[Livro UFSC] Literatura Ocidental I

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Literatura Ocidental I Meritxell Hernando Marsal Florianópolis, 2012. Período

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Literatura Ocidental I

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  • Literatura Ocidental I

    Meritxell Hernando Marsal

    Florianpolis, 2012.

    3 Perodo

  • 3Governo FederalPresidente da Repblica: Dilma Vana Rousseff

    Ministro de Educao: Aloizio Mercadante

    Secretaria de Educao a Distncia (SEED/MEC)

    Universidade Aberta do Brasil (UAB)

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    Curso de Licenciatura em Letras-Espanhol na Modalidade a DistnciaDiretor Unidade de Ensino: Felcio Wessling Margotti

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  • 4Equipe Coordenao Pedaggica Licenciaturas a DistnciaEaD/CED/UFSC

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    Pricila Cristina da Silva

    Copyright@2012, Universidade Federal de Santa Catarina/LLE/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada sem a prvia autorizao, por escrito, da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Catalogao na fonte elaborada pela DECTI da Biblioteca Central da UFSC

    M363t Marsal, Meritxell Hernando 3 perodo : literatura ocidental I / Meritxell Hernando Marsal. Florianpolis : UFSC/CCE/LLE, 2012. 184p. : il.

    Inclui bibliografia UFSC. Licenciatura em Letras Espanhol na Modalidade a Distncia 1. Literatura Histria e Crtica. I. Ttulo. CDU:82.09

    ISBN:978-85-61483-62-3

  • 5Sumrio

    Unidade A - A Literatura Ocidental: primeiras definies ...................................... 11

    1 O que literatura e como estud-la ..............................131.1 Introduo .............................................................................................131.2 Da noo de Poesia noo de Literatura .................................171.3 Perspectivas de estudo .....................................................................181.4 Os nossos clssicos ...........................................................................20Resumo ...........................................................................................................23

    Unidade B - Os primrdios da Literatura Ocidental ......................................................... 25

    2 Origens ...........................................................................272.1 Introduo .............................................................................................27Resumo ...........................................................................................................32

    3 Literatura grega e latina ................................................333.1 Introduo .............................................................................................333.2 A cultura grega .....................................................................................333.3 A cultura romana .................................................................................353.4 Os mitos ..................................................................................................373.5 A Potica de Aristteles .....................................................................393.6 A poesia pica ......................................................................................403.7 A poesia dramtica .............................................................................433.8 A poesia lrica ........................................................................................513.9 Os romances da Antiguidade .........................................................55Resumo ........................................................................................................ 56

  • 64 A Literatura na Idade Mdia .........................................574.1 Introduo .............................................................................................574.2. O nascimento das lnguas modernas ..........................................574.3 As canes de gesta ...........................................................................604.4 A poesia trovadoresca .......................................................................61Resumo ...........................................................................................................71

    Unidade C - O Renascimento ....................... 73

    5 A transformao da forma de ver o mundo .................755.1 Introduo .............................................................................................755.2 Os modelos italianos: Dante, Petrarca, Boccaccio ...................775.3 A gesta do mar .....................................................................................79Resumo ...........................................................................................................96

    Unidade D - O Barroco .................................. 97

    6 A esttica barroca ..........................................................996.1 Introduo .............................................................................................996. 2 Cervantes e a criao do romance moderno ........................ 1026.3 O teatro como meio de expresso .............................................1046.4 O Barroco americano ......................................................................112Resumo ........................................................................................................118

    Unidade E - Literatura e modernidade ....121

    7 Ilustrao .....................................................................1237.1 Introduo ..........................................................................................1237.2 A Ilustrao na Frana .....................................................................1257.3 O cenrio ingls ................................................................................1287.4 No teatro: Goldoni ...........................................................................130Resumo ........................................................................................................131

  • 78 Romantismo .................................................................1338.1 Introduo ..........................................................................................1338.2 O Romantismo alemo...................................................................1368.3 O Romantismo Ingls .....................................................................1438.4 O Romantismo francs ...................................................................1478.5 O romantismo na Amrica: os relatos nacionais ................... 148Resumo ........................................................................................................150

    9 Realismo .......................................................................1539.1 Introduo ..........................................................................................1539.2 Romance realista e seus autores .................................................1549.3 Parnasianismo ...................................................................................158Resumo ........................................................................................................160

    10 Literatura e modernidade .........................................16110.1 Introduo ........................................................................................16110.2 Literatura e cidade: Baudelaire e Poe .....................................16210.3 O simbolismo ..................................................................................166Resumo ........................................................................................................175

  • 8

  • 9ApresentaoCara(o) estudante,

    Esta disciplina de Literatura Ocidental I tem por objetivo maior oferecer

    a voc uma breve introduo literatura ocidental, que sirva de embasa-

    mento para estudos futuros. O trajeto que empreendemos aqui longo e

    extraordinrio, como o de Ulisses, o protagonista da Odissia. O caminho

    todo um desafio: partimos das primeiras produes literrias da huma-

    nidade para chegar, no final da rota, ao limiar da nossa prpria poca, no

    fim do sculo XIX.

    Para realizar a viagem, vamos nos servir, como os bons navegantes, de uma

    corrente, a corrente da histria. De forma geral, nossas explicaes vo ser

    organizadas pela linha do tempo. Assim, depois de uma primeira unidade

    introdutria, conheceremos, na segunda unidade, as primeiras produes

    literrias no mundo ocidental, a literatura da antiguidade grega e latina, e a

    literatura da Idade Mdia; na terceira unidade, veremos o significado cultu-

    ral do Renascimento e sua literatura; na quarta unidade, exploraremos as

    produes literrias barrocas; finalmente, na quinta unidade, empreende-

    remos o estudo das primeiras expresses literrias da modernidade.

    Esta disposio no deve conceber-se rigidamente. A organizao crono-

    lgica responde ao fato de que as produes literrias, como fenmenos

    comunicativos que so, esto implicadas nas condies histricas, sociais e

    intelectuais nas quais surgem, e conformam um corpus cultural que vai ser

    relido continuamente. Desta maneira, as obras literrias no permanecem

    isoladas nos tempos e perodos em que aparecem, mas participam de uma

    complexa trama de elaboraes e releituras que afianam sua persistn-

    cia no tempo. Para que este processo contnuo de novas leituras possa ser

    apreciado, vamos ir assinalando reelaboraes contempornea das obras

    trabalhadas.

    O estudo que empreendemos aqui faz parte desse processo de recriar

    a literatura ocidental. Por isso, no curso da disciplina, vamos aperfeioar

    uma ferramenta que todos temos em mos: a leitura. Ela uma das por-

  • 10

    tas de entrada no universo literrio e um dos nossos principais recursos

    de pro duo de conhecimento. Na leitura atenta de diversas obras que

    marcaram a literatura ocidental, voc vai poder refletir sobre questes es-

    tticas e filosficas, experimentar os domnios da imaginao, comprovar

    a destreza no uso da linguagem. Para afianar suas estratgias de leitura,

    no final de cada unidade proporemos a anlise de um fragmento de uma

    das obras estudadas, junto com um roteiro que saliente as questes e as-

    pectos a serem pensados.

    Mas nesta viagem o principal encontro com o prazer do texto. Esta ex-

    presso foi criada pelo crtico francs Roland Barthes e ela encerra uma

    dupla experincia:

    Texto de prazer: aquele que contenta, enche, d euforia; aquele que vem

    da cultura, no rompe com ela, est ligado a uma prtica confortvel da

    leitura. Texto de fruio: aquele que pe em estado de perda, aquele que

    desconforta (talvez at um certo enfado), faz vacilar as bases histricas, cul-

    turais, psicolgicas do leitor, a consistncia de seus gostos, de seus valores

    e de suas lembranas, faz entrar em crise sua relao com a linguagem.

    (Barthes, 2006, p. 20-21)

    Esperamos que, ao final desta disciplina, voc tenha acrescentado sua ex-

    perincia e compreenso da literatura ocidental e, ao mesmo tempo, en-

    contrado nela o generoso prazer das palavras.

    Meritxell Hernando Marsal

  • Unidade AA literatura ocidental: primeiras definies

    Fonte: sxc.hu.com.br

  • Literatura Ocidental I

    12

  • O que literatura e como estud-la

    13

    Captulo 01

    1 O que literatura e como estud-la

    Neste captulo, estudaremos uma possvel definio do nosso objeto de es-tudo e a transformao do conceito de literatura ao longo da histria. Pen-saremos como estudar a literatura ocidental, no de forma enciclopdica, mas como seleo crtica. Finalizaremos com a pergunta de Italo Calvino, por que ler os clssicos?

    1.1 Introduo

    Antes de embarcarmos e comear a folhear as primeiras obras da literatura ocidental preciso partir de um bom porto.

    Por isso, antes de prosseguirmos com a leitura, reservamos um es-pao abaixo para que voc elabore uma primeira definio de literatura. Pode assinalar, tambm, algumas obras que considere como literrias.

    _____________________________________________________

    _____________________________________________________

    _____________________________________________________

    _____________________________________________________

    _____________________________________________________

    Provavelmente, voc elaborou uma ideia na qual estavam presentes os conceitos de fico, escritura, autor e livro. O grande protagonista da literatura na nossa poca o romance e, seguramente, voc anotou al-gum deles. Dom Quixote ou Cem anos de solido parecem definir o que

    O que a literatura? Quais obras podemos considerar como sendo literrias? Que formas apresentam? Quem que faz a literatura?

    Figura 1 - Gabriel Garcia

    Mrquez

    Fonte: http://tinyurl.com/6sft5o7

  • Literatura Ocidental I

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    o literrio para ns. Mas no foi sempre assim. A literatura caracteriza-se por uma grande diversidade de formas e meios, tanto nas suas origens como na atualidade. A seguir, esto propostos alguns exemplos. Assinale aqueles que voc acha que podemos incluir na esfera do literrio:

    Quantas obras literrias aparecem na lista? Cinco? Sete? Em efeito, todas e cada uma destas expresses podem ser consideradas como lite-rrias. Vamos ver por qu:

    a. Os Lusadas de Lus Vaz de Cames, escrito em 1554, pertence indiscutivelmente ao cnone da literatura ocidental. Na atuali-

    Figura 2- Edio de Cames, da

    editora L&PM

    Fonte: http://www.lpm.com.br

    a) Uma edio de bolso de Os Lusadas de Cames, publicada pela editora L&PM, na sua coleo L&PM pocket.

    b) Um show de Arnaldo Antunes, no V Festival Internacional de poesia de Berlim, em 2008.

    c) Um conto de Clarice Lispector, editado na revista feminina Mais nos anos 70.

    d) As composies improvisadas de dois poetas repentistas no centro de So Paulo.

    e) O espetculo Hamlet in Quarto, apresentado nos dias 11 e 12 de dezembro de 2011, na Igrejinha da UFSC, pelo grupo de pesquisa Teatro Novo, sob direo de Carmen Fossari.

    f) Um poema herico, recitado por um cantor ambulante, frente a um auditrio popular.

    g) Uma crnica semanal, publicada no blog Toda Quinta da escritora e jornalista Vssia Silveira.

