que me receberam nas suas instalaes e pelo

    tempo que me dedicaram. Em especial, A vida Portuguesa, Temperamento e A

    Barrica. Aos designers, que disponibilizaram o seu tempo de trabalho, ateliers e

    pacincia para a reflexo do tema a partir da crtica, testemunho e experincia

    profissional. Em especial, a Albio Nascimento e Maria Ins de Castro Secca Ruivo pela

    tentativa de colaborao nesta dissertao, que devido a questes profissionais e

    indisponibilidades foi difcil. Em especial, aos Pedrita e Mafalda Fernandes pelas

    informaes que muito me ajudaram neste trabalho.

    A todos, MUITO OBRIGADO!

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    RESUMO

    Contemporaneamente, o processo de globalizao tem vindo a originar em

    Portugal uma degradao cultural, com o consequente desaparecimento e

    desvalorizao das identidades culturais como o sector de Artes e Ofcios,

    especificamente a Olaria. Estas identidades sempre se encontraram inseridas num

    ambiente local, valorizadas pelo nacionalismo e tradio, no tendo conseguido por

    estas razes autonomizarem-se.

    O Design, actualmente, consiste numa ferramenta indispensvel s questes de

    mercado e como uma das reas que mais se procura interligar com os valores, costumes

    e necessidades da sociedade contempornea portuguesa atravs dos propsitos da

    inovao. Deste modo, ser um elo essencial para a introduo da Olaria portuguesa no

    contexto contemporneo.

    O dilogo entre o Design e a Olaria servir no s para a preservao e

    revitalizao das antigas tcnicas de produo, mas tambm como apoio para que ambas

    as reas evoluam de forma a alcanar uma maior aceitao e ligao por parte da

    sociedade. Desta forma, e para que este tipo de ligao seja intemporal, preciso ter em

    conta o contexto histrico, costumes e metodologias projectuais e de trabalho que cada

    um adoptou. Como meio de insero nas problemticas do mundo actual essencial que

    ambas se insiram no conceito de Sustentabilidade.

    Com vista fundamentao de toda a pesquisa apresentada neste trabalho de

    investigao, apresentada uma coleco de nove produtos com o nome de OLLA, que

    demonstra a combinao de alguns conceitos a seguir neste tipo de ligao. Esta

    coleco surgiu a partir da anlise de toda a estrutura oleira e dos produtos da Olaria

    Norberto Batalha & Filhos, tendo como objectivo ser um elemento exemplificativo da

    parceria entre o Design e a Olaria Portuguesa, seguindo as tcnicas tradicionais e a

    perspectiva do oleiro.

    Palavras-chave: Olaria, Design, Identidade Cultural, Metodologia projectual, Portugal.

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    ABSTRACT

    In Portugal the current globalization process has lead to a cultural degradation,

    with the disappearance and subsequent devaluation of certain cultural identities such as

    the arts and crafts sector (specially pottery). These cultural entities have always been

    related to local contexts and valued by nationalisms and traditions which made

    impossible for them to become autonomous.

    Design is currently an indispensable tool to all kinds of markets and one of the

    areas, which puts effort in connecting production with the values, traditions and needs

    of the contemporary Portuguese society through innovation. Therefore, it is an essential

    link in the introduction of Portuguese pottery to a contemporary context.

    The dialogue between Design and Pottery will be essential for the preservation

    and revitalization of old production techniques, and will work as a support basis for

    both areas to evolve in order to be better accepted and connected to the Portuguese

    society. In order for this relationship to be timeless one should take in consideration the

    historical background, traditional and project methodologies each one uses. And to

    focus on the problematics of today's world it is necessary that both areas work within

    sustainability concepts.

    As a foundation of all the research work presented in this thesis, a collection of

    nine objects was made in order to show which concepts to have in account in this kind

    of dialogue. OLLA was developed after an intense analysis of the working structure and

    pottery products of the studio Norberto Batalha & Filhos, aiming to be a reference of

    exemplary partnership between Design and Portuguese Pottery, respecting the

    traditional techniques and the role of the potter

    Key words: Pottery, Design, Cultural Identity, methodology, Portugal.

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    NDICE

    Agradecimentos ........ i

    Resumo ....... iii

    Abstract ....... iv

    ndice Geral ............. v

    Lista de Abreviaturas ...... ix

    ndice de Figuras .... xi

    Introduo .. 1

    Portugal contemporneo e a sua cultura // Enquadramento . 1

    A actualizao do Sector de Artes e Ofcios // Objectivos ...... 3

    Sector de Artes e Ofcios no mbito do Design // Metodologia e Estrutura da

    Dissertao .. 5

    I Captulo - Identidade do sector de Artes e Ofcios em Portugal

    .. 8

    Nota Introdutria ...... 9

    1.1. Anlise contextual do sector de Artes e Ofcios, com especificao na Olaria

    portuguesa ...... 10

    1.2. Manualidade e singularidade das produes artesanais cingidas ao estudo da

    Olaria...... 19

    1.2.1. Processo da matria-prima Olaria Portuguesa... 24

    1.2.2. Tipologias de produtos e funes.. 33

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    1.3. Novo conceito de Artes e Ofcios, a presena dos novos artesos.. 40

    II Captulo - Identidade do Design contemporneo em Portugal 46

    Nota Introdutria..... 47

    2.1. Design Portugus, contextualizao.... 48

    2.2. Metodologia projectual em concordncia com as novas tecnologias.. 59

    2.3. Anlise da relao entre os processos de criao e os processos de

    produo.... 66

    III Captulo - Relao entre o Sector de Artes e Ofcios e Design, em concordncia

    com os preceitos da Sustentabilidade.. 70

    Nota Introdutria .... 71

    3.1. Sustentabilidade no mbito do Design. 73

    3.2. Metodologias do Design para a Sustentabilidade

    .... 80

    3.2.1. Anlise do Ciclo de vida do Produto (ACV) ... 81

    3.3. Utopia ou uma relao necessria? Reflexo sobre um processo artesanal

    em contraponto ao processo indstrial e criativo ...... 88

    IV Captulo - Revitalizao do patrimnio cultural. Interaco do Sector de Artes

    e Ofcios com o Design Portugus........ 98

    Nota Introdutria ...... 99

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    4.1. Representaes de Design no campo da Olaria. (Confluncia entre as esferas

    artsticas) ...... 101

    4.1.1. THE-HOME-PROJECT . 103

    4.1.2. Desenha a tradio ......... 105

    4.1.3. Experimenta o campo ..... 107

    4.1.4. Velhos saberes, novas tendncias .......... 108

    4.2. Anlise da relao entre os processos metodolgicos (concepo, produo,

    comercializao) .. 110

    4.3. Tenses entre os campos artsticos, Hibridismo Cultural ..... 118

    4.4. Interface do Design com o Artesanato, processo de mudana e

    inovao/requalificao ... 121

    V Captulo OLLA - Projecto Prtico 127

    Nota Introdutria .. 128

    5.1. Olaria Norberto Batalha & Filhos, uma anlise contextual .. 130

    5.2. Conceito..... 133

    5.3. Anlise da metodologia de trabalho inserida na concretizao do projecto

    prtico .. 135

    5.4.Produtos.. 138

    Concluso ... 142

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    Anexos ..... 147

    Anexos I Mapas correspondentes localizao de lojas artesanais em Lisboa,

    Cascais e Sintra .... 148

    Anexo II Design Convencional vs Design Ecolgico .. 150

    Anexo III Documento utilizado para apresentao da coleco ao oleiro e

    outros designers ... 153

    Anexo IV Catlogo da coleco OLLA .159

    Glossrio . 161

    Bibliografia Geral... 164

    Webgrafia ... 172

    Fontes Iconogrficas ...... 174

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    LISTA DE ABREVIATURAS

    AVC Anlise do Ciclo de Vida do Produto

    CEARTE Centro de Formao Profissional do Artesanato

    CENCAL Centro de Formao Profissional para a Indstria de Cermica

    CPD Centro Portugus do Design

    CRAT - Centro Regional de Artes Tradicionais

    DT Projecto Desenha a Tradio

    ESAD.CR Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha

    FPAO - Federao Portuguesa de Artes e Ofcios

    ICSID International Council of Societies of industrial design

    IEFP INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAO PROFISSIONAL

    INII Instituto Nacional de Investigao Industrial

    MUDE- Museu do Design e da Moda

    OAE - Ofcio y Arte

    PPART - Programa para a Promoo dos Ofcios e das Microempresas Artesanais

    SMD Projecto Sm Design

    VTNC Projecto Velhos Saberes, Novas Tendncias

    WIPO Organizao mundial da propriedade intelectual

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    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1. Esquema - Tipo da cadeia operatria de uma Olaria em poca romana.

