Livro Sobre Direitos Humanos
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Governo do Estado de So Paulo
Secretaria da CulturaMemorial da Resistncia de So Paulo
Realizao
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Coordenao
Ktia Felipini Neves
Caroline Grassi Franco de Menezes
So Paulo 2013
Governo do Estado de So Paulo
Secretaria da Cultura
Memorial da Resistncia de So Paulo
Realizao
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Apresentao 9
Proposta terico-metodolgica:aprimoramento e atualizao 13
Quadro programtico 21
ndiceCurso intensivo de Educao em Direitos Humanos Memria e Cidadania /
coordenao Ktia Felipini Neves e Caroline Grassi Franco de Menezes ;
apresentao Ktia Felipini Neves e Caroline Grassi Franco de Menezes ; textos
Joo Ricardo Wanderley Dornelles [et al.]. So Paulo : Memorial da Resistncia
de So Paulo : Pinacoteca do Estado, 2013.
ISBN 978-85-8256-027-3
Curso realizado pelo Memorial da Resistncia de So Paulo, de 15 a 19 de julho
de 2013.
1. Educao em Direitos Humanos. 2. Memorial da Resistncia de So Paulo 3.
Pinacoteca do Estado de So Paulo Curso Intensivo. I. Apresentao. II. Textos.
CDD 379
Aulas
O que so Direitos Humanos?Joo Ricardo W. Dornelles 25
De que se fala, quando se diz justia de transio?Glenda Mezarobba 51
O papel dos educadores nos processos
educativos em Direitos HumanosCelma Tavares 71
Educao em Direitos Humanos:pedagogias desde o Sul
Susana Sacavino 87
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Para saber mais 175
Memorial da Resistncia de So Paulo 177
O Departamento Estadual de OrdemPoltica e Social de So Paulo Deops/SP 179
Minicurrculos 181
Ficha tcnica 189
Mesa-Redonda
Prticas de Educao em Direitos Humanos:critrios e indicadores para sua identificao
Ana Maria Klein 111
Instituto Norberto Bobbio e a experinciade EDH em Paraispolis
Csar Barreira 135
Projeto Arte na Casa: Arte-Educao edireitos humanos em espaos de privao de liberdade
Rodrigo Medeiros 149
Psteres
Violaes dos Direitos da Pessoa Humana noMundo do Trabalho em Porto Seguro /BA
Cristiano Raykil Pinheiro 161
Iniciativa de Mediao o conflito como disparadorna construo coletiva de um ethos na escola
Ana Lcia Cato 164
Tradies Afrobrasileiras, Oralidadee Maracatu de Baque Virado
Luna Borges Berruezo 166
Projeto: Poltico ou Idiota? Ampliando horizontes:a vez e a voz do adolescente e da criana
Evelyn Caroline de Mello 170
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Apresentao
Ktia Felipini NevesCoordenadora do Memorial da Resistncia de So Paulo
Caroline Grassi Franco de MenezesCoordenadora do Programa de Ao Educativa do Memorial da Resistncia de So Paulo
A realizao da segunda edio do Curso Intensivo de Educao
em Direitos Humanos Memria e Cidadania reitera o compromisso
assumido pelo Memorial da Resistncia de So Paulo declarado em sua
misso, especialmente no que diz respeito a contribuir para a reflexo
crtica acerca da histria contempornea do pas e para a valorizao dos
princpios democrticos, do exerccio da cidadania e da conscientizao
sobre os direitos humanos.
Acreditamos que o aumento da procura pelo curso (este ano
inscreveram-se 450 pessoas, contra 357 em 2012), indica no somente
que a necessidade de iniciativas dessa natureza no pas se mantm,
como tambm o reconhecimento do Memorial da Resistncia enquanto
espao de educao no formal e seus esforos voltados capacitao
de educadores(as).
O curso resultado do trabalho dedicado da equipe do Memorial
da Resistncia, do apoio permanente da Pinacoteca do Estado de So
Paulo, e da parceria com o Instituto do Legislativo Paulista da Assembleia
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Legislativa do Estado de So Paulo e a Comisso Estadual da Verdade
Rubens Paiva.
Esperamos que esta publicao cumpra o papel de ampliar o
alcance do conhecimento terico discutido durante o curso, inspirando
educadores(as), estudantes e todos os cidados comprometidos com o
presente e o futuro.
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Proposta terico-metodolgica:aprimoramento e atualizao
Introduo
A sociedade atual tem amplamente reconhecido a existncia dosdireitos individuais e coletivos, mas temos conseguido conviver com
respeito e tolerncia com as diferenas? A convico de que a cons-
truo e o fortalecimento de uma cultura em Direitos Humanos esto
diretamente vinculados ao desenvolvimento de processos educativos e
experincia democrtica norteou o aprimoramento e a atualizao da
proposta do curso em 2013.
Com base na anlise crtica do curso realizado em 2012 composta
pelos relatrios dos mediadores; pelos questionrios preenchidos pelos alu-
nos e a respectiva organizao desses dados; pelo encontro de avaliao
coletiva das equipes, e pela constatao das dificuldades de continuidade
dos projetos educativos , revelaram-se necessrias algumas alteraes. No
que diz respeito metodologia do curso, criamos sesses especficas para
apresentao e discusso de psteres, aperfeioamos a proposta geral da
Oficina de Projetos Educativos (por meio da possibilidade de inscrio nos
temas propostos, de acordo com o interesse individual dos alunos; do refi-
namento do roteiro de construo dos projetos; e do melhor aproveitamento
do tempo de trabalho em grupo e da apresentao final) e elaboramos uma
nova proposta de Grupo de Trabalho com o tema Cultura de Paz. Ainda
com a preocupao de ampliar o saber experencial, oferecemos como ativi-
dade complementar uma Roda de Conversa com ex-preso poltico.
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Para a realizao do curso, agradecemos o importante apoio do Institu-
to do Legislativo Paulista (ILP)2e da Comisso Estadual da Verdade Rubens
Paiva3,assim como a dedicao e o comprometimento da Comisso de Apoio,
dos mediadores e de toda a equipe do Memorial da Resistncia e da Pinacote-
ca do Estado, fundamentais no desenvolvimento dos trabalhos desta edio.
A publicao resultado da reunio dos textos das aulas, da mesa-
redonda, dos psteres e outras referncias da edio 2013 do curso com os da
edio anterior, e esperamos que logre ampla difuso, de forma a contribuir
com informaes, ideias e inquietaes no somente junto aos educadores(as)e interessados na Educao em Direitos Humanos, mas principalmente entre
aqueles que desconhecem esse universo temtico to importante para o for-
talecimento da experincia democrtica na nossa sociedade.
Alm disso, tendo em vista estimular o dilogo entre os alunos des-
de o princpio do curso, conforme sugestes da avaliao do grupo da edi-
o anterior, acrescentamos um caf de boas-vindas e um momento para
apresentaes, realizado por meio do compartilhamento de objetos pesso-
ais significativos de cada um.
Com certeza, a proposta e o desenvolvimento do curso sero marca-
dos, a cada ano, por diferentes naturezas de aprimoramentos, pois alm de
acreditarmos que a coeso entre os trs eixos orientadores necessitam de
constante fortalecimento, as alteraes implementadas neste ano na estru-tura geral contriburam com a imerso no universo dos Direitos Humanos,
a conscientizao e a transformao pessoal dos participantes enquanto
cidados e educadores(as).
O curso foi realizado entre os dias 15 e 19 de julho de 2013 com a
participao de 90 alunos, majoritariamente profissionais residentes no es-
tado de So Paulo1e atuantes na Educao Bsica, Educao Tecnolgica,
Ensino Superior, segurana pblica, projetos sociais, organizaes no go-
vernamentais e instituies de assistncia social, entre outras. A seleo
dos educandos novamente se mostrou desafiadora, uma vez que mantive-
mos o objetivo de buscar a maior abrangncia de reas de atuao. Nes-
sa questo, fundamental reiterar que esperamos que cada profissional
selecionado assuma a responsabilidade de compartilhar os conhecimentos
adquiridos e as experincias vividas, multiplicando-os por meio de proje-
tos educativos, pelo menos em suas comunidades de origem.
1Alm do estado de So Paulo, tivemos alunos da Bahia, Mato Grosso e Minas Gerais.
2O Instituto do Legislativo Paulista (ILP) foi criado em 2001 para constituir-se num espao
de atividades educativas e intelectuais dentro da Assembleia Legislativa do Estado de So
Paulo mediante a realizao de cursos, seminrios, pesquisas e debates. Seu objetivo ser
uma interface para a troca de experincias entre o Poder Legislativo e a sociedade, alm de
promover a qualificao e o aprimoramento dos seus recursos humanos. Por isso, suas ativi-
dades so oferecidas gratuitamente para o pblico interno e para o externo, por meio de con-
vnios e parcerias, sendo fundamentais para o trabalho legislativo caminhar em consonncia
com o conhecimento produzido pela sociedade, superar parte da distncia entre poder e
povo, e ampliar o espao para a legislao participativa e a iniciativa popular.
3A Comisso da Verdade do Estado de So Paulo Rubens Paiva foi a primeira comisso es-
tadual dessa natureza, criada pela Resoluo n. 879, de 10 de fevereiro de 2012. Sua principal
finalidade colaborar com a Comisso Nacional da Verdade, efetivando o direito memria
e verdade histricas e promovendo a consolidao do Estado de Direito Democrtico. Ao
final dos trabalhos, previstos para dezembro de 2014, a Comisso Rubens Paiva dever
apresentar relatrio circunstanciado do seu trabalho e dos resultados obtidos, para ampla
divulgao na sociedade.
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dade com princpios e valores que dignifiquem o ser humano, com vistas
implantao de uma cultura em Direitos Humanos, permeada no somente
pela tolerncia e pelo respeito s liberdades fundamentais e igualdade,
mas tambm pela indignao e atuao frente s injustias sociais.
