Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

194

Transcript of Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Page 1: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva
Page 2: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

2

Pe. Dr. EMÍLIO SILVA DE CASTRO

Decano da Faculdade de Direito da Universidade "Gama Filho" —

Catedrático da Universidade do Estado da Guanabara — Catedrático

da PUC do Rio de Janeiro — Membro do Instituto de Cultura Hispânica

— Prof. na Pós-Graduação do Instituto Superior de Direito

Canônico do Rio de Janeiro — Membro Fundador da "Sociedade

Brasileira de Filósofos Católicos" — Prof. Visitante da Universidade

Autônoma de Guadalajara (México) — Presidente da Sociedade

"Força Renovadora" no Rio de Janeiro — Presidente da IBEC —

Ibero-Brasileira de Estudos e Cooperação — Vice-Presidente da Academia

Brasileira de Ciências Morais e Políticas etc. etc. e Comendador

da Ordem de Isabel a Católica.

PENA DE MORTE

Prólogo do

Des. Ítalo Galli

REVISTA CONTINENTE EDITORIAL LTDA.

Av. 13 de Maio, 23/20.° — Sala 2.025 — Tel. 262-3810

Rio de Janeiro

1986

Page 3: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

3

Este livro foi escrito em espanhol a pedido do editor

Vassallo de Mumbert, de Madrid, e publicado nessa capital.

A versão portuguesa é da responsabilidade de A. Machado

Pauperio, Prof. Emérito da Universidade Federal

do Rio de Janeiro e Membro Titular da Academia Brasileira

de Letras Jurídicas.

Versão da legenda da capa:

A ABSOLVIÇÃO DO CRIMINOSO

É A CONDENAÇÃO DO JUIZ

(Públio Siro, Mimos, 257)

Page 4: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

4

PRÓLOGO

"Donde quiera que la pena de muerte ha sido abolida,

la soeiedad ha destilado sangre por todos los poros"

(Donoso Cortês, ENSAYO).

"Considerad, legisladores, que la energia de la fuerza

pública es la salvaguarda de la flaqueza individual, la

amenaza que aterra ai injusto, y la esperanza de la sociedad.

CONSIDERAD QUE LA CORRUPCIÓN DE LOS

PUEBLOS NACE DE LA INDULGÊNCIA DE LOS

TRIBUNALES Y DE LA IMPUNIDAD DE LOS DELITOS.

(Simón Bolívar, MENSAJE A LA CONVENCIÓN

DE OCANA, 29-2-1828).

"Tudo se paga" (Napoleão, em Santa Helena).

Em seu n.° 66 de fevereiro de 1986, o informativo católico "De ROME et

d'AILLEURS" nos brinda com um artigo de H. le Caron, sob o sugestivo título "LE

TEMPS DES ASSASSINS", que começa retratando o mundo de nossos dias:

"Fazem-se explodir aviões em pleno vôo; sequestram-se viaturas; os terroristas

atiram ao acaso sobre filas de passageiros que aguardam nos aeroportos, matando mulheres

e crianças inocentes. No ano passado, durante um incêndio num estádio, viram-se jovens

dançar diante das tribunas, onde espectadores estavam sendo queimados vivos. Na Bélgica,

os torcedores de um time massacram os do quadro adversário, o que não impede o

prosseguimento da partida e de fazerem os vencedores seu "tour d'honneur", sob as

aclamações da multidão. Matam-se os homens no Líbano, no Afeganistão, no Iraque, no

este asiático e na América Central. É a atualidade quotidiana; e a maior parte das pessoas

permanece indiferente, a menos que os mortos sejam parentes".

"Nos primeiros cinco meses deste ano (1986), ocorreram, na Grande São Paulo,

2.406 homicídios — 481 por mês, 16 por dia, um a cada 90 minutos; 42.028 furtos, 18.000

assaltos. Os homicídios aumentaram em 100% ("O Estado de São Paulo", 1/6/86, p, 22).

Os crimes mais bárbaros são praticados com requinte de perversidade, revelando

uma insensibilidade moral semelhante à dos brutos.

Page 5: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

5

Os bairros, outrora tranquilos, apresentam-se com as casas cercadas de grades,

veladas, durante a noite, com guardas particulares.

Inverteram-se as posições: as pessoas enjauladas, e as "feras" soltas, à espreita...

A juventude afina no mesmo diapasão, fazendo-se atual a perplexidade do grande

criminalista francês, Louis Proal: "A que se deve atribuir esta perversidade da juventude,

que jamais fora tão corrompida? A meu ver — responde — ao debilitamento das crenças

espiritualistas e cristãs". E acrescenta, noutro passo: "A criminalidade aumenta, enquanto a

ciência, a arte e a indústria progridem. O espírito se aguça, a instrução avança e a

moralidade não cresce na mesma proporção; antes, decresce, notadamente entre os jovens".

E,secundando M. Frank: "A instrução se torna, muitas vezes, auxiliar do vício e do crime.

À instrução é necessário juntar a cultura moral,em que a fé, unida à caridade, constitui um

elemento necessário"("Le Crime et la Peine", 1892, ps. 193/195).

E isso porque, como já observara Aristóteles, "cuando está desprovisto de virtud, el

hombre es el menos escrupuloso y el más salvaje de los animales y el peor en el aspecto de

la indulgência sexual y la gula" ("Politica", Liv. I, cap. 2 — Aguilar — Obras).

"Senhores — já advertia Donoso Cortês, profeta da história, há mais de um século

— não há mais do que duas repressões possíveis: uma interior e outra exterior, a religião e

a política. E são de tal natureza, que, quando o termômetro religioso está alto, o

termômetro da repressão política está baixo; e, quando o termômetro religioso está baixo,

o termômetro político, a repressão política, a tirania está alta. Esta é uma lei da

humanidade, uma lei da História" ("Discurso Sobre a Ditadura", in Obras Completas,

Madrid, BAC, tomo II, 305 s.).

Assim, também, se apercebeu a sensibilidade de Rui Barbosa: "Quando se

afrouxam os laços morais, estreitam-se os laços políticos".

Entretanto, ao Invés de refrear a crescente onda de criminalidade com penas e

Julgamentos mais severos, mitiga-se a disciplina dos Códigos, e as entidades responsáveis

pelo embasamento moral da sociedade abdicam de sua liderança, para tornar-se caudatárias

das soluções violentas — "da beneficência constrangida", que é "ferida pela esterilidade na

sua própria fonte", na feliz expressão de Ventura de Raulica ("Obras Póstumas").

Parecem chegados os tempos vislumbrados por Donoso Cortês:

"Os governos não são competentes para impor uma pena ao homem senão na

qualidade de delegados de Deus. Só em nome de Deus podem ser justos e fortes. E quando

começam a secularizar-se ou apartar-se de Deus, afrouxam na penalidade, como se

Page 6: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

6

sentissem que diminui seu direito. As teorias laxas dos criminalistas modernos são

contemporâneas da decadência religiosa, e seu predomínio nos códigos é contemporâneo

da secularização completa das potestades políticas. Os racionalistas modernos chamam ao

crime desventura: dia virá em que o governo passe aos desventurados; e, então, não haverá

outro crime senão a inocência. O novo evangelho do mundo se está escrevendo em um

presídio. O mundo não terá senão o que merece, quando for evangelizado pelos novos

apóstolos" (Ensayo, Cap. V, in obras compl., tomo II).

Entrementes, e como "todo o Direito, enquanto Direito e não uma injustiça, tem por

finalidade proteger uma existência moral" (Tredelenburg), cabe à lei, em face da crise que

agride tão fundamente a moral, defender os seus princípios, na medida exata da agressão,

sob pena de incidir na inocuidade.

Não se contesta — porque está na ordem do dia de todas as discussões — que a

ferida está a exigir a cauterização extrema.

Assim o compreendeu o emérito professor Monsenhor Dr. Emílio Silva de Castro,

possuidor de sólida preparação teológica, filosófica, jurídica e histórica.

Diversas vezes solicitado a pronunciar-se, pela imprensa e pela televisão, sobre o

momentoso problema da pena capital, decidiu-se, afinal, instado por uma editora

espanhola, que agora publica seu livro na Espanha, em castelhano, a enfrentar o problema,

fazendo-o com tal profundidade e erudição, que desfaz todos os equívocos que induzem à

perplexidade a pessoas mais esclarecidas, pois, responde com superioridade às mais

sibilinas objeções, que, em última análise, não são mais do que de natureza sentimental,

uma vez que os abolicionistas — que repudiam a pena de morte — incidem na mesma

ilusão do jovem Anselmo, de que fala Balmes: "Pensam que meditam, mas não fazem mais

do que 'sentir'; acreditam-se filósofos que julgam, quando não são mais do que homens que

se compadecem" ("Critério", cap. XIX, § 5.°).

Neste trabalho, "exposto con una erudición pasmosa (sic), razonamiento sólido y

lógico, acumulación incribile de toda clase de testimonios en todos los tiempos, iluminado

todo por la luz de la fe y movido por la preocupación de mantener en paz y en ordem la

comunidad humana" como o definiu no Prefácio da edição espanhola, o ilustre Pe.

Bernardo Monsegú, Publicista e Redator da consagrada revista católica espanhola "Roca

Viva" — neste trabalho, encontrarão os católicos menos avisados a demonstração da

perfeita correspondência entre os seus atuais sentimentos, que, ante a conjuntura social

Page 7: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

7

clamam pela última sanção, e a sua consciência, que a repudia, por considerá-la,

ligeiramente, inconciliável com suas convicções religiosas...

O Padre Emílio, como é por todos conhecido — foi ordenado sacerdote na

Espanha, em 1925. Em 1929, prosseguiu seus estudos filosóficos em Roma, onde obteve

láurea de Doutor em Filosofia, pela ACADEMIA ROMANA DE SAN TOMMASO

D'AQUINO. De regresso à Espanha, lecionou Filosofia e outras matérias em centros de

"Estúdios Superiores". Em abril de 1934, viajou para os Estados Unidos, onde, além de

prestar assistência religiosa aos católicos de língua espanhola na cidade de Milwaukee,

pronunciou diversas conferências na "International House" da mesma cidade, e nas de

Madison, Detroit e Chicago, colaborando também na imprensa de língua espanhola de

Nova Iorque.

Atraído pelo seu velho professor de geografia, Pe. Francisco Freiria, que o

precedera na vinda ao Brasil e se entusiasmara com as nossas florestas, para aqui também

aportou, em 1935, a fim de dirigir o Patronato Escolar de "São Raimundo Nonato", no

Piauí. Posteriormente, a instâncias do emérito brasileiro Milton Ferreira de Carvalho,

transferiu-se para o Rio de Janeiro, assumindo a presidência do INSTITUTO CULTURAL

DO BRASIL, por ele mesmo fundado, que deveria criar filiais por todo o País, com o

objetivo de propiciar sólida educação moral, cívica, política e social. Ali chegando, em

1946, apercebeu-se de que, nos estatutos do INSTITUTO CULTURAL, constava,

inadvertidamente, a exigência de que seu presidente deveria ser brasileiro nato. Em vista

disso, a presidência foi transferida ao emérito escritor Tasso da Silveira, criando-se, no

INSTITUTO, a ESCOLA DE ALTOS ESTUDOS, que atendia a suas finalidades e para a

qual foi o Pe. Emílio nomeado Reitor, cargo que exerceu até sua extinção, ocorrida três

anos após.

Em 1948, foi ele convidado pelo Magnífico Reitor da "Universidade do Brasil" —

hoje "Universidade Federal do Rio de Janeiro"— para ministrar, durante três anos

consecutivos, cursos e conferências, sobre problemas atuais de Filosofia.

Concomitantemente, recebeu convites para lecionar em várias Universidades do Rio e de

Petrópolis.

Além do grau de Doutor em Filosofia, Pe. Emílio é Bacharel em Filosofia y Letras,

pela "Universidade de Santiago de Compostela", Espanha; Doutor em Filosofia, pela

"Universidade Federal do Rio de Janeiro"; Livre Docente e Doutor pela "Universidade do

Estado da Guanabara"; Reitor da "Escola de Altos Estudos do Instituto Cultural do Brasil";

Page 8: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

8

membro titular do "Instituto de Cultura Hispânica", de Madrid, e do "Instituto Brasileiro de

Cultura Hispânica", do Rio de Janeiro; Comendador da "Orden de Isabel la Católica", da

Espanha; Presidente da sociedade cultural "Força Renovadora", do Rio de Janeiro; membro

titular da "Academia Internacional de Jurisprudência e Direito Comparado", do Brasil;

Presidente da "IBEC Ibero-brasileira de Estudos e Cooperação"; Vice-Presidente da

"Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas", do Rio de Janeiro; Professor

Emérito e Decano da "Faculdade de Ciências Jurídicas", hoje "Universidade Gama Filho";

Professor do Curso de Mestrado em Filosofia da "Universidade Católica de Petrópolis";

Professor de Filosofia, Matemática, Língua Grega e outras disciplinas em Centros

Eclesiásticos Superiores, da Espanha; Professor de Metafísica e de Filosofia Social na

"Universidade de Santa Úrsula", do Rio de Janeiro; Professor de diversas matérias nas

seguintes unidades da Universidade Pontifícia, do Rio de Janeiro: "Faculdades de Filosofia

e de Direito", "Curso de Direito Canônico", "Escola de Serviço Social", e "Escola de

Jornalismo"; Professor de Cultura Religiosa na "Universidade Notre Dame", do Rio de

Janeiro; Professor de Direito Público e Constitucional da Igreja, na "Universidade

Internacional Pro Deo", filial do Brasil; Professor Visitante da "Universidade Autônoma de

Guadalajara", no México; Professor de História do Direito Canônico no "Instituto Superior

de Direito Canônico", do Rio de Janeiro, "etc.

Fecunda é a sua produção intelectual, que lhe grangeou o respeito no cenário

nacional e internacional de eminente filósofo, teólogo, canonista e polemista como o

revelam meia centena de publicações, entre as quais não nos furtamos de ressaltar: "El Plan

General de Estúdios de las Universidades Espanolas de 1824" Roma, 1926; "De

demonstratione tum deductiva tum inductiva", tese do doutorado em Roma; "À prova

ideológica da existência de Deus"; "Para uma definição do Existencialismo"; "Los médios

sobrenaturales en la formación de la personalidad"; "Nova Fundamentação Metafísica da

Ordem Moral"; "Filosofias da Hora e Philosophia Perennis"; "Visão objetiva do Saber";

"Presença da Filosofia Árabe na Síntese Tomista"; "Santo Tomás, Avicena e Averroes";

"Auto-retrato Filosófico"; "Averroes y Santo Tomás"; "San Agustin y la Pena Capital"; "El

libre albedrío: solución de la más grave antinomia que su estúdio presenta"; "Un renovador

da Filosofia Perene: Amor Ruibal"; "Em torno dei concepto de Philosophia perennis"; "El

Magistério espiritual de Santa Teresa de Jesus"; "Monsefior Escrivã de Balaguer y sua

Obra"; "A Promoção Social Dever de todos os Cidadãos"; "Espanha Transmissora da

Cultura Greco-Árabe"; "La Orden de la Merced en el Brasil"; "No Centenário de um

Page 9: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

9

Sábio-Amor Ruibal"; "Cristo na Eucaristia-Mistério de Fé"; "El Estúdio de la Historia de

La Filosofia — Elemento imprecindible para llegar a uma comprensión adequada dei

Humanismo Pruridimencional"; colaborador da "Enciclopédia Espasa", do "Dictionaire de

Theologie Catholique" e do "Dictionaire de Spiritualité Chretienne"; "Variações sobre a

Pena de Morte"; "A Verdade sobre a República Dominicana"; "Centenário de Nascimento

de Menéndez Pelayo"; "Manual de Piedade Cristã"; "Porquê el Dia de Acción de Gracias

em Hispanoamérica"; "El Renacimiento de Galícia"; "O Pão Nosso de Cada Dia" etc. etc.

etc.

Dominando oito idiomas — grego, latim, alemão, italiano, inglês, francês, espanhol

e português — possui o Pe. Emílio seletíssima biblioteca, com mais de 60.000 volumes,

que lotam todas as dependências de sua residência, onde, discípulos, colegas e amigos

pesquisam sobre os mais variados temas de Filosofia e ciências afins.

Toda sua vasta cultura ele a consagra ao serviço da Igreja, defendendo a ortodoxia

católica, "cuja intransigência salvou o mundo", na expressão feliz de Donoso Cortês

("Ensayo"), fazendo-o com aquela argumentação erudita imbatível, com a veemência de

sua índole peninsular e com a tranquilidade de consciência do justo, de que fala Santa

Catarina de Siena, "porque durante toda sua vida soube guardar bem, ladrando quando

passavam os inimigos que queriam' assaltar a cidadela da alma" ("Diálogo"), ao contrário

dos "cães mudos" — "canes muti non valentes" — anematizados pelo profeta Isaías

(LVI/10).

Todos os grandes sistemas filosóficos e religiosos têm por finalidade a realização

do homem como homem. E o critério dessa realização está condicionado ao conceito que

cada qual empresta ao seu destino, temporal ou eterno.

No mundo moral, como no mundo físico, uma desordem arrasta uma centena de

outras ("Dans le monde moral comme dans le monde physique, un désordre moral entreine

cent autres"), conforme observa Diodato Lioy, em sua "Philosophie du Droit", 1887, p.

305.

"Todo erro filosófico — lembra Ventura de Raulica — não é, no fundo, senão a

negação da existência da alma ou da realidade do corpo do homem, assim como toda

heresia em matéria religiosa não é, no fundo, senão a negação da humanidade ou da

divindade de Jesus Cristo" ("Conferences", 182, p. 2/3).

E a razão no-la dá o Doutor Angélico: "O primeiro dano que o homem sofre em

consequência do pecado é a desordem do entendimento; o segundo é incidir na pena

Page 10: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

10

correspondente" ("Suma contra os Gentios", Liv. IV, LXXII, vol. II, p. 863, da ed. da

BAC).

O Direito Penal não poderia furtar-se a tais contingências, uma vez que todo o

fundamento do direito de punir está condicionado à aceitação ou repúdio do livre arbítrio,

vale dizer, da responsabilidade moral do agente.

Assim, para a Escola Clássica, espiritualista, o crime é a violação consciente e

voluntária da lei penal. Para essa Escola, o livre arbítrio é da essência do Direito Penal.

Consequentemente, a pena somente é justa, se o agente tiver praticado a ação,

voluntariamente e na plenitude do exercício de sua responsabilidade moral.

Por sua vez, a pena tem uma tríplice finalidade: medicinal, reparadora e exemplar

— corrigir o agente, restabelecer a ordem na sociedade e prevenir o crime com o exemplo.

A importância deste tríplice objetivo está em função da sociedade a que se destina,

conforme pondera Tapparelli D'Azeglio:

Assim, na sociedade doméstica, a principal finalidade da pena é medicinal, porque

o pai inflige castigo ao filho para educá-lo; na sociedade política, porém, a principal

finalidade da pena é manter a ordem externa, com a reparação do prejuízo causado pelo

crime, mediante sua ação exemplar. Evidentemente, a excelência da pena será tanto maior

quanto estiverem realizados esses três efeitos ("Diritto Naturale", vol. I, § 806).

Já, para a Escola Positiva, determinista, que não cuida da transcendência da alma,

"nenhum homem é reputado responsável moralmente por seus atos, porque nenhum possui

o livre arbítrio; mas todos são socialmente responsáveis, porque vivem em sociedade"

(Muniz Sodré, "As Três Escolas Penais", 2.a ed., p. 352).

Desse modo, negado o livre arbítrio, a vontade deixa de ser causa determinante da

ação, para se tornar simples efeito autômato de anomalias orgânicas do delinquente ou de

condições ambientais, que o induzem ao crime (Bettiol — "Diritto Penale", 5.a ed., p. 41).

Consequentemente — observa agudamente o grande e saudoso professor e senador

italiano — "se, para os positivistas, a liberdade moral, isto é, o livre arbítrio, é uma simples

ilusão de nossa consciência falaz, que não distingue o nexo entre a ação e determinados

precedentes, segue-se que não tem justificativa aquele procedimento aflitivo — a pena —

que pressupõe liberdade de escolha. Não imputabilidade, responsabilidade, mas

periculosidade do réu — eis o título que justifica uma sanção penal ou a aplicação de

medida de segurança. O coração do sistema penal positivista está, pois — conclui Bettiol

— no conceito de 'periculosidade social', vale dizer, na probabilidade

Page 11: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

11

de que determinado indivíduo, em virtude de certa anomalia, possa praticar atos

socialmente danosos".

"Isto posto, a medida de segurança se aplica, não em função da gravidade do fato

criminoso, mas do grau de periculosidade do agente... Desse modo, será, geralmente, por

tempo indeterminado, porque não se pode saber, 'a priori', quanto tempo poderá durar a

anomalia, a doença, a periculosidade" (ob. cit. p. 41).

Nosso Código Penal de 1940, então, fez u.m conúbio incestuoso: "Nele — reza sua

'Exposição de Motivos' — os postulados da Escola Clássica fazem causa comum com os

princípios da Escola Positiva". "A autonomia da vontade humana — prossegue — é um

postulado de ordem prática (sic!), ao qual é indiferente (!) a interminável e insolúvel

controvérsia metafísica entre o determinismo e o livre arbítrio"...

Institui, assim, o "duplo-binário" — pena e medida de segurança (que não é senão

uma sobrepena). Vale dizer, cumpre o réu a pena principal, proporcionada ao delito,

porque reputado moralmente responsável, conforme os postulados da Escola Clássica; em

seguida, sofre a medida de segurança, indeterminada, até a cessação da periculosidade —

mercê dos princípios da Escola Positiva...

As consequências não se fizeram esperar. Por delitos de pequena monta, mesmo

contravenções penais, permaneceram e permanecem indivíduos nos institutos de

"reeducação", por tempo indeterminado, com desprezo à elementar norma da

proporcionalidade da pena à infração.

Reconheceu a falência do sistema o legislador do Código Penal de 1969, que

suprimiu a medida de segurança, reservada apenas aos delitos praticados por doentes

mentais.

Judiciosa a observação de Afrânio Peixoto: "Todos os Códigos Penais foram, e são,

'clássicos'; a Escola Positiva só tem por si os códigos teóricos projetados" ("Criminologia",

p. 41, "Guanabara",1933).

Tais as desastrosas consequências de uma escola filosófica engendrada pelo

positivismo, que Gruber qualifica de "une grande mystification, favorisée par 1'esprit vain

et superficiel d'un siècle de demi-savants" ("Le Positivisme", 1893, p. 497, ed. Lethielleux,

Paris).

Pois bem. Contemplando o mundo "das alturas católicas", como diria Donoso

Cortês, vale dizer, sob o prisma do Catolicismo, "que es el Cristianismo completo, la

síntesis más portentosa que ha brillado entre los hombres", uma vez que "todos los grandes

Page 12: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

12

problemas dei origen y destino están resueltos por él" — Pe. Emílio, com seu trabalho, "de

erudición pasmosa", vem desanuviar os espíritos recalcitrantes, demonstrando a

legitimidade, a eficácia, em face da conjuntura social, a necessidade da aplicação da pena

maior, com apoio: no consenso universal, na Bíblia — Antigo e Novo Testamento; no

Magistério da Igreja e nos teólogos, filósofos e juristas de grande porte.

"Se é verdade — adverte Tapparelli D'Azeglio — que a razão não deseja outra

coisa senão a verdade, de qualquer maneira que seja esta apresentada, a autoridade já

forneceu, na ordem 'abstraia', uma solução irrefutável à questão. E esta autoridade é de tal

natureza que somente um insensato poderia recusar: 'Uma vez que quase todas as

sociedades públicas têm aplicado a pena de morte, o gênero humano a reputa portanto

lícita. O legislador inspirado do povo hebreu, escrevendo sob o ditado do próprio Deus,

inscreveu a pena de morte nas suas leis penais; consequentemente, a revelação divina

proclama que a pena de morte é lícita no seio da sociedade". "In concreto", "a solução

filosófica do problema se reduz a decidir:

1.° — se a pena de morte pode ser necessária ao restabelecimento da ordem;

2.° — em que circunstâncias ela é necessária". E conclui: "a pena de morte é lícita por sua

natureza, porque ela pode ser um meio eficaz e necessário, com vistas aos diversos

objetivos da pena e, especialmente, tendo em vista a segurança pública". E arremata: "A

pena de morte deve (sic) ser aplicada, quando se constitui um meio necessário ao

restabelecimento da ordem violada, especialmente para o restabelecimento da segurança

pública" ("Saggio Teoretico de Diritto Naturale", Vol. I, §§ 831 e 832, Cività Cattolica —

Roma, 1928, 4.a ed.

Vincenzo Manzini, um dos maiores criminalistas modernos, em seu monumental

"Trattato di Diritto Penale", embora por outro ângulo, afina no mesmo diapasão:

"A questão da pena de morte — argumenta — tem para nós caráter político, não

filosófico, e muito menos de direito penal, sob cujo aspecto se pode examinar se ela é

conforme ou contrária aos princípios gerais em que deve inspirar-se o próprio direito. E

como, pelo hodierno direito penal, o objetivo essencial da pena é assegurar a observância

dos preceitos penais por parte de todos, em função da conservação e reintegração da ordem

jurídica, não se pode, seriamente, desconhecer que a pena de morte, no tocante à prevenção

da delinquência, seja idônea a tal fim.

"Também não se deve considerar que essa pena seja contrária ao espírito de

qualquer regime político. 'Eclesia non sitit salguinem'. Portanto, a Igreja, como

Page 13: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

13

comunidade universal dos católicos, não pode adotar a pena de morte. Mas o Estado da

Cidade do Vaticano, enquanto organização política e não simplesmente religiosa, admite a

pena de morte, por atentado contra a vida, a integridade ou a liberdade pessoal do Papa

incondicionadamente, e, ainda, por atentado contra Chefes de Estado, se tal pena é

cominada pela lei do respectivo país a que pertence o sujeito passivo do crime, conforme a

lei Vaticana de 7 de junho de 1929, art, 4.°. Tal pena não é contrária ao espírito dos estados

totalitários, como se experimentou na Itália. Na Alemanha, uma reforma nazista de 1933

cominou a pena de morte para os mais graves delitos, com efeito retroativo. A pena capital

não contrasta também com o espírito do Estado liberal democrático, monárquico ou

republicano. Tanto é verdade, que a Inglaterra, os Estados Unidos, a França têm mantido e

executado, sem parcimônia, a mesma pena. O mesmo se deve dizer dos Estados socialistas

e comunistas, valendo para todos o exemplo dá União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas russas.

"A pena de morte, portanto — repete — não contrasta com nenhum sistema

político, mas sobretudo com as ideias de certos filósofos ou 'filosofegianti', para os quais as

necessidades políticas parece não terem valor.

"Não é necessário remontar aos nossos maiores filósofos e criminalistas para

encontrar os corifeus da absoluta abolição da pena de morte, mas sim aos mais

sanguinários campeões da Revolução Francesa, como Robespierre e aqueles filósofos que

infestaram nossa ciência no século passado.

"Quem examine, sem ideias preconcebidas, todos os argumentos de caráter lógico

até agora excogitados contra a pena de morte, deve convir em que são evidentemente

sofistas".

Em seguida, o grande criminalista examina e refuta, com lógica irrespondível, os

argumentos mais encontradiços sobre sua aplicação, tais como sua inutilidade,

inseparabilidade e o tão decantado erro judiciário.

"A pretensa inutilidade da pena de morte — prossegue Manzini — é um absurdo

evidente, porque, admitindo a ineficácia dessa pena, dever-se-ia, necessariamente,

reconhecer a inanidade de todas as penas, para abolir a delinquência. A pena de morte é

útil como prevenção, porque tem a máxima força intimidativa, o que é demonstrado pela

experiência". "Se se conhece o número daqueles que foram condenados por crimes capitais

malgrado a pena de morte, não se pode saber quantos são aqueles que se abstiveram de

semelhantes delitos, por medo de tal pena".

Page 14: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

14

"Quem tem a prática" dos piores delinquentes não ignora como eles são

calculadores meticulosos e precisos das consequências dos seus crimes; e ninguém virá

negar que a previsão da pena dê morte constitua um motivo ioibiíórkr não desprezível".

Em abono de tal assertiva,. Hans von Hentig, professor de criminologia na

Universidade de Bonn, Alemanha, nos fornece exemplos expressivos: "Willian Cofee

resolveu matar a esposa e levou-a do Estado de Iowa, onde havia pena de morte, para o de

Wisconsin, cuja maior pena era a de prisão perpétua, e lá a executou.

"Meiko Petrovich levou sua mulher do Estado da Pensilvânia, onde havia pena de

morte, para Detroit, e ali a matou, confessando que a havia levado para o Estado de

Michigan, porque aqui estava mais seguro, pois ali não havia pena de morte.

"Menos feliz foi Isaad Swatelle. Resolveu matar seu irmão Iram. Com medo da

pena de morte, tratou de atraí-lo, do Estado de Massachussets, onde havia pena de morte,

para o de Maine, onde não havia tal pena. Não teve sorte, pois, errou a fronteira e o matou

no Estado de New Hampshire, onde foi executado". (Cf. "La Pena", vol. II, p. 130, Espasa

Calpe, Madrid, 1968, trad. do alemão por José Maria Rodriguez Devesa).

No tocante à irreparabilidade da pena de morte — prossegue Manzini — tal

circunstância "não pode constituir argumento decisivo contra tal pena, seja porque a

eventualidade de erro (excepcionalíssima, aliás) é própria de todas as penas, seja porque o

perdão pode interferir quando se vislumbrar uma possibilidade de erro, e seja ainda porque

se um fato é necessário, o risco de errar não pode torná-lo desnecessário, como acontece

nas operações cirúrgicas. Considere-se, ainda, que ninguém nega ao indivíduo a faculdade

de matar em legítima defesa ou em estado de necessidade, não obstante a possibilidade de

errar, tanto que a lei reconhece que o putativo equivale ao real".