    Para ver um fragmento do

    show de Arnaldo Antunes

    acesse: http://www.youtube.

    com/watch?v=uSw-w5tujx8.

    Para ouvir os repentistas na

    Praa da Repblica de So

    Paulo:http://www.youtube.

    com/watch?v=bCinKqmNDsA.

    Voc pode acessar o blog da

    Vssia Silveira neste endere-

    o: http://todaquinta.blogs-

    pot.com/.

    Para saber mais sobreClarice Lispector, visite sua

    pgina. Disponvel em:http://www.claricelispec-tor.com.br. Acesso em 1

    mar. 12.

  • O que literatura e como estud-la

    15

    Captulo 01

    dade, so feitas edies populares do livro que pem ao alcance de um amplo pblico o famoso poema.

    b. Arnaldo Antunes mais conhecido como cantor e msico do grupo Tits, mas tambm se desempenha como artista plstico e poeta. Em seus recitais, a poesia perde o formato clssico de rima e estrofe e aproveita as capacidades expressivas da imagem, do corpo e do som.

    c. Clarice Lispector, conhecida pelos seus romances, era tambm jornalista e nos anos 50 e 60 escreveu colunas femininas para diversos jornais, como o Correio da manh e O Comcio. Nelas dava conselhos de beleza, culinria, moda e sade e torcia pela emancipao da mulher. Os contos e as crnicas de Clarice pu-blicados nestes suplementos femininos e, portanto, dirigidos a um pblico especfico, que muitas vezes no conceituado como culto, so tambm literatura. No livro Correio Feminino, editado por Aparecida Nunes, em 2006, renem-se estes textos e alguns contos inditos publicados em revistas femininas da poca.

    d. A poesia popular, oral, improvisada, forma tambm parte do acervo literrio ocidental (no Brasil, Portugal, Mxico, Cuba so famosos os repentistas). Seu suporte no o livro, nem vai dirigida a um universo de leitores annimos e solitrios. Esta poesia interage com a audincia, incorpora-a aos versos, pro-fundamente rtmica, recriando com contedos sempre novos as estrofes tradicionais (dcima, oitavas, sextilhas).

    e. Esta encenao da obra Hamlet de William Shakespeare incor-pora a acurada traduo do texto ingls para o portugus fei-ta pelo professor Jos Roberto OShea. Caracteriza-se pela in-troduo de elementos do teatro japons na encenao e pela possibilidade que o pblico venha a fazer parte da pea. Neste exemplo, vemos como o texto literrio de Shakespeare ganha dimenses inditas na representao, incorporando elementos de outras artes.

  • Literatura Ocidental I

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    f. Esta forma literria a mais caraterstica da antiguidade clssi-ca. Os poemas homricos, a Odissia e a Ilada, eram recitados por poetas-cantores (os aedos), acompanhando-se pelo som de um instrumento musical, frente a um auditrio. A forma atual destes textos, em livro, no corresponde maneira como eram vivenciados quando compostos. Da mesma maneira, as canes de gesta medievais eram tambm recitadas oralmente. A obra que funda a literatura espanhola, El Cantar de mio Cid, poema annimo que narra as aventuras cavalheirescas de Rodrigo Daz de Vivar, era cantado por jograis itinerantes, e s conservamos uma verso transcrita do sculo XIII.

    g. Atualmente, a literatura no precisa do suporte em papel e o apoio de uma editora para chegar aos receptores. Sites e blogs na Internet consolidaram-se como uma plataforma de mlti-plas expresses literrias, que seus autores publicam de forma independente. Um bom exemplo o blog Toda quinta da Vssia Silveira, jornalista e escritora, que foi aluna do curso de letras espanhol da UFSC. Nele a autora publica uma crnica semanal de excelente qualidade literria.

    A partir destes exemplos, podemos traar uma definio ampla de literatura como artes da palavra. Esta pode ser oral ou escrita, em papel ou digital, perdurvel ou fugaz, como na atualizao cnica do Hamlet ou nos poemas repentistas. A ideia de artes da palavra define a literatura como processo comunicativo e nos indica que sua matria a linguagem, com predomnio da funo potica sobre as outras. Para isso, vamos re-lembrar alguns conceitos principais em relao s funes de linguagem.

    Jogral: Substantivo masculino:

    1 na Idade Mdia, at

    o sX, artista, ger. das classes

    mais humildes, que ganhava

    a vida divertindo o pblico,

    nos palcios ou nas praas

    pblicas, com stiras, mgi-

    cas, acrobacias, mmica etc.

    1.1 Rubrica: literatu-

    ra, msica. artista medie-

    val que cantava e recitava

    poesia; segrel [A partir do

    sX, os jograis comearam,

    juntamente com os menes-

    tris, a divulgar a poesia

    trovadoresca, cantando-a

    acompanhados de msica.]

    2 aps o sXIV, artista

    popular itinerante; saltim-

    banco, truo. Fonte: Houaiss

    Eletrnico 3.0

    Voc pode saber mais sobre

    os conceitos mencionados

    aqui no livro: Dellagnelo,

    Adriana de C. Kuerten. Intro-

    duo aos estudos da lingua-

    gem / Adriana de C. Kuerten

    Dellagnelo, Mary Elizabeth

    Cerutti Rizzatti . Florian-

    polis: LLE/CCE/UFSC, 2008.

    As funes da linguagem foram descritas e estudadas, entre outros, pelo linguista e psiclogo Karl Bhler, nos anos 30 e pelo linguista russo Roman Jakobson, nos anos 60. Bhler distinguiu trs fun-es (informativa, expressiva e apelativa) que intervm na mesma mensagem, apresentando-se hierarquizadas. Jakobson manteve a

  • O que literatura e como estud-la

    17

    Captulo 01

    1.2 Da noo de Poesia noo de Literatura

    As artes da palavra nem sempre foram chamadas de literatura. Este termo, que procede da palavra latina littera, que quer dizer letra, moder-no; s a partir do fim do sculo XVIII se comeou a falar em literatura.

    classificao de Bhler, dando-lhe novos nomes e acrescentando outras trs funes. As funes esto vinculadas a um dos fato-res que participam na comunicao (o remetente, o destinatrio, a mensagem, o cdigo, o contexto ou o contato), mas dependendo da finalidade do evento comunicativo uma se destaca das outras. As funes descritas por Jakobson so:

    Referencial (funo vinculada ao contexto)

    Emotiva (funo vinculada ao remetente)

    Conativa (funo vinculada ao destinatrio)

    Ftica (funo vinculada ao contato)

    Metalingustica (funo vinculada ao cdigo)

    Potica (funo vinculada mensagem)

    Em uma produo literria, a funo que se destaca a funo po-tica. As outras funes da linguagem (referencial, emotiva, etc.) podem estar presentes, mas a funo potica deve ser a dominante e indica que, em ltima instncia, a mensagem literria refere-se a si mesma e o modo em que ela se apresenta constitui sua natureza.

  • Literatura Ocidental I

    18

    Em pocas anteriores, o vocbulo que englobava todas aquelas re-alizaes verbais em que sobressaia o aspecto esttico era Poesia, deri-vado do termo grego poiein, que significa fazer. Sob esta noo geral se encontram, desde Plato e Aristteles, at o sculo XVIII, a produo lrica, pica e dramtica.

    A perdurabilidade da noo de poesia para se referir arte verbal nos indica que a diviso entre o oral e o escrito no era fundamental. O poder de criar estava no hlito, na respirao, que era onde residia o esprito (a palavra alma provem do termo grego anemos, que signifi-ca vento, sopro). Este predomnio da realizao oral das artes verbais prprio no s da poca fundacional da tradio ocidental, nas culturas grega e romana, mas tambm da Idade Mdia e do Renascimento. As-sim, para compreender grande parte da literatura ocidental devemos recuperar a voz, o gesto, o corpo e a msica. Estes elementos formavam parte da recepo das obras literrias, que sua fixao em papel, tal e como chegaram at ns, tem apagado.

    Na ltima metade do sculo XVIII se produz uma mudana na relao entre a obra, o autor, o gnero e o pblico. Esta mudana se fez visvel na substituio da noo de Poesia que passa a se referir criao lrica pela de Literatura. Graas ao desenvolvimento da imprensa e o aumento do pblico leitor, literatura, que como falamos provm do latim littera, aludir capacidade e experincia de leitura. Este termo abarcar o conjunto de gneros veiculados textualmente com finalidade esttica.

    1.3 Perspectivas de estudo

    A matria de nossa disciplina abarca 27 sculos de fazer literrio. Mas, afinal, como estudar tal amplitude de manifestaes e prticas? Faz-se evidente a impossibilidade de uma perspectiva enciclopdica que pretenda nomear a totalidade da literatura do perodo. O livro se tornaria um mero catlogo, mais semelhante a um guia telefnico que a um suporte para o estudo.

    Este complexo processo est

    explicado com detalhe no

    livro de Raymond Williams,

    Marxismo e Literatura. Rio

    de Janeiro: Zahar, 1979.

  • O que literatura e como estud-la

    19

    Captulo 01

    Assim, nossa perspectiva, forosamente panormica, vai ser parcial e crtica. Vamos ressaltar algumas obras que, ao serem lidas e reelabora-das uma e outra vez no decorrer dos tempos, participaram ativamente na configurao do sistema literrio ocidental. Portanto, a concepo do processo literrio dinmica. As obras no ficam imveis na po-ca e cultura em que surgem, mas vo se transformando em sucessivas leituras e tradues, transformando ao mesmo tempo a cultura que as acolhe. Desta maneira, configura-se um dilogo supranacional e inter-cultural, que define o fenmeno literrio.

    Ao mesmo tempo que nos aproximamos do contexto histricocultural das obras, devemos considerar sua especificidade esttico-for-mal (operao crtica que requer um conhecimento caracterstico de formas, gneros, mtrica, temas, processos narrativos, etc). Neste curso vamos introduzir apenas algumas noes que sero ampliadas em disci-plinas sucessivas. Mas para comear a experincia direta com os textos, no final de cada unidade, proporemos a anlise de um fragmento com um roteiro para guiar o comentrio.

    A ateno aos diversos movimentos literrios no deve passar a im-presso que estamos propondo modelos interpretativos fechados que dis-pensam a leitura das obras. Perodos como Renascimento e Barroco devem ser vistos como um horizonte de poca, que intervm na forma de perceber e conceber o mundo, e marca de modos diferentes as obras; os movimentos literrios no so uma receita que permita explicar sem ler, mas uma opera-o de compreenso cultural com uma finalidade cognitiva.