A formao de educadores(as) em Direitos Humanos deve ser esta-
belecida, em primeiro lugar, com base na necessidade de abertura e ree-
ducao da percepo social. Considerando que o educador no um mero
transmissor de contedos, mas que se comporta coerentemente com uma
postura tica em relao aos Direitos Humanos, fundamental que as for-mas de percepo e representao social sejam discutidas, compreendidas
e reformuladas, especialmente as relacionadas com estigmas e estereti-
pos preconceituosos. A EDH que efetivamente alcana resultados no des-
vincula o discurso da vivncia cotidiana.
Em segundo lugar, a formao de educadores em Direitos Humanos
deve se basear em prticas pedaggicas pautadas na interdisciplinaridade
e na multidimensionalidade, estimulando-as: a complexa fundamentao
filosfica dos Direitos Humanos vincula-se a uma concepo do conheci-
mento equilibrada entre as especificidades e a integrao entre as diferen-
tes cincias. Nessa perspectiva, possvel contribuir com a formao de
indivduos que tenham uma percepo global, e no fragmentria e indivi-
dualizada, da realidade social.
A Educao em Direitos Humanos (EDH) representa uma das mais
importantes propostas metodolgicas voltadas a educar as novas geraes
para a democracia. Essa perspectiva compreende, essencialmente, promo-
ver a formao de cidados que vivam os valores republicanos e democr-
ticos, e que participem ativamente da vida pblica, ou seja, a formao de
indivduos conscientes da dignidade humana sua e de seus semelhantes
, conhecedores dos seus direitos e deveres e, assim, aptos para exercer
sua soberania como cidados.
Objetivos
Promover a capacitao de educadores(as) no mbito da Edu-cao em Direitos Humanos (EDH), de forma a propiciar a aqui-
sio de conhecimentos especficos, a troca de experincias, a
reflexo crtica e a elaborao de projetos educativos;
Desenvolver uma rede de prticas educativas em Direitos Hu-manos, com vistas articulao e troca entre educadores(as) e
outros profissionais, somando esforos s iniciativas em rede jexistentes na rea.
Pblico-alvo
Educadores formais (de Educao Bsica, Profissional, Tecnolgica
e Superior) e no formais (de organizaes no governamentais, museus,
movimentos populares, projetos socioeducativos etc.) dos mais variados
mbitos de atuao e oriundos de diversas regies do pas.
Metodologia
Em conformidade com o documento Contedos Referenciais para a
Educao em Direitos Humanos, proposto pelo Comit Nacional de Edu-
cao em Direitos Humanos, o projeto do curso considera a EDH um pro-
cesso contnuo, pois a sua prtica pedaggica se pauta pelas situaes e
relaes que permeiam a vida cotidiana, com base em princpios como re-
corrncia e coerncia. A EDH promove, portanto, processos educativos cr-
ticos e ativos, que despertem as responsabilidades cidads em conformi-
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acadmica no mbito dos eixos orientadores, sendo assim os
responsveis pela discusso terico-metodolgica;
Grupos de trabalho:espaos dirios de reflexo, discusso, tro-cas de experincia e construo conjunta entre os participantes.
A dinmica inclui visitas educativas exposio de longa dura-
o do Memorial;
Oficina de projetos educativos:o curso culmina com a ofici-na, de forma que os participantes possam aplicar o conheci-
mento na elaborao de novas propostas ou na readequaodaquelas j existentes, de acordo com seus respectivos con-
textos socioeducativos;
Psteres:apresentao e discusso de experincias educativasrealizadas pelos participantes, favorecendo o dilogo com uma
diversidade de iniciativas no mbito dos Direitos Humanos; per-
manecem expostos durante todo o curso.
Aps o encerramento, o curso foi analisado criticamente por meio de
avaliaes escritas individuais dos participantes, a respeito de sua estru-
tura e seu programa, dos resultados alcanados e das expectativas pesso-
ais e profissionais; de relatrios analticos dos mediadores, tendo em vista
a experincia cotidiana de acompanhamento dos grupos de trabalho; e da
sistematizao dos dados levantados por meio desses instrumentos.
A EDH se pauta pela perspectiva interdisciplinar e multidimen-
sional entre Direitos Humanos, conhecimento e realidade, e se compro-
mete com a mudana social em nvel de percepes, atitudes e relaes,
reservando aos educadores um papel central nesse processo. Partindo
dessas premissas, o Curso Intensivo de Educao em Direitos Humanos
Memria e Cidadania est estruturado numa proposta terico-prtica
organizada em trs eixos orientadores saber curricular, saber pedag-
gico e saber experiencial da formao docente em Direitos Humanos.
Nesse sentido, o programa do curso estrutura-se em trs eixos
orientadores, os quais constituem a chamada formao docente em
Direitos Humanos:
Saber curricular:contedos formais especficos de Direitos Huma-nos, do ponto de vista conceitual, histrico, filosfico e normativo;
Saber pedaggico:metodologias educativas para processos for-mativos em Direitos Humanos;
Saber experiencial:vivncia cotidiana, sensibilizao e coern-cia tica frente aos Direitos Humanos.
Por meio da apresentao e da discusso de subsdios conceituais
e metodolgicos da EDH, o programa busca estimular os participantes
reflexo crtica e incentiv-los ao desenvolvimento de prticas educativas
compromissadas com a formao tica e cidad. A abordagem terico-pr-
tica do curso desenvolvida por meio de:
Aulas e mesa-redonda:ministradas por professores e pales-trantes convidados tendo em vista sua atuao profissional e
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Referncias bibliogrficas
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BRASIL. Comit Nacional de Educao em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educao emDireitos Humanos. Braslia: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministrio da Educao;Ministrio da Justia; Unesco, 2007.
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. Programa Nacional deDireitos Humanos (PNDH-3). Braslia, 2010.
DORNELLES, Joo Ricardo W. O que so Direitos Humanos. So Paulo: Brasiliense, 2006. 2.ed.(1993), 1 reimpr. (Coleo Primeiros Passos).
FESTER, Antonio Carlos Ribeiro (Org.). Dire itos Humanos: um debate necessrio. v.2. 3.ed. SoPaulo: Brasiliense; Costa Rica: Instituto Interamericano de Direitos Humanos, 2008.
FREIRE, Paulo. Extenso ou comunicao? 8.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. (Coleo OMundo, Hoje, 24).
HEIN, George E. Uma teoria democrtica de educao em museu: democracia e museus. In:ENCONTRO INTERNACIONAL DILOGOS EM EDUCAO, MUSEU E ARTE, 2010, Porto Ale-gre, So Paulo, Recife. Anais... So Paulo: Santander Cultural; Pinacoteca do Estado de SoPaulo. p.1-12. (1 CD-ROM).
MARANDINO, Martha (Org.). Educao em museus: a mediao em foco. So Paulo: GEENF/FEUSP, 2008.
MORGADO, Patricia. Prticas pedaggicas e saberes docentes na Educao em Direi tos Huma-nos. Rio de Janeiro, 2001. Disponvel em: www.anped.org.br/reunioes/25/patricialimamorga-dot04.rtf/; Acesso em: 24 abr. 2011.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al. (Org.). Educao em Direitos Humanos: fundamentos teri-co-metodolgicos. Joo Pessoa: Editora Universitria/UFPB, 2007.
Quadroprogramtico
Horrio
I-EixoOrientador:
Sabercurricular
II-EixoOrientador:
Saberpedaggico
III-EixoOrientador:
Saberexperencial
Segunda-feira-dia15/07
Tera-feira-dia16/07
Quarta-feira-dia17/07
Quinta-feira-dia18/07
Sexta-feira-dia19/07
9h-9h30
Recepo
Cafdamanh
Local:cafeteria
Apresenta
ode
psteres
Local:sala
anexa
Apresentaode
psteres
Local:salaanexa
Apresentaode
psteres
Local:salaanexa
Mesa-redonda
PrticaseducativasemDireitosHumanos:
relatosdeexperincias
-PrticasdeEducaoemDireitos
Humanos:critrioseindicadoresparasua
identificao
Profa.AnaMariaKlein
UNESPSoJosdoRioPreto/SP
-InstitutoNortertoBobbioeaexperincia
deEDHemParaispolis
CsarBarreira
SoPaulo/SP
-ProjetoArtenaCasa-ONGAo
Educativa
RodrigoMedeiros
SoPaulo/SP
Local:auditrio
9h30-12h
Apresentaodocurso
Apresentaodosalunos
Local:auditrio
Gruposde
trabalho
Sensibili
dade
tica
Local:auditrio,sala
anexaeate
lis
Aula
Opapeldoseducadores
nosprocessos
educativosemD
ireitos
Humanos
Profa.CelmaTavares
(NEPEDH/UFPE)
Local:auditrio
Aula
EducaoeDireitos
Humanos:umapropo
sta
metodolgica
Profa.SusanaSacavino
(Novamerica/RJ)
Local:auditrio
12h-13h30
Almoo(livre)
13h30-
15h30
Aula
OquesoDireitos
Humanos?
Prof.JooRicardo
WanderleyDornelles
(PUC/RJ)
Local:auditrio
Aula
Justiade
Transio
eaconsolidaodos
DireitosH
umanos
Profa.Glen
daMezarobba
(UNICAMP
)
Local:auditrio
Aula
EducaoemD
ireitos
Humanos:pedagogias
desdeoSul
Profa.SusanaSacavino
(Novamerica/RJ)
Local:auditrio
Oficinadeprojetos
educativos
Locais:auditrio,sala
anexaeatelis
Apresentaodosprojetoseducativos
Local:auditrio
Encerramento
15h30-16h
caf(Local:cafeteria)
16h-18h
Visitaseducativasao
MemorialdaResistncia
Gruposde
trabalho
Culturad
ePaz
Locais:au
ditrio,sala
anexaeat
elis
Gruposdetrabalho
Mudanae
TransformaoSocial
Locais:auditrio,sala
anexaeatelis
Oficinadeprojetos
educativos(continua
o)
Confraternizao
Local:cafeteria
Horrio
AtividadeComplementar-Sbado-dia20/07
10h30-12h
RodadeConversacomex-presopoltico
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Aulas
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25Saber curricular
O que so Direitos Humanos?
Joo Ricardo W. Dornelles
Responder pergunta o que so Direitos Humanos exige uma anli-
se sobre os seus fundamentos histricos e filosficos e uma avaliao sobre o
processo de ampliao conceitual que se desenvolveu a partir do sculo XVIII.