    Legenda: 1. Poo para recolha de gua; 2. Depsito de argila; 3. Tanque para

    decantao da argila; 4. Oficina do oleiro; 5. Forno; Zona de despejo de peas partidas

    ou defeituosas. ................................................................................................................ 12

    Figura 2. A aparncia e condies de uma oficina ....................................................... 21

    Figura 3. Oleiro que trabalha na roda e a mulher goga (decora a pea) ....................... 21

    Figura 4. Esquema representativo sinttico do processo oleiro ................................... 26

    Figura 5. Utenslios usados na extraco - sachola - e na preparao do barro - pio,

    peneira e picos ................................................................................................................ 27

    Figura 6. Oleiro a piar o barro ...................................................................................... 27

    Figura 7. Roda Alta de Oleiro, Manual ........................................................................ 29

    Figura 8. Oleiro a trabalhar em roda alta ...................................................................... 29

    Figura 9. Roda Baixa de Oleiro, Manual ...................................................................... 29

    Figura 10. Oleiro a trabalhar em roda Baixa ................................................................ 29

    Figura 11. Instrumentos auxiliares de trabalho ............................................................ 30

    Figura 12. Processo de Cozedura e retiragem das peas aps cozida .......................... 31

    Figura 13. Tipologias de olaria utilitria mais comum entre centros oleiros ................ 34

    Figura 14. Chocolateira ................................................................................................ 36

    Figura 15. Diferentes formas e decoraes de uma taa dependendo do centro oleiro 37

    Figura 16. Jarros com diferentes pontos de vista a partir do centro oleiro ................... 37

    Figura 17. Moringas ...................................................................................................... 38

    Figura 18. Influncias da figura humana, flora e fauna ................................................ 38

    Figura 19. Bilhas de Segredo ....................................................................................... 39

    Figura 20. Bacios .......................................................................................................... 39

    Figura 21. Estudo do nmero de oleiros existentes na actualidade, baseado no registo

    nacional de cartas de arteso e unidades de produo .................................................... 41

    Figura 22. Smbolo de Unidade Produtiva Artesanal reconhecida............................... 44

    Figura 23. Smbolo de Arteso reconhecido ................................................................ 44

    Figura 24. Cadeira "Gonalo" ...................................................................................... 50

    Figura 25. Esquema representativo sinttico do processo do Design .......................... 62

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    Figura 26. Percursos para a sustentabilidade ................................................................ 76

    Figura 27. Representao do modelo de reduo dos custos, segundo Manzini e

    Vezzoli ............................................................................................................................ 78

    Figura 28. Objectivo da Anlise do Ciclo de Vida do Produto .................................... 82

    Figura 29. Representao do modelo de o ciclo de vida do sistema produto, segundo

    Manzini e Vezzoli ........................................................................................................... 85

    Figura 30. Integrao dos requisitos ambientais nas fases de desenvolvimento de

    produtos .......................................................................................................................... 88

    Figura 31. "Vasilh" de Jos Viana .............................................................................. 94

    Figura 32. "Um misto de " de Mafalda Fernandes ....................................................... 95

    Figura 33. "Vapor" de Ins Secca Ruivo ....................................................................... 96

    Figura 34. Projecto " Cultura Intensiva" .................................................................... 104

    Figura 35. Projecto "Olaria" ....................................................................................... 104

    Figura 36. Projecto " Black ceramics" ....................................................................... 104

    Figura 37. Produtos pertencentes ao projecto DT, realizados pelo estdio Pedrita ... 106

    Figura 38. Alguns produtos pertencentes ao projecto "Experimenta o campo" ......... 108

    Figura 39. Alguns produtos pertencentes ao projecto VTNC .................................... 110

    Figura 40. Coleco OLLA ......................................................................................... 128

    Figura 41. Instalaes da Olaria Norberto Batalha & Filhos ..................................... 130

    Figura 42. Armazns da Olaria Norberto Batalha & Filhos ....................................... 132

    Figura 43. Anlise de formas e tcnicas da Olaria Norberto Batalha &Filhos .......... 134

    Figura 44. Processo de produo de um dos produtos da coleco ........................... 136

    Figura 45. Preparao dos produtos e da cor de vidragem ......................................... 137

    Figura 46. Processo de vidragem de alguns produtos ................................................ 137

    Figura 47. Produtos preparados para a segunda cozedura .......................................... 138

    Figura 48. Produtos da Coleco OLLA ..................................................................... 139

    Figura 49. Funcionalidades e Adaptaes de formas tradicionais dos produtos da

    coleco OLLA ............................................................................................................. 140

    Figura 50. Outras funes de alguns dos produtos da coleco OLLA ....................... 141

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

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    INTRODUO

    Portugal contemporneo e a sua cultura

    // Enquadramento

    Portugal vive uma situao peculiar, que j no era sentida h alguns anos. Num

    momento de crise econmica e desvalorizao dos seus valores, este pas e os seus

    habitantes encontram-se indiferentes a qualquer motivao e incentivo para a

    revitalizao da sua cultura.

    Esta instabilidade no surgiu de forma espontnea, mas sim a partir de um

    conjunto de actos e associaes que foram desenvolvidos ao longo dos tempos,

    como forma de incentivo para a sua evoluo e equilbrio perante outros pases mais

    evoludos e com melhores condies no s econmicas como sociais, e culturais.

    Esta necessidade de globalizao contrariamente ao que se pretendia inicialmente,

    levou a uma maior desvalorizao da prpria cultura. Portugal sempre foi conhecido

    pelos seus diversos costumes e representaes identitrias e culturais, no s

    gastronmicos como o turismo, arquitectura, msica e principalmente por motivos e

    actividades tradicionais que pertencem ao sector de Artes e Ofcios. Ao ter-se unido

    a uma tentativa de globalizao levou no s, ao desaparecimento e desinteresse, por

    parte da sociedade portuguesa de todas as actividades e elementos caractersticos da

    cultura portuguesa, como tambm ao aparecimento de novas reas e actividades da

    qual se destaca o Design. Estas tiveram de se impor atravs do estudo e influncia

    de outras culturas, levando a uma total separao, desde o incio da cultura

    portuguesa. O Design Portugus apesar de tentar equiparar-se ao Escandinavo,

    Italiano ou Alemo, tem de perceber que tem caractersticas especficas e deve

    atender aos antecedentes histricos destes tipos de Design. Estes no procuraram

    influncias e noes entre eles, pelo contrrio, tentaram sempre desenvolver-se nos

    campos do Design a partir da integrao dos traos culturais herdados do seu pas.

    Ou seja, cada um destaca uma relao fundamental entre o Design e a cultura, no

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    2

    desenvolvimento de produtos para a sociedade, considerando a pluralidade e a

    variabilidade de caractersticas, necessidades e preocupaes dos indivduos de cada

    sociedade.

    Deste modo, a falta de tradio na indstria e artesanato portugueses no recurso

    a especialistas para o desenho dos seus produtos, associada a uma imagem nacional

    dbil, sublinham o erro de estratgia que persistiu at aos dias de hoje no Design

    Portugus. Este para que se consiga diferenciar no meio internacional ter ento que

    estudar e fazer uso do que de melhor tem Portugal, ou seja, ser o principal veculo de

    explorao de todos os aspectos culturais, e industriais importantes (relevantes). No s

    o retorno s origens ir proporcionar uma maior distino e reconhecimento do Design

    Portugus no estrangeiro, como poder servir como uma nova escola para os jovens

    designers portugueses.

    O primeiro passo para a sua ligao cultura e sua valorizao, dever ser feito

    atravs do seu apoio em reas, de certo modo, no s relacionadas com os valores e

    objectivos de trabalho, desta disciplina, mas tambm relacionadas com a tradio

    portuguesa, sendo o sector de Artes e Ofcios o elemento cultural mais revelante. O

    relacionamento com este sector produzir no s o seu desenvolvimento projectual

    como tambm ir proporcionar um reaparecimento, num contexto contemporneo, de

    materiais e tcnicas artesanais portuguesas tradicionais que se encontravam em

    extino. Por consequncia, necessrio que exista uma relao entre o Design e o

    Sector de Artes e Ofcios, como meio de afirmao e evoluo para ambas as reas, sem

    levar prpriamente a um esquecimento da fidelidade aos processos tradicionais - at

    pelo contrrio, pode vir a utilizar metodologias que podero servir de base ao Design.

    Outra vantagem que o sector de Artes e Ofcios pode dar ao nosso pas, se bem

    enquadrado e desenvolvido, o superar da crise que actualmente se vive, por ser um

    elemento imprescindvel para o equilbrio scio-econmico e at de combate excluso

    social (Tavares, 1992: 76).

    Contudo, para alm de ser um elemento da cultura tradicional portuguesa e

    muito importante para a revitalizao do pas, o Sector de Artes e Ofcios

    (especificamente a Olaria) o exemplo de uma ligao sustentabilidade, na qual,

    contemporaneamente, o Design procura estar sempre inserido. Esta unio de ambas as

    partes, no s a partir das metodologias de trabalho, tcnicas e materiais mas tambm

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

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    pela noo de ecologia e rentabilizao ir proporcionar no s um desenvolvimento das

    duas actividades, mas ser tambm um elemento de estudo importante para a melhoria

    das condies ambientais e para o aparecimento de novos valores na sociedade

    portuguesa. a partir de todos estes pontos de ligao e interesse na interaco entre o

    Design e o Sector de Artes e Ofcios, que este trabalho de investigao procurar

    desenvolver um meio exemplificativo para o incentivo e sensibilizao dos designers

    portugueses a este tipo de relao.

    A actualizao do sector de Artes e Ofcios

    // Objectivos

    No mbito desta dissertao de mestrado, sero objectivos prioritrios:

    O1 Contribuir como primeiro passo para valorizao do pas, a partir da

    actualizao e considerao de um dos seus grandes legados tcnicos, patrimoniais e

    culturais, o Sector de Artes e Ofcios, especificando-se numa s rea, a Olaria.

    Ao basear-se na qualidade de materiais e tecnologias caracteristicamente

    portuguesas existentes neste sector, que infelizmente esto a desaparecer, este trabalho

    de investigao vai analisar as possibilidades de tornar o sector de Artes e Ofcios, que

    actualmente definido como algo tradicional e pertencente a um conceito local, em algo

    que se defina com palavras como inovao e contemporaneidade caractersticas do

    contexto industrial e global da actualidade, a partir do apoio no Design de Produto.

    O2 Procurar possveis relaes existentes entre o Design e o sector tradicional

    de Artes e Ofcios, atravs do estudo de casos e da consequente sistematizao de

    processos, procurando seleccionar qual a melhor metodologia projectual adaptada para

    este tipo de interaco.

    O3 Formar um documento de consulta auxiliar na abordagem a esta

    problemtica, procurando sempre demonstrar que a Olaria, e todo o sector, no so

    meramente algo tradicional e turstico, mas tambm necessita de ser valorizada no

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

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    mercado, como tambm pode ser considerada como uma tcnica metodolgica

    interessante e vivel para o Design portugus.