    Para estudar as diferentes obras preciso inseri-las no marco his-trico-cultural em que apareceram. As prticas literrias, que tm a linguagem como matria prima, so fenmenos sociais e vin-culam-se com o contexto histrico, econmico, filosfico, poltico e social de forma complexa. A recepo das obras tambm est impregnada por estes fatores. Assim, no o mesmo ler a Odissia hoje que h cem anos, no Brasil ou na Frana.

  • Literatura Ocidental I

    20

    Na descrio dos perodos e movimentos literrios tambm inter-vm a amplitude da literatura ocidental, que abarca as produes liter-rias da Europa e de grande parte da Amrica. Em cada lugar os perfis que definem um perodo podem variar muito: caso paradigmtico o do Romanticismo, que se inicia no sculo XVIII na Alemanha, com Goe-the, adquire um signo diverso na Frana com Victor Hugo, e ainda outro diferente na Amrica Hispnica, onde se vincula construo das novas naes independentes.

    Talvez o elemento mais caraterstico do ato literrio seja sua dimen-so comunicativa, que permite interaes em diferentes direes entre realidades e culturas diversas. Com isso, a literatura permite, como afir-ma Armando Gnisci, o dilogo, incessante e necessrio, das diferenas. (Gnisci, 2002, p. 17)

    1.4 Os nossos clssicos

    Durante este semestre, vamos estudar algumas das obras que tm sido consideradas clssicos da literatura ocidental. Denominadas as-

    Tambm necessrio assinalar que se a literatura ocidental teve to ampla repercusso no foi por acaso. O intercmbio entre as li-teraturas nem sempre foi equitativo. A cultura europeia teve muita influncia em todo o mundo devido ao poder poltico de algumas naes (Gr Bretanha, Frana, Espanha, Portugal, Estados Unidos) sobre outras. Ver os traos do colonialismo e a imposio cultural no contradiz o dilogo entre as literaturas, mas o refora de for-ma crtica. Assim, os personagens da obra de William Shakespeare A tempestade (Caliban, Ariel, Prspero) foram relidos e recriados de forma subvertedora em obras latino-americanas do sculo XX, como Une tempte do escritor da Martinica Aim Csaire, Calibn do cubano Roberto Fernndez Retamar, ou o monlogo teatral Caliban do brasileiro Marcos Azevedo.

    Figura 3 - William Shakespeare

    Fonte: http://ww.cm-pvarzim.pt/

    biblioteca/imgs/exposicoes/shakes-

    peare.jpg

  • O que literatura e como estud-la

    21

    Captulo 01

    sim, estas obras canonizadas parecem estar longe demais de quem se inicia na literatura. Mas o que converte um determinado livro em clssico?

    Na realidade, o que faz um livro devir um clssico no o consenso dos especialistas em literatura, mas sua releitura pertinaz, sua presena ao longo do tempo na imaginao dos leitores e criadores. Desta manei-ra, obras to antigas como a Odissia de Homero ou a Eneida de Virglio seguem vivas na sua releitura (que vai mudando dependendo do mo-mento histrico) e participam ativamente do fazer literrio.

    No seu clebre ensaio Por que ler os clssicos, Italo Calvino de-fine como clssicas aquelas obras distinguidas por leituras anteriores e que influem profundamente em uma cultura:

    Tambm Jorge Luis Borges refletiu sobre o que fazia que um livro fosse considerado exemplar. Para ele no se trata de que uma obra apre-

    Figura 4 - Obra de Italo Calvino

    Fonte: http://tinyurl.com/7gbdp73

    7. Os clssicos so aqueles livros que chegam at ns trazendo con-sigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrs de si os traos que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).

    Isso vale tanto para os clssicos antigos quanto para os modernos. Se leio a Odisseia, leio o texto de Homero, mas no posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar du-rante os sculos e no posso deixar de perguntar-me se tais signifi-cados estavam implcitos no texto ou se so incrustaes, deforma-es ou dilataes. Lendo Kafka, no posso deixar de comprovar ou de rechaar a legitimidade do adjetivo kafkiano, que costumamos a ouvir cada quinze minutos, aplicado dentro e fora de contexto. Se leio Pais e filhos de Turgueniev ou Os possudos de Dostoievski no posso deixar de pensar em como essas personagens continuaram a reencarnar-se at nossos dias. (Calvino, 2007, p. 11-12)

  • Literatura Ocidental I

    22

    sente determinadas caratersticas estticas; o ato annimo da leitura que configura um clssico:

    Borges assinala a complexa dimenso que alcana um livro clssico. Sua persistncia ao longo do tempo, a convergncia dos leitores nesse tex-to em particular, com misteriosa lealdade, fala-nos da capacidade des-tes livros de exprimir significados complexos para os homens e mulheres de diferentes pocas. Em outro fragmento do ensaio citado, Italo Calvi-no convida ao encontro pessoal com aqueles livros de que tanto ouvimos falar e que ainda no conhecemos. Por muitas informaes prvias que possuamos, estes livros vo se mostrar sempre surpreendentes:

    Clsico es aquel libro que una nacin o un grupo de naciones han decidido leer como si en sus pginas todo fuera deliberado, fatal, profundo como el cosmos y capaz de interpretaciones sin trmino. Previsiblemente, esas decisiones varan. Para los alemanes y austr-acos el Fausto es una obra genial; para otros, una de las ms famo-sas formas del tedio, como el segundo Paraso de Milton o la obra de Rabelais. Libros como el de Job, la Divina Comedia, Macbeth (y, para m, algunas de las sagas del Norte) prometen una larga inmortalidad, pero nada sabemos del porvenir, salvo que diferir del presente. Una preferencia bien puede ser una supersticin. [...] Clsico no es un libro (lo repito) que necesariamente posee tales o cuales mritos; es un libro que las generaciones de los hombres, urgidas por diversas razones, leen con previo fervor y con una mis-teriosa lealtad. (Borges, 1980, p. 302-3)

    9. Os clssicos so livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inditos.

    Naturalmente, isso ocorre quando um clssico funciona como tal, isto , estabelece uma relao pessoal com quem o l. Se a centelha

  • O que literatura e como estud-la

    23

    Captulo 01

    Quais sero os seus clssicos? Esperamos que no final desta disci-plina, voc tenha visitado e adotado alguns deles na sua biblioteca pessoal.

    Resumo

    Neste captulo, ensaiamos uma primeira definio de literatura como artes da palavra. Vimos como o conceito foi mudando ao longo do tempo, sendo chamado, primeiramente, de Poesia, para tomar o nome de Literatura no fim do sculo XVIII. Finalmente, frente a pergunta de que estudar dentro de um panorama to amplo, assinalamos a impor-tncia de reparar naquelas obras que constituem um legado vivo para os leitores atuais.

    no se d, nada feito: os clssicos no so lidos por dever ou por respeito mas s por amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que voc conhea bem ou mal um certo nmero de clssicos dentre os quais (ou em relao aos quais) voc poder depois reconhecer os seus clssicos. A escola obrigada a lhe dar instrumentos para efetuar uma opo: mas as escolhas que contam so aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola. s nas leituras desinteressa-das que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o seu livro. Conheo um excelente historiador da arte, homem de inme-ras leituras e que, dentre todos os livros, concentrou sua preferncia mais profunda no Documentos de Pickwick e a propsito de tudo cita passagens provocantes do livro de Dickens e associa cada fato da vida com episdios pickwickianos. Pouco a pouco ele prprio, o universo, a verdadeira filosofia tomaram a forma do Documento de Pickwick numa identificao absoluta. Por essa via, chegamos a uma ideia de clssico muito elevada e exigente:

    10. Chama-se de clssico um livro que se configura como equiva-lente do universo, semelhana dos antigos talisms. (Calvino, 2007, p. 12-13)

  • Literatura Ocidental I

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    Dica de Leitura

    BORGES, Jorge Luis. Sobre los clsicos. In: Otras inquisiciones. Prosa completa, II. Barcelona: Bruguera, 1980.

    CALVINO, Italo. Por que ler os clssicos. So Paulo: Companhia das letras, 2007.

  • Unidade BOs primrdios da literatura ocidental

    Fonte: http://www.visitgreece.gr/deployedFiles/StaticFiles/Photos/FAV_Acropolis_510.jpg

  • Literatura Ocidental I

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  • Origens

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    Captulo 02

    2 Origens

    Neste captulo, estudaremos as primeiras manifestaes literrias conser-vadas que influram na configurao da literatura ocidental. Trata-se da literatura sumria, egpcia e hebraica.

    2.1 Introduo

    Podemos afirmar que a criao com palavras constitutiva das comunidades humanas. Em todas as culturas pode assinalar-se a existncia de uma forma de linguagem na qual predomina a funo potica.

    As primeiras criaes estavam vinculadas s prticas cotidianas e religio. Tratava-se de relatos e canes imbricadas no trabalho coletivo ou referidas s divindades que guardavam os ciclos da vida das pessoas. Das primeiras criaes literrias difcil ter informaes, pois transmitidas oralmente ou escritas em materiais perecveis, a maioria no chegou at ns. Mas podemos situar a origem da literatu-ra ocidental a partir das referncias e textos que chegaram at ns, que datam de 5.000 anos atrs.

    Sabemos que a humanidade teve sua origem no continente africa-no. As primeiras sociedades complexas se desenvolveram no norte da frica e no Oriente Mdio: foram as civilizaes mesopotmica, egpcia e hebraica. Elas deixaram algumas produes literrias que tm marca-do a literatura ocidental.

  • Literatura Ocidental I

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    Da regio da Mesopotmia, no territrio que hoje corresponde ao Iraque, procede uma das primeiras obras que chegou at ns, a Epopeia de Gilgamesh ou Poema de Gilgamesh, criado, aproximadamente, 2.700 anos a. C. e escrito em torno do ano 2.000 a. C. Em um primeiro mo-mento, este conjunto de lendas foi transmitido de forma oral; posterior-mente, foi gravado em tbuas de argila mediante a escrita cuneiforme, caracterstica desta civilizao.

    A escrita cuneiforme (do latim cuneum, que significa cunha) foi desenvolvida pelos sumrios, um dos povos que habitavam a Mesopot-mia, no final do IV milnio a. C., e designa um tipo de escrita feita com objetos em formato de cunha em tabuletas de argila. Este tipo de escrita difundiu-se amplamente pela regio e foi adotada por outros povos da Sria, Prsia e sia Menor.

    Figura 5 - Mapa com as regies onde se instalaram as primeiras civilizaes e suas cidades

    Fonte: http://www.ohistoriador.com.br

  • Origens

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    Captulo 02

    A verso do Gilgamesh que conservamos encontra-se fixada de for-ma parcial em doze tbuas de argila, encontradas no sculo XIX, na bi-blioteca do rei assrio Ashurbanipal, que reinou de 668 a 627 a. C. Trata--se de uma narrativa heroica, que refere as aventuras do rei Gilgamesh e do seu amigo Endiku, que enfrentam monstros e deuses.