A histria das sociedades humanas, especialmente a partir do Ilu-minismo, apresentou diferentes testemunhos documentais na luta pela
emancipao humana.
Ao contrrio do que afirmado por algumas concepes mais con-
servadoras, existem diferentes maneiras para entendermos o que so
Direitos Humanos. Para alguns se trata de direitos naturais, inerentes
vida, segurana individual, aos bens que preservam as condies de
humanidade de cada indivduo. Para outros so valores que se expressam
no reconhecimento legislativo do Estado. Alguns entendendo serem di-
reitos inerentes natureza humana; outros afirmando que so a expres-
so de uma conquista social atravs de um processo de luta poltica.
Enfim, um tema como tambm ocorre com a democracia, a liber-
dade e a justia que tem recebido diferentes significados e interpreta-
es, muitas vezes contraditrios entre si. Portanto, trata-se de um tema
complexo que expressa as relaes de poder existentes nas sociedades em
determinado contexto histrico.
Assim, fundamental entender que os Direitos Humanos, antes de
tudo, apresentam um claro contedo poltico e ideolgico, no existindo
uma uniformidade conceitual sobre o tema.
O conceito de Direitos Humanos apresenta uma srie de interpreta-
es que dependem da orientao que se tenha sobre o fenmeno jurdico,
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26 27Saber curricular
(1992). Para o jurisfilsofo italiano, uma iluso atribuir um fundamento ab-
soluto aos Direitos Humanos, j que so direitos histricos, portanto, relati-
vos. Porm, Bobbio afirma existirem vrias perspectivas para o tratamento
da questo dos Direitos Humanos: filosfica, tica, poltica, histrica, cultu-
ral etc. necessrio ressaltar que existem relaes entre essas perspectivas.
Assim, podemos dizer, inicialmente, que no existe um conceito
uniforme sobre o que so Direitos Humanos. E que o seu contedo e for-
mato objeto de intensa luta poltica e ideolgica nas sociedades.
Os direitos e valores considerados fundamentais variam de acordocom o modo de organizao da vida social e o contexto histrico. Dessa for-
ma que se torna impossvel determinar um nico e absoluto fundamento
dos Direitos Humanos. Ao contrrio, podemos partir de trs concepes di-
ferentes no campo da fundamentao filosfica e jurdica: concepes ide-
alistas; concepes jurdico-positivistas; concepo histrico-estrutural.
As concepes idealistasnos remetem ao campo do modelo jusna-
turalista moderno e buscam a sua base de fundamentao em uma viso
abstrata, metafsica, ideal, identificando os Direitos Humanos a valores in-
formados por uma ordem de princpios e condies pretensamente ineren-
tes natureza humana. Tal ordem superior metafsica se expressaria como
preexistente sociedade e existncia do Estado poltico, tendo como fun-
damento ltimo a natureza humana e a razo. Os direitos, nessas correntes
do pensamento moderno, seriam inerentes ao indivduo e, desta forma,
Direitos Naturais supraestatais e suprassociais.
As concepes jurdico-positivistas, partindo da filosofia positi-
vista, entendem os Direitos Humanos como Direitos Fundamentais e no
como valores suprapositivos. So direitos desde que sejam efetivamente
reconhecidos pela ordem jurdica positiva. A fundamentao dos Direitos
Humanos e a sua verdadeira existncia dependem do reconhecimento pr-
vio de tais direitos por parte do Estado, mediante sua elaborao legislativa.
a sociedade e as relaes de poder.
O autor espanhol Enrique Pedro Haba (cit. em Picado, 1987, p.13),
por exemplo, apresenta trs momentos distintos em sua classificao:
Direitos Humanos, entendidos como a expresso axiolgica que serve
como base para a sua positivao jurdica, ou seja, os direitos como valor,
como o conjunto de princpios norteadores da lei; Direitos Fundamentais,
como a expresso positivada, especialmente a partir dos textos constitu-
cionais, daquela dimenso valorativa original; e Liberdades Individuais,
como uma categoria que se refere s liberdades que se caracterizam nasrelaes sociais, a manifestao ftica dos direitos previstos legalmente,
o exerccio efetivo dos direitos reconhecidos na lei como fundamentais.
J outro autor, tambm espanhol, Gregrio Peces-Barba, no faz a
mesma distino. Parte de uma nica definio de Direitos Fundamentais,
afirmando que todos os direitos so humanos, visto que apenas o ser hu-
mano sujeito de direito capacitado para o seu pleno exerccio. Para Pe-
ces-Barba, portanto, a preocupao estabelecer dentre todos os direitos
que so humanos, aqueles que so considerados essenciais.
A fundamentao dos Direitos Humanos, assim, passa por inmeras
definies. Seja entendendo-os como valor, seja apenas como direitos que
se tornam fundamentais a partir da existncia de dispositivos jurdicos.
Diversas denominaes foram utilizadas a partir dos sculos XVII e XVIII
sobre o tema, tais como Direitos Naturais, Direitos do Homem, Direitos
Individuais, Direitos Civis, Liberdades Pblicas etc. O que importa que
aps 1948, com a Declarao Universal da Organizao das Naes Unidas,
tornou-se usual a denominao de Direitos Humanos, pela sua importncia
simblica e abrangncia, expressando um carter de universalidade para
todos os seres humanos.
Observamos tambm que a discusso sobre os fundamentos dos
Direitos Humanos recebeu um tratamento particular de Norberto Bobbio
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28 29Saber curricular
desdobramentos ocorridos nos sculos XVII e XVIII, no cenrio da Euro-
pa Ocidental, que surgiram as condies objetivas e subjetivas que pos-
sibilitaram a modificao das referncias de conhecimento, com o desen-
volvimento de novos paradigmas socioculturais, ticos e estticos que se
expressaram atravs do Renascimento Cultural e da Reforma Protestante,
em que a valorizao do indivduo e a noo de livre arbtrio abriram o ca-
minho para a posterior constituio do modelo jusnaturalista moderno.
O processo que levou constituio da noo de indivduo-pessoa
humanacomo valor-fonte de ordenamento da vida social se apresentou for-malmente a partir do jusnaturalismo moderno, com a elaborao da noo
de direitos inatos como verdade evidente, medida da comunidade polti-
ca, mas dela mantendo-se independente. Tal processo marca a passagem
para uma nova era, o projeto civilizatrio da modernidade, que tem como
principais elementos fundantes os conceitos de universalidade, individua-
lidadee autonomia. , portanto, dessa matriz civilizatria que se constitui
a referncia-valor dos direitos fundamentais do ser humano.
A passagem das prerrogativas estamentais para os direitos do ho-
mem encontra na Reforma, que assinala a presena do individualismo
no campo da salvao, um momento importante de ruptura com uma
concepo hierrquica de vida no plano religioso, pois a Reforma trou-
xe a preocupao com o sucesso no mundo como sinal da salvaoindividual. (Lafer, 1988)
Partindo da ruptura dos referenciais socioculturais do medievo, a no-
o de direito natural se laiciza primeiramente com Grcio, mas sem dvi-
da nenhuma, principalmente a partir de Hobbes (Bobbio; Bovero, 1986).
Ou seja, a partir do sculo XVI e mais precisamente do sculo XVII
se formulou a moderna doutrina sobre os direitos naturais, preparando
o terreno ideolgico e poltico para a transio do feudalismo para a socie-
Os direitos fundamentais para o ser humano seriam apenas aqueles que
emanam do Estado.
A concepo histrico-estrutural, de carter crtico-materialista, se
desenvolveu a partir do sculo XIX, com a contribuio de Karl Marx (2007;
2010), no apenas nas suas obras de juventude, ao fazer a crtica ao con-
ceito idealista de Direitos Humanos nos marcos da ascenso da burguesia
e ao tratar do tema da emancipao poltica e da necessria luta contra a
alienao e a emancipao humana. Os Direitos Humanos, dessa forma,
so um conceito resultante dos processos histricos, das conquistas so-ciais e polticas a partir das lutas dos povos pela emancipao. So marca-
dos por contingncias econmicas, polticas e ideolgicas, expressando-se
atravs de conquistas sociais. Nesse campo, os valores e princpios so
a expresso da prxis social e potencializam as demandas concretas por
reconhecimento jurdico-formal e o exerccio pleno e material dos direitos.
importante notar que, partindo da impossibilidade de uma funda-
mentao nica e absoluta dos Direitos Humanos, percebe-se que desde
o sculo XVIII houve um processo de ampliao conceitual, resultante das
lutas sociais e das conquistas de direitos.
Direitos da liberdade: os direitos individuais, civise polticos
Apesar de os termos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais te-
rem aparecido na Frana durante o sculo XVIII, e de sua formulao ju-
rdico-positiva no plano do reconhecimento constitucional datar do sculo
XIX, as origens de sua fundamentao filosfica remontam aos primrdios
da civilizao humana.
Foi somente a partir da passagem do sculo XV para o XVI, e dos
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A noo jusnaturalista do Contrato Social, como gnese do Estado,
foi difundida durante o sculo XVIII, dando origem concepo contratua-
lista do direito e da sociedade. O contratualismo, tendo por base a igualdade
jurdica, aparece como forma de superao do direito baseado em privil-
gios fundado no status e a constituio de um direito baseado na vonta-
de individual. O indivduo passa a ser entendido como valor-fonte do direito.
No decorrer do sculo XVIII, caracterizado pela filosofia iluminista e
pela radicalizao do confronto com o absolutismo, foram apresentadas as
ideias de pensadores como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que inspi-raram os movimentos revolucionrios na Frana e na Amrica. o perodo
que preparava as grandes transformaes sociais e polticas que levaram
elaborao da Declarao de Direitos de Virgnia, em 1776, e da Declarao
de Direitos do Homem e do Cidado, aprovada pela Assembleia Nacional
Francesa, em agosto de 1789.
O pensamento de Rousseau desenvolveu-se afirmando a existn-
cia de uma condio natural humana de felicidade, virtude e liberdade.
Ao contrrio de Locke, entendia que a civilizao que limita as condies
naturais de felicidade humana. Assim, Rousseau afirmou que o homem
nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros (Rousseau, 1973, p.28).