    O4 Constituir meio de incentivo para que este tipo de interaco no passe de

    uma situao espordica ou de exerccios experimentais, mas sim uma relao

    necessria para a concretizao de qualquer tipo de projecto, procurando, desde j

    cativar/enfatizar a ateno do designer para o primeiro contacto com uma rea

    diversificada, distinta e representante da cultura portuguesa.

    Perguntas de Investigao

    Apresentam-se de seguida as perguntas de investigao a que se procurar

    responder ao longo desta dissertao, e que resultam da contextualizao e ligao dos

    objectivos anteriormente apresentados.

    P1 Como se conseguir aplicar um conceito local como o do Sector de Artes e Ofcios,

    numa sociedade e contexto industrial e global?

    P2 Como iniciar um processo sistemtico e sustentado de desenvolvimento do Sector de

    Artes e Ofcios, preservando os valores e referncias culturais, porm adequando os

    produtos s necessidades e expectativas do mercado?

    P3 Quais devem ser os limites e responsabilidades de um designer numa procura de

    interveno num segmento artesanal?

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

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    Sector de Artes e Ofcios no mbito do Design

    // Metodologia e Estrutura da Dissertao

    Ao longo da dissertao, ir procurar-se conciliar e interligar mutuamente o

    sector de Artes e Ofcios e o Design em Portugal, sendo necessrio, antes de qualquer

    tentativa de relacionamento, fazer uma anlise extensiva a ambas as reas

    separadamente, de forma a dar a conhecer estes dois mundos to distantes e

    desconhecidos de uma forma profunda pela sociedade em geral, mas tambm pelos

    prprios intervenientes participativos neste tipo de actividades.

    necessrio ter em conta que embora esta dissertao tenha como objectivo

    falar do sector de Artes e Ofcios portugus de um modo geral, e encontrar formas de

    incentivar o seu desenvolvimento a partir do Design, baseou-se numa s actividade

    caracterstica e pertencente a este sector: a Olaria portuguesa. Esta opo deveu-se

    convenincia do recurso a um nico exemplo de actividade artesanal como via para uma

    melhor explanao e entendimento do que deve ser feito para todo o sector em que se

    insere. Ou seja, ao abordar especificamente a olaria, no implica que todas as noes e

    informaes que se procuram explicitar se dirijam unicamente a esta actividade. Pelo

    contrrio, supe-se que esta abordagem permita estender-se a todas as actividades deste

    sector artesanal e tradicional.

    Deste modo, foi ento analisada e estudada a Olaria utilitria continental

    portuguesa de forma a evidenciar-se e analisar-se os diferentes mtodos de trabalho

    artesanal e tcnicas com o objectivo de, aps se ter feito o mesmo ao Design de uma

    forma individualizada, enumerar os princpios para a tal interligao que deve existir

    entre o Sector de Artes e Ofcios e o Design, de forma a contribuir para a revitalizao e

    valorizao da cultura portuguesa. Optou-se por uma delimitao na anlise da Olaria

    de forma a retractar unicamente a Olaria utilitria, uma vez que, como Isabel Maria

    Fernandes defende As peas de barro nasceram para ser teis, servir quem as usa

    (Fernandes et al., 2003).

    Para a concretizao da dissertao e a sua fundamentao, tendo sempre em

    conta os objectivos propostos, privilegiou-se uma anlise de natureza extensiva e

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    6

    qualitativa, pelo que foram usados mtodos e tcnicas etnogrficas de pesquisa,

    utilizando, para tal, diferentes instrumentos metodolgicos, tais como uma anlise

    bibliogrfica e documental, entrevistas directas e semi-directas1 e por fim a utilizao de

    uma pesquisa exploratria.

    Relativamente anlise bibliogrfica, esta baseou-se numa abordagem terico-

    prtica a partir da investigao e pesquisa em apoios bibliogrficos como monografias,

    artigos de publicaes em srie, actas de congressos e conferncias, fontes de

    informao como internet e por fim atravs da anlise de teses, dissertaes e outra

    provas acadmicas que podero contribuir para o desenvolvimento deste trabalho de

    investigao, no s a partir do seu tema e contextualizao como, e principalmente, do

    seu contexto e parmetros.

    Contudo, para alm de referncias to especficas e cientficas, esta foi

    acompanhada por uma abordagem mais emprica atravs de diversas tcnicas de recolha

    de informao, feitas de uma forma mais prtica, nomeadamente, questionrios e

    entrevistas a vrios artesos sobre as tcnicas que praticam; responsveis por centros de

    apoio ao artesanato e associaes; a designers de renome no Design Portugus que j

    trabalharam com este tipo de relao; historiadores; coleccionadores e por fim a lojistas

    de estabelecimentos relacionados com esta rea, nos concelhos de Lisboa, Cascais e

    Sintra (lojas de Artesanato tradicional, Artesanato contemporneo ou lojas j com uma

    relao entre o Design e o Artesanato)2. Numa primeira instncia, a presena no terreno,

    no caso de lojas e oficinas, fez-se de forma no continuada e a observao directa

    mostrou-se, desde cedo, o mtodo a utilizar em algumas eventualidades. Para alm do

    estudo dos actores no incentivo deste tipo de relao, e como forma de fomentao de

    toda a informao terica recolhida, foi essencial a visita e comunicao com os

    responsveis de museus, como o de Olaria, locais tais como o Porto dos Cacos em

    Alcochete e exposies como a Quinta do Rouxinol, em meados de Dezembro de 2010,

    1 Entrevistas semi-directas - Entrevistas j existentes ou realizadas por Associaes a meu pedido.

    2 Observao: Aps a anlise e sinalizao das lojas nos mapas correspondentes (Anexos I), verifica-se a

    discrepncia de valorizao de artesanato entre as vrias zonas. Ambas as zonas de Sintra e Lisboa so

    tursticas e por isso denota-se um maior nmero de lojas e artesos, enquanto em Cascais neste momento

    encontram-se simplesmente quatro exemplares de artesanato tradicional.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    7

    no Museu Nacional de Arqueologia e Exerccio de inventrio- A propsito de duas

    Doaes de Olaria Portuguesa3 no Museu Nacional de Etnologia. A investigao

    terico-prtica justifica-se a partir da exemplificao de casos de estudo (studies cases).

    Casos de estudo esses que no so os nicos representativos deste tipo de interligao,

    mas por serem referenciados pelos representantes da Olaria e do Design como projectos

    bem-sucedidos e que por motivo, foram amplamente divulgados, sendo considerados

    como os modelos que procuraram criar uma mudana e impacto dentro do sector

    criativo em que se inserem. Procurou-se restringir todos os casos de estudo a projectos

    nacionais de forma a demonstrar aos leitores que por mais que haja internacionalmente

    uma diversidade de exemplos desta relao e serem bastante completos e

    dinamizadores, em Portugal tambm existe um amplo nmero de exemplos

    significativos que contrariam a noo de atraso e incapacidade que tanto o povo

    portugus como os seus designers tm. Considerou-se, portanto, pertinente analisar mais

    profundamente estes casos com o intuito de que este estudo fornea elementos de

    reflexo crtica que possam ser utilizados no futuro na implementao de outros

    projectos de natureza similar.

    3 Visita ao museu a Janeiro de 2011

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    8

    I CAPTULO

    IDENTIDADE DO SECTOR DE ARTES E OFCIOS EM

    PORTUGAL

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    9

    O objectivo primordial deste captulo ser a apresentao de toda a

    contextualizao do sector de Artes e Ofcios em Portugal, especificando-se na origem

    da Olaria portuguesa, enquadrando-a devidamente com as suas influncias Romanas e

    rabes, de modo a explorar o seu potencial enquanto elemento mediador de transmisso

    de conhecimentos sobre as formas e tcnicas utilizadas pela Olaria.

    Aps uma observao e anlise de toda a caracterizao da Olaria portuguesa,

    importante identificar as suas diferentes tcnicas, tipologias, metodologias, materiais e

    suas particularidades, que em conjunto, do origem a uma actividade oleira

    diversificada, distinta e exemplar de muitas referncias culturais portuguesas.

    Contudo, antes de mais importa explicitar quatro conceitos de modo a no pr

    em causa o objectivo do trabalho de investigao, a saber: arteso; actividade artesanal;

    sector de Artes e Ofcios; e artesanato. Em relao aos dois ltimos conceitos, ao longo

    do trabalho, opta-se por utilizar o termo Artes e Ofcios para falar do sector de produo

    na sua globalidade, em coerncia com o modo como, os prprios intervenientes o

    referem. J a utilizao do termo artesanato, refere-se ao produto cultural final.

    Esta dissertao apoia-se no Decreto de lei n 110/2002, de 16 de Abril (PPART,

    2002) que as define como:

    Actividade artesanal Designa-se por actividade artesanal a actividade

    econmica, de reconhecido valor cultural e social, que assenta na produo, restauro ou

    reparao de bens de valor artstico ou utilitrio, de raiz tradicional ou contempornea, e

    na prestao de servios de igual natureza, bem como na produo e preparao de bens

    alimentares

    Arteso Entende-se por arteso o trabalhador que exerce uma actividade

    artesanal, por conta prpria ou por conta de outrm, inserido em unidade produtiva

    artesanal reconhecida. O exerccio da actividade artesanal supe o domnio dos saberes

    e tcnicas que lhe so inerentes, bem como um apurado sentido esttico e percia

    manual.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    10

    1.1.Anlise contextual do sector de Artes e Ofcios, com especificao na Olaria

    portuguesa

    Quem teria iniciado a arte do barro em Portugal e quando ela foi iniciada como arte

    autnoma, coisa que ao certo se no saber nunca

    (Chaves, 1925: 1)

    Toda a histria da Olaria portuguesa est relacionada com a prpria evoluo do

    sector em que se enquadra, Artes e Ofcios. Por mais que cada rea constituinte deste

    sector se tenha desenvolvido a partir de diferentes influncias e se tenha adaptado a

    diferentes conceitos, na histria do sector Artes e Ofcios que se consegue introduzir e

    entender todo o seu contexto.