    A civilizao egpcia teve um grande desenvolvimento e perdurou durante quase trs milnios, desde 2700 a.C. dominao romana no ano 30 a.C. A sua lngua e sistema de escrita foi conhecida no sculo XIX graas Pedra Rosetta. Esta foi encontrada por um soldado francs que participava na expedio de Napoleo ao Egito. A pedra continha trs verses de um mesmo texto: em grego antigo, em escrita hierogl-fica egpcia e em demtico (verso simplificada e posterior do egpcio). A partir deste extraordinrio achado, Jean Franois Champollion con-seguiu decifrar, em 1822, a escrita egpcia e ter acesso aos textos dessa extraordinria civilizao.

    Figura 6 - Tbua de argila gravada com a escrita cuneiforme

    Fonte: http://www.britannica.com

    Alguns dos episdios do Gil-

    gamesh esto presentes em

    obras posteriores: assim,

    narrada uma histria do dil-

    vio, que pode ter infludo no

    relato bblico, e rasgos das

    figuras dos heris aparecem

    nos relatos picos gregos.

  • Literatura Ocidental I

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    A escrita hieroglfica contempornea da escritura cuneiforme mesopotmica. Trata-se de uma escrita que representa o significado das palavras atravs de figuras ou smbolos, e no mediante signos fon-ticos. Podia ser gravada em pedra ou, mais geralmente, pintada sobre papiros (espcie de papel feito com uma planta aqutica comum no rio Nilo, no Egito). Devido fragilidade deste suporte, devemos considerar que o que chegou at ns foi uma pequena parte do material literrio do antigo Egito.

    A literatura egpcia antiga mostra grande riqueza e variedade. So relevantes os textos sapienciais, hinos e poemas religiosos, lamentaes, profecias, epstolas e autobiografias. Uma das obras mais salientes as Aventuras de Sinuhe (aproximadamente do ano 1800 a.C.), que narra em primeira pessoa a fuga de Sinuhe do Egito e descreve de forma rea-lista costumes, lugares e personagens. Esta histria inspirou um relato do escritor egpcio Naguib Mahfouz, que ganhou o prmio Nobel em 1988.

    O Livro dos mortos, talvez a obra mais conhecida desta literatura, um texto funerrio que registra crena egpcia na transcendncia da alma do defunto. O livro rene procedimentos e frmulas para guiar os mortos at outra vida. Literalmente, seu nome egpcio significa livro para sair ao dia.

    Figura 7 - Fragmento de O Livro dos mortos, com a escrita hieroglfica

    Fonte: http://tinyurl.com/pjcdfc

  • Origens

    31

    Captulo 02

    Entre a literatura sapiencial destaca-se o Ensinamento de Amene-mope, que teria marcado, tambm, a literatura hebraica, especialmente, o Livro dos Provrbios da Bblia.

    A poesia dos antigos egpcios chegou at ns na traduo do poeta Paulo Leminski, no livro Fogo e gua na terra dos deuses. Poesia egpcia antiga. So Paulo: Expresso, 1987.

    A literatura hebraica se conserva em um dos livros mais lidos e traduzidos do mundo: a Bblia. O nome, que procede do grego e signi-fica livros, j a assinala como a fonte de numerosas bibliotecas. George Steiner ressalta sua importncia para a literatura:

    No Antigo Testamento, recopilam-se textos heterogneos da cultu-ra hebraica que datam do sculo XI ao sculo II a. C., de grande quali-dade literria. Entre eles, destacam-se pela marca que deixaram na lite-ratura ocidental, os Salmos e o Cantar dos Cantares, no qual San Juan de la Cruz (1542-1591) se baseou para compor seu Canto Espiritual, uma das obras mais destacadas da poesia mstica espanhola.

    Trata-se do livro que define, e no apenas para a civilizao oci-dental, o conceito de texto. Todos os nossos outros livros, por mais diferentes que sejam seus assuntos e sua organizao, relacionam--se, ainda que indiretamente, a este livro dos livros. Relacionam-se aos fatos de seu discurso articulado, seu texto dirigido ao leitor, confiana nos recursos lxicos, gramticos e romnticos que a Bblia origina e desenvolve em nvel de prodigalidade jamais ultra-passado. Todos os demais livros, sejam eles de histrias, narrativas de fatos imaginrios, cdigos de lei, tratados de moral, poemas lricos, dilogos dramticos, meditaes teolgico-filosficas, so como fagulhas, por vezes distantes, lanadas por incessantes laba-redas de um fogo central. (Steiner, 2001, p. 51)

  • Literatura Ocidental I

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    Resumo

    Neste captulo, vimos rapidamente algumas das obras literrias das civi-lizaes antigas que chegaram at ns. Destacam-se:

    - A epopeia de Gilgamesh, na cultura da Mesopotmia.

    - As Aventuras de Sinuhe, o Livro dos mortos e Ensinamento de Amene-mope, na cultura egpcia.

    - A Bblia, na cultura hebraica.

    Dica de Leitura

    Anonimo. A Epopeia de Gilgamesh. Sao Paulo: Martins Fontes, 1992.

    Ellis, Stephenson Caticha. A pica de Gilgamesh. Disponvel em: http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=5&rv=Literatura, acessado em 31/01/12.

    Leminski, Paulo. Fogo e gua na terra dos deuses. Poesia egpcia anti-ga. So Paulo: Expresso, 1987.

    Steiner, George. Nenhuma paixo desperdiada. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    3 Literatura grega e latina

    Neste captulo, estudaremos as culturas grega e romana. Para isso, depois de uma breve introduo ao contexto histrico em que surgiram, referi--nos-emos mitologia que compartem e que constitui o bojo da sua pro-duo literria. Finalmente, a partir da Potica de Aristteles, faremos referncia s principais obras destas literaturas.

    3.1 Introduo

    Para abordar as literaturas grega e latina, chamadas comumente de literaturas clssicas, vamos nos servir de um dos textos mais influen-tes na literatura ocidental, a Potica de Aristteles. Esta obra foi lida cuidadosamente desde a poca grega e alcanou uma grande difuso, sobretudo, no Renascimento, quando foi traduzida s diferentes lnguas europeias e estudada rigorosamente. A sua marca perdurou at o sculo XVIII, com a Ilustrao e o Classicismo, perodo em que adquiriu quase um carter normativo.

    O intuito de ler a literatura do perodo a partir da Potica destacar a questo dos gneros literrios e ressaltar a continuidade entre as obras gregas e romanas. Os romanos consideravam-se herdeiros da cultura grega e adotaram suas formas, religio e modos criativos, mas souberam dar uma marca prpria sua recepo.

    3.2 A cultura grega

    O nascimento da cultura grega teve lugar na atual pennsula bal-cnica e podemos dat-la, aproximadamente, do ano 1100 a.C. at a conquista romana de 146 a.C. Os gregos no constituam uma nao unificada. Tratava-se de comunidades instaladas em diferentes cidades--estados, chamadas polis, com leis, calendrio e moeda prprias. O que

  • Literatura Ocidental I

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    os vinculava era a lngua, a religio e a cultura comuns. A cultura grega destaca-se pela perfeio de suas criaes nos diversos mbitos, a ar-quitetura, a escultura, a cincia, a filosofia, a histria e a literatura. Sua influncia em pocas posteriores to grande que a cultura grega se considera como a base da cultura ocidental.

    Dentre as cidades destaca-se Atenas, que durante a poca de Pri-cles (sculo V a. C.) teve um grande desenvolvimento em todas as esfe-ras: nela se consolidou o sistema democrtico, em que Pricles se desta-cou como governante, promovendo as artes e o pensamento. Assim se reuniram em Atenas o escultor Fdias, o arquiteto Hipdamo de Mileto, o historiador Herdoto, os filsofos Demcrito e Anaxgoras. Na lite-ratura, destacou-se o grande impulso dado ao teatro. Pricles o favo-receu com uma srie de medidas, como o estabelecimento de grandes concursos e o apoio econmico por parte dos cidados mais abastados. Nesta poca, destacam-se as criaes de squilo, Sfocles, Eurpides e Aristfanes, das quais falaremos a seguir.

    A civilizao grega se estendeu pelo Mediterrneo, a partir de col-nias comerciais independentes estabelecidas no sul da Itlia, sul da Fran-a, Siclia, Pennsula Ibrica, o norte da frica e as costas do mar Negro.

    A instabilidade poltica permeou a Grcia desde o sculo IV a. C. em que os macednios (reino situado ao norte) se fizeram com o con-

    Figura 8 - Hlade: O mundo grego

    Fonte: http://tinyurl.com/887d3vm

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    trole das cidades gregas. Trata-se do perodo Alexandrino. No sculo II a. C., os exrcitos romanos anexaram a Grcia ao seu territrio. Mas, in-versamente, a influncia cultural da Grcia sobre Roma era dominante.

    3.3 A cultura romana

    A cultura romana procede do centro da Pennsula Itlica. Ao con-trrio dos gregos, uma nica cidade, Roma, foi adquirindo o predom-nio sobre outros povos. Destaca-se nos romanos o impulso expansio-nista. Chegaram a conquistar um territrio de 6,5 milhes de km em torno ao mar Mediterrneo. Os romanos praticavam uma poltica de assimilao, impondo sua lngua, o latim, e suas formas de vida nos ter-ritrios conquistados, patentes at o dia de hoje.

    Um perodo excepcionalmente criativo foi o do Imperador Augus-to (27 a C. 14 d. C.), que protegeu os artistas, atravs de seu conse-lheiro Mecenas. o momento em que aparecem as grandes criaes de Virglio, Horcio e Ovdio.

    Dois momentos da histria romana so fundamentais para o desti-no do mundo ocidental:

    Figura 9 - Mapa da expanso do Imprio romano

    Fonte:http://www.historiadomundo.com.br/romana/mapa-do-imperio-romano.htm

  • Literatura Ocidental I

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    No seguinte quadro, de acordo o autor Salvatore DOnofrio, indicamos as principais etapas da literatura greco-romana (DONOFRIO 1990, p. 26)

    1) No ano 313, o Imperador Constantino termina com a perseguio ao cristianismo e posteriormente, Teodsio I o declara religio oficial. Constantino dividiu o Imprio Romano em duas partes, o Imprio do Ocidente (capital Roma) e o Imprio do Oriente (capital Constantino-pla, atual Istambul).

    2) No ano 476 o Imprio Romano de Ocidente, que padecia uma gran-de instabilidade poltica, tanto interna, como a provocada pela extenso de suas fronteiras, vai ser invadido por exrcitos germnicos do Norte da Europa. o que se conhece como a queda do Imprio Romano. O Imprio Oriental (ou Imprio Bizantino) perdurar at o ano 1453.

    LITERATURA GRECO - ROMANA

    PERODO ARCAICO OU DAS ORIGENS(Do Sc. VIII ao V A.C.)

    PERODO TICO OU DE ATENAS(De 480 a 323 A.C.)