Para Rousseau, a propriedade era a fonte da desigualdade humana e,
como tal, da perda da liberdade. Os indivduos, mediante um pacto danoso,
iludidos, teriam aberto mo de sua soberania e formado a sociedade civil
onde se tornaram desiguais e prisioneiros. Presos a uma ordem desigual,
visto que alguns teriam se apropriado de forma fraudulenta dos bens da
natureza que a todos pertencem. O resgate da condio natural de liberdade
e igualdade somente seria possvel com um novo pacto, dessa vez racional,
com base na vontade livre e consciente de cada indivduo e objetivando
a constituio da Repblica, do bem comum, como patamar superior das
condies do Estado de Natureza. Com o Contrato Social os indivduos recu-
dade burguesa. Tratava-se no mais da fundamentao do direito divino,
mas sim de propor a razo como o fundamento do direito.
Foi com o pensador ingls Thomas Hobbes, no sculo XVII, que se
desenvolveu o chamado modelo jusnaturalista moderno, em que a funda-
o do Estado Poltico seria resultado de uma ao pela manifestao da
livre vontade dos indivduos. Inicia-se um tipo de formulao que passou a
influenciar o pensamento filosfico-poltico, levando constituio do mo-
delo liberal da sociedade e do Estado.
Com outro pensador ingls, John Locke, j no final do sculo XVII,desenvolveu-se a teoria da liberdade para proteger a propriedade como
valor fundamental.1
Assim, para Locke a condio prvia para o pleno exerccio da liber-
dade seria a garantia do direito propriedade. Dessa concepo individua-
lista burguesa, que marca o pensamento lockiano, nasceu a moderna ideia
do cidado, e de uma relao contratual entre os indivduos na qual a pro-
priedade, a livre iniciativa econmica e uma relativa margem de liberdades
polticas e de segurana pessoal seriam garantidas pelo poder pblico.
Locke apontava a propriedade como o direito natural fundamental
e inalienvel do ser humano, o direito-fonte, do qual decorrem os demais
direitos dos indivduos. A proteo ao direito natural da propriedade seria,
ento, o motivo pelo qual cada indivduo cede parcelas de suas liberdades
e direitos para a formao da instncia que proteger a existncia desse
direito, ou seja, o Estado-Governo.
1 importante notar que Locke utiliza a noo de propriedade com dois sentidos: a) o pri-meiro, mais amplo, como o conjunto das capacidades e potencialidades do indivduo para amanuteno da prpria existncia e da sua liberdade. Trata-se da noo de propriedade comoparticularidade humana de autodeterminao; b) o segundo sentido, restrito, seria entendidocomo o resultado do exerccio da propriedade que cada ser humano tem de determinar a pr-pria existncia mediante sua relao com a natureza e utilizando o seu potencial e criatividadeatravs do trabalho. O resultado a constituio da propriedade material, produto do trabalhohumano individual, no exerccio de um direito inalienvel de autodeterminao e autossufici-ncia humana.
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Sob a inspirao da Constituio dos Estados Unidos da Amrica,
os demais pases das Amricas, recm-independentes no incio do sculo
XIX, passaram por um processo de constitucionalizao dos Direitos Hu-
manos, mediante a positivao dos direitos individuais, agregando um ca-
ptulo especfico em suas Cartas Magnas. Essas constituies restringem-
se ao reconhecimento formal das garantias de direitos individuais.
Portanto, os Direitos Humanos em seu primeiro momento moderno,
ou em sua primeira gerao, so a expresso das lutas da burguesia revolu-
cionria, com base na filosofia iluminista e na doutrina liberal, reconhecendodireitos contra o despotismo dos antigos Estados Absolutistas. Materiali-
zam-se como Direitos Civis e Polticos, ou como Direitos Individuais atribu-
dos segundo a tradio jusnaturalista a uma pretensa condio natural
do ser humano, como direitos inerentes condio de ser humano. So a
expresso formal de necessidades individuais que requerem a absteno do
Estado para a garantia de seu pleno e livre exerccio. O legado do jusnatura-
lismo nos proporciona direitos que no devem ser invadidos pelo Estado, e
que por este devem ser protegidos contra a ao de terceiros (Bobbio, 1988).
Os direitos coletivos da igualdade: Direitos Humanoseconmicos, sociais e culturais (DHESCs)
A segunda metade do sculo XVIII assistiu a grandes transforma-
es na sociedade capitalista liberal, ganhando desenho mais definido na
passagem para o sculo XIX. Os primeiros 70 anos do sculo XIX marcaram
a consolidao do Estado Liberal e o grande desenvolvimento da economia
capitalista urbano-industrial. Porem, a liberdade de mercado, a necessida-
de de desenvolvimento no processo produtivo para fazer frente compe-
tio, a consolidao dos mercados nacionais nas sociedades da Europa
perariam sua igualdade, como condio primeira para o exerccio pleno do
direito liberdade. A soberania dos indivduos seria recuperada sob as no-
vas condies do Contrato Social e da Vontade Geral expressa na Repblica.
interessante notar que o pensamento de Rousseau ultrapassa as
limitaes elitistas do liberalismo clssico, introduzindo uma concepo ra-
dical-democrtica que se coaduna com as condies histricas da Frana do
sculo XVIII, em que a burguesia aparecia no cenrio sociopoltico como uma
classe revolucionria, vanguarda na luta contra o absolutismo feudal, aglu-
tinando em torno de seus projetos um enorme contingente de segmentossociais, possibilitando o amadurecimento das condies subjetivas que leva-
ram derrocada do antigo regime e instaurao da nova ordem burguesa.
Foi a partir dessas lutas travadas pela burguesia europeia contra
o Estado Absolutista que surgiram as condies para a instituio formal
de um elenco de direitos que passariam a ser considerados fundamentais
para a totalidade dos seres humanos. E, como vimos, esse elenco de di-
reitos coincidia com os interesses imediatos no somente da burguesia
ascendente, mas tambm das amplas massas populares em sua luta contra
os privilgios da aristocracia.2No entanto, eram direitos que primeiramen-
te satisfaziam s necessidades da burguesia, dentro do processo de cons-
tituio do livre mercado (direitos da liberdade individual expressando-se
como livre iniciativa econmica, livre manifestao da vontade, liberdade
contratual, liberdade de pensamento, liberdade de ir e vir, trabalho livre
etc.) e, consequentemente, criando as condies para a consolidao do
modo de produo capitalista. Para isso foi fundamental a formao do Es-
tado Liberal e dos movimentos constitucionalistas para o reconhecimento
formal dos direitos dos indivduos.
2 Marx na sua obra Sobre a questo judaica, de 1844, trabalhou a diferena entre os concei-tos de emancipao poltica e emancipao humana. As conquistas da Revoluo Francesa edas lutas dos povos contra o absolutismo marcaram, para Marx, um momento significativo deemancipao poltica.
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influenciado pela filosofia positivista, que marcou o sculo XIX. O positivis-
mo surge buscando explicar a realidade social visando manuteno da or-
dem burguesa. dentro desse marco que surgiram as Cincias do Homem
(Cincias Humanas e Sociais), como um conjunto de saberes e disciplinas
pretensamente cientficas que explicariam os problemas sociais existentes
na sociedade burguesa-industrial, legitimando as suas prticas discrimina-
trias, racistas, etnocntricas e excludentes de grandes contingentes popu-
lacionais. O positivismo identificava os problemas sociais e a marginalidade
que ameaavam a ordem burguesa no como produtos da lgica do modelode desenvolvimento capitalista, mas sim como resqucios do passado, como
expresso no civilizada que perdurava na sociedade industrial.
Do ponto de vista do pensamento socialista, o marxismo apresen-
tou-se como a crtica mais contundente referncia liberal. Observemos
que Karl Marx, em Sobre a questo judaica, de 1844, analisa o conceito
de Direitos Humanos como princpios de carter individualista-burgus,
marcados pela ideologia liberal. Dessa maneira, a pretenso a um carter
universal desses direitos no afastaria a sua verdadeira natureza liberal-
burguesa. Ao contrrio, a sua universalidade aparece exatamente quando
a burguesia revolucionria do sculo XVIII conseguiu encarnar como con-
quista sua as demandas e os interesses de amplos segmentos humanos
que puderam ser generalizados na luta contra o poder desptico do ab-
solutismo. Porm, para Marx, as declaraes formais de Direitos Huma-
nos no faziam mais do que formalizar as condies reais da sociedade
burguesa, com uma separao entre os espaos pblico e privado. Essa
dicotomia pblico-privado se materializa com a distino entre as esfe-
ras de atuao do ser humano. Uma clara separao entre o Homem e
o Cidado. Dessa maneira, os Direitos Humanos seriam os direitos que
se estabelecem na esfera privada, o que remeteria s condies do mer-
cado, ou ao posicionamento de cada indivduo na sua distino com os
Ocidental principalmente na Inglaterra , a formao do proletariado ur-
bano, a progressiva concentrao do capital, entre outras coisas, passaram
a apresentar os primeiros sinais de crise da nova sociedade capitalista.
Aps o perodo denominado de Era da Revolues pelo historiador
ingls Eric Hobsbawm, temos j formado o Estado Liberal, uma economia
capitalista de mercado com base industrial e um ordenamento jurdico ba-
seado na igualdade jurdica, adequado ao funcionamento de uma socieda-
de burguesa. Segundo Hobsbawm, o incio da Era do Capital, que se
desenvolveu e levou, no decorrer do sculo XIX, ao surgimento de contra-dies no seio do prprio modelo de sociedade.
A Revoluo Industrial, ao mesmo tempo em que elevou a patama-
res nunca vistos na histria humana a capacidade de produo e a produti-
vidade do trabalho, com um fenomenal desenvolvimento das foras produ-
tivas, destruiu violentamente o modo de vida tradicional dos trabalhadores
e introduziu a rgida disciplina do sistema fabril. As condies de vida dos
trabalhadores eram deplorveis, com jornadas de trabalho inclusive para
crianas e mulheres de cerca de 15 horas dirias, sem leis sociais, tra-
balhistas ou previdencirias, sob condies de absoluta insegurana. Afi-
nal, tratava-se do Estado Liberal, que no deveria intervir na sociedade e
nas relaes econmicas. As condies de vida nas cidades tambm eram
terrveis, no que se refere moradia, ao saneamento bsico e infraestru-
tura para a existncia do bem-estar social. O resultado era uma legio de
desempregados, miserveis, alm de diversos problemas sociais como o
alcoolismo, a prostituio e a criminalidade (Hunt; Sherman, 1978).