"Se o temor de incorrer em erro devesse impedir a ação, toda a vida individual e

social permaneceria paralisada. A irreparabilidade da pena não pode conduzir senão a uma

única consequência: subordinar a condenação a especiais cautelas" (Relazione ai Re, sul

códice penale italiano).

Essa mesma cautela vem recomendada por Pio XII, em seu memorável discurso,

durante o VI Congresso Nacional da União de Juristas Católicos Italianos, pronunciado em

duas etapas — 5 de dezembro de 1954 e 25 de fevereiro de 1955:

"O juiz humano, que não tem a onipotência e a onisciência de Deus, tem o dever de

formar, antes de pronunciar a sentença, uma certeza moral, que exclua toda dúvida

razoável e séria sobre o ato externo e a culpabilidade interna". "Se, apesar de todos os

Page 15: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

15

esforços para a perquirição da verdade, permanecer alguma dúvida importante e séria,

nenhum juiz, de reta consciência, proferirá uma sentença condenatória, sobretudo se se

trata de uma pena irremediável,como é a pena de morte.

"Na maior parte dos delitos — acrescenta o Sumo Pontífice — o comportamento

externo reflete, suficientemente, o sentimento interno, de que procedeu. Portanto, como

regra geral, pode-se — e, algumas vezes, deve-se — extrair do externo uma conclusão

substancialmente exata, se não se quiser tornar impossíveis as ações jurídicas entre os

homens.

"Por outro lado, não se deve esquecer de que nenhuma sentença humana decide em

última instância e definitivamente da sorte de um homem, senão, unicamente, o juízo de

Deus, tanto relativamente a cada um dos atos particulares, como em relação à vida eterna.

"Portanto — arremata — em tudo aquilo em que os juízes humanos errarem, o Juiz

Supremo restabelecerá o equilíbrio: em primeiro lugar, imediatamente depois da morte —

no juízo definitivo sobre a vida inteira do homem; e, depois, mais tarde e mais

amplamente, na presença de todos no último juízo universal" (Cf. BAC — "Doutrina

Pontifícia", vol. 194, p. 501-502).

Como é intuitivo, essa certeza do juízo de Deus empresta um efeito salutar sobre a

pena de morte, como observou o grande criminalista católico, professor e senador italiano,

Giuseppe Bettiol:

"Quando se tem da emenda uma concepção espiritualista e se admite,

consequentemente, a sobrevivência da alma individual, a pena de morte, enquanto desperta

a alma do condenado, coloca-o de fronte às mais altas responsabilidades morais e

religiosas, e pode determinar uma 'conversio ad Deum', que ilumina retrospectivamente,

nos últimos momentos, toda uma vida" ("Diritto Penale", 11.* ed., p. 767).

Exemplo expressivo dessa "conversio ad Deum" foi a de Dimas, o bom ladrão, que,

no último instante, ganhou o Paraíso, graças à pena de morte...

E Hans Von Hentig informa que, segundo o Dr. Squire, médico da penitenciária de

Sing Sing, "de cento e trinta e oito condenados à morte, somente cinco recusaram o auxílio

do sacerdote: a maioria ia para a morte com o convencimento de que seus pecados haviam

sido perdoados" ("La Pena", II, p. 52, nota ti. 117).

Vem a pelo, a observação de Santo Tomás:

"O castigo não pressupõe sempre uma culpa, embora exija uma causa. A medicina

nunca priva de um bem maior para conseguir um bem menor, mas causa um menor para

Page 16: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

16

preservar o maior. E como os bens temporais são menores que os espirituais, pode alguém

receber um castigo temporal, sem culpa, para evitar um mal espiritual. Daí, castigos

temporais, sem razão aparente para o homem, mas conhecida somente de Deus" ("Suma

Teológica" 2-2 q 108 — Da Vingança).

"Aquilo que é acaso aos olhos de nossos conselhos incertos é um desígnio

consertado num Conselho mais alto" — dizia Bossuet, encerrando seu "Discours sur

l'Histoire Universelle", escrito para o Delfim da França.

"L'unico argomento considerabile contro la pena di morte — arremata Manzini — è

quello sentimentale, delia ripugnante atrocitá di codesta sanzione. Ma esso non può valere

soltanto quando le condizioni sociali sono tali da farritenere indispensabile la pena

capitale" (ob. cit. vol. III, n. 527, ed. Torinense, 1950).

Essa natural repugnância deve porém ser superada, ante a consideração do número

de vítimas poupadas com a execução de um criminoso de alta periculosidade:

"D. João VI, quando no Brasil, viu diante de si um miserável, que lhe pedia

clemência, depois de ter matado um sacerdote. Antes, já havia sido indultado pelo

assassínio de uma mulher grávida. 'Não o indulteis — ponderou o Conde D'Arcos — este

homem cometeu um crime infame'. — 'Um? — retrucou o rei — ele cometeu dois!' —

'Não senhor, um só -— atalhou o Conde — o segundo foi Vossa Magestade quem o

cometeu, porque não deveria ter perdoado o primeiro a tão grande criminoso'. O criminoso

foi enforcado, e o Conde D'Arcos continuou sendo Conselheiro do Rei" (Ramón Muííana

— "Nuevo Catecismo en Ejemplos", verbete n. 3.288).

Não poderia encerrar estas, considerações, absolutamente dispensáveis, ante a

magnitude desta obra, que fala "per se", sem transcrever, como arremate, a palavra

definitiva do Doutor Angélico.

"Se for necessário à saúde de todo o corpo humano a amputação de algum membro

que estiver infeccionado e possa contaminar os demais, tal amputação seria louvável e

saudável. Pois bem, cada pessoa singular se compara a toda comunidade; e, portanto, se

um homem for perigoso para a sociedade e a corrompe por algum pecado, louvável e

saudavelmente se lhe tira a vida para a conservação do bem comum, pois, como afirma São

Paulo, 'um pouco de levedura corrompe toda a massa' (I Cor. V, 6).

"Por conseguinte, embora matar ao homem que conserva sua dignidade seja em si

um mal, sem embargo, matar ao homem pecador pode ser um bem, como matar uma besta,

Page 17: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

17

pois, como diz Aristóteles, 'pior é o homem mau que uma besta' ("Suma Teológica, 2-2 Q.

64,art. 2, "In" BAC, vol. 152, p. 433/434).

Ítalo Galli

Ex-Presidente do Tribunal de Alçada Criminal e Desembargador

aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Page 18: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

18

PROPUGNADORES E ABOLICIONISTAS

DA

PENA CAPITAL

Pois se não quereis perder vosso reino, rimava Fr. Inigo de Mendoza em seu

Regimento de Príncipes, dirigindo-se à Isabel, a Católica:

"Empregai vosso poder em fazer justiças muito cumpridas; que matando poucas vidas

corrompidas todo o reino a meu julgar salvareis de arruinar"1

Assim o fez aquela grande Rainha e os. historiadores proclamam o êxito que sua

rigorosa justiça alcançou, limpando o país de bandoleiros, ladrões.e assassinos que o

infestavam. Veio, séculos mais tarde, questionar-se a eficácia e conveniência do

procedimento justiceiro com os malfeitores, originando-se a controvérsia com alguns que

julgavam desumana e injusta a condenação à morte dos bandidos e assassinos.

"Apesar de século e meio de polêmicas não se chegou, todavia, a um acordo

unânime, nem no que respeita à essência e aos fins da pena, nem sobre a necessidade ou

conveniência da pena capital."2 Isto escrevia-se em 1954; desde então, houve no mundo

diversas alternativas, ora de reforço das leis penais, ora de abrandamento ou de campanhas

veementes em favor da abolição da pena máxima. Em 1975, .por ocasião dos processos de

Burgos e da execução de cinco terroristas, desencadeou-se uma furibunda campanha,

orquestrada por Moscou, contra a pena de morte e contra a Espanha — olvidando, muitos

dos que a secundaram, que na própria Rússia, no mesmo ano, nos meses anteriores ao de

agosto, já haviam sido executados 18 criminosos por delitos, em geral, bem menores que

os dos terroristas espanhóis. Movimento mui semelhante aos clamores que em todo o

mundo se produziram quando da execução do anarquista Ferrer, no começo da Semana

Trágica de Barcelona. É que a Revolução jamais perdoa à Espanha Católica ter sido

"martelo de hereges, luz de Trento e espada de Roma", e, por isso, periodicamente,

1 - Nicolas López Marttoez, Los Judaisantes Çastellanos y la Inquisición en tiempo de Isabel la Católica,

Burgos, 1954, p. 2. 2 - 2 H. Kiilile, Staat unâ Toãesstrafe, Munster, 1934, p. 2.

Page 19: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

19

aproveita toda oportunidade para infamá-la e, se fora possível, destruí-la, para o que não

lhe faltam tão pouco filhos desnaturados e antipatriotas que a ela unem seus esforços.

Em 1958, escrevia o notável penalista Cuello Calón, em sua obra, A Moderna

Penologia: "A pena de morte legitima-se quando é merecida. Há crimes que causam horror

tão profundo que a consciência coletiva só os considera puníveis com o supremo castigo."3

Seja como for, é absolutamente certo e de experiência, que a paz e a ordem dos

povos se sustenta ou gira — segundo o símile do grande teólogo-jurista João de Lugo -—

sobre dois eixos ou gonzos: o prêmio e o castigo, "sem os quais prevaleceriam os

criminosos e não poderiam viver os homens honrados; razão pela qual bem se poderia

dizer que, de certo modo, este castigo é de direito natural"'4

Mas isto não obsta a que a Revolução, em seu desígnio de deixar inerme o poder

público, para melhor demolir a sociedade ocidental que, embora semiapóstata do

catolicismo, é, sem embargo, de raiz cristã, concentre suas baterias contra o instituto da

pena capital, muito consciente da exatidão daquela expressão proverbial: "À corrupção dos

povos nasce da indulgência dos tribunais e da impunidade dos delitos."5 Talvez nisto se

ache a razão por que, na Declaração dos Direitos do Homem, não se inclua também o

direito de o Estado infringir a pena capital, para os que, violenta e injustamente, arrebatam

dos outros o primeiro dos direitos, que é a vida.

Para uma exata compreensão do grave problema da pena de morte, creio que pode

ajudar muito, supondo um sucinto conhecimento dos argumentos de uma e outra parte,

conhecer também quais são seus respectivos defensores, ou seja, quem é quem, qual a

intenção, índole e condições de julgamento daqueles que propugnam e daqueles que

impugnam a execução dos malfeitores.

Assim, pois, vou desenhar, embora em rápidos bosquejos, as forças que militam em

ambos os campos e as razões que aduzem, de acordo com a seguinte ordem:

A) A FAVOR DO INSTITUTO DA PENA CAPITAL

01. Consentimento Universal.

02. A Pena de Morte no Antigo Testamento.

3 - Ap. Kurt Bossa, La pena de Muerte, Barcelona, 1970, p. 7.

4 - Joannls de Lugo, De Justitia et Jure, Dip. X sect. II n. 58 (na editio novíssima, de Lyon, 1652 I, 250).

5 - Ap. Universiáaâ P. Boliviana XVII (abril-junio 1952), 203, onde esta frase é atribuída a Bolívar.

Page 20: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

20

03. A Pena de Morte no Novo Testamento. A Lei de Talião.

04. O Magistério da Igreja e os teólogos em face da Pena de Morte.

05. Os Grandes Homens e a Pena de Morte.

06. Justificação racional da Pena de Morte. Razão fundamental:

Restauração da ordem jurídica quebrantada.

07. Outras razões: Intimidação, segurança, tutela dos cidadãos etc.

B) ABOLICIONISTAS DA PENA CAPITAL

08. Secularização do Direito e começo do movimento abolicionista.

09. Quem são os abolicionistas.

10. O "progressismo" religioso e a Pena de Morte.

11. Razões e argumentos com que os abolicionistas tentam demonstrar

suas teses.

12. O erro judicial.

13. "Com a abolição, dizem, os crimes diminuem".

14. Os socialistas e a Pena de Morte.

15. Recuperação e reincidência dos malfeitores.

16. Brasil, exemplo de país sem a Pena de Morte.

17. Epílogo.

A) A FAVOR DO INSTITUTO DA PENA CAPITAL:

01. CONSENTIMENTO UNIVERSAL

O primeiro grande obstáculo que os abolicionistas encontram em seu caminho é a

autoridade do gênero humano, que se manifesta no fato evidente de que todos os "povos

hajam aplicado essa pena, em castigo de grandes delitos.6

Com efeito, toda humanidade e em todos os tempos, tanto os povos civilizados

como os bárbaros, tanto as democracias como as aristocracias, os regimes socialistas e os

ditatoriais, e até em todas as religiões, foi admitida e legitimada a pena capital. Como diz

bem Zelmar Barbosa: "convém assinalar que não tem havido civilização — nem religião—

6 - Mr. Leven inicia a Introduction a De la Peine ãe Mort, de Mittermaier, Paris, 1865, com estas palavras:

"No começo do último século — o XVIII — .a pena de morte era admitida por iodos os povos."

Page 21: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

21

que de alguma maneira não a tenha aceitado. Desde a antiga Grécia até a revolucionária

França; desde os egípcios até os modernos norte-americanos; desde os judeus do Antigo

Testamento até os Pontífices Romanos, passando pelo Evangelho, todos, sem exceção, têm

justificado e legislado sobre a Pena de Morte."7

E então, que pensar deste fato? Diremos que toda a humanidade conveio em

legitimar um assassinato? Mais prudente me parece a conclusão de Roberti.: "É

impossível; que um erro gravíssimo, contra um preceito fundamental da lei natural, seja tão

comumente aceito.”8 Diante de tão lógica impossibilidade, impõe-se a conclusão do sábio

Cathrein: "Nunca teriam todos os homens outorgado ao Estado o poder de infligir a pena

capital, se isso não fosse uma exigência da razão humana."9

De fato, todos os povos concederam à Autoridade Suprema da sociedade, esse

poder, o qual, "Nunquan fecissent” dizem os teólogos Noldin-Sehmitt, se não fossem

levados a isso pela mesma razão natural.10

Tão claro e convincente se manifesta à razão

humana o ditame da justiça que prescreve a morte de quem a outro tirou a vida, que, como

dizia a insigne penalista Conceição Arenal — tão humana! Que até os próprios malfeitores

o reconhecem: "O homicida para defender-se nega o fato; o direito de impor-lhe a última

pena não o nega se sua razão está perfeita." E que à pergunta "Que pena merece o que

mata?" A consciência da humanidade, a do mesmo culpado responde, a Morte.”11

O Bom Ladrão reconheceu a justiça da pena; a seu companheiro, que insultava a

Jesus, repreendeu-o, dizendo-lhe: "Não temes a Deus, tu que estás no mesmo suplício? Nós

outros o temos merecido, por isso pagamos nossos crimes, porém este nenhum mal fez."12

Joana Bedoyo, jovem condenada à morte por vários crimes, disse: "Nestes últimos

momentos quero que todo o mundo Saiba que eu fui condenada à morte com justiça pelos

crimes que cometi"13

Cheia está a história de casos semelhantes.

7 - Adalberto Zelmar Barbosa, La pena de muerte y la "conciencia universal", in Verbo, de Buenos Aires, 156

(1975) 6-7. 8 - Roberti y Palasniii, Diecíonario cie Teologia moral, trad. esp. Barcelona, J. Gili, 1960, Art. Muerte, p. 819.

9 - Viktor Cathrein, Moralphilosophie, Friburgo, 4.a ed., 1904, t. II, p. 653

10 - Noldn-Sehmitt, Summ. TTieol. Mor., Ratisbona, 1939, ed. 17, II, 330.

11 - Ap. C. Amor Naveiro, BI problema de lá Pena de Muerte, 2A ed., Madrid, 1917. p. 102.

12 - LUC. XXÍII, 41.

13 - Jaime Tarragó, Pena de Muerte y Paz Social, in Fuersa NuéOa, 460 (01-XI-75), p. 18.

Page 22: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

22

No primeiro ano de nossa Cruzada, recordo perfeitamente o caso de Garcia Atadell,

responsável com sua "Brigada do Amanhecer" por uns 700 assassinatos e que, detido nas

Canárias, fugindo para a América, foi condenado à pena última, e dá prisão escreveu

formosas cartas a seu amigo Indalecio Prieto, reconhecendo-se gravemente culpado e

exortando o amigo a retroceder em seus passos.

Em todo caso, o consenso universal sobre a licitude e exemplaridade da pena

capital não é algo histórico, já passado, como pretende o Professor Marino Barbero,

tratando de desvirtuar com argumentos irrelevantes e com sofismas o que chama "razão

histórica" que, segundo ele, carece do "valor de exemplo para um pensar que corresponda

à nossa época".14

É que essa convicção da humanidade não é nenhum fenômeno histórico

já passado e que portanto não corresponde ao pensar de nossa época; é, pelo contrário,

coisa atual e atuante, pois, sem dúvida, a maioria do gênero humano está com essa

convicção, e, ainda que alguns poucos países aboliram a pena capital, dentro de suas

fronteiras continua a maior e melhor parte de seus cidadãos a clamar por seu

restabelecimento. Senão vejamos.

A estatística que tenho em mãos, e da que se serve também o Prof. Barbero, é a

contida no livro Capital Punishment, publicado em 1962 pelo Departamento Económico e

Social da ONU,15

cuja composição, porém, não é da Secretaria das Nações Unidas, senão

obra particular do apaixonado e nada honesto abolicionista Marc Ancel, apesar do qual,

Barbero, J. Berdugo, Garcia Valdês e outros abolicionistas a apresentam e utilizam como

pensamento da ONU.16

Segundo esse Report de Ancel que, repito, não é nada confiável apesar dos

malabarismos e contas raras que faz o autor com as estatísticas para diminuir o número de

países que mantêm a pena capital e aumentar o de abolicionistas,17

ainda assim resulta que

a grande maioria dos países do globo conservam em sua legislação a pena última; e, repito,

14

- Marino Barbero Santos, Estúdios áe Criminologia y Bereehô Penal, VaUadolid, 1972, p. 147, 15

- Capital Punishment, United Nations, New York, 1962, p. 1. 16

- Advirto já desde agora, ao leitor interessado, que, como mais adiante exponho e provo, os mais ardentes e famosos abolicionistas de nosso tempo carecem de toda probidade científica e moral, pois mentem e falsificam os dados de relatórios e estatísticas. 17

- É gracioso, por exemplo, que os Estados Unidos, onde 42 dos 50 Estados da União mantêm a pena de morte, figure como um dos países retencionistas; mas na lista dos países abolicionistas, para aumentar seu número, insere Ancel um a um os outros seis Estados abolicionistas.

Page 23: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

23

naqueles em que foi abolida, grande é o clamor do povo por sua restauração. Demos uma

olhada nos países mais em foco e que recentemente aboliram a pena capital.

Inglaterra — "Em março de 1960 o Instituto Gallup dava a conhecer que 78% da

opinião pública era decidida mantenedora da penalidade máxima."18

Uma sondagem da opinião pública inglesa (em 1975) "mostra que 88% deseja ver

restaurada a pena de morte para homicidas".19

Depois da abolição decretada em 1969,

"nove, de cada dez ingleses, opinam no sentido de que a pena de morte deve ser

reintroduzida".20

Estados Unidos — Havendo a Suprema Corte, em 1972, declarado inconstitucional

a pena de morte, ficou praticamente abolida no país; porém logo se fez ouvir o clamor

público pedindo seu restabelecimento. Uma sondagem do Instituto Gallup manifestou que,

de cada 5 ianques, quatro eram partidários da manutenção da pena capital.21

À vista da

espantosa "onda de crimes" que se desencadeou depois dessa mitigação de 1972, moveu-se

"uma grande campanha nos meios de comunicação nacional e social para que a Suprema

Corte de Washington imponha a pena de morte em toda a nação".22

Alemanha — Uma importante revista dos advogados alemães "organizou um

inquérito entre 17.000 advogados e notários sobre a pergunta: Pró ou contra a pena capital?

O resultado foi que 83% dos interrogados se mostraram favoráveis à pena"-23

Múller

Meinungen, desalentado com a pouca correspondência do público com suas ideias

abolicionistas, termina sua exposição com este sonho: "Dia virá em que o grande poder da

opinião pública deverá ratificar um NÃO, claro e incondicional, à pena de morte."24

No

ano de 1958 — a abolição havia sido decretada em 1949 — diz Garcia Valdês que 80%

dos alemães se mostravam a favor da manutenção e aplicação daquela penalidade, como

freio da delinquência.25

18

- C. Garcia Valdês, in Vários, La Pena de Muerte. 6 respuestas, Madrid, 1978, p. 141. 19

- Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ll-XII-75. 20

- Barbero Santos, in Vários, La Pena de Muerte, Madrid, 1978, p. 62. 21

- Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18-111-72. 22

- G. Prieto Cifuentes, Ola de Crimines en los Estados Unidos, in Ecclesia, n.° 1680 (23-11-74), p. 261. 23

- Ernest Muller-Meinungen, Toãessstrafe unã õffentliche Meinung,in Vários, Die Frage der Todesstrafe, Miinchen, 1962, p. 110. 24

- Ibid., p. 119. 25

- in Vários, La Pena de Muerte, Madrid, 1978, p. 140.

Page 24: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

24

França — "Uma pesquisa realizada há alguns dias mostrou que 58% dos franceses

são favoráveis à manutenção da guilhotina."26

Em 1975, 83% eram favoráveis, "enquanto

só uns 13% eram de opinião contrária".27

Em 1978 permanece a mesma proporção do ano

anterior.28

Por isso, dizia Pierre Pujo que os abolicionistas encontram em seu caminho um

obstáculo: "A afirmação pública, cujas sondagens têm indicado, até o presente, que ela

permanece oposta à supressão da pena de morte."29

Claro está que para os inflamados democratas de França, como da Espanha, não é

questão de dever submeter-se à lei da maioria, quando vai contra suas teses subversivas.

Assim, depois de uma intensa campanha, em que se lança mão de todos os meios para

manipular a opinião e fazer crer ao público que a abolição está na linha do progresso

moderno, ainda que com isso não se chegasse a apagar de todo a luz natural da maioria,

todavia, diminuiu-se o poder de resistência e à custa do bem-estar, da segurança e do viver

tranqüilo do povo honesto, implanta-se a lei e os partidários da Revolução celebram seu

triunfo, e regozijam-se, em uníssono com os malfeitores.

02. A PENA DE MORTE NO ANTIGO TESTAMENTO

É indubitável, e nenhum crente porá em dúvida, que Deus é o Supremo Senhor da

vida e que, por conseguinte, pode transmitir às autoridades temporais, por Ele ordenadas

em toda sociedade, o direito sobre a vida e a morte e portanto o de infligir a pena capital

em caso de necessidade. Que assim o tem feito em certos casos, e para determinados

delitos, atesta-o claramente a Sagrada Escritura.

Já no Gênesis, diz Deus a Noé: "Quem derrame o sangue humano, por mão humana

será derramado o seu; porque o homem foi feito à imagem de Deus."30

No Êxodo,

promulgado o Decálogo, continua o Legislador: "Quem ferir um homem, querendo matá-

lo, será castigado com a morte"31

e com mais ênfase, dois versículos mais adiante, no

mesmo capítulo: "Se alguém, premeditada e insidiosamente matar seu próximo, até de meu

26

- as Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6-X-81. 27

- Ya, 20-11-75. 28

- O Globo, Rio de Janeiro, 26-1-76. 29

- Pierre Pujo, Le Debat sur la Peine de Mort, in Aspects ãe la France, n.° 1604 (21-VI-79), p. 1. 30

- Gen. IX, 6. 31

- Ex. XXI, 12.

Page 25: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

25

altar o arrancarás para dar-lhe morte."32

No Levítico reitera-se concisamente o castigo:

"Quem ferir e matar um homem, seja morto irremissivelmente."33

No livro dos Números, para evitar um possível erro no juízo, exige-se que sejam

várias as testemunhas do crime. "Todo homicida será morto por depoimento de

testemunhas; uma só testemunha não basta para condenar à morte um homem", e continua

o hagiógrafo: "O sangue (do inocente) contamina a terra e não pode a terra purificar- se

com o sangue nela vertida, senão com o sangue de quem o derramou."34

É pois evidente que Deus permite e que é lícita a execução dos réus de homicídio.

Porém, há mais; pelo teor dos textos, vê-se claro que não contêm somente uma permissão,

"trata-se — dizem os eminentes biblistas Schuster e Holzammer — de uma obrigação que

o Senhor da vida impõe ao homem, de castigar com a morte todo assassino,35

ou como se

expressa Welty: "No Antigo Testamento não somente se aprova como ação lícita a

execução dos criminosos, como também é algo expressamente aprovado e mandado por

Deus-" 36

Acrescente-se, a essa obrigatoriedade do castigo, a reiterada proibição de

conceder indulto ao homicida.37

Todavia, como essa que diríamos divinização do poder social, para o castigo último

dos delinquentes, se tornou muito incomoda aos abolicionistas e sobretudo aos pretensos

católicos progressistas, optam por negar gratuitamente sua validez atual, dizendo que

aquele foi tão só ordenamento jurídico para um povo em particular, mas que não tem valor

universal.

Entretanto, no Antigo Testamento existem preceitos morais, cerimoniais e

judiciários. Estes dois últimos, desde a morte do Redentor, cessaram por completo,

tornando-se letra morta. Quanto aos morais, é doutrina comum entre os doutores, que eles

se fundamentam, reproduzem e consubstanciam o direito natural, e, portanto, mantêm

perfeita vigência na Lova Lei, não enquanto formulados por Moisés, senão enquanto têm

32

- Ex. XXI, 14. 33

- Lev. XXIV, 17. 34

- Num. XXXV, 30-33. 35

- J. Schuster und HJ. B. Holzammer, HanâbucTi zur biblischen Geschichts, Friburgo, 7» ed., 1910, tomo I, p. 230. 36

- Èberhard Welty, Cat. Social, Barcelona, 1957, p. 91. 37

- Gen. IX, 5 s., Ex. XXI, 12-27, Núm. XXXV, 31.

Page 26: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

26

por autor a Deus Criador da natureza humana e a Jesus Cristo que os confirmou: "Non veni

solvere legem seâ adimplere."38

"Não vim ab-rogar a lei, mas cumpri-la."

Ou de outro modo. Sendo Deus o autor da sociedade humana, outorgou sem dúvida

aos governantes todos aqueles poderes que são necessários para manter a vida política e

pacífica dos cidadãos, um dos quais, indispensável, é o de infligir castigo aos malfeitores,

sem o qual não poderia subsistir a república. É pois indubitável que a autoridade pública

pode licitamente privar da vida os delinquentes. Este poder é de direito divino, natural,

segundo o sentimento unânime

dos católicos — communis catholicorum sensus — diz João de Lugo, "porque se a nação

não pudesse defender-se convenientemente dos malfeitores, castigando-os e ainda

matando-os quando fosse necessário, seria por eles gravemente perturbada”.39

03. A PENA DE MORTE NO NOVO TESTAMENTO: A LEI DE TALIÃO

Jesus Cristo é o eixo da história humana, o ponto central dos tempos. Antes d'Ele, o

mundo antigo; depois d'Ele, o mundo moderno. No antigo reinava o temor; no novo,

impera o amor. Jesus

Cristo manifesta-nos a paternidade divina. Deus é nosso Pai, Deus é amor, mas, antes de

tudo, introduz uma grande inovação: que devemos amar a nossos inimigos.

Quer isto dizer, como com ênfase proclamam muitos abolicionistas, que os

castigos, e sobretudo a pena máxima, são antievangélicas? Não conseguem aqueles

distinguir a ordem da justiça, da ordem da caridade, e contrapõem essas duas virtudes

como se a justiça fosse equivalente à vingança e ódio e portanto oposta à caridade. Isto é

gravemente errôneo. A justiça é uma das virtudes cardeais e, até certo ponto, é aquela que

"levanta as nações"40

Jesus veio para anunciar a justiça às nações e fazê-la triunfar.41

A

Justiça faz reinar a ordem e a paz, tanto na vida individual como na social. Sem ela,

imperaria a luta entre os interesses rivais, a anarquia e a opressão dos débeis pelos fortes, o

triunfo do mal.

38

- Mat. V, 17. 39

- Lugo,, De Justitia et Jure, Disp. X sect. 2.a n.° 56-58. Cfr. q livro bem pensado e completo de David Núnez, La Pena de Muerte frente a La Iglesia y ai Estado, 2.a ed., Buenos Aires, 1970. 40

- PfOV, XIV, 34. 41

- Mi. XII, 18-20.

Page 27: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

27

Nos Evangelhos está declarada e manifesta várias vezes a pena de morte. Vejamo-

lo.

No Sermão da Montanha começa Jesus por prevenir a multidão sobre sua missão:

"Não penseis que vim para ab-rogar a Lei e os Profetas, não vim para ab-rogá-la, senão

para aperfeiçoá-la... Haveis ouvido o que se disse aos. antigos: Não matarás, o que matar

será réu de juízo... o que disser "raça" será réu perante o Sanedrim."42

Como se vê, não derroga Jesus a pena de morte que a Lei assinalava para os

homicidas, sem esperança de indulto nem de asilo, mas os judeus limitavam este

mandamento ao só fato físico de matar, sem levar em conta a ira ou o apetite de vingança e

as injúrias. Jesus confirma a prescrição mosaica, porém ensina-lhes que a ira e o rancor são

também imputáveis e merecedores, perante o tribunal divino, de análoga reprovação.