    Embora a Olaria Portuguesa seja considerada como uma das principais

    dimenses do patrimnio portugus, a verdade que tem origem nas diferentes culturas

    de povos nmadas que no seu af conquistador, expandiam a sua comunidade e a sua

    cultura.

    Apesar dos muitos estudos arqueolgicos sobre a origem da olaria no possvel

    precisar quando que teve o seu incio, j que so muitos os indcios de que o seu

    surgimento est intimamente ligado aos primrdios e desenvolvimento do Homem,

    podendo assim transport-la para a Idade da Pedra, aps descobertas de artefactos do

    perodo Mesoltico, e Neoltico Antigo (Neoltico Antigo Evolucionado)4 (Gonalves,

    2008: 67-79). Ter sido nesta poca que o Homem haveria dado o primeiro passo na

    descoberta de uma nova tcnica que correspondesse a uma das suas necessidades de

    armazenamento e cozedura de alimentos, levando-o procura do reaproveitamento do

    que a prpria terra lhe poderia oferecer. Em relao Olaria portuguesa e ao primeiro

    4 Vrios autores consideram uma diviso do Neoltico Antigo em duas fases, nomeadamente, Neoltico

    Antigo Cardial e o Neoltico Antigo Evolucionado ou Epicardial.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    11

    material transformado, no h certezas quanto existncia e origem do barro e da sua

    actividade.

    As nicas certezas que existem consubstanciam-se na evidncia das influncias

    que sofreu da cultura dos povos ocidentais e orientais (romanos, rabes, visigodos e

    celtas) a partir das suas metodologias. Tanto nos mtodos de produo como nos

    elementos decorativos e nas prprias caractersticas das formas e funo dos objectos,

    sem grandes alteraes, existe uma persistncia das antigas influncias, como a romana.

    Estes povos estabeleceram-se em diferentes zonas e regies de Portugal devido

    s suas terras frteis, rios, e boas condies geogrficas. A sedentarizao do Homem

    parece assim, ter sido determinante para o desenvolvimento oleiro. Poder-se- dizer que

    toda a invaso romana e a permanncia da sua cultura em Portugal a principal

    influncia na Olaria, uma vez que todos os outros povos que lhes sucederam, seguiram

    as suas pisadas, acabando por adquirir muitas dessas influncias, sendo os principais

    responsveis pela sua durabilidade e permanncia nos produtos considerados

    representativos da Olaria e cultura portuguesa.

    A primeira ocupao humana documentada refere-se presena romana (atravs

    de descobertas arqueolgicas dos centros de Olaria5 espalhados por todo o territrio

    portugus). Toda a cultura romana e a sua Olaria caracterizada pela ligao a

    influncia marinhas, em que no s produziam lucernas, loia de cozinha e de mesa,

    mas principalmente nforas destinadas ao envase e transporte de preparados de peixe.

    Para alm dos motivos marinhos est tambm interligada, at aos dias de hoje, com um

    dos principais elementos patrimoniais de Portugal, o vinho e com o azeite (Felipe &

    Raposo, 2009). Toda esta relao deve-se presena constante e ao desejo de responder

    s necessidades da vida quotidiana, adquirindo deste modo um importante estatuto

    utilitrio.

    5 Centros de olaria Romana: Morraal da Ajuda (Peniche); O Baixo Tejo [Garrocheira, Porto dos Cacos

    (Alcochete, Quinta do Rouxinol (Seixal)];Baixo Sado [Zambujalinho (Palmela), Largo da Misericrdia

    (Setbal), Quinta da Alegria (Setbal), Pinheiro (Alccer do Sal), Abul (Alccer do sal), Xarrouqueira e

    vale da Cepa (Alccer do Sal), Bugio (Alccer do Sal), Barrosinha (Alccer do Sal)] Algarve [Ponta de

    Sagres, S. Joo da Venda (Loul), Quinta do Lago, Alfranxia] e por fim Torre de Aires (Manta Rota,

    Olhos de S. Bartolomeu de Castro Marim). (Fabio, 2004: 387-401).

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    12

    Actualmente, embora j tenham sido encontrados vestgios histricos que

    justificam a presena de centros oleiros romanos, cuja actividade ter tido incio no final

    do sculo I d.c., a verdade que pouco se sabia sobre a prtica e o modo de vida da

    actividade oleira. Uma das razes pelas quais se verifica esta falha deve-se ao facto de

    esta realidade ser completamente desconhecida no sculo XIX (Fabio, 2004: 384). S

    na dcada dos anos 70 e 80 do sculo XX que comeou a haver um maior

    reconhecimento em relao s descobertas arqueolgicas dos fornos dos centros oleiros

    a partir da criao de programas e incentivos para o seu desenvolvimento por parte das

    Cmaras Municipais (Fabio, 2004: 386).

    Contudo, mesmo que se conhea pouco sobre o sistema de organizao das

    olarias, depreende-se que tal, tenha existido:

    () desde os pequenos complexos dedicados confeco de preparados de

    peixe, servidos por pequenas olarias, pertencendo ambos a um mesmo sistema

    produtivo e proprietrio; mas tambm a da existncia de grandes centros oleiros que

    abasteceriam uma diversidade de unidades de transformao do pescado. (Fabio,

    2004: 402).

    Em relao ao seu enquadramento espacial, estas instalavam-se na proximidade

    das principais fontes de matrias-primas (argila, lenha e gua) e dos centros de consumo

    das suas produes, procurando retirar o mximo partido das vias de comunicao

    disponveis, fossem estas terrestres, fluviais ou martimas.

    Figura 1. Esquema - Tipo da cadeia operatria de uma Olaria em poca romana. Legenda: 1. Poo para

    recolha de gua; 2. Depsito de argila; 3. Tanque para decantao da argila; 4. Oficina do oleiro; 5.

    Forno; Zona de despejo de peas partidas ou defeituosas.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    13

    Outro aspecto interessante presente na histria da Olaria portuguesa, mas que

    no permaneceu na actualidade, que estes centros oleiros tanto podiam ser sazonais ou

    de laborao contnua, sendo estas diferenciadas a partir de pocas. Existe assim uma

    primeira fase, no Alto Imprio, em que a Olaria seria utilizada apenas sazonalmente, e

    uma segunda fase em que se constituiria como efectivo centro de laborao contnua,

    com rea residencial (Mayet & Silva; apud. Fabio, 2004: 384). Esta diferena dependia

    do facto de estas, estarem mais prximas ou mais afastadas da cidade.

    Em relao aos artesos e actividade artesanal, j nesta poca o trabalho no se

    definia pelo acto de criatividade, mas sim pelo regime de produo intensiva. O prprio

    arteso podia trabalhar por conta prpria ou a partir de relaes com os proprietrios

    rurais que lhe forneciam as matrias-primas e este produzia peas nicas a pedido do

    cliente.

    Esta poca tambm influenciou a Olaria portuguesa a partir dos seus hbitos

    sociais, em que existe a necessidade de transmisso do saber de gerao para gerao,

    da vida domstica e dos progressos produtivos (Queiroz, 1907: 9). Tambm os fornos

    tinham a mesma forma de utilizao que os actuais.

    No incio desta actividade trabalhava-se com barro seco e o seu processo de

    secagem fazia-se ao sol, como o adobo, e era impermeabilizado por meio de matrias

    gordurosas, para puderem suportar lquidos (Queiroz, 1907: 7). As suas formas

    adaptavam-se enorme variedade de contedos, s tradies oleiras de cada centro

    produtor e especificidade do acondicionamento nas embarcaes que os conduziam

    aos locais de consumo.

    Por fim, j nesta poca se fazia a distino entre os vrios centros oleiros, sendo

    que cada um tinha a sua tcnica, embora os fornos e a sua arquitectura fosse bastante

    semelhante. As metodologias de trabalho e a transferncia do saber-fazer tero sido

    feitos a partir de uma s regio e no de vrias, como acontece actualmente (Fabio,

    2004: 403). Outro aspecto importante na diferenciao de cada centro, e que hoje

    motivo de discusso e conflito a necessidade inicial de identificar a pea,

    relacionando-a com os prprios oleiros. Esta necessidade no s j mostra a valorizao

    que as prprias pessoas davam sua actividade como tambm demonstra toda a

    organizao complexa da estrutura produtiva, sugerindo j uma especializao dos

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    14

    oleiros, no podendo ser qualquer pessoa a poder praticar esta actividade (Fabio, 2004:

    405).

    Portugal, como j foi anteriormente referido, consistiu num local de encontro de

    povos de vrias origens, devido a diversas invases, motivadas por guerras e pela busca

    de riqueza. Os rabes tiveram uma grande importncia na cultura portuguesa e foram a

    segunda grande influncia da Olaria portuguesa.

    Toda a expanso rabe ocorreu aproximadamente no sculo VIII e tinha como o

    intuito espalhar o Islamismo entre os povos. Ao longo da sua estadia construram

    templos e implementaram toda a sua cultura em diferentes regies Portuguesas, sendo

    uma delas, Alcochete, onde, desde logo pelo seu nome se denota a origem rabe: Al

    caxete. Para alm do nome, no s foi descoberto recentemente um forno, como

    tambm a presena de um templo, onde actualmente se encontra localizada a igreja

    matriz, edificada no sculo XIV. Este considerado como um dos nicos, seno o nico

    centro oleiro de origem rabe, que levou compreenso das tipologias de produtos da

    poca que a nossa sociedade ainda utiliza no seu quotidiano: alguidares, alcatruzes,

    fogareiros entre outros. Outro sinal importante de vestgios da Olaria rabe um dos

    rituais orientais que se baseava em enterrar a loua com os mortos, com o objectivo de

    utiliz-la na eternidade, sendo chamada a loua dos mortos. Este ritual fez com que

    muitos exemplos destas tipologias de olaria tenham permanecido intactos. A influncia

    rabe baseou-se no novo conhecimento e introduo de conceitos como a policromia e a

    ornamentao em relevo.