O novo quadro do capitalismo industrial e as condies sociais resul-
tantes desse modelo tornaram a ideologia liberal inadequada para respon-
der s constantes crises e s contradies e conflitos sociais. A ideologia
liberal passou a ser questionada pelo movimento operrio e pelo pensa-
mento socialista. Buscou a sada pelo processo de valorizao cientfica,
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coletiva. E foi exatamente nas experincias do nazifascismo e do estali-
nismo que os seres humanos foram transformados em indivduos isolados,
dissolvendo a individualidade em um coletivo absolutamente controlado.
Nessas experincias totalitrias o coletivo no chegava a ser a expresso
do pblico, no ocupava o espao pblico como sujeito social autnomo
com conscincia e projeto definidor de sua prtica social. Ao contrrio,
o coletivo era o espao de dissoluo da individualidade em uma massa
amorfa, sem definio, sem conscincia de classe ou de cidadania, sem
capacidade prpria de interveno direta no espao pblico. Na verdade, o que o pensamento socialista e a prtica do movimen-
to operrio europeu e estadunidense do sculo XIX questionavam era a
existncia de uma enorme contradio dos enunciados da doutrina liberal
da burguesia revolucionria do sculo XVIII, formalmente divulgados nas
declaraes de direitos, em relao realidade vivida pela grande maioria
da populao. Os trabalhadores encontravam-se submetidos s mais duras
condies de existncia. A ideologia liberal no admite a interveno do
Estado nas questes sociais e econmicas. Dessa maneira, nas condies
das sociedades liberais do sculo XIX, no havia regulamentao do mer-
cado de trabalho, inexistindo leis de proteo social e das condies de
trabalho. Para a doutrina liberal, as questes sociais em geral e as relaes
entre capital e trabalho deveriam ser reguladas pelo mercado livre. A con-
sequncia era um grande desemprego, baixssima remunerao do traba-
lho, jornada diria que poderia chegar a 16 horas, o trabalho infantil utiliza-
do sem limites, as mulheres operrias sem direitos especficos relacionados
s condies de gnero, sem leis de proteo em relao s condies de
salubridade e segurana etc. No que se refere s condies gerais de vida
da classe trabalhadora existiam outros problemas, como desemprego, falta
de moradia, falta de saneamento bsico, inexistncia de educao e sade
pblica, enfim, falta de condies materiais para uma vida digna.
outros humanos (cristos e judeus; nacionais e estrangeiros; operrios
e patres; brancos e negros; homens e mulheres etc.). Seriam direitos
do Homem egosta, individualista, motivado apenas pelos seus interesses
particulares. A tica do Homem burgus.
Enquanto isso, a esfera do Cidado seria aquela de cada ser hu-
mano na sua relao com a coletividade, a sua esfera pblica. No fundo, o
cidado da sociedade burguesa, para Marx, seria uma figura de retrica,
um ente abstrato de igualdade pblica que pouco ou nada representava no
espao real da existncia que seria o espao privado, ou o mercado, ondena prtica se reproduziriam as diferenas, as desigualdades, a opresso e
a explorao, com base nessas diferenas.
As obras posteriores de Marx mantiveram a concepo de que os
Direitos Humanos proclamados em documentos liberais apenas concreti-
zavam uma diviso entre o Homem-Indivduo da sociedade civil-merca-
do e o Cidado. E os direitos reconhecidos seriam os direitos daquele
Homem-Indivduo, egosta, separado do espao pblico. Essa concepo
acompanha a tpica dicotomia das sociedades burguesas entre os espaos
pblico e privado.
O autor Claude Lefort, em A inveno democrtica: os limites do
totalitarismo(1981) questiona alguns pontos referentes s observaes de
Marx, principalmente a sua omisso em relao aos artigos da Declarao
de Direitos do Homem e do Cidado da Revoluo Francesa, que dispe
sobre a liberdade de pensamento, de expresso poltica e religiosa e de
comunicao, enquanto direitos de clara repercusso coletiva. Recoloca-se
a questo partindo das experincias totalitrias do sculo XX (nazifascis-
mo e estalinismo) e das experincias dos regimes burocrtico-autoritrios
de corte cvico-militar da Amrica Latina. Ao partir dessas realidades po-
demos rever alguns dos conceitos trabalhados por Marx, principalmente
no que se refere ao direito de opinio e de expresso, e a sua dimenso
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socializao da poltica atravs da adoo do sufrgio universal e do sur-
gimento dos primeiros partidos polticos de orientao social-democrata e
socialista. Exigem, tambm, que a noo de igualdade no se restrinja a
uma mera declarao formal dos enunciados legais, mas que se materialize
em polticas pblicas do Estado e em leis sociais legislao trabalhista,
sindical, previdenciria etc. visando garantir efetivas melhorias nas con-
dies de trabalho da classe operria e nas condies gerais de vida de
toda a populao pobre. Alm disso, exigem que a noo de propriedade
se concretize como o verdadeiro direito a ser proprietrio dos meios deproduo, especialmente apontando as formas de propriedade coletiva e a
noo de funo social da propriedade, como tambm o acesso proprie-
dade fundiria, visto que os tempos heroicos das revolues burguesas e
as alianas com o campesinato j eram uma pgina virada da histria.
As opressivas condies de vida impostas aos trabalhadores euro-
peus durante o sculo XIX levaram os sindicatos e os partidos socialistas a
reivindicarem a interveno do Estado na vida econmica e social visando,
entre outras coisas, a regulamentao do mercado de trabalho.
Assim, foram as lutas operrias e populares contra as condies de
trabalho e existncia, impostas pelo modelo econmico capitalista, e o ad-
vento do pensamento socialista especialmente o que se desenvolveu a
partir da contribuio de Marx e Engels que colocaram as demandas
por uma ampliao conceitual dos Direitos Humanos, exigindo o reconhe-
cimento dos Direitos Coletivos, ou Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
(DESCs). A situao de crise e desigualdade social, somada concentra-
o do capital, tornou insuficiente a interpretao liberal sobre os Direitos
Humanos, entendidos como supraestatais, inerentes razo humana, in-
dependentemente dos reais condicionamentos sociais, econmicos, pol-
ticos, histricos e culturais das sociedades. Se para a concepo liberal, a
garantia dos direitos necessitaria de uma absteno do Estado, deixando
Existia uma contradio absoluta entre o que se enunciava nas de-
claraes de Direitos Humanos, afirmando que todos so portadores de di-
reitos, e as condies reais de vida dos trabalhadores urbanos. E isso era o
mais radical questionamento aos princpios liberais dos Direitos Humanos
ou, pelo menos, demonstrava as limitaes de uma concepo meramente
formal e declaratria de direitos que eram insuficientes para a garantia do
seu efetivo exerccio. Ter formalmente expresso em um dispositivo cons-
titucional o direito vida, ou propriedade, como direito fundamental do
ser humano, no garante necessariamente que todos tenham condiesmateriais para viver ou que sejam proprietrios. Uma das caractersticas
do capitalismo exatamente a concentrao da propriedade dos meios de
produo nas mos de poucos proprietrios privados. Ou ainda, em um
plano abstrato, a ideia de que se trata de uma sociedade de proprietrios:
uns poucos proprietrios de meios de produo e a imensa maioria proprie-
tria da sua fora de trabalho. Assim, esses princpios liberais abstratos de
igualdade formal e de liberdade individual, como requisitos necessrios
para a felicidade humana, no garantiriam nem a igualdade material, nem
a liberdade real, e muito menos a felicidade. Se por um lado tais declara-
es de princpios tiveram um papel importante e civilizatrio no empenho
revolucionrio da burguesia dos sculos XVII e XVIII contra o despotismo,
o obscurantismo e a superstio do ancien rgime, por outro, no decorrer
do sculo XIX, ao serem confrontados com uma realidade de contradies
antagnicas no seio da ordem capitalista, onde a prpria burguesia j era
outra no mais revolucionria, mas sim conservadora , tais princpios
caem no vazio, deixam de ter sentido apenas declaratrio e passam a fazer
parte das pautas de reivindicao do movimento operrio e dos demais mo-
vimentos populares da cidade e do campo. Os movimentos sociais passam
a exigir que a noo de liberdade se materialize na liberdade de associao
sindical, na livre participao poltica, obrigando ampliao do Estado e
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aos indivduos o espao para melhor exercer os seus direitos individuais,
as lutas sociais reivindicavam a presena efetiva do Estado, mediante po-
lticas pblicas sociais e leis que pudessem promover os DESCs.
O que significou esse processo de ampliao conceitual dos Direi-
tos Humanos foi mostrar que no basta ser cidado individual, com uma
participao formal nas decises polticas de uma sociedade, por exemplo.
Como no basta declarar que todas e todos tm direito vida, sem garantir
as efetivas condies materiais para que todas e todos possam realmente
exercer tal direito. necessria a presena pblica como condio bsicapara a proteo igualitria no campo social.
A partir das lutas sociais dos trabalhadores e do pensamento socia-
lista, os direitos coletivos passaram a ser uma nova referncia para todas
as instituies sociais. Em 1891, por exemplo, a Igreja catlica formula a
sua moderna doutrina social apresentando a Encclica Papal Rerum Nova-
rum. Durante as duas primeiras dcadas do sculo XX a Constituio mexi-
cana de 1917, a Revoluo Russa, tambm de 1917, a primeira Constituio
sovitica, a Constituio da Repblica de Weimar na Alemanha, em 1919,
e a criao da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) foram expres-
ses de ampliao da abrangncia dos Direitos Humanos, dando forma ju-
rdica e institucional s condies de trabalho e demais condies sociais.
No Brasil, a Constituio de 1934 foi a primeira que incluiu dispositivos
especficos sobre os direitos coletivos.