Não estão pois em oposição a caridade, a todos recomendada, e a justiça, confiada

aos que -nos governam, porque, como adverte o grande exegeta Lagrange: "Se cada um

pode renunciar a seu direito e perdoar, à autoridade não é permitido renunciar à sua missão

de fazer reinar a boa ordem social, a qual exige a punição dos delinquentes."43

No Jardim de Getsêmani, havendo chegado Judas com um grupo de pessoas,

deitaram mão em Jesus e prenderam-no. Enquanto isto, vieram os discípulos: "Simão

Pedro, que levava a espada, desembainhou-a e feriu um servo do Pontífice, cortando-lhe

uma orelha." O Senhor, dirigindo-se a Pedro, e dando-lhe uma lição de justiça, disse-lhe:

"Embainha tua espada; porque todos os que usarem a espada, pela espada morrerão"44

, isto

é, todos os que se arrogarem o direito de matar, sendo os vingadores de si mesmos, os que

não têm direito à espada como os magistrados, senão que a usam por sua própria

autoridade, serão vítimas da espada.45

Porque quem a ferro mata, a ferro deve morrer. É

bem sabido, escreve Steenkiste,46

que aquela sentença de Jesus a Simão Pedro "desagrada

sobremaneira aos abolicionistas da pena de morte", pois se opõe inequivocamente a sua

tese.

Donde com meridiana claridade e de forma irrefutável se faz ver que Deus outorga

aos príncipes o direito de aplicar a pena máxima a réus de graves delitos, é no

42

- Mt. V, 17-22. 43

- M. J. Lagrange, Evangile selon S. Mathieu, 7.a ed., Paris, 1948, p. 112. 44

- Mt. XXVI, 47-52; Jo. XVIII, 2-12. 45

- Card. Isidro Goma, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930, IV, 296. 46

- J.A. Steenkiste, Comm. in Matheum, Brujas, 1903, II, 906.

Page 28: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

28

interrogatório de Pilatos a Jesus. O Governador procura salvá-lo e dirige-lhe várias

perguntas, porém Jesus não lhe deu resposta — Jesus autem tacebat — Pilatos sente-se

incomodado, crê-se afrontado e trata de infundir-lhe temor com gravíssima ameaça de

morte, apoiando-se em sua autoridade suprema: "A mim não me respondes? Não sabes que

tenho poder para crucificar-te, e que tenho poder para soltar-te?" Divinamente calmo, Jesus

recorda-lhe que esse poder não é dele, mas foi-lhe dado do alto —desuper — para fazer

justiça, pois, "toda autoridade humana é delegada do céu."47

"Não terias sobre mim

nenhum poder se não te fosse dado do alto." Com isto avisava o Governador de que visse

como julgava, pois havendo recebido do céu o poder, Deus pedir-lhe- ia contas se dele

usava iniquamente. "Por isto, o que a ti me entregou, maior pecado tem", porque, se o

Governador romano, que não tinha maior conhecimento de Jesus, era culpado, bem maior

era a culpa de Caifás que em nome do Sanedrim o entregou, pois os chefes de Israel

conheciam o Senhor e sua santidade e milagres e apesar disso, com verdadeira maldade, o

haviam entregue a Pilatos.48

O que com mais claridade ressalta daquela resposta de Cristo

ao Governador romano é a doutrina, diversas vezes ensinada na Sagrada Escritura,49

segundo a qual todo poder vem de Deus e que o Divino Mestre atribui expressamente ao

juiz que aplica a pena de morte.

Barbero Santos, em seu vão intento de iludir a clara afirmação de Jesus a Pilatos,

que o poder o havia recebido do alto, sai-se com uma exegese surpreendente: Naquelas

palavras, diz, não se declara que o poder vem de Deus "significam, unicamente, que se

concedia poder, para um caso concreto, para matar a Cristo". Como! Foi-lhe concedida

licença para o deicídio! Já pois não houve pecado algum em Pilatos, estava devidamente,

ou melhor, divinamente, autorizado para "matar a Cristo". O que sem dúvida quis

significar Jesus com aquelas palavras, é exatamente o contrário dessa interpretação.

Adverte a Pilatos que o poder que tem não está a mercê de seu arbítrio, do alto recebeu-o, e

dele há de dar conta a quem lhe outorgou.

Há, enfim, outra passagem evangélica em que de novo se manifesta a justiça e a

licitude do último suplício aplicado a facínoras. É a confissão do Bom Ladrão.

Crucificados à direita e esquerda do Redentor, um companheiro insulta Jesus, porém o

Bom Ladrão interpela-o, confessa seus delitos e proclama a justiça com que se lhes

47

- Zn. XIX, 11; Rom. XIII, 1. 48

- In. XIX, 12. 49

- Cfr. Prov. VIII, 15; Sab. VI, 4; Dn. II, 21; Rom. XIII, 1-2.

Page 29: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

29

condenou por seus crimes e a injustiça da condenação de Jesus inocente".50

"Nem tu, que

estás sofrendo o mesmo suplício, temes a Deus?" Nós outros temo-lo merecido, por isso

recebemos o digno castigo de nossos crimes; porém este nenhum mal fez."51

Sua confissão

humilde, e a aceitação do merecido castigo, valeu-lhe a entrada imediata no Paraíso.

Não só nos Evangelhos mas também em outros livros do Novo Testamento se dá

por justa a pena de morte. Ante as graves acusações dos judeus a S. Paulo, no tribunal do

Procurador Pórcio Festo, Pablo diz-lhe: "Tu sabes muito bem que nenhuma injúria fiz aos

judeus. Se cometi alguma injustiça ou crime pelo qual seja réu de morte, não recuso

morrer."52

São João, o discípulo amado de Jesus, recorda-nos o preceito da lei mosaica e as

palavras de Jesus a Pedro: "Quem a ferro matar, é preciso que a ferro seja morto."53

São Paulo, em sua epístola aos romanos, expõe com meridiana claridade as

faculdades de que está investida a autoridade pública, inclusive a de fazer uso da espada,

símbolo do poder sobre a vida dos malfeitores. "Os príncipes é magistrados só são temíveis

para os que procedem mal. Queres não temê-las, as autoridades? Pois procede bem e elas

louvar-te-ão; porque o príncipe é um ministro de Deus, colocado para teu bem. Mas se

procedes mal, treme, porque não em vão brande a espada; sendo como é, ministro de Deus,

para “exercer a justiça, castigando o que procede mal."54

A Lei de Talião — Entre outras razões, alegam os abolicionistas contra a pena de

morte, que ela significa a aplicação da antiga, "bárbara e injusta" Lei de Talião, hoje

repelida, dizem, por todas as legislações. Isto é grave erro dos abolicionistas que por

ignorância e por malícia tomam o Talião em seu sentido material e igualitário, de todo

inadmissível. O Talião é o fundamento de toda legislação penal, não enquanto prescreve

uma igualdade material ou aritmética entre o delito e a pena: "Olho por olho, dente por

dente", porque isso em muitos casos resultaria moral e impossível, senão em seu aspecto

formal ou moral, igualdade de proporção entre o delito e a pena.

50

- Goma, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930. 51

- Lc. XXIII, 40-43. 52

- ACt. XXV, 9-11. 53

- Ap. xin, 10. 54

- Rom. XIII, 3-4.

Page 30: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

30

"A suprema justiça, escreve um exegeta moderno,55

é dar ao culpável o que merece

na mesma linha de sua falta." Isto é exigência da própria razão natural. "Graduar a

crueldade dos suplícios pela crueldade dos crimes."56

A humanidade inteira entendeu

sempre que aos réus de crimes graves se há de irrogar-lhes uma pena equivalente ou

proporcional a seu delito. Já no Fuero Juzgo aparece esse princípio da proporcionalidade

das penas. "Saeva temeritas severioribus poenis est legaliter ulciscenda"57

e a voz do

povo, pela boca de D. Gonçalo, diante da morte de D. João, proclama o Talião:

"Esta é justiça de Deus.

Quem tal fez que tal pague."58

Nota sabiamente o Cardeal Goma que o Talião exige "igualdade de medida e não

identidade do castigo".59

A mencionada Conceição Arenal, muito humana em todas suas intervenções

criminalistas e penais, expressa essa convicção universal com estas notáveis palavras: "O

Talião, isto é, um castigo igual ao dano que se provocou, está na consciência da

humanidade, na do ofendido e na do ofensor, em todos, é a justiça, severa, porém é a

justiça."60

Escutemos ainda outra, mais autorizada, e cheia de vigor apesar dos séculos

transcorridos. É o grande Doutor da Igreja S. João Crisóstomo: "Tu dizes ser Deus cruel

por haver mandado tirar olho por olho, pois se a Lei de Talião é crueldade, também o será

reprimir o assassino e cortar os passos ao adúltero. Mas isto só um insensato e um louco

poderão por remate afirmá-lo."

"Eu, de minha parte, tão longe estou de dizer que haja crueldade nisso, que melhor

afirmo que, em boa razão humana, o contrário seria antes uma iniquidade... Imaginemos,

senão, por um momento que toda a lei penal foi abolida, e que ninguém tenha que temer

55

- Sebastian Bartrina, Comentário ai Apoc... âe S. Juan ap. La Sagrada Escritura comentada (BAC) ,2> ed. N. Tést. III, 740. 56

- Cóncepción Arenal, El Deréeho ãe gracia, Madrid, La Espana Moderna, 1867, p. 230. 57

- Ap. Eduardo de Hinojosa, Obras, Madrid, C.S.I.C., 1948, I, 49. 58

- Tirso de Molina, El Burlaãor de Sevilla, acto 3,°,, es. XXI. 59

- I. Goma, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930, II, 179. 60

- C. Arenal, Cartas a los ãelincuentes, carta XXX; ap. C. Amor Naveiro, El Problema de la Pena de Muerte, Madrid, 1917, p. 102.

Page 31: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

31

castigo, que os malvados possam, sem temor, satisfazer suas paixões; que possam roubar,

matar, ser perjuros, adúlteros e parricidas. Não é assim que tudo se transtornaria de cima a

baixo, e que cidades, praças, famílias, a terra, o mar, o universo inteiro se encheria de

crimes e assassinatos? Evidentemente, porque se com todas as leis e seu temor e ameaças,

os malvados a duras penas se contêm, se essa barreira se deixara, que obstáculo ficaria para

impedir o triunfo da maldade? Com que virulência não intentariam contra nossas pessoas e

contra nossas vidas? Com isso juntar-se-ia outro mal menor, o deixar indefeso o inocente e

consentir que sofra sem razão nem motivo.61

Não falta, contudo, quem ainda admitindo a justiça do Talião mosaico, cuja

finalidade primária era a de restringir e moderar os excessos da vingança particular, afirma

que na Nova Lei já não tem sentido, uma vez que Jesus Cristo a aboliu prescrevendo o

perdão das injúrias em lugar da vingança.

Esta interpretação extensiva das palavras de Jesus provém, como já antes fizemos

notar, de não distinguir devidamente a ordem da caridade da ordem da justiça. Como

adverte o comentarista Steenkiste: "Aquelas palavras não as dirige o Salvador aos

magistrados mas ao comum dos homens."62

Porque se em mim a caridade está em perdoar

a quem me injuria ou me fere, o magistrado está em exercer a justiça castigando quem me

injuria e defendendo-me de quem me fere e defendendo igualmente todos os membros do

corpo social para evitar que vivam com insegurança e temor — como hoje sucede -— dos

assassinos impunes.

Esta foi em todo tempo a interpretação que a tradição católica e os doutores deram

às palavras do Divino Mestre sobre o Talião. Com elas, não se nos proíbe entregar à justiça

a punição da violência de que hajamos sido vítimas, pois isto é de direito natural e das

gentes, nem muito menos se proíbe aos magistrados infligir o castigo, ou aos príncipes a

guerra justa, porque isto é precisamente seu dever, a fim de que a justiça seja reparada, os

malfeitores castigados e a República viva toda na paz.63

04. O MAGISTÉRIO DA IGREJA E OS TEÓLOGOS PERANTE A PENA

DE MORTE

61

- Scti. «J. Chrysostomi, Opera Omnia, Migne P. L. VII, Col.- 246-7 — Eá. esp. de la BAC. 141, Madrid, 1955, I, 324-325 62

- J.A. Van Steenkiste, S. Evang. sec. Math. Comm., Brujas, .1903. I, 241. 63

- Jacob Tirini, In S. Scripturam Commentarius, Turin, 1883, IV, 31.

Page 32: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

32

A tradição cristã é praticamente unânime no reconhecimento da licitude moral da

pena de morte. "Entre os escritores da antiguidade cristã, escreve Ermecke, não se

encontra um só que haja negado formalmente a eticidade da pena capital."64

Houve, sim,

alguns como Atenágoras, Orígenes e Lactâncio que se manifestaram contra a participação

dos cristãos nas execuções. Às vezes um mesmo autor manifesta-se em uma passagem

favorável e em outro contrário à execução dos criminosos. Típico exemplo desta

ambivalência é Tertuliano, daí que seja alegado por uns e por outros em seu favor.65

Sem embargo, já Clemente Alexandrino, mestre de Orígenes, escrevendo em finais

do século II, preludia a proximidade dos grandes teólogos posteriores, que de mil formas se

serviriam da analogia por ele usada: A lei, como o hábil médico, cuida de seus clientes,

preocupa-se com os súditos, dirige-os à piedade para com Deus, ditames o que hão de fazer

e aparta-os do mal com penas oportunas, "porém, quando algum se mostra incorrigível e se

lança ao crime, então o Governante, que tem o cuidado de todos, deve, com muito justo

direito, levá-lo à morte, para que não cause dano aos demais".66

O máximo Doutor latino S. Agostinho, em sua obra principal A Cidade de Deus,

formula em termos inequívocos a doutrina cristã sobre a pena máxima: "Não procederão

contra este preceito que diz: Não matarás, aqueles que por mandato de Deus fizerem

guerras ou, investidos de autoridade pública, ao estilo das leis, isto é, ao estilo do império

da justíssima razão, castigarem os criminosos com a morte."67

Desde então para cá não

houve mais dúvida entre os doutores sobre a legitimidade e licitude da execução dos

grandes malfeitores.

Veio a confirmar esta doutrina de modo definitivo o Magistério Ordinário da Igreja,

a qual, aliás, como afirma Overbeck, "jamais pôs em dúvida o direito do Estado de infligir

a última pena".68

Tal direito do Estado, diz também Thamiry: "não foi jamais contestado

na Igreja".69

Houve sim, durante os dois milênios de vida cristã, hereges que negaram esse

direito ao poder público, como os albigenses ou cátaros, os anabatistas e também, em

nossos tempos, alguns neomodernistas ou progressistas, cuja nota distintiva é a desestima,

64

- Gustav Ermecke, Zur ethischen Begriinãung der Toãesstrafe.heuts, Pader, 1963, p. 10. 65

- B. Schupf, Das Tõtuns-Recht bei Friichristlictien Schriftstellern, Regensburg, 1958,, r*. 151-153. 66

- ciementis Alexandrini, Quae extant opera, Paris, 1572, Stromata, Lio; I, p. 114. 67

- s. Agustin, La Ciuãaã de Dios, Lib. I, Cap. 21. 68

- Alfreã Frhr Von Overbeck, In Staritslèxik,-- Fribuígo, in Br. 1912, V. 484v 69

- E. Thamiry, Diction. ãe Théol. Cathol., X-II e «Sol. 2504.

Page 33: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

33

e em vários deles, a repulsa formal do Magistério da Igreja. Contra o erro dos albigenses

pronuncia sentença o grande pontífice Inocêncio III e depois Leão X.70

Por sua vez Pio XII

manifestou-se reiteradamente contra os erros modernos a esse respeito.71

É tão claro e perentório o Magistério da Igreja a respeito da licitude da Pena de

Morte, que já no século XVII o famoso moralista bávaro Sporer a dava como de fé

católica: "Licitum est occidere malefactores. Certum de fide."72

E outro moderno teólogo,

também alemão, na mesma linha dogmática de Sporer, logo para fazer constar que as

legislações de todos os povos estão de acordo em outorgar ao poder soberano "o direito de

punir com a morte os crimes da pior espécie — acrescenta — nenhum teólogo católico

negará aos soberanos este direito"73

Com plena convicção dogmática, H. Lio assevera

terminante: "Não é lícito a um católico sustentar que a pena capital é intrinsecamente

imoral."74

Não é exagero acrescentar que a tradição protestante, desde os chefes da Reforma,

Lutero e Calvino, até anos mui recentes, foi unânime na adoção da pena de morte como

lícita e plenamente justificada. Agora, a teologia protestante está cindida nesse problema.

Enquanto alguns como Althaus e Kiinneth de todo convencidos de que o Estado, como

vingador da ordem jurídica e portador de divina autoridade tem o perfeito direito de

castigar com a pena de morte os criminosos; Karl Barth, pelo contrário, julga que tirar a

vida a um semelhante, ainda em caso de própria defesa, é ilícito.75

O mesmo Barth, porém,

acérrimo propulsor do abolicionismo, constrangido por motivos irrebatíveis, viu-se

obrigado ocasionalmente a admitir a licitude da pena capital.76

É muito singular, a respeito, a atitude de A.M. Ramsey, atual Arcebispo anglicano

de Cantuária, que no debate da Câmara dos Lordes, sobre a pena de morte, em 6 de julho

de 1956, se declarou pessoalmente a favor da abolição, porém, ao próprio tempo,

70

- Denzinger — Sehõnmetzer, Enehiridion Symaolorum, 34.a ed., Barcelona, 1967, 795 (425); 1483 (773). 71

- Francisco Leme Lopes, A Pena de Morte, Bio <Je Janeiro, 1957. Lopes insere o texto de várias intervenções do Papa Pio XII sobre a Pena de Morte. 72

- Patricia Sporer, Theol. mor. super Decalogum, Venecia, 1704, II, 103. 73

- Joh. Ev. Pruner, Katholische Moraltheologie, 3.a ed., Priburgo, 1902. 1,530-33. 74

- H. Lió, in Dict. Mor. et Çoft.,."Roma, 1966, võl. III, p. 769. 75

- Cfr, W. Kiinneth, in Die Frttge ãer Toãestràfe, Munich, 1962,P- 158.. 76

- G. Ermecke, op. c f t , p . 25.

Page 34: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

34

reconheceu que os argumentos contra a pena capital fundados no Novo Testamento eram

"suposições perigosas e moralmente carentes de valor demonstrativo".77

05. OS GRANDES HOMENS E A PENA DE MORTE

Já anteriormente estimamos o consentimento universal manifestado nas legislações

e pela maioria dos cidadãos de todos os países — inclusive dos abolicionistas — sobre a

adoção da pena de morte. A isto acrescenta-se outro fato que a todo homem sábio e

prudente impressiona: Todos os grandes homens que no mundo têm sido, filósofos,

estadistas e santos, se opuseram à abolição dessa pena.

Os grandes legisladores que promulgaram os quatro códigos de leis anteriores ao de

Moisés: Código Sumério, Código Hamurahi, Leis Hititas e Leis Assírias, todos eles

incluíram a pena de morte em sua legislação, por diversos delitos, se bem que com maior

prodigalidade que no Código Mosaico, que teve a moderá-lo a explícita intervenção

divina.78

O Talião material: olho por olho, vida por vida, em seu sentido material, constituía

o princípio das legislações antigas, porém logo os grandes pensadores da Grécia

começaram a raciocinar e elevar-se sobre aquela interpretação primitiva.

Protágoras já não quer saber do castigo como vingança. "Ele é o primeiro — diz

Gompsrz — a propor o escarmento ou exemplaridade da pena."79

Platão seguirá essa

doutrina no Górgias e no Protágoras; porém tal é o respeito que sente pela ordem legal,

para a estabilidade da república, que no Criton põe na boca de Sócrates a aceitação de sua

própria morte à que por uma lei iníqua havia sido

condenado.

Aristóteles, como homem sábio, admite também o Talião, porém ele formula,

primeiro, a proporcionalidade, e não a igualdade, como condição de sua validez: "A

justiça, diz, é o Talião, porém não no sentido em que o entenderam, os pitagóricos,

segundo os quais o justo consiste em que o ofensor sofra o mesmo dano que fez ao

ofendido... O que mantém unidos os homens é o Talião, baseado, não na igualdade, senão

77

- Cfr. J.D. Halloran, in Capital Punishment, Londres, 1963, p. 54. 78

- Jesus Precedo, La Pena, de. Muerte en el Pentateuco, in Compostellanum, enero-marzo 1957, p. 23-24. 79

- Theodor Gomperz, Griechische Deríker, 4.a ed., Bedini, 1922, T, 371.

Page 35: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

35

na proporção do castigo à falta"80

e prova sua asserção com vários exemplos. Em sua

Magna Ética volta o Estagirita sobre a questão. Depois de assentar que "a justiça é a

proporção" e que o justo se identifica com a Lei de Talião, não, porém, repete, "como o

entenderam os pitagóricos, isto é, segundo a igualdade, senão segundo a proporção", e

ilustra-o, entre outros, com o exemplo seguinte: "Se alguém tirou um olho de outro, não é

justo contentar-se com tirar um olho ao ofensor, senão que este deve sofrer um castigo

tanto maior, quanto exija a lei da proporção, posto que o ofensor foi o primeiro a agredir o

outro e a cometer o delito, é portanto culpável de uma dupla injustiça, e por conseguinte a

proporcionalidade exige que sendo os delitos mais graves o culpável sofra também um

mal maior que o que fez."81

Zenão e sua escola estóica, e Cícero foram partidários da pena de morte, que

justificavam como exigência da lei natural. Também Séneca ensinou que devia aplicar-se o

extermínio para os incorrigíveis.

Mas ele, sempre humanitário, com sentimentos, talvez já cristãos, quer que o

castigo seja sem ira "o bom juiz, quando dá ordem de decapitar um réu, condena, mas não

odeia"?82

Esta ideia de Séneca, porém já em linguagem evangélica, repete-a Carrara: "Sim,

castigar, eternamente castigar, é o destino imutável da humanidade." Mas no futuro, "já

não se punirá com ímpeto de caprichoso furor, mas com amor fraterno".83

Cícero, Séneca e

os demais estóicos nunca defenderam a Lei de Talião em seu sentido material senão

sempre no de proporção, ao modo de Aristóteles. Aí têm, pois, inflamados mestres

abolicionistas que diariamente nos moem, repetindo que o Talião é algo reprovado, injusto

e bárbaro, a lição, que quatrocentos anos antes de Cristo lhes dá pai Aristóteles,

distinguindo entre o Talião igualitário, pitagórico — único que os abolicionistas aparentam

conhecer — que de modo geral não é admissível; e o Talião moral ou formal que exige

simplesmente que haja proporcionalidade entre os delitos e os castigos, norma esta que é a

usual e a base e o fundamento de toda administração de justiça penal.

A esta norma, a este Talião moral ajustaram sua atuação e exerceram a justiça

contra o crime, homens universais, benfeitores da humanidade, tais como: Teodósio o

80

- Ética a Nicómaoo, L. V, cap. 15 (eã. beckeriana, 1132b-1133a). 81

- Qran Ética, L. I, cap, XXXIII. 82

- éêneca, De Ira, ZjQò. I, 16. 83

- Fr,. Carrara, Opuscoli ãi Diritto Çriminale, 3.a ed., Prato, 1878, vol. I, p.187.

Page 36: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

36

Grande, Carlos Magno, o Papa Inocêncio III, Fernando III o Santo, Isabel a Católica,

Carlos V Felipe II, Washington, Napoleão, Primo de Rivera e outros grandes estadistas

que, com algumas execuções justiceiras, devolveram a paz e tranquilidade a seus povos.

Esta atitude foi sempre justificada pelos maiores e mais geniais pensadores e

juristas como Sto. Tomás, Vitória, Azpilcueta, Covarrubias, Suárez, Cervantes, Grócio,

Bodin, Selden, Lugo, Leibniz, Viço — que chamava à execução suum, do delinquente —

Afonso de Ligório, Puffendorf, Kant, Hegel etc.

Rousseau é terrível e fácil em infligir a pena capital: "Se alguém nega os dogmas da

religião natural e cívica definidos pelo soberano depois de havê-los admitido

publicamente, "seja condenado à morte", pois cometeu o maior dos crimes!"84

Kant, remanescente do pitagorismo no que respeita à pena capital, leva o Talião ao

extremo: "Quantos cometeram um assassinato, ou o mandaram, ou com ele cooperaram,

todos devem ser punidos com a morte; assim o exige a justiça como ideia que regula o

poder judiciário segundo as leis universais a priori." Foi sempre adversário dos

abolicionistas.

As objeções de Beccaria contra a pena de morte, dizia Kant que eram "sofísticas,

derivadas de um sentimentalismo e um humanitarismo afetado".85

A Kant seguiram muitos no século passado e ainda neste86

. Hegel declarou-se

abertamente adversário do abolicionismo, porque "a meu parecer — dizia ele — tem contra

si a história, o direito do Estado e a razão, e por isso mesmo o verdadeiro sentimento da

humanidade".87

Partidários da pena capital foram, do mesmo modo, todos os grandes pensadores e

juristas posteriores, como Fichte, Schopenhauer, A. Ritter von Feuerbach, Filangieri,

Jovellanos, Balmes etc. Os positivistas com Comte à cabeça, que em seu Catecismo

Positivista dirige contra os abolicionistas estas duras palavras: "Tão só uma falsa

filantropia pode conduzir a prodigalizar aos malfeitores uma consideração e uma solicitude

84

- J.J. Rousseau, Contraí Social, Lib. IV, c. 8. 85

- Kant, Metaphysik der Sitten, II Teil AUg. Anmerk, E.I. (ed. De Vorlánder, III, 158 s.) 86

- Claus Roxin diz que a teoria da pena como compensação e expiação inflexível e absoluta do delito constitui "uma tradição, germânica desde os tempos de Kant". Tfie Purpose o} Punishment in Law and State, Ttibingen, 1970, vol. II, p. 67. 87

- w.p. Hegel, Grundlinien der Phil. ães Rechts, I Teil, 9-103. Cfr. A. Vera, Essais de Phil. Hegelienne, Paris, 1864, p. 2.

Page 37: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

37

que seriam bem melhor empregadas em favor de tantas vítimas honestas de nossas

imperfeições sociais"88

06. JUSTIFICAÇÃO RACIONAL DA PENA DE MORTE. RAZÃO

FUNDAMENTAL: RESTAURAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA VIOLADA

Já vimos como a pena de morte foi adotada em todos os tempos, por todos os

povos, em todos os códigos legislativos, por todos os doutores, teólogos e moralistas e por

todos os grandes pensadores e estadistas que houve no mundo; e o mais decisivo para os

crentes, que a pena capital não só foi permitida, senão ordenada preceitualmente pelo

próprio Deus e ensinada ininterruptamente pelo Magistério ordinário da Igreja Católica.

Creio que isto é mais que suficiente, não digo para um católico, que só com grande ousadia

e menosprezo do Magistério pode ensinar o oposto, senão também, para qualquer pessoa

sábia e prudente que, sem paixão e prejuízos, saiba valorar o peso ingente dessa

unanimidade humana. Esse fato é mais que suficiente, repito, para já não se por em

discussão a licitude e a legalidade onde esteja instituída a pena de morte.

Vamos, com tudo isso, expor, ex abundantia, as principais razões que abonam essa

sanção extrema.

Razão fundamental: Restauração da Ordem Jurídica Violada.

Deus criou o universo em seu duplo aspecto: Mundo físico e mundo moral, dotando

ambos de suas leis respectivas, que em sua própria natureza se manifestam, e que em seu

conjunto representam a lei universal da ordem necessária para a conservação da natureza.

O pecado e o delito são transgressões dessa ordem universal que rege o mundo

moral. O pecado, como ato puramente interno, não faz o nosso objeto, porém sim, o delito,

enquanto é violação externa e moralmente imputável da ordem social.

Muito se discutiu acerca da finalidade da pena e do direito de castigar. Já entre os

gregos foi objeto de discurso a motivação da pena, se havia de ser puramente expiatória do

delito ou correcional.89

A Doutrina que parece seguríssima, e ao abrigo de toda objeção séria, é a que vem

sendo comum entre os grandes teólogos e juristas das mais diversas escolas e que o gênio

88

- A. Comte, Catecismo Positivista, 9.a conf. 89

- cfr. Werner Jaeger, Paideia: Los Ideales de la Cultura Griega, Méjico, 1957, p. 522.

Page 38: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

38

filosófico do grande, incomensurável Amor Ruibal expõe luminosamente refutando ao

mesmo tempo outras teorias divergentes, com seu habitual rigor dialético.90

Em geral todos os penalistas reconhecem que o direito de castigar se deriva do

direito de legislar, posto que o fim da autoridade legisladora é realizar o direito, de que

deriva o fundamento da pena. "Desta sorte as sanções da lei têm seu fundamento na ordem

que devem garantir e manter em equilíbrio."91

Como a missão das leis é o estabelecimento e manutenção da ordem social, quando

a lei é violada e a ordem rompida é necessário que se satisfaça na lei esta razão de sua

existência, mediante a pena, que para este fim se haja assinalado. Deste modo a pena vem

também a cumprir "os fins complementares de defesa da lei, de exemplaridade e de

correção em seu caso. . . A finalidade primária, pois, da pena é a restauração da ordem

rompida e restauração jurídica".92

No Direito Penal denomina esse fim primordial da

pena: Reabilitação do direito e reafirmação do mesmo- "Esta reabilitação, diz, constitui

utilidade suprema para o bem comum que o direito representa", não sendo assim necessário

que com a pena se intente diretamente utilidade alguma de sua realização. "É uma

profunda verdade psicológica e jurídica que o delinquente é merecedor da pena, antes que

se pense em tirar desta algum proveito quer para o delinquente quer para os demais."93

Tão clara se manifesta à razão humana e aos povos a justiça do castigo infligido aos

grandes malfeitores que o ilustre jurista, também ele, abolicionista C.J.A. Mittermaier,

anotador do famoso penalista Feuerbach não se recata de fazer a seguinte confissão:

90

- Angel Amor Ruibal, em três ocasiões diferentes, tratou da fundamentação filosófica do direito: Em 1912 publica um Estúdio sobre los princípios fundamentales dei derecho penal canónico, que ocupa as 135 primeiras páginas de seu comentário ao Decreto Máxima Cura, Santiago, 1912; em 1914 dá começo à sua obra magna, Los problemas fundamental de la Filosofia y dei Dogma, em cujo tomo III estuda em sendos capítulos todo o concernente à essência do Direito Natural; e finalmente em 1918 sai à luz seu Derecho Penal de la Iglesia Católica, submetendo, nos primeiros capítulos, a rigoroso exame, as diversas teorias sobre a natureza do Direito Penal e os fins da pena. Para os que se hajam aproximado de algum de seus livros, folga todo comentário sobre a extrema agudeza e a penetração de suas análises. Nos últimos séculos, não o iguala pensador algum em profundidade, nem como gênio criador, que, com penetrante rigor, submete a exame quase toda a Filosofia e traça as linhas básicas em que há de assentar-se e discorrer todo o pensar filosófico no futuro. 91

- Amor Ruibal, Der. Penal etc., I, 43. 92

- Amor Buibal, Estúdios etc, p. 49 e 43. 93

- Amor, Derecho Penal, vol. I, p. 36 e 43-44.