    PERODO HELENSTICO(Do Sc. III ao V D.C.)

    PERODO ARCAICO OU DAS ORIGENS(Sc. II A.C.)

    PERODO UREO(101 A.C. a 14 D.C.)

    Nascimento de Csar

    PERODO IMPERIALOU DA DECADNCIA (14 a 313 D.C.)

    Edito de Milo, doImperador Constantino

    PERODO CRISTO (313 a 476 D.C.)

    Queda do ImprioRomano do Ocidente

    PERODO DE CSAR(101 a 44 A.C.)

    PERODO DE AUGUSTO(44 A.C. a 14 D.C.)

    Morte de Csar

    Morte de Augusto

    Batalha de Salamina:Vitria grega sobre os persas

    Morte de Alexandre, o Grande

    ALEXANDRINO(Do Sc. III A.C. ao V D.C.

    ROMANO(Do Sc. II A.C. ao V D.C.

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    3.4 Os mitos

    Um dos elementos essenciais para compreender a literatura grega e latina, e mais ainda, aquela que se inspirou diretamente nela, como a do Renascimento ou do Classicismo, so os mitos. Estes procedem da religio grega e foram adotados, com outros nomes, pelos romanos.

    Os mitos gregos so histrias fabulosas das quais participam deu-ses e homens de ascendncia divina. A partir deles, os gregos explica-vam ritualmente as origens do seu mundo: os fenmenos naturais, o comportamento humano, a histria remota.

    Os deuses gregos apresentam forma humana e condensam os vcios e as virtudes dos homens e mulheres. Como so expresses da essncia humana, apesar de ter poderes especficos e ser imortais, padecem das mesmas vicissitudes e reveses que aqueles que lhes rendem culto. E por sobre o poder divino, o Destino se impe inexoravelmente.

    Alguns dos deuses gregos mais representativos so (entre parnte-ses assinalamos o nome romano):

    Zeus (Jpiter), o deus mais poderoso, pai dos deuses e dos homens, deus do cu.

    Hera (Juno), esposa de Zeus, deusa da fecundidade e da fideli-dade, representa o princpio feminino.

    Atena (Minerva), filha de Zeus, deusa da guerra e da sabedoria.

    Afrodite (Vnus), filha de Zeus, deusa da beleza e do amor.

    Apolo, filho de Zeus, deus da luz; ele o encarregado de condu-zir o carro do Sol durante o dia e guard-lo ao anoitecer.

    Posidon (Netuno), irmo de Zeus, deus dos mares.

  • Literatura Ocidental I

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    Hades (Pluto), irmo de Zeus, deus dos infernos.

    Demter (Ceres), irm de Zeus, deusa da terra e da agricultura.

    Ares (Marte), filho de Zeus e Hera, deus da guerra e da violncia.

    Dioniso (Baco), filho de Zeus, deus do vinho; personifica o ins-tinto, a subverso da ordem, o prazer e a inverso dos valores.

    Hermes (Mercrio), filho de Zeus, mensageiro dos deuses, pa-trono das viagens e do comrcio.

    rtemis (Diana), filha de Zeus, deusa da caa e da virgindade, considerada tambm a deusa da lua.

    Eros (Cupido), filho de Afrodite e Ares, deus do amor.

    Figura 10 - O nascimento de Vnus pintado por Sandro Botticelli no sculo XV

    Fonte: http://www.wallpaperweb.org/wallpaper/drawing/the-birth-of-venus-botti-

    celli_25906.htm

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    3.5 A Potica de Aristteles

    Aristteles escreveu a Potica em Atenas, aproximadamente, entre os anos 335 e 323 a. C. Nela se prope abordar a produo potica em si mesma e em seus diversos gneros, dizer qual a funo de cada um deles (Aristteles, p. 1).

    Como j vimos na poca grega, a palavra poesia aludia s diversas formas literrias. Portanto, o que apresenta Aristteles uma descrio da literatura do seu tempo. Para os gregos, na imitao fundava-se a criao; ela consiste em uma faculdade caracteristicamente humana, que de forma prazerosa permite a aquisio de conhecimento e leva refle-xo. A imitao potica tem, assim, um carter filosfico e permanece no universal (Aristteles, p. 14). A criao artstica vincula-se, ento, imi-tao e no originalidade; este conceito perdurar at o sculo XVIII.

    De certa maneira, Aristteles j desenha a grande diviso das for-mas literrias nas trs grandes categorias ou gneros que conhecemos:

    As formas picas, ou formas narrativas, das quais Homero o grande representante.

    As formas dramticas, em que se apresenta uma ao direta-mente a partir da fala dos personagens, e que inclui a tragdia e a comdia.

    As formas lricas, em que se incluem composies em diferen-tes tipos de versos, nas quais o poeta exprime sentimentos hu-manos.

    Aristteles caracteriza a literatura como uma arte da imitao (mi-meses), realizada mediante a linguagem, o ritmo e a harmonia.

  • Literatura Ocidental I

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    Na Potica, Aristteles descreve, sobretudo, a tragdia e traz alguns apontamentos para compreender a pica; originalmente, a obra estaria composta por duas partes, mas a segunda, que tratava sobre a comdia e a poesia imbica, se perdeu.

    A Potica de Aristteles teve uma grande repercusso no s no mun-do antigo. Na Idade Mdia, ela foi traduzida do grego ao rabe (a verso mais famosa a de Averris no sculo XII), e a partir do rabe ao latim, a lngua dos letrados medievais. Mas sua grande autoridade chega no Re-nascimento. Na Itlia, foram feitas vrias tradues e comentrios da obra, como a de Giorgio Valla (1498), em Veneza, ou a de Francesco Robortello (1548), que influiro grandemente na forma de ver a literatura na poca.

    3.6 A poesia pica

    Homero o grande autor da poesia pica, continuamente elogia-do por Aristteles. So atribudas a ele as duas obras fundamentais da epopeia grega, a Ilada e a Odissia, compostas no sculo VIII a. C. Mas a figura de Homero controversa. Tradicionalmente, foi imagina-do como um poeta cego, personificao do aedo, cantor que recitava nas cortes gregas os poemas picos que compunha acompanhando-se do forminx, uma espcie de lira. Mas a escassez de dados sobre este autor e a anlise estilstica das obras levou aos especialistas a pensar que este nome poderia abrigar uma pluralidade de autores. Salvatore DOnofrio refere uma interpretao possvel: durante o sculo X a. C., na regio da Inia apareceram toda uma srie de lendas e cantos pi-cos em relao ao longo stio dos gregos cidade de Troia. Homero teria reunido e dado forma artstica a este material pico primitivo (Donofrio, 1990, p. 28).

    importante reparar que na poca grega todos estes gneros se ex-pressavam em verso. A especializao do verso para as obras lricas e da prosa para as narrativas bem posterior.

    Para baixar a Potica de Arist-teles, em sua verso completa, visite o Portal Domnio Pblico. Disponvel em: http://www.do-miniopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_

    action=&co_obra=2235. Acesso em: 5 fev. 12.

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    A Ilada uma obra cheia de aventuras e combates que conta a lon-ga guerra dos exrcitos gregos para conseguir tomar a cidade de Tria. A causa da guerra o rapto da rainha grega Helena, esposa de Menelau, por parte do prncipe troiano Pris.

    Grande nmero de heris e lances guerreiros aparecem nesta obra. Entre os heris gregos, encontram-se Aquiles (filho da ninfa marinha Ttis e invulnervel em todo o corpo exceto no calcanhar) e Ptroclo. Os dois representam a fortaleza da amizade. A morte de Ptroclo nas mos do troiano Heitor desencadeia a ira de Aquiles e o fim da cidade. Tambm participam da guerra Agammnon, chefe dos gregos inimista-do com Aquiles, e Odisseu (Ulisses, no seu nome latino), caraterizado pela prudncia e a astcia.

    Os deuses dividem seu favor entre uma e outra nao. Poseidon e Atena so favorveis aos gregos e Afrodite aos troianos. A disposio dos deuses determina ento a sorte dos seres humanos, que dependem da vontade divina.

    Estes so os versos iniciais da Ilada:

    Canta-me, deusa, do Peleio Aquiles

    A ira tenaz, que, lutuosa aos Gregos,

    Verdes no Orco lanou mil fortes almas,

    Corpos de heris a ces e abutres pasto:

    Lei foi de Jove, em rixa ao discordarem

    O de homens chefe e o Mirmidon divino.

    Se a Ilada tem sido descrita como uma obra de juventude, a Odis-sia remeteria maturidade do autor. A obra narra as peripcias que

    Os dois poemas apresentam uma grande sofisticao. O autor tem pleno domnio da fbula relatada e dos seus instrumentos poti-cos, como no deixa de destacar Aristteles.

    Para ler a Ilada, de Homero, na traduo de Manoel Odo-rico Mendes, visite a pgina do Ebooks Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 5 fev. 12.

  • Literatura Ocidental I

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    vive o heri grego Odisseu, depois da guerra de Troia, para voltar sua ptria taca. Nela o espera a sua esposa Penlope, assediada por preten-dentes ao trono convencidos da morte de Odisseu. A viagem dura dez anos, em que o heri deve enfrentar mltiplas provas e seres fantsticos, como o gigante de um s olho Polifemo, a bruxa Circe e as sereias. Nesta obra, a astcia de Odisseu consegue superar o capricho dos deuses, e se respira um esprito mais humano e otimista.

    Italo Calvino destaca o carter fundador do retorno, na imaginao e na vida, de Odisseu:

    Dentre as reelaboraes contemporneas da Odissia, destaca-se o monumental romance Ulisses, do irlands James Joyce, publicado em 1922. As aventuras de Odisseu esto trasladas cidade de Dublin do comeo de sculo XX e vividas em clave burlesca e em um lapso de 24 horas pelo personagem Leopold Bloom.

    Figura 11 - Encontro de Ulisses e as sereias, pintado por John William Waterhouse

    Fonte:http://tinyurl.com/82vg7cg

    Ser que a Odissia no o mito de todas as viagens? Talvez para Ulisses-Homero a distino mentira/verdade no existisse, talvez ele narrasse a mesma experincia ora na linguagem do vivido ora na linguagem do mito, como ainda hoje para ns cada viagem, pe-quena ou grande, sempre Odissia. (Calvino, 2007, p. 24).

    Para ler a Odisseia, de Home-ro, na traduo de Manoel

    Odorico Mendes, visite a pgina do Ebooks Brasil.

    Disponvel em: . Acesso em: 5 fev. 12.

    Figura 12 - Ulisses, de James

    Joyce.