Os direitos da solidariedade: direitos dos povos oudireitos de toda a humanidade
A ampliao do contedo dos Direitos Humanos seguiu o caminho
aberto pelas reivindicaes sociais e pelas transformaes econmicas e
polticas que marcaram as sociedades nos ltimos trs sculos, possibili-
tando importantes conquistas emancipatrias. Esse processo de ampliao
de direitos passou a encarnar as demandas levantadas pelas lutas demo-
crticas e populares que historicamente passaram a expressar os anseios
de toda a humanidade. Foi assim com as lutas sociais dos sculos XVII e
XVIII contra o absolutismo feudal e com as lutas do sculo XIX contra a
explorao capitalista por novos espaos de liberdade coletiva e igualdade
material que garantissem as condies de viabilizao da existncia digna
dos seres humanos. Durante o sculo XX, aps grandes conflitos sociais, novas reivindi-
caes humanas, de carter individual, social e estatal, passaram a fazer
parte da cena internacional e do imaginrio das sociedades contempor-
neas. As condies para a ampliao do contedo dos Direitos Humanos
se apresentavam atravs de novas contradies e confrontos que exigiam
respostas no sentido da garantia e proteo das liberdades e da vida.
O contexto histrico inaugurado com o final da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) abriu uma nova era para a humanidade. A luta nos
campos de batalha da Europa e do Oriente se desenvolveu contra os mo-
delos totalitrios dos Estados de terror de inspirao fascista, revelando
ao mundo as grandes violaes ocorridas nos campos de concentrao e
extermnio. O modelo Auschwitz torna-se referncia de poder e da lgica
de exceo presentes no mundo contemporneo.3Os crimes contra a hu-
manidade so revelados e passam a ser uma nova referncia na luta contra
as violaes sistemticas e massivas contra os Direitos Humanos.
A realidade aps a guerra mundial foi, no entanto, mais complexa.
Com a valorizao de um ideal abstrato de democracia, o mundo do ps-
guerra nasceu dividido em blocos, sob a direo poltico-ideolgico-militar
3 Sobre o tema do Estado de Exceo, da lgica do campo como paradigma do poder nas socie-dades contemporneas, ver Agamben, 2008a; 2008b; 2002; Mate, 2005; Zamora, 2008.
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interessando a toda a humanidade e aos prprios Estados. So direitos a
serem garantidos com o esforo conjunto do Estado e dos indivduos, dos
diferentes segmentos organizados das sociedades e das diferentes naes.
Entre esses novos direitos podemos citar o Direito Paz, o Direito ao
Desenvolvimento Humano, o Direito Autodeterminao dos Povos, o Di-
reito ao Meio Ambiente saudvel e ecologicamente equilibrado e o Direito
ao Patrimnio Comum da Humanidade.
A internacionalizao dos Direitos Humanos
Para o professor Gregrio Peces-Barba (1967), a histria da evoluo
dos Direitos Humanos apresenta trs momentos:
a. os Direitos Humanos deixando o campo dos valores e se conver-tendo em direito positivo, no mbito nacional, pelos processos de
constitucionalizao dos direitos;
b. a sua generalizao como referncia axiolgica e jurdico-positiva;c. a sua internacionalizao.
As liberdades e garantias para os seres humanos no so assuntos
que interessam unicamente a cada Estado, mas, ao contrrio, interessam e
obrigam a toda a comunidade internacional.
A internacionalizao das relaes polticas e econmicas e o de-
senvolvimento dos princpios de direito internacional pblico levaram
valorizao dos Direitos Humanos na esfera das relaes entre os Estados,
entre as naes e entre grupos e indivduos na ordem internacional.
Somente depois da Segunda Guerra Mundial que a questo dos
Direitos Humanos passou da esfera nacional, atravs da ordem constitu-
das duas grandes potncias emergentes do conflito Estados Unidos e
Unio Sovitica , marcado pelo signo da Guerra Fria. Aps o lanamento
de duas bombas nucleares sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Naga-
saki pelos militares estadunidenses iniciava-se a era nuclear, que demonstrou
que a cincia, a tecnologia e o conhecimento humano podem ser utilizados
para a destruio e para o exerccio iluminado do poder. Com o fim da guerra,
a humanidade passou a conviver com a ameaa da destruio total.
As novas relaes internacionais do ps-45 apresentaram novos
atores nascidos dos processos de descolonizao da sia e da frica, como surgimento de novos Estados Nacionais, como tambm de novos confli-
tos regionalizados.
O final da guerra deu incio a um ciclo de acumulao econmica do
capital a partir de uma nova diviso internacional do trabalho, com o mode-
lo da transnacionalizao do capital. Iniciava-se a era das multinacionais.
O perodo que vai de 1945 at fins da dcada de 1960 foi marcado por um
grande impulso econmico com base no capital monopolista internaciona-
lizado. O processo de desenvolvimento econmico do capitalismo interna-
cional, vivendo um ciclo expansivo, teve como consequncia imediata a
ampliao do uso intensivo das fontes de energia e recursos naturais de
todas as regies do planeta. Tal modelo de desenvolvimento ampliou con-
sideravelmente a destruio ambiental.
Essa nova realidade nascida com o ps-guerra colocou na ordem
do dia uma srie de novos anseios e demandas dos novos movimentos so-
ciais (movimentos ambientalistas, movimentos pela paz, movimentos pela
autodeterminao dos povos, movimentos pelos direitos das mulheres,
dos afrodescendentes, dos indgenas, dos homoafetivos etc.). E a partir
das lutas que surgem os chamados Direitos dos Povos, Direitos de toda
a humanidade, ou direitos da solidariedade, como a terceira gerao dos
Direitos Humanos. So ao mesmo tempo direitos individuais e coletivos,
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gos, como a interveno nos Blcs com o objetivo de evitar prticas de
limpeza tnica contra a populao albanesa do Kosovo, e a interveno
das foras internacionais no Timor Leste so exemplos significativos de
aes internacionais que se fundamentam na manuteno da ordem inter-
nacional com a garantia dos Direitos Humanos. No significa, no entanto,
que tais aes estejam absolutamente isentas da existncia de interesses
polticos e econmicos por parte dos Estados envolvidos. O caso da deten-
o no Reino Unido, em 1999, do general chileno Augusto Pinochet por ini-
ciativa de um juiz espanhol, que requereu a sua extradio para responderpor crimes contra a humanidade praticados no Chile, outro exemplo de
como no campo dos Direitos Humanos a concepo da soberania irrestrita
do Estado passa a ser relativa.
Dessa maneira, a universalizao do tema dos Direitos Humanos
um fenmeno da nossa poca.
Desde 1948, com a Declarao Americana e com a Declarao Uni-
versal dos Direitos Humanos, houve uma considervel expanso de ins-
trumentos declaratrios e de proteo. Para se chegar a essa situao foi
necessrio um longo processo com diversas etapas.
1. A generalizao da proteo internacional
A primeira etapa se inicia no ano de 1948 em Paris, com a proclamao
da Declarao Universal de Direitos Humanos das Naes Unidas. Esse docu-
mento foi o ponto de partida para a generalizao da proteo internacional.
Os anos de 1950 e 1960 foram fundamentais para a posterior e gra-
dual superao da noo absoluta de soberania nacional, no que se refere
questo dos crimes contra a humanidade. A partir da adoo da Decla-
rao Universal e da anterior Declarao Americana de Direitos e Deveres
do Homem, ambas de 1948, iniciou-se a fase de formao de um amplo
cional de cada Estado, para a esfera internacional, incorporando todos os
povos. A comunidade organizada das naes4aprovou inmeros dispositi-
vos e documentos com validade jurdica na defesa e proteo internacional
dos Direitos Humanos, buscando assegurar o reconhecimento e a efetiva
proteo por parte de governos e particulares.
Os conflitos internacionais, principalmente as duas guerras mun-
diais, os massacres de populaes civis, os genocdios contra grupos tni-
cos, religiosos, nacionais etc. e o armamentismo como permanente ame-
aa paz internacional demonstraram que no bastava que cada Estadoreconhecesse tais direitos em seus dispositivos constitucionais, ou mesmo
subscrevesse diferentes documentos internacionais para que automatica-
mente passasse a respeitar os direitos proclamados. Foi necessria a cria-
o de mecanismos e instrumentos de fiscalizao e controle da ao dos
Estados em relao ao respeito queles que habitam ou se encontrem em
seu territrio e do respeito s normas do Direito Internacional dos Direitos
Humanos. Nesse sentido foram organizados sistemas regionais de prote-
o e promoo dos Direitos Humanos.
O estabelecimento de mecanismos internacionais de controle das
violaes de Direitos Humanos se chocou com um conceito de soberania
nacional ilimitada. O conceito irrestrito de soberania nacional impede a
ao efetiva dos organismos criados pela comunidade internacional para a
defesa dos Direitos Humanos.
As recentes crises humanitrias Haiti, Sudo, Libria, Iraque e
Afeganisto, entre outras so exemplos da necessidade de atuao das
agncias internacionais de direito humanitrio. Outros casos, mais anti-
4 A comunidade das naes formou diferentes organizaes de mbito global, como as Na-es Unidas (ONU) e organismos especializados, como a Organizao das Naes Unidaspara a Educao, Cincia e Cultura (Unesco), como tambm de mbito regional, como aOrganizao dos Estados Americanos (OEA), a Organizao da Unidade Africana (OUA) eo Conselho da Europa.
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46 47Saber curricular
dos por diferentes pases do mundo, foram importantes para essa viso
global e universal dos Direitos Humanos.
Superada a viso compartimentalizada dos Direitos Humanos, que
separava de forma absoluta os direitos civis e polticos dos direitos eco-
nmicos, sociais e culturais, passa a vigorar a noo de indivisibilidade e
integrao entre todos os tipos de direitos.
3. A Conferncia Mundial de Viena:
Direitos Humanos, democracia e desenvolvimento
A terceira etapa se iniciou com a realizao no ano de 1993 da 2
Conferncia Mundial de Direitos Humanos, em Viena, quando j existia
uma grande quantidade de instrumentos internacionais de proteo, tanto
no plano global quanto nos regionais. Trata-se de uma ampla produo
normativa, reconhecida pelas instncias internacionais e pela doutrina no
campo que denominado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
O objetivo definido pela Assembleia Geral das Naes Unidas ao
convocar a Conferncia de Viena foi o de aprimorar os inmeros instru-
mentos internacionais de proteo, tornando-os mais eficazes e dando-
lhes uma aplicao prtica.5
Enquanto o documento da Conferncia de Teer correspondeu
fase legislativa, a proclamao que saiu da Conferncia de Viena visou dar
efetividade aos mltiplos instrumentos internacionais de proteo, corres-
pondendo sua fase de implementao.