Page 39: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

39

"Ainda que recentemente (1840) tem sido ardorosamente impugnada a pena de morte, os

abolicionistas não lograram que dita pena fosse considerada ilegítima nem pelos

legisladores, nem tão pouco pelos sábios."94

Já dissemos que a doutrina da restauração da ordem jurídica é o efeito da sanção

legal, inerente ineludivelmente à lei, para garantir- lhe a eficácia. Rossi dizia que, sendo o

delito uma infração ou violação da harmonia do mundo moral, a pena tinha por fim o

restabelecimento dessa harmonia, parcial-mente destruída pelo delinquente. Para Cathrein

o castigo infligido ao malfeitor "é uma espécie de reação da ordem jurídica contra a

infração do direito"95

. Sto. Tomás justifica assim a pena capital: "O homem, ao delinqiiir,

separa-se da ordem da razão e por isso decai em sua dignidade humana, que assenta em

ser o homem naturalmente livre è existente por si mesmo, e se submerge de certo modo na

escravidão das bestas, de modo que pode dispor-se dele para utilidade dos demais... Por

conseguinte, ainda que matar o homem que conserva sua dignidade seja em si mau, sem

embargo, matar o homem delinquente pode ser tão bom como matar uma besta, pois "pior

é o homem mau que uma besta, e causa mais dano", no dizer de Aristóteles.96

Essa reparação da ordem violada e restauração jurídica leva-se a cabo pela

expiação que repara a desordem que o delito ocasionou.

Nem se diga, como faz Vernet97

, que a reparação, quando se trata de homicídio, é

impossível pois com a morte do assassino não se restitui a vida ao outro. É evidente que a

ação lesiva da ordem, uma vez realizada, não pode dar-se por não feita. Mas seria

desconhecer a natureza dessa ordem se quiséssemos concluir, por essa impossibilidade,

que não é possível restabelecer a ordem violada. Não se reparam os efeitos da desordem,

mas a ordem que a desordem violou.

Com efeito, a ordem vital humana que se violou no homicídio não é nenhuma

magnitude quantitativa e ponderável que com outro peso igual se deva restaurar, senão

que, como todo direito, é algo ideal, e se o assassino premeditadamente elimina a vida de

outro homem, nega com seu ato o valor absoluto dessa vida, de que dispôs até sua

aniquilação. Este fato requer certamente reparação; exige que de novo seja reconhecido o

94

- A. Ritter von Feuerbach, l&hrbuch des Peinlichen Rechts, 13.s ed. — Gressen, 1840, p. 216, Anmerkung de Mittermaier. 95

- Victor Cathrein, Principias fundamentales del Derecho Penal, Barcelona, 1911, p. 204. 96

- Sto. Tomás, Suma Teol., 2.s 2.ae„ q.64, a. 3. 97

- Joseph Vernet, Peine Capitale Peine Perdue, in Etudes CCCXV (1962), 201.

Page 40: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

40

valor absoluto da vida negado pelo homicida. O extermínio da vida, daquele que por sua

ação negou o valor que a vida humana tem na sociedade e para a sociedade, mantém o

sentido de reconhecimento deste valor absoluto e pelo mesmo fato, desde o momento em

que o assassino nega o absoluto respeito à vida humana, renuncia também a seu direito à

vida.98

Assim pois, a morte do malfeitor no patíbulo não restitui a vida ao outro, porém,

como expiação, converte-a em verdadeira pena jurídica, repara a desordem causada "e

realiza a compensação do delito com um fato contrário: o sofrimento"99

Devemos notar que todos os raciocínios anteriores só têm sentido partindo da

verdade da manifestação do direito eterno na ordem social presente na qual exerce a

soberania. "Para o materialista, para o ateu que não admite essa lei divino-natural, nem a

imortalidade, a pena capital, aniquilação absoluta do sujeito, não passa de um ato

abominável e bárbaro."100

A infração grave da ordem social, a vista do assassinato de um inocente excita em

todos a animadversão contra o culpável: "Que crueldade! que infâmia!" exclama o homem

honrado. "Caía sobre esse malvado a espada da lei!" Este é o comum sentir do pessoal de

bem. Sem embargo, a este conceito notável e cristão da justiça opõe-se o abolicionismo,

com um sentido humanitarista ou filantrópico que, segundo as severas palavras de Balmes,

se reduz "a uma crueldade refinada, a uma injustiça que indigna". Pensa-se no bem do

culpável, e esquece-se de seu delito; favorece-se o criminoso e posterga-se a vítima. A

moral, a justiça, a amizade, a humanidade não merecem reparação; todos os cuidados é

preciso concentrá-los sobre o criminoso; para a moral, a justiça, a vítima, para tudo mais

sagrado e interessante que há sobre a terra, só esquecimento. Para o crime, para o mais

repugnante que imaginares possa, só compaixão. Contra semelhante doutrina protesta a

razão, protesta a moral, protesta o coração, protesta o sentido comum, protestam as leis e

costumes de todos os povos, protesta em massa o gênero humano. "Já-mais se deixaram de

olhar os castigos como expiações."101

98

- cfr. W. Bertrams, Die Toãesstrafe, in Stimmen der Zeit, 165 (1959-1960) 290-293. 99

- Cfr. Constante Amor y Naveiro, Examen critico de las nuevas escuelas de Derecho Penal, Madrid, 1890, p. 17. 100

- walter, Naturrecht unã Politik, p. 421, ap. Joh. Ev. Pruner, Katholische Moral Theologie, 3.a ed„ Friburgo, 1902, I, 531. 101

- Balmes, Ética, cap. XVII, n. 223, (Obras eõ. da BAC, III, p, 184).

Page 41: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

41

Só em caso estritamente necessário e com cautela se há de usar esta pena. É para

todos evidente que a pena está encaminhada a manter efetiva a ordem social quando esta é

violada. Por esta razão devemos afirmar também que o conceito da pena há de guardar

íntima relação, não só com o direito, como também com a necessidade; ou, dito de outra

maneira: A aplicação da pena, sobretudo a de morte, tão só se justifica pela necessidade de

conservar a ordem social e se infligida com justiça absoluta e com ex-trema moderação.

Puig Pena, assumindo o pensamento de Cuello Calón, do P. Montes e de outros

notáveis pena-listas, mostra que a necessidade é o que propriamente justifica, desde um

plano político-penal, a aplicação da pena de morte. "A necessidade, com efeito,

fundamenta a pena capital, pois é indiscutível que sem ela se multiplicariam os crimes

ferozes, chegar-se-ia à desorganização política e social de alguns povos e, em definitivo,

iria cada vez mais aumentando o número de malfeitores com o grande perigo para a

sociedade que isso representa."102

Sobre a necessidade de infligir o último suplício um penalista formula o seguinte

dilema: É legítima a pena de morte? É necessária? Essas duas questões resolvem-se numa

só: Sem necessidade, tal pena não seria legítima, e, se é necessária, sua legitimidade é

incontestável103

.

Também Mittermaier em suas anotações a Feuerbach sustenta que o direito de

castigar se baseia no princípio de que "o poder público tem direito de usar todos os meios

conducentes ao fim do Estado sob a condição de que realmente esses meios sejam

necessários"104

.

Nem outro é o pensar de João de Lugo quando de modo categórico afirma a licitude

da pena capital: "A razão dessa licitude é clara, porque não pode ser ilícito aquilo que é

absolutamente necessário para a vida social e pacífica dos homens, como é a execução dos

malfeitores."105

O teólogo bávaro Sporer transcreve íntegra e literalmente o parágrafo de

Lugo porém sem citá-lo.106

102

- Federico Puig Pena, Derecho Penal, i& ed., Madrid, 1855, II, 352. 103

- Cfr. Carlos P. Marques Perdigão, Manual do Código Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, 1882, p. XI. 104

- A.R. von Feuerbach, op. cit., p. 42, Anm. ães Herausg. 105

- Joannis de Lugo, De Justitia et jure, Besp. X, sec. II, n.° 58, na Ed. novíssima de Lyon, 1652, I, 250. Quero chamar a atenção sobre o valor singular que têm, para nosso objeto, e em qualquer outro problema jurídico-moral, as opiniões daquele gênio desbravador e agudíssimo que foi Lugo. O príncipe dos moralistas Santo Afonso Maria de Ligório diz que "sem temor se pode afirmar que, nepois de Santo Tomás, Lugo é o

Page 42: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

42

Dizíamos que a necessidade é o que em cada caso justifica a aplicação das penas.

Como o poder não é em si, moralmente bom nem mau, "recebe sua qualificação ética ao

Usá-lo a serviço da justiça"107

. A Pilatos, como a todos os governantes legítimos, foi dado

do alto o poder. Se ele, uma vez que estava convencido da inocência de Jesus, houvesse

feito prevalecer a justiça, libertando-o de seus inimigos, dignificaria e enobreceria o poder;

porém, sucumbindo, covarde, às ameaças e às falsas acusações e condenando-o ao suplício,

amesquinhou o poder recebido.

Aplicar a pena última sem verdadeira necessidade, precipitada e

indiscriminadamente, pior ainda, a dissidentes políticos, como na Rússia, em Cuba, etc., é

algo abominável. O Estado há de velar sem dúvida por que todos se sintam amparados em

seus direitos, por que impere a razão e a justiça sobre a força bruta, por que os membros

mais débeis da sociedade, as crianças, as mulheres, os pobrezinhos tenham seus direitos tão

amparados como o mais poderoso, o mais influente político. Isto sim, é necessário, e para

isto há de servir a lei penal bem aplicada.

07. OUTRAS RAZÕES

a) A segurança social

Os fins a que o Estado há de servir são: a segurança, a justiça e o bem comum. A

primeira coisa que uma sociedade pede ao poder público, dizia o catedrático socialista

Julião Besteiro, é segurança.108

Palácio Valdês perguntava a si próprio: Qual é o supremo

dever de quem governa? Sem dúvida o de conseguir que seus governados vivam tranquilos

e felizes.

príncipe dos teólogos" e tinha tão alto conceito de sua sabedoria e prudência que chegou a dizer: "Basta que ele só sustente uma opinião moral para fazê-la provável, ainda que todos os demais sustentem o contrário". S. Alf. de Ligorio, Theol. Mor., Lib. III, tr. V, n.° 552. Na edfição crítica de L. Gaudé, Roma, Typ. Vat., 1907, II, 56. Outro grande teólogo, Augn Lehmkuhl, diz de Lugo, Ingenio acerrimus, que "ainda hoje, nenhum teólogo pode prescindir de suas obras". Theol. Mor., IO» ed., Friburgo, Herder, 1902, II, 835. 106

- pat. Sporer, op. cit., p. 103. 107

- A. Susterhenn, in Maurach e outros, Die Frage der Todesstrafe. Zwõlf Antworten, Munich, 1962, p. 121. 108

- Ap. YA, 23-XX-73.

Page 43: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

43

Mas é que hoje, na maioria dos países, essa paz, a base da segurança, desvaneceu-

se. Em virtude em grande parte das campanhas abolicionistas, impera a impunidade para

uma porção considerável de in-frações e aumenta gradualmente o abrandamento dos

castigos, com o que, à medida que estes desaparecem, ou se tornam mais suaves, cresce a

audácia dos malfeitores e o temor e insegurança dos cidadãos.

Tal é o ambiente hoje que, se algum governante faz cumprir a lei com rigor e

castiga rápida e inexoravelmente as infrações, depressa é qualificado de tirano, fascista e

totalitário- Não se pensa que, se a sociedade há de sobreviver, se não quer condenar-se por

si própria à destruição, deve sempre castigar os delitos com o rigor que seja necessário para

assegurar eficazmente a ordem jurídica e social.

Se o delito fica impune e não há expiação, vãs serão as cominações jurídicas, que

não passarão de puro espantalho. Com isso, um sentimento de insegurança apoderar-se-á

de todos os membros da sociedade; mas quando os crimes são punidos e expiados como

merecem, depressa a paz renasce pujante nos povos e o sentimento a segurança tranquiliza-

os.

Muito bem arrazoa e justifica a missão da autoridade que castiga o delinquente o

sábio penalista Amor Naveiro: "A lei que prescreve a observância de uma certa ordem,

deve prescrever também logicamente a restauração enquanto caiba, dessa ordem, quando

haja sido perturbada; pois há a mesma razão para guardá-la antes que surja qualquer

perturbação, que para restabelecê-la depois dela. Depressa a mesma lei divino-natural, que

exige a guarda daquela ordem que chamamos jurídica, exige a restauração dessa ordem

quando se deixou de guardá-la."109

Transcrevi íntegro este parágrafo porque, com

resistente dialética, nesse raciocínio nos dá condensada e irrespondível toda a doutrina

sobre a legalidade e licitude dos castigos.

O comum dos cidadãos, guiado pela só luz natural, longe de considerar homicidas

as autoridades que infligem a pena capital como castigo dos grandes crimes, louva-os e

apoia, pois todos vêem que com as punições contribuem para que se evitem os delitos,

quando mais não seja pelo temor da morte. Todos sabem e a experiência o ensina que, se a

autoridade não faz uso da espada da justiça, bem cedo teremos que aguentar os mais

abomináveis crimes. Já a sabedoria fala pela boca de Sancho Pança: "Advirta vossa mercê

109

- Constante Amor y Naveiro, El Problema de la Pena de Muerte, 2 ed., Madrid, 1917, p. 134. Se nossos abolicionistas lessem e refletissem sobre os conceitos desse livro, maravilhoso em seu gênero, ficaríamos livre de tantos disparates e desatinos que se nos propiciam.

Page 44: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

44

que a justiça não faz força nem agravo a semelhante gente (os remadores de galé) senão

que os castiga com a pena de seus delitos"110

.

É que pelo delito o próprio malfeitor se priva do direito de viver. Não é o juiz, é a

ordem inviolável moral e jurídica a que priva o homicida do direito de viver.111

Sabiamente expunha estes conceitos, já na Idade Média espanhola, o Livro dos

Castigos do rei D. Sancho: "Justiça é dar a cada um o seu; dar ao bom galardão do bem, e

dar. ao mau galardão do mal. Se por justiça direita manda o homem matar, não o fazes tu,

que o direito o faz."112

Em começos de abril — 1984 — publicava Luís M.a Ansón no ABC um

emocionante artigo sobre a insegurança cidadã e a conseqüente intranquilidade e temor em

que vive o povo: "Tem medo a mulher de ser atingida na bolsa, vexada e roubada, e que

isto ocorra em qualquer lugar, inclusive à plena luz do dia, sem que a polícia atue, nem

ninguém acuda em seu auxílio." E dando sempre começo com essas palavras "tem medo..."

enumera em 19 parágrafos toda sorte de pessoas de nossa sociedade. Tem medo o

comerciante, o operário, o catedrático, o sacerdote, o político etc. e termina com uma séria

admoestação ao governo: "Ou Felipe Gonzalez impõe o princípio de autoridade e

restabelece a segurança ou o Estado dessangrar-se-á irremediavelmente. Não se pode

construir nem manter uma sociedade livre sobre o medo."113

Dias depois do alerta de Ansón, também no Brasil — país abolicionista de larga

data e onde é extremada a brandura penitenciária — aparecia na revista Visão uma

reportagem sensacional sobre a "Segurança", começando por esta frase: "Segurança é o

tema proposto. Não seria melhor falar logo de insegurança?" E prossegue o autor: A

insegurança modificou os hábitos do brasileiro. Em São Paulo, as belas mansões que se

abriam para jardins onde brincavam as crianças ao cuidado das amas-secas, estão agora

guardadas por altíssimos muros, em que com frequência não faltam guardas fortemente

armados. Todo um refinado sistema de segurança foi adotado nas vivendas paulistas e

cariocas. Em pequenas cidades do Norte, as portas, antes abertas de par em par, são agora

protegidas por grades que enfeiam as fachadas. "É o medo e a insegurança imperando de

Norte a Sul em todas as latitudes. Que nos reservará em sua agenda o ano de 1984? Mais

110

- Quijote, I, XXII. 111

- Cfr. W. Bertrans, loc. cit., p. 292. 112

- Ap. José Castán Tobenas, El Derecho y sus rasgos en el pensamiento espanol, Madrid, 1950, p. 18. 113

- Luís M? Ansón, El miedo no es libre, in ABC, ed. internacional, 4/10 de abril de 1.984.

Page 45: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

45

assaltos a bancos e joalherias? Mais assaltos a residências seguidos de violência e de

mortes? Mais estupros? Maior ação de patifes e malandros? Maior número de roubos?

Mais assaltos nas estradas e nas cidades? O país aguarda, melhor, o país exige providências

que minorem essa onda aterradora de crimes provocadora da insegurança do cidadão."114

b) A intimidação. Remédio eficacíssimo contra a delinquência.

O sentimento de temor é universal. Todo o mundo se afasta do castigo e de

qualquer outro mal. Deus que nos fez sabe muito bem qual é sua eficácia, por isso na

Sagrada Escritura se cominam constantemente castigos severos aos infratores das leis.

Santo Agostinho, escrevendo a Macedônio, condena tudo em uma frase: "Pelo

temor se refreiam os maus, e os bons vivem mais tranquilos entre os maus" — coercentur

mali; et quietius inter maios vivunt boni.115

Seja dito isto de qualquer pena, mas com

relação à de morte é de toda evidência que o temor que infunde é superior a qualquer outro.

Disse Conceição Arenal: "O réu de morte ama a vida, por regra geral ama-a mais

que nenhuma outra coisa; sente, ao perdê-la, a maior das dores; está abatido,

consternado."116

"O temor guarda a vinha", reza o adágio popular. Mas quando não há punição dos

facínoras, a sabedoria popular expressa-o inversamente, os criminosos dizem entre dentes:

"Mata, mata, que o Rei perdoa."117

"Onde queira — diz Donoso — que a pena de morte

foi abolida, a sociedade destilou sangue por todos os poros."118

Um grande criminoso não se detém ante uma cadeia perpétua que, pelo comum,

nunca é perpétua. Sendo assim, por compaixão para com um homem, há que deixar-se

indefesa a sociedade inteira? Por "respeito a um homem indesejável, vai-se deixar de

respeitar a enormidade de pessoas decentes?"119

.

114

- O País de Visão A a Z, 23-IV-84, p. 65-66. 115

- S. Agustin, Epist. 153 a Macedónio, c. VI, n.° 16 — Minge PL. 33, col. 660. 116

- Concepción Arenal, El âerecho de grada ante la justicia, Madrid,La Espana Moderna 186, p. 221. 117

- Fermin Sacristán, Doctrinal dei Puedlo, Madrid, 1907, I, p. 65. 118

- Donoso Cortês, Obras Completas, Ed. Valveróe, BAC, II, 673. 119

- Bernardino H. Hernando, ap. Kurt Rossa, La Pena de Muerte, Barcelona, 1970, p. 245.

Page 46: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

46

Esse medo que o legislador intenta infundir pela cominação das penas não se dirige

só ao escarmento do malfeitor, que em caso da pena capital, já não pode surtir efeito, senão

aos demais, como severa advertência para não incorrer nos crimes.

Sto. Tomás expressa-o muito bem em poucas palavras: "O ladrão não se enforca

para que se emende, senão para que os outros, ao menos por temor à pena, deixem de

pecar."120

E em outro lugar acrescenta o Angélico: "Privar da vida os criminosos não só é

lícito como também necessário, se são perniciosos e perigosos à sociedade."121

"Está demonstrada historicamente a eficácia intimidativa da pena de morte."122

Sto.

Tomás viu-o muito bem e sem negar a razão primordial da pena: A restauração da ordem

social, põe ênfase na exemplaridade e intimidação, como medida prática e muito poderosa

para a contenção dos criminosos e defesa da sociedade.

Negar a eficácia intimidadora do castigo é algo absurdo, vai contra o sentido

comum, é contrário às leis psicológicas e anula um dos meios essenciais no processo

pedagógico; está em aberta contradição com a experiência universal em todos os tempos e

lugares. É simplesmente uma afirmação gratuita que a ninguém convence.

Feuerbach e Mittermaier, com a notável concisão que caracteriza seus comentários

à lei penal germânica, referindo-se à tese abolicionista: "A morte não intimida os

criminosos"; "a prisão, sobretudo perpétua, é mais dura e temida que a morte"; assim a

comentam: "Pode ser que essa afirmação tenha a seu favor, talvez, a argumentação abstrata

do entendimento discursivo, porém não é esse, e isto é o que mais importa ao caso, o

comum sentir da humanidade."123

Todavia, apesar da evidente eficácia intimidadora do castigo, os abolicionistas,

conscientes de que tão só essa razão seria mais que suficiente para legitimar o instituto da

pena máxima, concentram porfiadamente suas baterias contra esse argumento; minimizam

sua eficácia ou simplesmente a negam, quando não chegam ao risível como o professor

Barbero Santos, dizendo que, contra tal argumento, "pôde afirmar-se, inclusive, que a pena

de morte tem uma eficácia contrária à intimidação" (!!) e a seguir, continua impertérrito:

"Não existe Estado no mundo em que a abolição da pena de morte haja produzido um

120

- Sum. Theol., 1-2, q. 87, a. 3. 121

- Ibid., 2-2, q. 64, a. 2. 122

- cfr. Eberhard Welty, Catecismo Social, Barcelona, 1957, II, n.° 1. 123

- Feuerbach, op. cit., p. 228, § 155.

Page 47: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

47

aumento nos delitos capitais, nem em que a reintrodução daquela haja originado uma

diminuição destes."124

Depois de fazer essas afirmações terminantes, gratuitas e em oposição a toda

experiência, intenta Barbero prová-las transcrevendo alguns resultados a que teria chegado

uma investigação mundial "realizada pelo Departamento Econômico e Social das Nações

Unidas". Denota pouca seriedade científica e ainda menos dignidade em um catedrático,

oferecer ao leitor dados conhecidamente falsos, e ainda pior, apresentá-los como do

Departamento Econômico e Social das Nações Unidas, com pleno conhecimento de que

seu autor é o apaixonado e falsificador Marc Ancel, de quem já falamos em páginas

anteriores.125

Mais adiante, em outro parágrafo, exporemos a falsidade desses pretensos

resultados do mencionado Report. Baste-nos agora dizer que a experiência universal nos

mostra que, quando a cominação da pena máxima ostenta seriedade, o efeito intimidativo é

imediato. Um caso entre mil: "Chegou o General Obregón ao México, onde por falta de

autoridade se haviam desencadeado crimes em grande número, e baixou uma lei

prevenindo que o que cometesse um crime seria fuzilado. Bastou que fuzilassem três ou

quatro, exibindo seus corpos, para que acabassem os crimes e os roubos."126

Ouvimos com frequência certas pessoas, dizia Garrara, lamentarem a inutilidade

das penas cada vez que, apesar das ameaças, vêem cometer algum delito. "Essas pessoas

vêem aquele, um, que, apesar da ameaça da pena, ofendeu o direito; e esquecem totalmente

os outros mil que jamais violaram a lei".127

c) O anarquismo e a pena de morte.

Barbero Santos faz, sem a menor reserva, esta surpreendente afirmação: "No que

concerne à delinquência política ou anarquista, ninguém que tenha mediano conhecimento

124

- Marino Barbero Santos, Estúdios de Criminologia y Derecho Penal, Valladolid, 1972, p. 155-6. 125

- Trata-se do REPORT, Capital Punishment, publicado sim, pelas Nações Unidas, porém no qual, no verso da página de rosto se adverte: "Os infirmes — statements of facts — deste Report são da responsabilidade do autor e as opiniões nele emitidas não refletem necessariamente as dos órgãos e membros das Nações Unidas." Na página 1 declara-se: "O presente Report sobre Punição Capital foi preparado por Marc Ancel." Capital Punishment, N. York, 1962. 126

- Alfonso Junco, Cosas que arden, Méjico, ed. Jus, 1947, p. 326, 127

- Francesco Carrara, Opúscoli de Diritto Criminale, 1, 244.

Page 48: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

48

da mesma nega hoje que a pena capital seja para ela totalmente inoperante."128

Deixa-nos

atônitos que esta afirmação desconcertante, radicalmente contrária aos fatos, proceda de

um espanhol e, além disso, catedrático universitário. Que pessoa medianamente culta

ignora na Espanha que o anarquismo foi debelado e estirpado pela raiz, com a só comina-

ção da pena de morte, e no começo, com alguma execução? Ainda que isso, como dize-

mos, seja na Espanha do domínio público, não será de mais recordar alguns fatos e alegar

também alguns testemunhos.

O anarquismo apresenta na Espanha uma história muito acidentada. Organizou-se à

base dos primeiros congressos da Internacional Socialista de 1864 e 1872, em Londres, no

primeiro dos quais se iniciou e no segundo se consumou a cisão do Socialismo entre Marx

e Bakunin. O primeiro optou por métodos evolutivos para a transformação da sociedade,

enquanto Bakunin e seus partidários, que se chamaram coletivistas e comunistas e mais

tarde anarquistas, se decidiram pela ação direta e imediata. Os delegados espanhóis, nesses

congressos, aderiram a Bakunin, razão pela qual, nos primeiros anos do século, os

puramente socialistas ou marxistas foram muito poucos na Espanha, ao passo que os

anarquistas conduziram a maior parte do movimento obreiro revolucionário. Organizados

no Sindicato Único e na C.N.T., dominaram o campo. Isto ocasionou um fenômeno

singular: O anarquismo estruturado na Rússia, propagado amplamente na França, Itália e

outros países, é na Espanha onde vem alcançar seu máximo expoente, em número de

adeptos, superior ao do mundo inteiro.

Seus atentados e assassinatos eram frequentes e terríveis, particularmente na

Catalunha. Pelos anos 1919/1921 a classe operária e a situação social estavam gravemente

perturbadas: a segurança do cidadão em Barcelona desvanecia-se; os crimes sucediam-se

sem cessar; até o Governador de Barcelona, homem amante da ordem, foi assassinado; em

16 meses houve 230 assassinatos.

O Primeiro-Ministro Eduardo Dato, com a intenção de acalmar os ânimos, nomeou

Governador, da Cidade Condal, Carlos Bas, homem muito pacífico e moderado. De nada

valeu. A violência, longe de diminuir, foi crescendo. A C.N.T. contava com 80% dos

operários de Catalunha, e embora houvesse sido posta, meio ano antes, fora da lei, Bas

sabia que continuava funcionando secretamente e recebendo as quotas dos filiados. Uma

128

- Barbero, op. cit., p. 153.

Page 49: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

49

desinteligência entre o Governador e o Cap. Geral Martinez Anido causou a demissão

daquele, e, com intervenção do próprio monarca Afonso XIII, foi nomeado Governador

Civil o próprio General Martinez Anido. Este chamou para Chefe de Polícia o General

Arlegui e ambos empveenderam com bom êxito o combate ao pistoleirismo anarquista,

trazendo de novo a tranquilidade a muitos lugares, havendo inclusive merecido o aplauso

de Cambo. Não obstante, isto durou pouco, pois por diferenças de critério do Governador

com o Chefe do Governo, Sánchez Guerra, aquele foi removido em outubro de 1922.

As coisas desenvolveram-se de mal a pior. Com o incremento da ação anarquista,

os assassinatos políticos na Catalunha de 1919 a 1923 ultrapassaram o número de 700. A

comoção, até a histeria, cresceu em Barcelona e em toda Espanha. A imprensa e o povo

pediam ao Governo se pusesse paradeiro àquela situação angustiosa.

Nessas circunstâncias, em 13 de setembro de 1923, o Capitão- General da

Catalunha Primo de Rivera toma o poder. Conhecedor perfeito dos problemas de ordem

pública e da insegurança em que vivia o povo, dispõe-se a terminar de uma vez com aquela

situação caótica e de infausta criminalidade. Leva Martinez Anido ao Ministério da

Governação e o General Arlegui à Direção de Segurança; e o próprio Ditador comina com

a pena de morte os graves infratores da lei.