    Fonte: http://tinyurl.com/6wdbyb8

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    A Odissia foi traduzida para o latim por Lcio Lvio Andrnico (284-204 a. C.), introduzindo na literatura latina a poesia pica. Mas quem foi capaz de responder a Homero desde a cultura romana foi Virglio (70-19 a. C.) com a Eneida. Este poema pico tambm parte da Guerra de Troia, mas o protagonista da ao o troiano Enas, apresentado como ancestre do povo romano. Antes da completa des-truio da cidade, Enas foge e consegue chegar, depois de diversas aventuras, na Itlia. L dever lutar para conseguir ser reconhecido como rei. Em certa maneira, a Eneida contm a estrutura dos livros homricos: a primeira parte, configura uma Odissia e a segunda, uma Ilada. Assim, Virglio se apropria dos grandes modelos gregos para oferecer aos romanos a fbula das suas origens, colocando a cultura romana em p de igualdade com a grega.

    Virglio levou onze anos para escrever sua obra, que foi publicada depois de sua morte pelo imperador Augusto, a quem o autor presta homenagem. O reconhecimento e a popularidade do poema foram ime-diatos e sua influncia posterior imensa. Dante fez de Virglio o per-sonagem que guia o protagonista pelos diversos espaos da sua Divina Comdia. Tambm a Eneida foi um modelo fundamental para Cames na elaborao de Os Lusadas.

    J no sculo XX o escritor alemo Hermann Broch relata os lti-mos dias da vida do autor latino no seu extraordinrio romance A morte de Virglio de 1940.

    3.7 A poesia dramtica

    A palavra teatro procede do termo grego theatron, que significa lugar para ver. Desde essa etimologia o teatro pode ser definido como um processo comunicativo em que um ator realiza uma ao frente a um pblico que o contempla. Assim, o teatro constitui um fenmeno literrio e espetacular, na sua dupla dimenso de texto escrito e re-presentado.

    Para ler a Eneida, de Virglio, na traduo de Manoel Odo-rico Mendes, visite a pgina do Ebooks Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 5 fev. 12.

  • Literatura Ocidental I

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    O teatro grego, nos seus incios, est vinculado religiosidade, especificamente ao culto do deus Dioniso, que apresentava danas e hinos recitados por um coro. Este gnero chamou-se ditirambo. No sculo VI a. C., Tespis introduziu nestas prticas a figura central do ator: assim nasceram os gneros dramticos. Sobre o modelo dos co-ros populares surgiram peas que abordavam temas elevados, sobre o destino e a morte, que deram origem tragdia; mais tarde, a partir de uns versos jocosos em honra a Dioniso, o Komos, apareceriam peas que tratavam de temas festivos e satricos, dando origem comdia (DOnofrio, 1990, p. 67).

    Aristteles diferencia claramente entre a tragdia e a comdia pelo objeto imitado:

    Assim, na tragdia so imitados deuses e heris, em uma lingua-gem nobre e elevada; na comdia, so representados homens comuns, com inteno satrica (mostrar o ridculo). Para Aristteles o intuito principal da tragdia era mover o espectador ao medo ou compaixo:

    Assim, o efeito da contemplao da tragdia era um verdadeiro movimento espiritual, chamado de catarse. Outro elemento que destaca Aristteles na tragdia a funo do coro:

    tambm essa diferena o que distingue a tragdia da comdia: uma se prope imitar os homens, representando-os piores; a outra os torna melhores do que so na realidade. (Aristteles, p. 3).

    A tragdia a imitao de uma ao importante e completa, de certa extenso; deve ser composta num estilo tornado agradvel pelo emprego separado de cada uma de suas formas; na tragdia, a ao apresentada, no com a ajuda de uma narrativa, mas por atores. Suscitando a compaixo e o terror, a tragdia tem por efeito obter a purgao dessas emoes (Aristteles, p. 8)

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    O coro intervinha nas tragdias com msica e dana e realizava um comentrio das aes representadas, interrogando ou apoiando o ator, rodeando-o fisicamente, participando atravs de suas interpretaes: re-presentava a coletividade humana no seu esforo por compreender os acontecimentos. O coro tinha um lder, o corifeu, que dirigia a dana e o canto, e dialogava com os atores.

    Para o crtico francs Roland Barthes, nessa interrogao das aes e do destino est o fundamento da tragdia grega:

    Tal es la estrutura del teatro griego. La alternancia orgnica en-tre la cosa interrogada (la accin, el escenario, la palabra dram-tica) y el hombre que interroga (el coro, el comentario, la palabra lrica). Y esta estrutura suspendida corresponde a la distancia misma que separa el mundo de las preguntas que uno pueda ha-cerle. Ya la mitologia haba consistido en la imposicin de un vasto sistema semantico a la naturaliza. El teatro se apropia de la respuesta mtica y se sirve de ella como reserva para nuevas interrogaciones: pues interrogar a la mitologa es interrogar a lo que en tiempos haba sido la respuesta completa. El teatro griego es en s mismo una interrogacin, y ocupa en este sentido un lugar entre dos interrogaciones: una religiosa, la mitologa; otra laica, la filosofa (en el siglo IV a. C.). (Barthes, 2009, p. 323)

    Mas medida que a importncia dos atores aumentava, o papel do coro foi diminuindo at ser reduzido (nas obras de Eurpides) a uma pausa musical. Esse fenmeno mostra a secularizao progressiva da arte e a transformao do teatro da interrogao trgica profundida-de psicolgica.

    O coro deve ser considerado como um dos atores; deve constituir parte do todo e ser associado ao, no como em Eurpedes, mas maneira de Sfocles (Aristteles, p. 29).

  • Literatura Ocidental I

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    Em Atenas o teatro se desenvolveu graas a uma instituio cvica: os concursos teatrais, que tinham lugar nas festas em honra a Dioniso, as Grandes Dionisacas, que duravam seis dias.

    Toda a cidade se implicava no espetculo, participava dos desfiles em honra ao deus, e assistia s peas de forma massiva. Os coros e atores eram pagos por um dos cidados mais ricos da cidade, o co-rego, que mudava de ano em ano. No sculo V a. C., competiam no concurso de tragdias trs autores: cada um devia apresentar quatro peas, trs tragdias e uma pea satrica. No primeiro dia, realizava-se um concurso de ditirambos; no segundo dia, apresentavam-se cinco comdias; e cada um dos trs dias seguintes encenavam-se trs trag-dias e um drama satrico. Desta maneira, durante os seis dias da festa encenavam-se um total de dezessete peas.

    Roland Barthes sublinha precisamente o carter civil da tragdia: sua essncia procede da cidade, que ao mesmo tempo povo e estado, municpio e nao, particular e universal (Barthes, 2009, p. 328).

    Figura 13 - Coro grego imaginado por Woody Allen para o seu filme Poderosa

    Afrodite

    Fonte: http://tinyurl.com/7xcgtsx

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    Os grandes autores do teatro grego so squilo (524-456 a.C.), S-focles (496-406 a.C.) e Eurpides (480-406 a.C.), escritores de tragdias; e Aristfanes (445-386 a. C.), autor de comdias.

    squilo (524-456 a.C.)

    Literariamente, podemos considerar squilo como o criador da tragdia. Converteu os mitos e lendas locais de Grcia em expresses dramatizadas das grandes questes humanas: a relao com o divino, o destino, o problema do mal e da culpa, a justia. Frente ao primeiro tea-tro grego, aumentou o nmero de atores de um a dois, o que fez possvel o dilogo e a ao dramtica.

    Dele restaram sete peas: as mais importantes delas configuram a trilogia Orstia, composta de trs tragdias (Agammnon, As co-foras e As eumnides) que contam a histria do assassinato de Aga-mmnon pela sua esposa Clitemnestra e o amante desta Egisto; a vingana dos filhos de Agammnon, Orestes e Electra, que matam os dois amantes; e a fuga de Orestes perseguido pelas ernias, deusas da vingana e do dio.

    As outras obras conservadas de squilo so As suplicantes, Os per-sas, Os sete contra Tebas e Prometeu acorrentado.

    Sfocles (496-406 a.C.)

    Sfocles escreveu umas 120 peas, conseguindo o primeiro lugar em vrios concursos dramticos. Chegaram at ns sete tragdias, das quais, destacam-se as dedicadas ao mito de dipo: dipo rei, Antgona e dipo em Colona. Nelas contam-se a histria de dipo, que se conver-te em heri da cidade de Tebas quando a liberta da ameaa da terrvel Esfinge. Mas, ignorando suas origens, mata seu pai Laio e casa-se com sua me Jocasta, transmitindo a desgraa a seus filhos Etocles, Polinice, Antgona e Ismnia. Os dois filhos homens morrero um nas mos do outro lutando pelo trono de Tebas, e Antgona dever enfrentar seu tio, o rei Creonte, para poder enterrar o corpo do seu irmo Polinice.

  • Literatura Ocidental I

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    Nelas se apresentam temas complexos como o poder humano frente ao poder divino, os limites do conhecimento, o orgulho e a fora do destino.

    Nas tragdias de Sfocles, os personagens individuais ganham fora e definio, em detrimento da interveno do coro. Os carc-teres esto perfeitamente desenhados, especialmente, os grandes personagens trgicos, como dipo ou Antgona, enfrentados ao seu destino.

    Por isso, as obras de Sfocles so capazes de exprimir valores atu-ais, e seguem sendo muito representadas e traduzidas na poca presen-te. De Antgona, importantes autores do sculo XX fizeram adaptaes. Destacam-se a Antgona de Jacques Cocteau, a Antgona de Bertold Bre-cht e Antgona furiosa da dramaturga Griselda Gambarro, que trasladou a ao de Sfocles Argentina dos anos 1980, tempos imediatamente posteriores violenta ditadura, e onde a personagem feminina adquiriu uma grande fora poltica.

    Neste fragmento da tragdia de Sfocles dipo rei, o personagem principal descobre as suas origens:

    Figura 14 - Cena de Antgona Furiosa de Griselda Gambarro

    Fonte: http://www.revistaafuera.com/articulo.php?id=23

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    SERVO: Estou a ponto de falar o horror.

    DIPO: E eu de ouvi-lo; mas preciso ouvir.

    SERVO: Filho do rei, diziam. L dentro est

    quem pode dar detalhes: tua mulher.

    DIPO: Foi ela quem te deu a criana?

    SERVO: Exatamente, rei.

    DIPO: Com que finalidade?

    SERVO: Para dar cabo dele.

    DIPO: A prpria me? Incrvel!

    SERVO: Temia um mau orculo.

    DIPO: Qual?

    SERVO: Seria matador dos pais diziam.

    DIPO: Por que motivo ento deste ao velho?

    SERVO: Me condo. Pensei: ao seu pas

    de origem levar o menino. Para

    um mal maior, salvou-o. Se s quem ele

    diz, cr: nasceste para a desventura.

    DIPO: Tristeza! Tudo agora transparece!

    Recebe, luz, meu derradeiro olhar!

    De quem, com quem, a quem sou triplo equvoco:

    ao nascer, desposar-me, assassinar!

    CORO: Estirpe humana,

    o cmputo do teu viver nulo.

    Algum j recebeu do demo um bem

    no limitado a aparecer

    e a declinar

    depois de aparecer?

    s paradigma,

    o teu demnio paradigma, dipo:

    mortais no participam do divino.