A mobilizao a partir do evento de Viena contribuiu para difundir
os temas globais de interesse de toda a humanidade, a partir da elabora-
5 Foi o segundo maior encontro de carter mundial realizado aps a Guerra Fria. O primeirogrande encontro mundial realizado foi a Conferncia Mundial sobre Meio Ambiente, chamadaRio-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
sistema de proteo internacional: o sistema global, baseado na ONU, e os
sistemas regionais, a comear pelo Sistema Interamericano e pelo Sistema
Europeu de Direitos Humanos. A internacionalizao da proteo levou
fase de elaborao de mecanismos normativos internacionais que resultou
em inmeros tratados internacionais e instrumentos de proteo como o
Pacto de Direitos Civis e Polticos, e o Pacto de Direitos Econmicos, Sociais
e Culturais, no mbito da ONU, ambos de 1966; a Conveno Americana
de Direitos Humanos (Pacto de San Jos), de 1969, no mbito do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos; a Conveno Europeia de DireitosHumanos, de 1950; tratados de preveno da discriminao, de preveno
e punio da tortura, de proteo aos refugiados, de proteo aos direitos
dos trabalhadores, direitos das crianas, direitos das mulheres, direitos
dos idosos, direitos dos portadores de necessidades especiais etc.
2. A indivisibilidade e a universalidade dos Direitos Humanos
A segunda etapa se iniciou duas dcadas depois da aprovao da
Declarao Universal, com a realizao da 1 Conferncia Mundial dos
Direitos Humanos, em 1968, na cidade de Teer, em uma conjuntura ainda
marcada pela bipolarizao da Guerra Fria, perpassando outros conflitos
como as contradies Norte-Sul, e em um contexto no qual se multiplica-
vam regimes ditatoriais em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.
O objetivo da Conferncia de Teer foi a reavaliao do tema dos
Direitos Humanos e a sua internacionalizao, resultando no fortalecimen-
to da noo de universalidade e indivisibilidade. Assim, a indivisibilidade
e a universalidade dos Direitos Humanos passam a ser as referncias que
fundamentam as aes globais na busca de solues para os problemas
globais. Os problemas resultantes da misria e da fome, o apartheid, a
ameaa de extermnio de diversos grupos humanos, problemas enfrenta-
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48 49Saber curricular
O artigo 8 da Declarao de Viena aponta o princpio que orienta
todo o documento, estabelecendo a interdependncia entre democracia,
desenvolvimento e respeito aos Direitos Humanos.
Em relao ao debate sobre o carter (universal ou relativo) dos Di-
reitos Humanos, o documento final no deixa dvidas em seu artigo 1
sobre a sua natureza universal. No entanto, o seu artigo 5 dispe que as
particularidades culturais, histricas e religiosas devem ser consideradas,
sem que os Estados, no entanto, possam se abster do seu dever de promo-
o e proteo de todos os Direitos Humanos para todos os seres humanos,independentemente do grau de desenvolvimento e das caractersticas so-
cioculturais de cada sociedade.
O legado da Conferncia de Viena assegurou a incorporao da di-
menso dos Direitos Humanos em todas as iniciativas, atividades e pro-
gramas dos organismos das Naes Unidas, e a noo de integrao7entre
todos os Direitos Humanos, a democracia e o desenvolvimento, onde o ser
humano colocado como sujeito. Dessa maneira, o respeito aos Direitos
Humanos imposto e obrigatrio, no apenas para os Estados, mas para
os organismos internacionais e os grupos que detm o poder econmico,
visto que as suas decises e prticas podem ter repercusso, direta ou
indireta, na vida de todos os seres humanos, especialmente aqueles em
situao de vulnerabilidade. A legitimidade que passa a existir, a partir de
Viena, mais um ponto positivo para o prolongado processo de construo
de novos paradigmas a partir do fortalecimento de uma cultura universal
de reconhecimento e respeito, entendendo que os Direitos Humanos per-
passam todas as reas da atividade humana.
7 As noes de indivisibilidade e integrao entre todos os Direitos Humanos se referem a noseparar os direitos civis e polticos dos DESCs e dos direitos da solidariedade.
o da Declarao e do Programa de Ao de Viena, documentos que se
tornaram referncia para a ao em nvel nacional e internacional.
Outra caracterstica significativa da Conferncia de Viena foi o sur-
gimento do debate sobre a universalidade ou relatividade dos Direitos Hu-
manos. A prpria elaborao do documento final apresentou a dificuldade
para compor as duas posies em jogo, uma baseada na universalidadee
outra na relatividade(concepo culturalista) dos Direitos Humanos. As
duas posies se fundamentavam em argumentos convincentes. Os uni-
versalistas acusavam muitos pases de se escudarem na tradio cultu-ral ancestral, ou na soberania nacional, ou na falta de desenvolvimento
tecnolgico para justificar a manuteno de regimes ditatoriais e prticas
violadoras dos Direitos Humanos, como o extermnio de crianas e adoles-
centes, o genocdio de minorias tnicas, as perseguies por motivo reli-
gioso, as torturas fsicas ou morais, a represso contra opositores polticos,
a eliminao dos direitos civis e polticos. Os relativistas ou culturalistas
afirmam que a concepo universal corresponde a uma imposio de valo-
res ocidentais, encobrindo uma poltica intervencionista e hegemnica dos
pases do Ocidente contra aqueles considerados hostis.
O documento final da Conferncia de Viena buscou um consenso
possvel, concluindo com a defesa destes princpios:
a. o carter universal dos Direitos Humanos;b. a indivisibilidade e interao entre os Direitos Humanos;c. o desenvolvimento como requisito para a democracia;6
d. o papel de controle e fiscalizao das Organizaes NoGovernamentais (ONGs).
6 Aqui se est falando de desenvolvimento social, humano e ambiental.
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50 51Saber curricular
De que se fala, quando se dizjustia de transio?
Glenda Mezarobba*
Fala-se de frica do Sul, Nigria, Timor Leste, Afeganisto, de v-
rios pases do Leste Europeu, de Argentina, Brasil, Chile, Iraque, Israel e
Palestina. Fala-se das atrocidades do apartheid, de uma sucesso de guer-ras civis e governos militares, de mais de duas dcadas de ocupao pelo
pas vizinho e de conflitos internos, de quase trinta anos de guerra, da
reconfigurao que se seguiu queda do Muro de Berlim e derrocada do
comunismo, do fim de governos autoritrios iniciados a partir de golpes de
Estado, e de embates que h anos vem marcando a disputa por territrio.
Fala-se, sobretudo, de violaes a inmeros direitos, individuais e coleti-
vos, e da necessidade de justia que emerge em perodos de passagem
para a democracia ou ao trmino de conflitos ou seja, fala-se da concep-
o de justia associada a perodos de mudana poltica, caracterizada por
respostas legais para confrontar os crimes dos regimes repressivos ante-
riores1. Mais precisamente e de acordo com a Encyclopedia of Genocide
and Crimes against Humanity, a noo de justia de transio diz respeito
rea de atividade e pesquisa voltada para a maneira como as sociedades
lidam com o legado de violaes de direitos humanos, atrocidades em mas-
sa ou outras formas de trauma social severo, o que inclui genocdio, com
vistas construo de um futuro mais democrtico e pacfico:
*Texto publicado originalmente na revista BIB (MEZAROBBA, Glenda: De que se fala, quandose diz Justia de Transio?, BIB, So Paulo, n 67, 1 semestre de 2009, pp. 111-122). Textoreferente aula Justia de Transio e a consolidao dos Direitos Humanos1 TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy. Harvard Human Rights Journal. Cambridge(MA), v. 16, Spring/2003, p. 69.
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52 53Saber curricular
regime das prticas do regime anterior.3 Para Alexander Boraine, uma
maneira adequada de se descrever a busca por uma sociedade justa em
decorrncia de sistemas no democrticos, frequentemente opressivos e
at mesmo violentos.4
O termo justia de transio pode parecer, em si mesmo, equivocado,
na opinio de autores como Louis Bickford, j que mais comumente refere-
se justia durante (determinada) transio e no a uma forma distinta
de justia. Isso no impede, no entanto, a constatao de que a ideia de
justia de transio tem certas caractersticas bem definidas. Primeiro, in-clui o conceito de justia. Embora o campo dependa de princpios legais in-
ternacionais que exigem o julgamento de criminosos, tambm inclui outras
formas mais amplas de justia, tais como programas de reparao e meca-
nismos de busca da verdade, observa ele. O segundo conceito-chave
o da transio, que diz respeito principal transformao poltica por que
passa um regime que muda de um governo autoritrio ou repressivo para
outro, democrtico e eleito, ou de um perodo de conflito para a paz ou esta-
bilidade.5Para Teitel, por definio, transies constituem tempos de con-
testao de narrativas histricas. Desse modo, transies apresentam o
potencial para counter-histories.6No cerne do debate que envolve a justia
de transio esto, como enumera Michel Feher, pelo menos trs dogmas
da teoria liberal: 1) instituir um regime democrtico leva substituio de
um reinado de fora pelo Estado de Direito; 2) patrocinar o Estado de Direi-
to implica em tornar cada cidado responsvel (accountable) por suas aes
e 3) implementar o princpio de accountability individual leva a assegurar
3 LEEBAW, Bronwyn. Transitional justice, conflict and democratic change:international inter-ventions and domestic reconciliation. Conference on difference and inequality in developingsocieties. Charlottesville, Virgnia (EUA), 21 abril 2005, p. 1.(Paper)4 BORAINE, Alexander L.. Transitional justice: a holistic interpretation. Journal of InternationalAffairs.Nova York, v. 60, n.1, Fall-Winter/2006, p. 18.5 BICKFORD, Louis. Transitional justice., op. cit.; ICTJ. What is transitional justice?, op. cit..6 TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy.op. cit., p. 87.