Não passaram dez dias e uns pistoleiros assaltam a Caixa Econômica de Tarrasa. Os

autores são capturados e incontinenti executados. "A repressão do terrorismo foi levada

adiante sem vacilações de nenhum gênero. O rigor da lei caiu do mesmo modo sobre os

assaltantes do expresso de Andaluzia."129

O golpe foi sentido pelos malfeitores de toda espécie e o efeito intimidativo

fulminante. Veja-se como o descreve E. Aunos: "Esta vez nem sequer teve que pôr o

General Martinez Anido em prática suas faculdades. Um só castigo bastou, ainda que

pareça inverossímil, para acabar como por encanto, com a súcia desmandada por todo o

pis. Tem lugar o assalto de Tarrasa, os autores foram alcançados. Imediatamente foram

julgados e executados. Os criminosos de toda laia, que não estavam acostumados ao rigor

da justiça, adquiriram o são convencimento de que rebelar-se contra ela equivalia

fatalmente a jogar-se a cabeça. A consequência foi que nos sete anos que durou a Ditadura

129

- Eduardo Comín Calomer, História dei Anarquismo Ibérico, 2A ed., Barcelona, 1956, II, 51.

Page 50: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

50

na Espanha houve uma paz otaviana. Assim, de maneira tão simples, com a só aplicação

da lei ficou desvanecido o fantasma do terrorismo."130

Para ilustração do anterior, transcrevemos aqui o Decreto publicado na Gazeta:

"Senhor: Transcurridos seis meses sem registrar-se crimes caracterizados pelo duplo

propósito de agressão e roubo perpetrados em geral contra estabelecimentos de comércio

ou bancos ou seus agentes, têm surgido ditos delitos, e nas duas últimas semanas se têm

cometido com dolorosa frequência e singular audácia, e por isso, o Presidente do Diretório

Militar, de acordo com este, afim de castigar severamente tão terríveis crimes e de procurar

que sua tramitação e esclarecimento se pratiquem com a maior rapidez, e afim de unificar

também nesta matéria o disposto nas distintas proclamações das Capitanias Gerais, propõe

a Vossa Majestade a aprovação do seguinte projeto de decreto:

Por proposta do Chefe do Governo, presidente do Diretório Militar, e de acordo

com este, Venho decretar o seguinte:

Artigo 1.° — Todos os delitos a mão armada realizados contra estabelecimentos de

comércio ou bancários ou suas agências ou contra os agentes contratuais ou pessoas

encarregadas de valores, serão considerados como delitos militares e julgados em juízo

sumaríssimo, qualquer que seja a pessoa responsável.

O delito frustrado castigar-se-á como consumado e os cúmplices com a mesma

penalidade que os autores.

Artigo 2.° — Quando como consequência do delito se originaram mortes ou lesões,

impor-se-á a pena de reclusão perpétua ou morte. Em caso contrário, a pena

correspondente será a de reclusão temporal."

Para corroborar, vamos ainda alegar outra autoridade que, para Barbero, sanhudo

inimigo de Franco (cujos anos de governo qualifica de "larga noite da Ditadura" (!!), há de

ser irrecusável. É o testemunho de Lerroux que, referindo-se à eficácia da justiça no

restabelecimento da ordem, afirma categórico: "O caso é que durante seis anos

consecutivos não houve crimes sociais a não ser o que serviu de escarmento (o de Tarrasa)

por sua repressão justa e fulminante."131

O mesmo fenómeno de recuperação da paz, pela justiça bem aplicada, deu-se

novamente na Espanha com posterioridade à Cruzada. À queda da ditadura de Primo de

130

- Eôuardo Aunós, Itinerário Histórico de la Espana Contemporânea, (1808-1936), Barcelona, 1940, p. 374. 131

- Alejândro Lerroux, La Pequena História. Espana 1930-1936, Buenos Aires, 1957, p. 1.

Page 51: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

51

Rivera e sobretudo com o advento da República, a criminalidade recrudeceu e de novo o

anarquismo foi dono da rua.

Esta situação prevaleceu até alguns anos da pós-guerra, ao final dos quais, vencidas

as profundas comoções bélicas e debeladas as guerrilhas e tentativas de sublevação, com a

só cominação da pena de morte, que figurava na legislação vigente, foi restaurada

plenamente a ordem, reprimida a criminalidade, voltando a paz e a tranquilidade aos

territórios espanhóis, sem que sequer houvesse execuções de criminosos.

Pela década de sessenta, durante umas férias em Barcelona, dizia-me um professor,

sobrinho meu, ali residente, com quem me hospedei: "Olhe tio, aqui hoje reina a mais

completa segurança, já não se ouve falar de homicídios ou de assaltos; nem no Paralelo —

zona, em tempos anteriores, do império dos malfeitores — se dão crimes e assaltos!" O

próprio Barbero Santos reconhece paladinamente essa segurança quando afirma que

"desde 1959 não se executou ninguém no âmbito da jurisdição ordinária"132

. Que mais

sequer pois?

E depois de Franco? À vista, e para inquietação de todos, estão os resultados da

desaforada propaganda abolicionista, levada a cabo já anteriormente à definitiva abolição,

na Constituição de 78.

Faz três anos — em 1981 — de volta a Barcelona, encontro a residência de meu

sobrinho reforçada com ferrolhos e mais ferrolhos. "Que novidade é esta?" "Já vês, é o

perigo, a falta de segurança. Hoje os assaltos a mão armada sucedem-se a toda hora"

Quantum mutatos ab Mo! diria o poeta maníuano, quão diferente hoje do que era na "larga

noite" de Franco, em que a paz e o bem-estar reinavam por toda parte!

Finalmente, e para concluir este parágrafo da intimidação que exerce a pena capital,

faço minhas as palavras certas e definitivas do ilustre escritor mexicano, já citado: "A

estatística mais consumada como a experiência mais elementar estabelecem a mesma coisa

de modo conclusivo, que a brandura alimenta o delito e a rigorosa repressão, contém."133

132

- Jo livro coletivo La Pena de Muerte, 6 Respuestas, Madrid, 1978. p. 53. 133

- Alfonso Junco, Cosas que arden, Méjico, Etí, Jus, 1947, p, 317.

Page 52: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

52

B) ABOLICIONISTAS DA PENA DE MORTE

08. SECULARIZAÇÃO DO DIREITO. COMEÇOS DO MOVIMENTO

ABOLICIONISTA

É algo singular o que com o instituto da pena de morte aconteceu. Não houve

religião, país ou civilização que não haja adotado a pena de morte, e isso, não durante

séculos, mas milênios. Na pré-história perde-se sua memória. De pronto, faz apenas uns

dois séculos, começa em alguns países da Europa um movimento contra a pena capital,

chegando inclusive a negar sua licitude.

Desde então até tempos mui recentes esse movimento, às vezes muito agitado,

mantém-se quase exclusivamente no campo racionalista, naturalista e secularizante; quero

dizer, mais ou menos dissidente do catolicismo.

Só em nossos dias com a frequência das apostasias de muitos que, seguindo a tática

dos modernistas do começo do século, de não declarar-se ostensivamente separados da

Igreja ou de seus ensinamentos, surgem, dentro da mesma, revoltados católicos, que, junto

com outros pontos do dogma, questionam os ditados pelo próprio direito natural.

Até bem entrado o século XVÍII, os povos, em geral, qualquer que fosse sua

religião, viviam na convicção de que os homens estão sujeitos a instâncias superiores e

transcendentes, e que os que mandam o fazem em virtude desses poderes e têm direito a

impor as sanções convenientes para garantir a ordem civil. Era essa a situação a que,

simplificando, muitos chamam teocrática.

Mas a Pseudo-reforma luterana destruiu a unidade do ocidente cristão e embora em

princípio houvesse negado o livre arbítrio humano, depois, para poder coonestar sua

resistência à Igreja institucional, estabelece o princípio do livre exame, com sua sequela de

individualismo absoluto na ordem religiosa, negando deste modo o Magistério oficial da

Igreja. Isto levou gradualmente ao racionalismo e à negação da teologia universal, "ao que

se segue logo na Ilustração uma crescente secularização das nações-estado da Europa e da

Filosofia e do Direito Penal". São já os filósofos, e não os teólogos, os que impõem seus

pontos de vista no Direito Penal.134

134

- Terente Patrick Morris, in Encyclopaedia Britânica. Macropaedia, verb. Punishment, XV, 282.

Page 53: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

53

Os teóricos do Direito Político, emancipados dos ditames do direito natural

tradicional, secularizam o Estado, que já não será o depositário e executor da vontade de

Deus na terra, mas o resultado do pacto ou convenção humana condicionado a seu arbítrio.

Rousseau, negando a natureza social do homem, afirma categórico que "o direito

social não deriva da natureza do homem; funda-se na livre convenção"; portanto a

sociedade já não tem vinculação com Deus, é pura convenção humana e, daí, os poderes da

autoridade serão tão só os que a maioria social queira outorgar-lhe. É a pura secularização

do Estado e do Direito. Com isso se nega ao poder público o direito de infligir a pena de

morte se não lhe for outorgado pela própria sociedade.

Essa doutrina coincide plenamente com a do positivismo — também agnóstico pelo

que a Deus se refere — imperante no último século nos domínios do Direito. Embora

Augusto Comte, levado por seu amor e compreensão da importância primordial da ordem

na sociedade, propiciasse a pena de morte muitos sequazes do positivismo jurídico serão

nisto contrários. Quantos seguem essa corrente de pensamento, havendo negado toda

instância transcendente, repetem-nos, até a saciedade, que ninguém, nem o próprio Estado,

poderá privar nenhum cidadão da vida que não lhe deram nem deles depende.

Na órbita do positivismo gravita também a escola antropológica italiana de

Lombroso, Garófalo, Ferri etc. que, negando radicalmente a liberdade humana, negam,

ipso facto, a imputabilidade do delito, razão por que este não passa de um "fenômeno

natural", ou, como querem alguns filósofos, um fenômeno necessário, como pode sê-lo a

morte, o nascimento ou a concepção.135

Dentro dessa escola e de sua derivada, a sociologia

criminal, não cabe falar em pena como castigo, pois dentro do determinismo que-

caracteriza ditas escolas não cabe a responsabilidade nem a correção nem emenda, nem

nada que suponha o livre arbítrio. À pena capital corresponde a simples eliminação do

assassino, como se fora animal daninho para que não prejudique os demais na sociedade

(Cfr. meu trabalho: El libre albedrío, in O Estado de Direito. S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p.

394s).

"Não é certamente o processo de civilização o que levou muitos países ao abandono

da pena de morte"136

senão simplesmente a decadência dessa civilização cristã e a

frouxidão das convicções. "O não católico, que em muitos casos é ateu e portanto não crê

135

- Cesare Lombroso, L'uomo delinquente, 5.a ed., Torlno, 1897, III. 136

- Adalberto Zelmar, Espana: La pena de muerte y "la conciencia universal", in Verbo, Buenos Aires 106 (sept. 1975) 7.

Page 54: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

54

em Deus, nem na alma, nem na vida futura, sente verdadeiro terror ante a morte, disto

decorrendo que por todos os meios trate de suprimir nas legislações a pena capital137

. Faz

mais de um século que um jusnaturalista alemão, da Universidade de Munique, fazia notar

que "quando não se crê na imortalidade da alma humana, a pena capital aparece como um

extermínio absoluto, um ato atroz e bárbaro"138

. Destruída a velha noção da pena, quer-se

substituí-la, diz Carrara, pela nova fórmula: Non piú punire; correggere; basta de castigos;

corrigir. Fórmula esta "destrutora do Direito Penal, colocando em lugar dele um novo

templo de doçura e esperança, onde brilham a caridade e o amor; onde pouco falta para

colocar o malfeitor no altar, prodigalizar-lhe toda sorte de bons ofícios e conduzi-lo à bem-

aventurança".139

Em uma palavra, destruída a tábua de valores do antigo direito cristão, hoje, de

acordo com as novas teorias, a penalidade tem de ser diferente. Nada de duros castigos e

menos ainda de morte, que isso é desumano porque os criminosos só são enfermos, os

ladrões cleptômanos e os homicidas maníacos e agressivos; para todos eles os

abolicionistas clássicos pleiteiam amparo, refúgio e defesa, pois não são eles os culpados

senão a Saúde Pública e a Sociedade. Dar outro tratamento aos malfeitores seria incidir no

"bárbaro Talião".

Ao coro de materialistas, incrédulos e positivistas juntam-se — não podiam faltar

— as vozes dos mações. Eles foram, desde o começo da denominada Maçonaria Moderna,

em 1717, por suas maquinações, contra Cristo e contra os poderes legítimos, condenados e

com frequência punidos de morte. E quem lhes garante que isso não possa repetir-se

qualquer dia e que se lhes aplique, a eles ou aos promotores, a suas ordens, de alguma

revolução, para apoderar-se do poder e fazer triunfar seus planos? Ademais, quando eles

mesmos queiram levar a cabo algum magnicídio, contra qualquer governante, a eles

oposto, como fizeram várias vezes na última centúria, como encontrar, sem grave

dificuldade, executor do crime, onde vigore a pena de morte? Por tudo isso, como é

notório, a Maçonaria é hostil à pena máxima.

Entre muitos testemunhas dessa hostilidade, alegamos tão-só um da maior

autoridade: "A pena de morte é um desses velhos erros que se hão de destruir; uma heresia

137

- Tito Diez, Consideraciones sobre la Pena de Muerte, in Fuerza Nueva, 13-IV-81, p. 31. 138

- Ferd. Walter, Naturrecht unã Politik, 1971, p. 421. 139

- Fr. Carrara, Opuscoli de Dir. Crim., 3.a ed., Prato, 1878, I, 193.

Page 55: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

55

que sem descanso a Maçonaria deve perseguir. Nenhum maçar que, seja juiz, jurado ou

governo, pode condenar à morte e tolerar que tal monstruosidade se cumpra."140

09. QUEM SÃO OS ABOLICIONISTAS

Em páginas anteriores fica exposto o fato inegável, e de tão alta significação, de

que até hoje não haja havido um gênio, um grande homem na humanidade, nem um só, que

se haja oposto à aplicação da pena de morte aos malfeitores. Disso se deriva indiretamente

que a tese abolicionista fica exclusivamente a cargo do "homem medíocre", como diria

Ingenieros. Mas o mais grave, em nosso caso, não é a evidente mediocridade intelectual

dos abolicionistas senão sua menos que medíocre probidade moral, quando não sua

carência total de honestidade científica.

Isso explica, de uma parte, a vulgaridade da maioria dos escritos em que se

impugna a pena capital; e de outra, a facilidade com que seus autores aceitam, repetem e

propalam quaisquer afirmações ou sofismas sobre a negatividade dos efeitos da pena,

contrários ao comum sentir da humanidade. Não obstante, suas gratuitas afirmações, sem a

menor prova das mesmas, e com o desaforado proselitismo de seus adeptos, logram outro

efeito: "aumentar as trevas da confusão que parece ser o signo característico de nossa

época".141

Referindo-se particularmente aos abolicionistas de nossos dias, posteriores à

Segunda Guerra Mundial, tais como Alfredo Koestler, Alberto Camus, Marc Ancel, Hans

H. Jescheck, Leandro Rossi, Paul Bockelmann etc. e, na Espanha, Barbero Santos, Vecilla

de as Heras, Beristain, P. Niceto Blásquez, Daniel Sueiro, Mons. Iniesta, Garcia Valdês e

alguns outros eiusdem furfuris. Minhas apreciações sobre seus escritos são muito duras

porém afirmo tuta conscientia que não há um só qualificativo calunioso ou injusto, quod ái

omen avertant! livre-me o céu disso! Se trato alguns como pouco sérios ou falazes, é

olhando o bem do público, a quem todos devemos a verdade e o cuidado para evitar o erro.

140

- Diccionario Enciclopédico de la Masonería, redigido por Lorenzo Frau Arines e Rosendo Arús Arderiu, novíssima edição desta obra monumental, atualizada por um especializado corpo de redatores, Buenos Aires, 1947, tomo II, pág. 71. Na pág. 26 mesmo volume diz-se: "A Maçonaria repele com toda a energia, de que sabe dar provas a cada passo, a odiosa e repugnante pena de morte." Esta enciclopédia, em três grandes volumes, constitui "a obra mais autorizada de quanto se tem escrito em matéria de Maçonaria" (I, pág. V). Por esta razão alegamos seu testemunho sobre a atitude da Ordem Maçônica. 141

- Elias de Tejada, Libertad Abstracta y libertades concretas, in Verbo, Madrid, n.° 63,- p. 149.

Page 56: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

56

Koestler e Camus publicaram em comum um livro de "Reflexões sobre a pena

capital", verdadeiro libelo explosivo, dirigido ao vulgo, porém carente de todo valor

científico. Koestler, o famoso escritor judeu-húngaro, declara que não teria paz enquanto a

pena capital não fosse abolida, "convenho — acrescenta — em que esta atitude dará certo

calor aos argumentos que se contêm no livro" (e tanto!) pois o exagero, as falácias e

interpretações parciais, a falsidade são a tônica da obra desses dois célebres escritores.

Mas outra confissão, todavia mais importante, faz-nos Koestler paladinamente: Sua

atitude prende-se à promoção da "Revolução Mundial em que depositava, diz, minhas

esperanças para a salvação da humanidade"!142

É este, sem dúvida, em muitos abolicionistas, o recurso inconfessado, que

impulsiona suas ativíssimas campanhas contra a pena capital, pois, como disse um jesuíta

muito esclarecido, essa pena "é o obstáculo mais entorpecedor e inquietante na carreira

para o crime. Abolida, fica expedito o caminho para seguir matando"143

, e, assim, acelerar

o triunfo definitivo da Revolução.

Não se surpreendam meus leitores com o paradoxo que lhes vou expor: Os maiores

abolicionistas da pena de morte foram os mais terríveis executores da mesma. Bastem para

prova tão-só três dos mais famosos exemplos: A Revolução Francesa aboliu na primeira

constituição republicana a pena de morte; a ela seguiu-se o império da guilhotina em todas

as cidades da França. A constituição soviética também a aboliu, e a ela seguiu-se a

execução de muitos milhões de cidadãos. Por sua parte, também a República Espanhola na

constituição de 1931 aboliu a pena de morte e a ela seguiu-se em poucos anos a execução

de multidão imensa de católicos pelo único delito de ser católicos, de 6.549 membros do

clero e de 283 monjas, nenhum dos quais era réu de delito comum nem político.144

Veja-se

por aqui aonde pretendem levar-nos os ardorosos abolicionistas que hoje pululam ao

142

- A. Koestler _4- A. Camus, Reflerions sur la Peine Capitale, Paris, 1957, p. 18. 143

- v. Peliú, S.J., Una burla sangrienta, in Fuerza Nueva, 620 (6-1-79), 18. 144

- António Montero, Historia de la persecución religiosa em Espana, 1936-1939, Madrid, BAC, 1971, p. 758-768. Nesta obra dão-se os nomes e datas de sua vida, de todas as vítimas eclesiásticas, p. 769-883. Vid. também Ministério Fiscal, La Dominación Roja en Espana. Causa General, Madrid, várias edições deste extraordinário documentário. Robespierre dizia: "a execução do réu é um covarde assassinato realizado por nações inteiras com formas legais" (Vid. A. Frarik, Philosophie du Droit penal, Paris, 1983, p. 166) "E foi este orador abolicionista quem pediu a execução de Luís XVI e promulgou a espantosa Lei de 10 de junho de 1794, que, com pretexto de reformar o Tribunal Revolucionário, suprimiu os defensores, os interrogatórios,

Page 57: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

57

socairo da situação; porém não olvidemos que neles, como em Koestler, no fundo está

latente, como alvo, a Revolução Mundial.

De Camus e de Marc Ancel, diz Garcia Valdês, que "sempre militaram de maneira

ardente, dinâmica e o obsessiva nas hostes contrárias ao supremo castigo legal". E por si

próprio acrescenta esta qualificação: "Sou abolicionista até a medula e sou-o biológica e

intelectualmente."145

Exonero de provas a confissão de parte. Bem claro está sua paixão e

carência de objetividade.

Em Barbero Santos é para levar em conta sua hostilidade grosseira ao franquismo.

Quanto à pena capital, ele mesmo gloria-se de haver sido, desde cedo, propulsor do

abolicionismo, inclusive para os tempos de guerra. Digamos não obstante em seu favor

que, pelo menos, foi coerente em suas opiniões e manifestou-se homem de caráter, não

como Adolfo Suarez, Areílza e outros muitos que, havendo primeiro comido a fruta, se

apressaram logo em fazer lenha das fruteiras caídas. Não é de maravilhar a paixão de

Barbero em defesa do abolicionismo, pois as fontes onde se sacia não podiam dar outra

coisa. Ele inspira-se sobretudo em Ancel, Camus, Koestler, no Capital Punishment das

Nações Unidas, em Ellero, Camelutti, Maurach, Bockelmann e alguns outros, todos eles

certamente abolicionistas apaixonados e carentes de objetividade. Não transparece em

nenhum lugar — o que é grave tratando-se de um catedrático — que haja estudado

trabalhos sólidos da outra parte, como por exemplo a Filosofia Moral de Cathrein e os

Fundamentos do Direito Penal do mesmo autor; nem outros da Espanha, não inferiores,

como o de David Núfiez, A Pena de Morte; o Direito Penal de Montes — ao tratar da

Inquisição faz referência à obra de Montes O crime da heresia — porém, sobretudo, e isto

é bem de lamentar, não manifesta conhecer a notabilíssima obra do membro da Real

Academia de Ciências Morais e Políticas, Dr. Constante Amor Naveiro, O problema da

Pena de Morte e de seus substitutos legais, obra esta decisiva na matéria e não superada

por qualquer outra em outro idioma. Nela resolve e pulveriza com singular mestria quantas

objeções se têm apresentado contra a pena capital. Se Barbero Santos houvesse lido

os descargos escritos e as testemunhas. Ele também, com Mirabeau e Marat, formou o tribunal do Terror" Luis Mendizábal, Tratado de Derecho Natural, 7." edição, Madrid, 1931, tomo III, p. 615. 145

- Carlos Garcia Valdês, La Pena Capital, Barcelona, 1979, p. 132. Este livro, publicado pela Amnesty International, é um frívolo libelo sem substância alguma, nem ideia aproveitável, tão-só inverdades. E pensar que à inaptidão moral e intelectual deste sujeito lhe haja confiado o governo de A. Suarez a Direção Geral de Instituições Penitenciárias! Assim saiu isto!

Page 58: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

58

daquele autor, quando mais não fosse a introdução à Bibliografia dos Estudos Penais,

Madrid, Réus, 1968, não teria homologado nunca, como o fez, a brutal expressão do ateu e

blasfemo Blas de Otero: "Oh pátria, árvore de sangue, lúgubre Espanha!"146

10. O "PROGRESSISMO" RELIGIOSO E A PENA DE MORTE

Em 1867, H. Hello publicou um inventário de 104 pessoas e instituições de

diversos países que tomaram parte saliente em movimentos abolicionistas da Europa e ao

final, desiludido, declara: "É lamentável que o abolicionismo não haja todavia encontrado

nem um só representante no clero católico!"147

Até então havia-se mantido incólume a

doutrina católica nesta matéria, porém em nosso século, sobretudo nos anos posteriores ao

Concílio Vaticano II, surgiu um bom número de clérigos, em aberta dissidência com a

doutrina da Igreja, todos eles mais ou menos adstritos ao neomodernismo ultraliberal e

progressismo, de ampla difusão pós-conciliar.

O Modernismo filosófico-teológico foi um movimento surgido em começos do

século, com o vão intento de conciliar a fé cristã com as modernas aberrações filosóficas e

teológicas. Várias de suas teses doutrinais correspondem aos fundamentos do cristianismo,

porém a divisa característica, por assim dizê-lo, na maioria dos modernistas, é a desestima,

quando não a guerra declarada, até aboli-lo se lhes fosse possível, ao Magistério infalível,

que das mãos de seu Divino Fundador recebeu a Igreja.

Depois da reprovação pontifícia, houve vários de seus adeptos que não se

manifestavam ostensivamente mas que, de modo subreptício, continuaram propalando os

mesmos erros, revestidos do mais radical liberalismo teológico, constituindo assim o que

veio a chamar-se neomodernismo, que o grande Pontífice Pio XII desmascarou mais tarde,

em sua encíclica Humani Generis, de 1950.

Com João XXIII e logo à sombra do Concílio, articularam-se de novo, chamando-

se progressistas para evitar a identificação com os erros modernistas condenados e, com

mãos dadas sempre com o ultraliberalismo, levantam outra vez a cabeça. Paulo VI deu o

alarme: "Os erros que chamam de modernismo, os que ainda hoje mesmo vemos reviver

em certas expressões novas da vida religiosa, alheias à genuína religião católica."148

Dou

146

- Barbero Santos e outros, La Pena de Muerte, 6 resptiestas, Madrid, 1978, p. 68. 147

- Vid. E. Thamiry, Diction. de Théol. Cath. X, lie., p. col. 2501. 148

- Ecclesiam suam, n.° 29, Col. de Enciol., Ed. Guadalupe de Buenos Aires, 1965, 4.a ed., II, p. 2.614.

Page 59: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

59

todos estes esclarecimentos para evitar ao máximo o escândalo dos crentes que, ao verem

tantas defecções, inclusive da hierarquia da Igreja, se sentem perplexos na fé e vacila; sua

confiança na infalibilidade e indefectibilidade da Igreja, não esqueçam que as defecções e

apostasias, por graves que sejam, acontecem normalmente na vida da Igreja, sem que esta

deixe de permanecer sempre a mesma e fiel a Cristo.

Hoje, com efeito, nesta época pós-conciliar, em que prevalece o progressismo

liberal ou liberal-progressismo, um número considerável de sacerdotes, bispos e até

Conferências Episcopais que, com certo desdém, ou aparentando ignorar o Magistério da

Igreja, se manifestam ambiguamente e negam algum de seus ensinamentos, não já, ponho

como exemplo, a licitude da pena capital, que isto seria de menor importância, mas

doutrinas fundamentais na vida cristã sobre Jesus Cristo, a Igreja, a vida futura, os

sacramentos etc. Mas, ainda sendo muitos esses sacerdotes da Igreja, e fazendo muito ruído

nos meios de comunicação social, em realidade, são minoria e esse fenômeno não deve

estremecer nossa fé.

Vários dos abolicionistas acima mencionados, e hoje mais em voga, são sacerdotes:

Rossi, Vecilla de las Heras, o dominicano P. Blásquez, o jesuíta Beristain, o redentorista

Marciano Vidal e Mons. Iniesta. Vejamos a que extremos de gravidade chega sua

dissidência católica. O jesuíta Beristain afirma categórico: "Condenar à morte um

delinquente é um abuso, um assassinato que aumenta a espiral da violência."149

Embora

com outras palavras, todos os sacerdotes citados homologam essa tese de Beristain e

proclamam a ilicitude da pena máxima. Raciocinemos um pouco para valorizar a audácia

desta expressão: O assassinato é um gravíssimo pecado, um daqueles que "pedem

vingança ao céu", agora bem, a Igreja, não só por seus doutores, teólogos e moralistas de

todos os tempos, unanimemente, afirmou a licitude da pena de morte, quando infligida

pelos poderes públicos aos réus de graves delitos; como também, por seu Magistério

infalível, condenou os hereges que negavam a licitude de tais execuções. Logo — a

149

- Ap. Vários, La Pena de Muerte. 6 Respuestas, Madrid, 1976, p. 187. Este jesuíta não parece muito seguro de sua fé católica. Segundo ele, "a perspectiva católica tão estreita, deformou e empobreceu o tema da pena de morte, ao passo que a protestante a tem iluminado com fina sensibilidade". Cita como modelo o famoso teólogo protestante K. Barth, que nega a licitude da pena capital. É que Beristain não admite que "a única religião verdadeira subsista somente na Igreja Católica" (Vat. II, Dh. 1), senão que, segundo ele, na atualidade, "as religiões devem ser ecumênicas, e não capelas; no texto, mais adiante, veremos seu talante marxistoide.

Page 60: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

60

conclusão é inevitável — a Igreja errou gravemente ao ensinar e defender a licitude do

horrendo homicídio qualificado, que é o assassinato, crime este que se opõe à natureza, e

que, portanto, não poderá ser lícito em nenhum lugar, tempo ou circunstância. Portanto

a Igreja não é santa nem infalível em seus ensinamentos, patrocinando erros gravíssimos.

Desde logo esses clérigos, com linguagem demagógica, muito estilo anticlerical e

marxista, excedem-se contra a Santa Madre Igreja, acusando-a de haver-se hipotecado aos

poderosos e opressores e esquecido os oprimidos. "Integrada, diz Rossi, na lógica do

poder, depois de Constantino", a Igreja "retorna ao paganismo e rechaça o Sermão da

Montanha".150

A Igreja, diz por sua vez Blásquez, foi infiel "à mensagem do Sermão da

Montanha, desviando-se para o jurídico e clássico paganismo romano, até nossos dias".

Diz também que os homens adotam a pena de morte porque "com frequência perdem a

razão (sic) e desertam da natureza"!!!151

Manifestando o P. Marciano Vidal, uma vez mais, seu menosprezo pelo Magistério

da Igreja, qualifica de sombras ou máculas na Igreja de Cristo "a aceitação da pena de

morte e da guerra justa".152

O P. Beristain dá-nos uma explicação ocorrente do suposto desvio da Igreja na

aplicação do Evangelho à vida. É que "os representantes oficiais da Igreja se têm

identificado de tal maneira com os detentores do poder e têm esquecido em tal grau a

defesa dos fracos e dos oprimidos, — é Marx, ou é Beristain, quem fala? -— que têm

suscitado o problema da pena de morte de maneira oposta a como devia suscitar-se com o

Evangelho". Ele encontra uma explicação de tal desvio do Evangelho a esse respeito, no

fato de que, "neste terreno, como na problemática social e na sexual, a Hierarquia mantém

150

- Leandro Rossi, Diccionario Encicl. de la Teologia moral, Madrid, 1980, p„ 794 e 798. A exegese bíblica de Rossi é primária, e sua argumentação pura sofisticação e superficialidade. Ê difícil compreender como a Editorial Católica dos paulinos edita e difunde um dicionário moral marxistoide e mui pouco ortodoxo em outros vários de seus verbetes. Primacialmente, apesar de ser obra de teologia, o imprimatur não aparece em parte alguma. 151

- Niceto Blázquez, S. Agustin contra la pena de muerte, in Aroor, n.° 354, junho de 1957. Este artigo é uma diatribe sofística, cheia de mentiras e incoerências contra a pena de morte. Na Revista de Estudos Políticos (n.° 208-209 de 1976), publiquei uma refutação deste escrito falaz. Blázquez, visivelmente irritado, tentou, em um número posterior da mesma revista, uma réplica, porém esta limitou-se a alguns insultos e a elogiar seus escritos, sem dar um só desmentido — nem podia fazê-lo — a nenhuma de minhas afirmações. 152

- in Ecclesia 2176, 2 de junho de 1984, 672.