    Eurpides (480-406 a.C.)

    Contemporneo de Sfocles, Eurpides foi aluno dos filsofos Ana-xgoras e Protgoras. Em sua obra, a reflexo filosfica substitui a fora da religio e, apesar de trabalhar com os temas tradicionais da mitologia

  • Literatura Ocidental I

    50

    grega, apresenta uma viso crtica dos mitos, da poltica e da moral. No seu teatro, o coro deixa de ter uma funo principal.

    Dele conservamos 18 tragdias, entre as que se destacam Media, Hiplito, As troianas, As bacantes e Ifignia em ulis.

    Media conta a histria da filha feiticeira do rei de Clquida que, apaixonada por Jaso, o ajuda a conseguir o Toso de ouro e foge com ele. Mas Jaso a abandona para casar-se com a filha do rei de Corinto. Media executa uma terrvel vingana, matando os dois filhos que nas-ceram da sua relao com Jaso.

    Esta tragdia teve duas extraordinrias adaptaes para o cinema. Em 1969, o diretor italiano Pier Paolo Pasolini rodou com a famosa can-tante de pera Maria Callas uma verso na qual acentuava a tenso ente o mundo mtico de Media e o racional de Jaso. Em 1988, o diretor dans Lars Von Trier recuperou um roteiro de Carl Theodor Dreyer e filmou para a televiso danesa sua estilizada adaptao da pea de Eur-pides, envolta na bruma, enfatizando o efeito esttico das imagens.

    Aristfanes (445-386 a. C.)

    Aristfanes o mximo representante da comdia grega. Em con-traste com a tragdia, que apresentava episdios da mitologia e da tra-dio, a comdia trata temas do seu prprio tempo, como a poltica, os costumes, as ideias, os vcios, com um vis crtico e burlesco. Os perso-nagens so cidados comuns, soldados, filsofos, jovens, escravos, cam-poneses, etc. Os comedigrafos tm uma liberdade maior, estilstica e temtica, e para conseguir o riso do espectador, chegam aluso direta e burla dos deuses. Normalmente, tem um final feliz e o heri consegue, com sua astcia, alcanar seus objetivos. O coro j desapareceu com-pletamente e, mais que a caracterizao dos personagens, destaca-se o dilogo humorstico e mordaz.

    Entre as obras de Aristfanes, destacam-se a Assembleia das mulhe-res, As nuvens, As vespas, A paz, Os cavaleiros, Os pssaros e Lisstrata.

    Para ver os filmes pode aces-s-los pelo Youtube. Media,

    de Pasolini. Disponvel em .

    Acesso em: 5 fev. 12. Media, de Lars Von Trier. Disponvel

    em: .

    Acesso em: 5 fev. 12.

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    A comdia nova

    A comdia nova apareceu com a perda da independncia da ci-dade de Atenas, controlada a partir de 338 a. C. pelos macednios, no perodo chamado Alexandrino. Os temas polticos e o vis crtico deixam de ter lugar no teatro, e se tende para os temas privados e a criao de personagens tpicos, como o soldado fanfarro, o escravo astuto ou o pai avarento. O mximo representante da comdia nova Menandro (341-292 a. C.), do qual conservamos completa a comdia O misantropo.

    A obra de Menandro vai exercer uma grande influncia nos autores latinos posteriores, especialmente, em Plauto (254-184 a.C.).

    Plauto (254 a. C. 184 a. C.)

    Plauto foi ator e demonstrou um grande conhecimento do seu p-blico popular. Oferece ao povo romano um espetculo cheio de enredos, aparies intempestivas, confuses e cumplicidades, dosificando os di-logos, os cantos e as danas, para lograr a comicidade e proporcionar um prazeroso passatempo. Os seus personagens, como os de Menandro, so tipificados. O teatro ocidental deve muito s peas de Plauto. Os seus procedimentos foram referncias importantes para a Commedia dellarte italiana, Shakespeare e Molire.

    Destacam-se as obras Anfitrio, Miles gloriosus (O soldado fanfar-ro) e a Aululria (A panela), que influiu no Avaro de Molire.

    3.8 A poesia lrica

    A poesia lrica, que expressa sentimentos individuais em relao aos deuses ou aos homens, toma fora no mundo grego a partir do s-culo VII a. C. , com o decaimento da poesia pica. Frente o carter nar-rativo da pica, a lrica explora as emoes subjetivas. De fato, a palavra lrica no aparece at o sculo III a. C. Antes, aquela poesia cantada

  • Literatura Ocidental I

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    com acompanhamento de algum instrumento se chamou poesia mlica (melos em grego significa canto).

    Segundo Salvatore Donofrio, distinguem-se diversas modalidades na poesia lrica greco-latina, dependendo do objeto cantado. Assim, o hino e o ditirambo eram formas vinculadas religio; o epincio era a comemorao de um triunfo no esporte; o encmio consistia no elogio de um homem; o epitalmio, num canto nupcial; a elegia, num canto fnebre que depois passou a expressar sentimentos patriticos, de amor ou tristeza; a poesia imbica, correspondia ao gnero satrico; a ode, consistia num gnero mais livre (Donofrio, 1990, p. 58).

    Entre os autores que chegaram at ns, destacamos:

    Safo (sculo VII a. C.)

    Esta poetisa, que viveu na ilha de Lesbos, a mais famosa da anti-guidade grega. As poesias que conservamos esto voltadas ao tema amo-roso, descrito com singular fora expressiva e percepo das contradi-es do sentimento.

    A lua j se ps,

    as Pliades tambm:

    meia-noite; foge o tempo,

    e estou deitada sozinha.

    Catulo (87-54 a.C.)

    Os poemas deste autor latino centram-se no tema amoroso e esto dirigidos a uma figura feminina caracterstica, Lsbia, baseada em uma dama romana com a que teve uma breve relao. Inspirando-se nela descreve os deleites e os sofrimentos do amor, com uma grande maes-tria formal e uma sensibilidade que parece prxima aos leitores atuais. Exerceu uma forte influncia em grandes poetas posteriores como Vir-glio, Horcio, Baudelaire e T.S. Eliot.

    Para consultar outros poe-mas de Safo, acesse o Portal Domnio Pblico. Disponvel

    em: . Acesso em: 5 fev. 12.

  • Literatura grega e latina

    53

    Captulo 03

    Perguntas-me, Lsbia, quantos beijos

    teus me possam de todo contentar.

    Quo imenso o nmero de gros de areia lbica

    que se estende pelas regies de Cirece,

    entre o templo estuante dos orculos e Jpiter

    e a tumba sagrada do velho Bato,

    ou quantas so as inmeras estrelas, quando a noite se cala,

    que observam os amores furtivos dos homens,

    tantos so os inmeros beijos que tu hs de dar

    em Catulo, louco de amor, para que ele possa de todo

    se contentar e para que tambm nem os indiscretos

    possam enumer-los um a um, nem uma lngua invejosa

    nos lanar m sorte.

    Horcio (65-27 a. C.)

    Junto com Virglio, de quem era amigo, Horcio um dos grandes poetas latinos. Escreveu stiras, odes, e epstolas em verso. Na sua juven-tude, destacam-se as stiras, que ele denominava Sermones, isto , con-versas leves que retratam costumes e pessoas do seu tempo. Mas acima da sua poesia lrica esto as Odes, as quais tratam do amor, da amizade e da vontade de viver, condensadas no mote Carpe diem, aproveita o dia.

    A mais conhecida das suas epstolas a Epstola aos Pises, pos-teriormente, denominada Arte Potica. Como a Potica de Aristteles, converteu-se numa obra terica decisiva para a literatura ocidental. Nela, alm de recomendar a atenta leitura dos modelos gregos, Horcio estabeleceu o cometido geral da literatura: deleitar e ensinar. A combi-nao do til e o agradvel converteu-se no princpio bsico para expli-car as funes e exigncias da arte, at o Romanticismo.

    Ovdio (43-18 a.C.)

    Junto com Horcio e Virglio, Ovdio completa a trade dos grandes poetas latinos. Nos seus poemas expressou as diversas formas do amor e

  • Literatura Ocidental I

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    do erotismo, com gozo e leveza. Destacam-se as elegias erticas Amores, e os tratados Medicamina faciei, um tratado de cosmtica feminina, Ars amatria, um verdadeiro manual de seduo, e Remedia amoris, no qual relata o contrrio, isto , as maneiras de se libertar do amor. A obra na qual sua poesia alcana maior ambio As metamorfoses, um extenso poema no qual se acumulam as diversas transformaes da mitologia grega (Vnus e Adnis, Pramo e Tisbe, Eco e Narciso, etc.), como forma de expressar a multiplicidade do mundo.

    Ovdio caiu em desgraa frente ao imperador Augusto e foi des-terrado. As elegias que escreveu no exlio esto marcadas pela tristeza e o sofrimento. Cabe destacar a enorme influncia que o Arte de amar de Virglio exerceu durante a Idade Mdia. Os trovadores provenais se inspiraram nele. Tambm os eclesisticos: foi a referncia principal de Juan Ruiz, o Arcipreste de Hita, no seu Libro del buen amor.

    A Arte de Amar

    Se algum neste povo no conhece a arte de amar,

    leia este poema e, tendo-o lido, j instrudo, ame.

    Pela arte os cleres barcos com a vela e o remo so movidos,

    pela arte leve o carro. Pela arte deve ser regido o Amor.

    Nos carros e nas flexveis rdeas Automedonte era destro,

    Tfis da nau Hemnia era piloto.

    De mim Vnus fez mestre do tenro Amor,

    Tfis e Automedonte do Amor eu serei chamado.

    Ele, na verdade, bravo e a mim muitas vezes resiste,

    mas menino, idade dcil e fcil de dirigir.

    Filrides com a ctara formou o menino Aquiles

    e a alma brava com arte plcida reprimiu.

    Quem, tantas vezes os seus, tantas vezes os inimigos aterrorizou,

    um velho com muitos anos de vida, acredita-se, temeu.

    As mos que Heitor iria sentir, exigindo-o o mestre,

    ao chicote de pronto ele entregou.

  • Literatura grega e latina

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    Captulo 03

    Do Ecides Quron foi preceptor, eu do Amor.

    Cruis um e outro menino, nascidos um e outro de uma Deusa.

    Mas at sobre a nuca do touro pesa o arado,

    e os freios so mordidos pelo dente do cavalo cheio de nimo,

    e a mim cede o Amor, embora fira com o arco

    meu peito, agite e lance suas tochas.

    Quanto mais me feriu o Amor, quanto mais violento me queimou,

    tanto mais vingador eu serei da ferida feita.

    No, Febo, eu no mentirei que tu me deste as artes,

    nem somos instrudos pela voz da ave no ar,

    nem por mim foram vistas Clio e as irms de Clio

    quando guardava os rebanhos, Ascra, nos teus vales.