O conceito comumente entendido como uma estrutura para se confron-
tar abusos do passado e como componente de uma maior transformao
poltica. Isso geralmente envolve uma combinao de estratgias judi-
ciais e no-judiciais, complementares, tais como processar criminosos;
estabelecer comisses de verdade e outras formas de investigao a res-
peito do passado; esforos de reconciliao em sociedades fraturadas; de-
senvolvimento de programas de reparao para aqueles que foram mais
afetados pela violncia ou abusos; iniciativas de memria e lembrana
em torno das vtimas; e a reforma de um amplo espectro de instituies
pblicas abusivas (como os servios de segurana, policial ou militar) em
uma tentativa de se evitar novas violaes no futuro. A justia de transi-o vale-se de duas fontes primrias para fazer um argumento normativo
em favor do confronto com o passado (assumindo-se que as condies
locais suportem tais iniciativas). Primeiro, o movimento de direitos huma-
nos influenciou sobremaneira o desenvolvimento desse campo, tornando-
o autoconscientemente centrado nas vtimas. Os praticantes da justia de
transio tendem a perseguir estratgias que acreditam ser consistentes
com os direitos e interesses das vtimas, dos sobreviventes e dos familia-
res das vtimas. Uma fonte adicional de legitimidade deriva da legislao
internacional de direitos humanos e da legislao humanitria. A justia
de transio baseia-se na legislao internacional para argumentar que
pases em transio devem encarar certas obrigaes legais, que incluem
a interrupo dos abusos de direitos humanos, a investigao de crimes
do passado, a identificao dos responsveis por tais violaes, a impo-
sio de sanes queles responsveis, o pagamento de reparaes s
vtimas, a preveno de abusos futuros, a promoo e preservao da paze a busca pela reconciliao individual e nacional.2
Como bem sintetiza Bronwyn Leebaw, a justia de transio tornou-se
um modo popular de caracterizar respostas a abusos do passado que ocorre-
ram no contexto de mudana poltica, como esforos para distanciar um novo
2 BICKFORD, Louis. Transitional justice. In: HORVITZ, Leslie Alan; CATHERWOOD, Christo-pher; Macmillan encyclopedia of genocide and crimes against humanity.Nova York: Facts onfile, 2004, v. 3, p. 1045-1047; ICTJ. What is transitional justice? Disponvel em: Acesso em: 08/07/2008.
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futuras tentativas de tomada do poder. Se no primeiro momento no foram
atacadas as causas que levaram ao golpe oligrquico, e o principal mecanis-
mo de justia de transio adotado foi a punio; em 403, buscando princi-
palmente a reconciliao, os democratas que voltaram ao poder reagiram
de forma diversa, aprovando mudanas constitucionais com o objetivo de
eliminar determinados aspectos da legislao que teriam causado a inter-
rupo do governo democrtico. Na anlise de Elster, a partir daquele mo-
mento surgiriam claramente as principais caractersticas do que s muito
recentemente viria a se tornar conhecido como justia de transio, maisespecificamente a categoria de violadores ou criminosos, passveis de pu-
nio, e a de vtimas, geralmente tratadas por intermdio de compensao.
O uso de mecanismos de justia de transio na restaurao de monarquias
tambm ocorreu muitas vezes na histria da humanidade, segundo o autor.
Exemplificando, ele cita a Frana do sculo XIX quando, durante a Segunda
Restaurao, os Bourbons adotaram amplas medidas de punio e reparao,
que incluram expurgo na burocracia e o pagamento de indenizaes. Mas
Elster ressalta que no h episdios importantes de justia de transio em
novas democracias entre os ocorridos em Atenas e a metade do sculo XX.12
As origens da histria moderna da justia de transio podem ser
encontradas na Primeira Guerra Mundial, embora ela passe a ser entendida
como extraordinria e internacional13 somente no ps Segunda Guerra,
com a derrota de Alemanha, Itlia e Japo em 1945, e a consequente ins-
talao do tribunal de Nuremberg (ainda que no exista unanimidade em
torno da pertinncia de se classificar o tribunal como uma forma de justia
de transio, os julgamentos por ele desenvolvidos tiveram profundo im-
pacto na estruturao das prticas de justia de transio que se seguiram),
12ELSTER, Jon.Closing the books:transitional justice in historical perspective, Nova York: Cam-bridge University Press, 2004, p. 3-4, 21-22, 24, 45-47.13TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy.op. cit., p. 69.
7 FEHER, Michel. Terms of reconciliation. In: HESSE, Carla; POST, Robert. Human rights in poli-tical transitions:Gettysburg to Bosnia. Nova York: Zone Books, 1999, p. 325.8 BICKFORD, Louis. Transitional justice, op. cit.; ICTJ. What is transitional justice?op. cit..9 BORAINE, Alexander L.. Transitional justice: a holistic interpretation.op. cit., p. 17-18.10 ZOLLER, Adrien-Claude. Transition and the protection of human rights. In: DEALING WITHPAST AND TRANSITIONAL JUSTICE: CREATING CONDITIONS FOR PEACE, HUMAN RIGHTSAND THE RULE OF LAW. Neuchatel, 24 e 25 de outubro de 2005, p. 78. (Paper)11LEEBAW, Bronwyn.Transitional justice, conflict and democratic change, op. cit., p. 16.
que nenhum grupo de cidados ser beneficiado pelo privilgio da impuni-
dade ou ser coletivamente responsabilizado com base em sua identidade.7
Ainda que devam ser compreendidas como processos longos, a nfa-
se das transies recai sobre momentos histricos determinados como, por
exemplo, o ocorrido no Chile em 1990, na frica do Sul em 1994, na Polnia
em 1997 ou no Timor Leste em 2001. Quando uma sociedade vira uma
nova pgina ou gesta um novo comeo, mecanismos de justia de transio
podem ajudar a fortalecer esse processo, assinala Bickford.8 Afinal, como
observa Boraine, uma transio a passagem de uma condio para outra; uma jornada nunca curta e frequentemente precria. Um pas em
transio um pas que est emergindo de uma ordem particular e que no
tem certezas sobre como responder aos desafios da nova (ordem), aponta
Boraine.9 Alm disso, nota Adrien-Claude Zoller, uma transio implica no
apenas em mudana de autoridades (uma situao realmente nova), como
tambm de vontade poltica e desejo de restaurar (ou instalar) a democracia
e o Estado de Direito a fim de que sejam implementadas obrigaes de direi-
tos humanos.10() estabelecer a legitimidade de um novo regime um dos
objetivos centrais de um processo de justia de transio, pontua Leebaw.11
A ideia de justia de transio to antiga quanto a prpria democra-
cia, acredita Jon Elster. O marco inicial seria a experincia ateniense, entre
411 e 403 a. C., quando a passagem da democracia para oligarquia, seguida
da volta dos democratas ao poder, foi acompanhada de medidas punitivas,
contra os oligarcas, e da promulgao de novas leis que visavam dissuadir
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estrutura da ento nascente justia de transio como maneira de forta-
lecer as novas democracias e responderam s obrigaes morais e legais
que o movimento de direitos humanos estava articulando, tanto na esfe-
ra domstica quanto na esfera internacional.16Os esforos de pases do
Leste europeu em lidar com violaes do passado abrindo, por exemplo,
os arquivos de antigas agncias de segurana, como os da alem Staats-
sicherheit, em 1991, tambm so apontados como fundamentais para o
debate em torno de como se atingir justia durante determinada transio
poltica. Em 1995, tendo por base experincias desenvolvidas na AmricaLatina e no Leste Europeu, foi a vez da frica do Sul estabelecer uma Co-
misso de Verdade e Reconciliao para lidar com os crimes do passado.
Desde ento, comisses de verdade se tornaram amplamente reconhe-
cidas como instrumentos de justia de transio e tem sido formadas em
diferentes partes do mundo, como Timor Leste, Gana, Peru e Serra Leoa.
Todas diferem dos primeiros modelos e muitas demonstram importantes
inovaes, completa o estudioso. A criao de tribunais ad hoc para a
antiga Iugoslvia e Ruanda, embora no especificamente designados ao
fortalecimento de transies democrticas, ampliou a jurisprudncia em
justia de transio e atingiu algumas importantes vitrias para a accoun-
tability. Alm disso, a ratificao do Tribunal Penal Internacional tambm
pode ser considerada um momento extremamente importante na histria
da justia de transio.17 Ao final do sculo XX, de acordo com Teitel, viu-se
a acelerao do fenmeno de justia de transio associado com a globa-
lizao e caracterizado por condies de elevada instabilidade poltica e
violncia. A justia de transio, acrescenta a autora, saiu da posio de
exceo norma para tornar-se paradigma de Estado de Direito.18
16 BICKFORD, Louis, op. cit.; ICTJ. What is transitional justice?,op. cit..17 Id.18 TEITEL, Ruti G.. Transitional justice genealogy.op. cit., p. 71.
o desenvolvimento de programas de desnazificao, na Alemanha, e a ela-
borao de legislao para compensar as vtimas do nazismo, primeiro sob
os auspcios dos Aliados e, mais tarde, do Parlamento da prpria Alemanha
ocidental. Mecanismos de justia de transio tambm foram adotados em
pases que estiveram sob a ocupao alem durante a guerra, como Blgica,
Dinamarca, Frana, Holanda e Noruega, e em alguns outros que colabora-
ram com o nazismo, como a ustria e a Hungria. Essa fase reflete o triun-
fo da justia de transio dentro do esquema da legislao internacional,
avalia Teitel, lembrando que o momento caracterizava-se por condies po-lticas nicas, que no persistiriam e nem se repetiriam posteriormente da
mesma maneira.14No entanto, como assinala Bickford, o arcabouo da justi-
a de transio s ganharia mais consistncia nos ltimos 25 anos do sculo
XX, especialmente com o incio dos julgamentos de antigos integrantes das
juntas militares, na Grcia, em 1975, e na Argentina, em 1983, quando sis-
temas judiciais domsticos tiveram xito ao processar autores intelectuais
de abusos do passado por seus prprios crimes. Sem dvida alguma, os
esforos na b