Page 61: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

61

critérios que diferem mais ou menos da opinião de muitos católicos". Muito bem! Desde já,

segundo Beristain, não somos os fiéis os que devemos olhar a cátedra de São Pedro, para

ajustar nossa fé; é o Magistério Divino, outorgado à Igreja, o que tem que olhar e

acomodar- se à opinião de alguns católicos!153

Vecilla de las Heras é incansável impugnador da pena de morte. Inconsciente da

gravidade de sua afirmação, por vir de um teólogo, dá a ilicitude da pena capital como

título de um de seus escritos.154

Beristain, nada suspeitoso na matéria, assim o julga: "Em

todas as suas obras, Vecilla deixa-se levar apaixonada e cegamente pelo desejo de

encontrar o abolicionismo na Igreja."155

Ao lado destes sacerdotes que chamamos à colação por motivo de seus recentes

escritos sobre a pena máxima, há outros vários, no meio eclesial pós-conciliar, que também

se manifestam no mesmo sentido que os anteriores, tais como: o ex-jesuíta Diaz Alegria, os

padres Llanos e Garcia Salve, virtualmente renegados pelo catolicismo por inscreverem-se

publicamente no comunismo; e alguns outros da mesma laia.156

Que grupelho! Isto traz-me

à memória o ex-abrupto do celebérrimo comentarista Maldonado, que, ensinando em Paris

e vendo a situação confusa criada pelas perturbações doutrinais de Calvino, e outros

mestres do erro, prorrompeu com estas palavras: "Tales hodie magistros mundus meretur"!

153

- Beristain, loc. cit., p. 165. 154

- Luis Vecilla, Se las Heras, Defensa de la vida humana. La pena de inuerte es ilícita, Valladolid, 1965. 155

- Beristain, loc. cit., p. 164. 156

- Outros dois jesuítas, José Alonso Diaz e Gonzalo Higueras, recentemente em Sal Terra, seção Catequética, 3 (1984) 196. Esta revista, como também em boa parte Razão e Fé e outras dos jesuítas, apartam-se com frequência da Doutrina do Magistério, a que não manifestam muita adesão. Não sei que ventos sopraram sobre a benemérita e sempre ínclita Companhia de Jesus que, desde uns quarenta anos, nos vem entristecendo com sua orientação semi-heterodoxa, defendendo sem rebuços as teses do liberalismo, o divórcio, o laicismo do Estado e sua separação da Igreja em nome de um pseudopluralismo, um disfarçado marxismo, as aberrações de Hans Kúng, a democracia sem adjetivo, isto é, a democracia liberal inorgânica como de uso, com sufrágio universal igualitário, a maçonaria, o teilhardismo e uma oposição sistemática e detração da Espanha católica de outrora e desestima quando não repulsa, de quanto venha dos quadro romanos. O quadro é negro, mas negra é a realidade. Felizmente no naufrágio de tantos jesuítas, cuja fé sem dúvida faz água, ainda há uma boa porção de filhos, fiéis ao capitão de liOiola — sequer pela marginalização em que os mantêm os superiores "arrupistas", pareçam menos — que mantêm o fogo sagrado da fidelidade ao santo fundador e à Santa Igreja.

Page 62: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

62

— Tais são os mestres que hoje o mundo merece!157

E para nosso consolo podemos

acrescentar com o apóstolo São João: "De nós têm saído, mas não eram dos nossos."158

Já antes fizemos referência às grandes perturbações de ordem doutrinal que se

seguiram ao Concílio e que, pelos erros difundidos e pelo número dos que abandonaram a

fé católica, constitui uma das épocas mais trágicas na história da Igreja. A confusão não se

limitou a indivíduos isolados, em grande número de países, senão que também afetou

algumas, poucas, Conferências Episcopais, das quais, pelo que toca ao instituto da pena de

morte, se pronunciaram contra, ainda que sem negar sua licitude, as três seguintes:

A dos Estados Unidos159

A Conferência Episcopal ianque é, com alguma

frequência, pouco segura em suas tomadas de posição doutrinais. Pouco depois da

mencionada sobre a pena capital, publicaram aqueles bispos, sobre o problema nuclear,

outra carta ao mesmo tempo derrotista e contrária aos ensinamentos da Igreja sobre a

guerra justa.160

A Conferência Episcopal francesa, do mesmo modo que a dos Estados

Unidos, é das que, de ordinário, dão pouco valor ao Magistério Romano; como o provou

quando, falseando a Humanae Vitae de Paulo VI, admitiu na prática a licitude da

contraconcepção. Outra declaração pontifícia sobre alguns pontos de moral sexual tão

pouco a recebeu, e ao fim nos dá essa qualificação negativa sobre a pena de morte.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB — manifestou-se contrária

à pena de morte, em uma nota oficial de seu secretário, o bispo D. Ivo Lorscheiter.161

No

dia seguinte, fui procurado pelo diário que publicara a nota para dar uma entrevista sobre a

nota episcopal. Tendo em vista a gravidade de alguns conceitos nela emitidos e para

diminuir a má impressão no público, disse ao repórter que, ainda que a nota se publicasse

como da CNBB, me custava crer que a maioria dos bispos houvesse tido conhecimento

prévio da mesma. O mesmo periódico, oito dias depois,162

confirmava minha suspeita

dizendo que havia chegado ao Rio de Janeiro — a sede está em Brasília — a Presidência

da CNBB e "aprovado a Nota da Secretaria Geral", o que significa que nem o Presidente

Dom Aloísio Lorscheider a havia visto antes. Para justificar o valor que possa ter esta

157

- Ap. J. Ries, Die Sonntagsevangelien, paderborn, 1913, II, 551. 158

- I, j n . II, 19. 159

- Vide Ecclesia 2012, (1981), 1647. 160

- Thomas Moinar, El pacifismo y la Paz, in Verbo, de Madrid, 221, (1984), 47. 161

- Publicou-se em "O Globo" de 22-11-71. 162

- O Globo, l-IV-71.

Page 63: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

63

atitude da CNBB, baste recordar que ao anunciar-se, pelo Governo brasileiro, a intenção de

introduzir o divórcio, o Presidente apressou-se em declarar — com não pequeno escândalo

do povo católico — que a Igreja não faria oposição. E em ocasião posterior disse, o mesmo

Dom A. Lorscheider, a um periodista, que o Brasil estava muito mais adiantado que a

Europa, pois, ao passo que ali todavia se regem pelo Concílio de Trento, no Brasil já havia

sido superada essa etapa!

A propósito, pois, das opiniões divergentes, vertidas na Igreja por alguns de seus

membros, não tenham medo os leitores. A Doutrina da Santa Igreja, já firmada, não

mudou, nem poderá jamais mudar num ápice que seja, no que respeita aos castigos e à

pena máxima. Seus opositores dentro da Igreja são um "grupito" de sacerdotes, quase

sempre desqualificados, que não devem impressionar-nos, pois nunca faltaram, nem no

futuro faltarão, dissidências na Igreja e em pontos de muito maior relevo.

Já nas polêmicas suscitadas na segunda metade do século passado, o filósofo jurista

Mendive manifesta sua infravaloração dessa "turba do populacho literário para quem a

atrocidade deste castigo não se compadece com a cultura de nosso século e que é portanto

necessário ab-rogá-lo".163

Será porventura mais condicente "com a cultura de nosso século"

o aumento incessante e as atrocidades inauditas contra tantos inocentes?

Fazemos nosso em todo seu contexto o juízo que dos abolicionistas em geral deu

aquele grande estudioso do tema e conhecedor em profundidade, como nenhum outro, da

literatura abolicionista, Amor Naveiro: "Nos que escreveram sobre a pena de morte, com

suficiente extensão para poder julgá-los, há mais sentimentalismo que lógica, mais

preconceitos e rotinas que espírito crítico, e sobretudo vacuidade nas ideias e desordem na

exposição."164

Nos parágrafos seguintes veremos a justeza desta apreciação de Amor Naveiro.

11. RAZÕES E ARGUMENTOS COM QUE OS ABOLICIONISTAS

TENTAM DEMONSTRAR SUAS TESES

Vão intento. Faz já mais de um século que o magistrado francês Mouton, depois de

estudar e ponderar tudo que até então se havia publicado contra a pena de morte, declarava

sem assunto a polêmica por falta de novas provas da parte dos abolicionistas: "Esta questão

163

- José Mendive, Derecho Natural, Valladolid, 2A ed., 1887, p. 283. 164

- c. Amor Naveiro, El •problema ãe la Pena ãe Muerte, Madrid, 2.a ed„ 1917, p. 118.

Page 64: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

64

esgotou-se de tal forma, que a meu parecer não existe o menor interesse em discuti-la mais

uma vez, nem a menor esperança de descobrir, do ponto de vista dos que lhe pedem a

abolição, novos argumentos. Nenhum destes argumentos me parece decisivo."165

Não obstante, nem por isso cessaram de seus propósitos os adversários da pena de

morte, mas pelo contrário aumentaram todas as suas baterias numa liça ruidosa, não tanto

para defender a verdade de uma tese, em que, seguramente, nem eles em sua maioria

crêem, mas para que — sem confessá-lo por suposto — esse combate há que levá-lo

adiante porque outras forças o impõem, pois favorece os desígnios da Revolução, como

acima deixamos anotado.

Hilaridade produz a aceitação e aplauso que Barbero Santos, Beristain e outros

abolicionistas prestam à "insigne" tolice com que Bockelmann inicia sua colaboração na

obra coletiva de Maurach, como se fosse um autorizado adágio: "A razão mais forte contra

a pena capital é que não há nenhum argumento racional a seu favor."166

Com que

despreocupação se invertem as coisas! A verdade é justamente o inverso. Os argumentos a

favor da pena de morte são tão decisivos e irrebatíveis que a humanidade os aceitou

sempre com plena convicção; ao passo que os abolicionistas, carentes de toda razão válida,

os substituem com afirmações gratuitas, falácias, notas sentimentais, tergiversação de

estatísticas, e outras balbúrdias, e, como argumento de Aquiles, o erro judicial que, como

logo veremos, carece também de todo valor efetivo.

Examinemos com brevidade os argumentos comumente alegados pelos

abolicionistas, advertindo que ainda que por qualquer razão exponha alguns com a

formulação de um autor determinado, em realidade, os argumentos são comuns a uns e a

outros, e por isso repetidos até a saciedade.

a) "A pena de morte produz um efeito criminógeno, induz ao delito",167

ou como diz

Barbero "tem uma eficácia contrária à intimidante"168

Menciona-se nesse sentido Aubry

que em seu livro "La Contagion du Meurtre", Paris, 1896, havia demonstrado (?) "que a

presença popular ante o cadafalso era um claro fator criminógeno".169

165

- Eugênio Mouton, El deber tíe castigar, Trad. esp. de Gonzàlez Alonso, Madrid, (1887), p. 206. 166

- Die Frage der Todesstrafe, Zwólf Antworten, Múçhen, 1962, p. 139. 167

- Beristain in La Pena de Muerte. 6 Respuestas, Madrid, 1978, p. 139. 168

- M. Barbero Santos, Estúdios ãe Criminologia, Valladolid, 1972, p. 155. 169

- Garcia Valdês, La Pena Capital, Madrid, 1979, p. 35.

Page 65: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

65

De igual modo se expressava em 1978 o Mundo Diário de Barcelona, mas tudo isto

não passa de afirmações gratuitas, sem a menor prova, e contrárias às mesmas leis da

psicologia humana e da pedagogia, pois é bem notório a todos que a vista dos castigos

retrai as faltas. Já Santo Tomás previu essa objeção que ele expressa assim: "A execução

parece ser prejudicial para o povo, que pode ter ocasião de seu exemplo para pecar. Logo

não se deve impor a pena de morte por nenhuma culpa." E ele mesmo responde que esse

efeito criminógeno não se dá "quando juntamente se dá a falta e o castigo publicamente, já

seja de pena capital ou outra qualquer que cause horror, a vontade humana afasta-se do

delito, pois o castigo aterra mais que o que possa atrair a falta".170

O eminente penalista Amor Naveiro não só nega tal efeito criminógeno da pena

máxima, como ainda, acrescenta, que dita pena "é positivamente moralizadora da

sociedade, como todas as penas justas, porém em maior grau que as demais. Toda pena

imposta merecidamente e com publicidade tende a afirmar nos ânimos dos associados o

sentimento de justiça, faz fixar a atenção na importância e odiosidade do delito, e mostra

que o direito é uma coisa respeitável que não se pode burlar impunemente".171

Válida a objeção de que a vista da punição é criminógena, havia logicamente que

suprimir-se todas as penas, ou seja, deveria sancionar- se a impunidade mais absoluta

porque cada dia se repetem os delitos que não se castigam com pena tão terrível. O

professor Puig Perla é conclusivo na resposta ao "tão traído e levado argumento de que

muitos condenados à morte haviam presenciado execuções anteriores. Em realidade pouco

prova, em primeiro lugar porque nunca se citaram concretamente estes casos, e em

segundo lugar porque não se diz tão pouco em quantos e quais casos se afastaram os

criminosos do delito por efeito da execução presenciada".172

b) A causa mais comum do crime acha-se na miséria e na ignorância em que vive o

povo. Portanto não se hã de buscar o remédio da; delinquência na pena de morte senão na

melhora de vida e na educação e instrução da massa.

Com extrema frequência se ouve esta objeção, inclusive de lábios de gente de boa

fé, que não são abolicionistas, porém sem nenhum valor por apoiar-se em falsos supostos.

170

- Sto. Tomás, Suma Teol., 2-2, q. 108, a. 3. 171

- Amor Naveiro, El Problema de la Pena de Muerte, 2.a ed., Madrid, 1917, p. 206. 172

- p. puig Pefia, Derecho Penal, Madrid, 1955, 4.a ed., tom. II, p. 351.

Page 66: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

66

Não são a ignorância nem a pobreza elementos criminógenos. Ao contrário, está provado, e

isto o sabem todos os que desta matéria se ocupam, que raríssima vez se dá o caso de um

criminoso analfabeto. E se, dos executores do crime, passamos aos indutores, não

acharemos entre estes nem um só ignorante, senão, com frequência, indivíduos, grupos ou

sociedades, de indubitável solvabilidade intelectual, de par com o mais baixo nível moral.

Quando em Yalta, na Conferência da Criméia, e mais tarde em Casablanca,

Roosevelt e Churchill concordaram com o brinde de Stálin pela execução sumária de

50.000 soldados alemães, inocentes prisioneiros de guerra, quem diria que esse abominável

genocídio perpetrado pelos "três grandes" — grandes sem dúvida em iniquidade — era

filho da ignorância?173

E como este exemplo inumeráveis outros poderiam alegar-se.

Menos ainda, poderia atribuir-se o crime à pobreza. Com freqüência na classe pobre

há bastante mais honradez que na endinheirada. O ilustre sociólogo ianque Roucek declara

que o aumento da criminalidade nos Estados Unidos "não é, como muitos pensam, um

efeito da pobreza, senão, ao contrário, pois, no meio de uma prosperidade sem precedentes,

a nota peculiar do crime levou-a a opulência e não a pobreza; e precisamente o delito de

maior incremento é o referente às lesões da propriedade privada".174

E o famoso escritor

brasileiro, não há muito falecido, Nelson Rodrigues, rebatendo também esse falso conceito

que atribui a delinquência à miséria e à ignorância, escreveu: "Vejam os Srs., os quarenta

terroristas que foram libertados no sequestro do embaixador alemão. Há porventura um

negro? Não, não há um negro. Há um operário? Não. Há um "favelado" — arrabaleiro?

Jamais. São todos das "classes dominantes". São filhos da "alta burguesia". São pais da

"alta burguesia". Ninguém encontra um fanático do Flamengo".175

Convençamo-nos. Onde quer que se encontrem homens capazes de conhecer,

querer e eleger entre o bem e o mal, haverá gente honrada e vis delinquentes, qualquer que

seja sua ilustração e ignorância, sua escassez ou sua abundância de bens materiais.

c) A pena de morte é oposta à concepção moderna da justiça.176

173

- vid. Los documentos de Yalta, trad. esp. de G. Aguirre de Cárcer, in R.E.P., 1956, p. 11-12. 174

- Jóseph S. Boucek, Crime. The American Way of Life, ih RIS, XXVI (1968) 41-48. 175

- Nelson Rodrigues, O Globo, 19-VI-70. 176

- Ap. Garcia Valdês, op. cit., p. 23. É conclusão do Colóquio Int. de Coimbra de 1967.

Page 67: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

67

Será mesmo que com o tempo mudou o conceito de justiça? Haverá hoje duas

noções diferentes e contrapostas de justiça, antiga uma, moderna a outra? É clássica a

definição que o jurista romano Ulpiano, na linha do pensamento de Aristóteles, Cícero e

dos estóicos, deu da justiça: "Constam et perpetua voluntas ius suum cuiqm tribuendi" —

Constante e perpétua vontade de dar a cada um seu direito.177

Esta noção, adotada e

comentada também por Sto. Tomás, segue-a a generalidade dos juristas, até nossos dias.

Sto. Tomás, explicando-a, diz que "seu" ou "seu direito" é "aquilo que lhe é devido

segundo uma igualdade de proporção", quer seja castigo do mal praticado ou retribuição

do bem que se fez. Claro está que, neste conceito de dar a cada qual o merecido, inclui-se a

pena máxima, quando o delito foi extremamente grave. Será isto o que é preciso modificar

na "concepção moderna" da justiça?

A esta alteração ou mutação do conceito de justiça opõe-se, por inteiro, a tradição

jurídica, que se resume nestas palavras: "Toda a teologia católica enuncia com Sto. Tomás

que, por direito natural, é justo e lícito à autoridade pública infligir diretamente a morte aos

malfeitores como pena pelos mais graves crimes."178

Ofende-se a justiça deveras não retribuindo o bem, nem castigando o delinquente,

segundo aquele aforisma jurídico de Siro, que jamais foi posto em dúvida por ninguém:

"Judex damnatur ubi nocens absolvitur" — A absolvição do culposo é a condenação do

juiz —179

ou como sentenciou Shakespeare: "A clemência para o homicida é homicida."

d) A Igreja condenou sempre a violência; e a pena de morte não é mais que uma

violência levada ao extremo.

Entendamo-nos, a Igreja condenou, e sempre condenará, a violência injusta, a do

injusto agressor, porém não a que legitimamente se exerce na repressão aos infratores do

direito e da ordem social, pois esta pertence à virtude cardeal da justiça.

Todo o mundo admite na teoria e na prática que uma pessoa inocente pode repelir o

injusto agressor, até dar-lhe morte, sempre que não exista outro recurso. Ninguém pode

condenar esta violência, nem tão pouco a outra, a esta semelhante, exercida pelas forças de

177

- Dig. L. I Tit. I leg. 10 lustitia est. 178

- Teófilo TJrdánoz, Introducción à q. 64 da 1." parte da S. Teol. (BAC) VIII, 422. 179

- Publio Siro, Sententine, ap. Meyer, Die Sammlungen der Spruchverse des Publius Syrus, Leipzig, 1873, n.° 257.

Page 68: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

68

ordem pública ao repelir as agressões de que são vítimas elas mesmas no exercício de sua

missão, ou outros cidadãos inocentes.

Na verdade, seria insultante equiparar a injusta violência autêntica, isto é, a do

terrorista que mata, e a "violência institucional", como alguns a chamam, e é a do agente da

autoridade, que defende e se vê obrigado, por sua profissão, a reprimir, com a força

necessária, os violadores do direito que eles ou outros têm à vida.180

Do mesmo modo, contra a máxima violência injusta de um assassino que tira a vida

a seu semelhante; será sempre justa a violência do poder que executa o homicida.

Alegam alguns que o assassino, o terrorista, o anarquista é com frequência um

enfermo mental, contra o qual seria injusto empregar medidas de violência. Sem dúvida,

essas considerações psicológicas contribuem para esclarecer o problema, "porém, como diz

Kúnneth, marcadas como vêm pelo prejuízo abolicionista, não logram a força de apresentar

qualquer argumento válido contra, ou a favor da pena capital"181

. É absurdo pensar que

todos os delinquentes são débeis mentais ou enfermos psíquicos. De fato, os que assim

sejam, levemos a um sanatório psiquiátrico, porém os que não o são devem receber os

castigos que mereçam.

e) A pena de morte é uma vingança e como tal não deve manter- se nos países

cristãos.

Afirmação gratuita e sem prova alguma. A vingança, em geral, é a satisfação que se

toma pelo agravo recebido. Ou seja, em outras palavras, é a retribuição do mal perpetrado e

recebido, infligindo outro mal a quem nos fez agravo.

A qualificação ética de boa ou má cabe à vingança, como ensina Sto. Tomás, da

intenção de quem a exerce: "Se se pretende sobretudo o mal para quem nos ofendeu ou

maltratou, e por ele se alegra, isto é totalmente ilícito, porque alegrar-se pelo mal do

próximo é ódio, oposto à caridade que com todos devemos ter, sem que nos chegue a

desculpar que o outro lhe haja antes desferido um mal. Em troca, se a intenção de quem

executa uma vingança é conseguir o bem do culpado, por meio do castigo, como o seria

logrando sua emenda, ou, ao menos, sua inibição, tranquilidade dos demais e exercício

180

- v. Feliú, Dos clases de Violência, in Fuerza Nueva, 631 (10-XI-79) 33. 181

- Valter Kiinneth, in Maurach. e outros, Die Frage der Todesstrafe, p. 155.

Page 69: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

69

da justiça e da honra devida a Deus, então pode ser lícita a vingança."182

Com efeito, uma coisa é querer o mal de outro com ânimo de vingança, e outra,

muito diferente, querer a reparação do direito violado. O primeiro é ilícito por ser contrário

ao mandamento de Cristo de amar a todos e perdoar de coração a quem nos ofendeu. O

segundo é perfeitamente lícito e, tratando-se da autoridade pública, a vingança ou castigo

do malfeitor é, não só lícita, senão obrigatória, e ato de verdadeira caridade, pois caridade é

a tutela do inocente e a defesa dos direitos violados pelo elinquente.

Esta vingança ou "vindicatio" pública — que exclui o sentido da vingança privada

— é a que São Paulo atribui ao governante supremo, a quem chama "vingador" para

castigo de quem obra mal.183

Estamos pois em que é preciso distinguir entre a cobrança rancorosa, privada, de

um agravo recebido, e a nobre missão do príncipe, vingador da justiça e guardador da paz e

da harmonia social.

f) O homem não pode medir a culpa do homem. Só Deus conhece a intimidade do

homem, e só Ele lhe pode medir a maldade. Portanto a pena só está em mãos de Deus.

Este argumento estranho e chocante, fundado na não distinção dos foros interno e

externo, é de Vecilla de las Heras. Segundo este autor, como a malícia e o pecado são

internos no homem e, portanto, não sendo mensuráveis nem ponderáveis, não podem ser

suscetíveis de módulo que nos sirva de norma para calcular a dimensão ou gravidade da

pena merecida, esta não pode ser infligida.

A ser válida a objeção, nem a pena capital nem nenhuma outra pena poderia

infligir-se sem perigo de injustiça. Tão pouco o governante poderia premiar com equidade

o bem, pois sendo a bondade como a malícia fenômenos internos, íntimos da pessoa, não

sujeitos à medida, só Deus poderá dar o justo a cada um.184

Que o governo ou autoridade social será essa que está incapacitada para premiar o

bem e castigar o mau proceder de seus membros?

Vencilla cita Amor Ruibal, dando a entender pelo contexto que este egrégio mestre

apoia sua tese. — Demasiado inteligente era aquele filósofo para não tropeçar no

182

- Sum. Teol., 2-2, a. 108 (BAC, tomo IX, p. 479-480). 183

- Rom. XIII, 4. 184

- Vecilla de Las Heras, op. cit., p. 68.

Page 70: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

70

abolicionismo. — Amor diz que "a pena não é uma expiação do mal moral, senão nas

mãos de Deus", o que é de toda evidência pois do mal moral ou pecado só Deus lhe

conhece a malícia. Mas, imediatamente, o insigne autor, distinguindo a maldade interna

das ações ou seja o mal moral, que pertence ao foro interno, do ato externo delituoso que

consiste na violação de uma lei que leva anexa uma pena, acrescenta: "A pena é somente

um instrumento de conservação da humanidade, e da defesa de seus direitos, de que se há

de tomar a norma de sua extensão e de seus limites."185

As penas, seja de que tipo for, impõem-se tendo em conta, não a malícia interna do

réu, que só Deus conhece e pertence ao foro interno, senão segundo a apreciação humana

do ato externo delituoso. Essa condição de que a violação constitutiva do delito punível

deva ser externa já era exigida no Direito Romano.186

Não pode ignorar Vecilla que a Igreja tem, desde as origens, sua legislação penal,

com diversidade de sanções e castigos, e, não obstante, é aforismo canônico que "de

internis non judicat Ecclesia" — Não castiga a Igreja os atos internos.

Quando qualquer um comete um grave delito, enquanto pecado, o mal moral

remete-o a Igreja ao tribunal da penitência, que conhece somente o que concerne ao foro

interno; porém enquanto delito, manda-o ao tribunal ou foro externo para ser julgado e

receber o que mereça, como delinquente. Um exemplo bem recente: a justiça italiana

condenou o agressor do Papa, Mohamed Ali Agca, a cadeia perpétua, e o principal afetado,

João Paulo II, perdoou o agressor.

Análoga à precedente objeção é a que apresenta a escola de Sociologia Criminal, de

Garófalo, Ferri, Kimberg etc. que, havendo negado o livre arbítrio humano, se encontra na

impossibilidade de chegar a uma noção aceitável de imputabilidade criminal.187

Agora

bem, "o fundamento ou título do poder coercitivo é a imputabilidade da ação externa"188

, e

por outra parte, o poder social é o que, à base da imputação provada, inflige o castigo. Se

pois se nega a imputabilidade, a autoridade fica inerme e não pode impor pena alguma. A

185

- Amor Ruibal, Der. Pen. etc. I, 32. 186

- DIG. 48, 19, 18 Ulpianus. 187

- cfr, O. Kimberg, Vber die Unzulãngligkeit aller Versuche einen Begriff der Zurechnunfãigkeit aufzustellen, in fAonatschrift fur Krim. Psych. unã Strafrechtreform. 188

- wernz — Vidal, Ius Canonicum, Roma, 1937, tomo VII, p. 30. Ver também nosso estudo "El libre albedrio: solución de la más grave antinomia que su estúdio presenta, in O Estado de Direito: Primeiras Jornadas Brasileiras de Direito Natural, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1980, págs. 394-395.

Page 71: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

71

sociedade torna-se ingovernável.

g) Matar alguém é uma barbárie. A pena de morte é desumana por destruir a vida

que é a essência do humano.189

De acordo, nada mais certo que matar alguém é desumano, é uma barbárie, razão

pela qual é indispensável, ainda à custa de terríveis escarmentos, impedir que os punhais,

os venenos e os assassinos se façam presentes e frequentes no meio de cidadãos pacíficos e

inocentes. Por isso, o poder social deve desdobrar toda a força necessária com o fim de que

os malfeitores se acobardem e desistam de suas malfeitorias. Se é inevitável que alguma

vítima pereça, melhor é que morram os facínoras mas não os inocentes.

Claro está que não faltam as carpideiras, os que se comovem e se derretem ao

pensar no patíbulo dos criminosos, porém eu, e comigo a maioria dos bem nascidos, sinto

que são outros os espetáculos que mais nos movem à compaixão. A Gazeta dos Tribunais,

de Itália, referia, faz anos, que um filho sem entranhas, depois de haver golpeado,

escarnecido e ensanguentado durante vinte anos, quase todos os dias, seu pobre pai, acabou

assassinando-o, fazendo-lhe oito a dez feridas. Pela só leitura do fato sentimo-nos

estremecidos por altíssima compaixão pelo pobre ancião, execrando, ademais, aquele filho

monstruoso, e sentimos a necessidade de que, estando provado o delito, o expie com a

morte. Igualmente uma pobre esposa, durante muitos anos maltratada por seu marido, que

lhe provocou o aborto em diversos casos e que depois de haver-lhe mil vezes posto um

punhal na garganta, porque a infeliz se lamentava das prostitutas que a sua casa conduzia,

estudando bem o golpe, degola primeiro, em sua presença, sua irmã e a mãe, e sua esposa

depois de por-lhe um laço afim de estrangulá-la, porque a infeliz luta, machuca-lhe as

fontes com um martelo e parte-lhe com um punhal o coração. Lendo, o nosso coração

comove-se de piedade para com a infeliz esposa, porém, por desgraça, a compaixão é

muito distinta entre os homens. Há quem a sente pelo ladrão e quem pelo esbulhado; quem

pelo réu e quem pelo inocente, quem pela vítima e quem pelo assassino.