    O uso provoca esta obra. A um vate experiente obedecei!

    A verdade cantarei. A minha empresa, me do Amor assisti!

    Longe daqui estreitas fitas, insgnias do pudor,

    e tu, longo manto, que cobres a metade dos ps!

    Ns a Vnus sem riscos, os segredos permitidos cantaremos,

    e no meu poema nada censurvel haver.

    3.9 Os romances da Antiguidade

    Finalizaremos o captulo dedicado produo literria greco-latina com um gnero tardio que no aparece na Potica de Aristteles: o ro-mance, gnero narrativo ficcional em prosa. Ele apresenta caractersti-cas diversas dependendo de sua procedncia.

    Os romances gregos, escritos nos sculo II e III d. C., como, por exemplo, As Aventuras de Quereas e Calroe, de Carito de Afrodsia; Os relatos etopes ou Tegenes e Cariclea, de Heliodoro de meso; Dfnis e Cloe, de Longo; e Os relatos efsios ou Habrcomes e Antia, de Xenofonte de feso, apresentam um mundo de fantasia, idealizado, cheio de aven-turas maravilhosas, em que dois amantes devem superar mil perigos e provaes. Eles sero o antecedente longnquo dos Livros de cavalaria medievais, dos romances bizantinos do sculo XII e de sua reelaborao

  • Literatura Ocidental I

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    hispnica nos sculos XVI e XVII. Miguel de Cervantes escreveu sua obra mais amada, Persiles y Segismunda, imitando este gnero grego.

    Mas em Roma o romance apresenta um carter realista e mordaz. Burla-se dos costumes e da hipocrisia da sociedade da poca. De ten-dncia dionisaca, estas obras esto marcadas por um grande erotismo. Destacam-se o Satiricon de Petrnio e O asno de ouro de Apuleio.

    Resumo

    Neste captulo, estudamos a impressionante literatura da Grcia e Roma antigas, que pode ser considerada o fundamento da literatura ocidental. Para isso, tomamos como guia a Potica de Aristteles e sua diviso da poesia em gneros. Comentamos as caractersticas e os autores princi-pais da poesia pica, poesia dramtica e da poesia lrica. Finalmente, nos referimos ao romance criado na Grcia e Roma antigas.

    Dica de Leitura

    BEARD, Mary e HENDERSON, John. Antiguidade clssica: uma bre-vssima introduo. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1998.

    HARVEY, Paul. Dicionrio Oxford de literatura clssica grega e lati-na. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

    LESKY, Albin. A tragdia grega. Sao Paulo: Perspectiva, 2006.

    LOURENCO, Frederico. Poesia grega - de Alcman a Tecrito. Lisboa: Cotovia, 2006.

    NOVAK, Maria da Gloria; NERI, Maria Luisa. Poesia lrica latina. So Paulo: Martins fontes, 1992.

    STEINER, George. A Morte da Tragdia. So Paulo, Editora Perspec-tiva, 2006.

  • A literatura na Idade Mdia

    57

    Captulo 04

    4 A literatura na Idade Mdia

    Neste captulo, estudaremos a diversificao do latim em diferentes ln-guas, ocorrida durante a Idade Mdia, e as primeiras manifestaes lite-rrias destas novas lnguas.

    4.1 Introduo

    A Idade Mdia um perodo histrico, que ocorre depois do Imp-rio Romano, situado convencionalmente entre o ano 476 e o ano 1453. Assim, a literatura medieval perpassa quase mil anos de histria. Uma das perguntas fundamentais para pensar esta literatura : em que lngua ela era escrita? Era o latim que os romanos espalharam por todos os cantos do seu Imprio? ou eram as lnguas que ns sabemos que se fa-lam hoje nos diferentes pases europeus (francs, italiano, portugus, es-panhol)? Neste captulo, vamos ver como, pouco a pouco, durante quase quinhentos anos, do latim surgem as outras, que vo originando suas prprias expresses literrias.

    4.2 O nascimento das lnguas modernas

    No sculo V d. C., o territrio do antigo imprio romano foi con-quistado por povos germnicos vindos do norte da Europa. As cha-madas invases brbaras acabaram com a unidade poltica de Roma e o vasto territrio se fragmentou em diversos reinos. Apesar disso, as formas de vida romanas se mantiveram e os diversos povos continu-aram falando um latim cada vez mais caraterstico. Se j na poca do imprio romano o latim falado nas diversas cidades no era o latim clssico em que escrevia Virglio, mas um latim tardio, chamado de vulgar (em referncia ao adjetivo latino vulgaris, que significa comum ou do povo), com a fragmentao poltica, as diferentes regies vi-

  • Literatura Ocidental I

    58

    riam a falar uma variante prpria que, com o tempo, daria lugar s diferentes lnguas romnicas, isto , derivadas do latim: o galaico--portugus, o castelhano, o catalo, o occitano, o francs, o italiano ou o romeno, entre outras.

    Mas apesar dessa desagregao lingustica, a lngua da cultura conti-nuava sendo o latim nos seus moldes clssicos. A cultura da Idade Mdia configura-se como cultura latina e, em um primeiro momento, so os ecle-sisticos os encarregados de guard-la e transmiti-la. Os clrigos dominam a escrita e os mosteiros se tornam centros culturais. Nas suas bibliotecas, copiavam-se os livros antigos, belamente iluminados (decorados).

    Este fenmeno est relacionado com a organizao social medie-val, que mudou radicalmente em relao ao seu precedente romano. Se a Roma imperial representava a cidade por excelncia, com toda a diversidade que o mundo urbano podia abrigar, a Idade Mdia est organizada em comunidades rurais. A sociedade divide-se em trs es-tamentos (a nobreza, a igreja, e o povo) nos quais os dois primeiros ostentam o poder terreno e espiritual, respectivamente. A vida organi-

    Figura 15 - Os diferentes reinos germnicos estabelecidos na Europa

    Fonte: http://historia-pitagoras.blogspot.com/2011/05/alto-feudalismo.html

  • A literatura na Idade Mdia

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    Captulo 04

    za-se em torno dos castelos e monastrios que brindavam proteo populao em troca de servios e tributos.

    A religio crist orienta a vida das pessoas. Estabelece-se a priori-dade de ganhar a salvao eterna e uma concepo transitria da exis-tncia, onde as aes humanas devem encaminhar-se a Deus.

    Na Idade Mdia, que compreende quase um milnio, do sculo V ao sculo XV, distinguem-se duas pocas, principalmente:

    1. A Alta Idade Mdia (do sculo V ao XI), caraterizada pela ins-tabilidade poltica, e pelo isolacionismo dos diversos reinos. Os rabes tm conquistado grande parte da Pennsula Ibrica e constituem uma ameaa constante para os reinos cristos.

    2. A Baixa Idade Mdia (do sculo XI-XIV). No ano mil, pode identificar-se um autntico renascimento social e cultural na Europa. Os intercmbios entre os diversos reinos se consolidam, surgem a primeiras universidades e algumas cidades martimas convertem-se em centros culturais ativos.

    Se bem a produo literria em lngua latina riqussima, neste nosso breve panorama da literatura ocidental vamos nos ocupar das li-teraturas surgidas nas lnguas romnicas, pois so elas as que vo confi-gurar o nascimento das diversas literaturas nacionais.

    na rica cultura popular medieval que estas lnguas vo alcanar funes estticas. Canes, relatos e poemas surgem nas lnguas vulga-res para acompanhar os diferentes momentos da vida das comunida-des, no s vinculadas religio, mas com espao para o amor, a stira e a exaltao vitalista. De transmisso fundamentalmente oral, devemos esperar at o sculo XII para encontrar as primeiras manifestaes es-critas. Destacamos os seguintes gneros:

    As canes de gesta A poesia trovadoresca

  • Literatura Ocidental I

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    4.3 As canes de gesta

    As canes de gesta so poemas picos que eram interpretados pe-los jograis, msicos-poetas itinerantes, que cantavam, acompanhando--se de algum instrumento musical, versos e canes de sua autoria e de outros. Eles constituam o principal divertimento das populaes me-dievais, com suas habilidades musicais, circenses e literrias. Entre o seu repertrio destacavam-se as canes de gesta, que relatavam as faanhas dos heris nacionais. Desta maneira, ofereciam populao informa-es histricas sobre seu passado recente.

    Como eram recitados de memria, frente a um auditrio popular, os esquemas mtricos destes poemas so simples em relao poesia latina. Normalmente, apresentam mtrica irregular e rima assonante.

    Surgidas de uma realidade marcada pelos contnuos confrontos b-licos, as canes de gesta so as sucessoras da poesia pica da antiguida-de. Como a Ilada, estas canes so poemas narrativos que contam as aventuras dos cavalheiros medievais. A maioria delas restou annima.

    Destacam:

    A cano de Rolando, na Frana

    A cano dos Nibelungos, na Alemanha

    El cantar de Mo Cid, na Espanha

    Figura 16 - Iluminura representando jograis

    Fonte:http://tinyurl.com/7lzjzkl

  • A literatura na Idade Mdia

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    Captulo 04

    4.4 A poesia trovadoresca

    Ao final do sculo XI, comea a aparecer uma lrica culta criada nas cortes medievais. Os jograis que, de lugar em lugar, cantavam composi-es poticas populares, comeam a ser admitidos nos castelos e a compor de forma mais refinada, de acordo com o novo ambiente. Este processo se deu, sobretudo, no sul da Frana, na regio da Provena, onde se fala-va o provenal. Aos poetas que compunham suas prprias composies neste ambiente corteso deram o nome de trovadores. Um dos primeiros trovadores foi Guilherme de Poitiers. Os trovadores podiam ser nobres, mas tambm burgueses, clrigos ou plebeus (um dos mais famosos tro-vadores, Bernat de Ventadorn, era o filho de uma padeira). Destacam-se, tambm, algumas mulheres, como Beatriz, Contessa de Dia.

    O fundamento desta doutrina a concepo do amor de maneira ideal e cavalheiresca, chamada de amor corts. A dama dona do cora-o do poeta e est totalmente idealizada; sua perfeio e qualidades no tm limites. O poeta deve demonstrar f, mesura e constncia, e sente a dama como a fonte de suas qualidades e valor. As relaes feudais se refletem no poema: o poeta se mostra como o vassalo da dama, sempre inferior a ela, a quem deve prestar servio. A fidelidade do amante deve se manter apesar da perda de toda esperana. De fato, a dama normal-mente casada, de maneira que se conjugam nesta poesia o amor, a impossibilidade e a idealizao do ser amado.

    O tema das composies amoroso, e forma um conjunto bem estruturado. comum falar que os trovadores provenais inventa-ram o amor. De fato, eles inventaram uma estrita codificao amo-rosa que, de certa forma, tem sobrevivido at ns.

    Toda nossa poesia amorosa procede destas premissas: a mulher, em pocas anteriores, no era um ser com deciso prpria. Ela era quas