    No sculo VIII, os rabes trouxeram para a Pennsula, onde habitaram mais de

    seiscentos anos, a indstria da faiana colorida e translucidamente esmaltada. Esta

    tcnica no veio s dos rabes, mas tambm a partir dos nossos navegadores e

    descobridores portugueses, que na poca, traziam diversos produtos do oriente. A

    introduo da indstria da faiana, levou a que a Olaria deste povo no tenha sido muito

    desenvolvida em Portugal, sendo esta influncia mais caracterizada nos azulejos e na

    cermica do que propriamente na Olaria utilitria.

    Aps o estudo e anlise das duas principais influncias do sector da

    Olaria/cermica portuguesa, poder-se- introduzir o restante contexto histrico e

    evoluo desta actividade a partir de uma anlise generalizada dos diversos

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    15

    acontecimentos e desenvolvimentos que paralelamente foram ocorrendo no sector das

    Artes e Ofcios.

    A Idade Mdia6, com a presena da corte, nobreza e realeza, caracterizada

    como um dos tempos ureos dos artesos e da sua actividade. Os seus produtos em

    barro eram muito valorizados, ornamentando as mesas dos banquetes, sendo um

    elemento de representao da honestidade e pureza do rei. Nesta poca o arteso tanto

    tinha privilgios sociais como tambm econmicos. Em relao sua localizao,

    verifica-se, a partir de referncias a oleiros e olarias em documentao diversa, que os

    centros oleiros mantinham-se junto da matria-prima, longe das cidades (Chaves, 1925:

    27). Outro motivo pelo qual esta foi a poca urea dos artesos e artesanato deve-se ao

    incio da especializao do oleiro, originando tanto a proteco do estatuto da sua

    classe, como tambm a exigncia de progresso hierarquizada no ofcio e prestao de

    provas.

    J a Era medieval e dos Descobrimentos7 caracterizada pela sobreposio de

    outros materiais Olaria, que acentuaram o incio da sua decadncia, como a cortia,

    cobre e at a madeira (Fernandes & R.R. Silva, 2003: 35). Tanto a poca medieval, mas

    principalmente a dos Descobrimentos definem-se pelas diversas influncias que os

    nossos navegadores, como os outros povos trouxeram a partir do comrcio. Embora a

    desvalorizao ressentida em termos de olaria, nesta poca foi importante a presena de

    moringues e os trastes8 nas navegaes devido a terem-se tornado referncias para

    outras culturas9. A grande revoluo que ocorre neste perodo a alterao da decorao

    6 Era Medieval ou Idade Mdia definido por um perodo intermdio caracterizado pela grande influncia

    da Igreja sobre a sociedade.

    7 Era dos Descobrimentos consiste no perodo da histria que decorreu entre o sculo XV e o incio do

    sculo XVII. Este define-se pela poca de intensivas exploraes do globo terrestre feitas pelos europeus,

    principalmente portugueses e espanhis, com o objectivo de criao de novas rotas de comrcio.

    8 Palavra derivada do latim tractos e que se refere s peas de uso e servio na casa de habitao.

    9 Paulo Parra. Artes da casa: ambientes singulares: feira internacional de artesanato 2011. 1ed.

    Lisboa : Instituto do Emprego e Formao Profissional, 2011. ISBN 978-989-638-058-8. P.75.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    16

    e das tcnicas decorativas que originaram o aparecimento de motivos geomtricos e

    estilizaes florais, com pintura a branco (Fernandes et al., 2003: 40).

    Outro acontecimento que contribuiu para uma maior decadncia da actividade

    entre os sculo XVI e o sculo XIX, e que levou alterao dos hbitos alimentares e

    sociais foi o aparecimento das primeiras fbricas de faiana, e o aparecimento da gua

    canalizada que retirou todo o sentido das mulheres terem que vender a gua na rua com

    os seus cntaros.

    A partir do sculo XVI, para melhorar a qualidade e a actividade da Olaria,

    introduziu-se uma normalizao e fiscalizao do trabalho do oleiro por parte do poder

    real e municipal (Correia, 1926: 142-147). Por conseguinte, so criadas hierarquias

    dentro do grupo de oleiros: aprendiz ou obreiro, oficial e mestre de tenda, para dominar

    melhor o ofcio. Quando o aprendiz era detentor do saber necessrio submetia-se a um

    exame, que ao obter parecer positivo, recebia a carta de examinao. (Langhans, 1946:

    347-360).

    Com esta nova normalizao, no sculo XVI faz-se a distino entre o arteso

    que de forma inconsciente repete mecanicamente o modelo, uma actividade ligada ao

    fazer, e o artista, que projectando cria livremente novas propostas (Brando, 2003: 18).

    Com a revoluo indstrial no sculo XIX (origem no sculo XVIII, em Inglaterra), a

    distino entre as artes ditas mecnicas e as livres toma outra forma. Quem repete

    inconscientemente o modelo o operrio e o arteso adquire o estatuto de mestre,

    detentor do conhecimento tcnico e dos materiais com os quais cria artefactos (do lat.

    arte facto-, feito com arte; objecto produzido pelas artes mecnicas) (Brando, 2003:

    18).

    Toda a histria da Olaria como do sector de Artes e Ofcios define-se a partir de

    uma evoluo inconstante, de extremos, podendo-se encontrar no seu auge como, de

    seguida, na sua extino. Foi o que aconteceu no sculo XIX, em que quase se previa o

    seu desaparecimento devido ao surgimento de novas tecnologias e invenes, que

    provocaram a passagem de uma rede pouco densa de economias locais para economias

    nacionais, com o possvel fabrico em srie de todo o tipo de produtos (Castro, 1994:

    11).

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    17

    Uma das razes pelas quais existia esta instabilidade no sector, no s foi devido

    Revoluo Industrial, que alterou todos os costumes e toda a mentalidade da

    sociedade, como tambm e principalmente o aparecimento de novos materiais mais

    adequados s necessidades econmicas e utilitrias da sociedade da poca. Tambm o

    xodo rural e os surtos demogrficos que se fizeram sentir, devido procura de

    melhores condies econmicas e de vida levaram ao desaparecimento de muitos

    praticantes de Olaria, e ao encerramento das nicas olarias que ainda se mantinham em

    funcionamento em diferentes regies (Cunca, 2006: 29).

    A mudana de uma economia agrria, onde o artesanato se apoiava, para uma

    economia industrial, foi uma das razes do decrscimo da prtica de todo o sector Artes

    e Ofcios. Como observa Pevsner (1991) a Revoluo Industrial levou a que todo o

    () progresso mecnico permitisse aos fabricantes produzir milhares de

    artigos baratos no mesmo perodo de tempo e ao mesmo preo anteriormente

    necessrios para um nico objecto bem trabalhado; em toda a indstria dominavam as

    tcnicas e os materiais falsificados [] De ano para ano ia aumentando a procura, mas

    esta era feita por um pblico ignorante, um pblico que ou tinha dinheiro de mais e falta

    de tempo ou falta de dinheiro e de tempo. (Pevsner; apud. Cunca, 2006: 35).

    Estas transformaes de padres de produo levaram a uma passagem de uma

    cultura popular para uma cultura material, originando a perda da ideia de qualidade do

    produto, que o sector de Artes e Ofcios tanto simbolizava e defendia (Burke, 1978:

    247).

    Por mais que tenha havido uma procura de adaptao a esta nova poca e

    mentalidade, muitos dos aclamados designers e tericos da poca no conseguiram

    afastar o seu pensamento da actividade artesanal e do quanto era mais correcta do que

    prpriamente a produo industrial. John Ruskin (1819 1900) e William Morris (1834

    1896) so figuras que criaram o movimento Arts and Crafts que tinha como objectivo

    conservar o acto artesanal reagindo aos excessos da industrializao, falta de

    originalidade e vulgarizao formal a que a produo estandardizada tinha conduzido

    o fabrico de objectos utilitrios. Mais tarde, surgiram novos movimentos constitudos

    por grandes nomes da poca que j procuram criar uma relao entre o processo

    industrial com as mais-valias do processo artesanal.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    18

    Aps a 1 Guerra Mundial (28 de Julho 1914 a 11 de Novembro de 1918), e de

    forma a ultrapassar a desorganizao da produo industrial, foi de novo reconhecida a

    importncia do sector na economia e na sociedade, e precisamente nesta poca que

    ressurge o conceito de artesanato, neologismo introduzido pela 1 vez no fim do sculo

    XIX. Em contradio, volta a sua desvalorizao nos anos setenta devido a grandes

    transformaes quer na forma, quer na maneira de decorar, como tambm causada pelo

    25 de Abril de 1974, que com a subida dos salrios afectou ainda mais as oficinas que

    empregavam mo-de-obra no familiar, obrigando, muitas delas, a encerrar as portas.

    Foi na dcada de oitenta que a actividade artesanal, e consequentemente a

    Olaria, passou a ser reconhecida como expresso de raiz cultural a preservar,

    transformando-a numa actividade geradora de emprego (Castro, 1994: 9). nesta poca

    que o sector de Artes e Ofcios consegue acompanhar a evoluo da sociedade, levando

    a que vrias pessoas transformassem esta actividade numa ocupao dos seus tempos

    livres.