Para o novelista francês Gary, prémio Goncourt, a abolição da pena de morte não é

prova de um maior progresso moral e social, "senão, ao revés, de um retrocesso, posto que

supõe tirar valor à vida, à vida mesma que, até ontem, era algo sagrado"190

. É que para

189

- Barbero Santos, in La pena de muerte. 6 Respuestas, Madrid, 1978, p. H. 190

- Ap. Monsegú, in Roca Viva, VI, junio 1973, 470.

Page 72: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

72

os abolicionistas a vida também é sagrada, porém, não a de qualquer semelhante, senão tão

só a do assassino. Este pode matar dez ou vinte inocentes, porém a dele é sagrada, é

intocável, privá-lo dela é barbárie, é desumano (!!).

h) A pena de morte constitui uma infração da lei divina "não matarás", mesmo

quando aplicada com fins de justiça.191

A esta objeção respondo com o relato da seguinte anedota.

Em um debate sobre a pena de morte, na televisão de São Paulo, o Ministro Nelson

Hungria, autor principal do vigente Código Penal brasileiro e de um extenso comentário

sobre o mesmo, dirigiu-me estas palavras: "O Sr., defendendo a licitude da pena capital,

está em contradição com o mandamento divino. Moisés, o grande legislador Moisés,

prescreveu, por ordem de Deus, categórico "não matarás" e o Sr. propugna que é legítimo

matar nossos semelhantes". Respondi-lhe: Por que V. Exa., Senhor Ministro, se detém só

nesse versículo do Êxodo e não leva em consideração o que se diz no resto dos livros

sagrados? Se V. Exa. os lesse, veria como o mesmo grande hagiógrafo, que foi Moisés,

comina em várias passagens a pena de morte para diversos delitos. Quanto ao homicídio, o

declara explicitamente no Gênesis: "Todo aquele que derramar o sangue humano terá o seu

derramado pela mão do homem." Esta sentença repetiu-a o próprio Jesus Cristo no Sermão

da Montanha, fazendo-a sua. Observe, Senhor Ministro, como o próprio hagiógrafo nos dá

a razão fundamental da proibição do homicídio, recordando que o homem é viva imagem

de Deus, inteligente, livre e destinado por sua inefável Providência, para ter parte na

felicidade de que goza o mesmo Deus. O Ministro concordou e manifestou satisfação pela

resposta.

Como são muitos os que tropeçam no significado equívoco do vocábulo "matar",

que no Êxodo quer dizer simplesmente assassinar, transcrevo aqui o esclarecimento que

dos sentidos dessa palavra nos dá o exímio Suárez.192

"O fato de matar um homem nem

sempre é homicídio, que a lei natural proíbe, senão que o é unicamente quando se realiza

por conta própria, e, diretamente, ou seja, de propósito ou tomando a iniciativa. Não é

homicídio, em troca, quando se mata em legítima autoridade ou em defesa própria." Já

Santo Agostinho havia desfeito o equívoco em A Cidade de Deus.

191

- G. Caronia, in Stanislas cTAutremont, Peut-on Tuer?, Turnhout, 1964, p. 15. 192

- Francisco Suárez, De legibus, L. II, XVI, t. (na ed. do Corpus Hispanorum de Pace, C.S.I.6., XIV, 83).

Page 73: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

73

i) A pena de morte é contrária ao Sermão da Montanha. Nele Jesus disse: "Amai

vossos inimigos e orai pelos que os perseguem. Perdoai e sereis perdoados."

No mesmo debate da televisão a que antes fiz referência, o Ministro Nelson

Hungria, a certa altura da discussão, disse, com ênfase: "Eu sou mais evangélico que o

Padre Silva, pois Jesus nos ordena amar e perdoar nossos inimigos e para o P. Silva nada

de perdão. Matar quem com dolo mata."

Senhor Ministro, respondi-lhe, V. Exa., que é jurista esclarecido e alto Magistrado,

não pode ignorar que há duas ordens da vida em sociedade, a ordem da caridade que

concerne a todos os homens e a ordem da justiça que incumbe tão-só à autoridade pública e

que ela exerce através do poder judiciário. É de toda evidência, pelo texto e contexto

daquelas expressões, que por elas Jesus se dirigia a todas as pessoas humanas, a cada um

de nós, aconselhando-nos a caridade e o amor; não às autoridades e aos que administram a

justiça em toda sociedade humana.

O juiz que conhece a causa de um crime e pronuncia uma sentença condenatória do

réu, não está julgando um inimigo pessoal — inclusive se o réu fosse parente ou inimigo

manifesto do juiz, este é declarado incompetente no caso — senão um malfeitor que violou

os sagrados direitos de um cidadão, direitos cuja defesa e tutela incumbe como obrigação à

autoridade pública.

Imaginemos, Senhor Ministro, que algumas pessoas vão a seu tribunal questionar

sobre graves maltratos e despojos de que foram vítimas. Qual seria a atitude de V. Exa. em

tal caso? Ousaria porventura dizer-lhes: "Senhores, nada tenho a fazer com vossas queixas.

Eu sou católico e evangélico e por isso perdoo todos os que os maltrataram e roubaram?"

(risos na platéia.) "Senhor Ministro, replicariam eles, os maltratados e roubados fomos nós,

não Vossa Excelência, e corremos à justiça para que nos ampare nossos direitos com uma

justa reparação de agravos e para que nos devolvam os bens de que fomos despojados."

Claro está que os querelantes tomariam sua atitude como um intolerável sarcasmo.

Tanto nisto do perdão, como no que diz respeito à não resistência ao injusto

agressor, é necessário distinguir sempre o que concerne ao indivíduo e seus direitos, do

concernente ao que representa ou tem a seu cargo a tutela dos outros. Diz muito bem um

escritor atual: "Uma pessoa, só, está em seu direito se aceita a não resistência ao agressor,

porém desde que tem a seu cargo uma família, uma comunidade, uma nação, seria imoral

Page 74: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

74

sacrificá-los co inimigo."193

E o mesmo diga-se do perdão. Bem fez Santa Rita de Cássia

perdoando o assassino de seu marido, e lhe foi computado como mérito, porém mal haveria

feito a justiça se deixasse impune o nefando crime.

"A vítima de uma injustiça, dizia o grande Pontífice Pio XII, pode livremente

renunciar à reparação; mas a justiça, por sua parte, assegura-lhe em todos os casos."194

j) "A pena de morte é uma usurpação do direito divino. A sociedade não pode tirar

aquilo que não concedeu. A vida do homem é coisa sacratíssima tanto para os próprios

homens como para os governos."195

"Da vida de um homem nenhum outro, qualquer que

seja sua autoridade, pode dispor sem usurpar o poder de Deus."196

Para os crentes, assim como para todos os que, desde a antiguidade até hoje, não

hajam negado a lei natural e para quem o mundo é governado por alguma instância

superior e transcendente, essa objeção carece de valor. Com efeito, se bem é certo que a

vida e os primeiros: direitos do homem, como o de propriedade, a liberdade etc, não no-los

outorgou a sociedade, senão que a ela são anteriores, pois derivam do direito divino-

natural, do mesmo Deus criador de nossa natureza; resulta também que a sociedade,

composta por homens naturalmente sociáveis, é do mesmo modo de direito natural, e

portanto deve estar dotada, nos que a governam, de todos os poderes e atribuições

requeridos para manter a união e pacífica convivência do cidadãos. Fora dos ateus e

ultraliberais ninguém nega o aforismobíblico: "Todo poder vem de Deus." "Por mim

reinam os Reis e os príncipes decretam o justo."197

Na pessoa do legítimo superior reconhecem os povos o Rei dos Reis e rendem-lhe

vassalagem, obedecendo-lhe. É ademais, o que governa, ministro de Deus, e em seu nome

leva a espada, e não inutilmente — non sine causa gladium portat.198

Não é pois ele, quem

ao homem mata, senão Deus, que por meio do homem exerce sua justiça.

193

- Thomás Moinar, El pacifismo y la Paz, in Verbo, Madrid, 221, 1984, 48. 194

- Discurso a los participantes en el VI Cong. Int. de Der. Penal, 3-X-53 in Docum. Políticos, BAC, p. 414. 195

- miz Francisco da Veiga, O primeiro Reinado Estudado à Lus da Sciencia, Rio de Janeiro, 1877, p. 199 200. 196

- Carnelutti, in Barbero Santos, Est. de Crim. y Der. Penal, Valladolid, 1972, p 162 197

- Prov. VIII, 13. 198

- Rom. XIII, 4.

Page 75: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

75

Por conseguinte, a sociedade, assim como sem haver-nos dado a liberdade pode

privar dela os delinquentes — ninguém, nem o mais indomável abolicionista negou o

poder de prender um assassino — também pode privar o criminoso do desfrute da vida.

Isto expressou-o com clara distinção de conceitos o Papa Pio XII, fazendo notar que, de

fato, o Estado não dispõe do direito à vida de um cidadão, porém sim, pode privar o

condenado do bem da vida, em expiação de sua falta, depois que ele por seu crime se

privou já do direito à vida".199

Famosa fez-se aquela frase de Sócrates referida por Platão:

"Não te matei eu, senão que te matou a lei", indicando que não é o homem que impõe a

pena de morte, senão que a sociedade a exige para sua tranquilidade e subsistência.

Não é pois o Estado, quando executa um homicida, um usurpador do poder de

Deus, senão que atua com os poderes que, como reitor da sociedade, para seu pacífico

governo, Deus lhe outorgou. Com assombro vejo que o padre Beristain nega essa

autoridade vicária do Estado, fundando-se, diz ele, "na teoria católica sobre o Estado e a

autoridade" (!). Ter-se-á olvidado que o próprio São Paulo nos diz que o príncipe é

ministro de Deus para a justiça?

"A vida do homem, dizem, com Veiga, muitos abolicionistas, é coisa sacratíssima",

porém, qual vida? A do celerado ou a do inocente? Poremos as duas no mesmo plano?

Ainda pior, pois vemos que o que lhes dói não são as vidas de inumeráveis inocentes, que

cada dia morrem em mãos de terroristas e criminosos, senão a destes. Pois bem, sejamos

sinceros, essas duas vidas não são de modo algum equiparáveis. Se a do inocente é tão

preciosa, como o é de fato, por que não defendê-la a qualquer preço? Não será lógico que,

se não houver outros meios de deter o criminoso, como de fato acontece, se chegue à morte

do injusto agressor, que não respeita a vida dos outros semelhantes?

k) Não se deve responder a um crime com outro crime nem devolver o mal com o

mal. Isso já prevaleceu e não deve voltar.

Equiparar a execução do réu ao homicídio por ele cometido é pura demagogia

intolerável, pois ninguém há tão insensato e tão néscio que não veja o absurdo dessa

afirmação.

Na verdade, a quem em seu reto juízo pode ocorrer colocar na mesma balança o

criminoso que deflora uma donzela e a mata ou degola um ancião para roubá-lo e o juiz

199

- AAS. , 1952, p. 783.

Page 76: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

76

que, em virtude da lei, em sua nobilíssima missão de defesa da sociedade, envia ao

patíbulo esse malfeitor? Se esse argumento se reduz ao preceito talonário, olho por olho,

dente por dente, já fica dito, em páginas anteriores, em que sentido é admissível e legítimo

esse preceito.

Mas expliquemos a equação entre delito e castigo, que se segue à expressão "mal

por mal", e que ainda por gente ilustrada e bem intencionada é erroneamente entendida.

Tudo deriva da ambiguidade ou duplicidade de sentido do vocábulo mal. Já o

sapientíssimo doutor medieval Santo Isidoro nos fez notar esse equívoco: "O mal que

qualquer um faz é um pecado, o mal que sofre é um castigo."200

Não há pois equiparação ou igualdade possível entre delito e pena por serem os

dois males, embora heterogêneos. Se o delito é mal moral ou culpa, o castigo ou dor é mal

de pena. Uma vez mais vemos aqui que no castigo não há, nem pode haver, igualdade com

a falta, senão tão só certa proporção entre a culpa que envilece e a pena que redime.

l) É preferível à morte, e mais temida pelos criminosos, a pena de cadeia perpétua:

ela basta para dissuadir o delinquente.

Que ilusão! Pois se o temor da pena de morte não é suficiente para dissuadir certos

malvados de seus propósitos perversos, como imaginar que a simples ameaça de uma

prisão os detenha? Quando em 1931 o Estado de Washington, da União Americana,

substituiu por seis anos ad experimentum a pena capital, pela de reclusão perpétua, um

assassino, interrogado pelo juiz, se não temia o rigor das leis punitivas do Estado,

respondeu: "Não, de modo algum, por que vou temê-las se o mais que o Estado pode fazer

é dar-me cama e mesa?" Como resultado dessa resposta fez-se sentir o clamor do povo,

reclamando o restabelecimento da pena de morte, como assim se fez. Do mesmo modo de

pensar daquele ianque há sem dúvida outros muitos. O delinquente Severino Monteiro,

detido em flagrante pela polícia de São Paulo, declarou que seu ato era premeditado,

"pensando assim volver ao cárcere onde não lhe faltava o que comer"201

. E idêntica

declaração fez Lauro Correia, ao juiz penal, no Rio de Janeiro.202

200

- Santo Isidoro, Etimologias, L. V., 27, ed. da BAO, Madrid, 1982, I, p 530. 201

- Folha da Tarde, de São Paulo, 25-V-74. 202

- Jornal do Brasil, 3-VI-80.

Page 77: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

77

Em qualquer país em que não está vigente a pena capital, como procederá um juiz a

quem um réu diz: "Sr. juiz, se o Sr. me condena, quando sair da prisão, o matarei"; ou

aqueles agentes da justiça a quem o detido declara: "Bem podem os Srs. prender-me porém

quando ficar livre matarei todos um por um?" Pois é lógico pensar que tão-só o medo da

morte — por hipótese inexistente em tal país —, deterá esse malfeitor dessa vingança. Será

que tal réu, ainda que o seja só de um pequeno delito, deverá reter-se na prisão até o último

dia de sua existência, para não expor a vida do Magistrado e dos agentes ameaçados?

Desde logo para uns e outros há outra alternativa, expor-se a vida todos os dias, sabendo

que seus inimigos malfeitores saem a qualquer momento do cárcere dispostos a matá-los

traiçoeiramente, como está acontecendo em diversos lugares, com máxima frequência; ou

não persegui-los nem condená-los, deixando assim inerme e indefesa a sociedade, com o

conseqüente aumento da criminalidade e da insegurança e medo dos cidadãos. Respondam

a isto, que desgraçadamente nada tem de imaginário, os apaixonados inimigos da pena de

morte.

Muitas e muito inúteis fadigas assumiram alguns adversários da pena máxima, no

intento de provar que a cadeia perpétua, ou uma vida miserável na prisão, é mais duro e

temido castigo, que uma morte rápida e com relativamente pouca dor. Dessa teoria disse

Feuerbach que era muito linda na retórica, mas na prática não correspondia ao sentimento

comum dos homens203

e Cathrein acrescenta com mais dureza, que tal teoria terá sempre

contra si — werden sie immer zum gegner haben — o sentir de toda mente sã 204

. Este erro

é de tal evidência que o próprio Holzendorff, que, segundo Cathrein, é seguramente "o

mais notável dos abolicionistas", o rebate com firmeza. "O pavor, em presença da morte,

que nasce do instinto de conservação, é um fato humano que provém da natureza mesma e

portanto uma realidade inegável de que o legislador não pode duvidar."205

É que essa pena,

acrescenta o mesmo autor, "representa para o comum dos homens o maior mal que seja

dado imaginar".

Certamente o velho Aristóteles não tinha essas ilusões dos abolicionistas pois,

falando das coisas mais temidas pelo homem, diz que "a mais terrível é a morte, porque ela

203

- A.R. von Feuerbach, Lehrb. des peinl. Recht, p. 228. 204

- V. Cathrein, Moralphilosophie, tomo II, p. 656. 205

- Fr. von Holzendorff, Das Verbrechen des Moraes und die Todesstrafe. Kriminalpolitisehe und psychol. Untersuchungen, Berlim, 1975, p. 17.

Page 78: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

78

é o término e além da mesma nada há já bom nem mau para o que morre" 206

.

Tenhamos por induvidável que, para certos homens perversos, nem a ameaça da

cadeia perpétua será eficaz para retraí-los do homicídio. Acrescente-se a isto o fato de que

hoje é quase impossível a cadeia perpétua, e ao malfeitor, conservando a vida, sempre

acompanha a esperança de que uma fuga ou um indulto o exima da pena, ou de que uma

revolução qualquer lhe devolva a liberdade perdida. Temos na Espanha, nos anos mais

recentes, bastantes exemplos de criminosos e terroristas soltos e que se apressarem a

repetir suas malfeitorias, de que resultaram mortas muitas pessoas inocentes. Não é um

fato evidente que em todo tempo e lugar a comutação de uma pena de morte, na de prisão

perpétua, é uma graça ardentemente desejada e procurada pelos réus? Este fato não teria

explicação se a morte no patíbulo fosse menos temida e preferida à cadeia perpétua.

m) "Mas credes vós deveras agir de modo exemplar quando miseravelmente

degolais um pobre homem na esquina mais deserta das avenidas exteriores?" Vítor Hugo,

"Eu recordo, ainda com medo, terror e espanto, a impressão que me produziram algumas

páginas de Vítor Hugo, meus dezesseis anos estremeceram de piedade."207

Eis aqui, com toda sua força, calcada a tecla do sentimentalismo, tão grata aos

abolicionistas. Desde logo as perorações românticas e retóricas de um Vítor Hugo não

surpreendem ninguém que conheça de perto aquele grande poeta, sim, grande poeta, porém

muito medíocre e superficial pensador. Seja bastante recordar-lhe os grandiloquentes hinos

ao progresso que, "junto com o desenvolvimento da ciência, traria uma era de paz ao

mundo, pois já não haveria mais crimes, se fechariam as prisões pelo cessamento da

delinquência e seriam abolidas as leis penais e os tribunais de justiça, porque, como frutos

do progresso, a paz e o amor reinariam por toda parte". Com mediano conhecimento da

humanidade e da psicologia do homem tivera-se livrado de aparecer como um simples

sonhador.208

206

- Aristóteles, Ética a Nie., 3, c 6 (1115 a 26). 207

- Amado Nervo, La última vanidad, Obras completas, vol. XXIX , p. 114, onde cita V. Hugo. 208

- Apesar do "vazio verbalismo cenográfico", como (Msse o escritor lusitano João de Lebre — (Da pena ãe morte, Paris, 1920, p. 127) — a descrição do verdugo, em "O último dia de um condenado", pela comoção sentimental que em muita gente produziu, influiu mais na abolição, como afirma A. Nervo, que muitos livros a ela dedicados.

Page 79: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

79

É habitual nos abolicionistas, à falta de argumentos positivos, derivar pela via do

sentimentalismo, intentando levar por esse caminho à repulsa da pena de morte. Esta,

descrevem-na, pintando os atrozes sofrimentos a que eram submetidos em outros tempos

os malfeitores, o horror das prisões, a terrível crueldade dos castigos, os "autos de fé" da

Inquisição espanhola.209

Mas como a Inquisição perseguiu os judeus conversos judaizantes

e foi o instrumento da Espanha em sua titânica e gloriosa cruzada para a contenção da

heresia luterana no ocidente, todos esses elementos a que logo se juntarão os maçons,

donos quase absolutos dos meios de comunicação, não cessam de denegrir e pintar com as

mais horríveis cores, em máxima parte imaginários e inventados, as atuações daquele

tribunal da fé.210

São desgraçadamente hoje, todavia, muitos os espanhóis que, ou por ingenuidade,

ou ignorância, ou por sectarismo anticlerical, naufragam na fé, fazem eco a esses seculares

inimigos da Espanha, secundam suas campanhas e repetem suas diatribes contra a Espanha

inquisitorial, que velis nolis, como dizia Séneca, é a Espanha gloriosa, a do Século de Ouro

que as demais nações invejam.

Eu pergunto. Por que esse cuidado em descrever com tão negras cores os atrozes

tormentos a que algumas vezes foram submetidos os sancionados com a pena capital, e não

209

- A Inquisição nos tempos áureos e mais ativos foi querida e bendita por todos os espanhóis. "Não foi a Inquisição, disse uma vez Pedro Sáinz Rodríguez, uma imposição do Estado à consciência nacional, senão uma criação dessa consciência nacional. Tribunal popularíssimo, era o instrumento com que a fé coletiva do povo espanhol tratava de libertar-se, consciente e voluntariamente, de todo contágio que pudera trazer como consequência uma divisão dessa unidade da consciência coletiva". V. Peliú, La Inquisiciõn otra vez, in Roca Viva. n.° 25 (1-1970), 41; e o próprio Unamuno, com tanta frequência hostil à Igreja institucional, declarou: "Não, não vamos supor que a Inquisição fora algo externo a nosso espírito coletivo e a ele imposto, não". "A Inquisição brotou das entranhas mesmas da alma espanhola" (A. Junco, Inquisiciõn sobre la Inquisiciõn, Mejico, Ed. Jus, 4.a ed., 1967, p. 60). Muitos são hoje os historiadores estrangeiros que têm saudades da sorte da Espanha, que, à custa de um mui reduzido número de executados — nunca tão cruelmente tratados como os proscritos nos cárceres de outros países — salvou a nação das terríveis guerras de religião que assolaram e levaram a morte e a fome a considerável porção da Europa, e pôde conservar a unidade religiosa, social e civil e conservar a paz durante três séculos. 210

- A bibliografia sobre a Inquisição é imensa e não é este lugar para indicações. Só dizemos que nenhum espanhol deveria desconhecer o já citado Inquisición sobre la Inquisiciõn, do ilustre mexicano Alfonso Junco. Sumamente interessante é também a este respeito a recente obra de Jean Dumont, L'Êglise au risque de VHistoire, Paris, Criterion, 1982.

Page 80: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

80

em fazê-lo igualmente quanto à ferocidade, à sevícia absoluta e inaudita com que agora

vemos, em qualquer país e quase todos os dias, imolar anciãos, mulheres e crianças etc. ,

absolutamente inocentes? É o de sempre, a sensibilidade invertida.

Este sentimentalismo, ou melhor diríamos pieguice convencional, que leva ao

extremo absurdo de sustentar que não se deve castigar o assassino senão tão-só infligir-lhe

alguma pena medicinal para sua emenda, provocava as iras do eminente Carrara, que, foi

nisto, não "um antagonista convicto, senão um fero adversário". Ele proclamou que "a

pena só pode ser uma coisa: uma pena. Benigna sim e justa, porém adequada ao delito já

cometido e imutável, quaisquer que sejam as mudanças posteriores". O contrário leva a

"funestas ilusões que olvidam a proteção dos bons para educar os maus. A mitigação da

pena merecida, com o pretexto de uma presumida emenda, provoca a delinquência e

constitui um escândalo político"211

.

Em honra desse sentimentalismo, Carnelutti propõe que as prisões e penitenciárias

se convertam em "sanatórios das almas" e que as sanções se imponham "como atos de

amor", sem rigores nem aflições.212

O resultado dessa politica sentimental descreve-o vigorosamente e com duros traços

outro jurista italiano contemporâneo. "Hoje temos, como tristemente salta à vista de todos,

uma delinquência por toda parte, que, talvez jamais como agora, alcançou uma violência,,

expansão, brutalidade, consciente e manifesto desperdício de todo freio humano ou divino.

Por isto, ante o ideal da pena como ato de amor, opõem-se as instâncias dos povos

reclamando o restabelecimento da pena capital, onde foi abolida, e sua frequente e rápida

aplicação onde todavia se mantém."213

Essa campanha em que se invertem os sentimentos, brandura com o assassino e

esquecimento do assassinado, levada a cabo sistematicamente e com pertinácia pelos mais

apaixonados abolicionistas, não havendo sido decidida em contrário por uma ilustração

suficiente de signo oposto, obteve e está obtendo bom êxito incontestável nos. mais

diversos países, de tal modo que a imensa maioria dos que opinam em favor da abolição o

fazem por um sentimento cego, não por convicção individual.

211

- p. Carrara, Programa dei Corso de Diritto Criminale, I0.a ed., Florença, 1907, § 645, nota, p. 14. 212

- Francesco Carnelutti, II Problema delia Pena, Roma, 1945, p. 35. 213

- Biagio Petrocelli, Saggi di Diritto Penále, Pádua, Ceiam, 1952 p. 482.

Page 81: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

81

Faz já muitos anos que o celebrado escritor lusitano Júlio Dantas, referindo-se à sua

pátria, onde havia sido abolida a pena capital, escreveu: "Há já tempo que se vem dando

entre nós o fato, na verdade estranho, de toda a gente se comover até às lágrimas com a

sorte dos criminosos, sem se lembrar de lamentar a sorte das vítimas. Este excesso de

sensibilidade, verdadeiramente paradoxal, é uma manifestação perigosa numa sociedade

que tem, não apenas o direito, mas o dever de defender-se."214

Valha, sobre todas, a afirmação clara e categórica do Presidente Nixon em 10 de

março de 1973 na Tv em vista da crescente criminalidade na União: "Criticou todos os

funcionários do corpo de justiça que ao pretender defender os direitos dos delinquentes

olvidam os direitos das vítimas inocentes."215

Fique não obstante bem claro que estamos longe de censurar a defesa dos direitos

legítimos do malvado ou que dele se tenha piedade e misericórdia, o que é muito cristão. O

que se censura é que isto se faça em detrimento, de qualquer forma que seja, da justiça, da

eficaz defesa que, com preferência, aos bons é devida. Com admirável claridade e precisão

explica isto Sto. Tomás: "A misericórdia, se está regulada pela razão, é uma virtude moral,

isto é, quando se exerce sem violar a justiça, porém não o é quando se trata de um simples

sentimento ou paixão."216

Em um debate na televisão do Rio de Janeiro um interlocutor interpelou-me:

"Gostaria o Sr. de ser juiz e firmar uma sentença de morte?" Não, definitivamente não,

respondi-lhe, não foi essa minha vocação, como tão pouco gostaria de ser coveiro para

enterrar os cadáveres, ou cirurgião para fazer anatomia no corpo humano afim de dar-lhe

saúde, e, não obstante, louvo o coveiro cuja missão é uma obra de misericórdia, abençoada

por Deus, e amo os cirurgiões em sua nobilíssima missão, um dos quais já salvou minha

vida em certa ocasião. Assim pois, se houvera elegido a nobre e santa missão de exercer a

justiça e me encontrasse na contingência de julgar o réu de um hediondo crime,

plenamente provado, minha sensibilidade sentir-se-ia, porém meu pulso não estremeceria,

nem meu ânimo vacilaria um instante ao firmar a sentença que conduzisse ao patíbulo esse

criminoso, em defesa da ordem jurídica e social que me havia sido confiada.

214

- Júlio Dantas, Arte de amar, Lisboa, s.d., p. 122. 215

- Na imprensa diária. Vid. também comentada a notícia por Ramón. Castells in Fuerza Nueva, 325, 31-111-73, 19. 216

- Suma Teol., I-II, 59, 1 a 3.

Page 82: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

82

Diz-se de Hernán Cortês que lamentava saber escrever, ao firmar sentenças de

morte. "Cortês, conta seu cronista, disse entre grandes suspiros: Oh, quem não soubera

escrever para não firmar sentenças de morte." E comenta Fuentes Mares: "suspiraria muito,

mas não lhe tremeu a mão"217

.

12. O ERRO JUDICIAL

A quase totalidade dos abolicionistas, em seu combate contra o instituto da pena de

morte, põe toda sua ênfase no argumento baseado no erro judicial. Ainda suposta a máxima

retidão na administração e exercício da justiça, são possíveis e ocorrem, como em toda

atuação humana, erros na aplicação das penas, inclusive tratando-se da mais grave que é a

de morte, erro que pode levar ao patíbulo um inocente. Se pois, dizem, isto é possível e já

algumas vezes aconteceu, é lógico que, para evitar que se repita tão lastimoso e terrível

evento, seja proscrita a imposição da pena de morte, visto como o efeito fatal de tal erro é

absolutamente irreparável.

Para muitos abolicionistas este argumento é como uma fortaleza inexpugnável,

irrebatível para os retencionistas da pena capital. Não obstante, apesar do particular relevo

que dão a esta condição falível da pena, e da confiança que isto lhes inspira, como aríete

debelador do instituto da pena de morte, é indubitável que tal argumento carece de valor e

é preciso desestimá-lo e rebatê-lo por três motivos principais: a) é erróneo pensar que a

reparabilidade seja condição necessária para a licitude do castigo; b) a dificuldade e

raridade com que possa ocorrer um erro judicial faz com que praticamente não tenha valor

na administração da justiça; c) funestíssimas seriam as consequências que, a levá-lo em

conta, se seguiriam para a sociedade.218

Vamos expor com brevidade estes três itens.

a) Ninguém demonstrou nem poderia demonstrar que a reparabilidade seja

requisito indispensável para infligir com justiça uma pena.

Com efeito, no mundo dão-se e tiram-se mil coisas que não se podem voltar a tomar

por um, nem restituir pelo outro. Para decidir se é lícito ou não tirar uma coisa, não há de

217

- José Fuentes Mares, Cortês. El hombre. México, Ed. Grijalbo, 1981. p. 16. 218

- Cfr. sobre a origem, os partidários, o desenvolvimento e a confiança no argumento baseado no erro judicial, Amor Naveiro, El problema de La pena de muerte, p. 172-196. E talvez com mais amplitude D. Nuftez, La pena de muerte, 2.a ed., Buenos Aires, pp. 191-198 e 245-264.

Page 83: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

83

olhar-se se pode ou não restituir-se, senão, se tenho ou não direito para tirá-la. Se tenho

esse direito, basta, e se não o tenho, não posso tirá-la nem ainda com a boa vontade de

devolvê-la.