    Com o surgimento dos Apoios do Fundo Social Europeu e uma primeira

    delimitao institucional do conceito das Artes e Ofcios tradicionais (Silva & Santos,

    1988), passou a haver um impulso na formao dos artesos, promovendo o

    reinterpretar e o reinventar na execuo, produo e reproduo de formas, motivos e

    mtodos antigos. Os objectivos deste apoio prendiam-se com a formao de

    profissionais tecnicamente competentes, capazes de desenvolver uma actividade e torn-

    la rentvel, procurando responder s necessidades do mercado, e valorizando a

    reinveno de um patrimnio de tcnicas, formas, padres e atitudes. Foi tambm nesta

    poca que surgiu um facto muito importante para a histria da Olaria e do sector de

    Artes e Ofcios, a necessidade de haver uma certificao de arteso10

    , que tem como

    10

    PPART formalizou bases para o ordenamento jurdico e normativo do sector:

    Carta de Arteso - consiste num documento renovvel por perodo de dois a cinco anos e que reconhece o

    domnio de saberes e tcnicas inerentes sua actividade e a sua dedicao mesma, a ttulo profissional;

    Carta de Unidade Produtiva Artesanal- renovvel periodicamente e que atribuda na base de critrios

    que se prendem, fundamentalmente, com o reconhecimento do arteso enquanto responsvel da produo

    e com a dimenso da empresa.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    19

    principais objectivos a preservao, a autenticidade e a promoo da confiana do

    consumidor, mas tambm de proteco e reconhecimento para com os prprios artesos.

    Contudo, nesta poca surgiu o chamado Artesanato urbano ou moderno, com

    origem a partir de uma difuso vinda dos Estados Unidos craft e iniciado por

    indivduos com uma elevada formao escolar e artstica, oriundos a maior parte das

    vezes de profisses intelectuais ou artsticas, dotadas igualmente de uma formao

    cultural, ligada realidade urbana. Devido ao interesse de pessoas de outras reas ou

    artesos que procuravam dedicar-se da melhor forma a esta actividade tm vindo a

    surgir no s escolas de Olaria/cermica, como tambm associaes, e programas de

    promoo e revalorizao do sector das Artes e Ofcios como a PPART.

    Actualmente, todo o sector de Artes e Ofcios passa por uma crise que leva

    necessidade dos novos artesos se renderem s novas tecnologias e a novas

    metodologias projectuais na tentativa de criar ainda a imagem tradicional da forma e

    funo dos produtos. O novo artesanato portugus, como o designa Helena Santos,

    apresenta particularidades ligadas ao desenvolvimento industrial de implicaes

    relevantes para o artesanato tradicional (Santos, 1991: 17). Nas actuais condies parece

    ser esta posio hbrida que garante a resistncia secundarizao a que rapidamente as

    votariam, quer no campo da produo industrial, quer no campo da produo artstica

    mais formalizada (Santos, 2001: 575).

    1.2. Manualidade e Singularidade das produes artesanais cingidas ao estudo da

    Olaria

    Num pas rico em argilas natural a existncia de uma enraizada tradio oleira. A

    nossa Olaria , em geral, simples e as suas razes vo fixar-se, em muitos casos, nas

    formas, linhas e volumes da nossa pr e proto-histria.

    (Ana Pires)11

    11

    As idades da terra: formas e memrias da olaria portuguesa: feira internacional de artesanato. 1

    ed. Lisboa : Instituto do Emprego e Formao Profissional, 2003. ISBN 972-732-812-1. p.31.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    20

    A Olaria portuguesa uma das reas artesanais mais caractersticas da cultura

    portuguesa e uma das suas grandes relquias. Esta diferenciada conforme as regies,

    nomeadamente, Norte e Sul (onde se encontram os estilos mais caractersticos), Algarve

    e Centro. Cada regio composta por diversos centros oleiros que diferem entre si pela

    cultura, costumes, tcnicas e decorao. Em relao ao nmero de unidades produtivas

    artesanais existentes, difcil haver dados aferidos a nvel nacional. Existe alguma

    informao consistente, obtida a partir de uma base de dados que o CRAT12

    tem vindo a

    desenvolver desde 1994 e que o PPART13

    apoiou. Ao contactar estas organizaes,

    obteve-se a informao de que esses dados j esto desactualizados e no existem

    estudos em relao a esta actividade, mas sim documentos que abordam o sector das

    Artes e Ofcios de forma transversal, como refere a Federao Portuguesa de Artes e

    Ofcios (FPAO).

    Por conseguinte, para a anlise e investigao de toda a Olaria portuguesa, com

    o objectivo de a caracterizar de uma forma generalizada, necessrio enquadr-la a

    partir do seu processo de fabrico em vrias categorias, como sejam a provenincia da

    matria-prima, os produtos (forma e sua funo), a inteno econmica, tcnicas,

    produo e conceitos, caso eles existam (Fernandes et al., 2003).

    Embora se mantenha a sua organizao a partir de diversos centros espalhados

    pelo pas, actualmente, muitos deles (Almeirim, Muge, Alpiara, Santarm, S.

    Domingos, Cunha do Ribatejo, Manteigas, Tomar, e Torres Vedras) desapareceram

    pelas mais variadas razes, destacando-se entre elas, a idade avanada dos seus oleiros.

    Em contrapartida, centros como Estremoz, S. Pedro do Corval, Redondo e

    principalmente Barcelos, tm vindo a expandir-se economicamente, por terem

    conseguido aumentar a sua quota de mercado. Este ltimo desenvolveu-se com o

    aparecimento de diversas fbricas (os seus produtos vendem-se em feiras, lojas

    particulares ou grandes lojas nacionais e internacionais, o que fez aumentar a procura), e

    considerado como um grande centro de Olaria, em que nele se situa, desde 1963, o

    museu de Olaria, inicialmente denominado Museu Regional de Cermica, e mais

    tarde Museu de Cermica Regional Portuguesa.

    12

    CRAT - Centro Regional de Artes Tradicionais.

    13 PPART - Programa para a Promoo dos Ofcios e das Microempresas Artesanais.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    21

    Os centros oleiros diferenciam-se no s a partir da especificidade de tcnicas,

    processos de fabrico, produtos e sua decorao, mas principalmente, pelos tipos de

    barro utilizados, nomeadamente barro vermelho14

    e barro preto15

    e em casos raros, barro

    amarelo. Estas diferenciaes entre tcnicas e metodologias do Norte, Centro e Sul do

    pas, decorrem das influncias que a Olaria Portuguesa recebeu.

    Para procurar saber as condies de trabalho do oleiro, necessria uma

    investigao sobre a constituio de uma oficina. Recuando um sculo, pode perceber-

    se se continua com o mesmo funcionamento ou se j houve algum tipo de evoluo.

    Esta pesquisa, tem como objectivo, ver at que ponto estas estruturas seculares viro

    influenciar o Design. As antigas oficinas eram pequenas unidades familiares de

    produo, agregadas como anexos s casas dos oleiros. Nalguns casos, trabalhavam em

    locais exteriores como varandas ou at mesmo na rua, praticando a sua actividade de

    uma forma muito bsica e economicamente dbil. As suas tcnicas eram e ainda so

    retratadas como rudimentares, fazendo com que todas as tarefas no acto de execuo

    fossem bastante penosas e com baixos rendimentos pecunirios, salrios instveis e

    imprevisveis devido grande dificuldade de colocao do produto no mercado

    (Vasconcelos, 1884: 98).

    Figura 2. A aparncia e condies de uma oficina

    Figura 3. Oleiro que trabalha na roda e a mulher goga (decora a pea)

    14

    Centros de Olaria de barro vermelho Barcelos, Pinela, Miranda do Corvo, Estremoz e Nisa. Mais

    distinto o de Estremoz.

    15 Centros de Olaria de barro preto, na actualidade, no norte Vilar de Nantes, Bisalhes, Fazames,

    Molelos e Olho Marinho. Mais reconsiderado o de Barcelos

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    22

    Todo este modelo organizativo do trabalho do oleiro vem de pocas anteriores

    que influenciaram este sistema. Todo o fabrico obedecia a uma estratificada rede de

    tarefas, em que na base, se encontravam os trabalhos mais pesados e menos dignos,

    como ir buscar gua, esmagar e preparar a pasta, apanhar lenha, brunir a loia, acarret-

    la para o forno, e vend-la, funes que cabiam aos trabalhadores no especializados

    como a mulher, filhos menores e aprendizes. No topo da organizao encontrava-se o

    oleiro-rodista, especializado em todos os trabalhos anteriormente referidos mas,

    principalmente, no saber trabalhar bem a roda e modelar o barro. Para conquistar este

    ttulo o oleiro submetia-se a um exame para oficial de oleiro que obrigava o

    examinando no s a trabalhar bem o barro na roda, como a conhecer todas as outras

    tarefas necessrias para o produto final (Correia, 1926: 142-143). Apesar de existirem

    centros oleiros onde esta tarefa desempenhada por senhoras, a verdade que

    habitualmente o homem quem exerce o trabalho na roda, e mulher so reservados os

    trabalhos pesados e a fase de pintura. Concluindo, o oleiro-rodista foi e continua a ser o

    nico responsvel pelo processo de trabalho de concepo dos seus artefactos, embora

    tenha o auxlio de terceiros e j no necessrio a realizao do exame.

    Actualmente, toda a estrutura organizacional das olarias tem vindo a registar

    diversas alteraes, adaptando-se aos imperativos estticos, econmicos, sociais e

    culturais dos tempos. Ainda existem muitas unidades pequenas e individuais,

    pertencentes ao oleiro, mas cada vez mais se tm vindo a formalizar como instituies

    organizativas, ou unidades financiadas quer pelo governo quer pelos municpios.

    Em relao ao tempo de dedicao actividade oleira, este varia muito,

    conforme o oleiro, a poca e os produtos. Normalmente, como os oleiros entrevistados

    definiram, trabalham o suficiente para conseguirem encher uma carrinha de produtos

    para serem vendidos, ou o suficiente para a sua sobrevivncia, tendo um regime de

    trabalho por conta prpria. Uma das formas para ganharem mais dinheiro, era fazer o

    seu trabalho e auxiliar outros oleiros. Pode-se considerar que a sua actividade acabava

    por ser a tempo inteiro ou em conjugao com a agricultura (Ferreira, 1983: 19), embora

    actualmente seja feita sazonalmente ou em part-time, em relao aos chamados novos

    artesos que praticam esta actividade como um hobbie e em concordncia com a sua

    profisso.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    23

    Ainda relacionado com o arteso, mas numa anlise a nvel do seu

    conhecimento, poder-se- dizer que todo o sector de Artes e Ofcios, ou seja, a prpria

    Olaria e o seu artesanato, permanecem de tal maneira na procura da tradio e

    tecnicidade do saber-fazer e a aprendizagem deste, que originam uma falta de

    inovao e criatividade nos seus produtos (Santos & Abreu, 2002). Ao estar inserido

    numa perspectiva cultural e etnogrfica, o artesanato e os seus oleiros s tm de se

    preocupar com dois aspectos, o fabrico manual e o seu valor artstico, com a

    predominante conotao com o passado e a tradio que o enforma (Fernandes et al.,

    2003: 28).

    O conhecimento do saber fazer artesanal adquire-se a partir da experincia do

    know-how, O conhecimento artesanal no algo em que se pensa que perito, como

    um perito no se pode pensar no exercitar do artesanato. Contudo, deve-se pensar sobre

    em toda a extenso de especialidades e objectivos que se quer atingir e aplic-los.

    (Dormer, 1995: 11)16

    . Definir o know-how relacionado com o artesanato, ao longo de

    vrios anos, tem sido tema de discusso constante em diversas conferncias por ser

    difcil de explicitar. Pode considerar-se que todo o conhecimento aplicado nos produtos

    feito a partir do conhecimento tctil. Umas das conferncias mais importantes para

    definio deste conceito, realizou-se em Estolcomo em 1988, e teve como tema Culture,

    language and artificial intelligence, onde os oradores procuraram explorar o conceito de

    conhecimento tctil, conhecimento retirado a partir das mos, atravs da experincia

    sensorial, e pela realizao de vrios tipos de trabalhos. O conhecimento pode vir da

    inter-relao entre o arteso e a comunidade, ou do arteso com outros artesos, mas

    tambm a partir de um aspecto particular: do conhecimento do ofcio que feito

    exclusivamente pelo indivduo, sendo quase um conhecimento inexplicvel, que

    dificilmente se poder pr em teoria, pois s pode ser avaliado no aspecto prtico

    (Dormer, 1994: 18). Como Richard Sennet (2008: 40) refere, esta abordagem muito

    particular nos artesos e demonstra no s o modo de pensar e fazer ao mesmo tempo,

    16

    DORMER, Peter (1995) Os significados do Design moderno: A caminho do sculo XXI. Trad. de

    Pedro Afonso Dias. Porto : Centro Portugus do Design, 1995. ISBN 972-9445-05-2. P.11. Craft

    knowledge is not something you think about if you are expert in it: as an expert you do not think

    about the exercise of your craft. You do, however, think about extending your expertise and

    about the goals to which you are applying it. [Traduo Livre]

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    24

    como as vrias metamorfoses, sendo um processo que consiste em fazer, refazer e voltar

    a fazer.

    Provenientes de um empenho pessoal, todos os produtos artesanais so nicos,

    com irregularidades e diferenciaes, dando origem sua singularidade (Durand, 2006).

    este aspecto rstico que leva a que o trabalho de um arteso seja considerado pela

    populao como algo nico, de qualidade, como uma promessa de um trabalho que

    representa um fim gratificante em si mesmo (Dormer, 1994: 150) e, por isso, que

    consegue tal reconhecimento, associando-o a dois elementos fundamentais, ambiente e

    cultura, sem esquecer o aspecto econmico.17

    A nvel do fabrico, o arteso tanto produz por sua conta, como por encomenda

    ou para feiras. Esta actividade artesanal bastante pessoal, onde o prprio oleiro, sem

    querer, introduz todos os seus sentimentos e influncia do ambiente em que se encontra,

    onde

    [] nas suas formas est a poesia de cada nacionalidade, na cor os diferentes

    aspectos de cada nao e de cada paiz, dando-nos ao mesmo tempo conta da

    polychromia dos campos, da intensidade da luz que os ilumina, da alegria ou tristeza

    dos seus cultivadores. O bem ou mal estar do artista, quando trabalha, reflecte-se na sua

    obra, e esse estado de esprito , quasi sempre, produzido pelo meio em que o artista

    vive. (Queiroz, 1907: 4).

    1.2.1. Processo da matria-prima Olaria Portuguesa

    Os utenslios de barro, inicialmente modelados e secos ao sol, tm vindo a

    acompanhar toda a evoluo do Homem desde a sua origem. Quando no fogo em que

    cozia os alimentos e aquecia o corpo, o Homem encontrou o modo de transformar o

    barro dctil em matria consistente e resistente, a humanidade avanou lentamente,

    tendo descoberto as virtudes da cozedura das peas. De ento at hoje a arte cermica

    17

    considerado pelo governo como uma actividade que necessita de uma revalorizao, por no s ser

    uma actividade social mas tambm econmica e benfica para o combate ao desemprego.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    25

    foi evoluindo, ou melhor foi-se modificando, esttica e tecnicamente. O oleiro aprendeu

    a seleccionar o barro para a produo das peas, soube escolher a melhor dosagem na

    mistura de matrias e adaptar as tcnicas a usar ao tipo de barro que encontrou nos

    locais onde se fixava.

    Os mtodos artesanais utilizados no fabrico da Olaria tradicional para alm de

    terem uma grande complexidade a nvel de tcnica e mestria de moldagem,

    caracterizam-se por possuir tambm uma componente imaterial, uma mensagem de

    saber fazer que passa de mestre oleiro para aprendiz e que perdurou ao longo do

    tempo, difundindo-se pelos vrios espaos. Todavia, esta actividade considerada como

    uma das reas mais completas, uma vez que trabalha com os quatro elementos

    essenciais da natureza, nomeadamente, o ar, fogo, gua e terra.

    Os mtodos de trabalho e tcnicas em alguns centros de Olaria so bastante

    semelhantes, registando-se apenas alteraes na qualidade do barro, devido grande

    mobilidade dos artesos, que transportavam consigo os seus conhecimentos tcnicos.

    Esta situao aparece normalmente associada a oleiros que se deslocavam procura de

    trabalho, por razes matrimoniais, ou at mesmo por serem chamados pelo governo para

    praticarem a sua actividade numa zona que necessitava de auxlio e de uma maior

    expanso.18

    O trabalho do oleiro encontra-se organizado numa sequncia de etapas tcnicas,

    desde a extraco da matria-prima at ao desenformar da loua. Entre estas fases,

    existem outras sequncias: preparao do barro, recuperao das caractersticas plsticas

    do barro, depurao do barro, elaborao da pele de barro, roda de oleiro, preparao

    das peas para a cozedura (aqui enquadra-se a opo de decorao), enformar e a

    cozedura.

    Todo o processo de trabalho do oleiro, ao longo dos anos, tem sido alvo de

    vrias transformaes, facilitadoras do trabalho, tornando-o menos penoso. Para alm

    da adeso s novas tecnologias, novas oportunidades e apoios por parte de associaes e

    18

    Um dos exemplos relativamente ltima hiptese, foi o centro oleiro das Caldas da Rainha, onde o

    hospital e a estadia da prpria rainha levavam ao aumento da procura de loua e utenslios de barro. Nesta

    zona, no existiam oleiros, o que levou necessidade de procurar e convidar os melhores oleiros de uma

    das zonas mais prximas, como Lisboa. Assim nasce nesta regio um importante centro produtor de

    Olaria.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    26

    municpios foram tambm essenciais para a caracterizao de todas as condies de

    trabalho dos artesos da actualidade.

    Hoje em dia j no h a preocupao de que a oficina/olaria tem que estar junto

    da matria-prima, uma vez que o barro actualmente e maioritariamente comprado e

    encomendado, de acordo com as necessidades. Esta fase de extraco e preparao do

    barro, quando comprado, feita por outras empresas especializadas, fazendo com que

    o processo de produo do oleiro se inicie j na fase da transformao da matria-prima

    em produto.

    Figura 4. Esquema representativo sinttico do processo oleiro

    So raros os artesos que actualmente mantm a tradio de irem eles prprios

    buscar o seu barro. Em relao extraco da matria-prima, ou seja, argilas, j no se

    faz mo, como antigamente, mas sim com o auxlio de um tractor e mecanizao

    apropriada para a preparao do barro, em poca prpria (meses de Julho e Agosto)

    ideal tambm para o processo de secagem ao ar livre e armazenamento em quantidades

    suficientes para a laborao prevista para um ano inteiro.

    Aps a sua extraco, necessrio transport-las para as oficinas. Este transporte

    normalmente feito pela mulher com a ajuda de uma carroa ou tractor. Por

    conseguinte, a seguir sua armazenagem, a preparao consiste numa das tarefas mais

    cansativas e montonas do processo produtivo. Define-se pela secagem, em que a seguir

    ter de ser piado no pio, com o auxlio de um pico, at ficar reduzido a um p to fino

    como farinha. O principal instrumento utilizado nesta fase de fabrico a fouce. Aps

    a secagem do barro e a sua filtragem a partir do crivador que se encarregar de retirar as

    impurezas, corpos estranhos, pedras ou torres que possa conter, este introduzido no

    tanque, sendo aqui acrescentada a gua de forma a humedec-lo bem. Mais tarde passa

    para a masseira ou selha, onde se ir amassar o barro de forma a ganhar consistncia e

    plasticidade.

    Extraco

    da

    Matria-

    prima

    Preparao

    do barro

    Elaborao

    da pele do

    barro

    Produo Enfornar Cozedura Desenfornar

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    27

    Figura 5. Utenslios usados na extraco - sachola - e na preparao do barro - pio, peneira e picos

    Figura 6. Oleiro a piar o barro

    Antigamente, tambm era muitas vezes amassado com ajuda de animais

    (machos, bois, cavalos) e com os prprios ps do oleiro ou da sua mulher. Antes do

    tratamento da pele de barro, necessrio que o barro em forma de beloiros (bolas de

    barro j amassadas e peneiradas) recupere e se estabelea ficando em repouso durante

    algum tempo, perodo de cura. Este cortado de forma a criar blocos de barro, j pr-

    estabelecidos e armazenados a um canto da oficina, para mais tarde serem

    transformados na roda. A estes blocos/bolas d-se o nome de pele, ou no plural de pis e

    consiste na ltima fase de preparao do barro, de forma a que o oleiro possa trabalhar.

    Existem diversos tratamentos do barro, que originam novos materiais distintos a

    partir dos centros oleiros. Um exemplo o caracterstico grs salgado de Aveiro e

    gueda, que consiste na forma mais barata e simples de produo, de obter um vidrado

    de grande qualidade, com recurso a uma nica cozedura. Isto , devido s caractersticas

    especficas deste material, que quando introduzido no forno, durante a cozedura,

    temperado com o vulgarssimo sal de cozinha. Hoje em dia muito utilizado para

    produzir loua com o objectivo de conservar alimentos, graas facilidade da sua

    manuteno e higiene, no retendo odores.

    Para alm do grs, e das conceituadas tipologias: barro vermelho e barro preto,

    existem outros tipos de barros que dependem no s das caractersticas do seu centro

    oleiro como tambm das variedades de matrias-primas ou da conjugao de barros que

    os constituem. Tanto existem barros finos e mais plsticos, como o da Olaria de

    Carapinhal, ou barros mais brancos devido introduo de areia na sua composio,

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    28

    como a Olaria de Pinela e Vila Boa, que so exemplos de barro com mais de duas

    qualidades. H outros centros que tanto trabalham com olaria fosca, vidrada, ou ambas,

    mas sempre com a preocupao da impermeabilizao a partir de vrios vernizes ou de

    engobe19

    (tinta branca ou tinta vermelha), pez, cera ou vidro incolor para peas que

    necessitem de armazenar lquidos ou alimentos com lquidos.

    Embora existam diferentes tipos de barro e mtodos para o seu tratamento, o seu

    processo de fabrico baseia-se nos mesmos princpios. O que consegue diferenciar o

    barro vermelho, para alm das aparncias, e o barro preto o momento da cozedura, em

    que numa atmosfera oxidante os barros saem vermelhos, enquanto noutra atmosfera

    redutora originam-se barros negros. Neste caso, quando a loua atinge um tom rubro

    devido ao calor, o oleiro tapa completamente a entrada do forno, ficando os barros a

    absorver para sempre a cor negra do fumo.

    Com o barro preparado para ser trabalhado, o oleiro inicia a fase de produo,

    em que pode trabalhar o barro a partir de trs tcnicas: mo como os primeiros oleiros

    faziam, a partir da utilizao da roda de oleiro ou por prensa/ moldes. A tcnica mais

    utilizada na Olaria a utilizao da roda do oleiro, elemento mais importante e

    caracterstico do arteso que lhes deu o nome - oleiro, em que a roda se consubstancia

    em duas tipologias, a saber, roda baixa e roda alta. Ambas so usadas em contextos e

    regies diferentes, e provem de uma evoluo de tcnicas utilizadas tanto pelos

    romanos como pelos rabes.

    A roda oleira consiste ento num instrumento constitudo por uma roda giratria

    impulsionada pelo p ou por motor, e o seu funcionamento inicia-se com a colocao de

    um pedao de barro paraleleppedo/cilndrico no centro da roda, e medida que esta vai

    girando, o oleiro usa as suas mos para a apertar conferindo-lhe a forma que pretende.

    Antes de colocar o barro na roda, o oleiro tem de coldar o barro, ou seja, tem de o

    trabalhar com as mos, de modo a fazer o embolado que consiste no processo de moldar

    o pedao de barro de maneira a ganhar uma forma esfrica. Durante a confeco da pea

    usa um pau como bitola, uma moca ou fanadouros para ter a noo da altura desta ou

    conseguir levantar a pea. Para evitar que o barro cole s suas mos o oleiro tem o

    19

    Mistura de argila lquida, xidos e outros componentes que pode ser aplicada em uma pea antes da

    esmaltao. Utilizado em peas cruas (ponto de couro), mas pode tambm de acordo com alguns

    ceramistas ser aplicado em peas biscoitadas.

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    29

    cuidado de, ao longo do processo, as molhar regularmente em gua, tendo um augueiro

    sempre ao seu lado. No decurso do trabalho, pode ser necessrio acrescentar tiras de

    barro, que uma vez postas em movimento, so alisados e fundidos num todo (Ferreira,

    1983: 33).

    Figura 7. Roda Alta de Oleiro, Manual

    Figura 8. Oleiro a trabalhar em roda alta

    Figura 9. Roda Baixa de Oleiro, Manual

    Figura 10. Oleiro a trabalhar em roda Baixa

    Como em todo o contexto da Olaria portuguesa, as tipologias de roda, so

    utilizadas em zonas diferentes, sendo as da roda baixa, relacionadas com os centros

    oleiros do norte do pas. No sul do pas, utiliza-se a roda alta, accionada com o p e de

    origem rabe.

    Quando a pea est terminada, o oleiro recorre cana, alpanaca, ou a simples

    panos molhados, instrumentos essenciais para o alisar das paredes, sendo utilizados para

    as exteriores e para as interiores, respectivamente. Esta operao decorre

  • Da olaria ao Design Contemporneo portugus: Hibridismo Cultural

    30

    simultaneamente enquanto a roda gira. De seguida com a ajuda de um arame ou cega

    retira-se a pea da roda. Em algumas peas, como cntaros, que so caracterizadas pelas

    suas asas, necessrio existir ainda uma fase chamada colagem, a qual consiste na

    colagem de acessrios s peas, realizada com barbotina. Cada pea exige diferentes

    modos de a trabalhar conforme o seu tamanho. Quando o oleiro produz peas de

    pequenas dimenses realiza a pea num todo, enquanto se a pea for de grandes

    dimenses, ser feita em trs fases: primeiro a feitura do fundo, segundo a do bojo da

    cabea e por fim o colo, asas e bordo. Entre cada fase o oleiro deixa secar as peas.

    Figura 11. Instrumentos auxiliares de trabalho

    Para alm da tcnica de produo na roda de oleiro, usam-se tambm os moldes

    ou prensas. Esta tcnica utilizada muito raramente no mundo da Olaria, tem vindo a

    ganhar cada vez mais importncia e utilidade junto dos novos artesos. Baseia-se na

    utilizao de tecnologia como a prensagem ou o simples mtodo de moldes em que se

    insere o barro j preparado em moldes, de forma a marcar a forma, para posteriormente

    ser desenformada. Aps a realizao de diversas peas, necessrio a sua preparao

    para a cozedura. Nesta fase preciso fazer a secagem das peas, sendo vital para que a

    gua contida no barro possa evaporar, (colocando-as ao ar livre, em estantes ou na rua

    (nos meses de calor)).

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    Figura 12. Processo de Cozedura e retiragem das peas aps cozida

    J com as peas secas, e para ser possvel a decorao ou como se diz em

    linguagem corrente, para gogar a pea, estas so mergulhadas numa calda de barro

    branco, o caulino, que serve de base vidragem. Novamente, depois desta operao, so

    deixados a secar em estantes, ou ao ar livre. J com o caulino entranhado na composio

    do barro, chegada a altura da decorao e depois de cozidas, a pintura de cada pea.

    Esta fase normalmente uma das funes das mulheres. Toda a sua decorao e

    ornamentao so baseadas em motivos tradicionais e naturalistas a partir de impresses

    e incises feitas pelo fanadoiro, por instrumentos de recurso a elementos do quotidiano

    como latas, pedras, seixos, pregos ou at mesmo feito com os dedos. Em relao

    pintura, continuam a ser usadas as cores tradicionais como o amarelo, verde, branco e

    vermelho, com a conjugao de novas cores provindas de tintas comerciais em

    substituio das naturais. Outra tcnica de decorao muito peculiar em certos centros

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    oleiros, como o de Nisa, o de ornamentao por frico, trabalho executado pelas

    mulheres, que se faz por meio de pedras apropriadas, polidas, leves e brandas, as pedras

    chinas. A Olaria pedrada , no entanto, mais antiga. As pedrinhas de quartzo, quando

    desenham um motivo floral, no invadem toda a extenso do desenho inciso, limitando-

    se a dar-lhe uma feio saliente, o que j no acontece em Nisa.

    Em concordncia com a decorao ou pintura, estas peas podem ser submetidas

    a um tratamento de vidragem, atravs da sua insero numa calda de vidro (vidro em

    estado lquido) antes de ir para o forno. Quando as peas so s decoradas atravs de

    tcnicas como a da infuso e a de salincia, estas podem-se manter foscas, embora, se

    tiverem como funo o armazenamento de comidas e lquidos, necessitem de ser

    impermeabilizadas nas suas paredes internas.

    Toda esta fase de produo da pea com o trabalho na roda de oleiro e a sua

    secagem, considerada como das mais duras, na altura do Inverno. Muitas vezes o

    oleiro leva a sua roda para junto da lareira, como maneira de se manter quente. A

    prpria secagem das peas demora trs vezes mais tempo do que na Primavera ou no

    Vero, em que se concluiu em apenas quinze dias.

    Ainda antes da segu