O jurista Mezger, um tanto simpático ao abolicionismo, reconhece nobremente que

a irreparabilidade que se atribui ao erro judicial nos casos de pena capital, "é aplicável a

toda pena executada, não só à que é contra a vida".219

Idêntico a este é o parecer do notável

penalista espanhol Puig Pena: "O mesmo caráter de irreparabilidade têm todas as penas e

em especial as mais duras."220

Em realidade a reparação não se dá com nenhuma pena já cumprida. Um pai de

família digno e honrado é condenado a dez anos de prisão por um grave e vergonhoso

delito. Cumprida a pena, descobre-se sua inocência; a afronta, a desonra e a vergonha por

que passou, o vexame da família perante a sociedade, as privações, os cuidados que deixou

de prestar a sua esposa e a seus filhos, além dos graves sofrimentos físicos na prisão etc.

são ressarcíveis? Outra pessoa também inocente é condenada a doze anos de reclusão.

Cumpre a pena e morre em pouco tempo. Depois de morta descobre-se-lhe a inocência.

Será reparável esse erro judicial? E como estes, outros mil casos reais ou hipotéticos nos

quais houve impossibilidade de reparação da pena sofrida.

Convenhamos em que não há nenhuma pena reparável, que se possa aplicar a todos

os delinquentes, ou à maior parte deles. E não a havendo, pergunto eu com Amor Naveiro:

"Que pode arguir-se contra a pena de morte que não se argua também contra as outras

penas?"221

Para ser lógico é preciso concluir que, não sendo reparável nenhuma pena

aplicada por erro judicial, e sendo por outra parte certo que sempre é possível incorrer em

erro, não se poderá já infligir pena alguma.

Como esta conclusão resulta absurda pelas consequências que acarreta sobretudo

por impossibilitar a subsistência de qualquer sociedade, faz-se necessário reconhecer que

as premissas são falsas. Não é verdade que a reparabilidade seja condição essencial para

uma sanção justa. A infalibilidade não se acha nem é exigível nas coisas humanas. Pode-se

pois, na aplicação das penas, proceder com retidão e sem violação da justiça, atuando com

prudência; e ainda nos casos de extrema gravidade, é suficiente, como adverte o moralista

219

- E. Mezger, Tratado de Derecho Penal, trad. esp., Madrid, 1949, t. II, p. 338. 220

- p. Puig Pena, Derecho Penal, 4. eJ., Madrid, t. II, p. 35. 221

- Amor Naveiro, El problema de la pena de muerte, Madrid,, 1917, p. 177.

Page 84: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

84

Roberti "a prudência requerida para atos de gravíssima importância",222

tendo sempre em

conta que é preferível, nos casos de dúvida positiva, absolver um culpado, a condenar um

inocente;223

não olvidando tão pouco que aos olhos de Deus, "tão abominável é quem

absolve o culpado, como quem condena o inocente".224

O eminente filósofo e penalista que foi Gabriel Tarde vai mais longe no rebate

desse argumento, dizendo que a irreparabilidade da pena é precisamente "a condição sine

qua non da segurança absoluta que da pena se espera", além de ser também "caráter

comum de todas as outras penas". Objeta-se-lhe a inocência de alguns que foram vítimas

de erro, "como se a certeza absoluta fosse deste mundo!"225

Alguns adversários da pena de morte como Ellero, Olivecrona, Camus etc.

despregam toda sua retórica para pintar-nos as terríveis consequências que no mundo

tiveram os erros judiciais. O caráter de irrevocável, irreparável que reveste essa pena deve

ser motivo suficiente, dizem, para aboli-la definitivamente: "Sem essa pena, dizia Ellero,

não haveria sido manchada de sangue a história das maiores nações, não se haveria

envenenado Sócrates, nem haveria sido decapitado Tomás Moro, nem queimado Jerônimo

Savanarola, nem haveria sido sacrificado o Salvador. Só este suplício é um eterno anátema

contra a pena de morte."226

Como é possível que esses juristas qualifiquem de erro judicial essas condenações,

nas quais os presumidos delitos julgados e alegados eram notórios e notório do mesmo

modo o sujeito a quem se atribuíam? Que noção, para seu uso, têm esses senhores do erro

judicial? Confundem, sem dúvida intencionalmente, e chamam de erro judicial os crimes

que em todas as épocas cometeram os tiranos ou os governos tirânicos e as chamadas

"Democracias Populares".

Não foi nenhum erro judicial o que levou à morte Sócrates ou Tomás Moro, como

tão pouco foi consequência de tal erro a condenação de Calvo Sotelo, José António,

Ramiro de Maeztu, Dimas Madariaga, Victor Pradera e tantos outros, vítimas do Governo

da Frente Popular; nem os eliminados no cárcere Modelo de Madrid;227

tão pouco houve

222

- Card. Pr. Roberti, Dicc. de Teol. Moral, Barcelona, 1960, p. 820. 223

- Otto Schilling, Grundriss der Moraltheologie, 2." ed., Friburgo, 1949, p. 503. 224

- Prov., XVII, 15. 225

- Gabriel Tarde, La PMlosophie Penal, 5ª ed., Paris, 1900, p. 544. 226

- Ellero, Sobre la pena de muerte, p. 152, ap. Amor Naveiro, op. cit., p. 176-177. 227

- vid. La dominación roja en Espana. Causa general. Várias edições. Passim.

Page 85: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

85

erro judicial na morte dos 50.000 prisioneiros de guerra, alemães, fuzilados por ordem do

triunvirato Stálin-Roosevelt- Churchill; nem na de 130.000 "colaboracionistas" franceses

— entre os quais o Dr. Alexis Carrel, Roberto Brasillach, Pièrre Lavai etc, vítimas do

governo esquerdista de De Gaule; não foi por erro judicial que tantos infelizes encontraram

a morte na Lubianka, de Moscou, ou nos espurgos de Stálin; nem os muitos condenados

pelos "tribunais populares" de Cuba, como colaboradores de Batista etc, etc.

Não continuemos que seria interminável a enumeração dos que, no correr dos

tempos, foram vítimas, não dos erros judiciais, mas da perversidade de déspotas e tiranos

de toda laia. É que nesses casos nunca se deu o erro judicial.

É bom esclarecer de uma vez que, nem qualquer morte injusta, infligida pela

autoridade, é erro judicial, senão que tão-só se qualifica como tal o equívoco cometido,

sem má-fé, por um juiz no juízo de uma causa criminal, quer condenando um inculpado

inocente ou absolvendo um verdadeiro malfeitor. No primeiro caso, da condenação de um

inocente, se a sentença foi de morte, o erro torna-se absolutamente irreparável e de muito

funestas consequências. É desse erro que tratamos neste parágrafo, sem que por isso

olvidemos que também a absolvição de um culpado deixe de ter, com frequência, muitos

graves resultados, como a olhos vistos aparece em bastantes casos na Espanha, depois da

morte de Franco, quando uma série de facínoras e terroristas foram libertados da prisão,

não para corrigir erros judiciais, senão, por motivos ou razões da inepta e ruim política do

Governo, voltaram incontinenti a praticar suas malfeitorias e assassinatos. Assim pois, de

tudo que foi dito, nada se pode arguir contra o legítimo exercício da justiça, em que, pela

falibilidade humana, se pode incidir em alguns erros.

Um caso particular de estultice e verdadeiro desatino é invocar a condenação de

Jesus como erro judicial, pois foi o próprio juiz, Pilatos, quem proclamou a inocência do

réu! "Que acusação trazeis contra este homem?... Eu não acho nele delito algum."228

"Dizem todos: Seja crucificado... Pois que mal fez? Eu não acho nele causa alguma de

morte." Pilatos pediu água, lavou as mãos e disse: "Eu estou inocente do sangue deste

justo. Considerai isso."229

Onde está aqui o erro judicial de Pilatos? Não há tal, Pilatos

condenou Jesus com pleno conhecimento de causa e tornando público que era justo.

228

- Jo. , XVIII, 29 e 38. 229

- Mt., XXVII, 22+26.

Page 86: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

86

b) Parum et nihil aequiparantur — pouco e nada se equiparam — assim reza o

antigo aforismo jurídico- Ou também, como dizem os moralistas: Parum pro nihilo

reputatur — do pouco não se tem conta. E que dizer se ê pouquíssimo?

Trazemos isto a propósito dos erros judiciais, pois se os autênticos erros foram

sempre raríssimos, na atualidade, dada a perfeição das leis processuais, a prática em toda

parte recomendada e prescrita aos juízes de não sancionar a pena máxima sem a certeza

moral do delito, e de que se, apesar das diligências, subsiste alguma dúvida positiva ou

haja alguma atenuante, não se aplique a pena capital, senão a imediata inferior, com estas

garantias podemos estar certos de que hoje, quando se trata da pena de morte, não se dão

erros judiciais. Um verdadeiro erro judicial é hoje, como se diz, mais raro que uma mosca

branca.

Com muito bom sentido da realidade, um Magistrado brasileiro, António Ciani,

depois de verificar como, não obstante as campanhas contra, a opinião pública era

"massiçamente favorável a esta última medida de defesa social, bem como também o povo

norte-americano havia exigido o restabelecimento daquela pena", faz as seguintes

ponderações: É verdade que não podemos considerar-nos isentos de algum erro, dada a

falibilidade de todas as obras humanas e que por isso deve colocar-se o máximo cuidado na

aplicação dessas penas; é também verdade que a morte do injustamente executado impede

toda reparação, porém se temos esgotado todas as possibilidades de errar, por meio de um

processo levado a cabo com as mais exigentes precauções, "bem vale a pena infligir a pena

de morte a um malfeitor pelas vantagens que acarreta; a alforria de vidas inocentes é

compensadora". Do contrário, acrescenta, dar-se-á a seguinte anomalia: pelo grande medo

de sacrificar um inocente, em uma percentagem remota e improvável, estamos matando

cada dia um sem número de inocentes pelas mãos dos assassinos".230

Não obstante, como os abolicionistas, segundo vimos acima, juntam

indistintamente as penas de morte infligidas pelos tiranos e as causadas por erros judiciais,

do conjunto resulta um impressionante número de vítimas inocentes. Isso leva Núnez a

dizer que na exposição desse argumento "há mais retórica oca que verdade sólida".231

Mas,

como é lógico, essa confusão de vítimas, embora sirva para o proselitismo abolicionista,

não vem ao caso em nossa exposição científica.

230

- António Ciani, Pena de Morte, in O Globo, 5-II-1980. 231

- D. Núnez, La pena de muerte, Buenos Aires, 2." ed., 1960, p. 192.

Page 87: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

87

O certo é que, ainda em tempos passados, foram muito raras as vítimas de erros

judiciais. G. Tarde refere o caso do Sr. M. Musio, Presidente da comissão do Senado

Italiano, nomeada para elaborar o projeto do novo Código Penal, que teve que remontar a

35 anos atrás (de 1875 a 1840) para encontrar um presumido erro judicial; nos tribunais da

Itália.232

De maior efeito, todavia, para esvaziar esse balão do erro judicial, o caso de

Rebaudi que Amor Naveiro comenta: Giuseppe Rebaudi consagrou-se com todo empenho

à tarefa de investigar e estudar os casos de sentenças de morte impostas por erro judicial

em todos os tempos e em todos os países, a partir da antiga Roma. O resultado foi

desalentador. Dos casos estudados em seu livro A pena de morte e os erros judiciários com

dificuldade chega a cem em que a sentença se haja seguido a execução do acusado. Sobre

estes cem; erros judiciais Amor faz os seguintes cálculos: Divididos entre os 2000 anos que

abarca o estudo, toca uma média de 5 para cada século. Mas como os países estudados são

numerosos (Itália, França,Inglaterra, Alemanha, Áustria, Países Baixos, Estados Unidos

etc.) vem a reduzir-se a menos de um por cada nação em cada século".233

c) No caso de admitir-se que a irreparabilidade dos erros judiciais deve conduzir-

nos à supressão absoluta da pena de morte, apesar dos bens que de sua conservação

advêm para a sociedade inteira, vejamos quais e quão tristes seriam as consequências que

como pura lógica se acompanhariam: Teríamos que eliminar os trens, os vapores, os

automóveis e os aviões, porque em todos eles, apesar da competência dos fabricantes e da

perícia dos maquinistas e pilotos, as desgraças sucedem-se a cada instante. Eliminaríamos

também as minas, as indústrias, as fábricas, as olimpíadas e até os produtos farmacêuticos

porque, por causa da deficiência e falibilidade humanas, de todos eles advêm com

frequência acidentes mortais?

Mais analogia que os acidentes mortais do tráfego e da indústria guardam sem

dúvida, com os erros judiciais, as ocorrências mortais na cirurgia e na medicina. Faz já

mais de um século que A. Vera se fez eco desta analogia e dela extraiu as consequências:

"Os erros judiciais que levam a um inocente ao cadafalso são seguramente menos

frequentes que os erros cirúrgicos em consequência dos quais tem lugar a amputação inútil

232

- Gabriel Tarde, La Philosophie Penal, 5.a ed., 1900, p. 544. 233

- Amor Naveiro, ap. cit„ p. 186-187.

Page 88: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

88

e irreparável de um membro, amputação muitas vezes mortal e sempre dolorosa."234

E não

há como negar que o cirurgião assim como o médico jamais tiveram em mente sacrificar

um inocente. Isto sucede contra seu intento e vontade.

Coisa parecida dá-se com o fenómeno da guerra, na qual não falta nunca o

sacrifício de pessoas inocentes. Por isso, se se nega a licitude da pena capital em virtude do

efeito negativo nos casos de erros judiciais, é inevitável negar a licitude da guerra, por

mais justa e de caráter defensivo que esta seja. "Se o ato de dar morte a um homem,

escreve um moderno teólogo dominicano, fosse intrinsecamente ilícito e imoral, poderia

um Estado empregar contra outro Estado invasor aqueles meios de destruição que, como o

canhão e a espada, inevitavelmente põem fim à existência de homens inocentes?235

Não se alegue, contra tudo que foi dito neste parágrafo, a admirável sentença

daquele paradigma de imperadores, que foi Trajano, e que o legislador romano incorporou

ao Corpus Júris: "É preferível que o assassino fique impune, a que seja castigado o

inocente."236

Belo aforismo, que tem no direito sua perfeita aplicação, sempre que a culpa

não seja de toda evidência e haja dúvidas positivas sobre a culpabilidade do acusado. Mas

nunca o levemos ao extremo, porque nem por pensamento ocorreria a Trajano, de firmar-

nos nele para não condenar ninguém por medo de erro.

Em conclusão deste tema, houve no passado erros judiciais, gravíssimos abusos do

poder e do direito, execuções injustas? É indubitável que sim, houve tudo isso. Mas eu

pergunto com Balmes: "Condenareis as leis porque não há tirania que não se haja exercido

em nome de alguma lei? Abominareis os tribunais porque se hajam cometido crimes em

nome da justiça?"237

A tudo isto responde David Núnez em um parágrafo magnífico que transcrevemos

na íntegra: "Em última análise, posto que a pena de morte é a mais eficaz de todas para

conter muitos que sem ela, seguramente, seriam assassinos, que é preferível, manter essa

pena arrostando o perigo (não mais que o perigo) de que alguma vez, em um período de

muitos anos, por erro dos tribunais pereça um inocente, ou suprimir a dita pena, contando

com a segurança (não já o perigo) que, no mesmo período de tempo, pereçam em mãos dos

234

- Ap. Tarde, La Phil. Pen., p. 544; J. de Lebre, Da Pena de Morte, Lisboa, 1920, p. 121. 235

- Jose Ma. Palácio, OJP., La pena de muerte ante el Derecho Natural, in La Ciência Tomista, XXII, 1930, 321. 236

- Corp. luris Civ., Dig. L. 48, tit. 19, de poenis leg. 5. 237

- Jaime Balmes, História de la Filosofia, cap. LXIII, n.° 368; na ed. da BAC, Obras, I I I , 534.

Page 89: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

89

assassinos centenas e milhares de vítimas inocentes, que com a pena de morte se teriam

salvado?"238

13. A PENA DE MORTE NÃO EXERCE NENHUM EFEITO

DISSUASÓRIO DA DELINQUÊNCIA

Eis-nos aqui na órbita da fantasia mais desenfreada entre os abolicionistas. Máximo

esforço eles fazem para levar à convicção dos leitores ou ouvintes a coisa mais absurda que

possa acontecer: o castigo, longe de servir de escarmento, é incentivo de novas faltas.

Garcia Valdês transcreve os acordos e as declarações da conferência de Estocolmo

em 1977, onde se proclamou, junto com a Amnesty International, o maior plano dos

abolicionistas do mundo inteiro, que, submissos à Revolução, multiplicaram as reuniões e

congressos. Entre as declarações da dita conferência figura a seguinte: "A pena de morte

jamais demonstrou um efeito dissuasório" (!!).239

Contra toda experiência, contra as leis da

psicologia humana, contra as estatísticas e, ante tudo, em aberta oposição aos ensinamentos

da história, esses senhores negam categoricamente a força dissuasória da pena de morte e

intentam convencer-nos de que sua abolição não aumenta, mas antes diminui a

criminalidade.

A essas gratuitas e de todo ponto falsas afirmações, oponho, com palavras de

Núnez, a seguinte tese: "Enquanto se suprime de fato ou de direito a pena de morte, os

crimes aumentam em proporção aterradora; e ao contrário, quando se aplica de fato, esteja

ou não estabelecida de direito, baixam na mesma proporção."240

Com rara concisão formula Wilmers essa tese: "A criminalidade aumenta na

medida em que os castigos diminuem."241

O Magistrado Ítalo Galli, Presidente do

Tribunal de Justiça de São Paulo, acrescenta mais um elemento decisivo no avanço da

criminalidade: "Em países com igualdade de formas punitivas, a criminalidade aumenta

onde a religiosidade diminui."242

Mais taxativo é, nesta linha, Donoso; fazendo notar que

"as teorias frouxas dos criminalistas modernos são contemporâneas da decadência religiosa

238

- David Núnez, op. cit., p. 264. 239

- Garcia Valdês, op. cit., p. 26. 240

- David Núnez, op. cit., p. 47. 241

- W. Wilmers, Leshrbuch der Religion, 7.a ed., Munster in W., 1911, III, p. 287. 242

- Ítalo Galli, Fundamento filosófico do direito de punir, São Paulo, s.d., p. 25.

Page 90: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

90

e da secularização completa dos poderes políticos", estabelece a seguinte sentença: "Onde

quer que a pena de morte foi abolida, a sociedade destilou sangue por todos os poros."243

Nestes problemas da criminalidade é indiscutível recorrer às estatísticas, por

incompletas, e ainda com frequência parciais, que elas sejam, e o mesmo diga-se da

imprensa periódica.

Uma fonte de indubitável seriedade e que nos oferece uma soma muito considerável

de dados e estatísticas do mundo inteiro é o Report da Real Comissão da Pena Capital.

1949/1953, da Grã-Bretanha. Partidários e oposicionistas da Pena Capital acorrem a este

Relatório em busca de dados. Wingersky fez, na mais notável revista norte-americana de

Direito Penal,244

uma apreciação muito positiva deste Report, "que vem prestar, diz,

inestimáveis serviços à investigação sobre as leis e procedimentos criminais". Do mesmo

modo Barbero, nada suspeitoso no caso, reconhece que esse Report é "uma das mais

exaustivas obras de investigação jamais verificadas sobre o tema da pena capital".245

Acontece com este Report que, como antes disse, uns e outros dele se servem,

porém os abolicionistas querem capitalizar em seu favor os dados que contém, e como

estes em sua maior parte lhes são desfavoráveis, com completa falta de honestidade

intelectual, tergiversam, fazendo-os dizer o contrário: onde o Report diz que em tais ou

quais circunstâncias os crimes aumentaram, eles dizem diminuíram e vice-versa.

Como vou recorrer a diversos países sobre a incidência que a abolição ou a retenção

da pena de morte teve na criminalidade e para isso me servirei principal, não

exclusivamente, do Report inglês, e do Capital Punishment da ONU, advirto desde já o

leitor que, para não sobrecarregar o escrito com constantes retificações das afirmações

falazes que os abolicionistas fazem, servindo-se da mesma fonte, dou aqui de uma vez os

nomes daqueles em cujos escritos comprovei mentira manifesta: A. Kõstler, A. Camus,

Barbero Santos, M. Ancel, J. Vernet, D. Sueiro e Garcia Valdês, cujos dados, portanto, não

são nada confiáveis.

Itália — Dizia o famoso antifascista Luiz Sturzo que o restabelecimento da pena

capital, na Itália, em 1931, havia significado uma involução e um retrocesso, porém sua

243

- Donoso Cortês, Ensayos sobre el Catolicismo, el Liberalismo y El Socialismo, L. III, cap. VI. 244

- The Journal of Criminal Law, Criminology and Police Science, North-Western University, Evanston, Illinois, 44 (1954) 715. 245

- M. Barbero, Estúdios etc, p. 144.

Page 91: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

91

abolição em 1944 "respondeu a um clamor da consciência cidadã da Itália".246

Vejamos,

com os dados do Relatório inglês, a que responde esse presumido otimismo abolicionista

da consciência cidadã. A pena de morte havia sido abolida em 1876 e restaurada em 1931.

No último quinquénio de vigência da pena capital, 1941/1945, a média anual de

homicídios foi de 1.997, e por cada milhão de habitantes 32,6 homicídios. Nos três anos

seguintes à abolição, 1946/1948, a média de homicídios subiu a 4.389, correspondendo a

cada milhão de habitantes 102,3 homicídios.247

Garcia Valdês diz que o Governo Italiano

havia declarado que: "A abolição da pena de morte não deteve a queda da média anual de

crimes."248

Se a declaração é autêntica — a fonte informativa é Garcia Valdês, nada

confiável — de fato não corresponde à verdade pois já vimos que, segundo as estatísticas

que aquele Governo subministrou à Comissão Real, o número de homicídios foi quase o

dobro nos anos imediatos, posteriores à abolição, e de então para cá, a criminalidade foi

aumentando num ritmo tão aterrador que hoje deixa estupefatos os leitores da imprensa

mundial, pelo horrível sadismo e pela frequência com que se sucedem os assassinatos na

bela Itália.

Suíça — A pena capital foi abolida pela Constituição Federal de 1874, porém,

cinco anos depois, deixou-se à livre opção dos Cantões restabelecê-la, como assim com

efeito o fizeram dez deles. Embora a necessidade de considerar os Cantões separadamente,

diz o Relatório, complique sobremaneira a visão estatística do conjunto, pode-se não

obstante afirmar que "no período subsequente à abolição houve uma proporção

considerável (aproximadamente de 75% em toda a nação) de assassinatos mais que no

período em que estava vigente a pena capital".249

Inglaterra — Abolida a pena de morte em 1968, a criminalidade tomou um

incremento muito considerável. No ano seguinte ao da abolição, o número de assassinatos

duplicou. Estudos efetuados pelo Ministério do Interior indicam que o país está diante de

um sério perigo se não forem estabelecidas imediatamente medidas enérgicas para corrigir

a situação. Os crimes a mão armada aumentaram em uns 40% a partir da abolição.250

Esta

246

- L. Sturzo, in Rev. da ASA, Rio de Janeiro, 59 (1956) 18. 247

- Royal Commission ora Capital Punishment, 1949:1953, Report, Londres, p. 355. 248

- Op. Cít., P. 37. 249

- Report, p. 360. 250

- O Globo, Rio de Janeiro, 7-XI-69.

Page 92: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

92

teve lugar em anos posteriores ao Relatório da Comissão Real, por isso não o alegamos

aqui.

Bélgica — A última execução, faz notar o Relatório, teve lugar em 1863, porém a

pena de morte continua todavia no Código Penal para certas formas de assassinato.

"Segundo Garófalo, enquanto se introduziu na Bélgica a prática de não executar os

sentenciados, os homicídios aumentaram de 34 até 124 em um ano.

Na Rússia, sucedeu o mesmo, passando o número de assassinatos de 248 a 518."251

Suécia — Este país aboliu a pena capital em 1921. "Durante os anos que se

seguiram à abolição da pena de morte — 1920 a 1945, o número total de crimes, longe de

diminuir, aumentou consideravelmente."252

Noruega — A última execução teve lugar em 1875, porém a pena capital só foi

abolida em 1905. Neste ano houve no país 4,6 homicídios por cada milhão de habitantes.

Nos cinco anos seguintes, de 1906 a 1910, subiu a 5,2 por milhão e de 1911 a 1915 chegou

a 6,3, diminuindo um pouco nos anos sucessivos.

O Relatório da Comissão Real verifica que depois da abolição em 1905 "aumentou

na Noruega o número de homicídios".253

Venezuela — Roberto Albornoz Berti, antes de relatar o que vamos logo

transcrever, sobre Venezuela, estabelece esta, à guisa de premissa: Toda Lei Penal,

excitando o temor do castigo, "é, sem dúvida alguma, um instrumento de contenção

relativamente ao crime, dissuasivo no que concerne à população em geral. Por quê? Por

que o Direito Penal de todos os tempos se caracteriza por seu caráter ameaçante, punitivo,

e este elemento psicológico da ameaça, objetivado na pena, tem que inibir e de fato inibe a

generalidade das pessoas de delinquir gravemente. Do contrário, negar tal asserção seria

tanto como ignorar os ensinamentos da psicologia, não só a ditada pelos livros, como

também a derivada da própria experiência vivencial que nos testemunha ou confirma a

existência em nós de um sentimento denominado medo, que por sua vez é derivado do

instinto de conservação. Em resumo, o temor do castigo da pena dissuade ou inibe do

crime."

Houve na Venezuela governos fortes que faziam cumprir a lei e continham os

crimes e governos débeis em que o crime extravasou. "Na morte do ditador J. Vicente

251

- D. Núnez, op. cit., p. 49. 252

- Report, p. 359. 253

- Report, p. 357.

Page 93: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

93

Gómez, em Caracas e outras cidades importantes, ocorreram saques e mortes. Outro tanto

ocorreu em 1958 na queda do Presidente Marcos Pérez Jiménez. Impressiona

verdadeiramente o inteirarmo-nos de que, como em 1936, na morte do primeiro, houve na

capital venezuelana duas vezes mais delitos que em três séculos de história caraquenha... e

de que a partir de 1950 se desatam definitivamente as amarras que represavam o

extravasamento da delinquência venezuelana."254

Espanha — Na Espanha temos nesta matéria alguns subsídios que nos subministra

a história, porém, como a pena de morte só recentemente foi abolida na Constituição, não

temos nos dois últimos séculos de polêmica sobre os efeitos da subsistência ou da

eliminação da pena de morte, elementos comparativos, senão tão-só relativos aos efeitos,

da pena em geral.

Do passado, já em páginas anteriores fizemos referência aos tempos da Rainha

Isabel a Católica; como ela, aplicando severa e justamente a pena capital aos réus de graves

delitos, pôs cobro em pouco tempo ao bandoleirismo que infestava os campos e as cidades

e mantinha em sobressalto a população. Com isso deu anos de paz à Espanha, e preparou-a

para ser reitora do mundo.

Puig Pena escreve que "já nossos antepassados observaram o fenômeno de que o

aumento de criminalidade que se experimentou em uma etapa do reinado do Imperador

Carlos V deveu-se à extraordinária comutação da pena de morte na de galés que por aquele

então se fez".255

Mais perto de nós no tempo, e quando a campanha abolicionista estava nos

começos de sua difusão pela Europa, pela mão do racionalismo e do liberalismo, então, nas

Cortes de Cádiz, em 1812, suprimem-se solenemente a pena de forca, a tortura, os açoites

etc. e tudo isso declarado em termos de linguagem filantrópica e sentimental, muito própria

daquela época. Os efeitos destas imprudentes supressões foram fulminantes. Em pouco

tempo os crimes cresceram em tal medida que para seu remédio se chegou a premiar os

que por sua própria mão dessem morte aos assassinos. Em 1831, escreve um historiador,

houve necessidade de estabelecer um regime mais severo para os delinquentes e

salteadores em quadrilha (antecipação dos atuais grupos de assalto a bancos e edifícios),

chegando ao extremo de autorizar qualquer pessoa a prendê-los e maltratá-los, concedendo

254

- Roberto Albornoz Bertí, Profilaria criminal, ín Anuário de la Facultad de Derecho, Univ. de los Andes, Merlda, 1978, p. 31-33. 255

- Fed. Puig Pena, 4 ed., Madrid, 1955, II, p. 351.

Page 94: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

94

indulto a quem os mate, ou entregue à justiça".256

Dura lição esta para os ingênuos ou

ladinos que gratuitamente afirmam que a abolição das penas em qualquer país não exerce

influência alguma nem é incentivo da criminalidade.

Relatamos em outro capítulo de que modo eficaz o Governo de Primo de Rivera,

com só aplicar rápida e indefectivelmente a pena capital, eliminou o pistoleirismo e deu

sete anos de paz e prosperidade à Espanha. Este mesmo fenômeno repetiu-se nos quarenta

anos de paz franquista, em que o crime era raríssimo e a população vivia tranquila e alegre.

Isto faz-nos deter e reflexionar, chamando a atenção sobre um ponto

importantíssimo e de máximo interesse para a reta interpretação da incidência maior ou

menor do crime com ou sem pena de morte no país.

É o seguinte: Para a dissuasão do malfeitor e escusa do crime não basta a simples

existência de uma lei punitiva escrita nos Códigos, que sanciona os graves delitos com a

pena máxima, porém que mui raramente e com extraordinária lentidão a aplique. Para que

tenha eficácia é preciso e absolutamente indispensável e suficiente que a justiça seja rápida

na condenação e infalível na execução, ou seja, juízo sem dilações e ineludível certeza da

aplicação imediata do castigo. Esta eficácia da pena, à base da prontidão e infalibilidade do

castigo, reconhece-a um abolicionista, o P. Landeche, já referido, que assim escreve: "É

coisa conhecida de qualquer pedagogo que a eficácia intimidatória de uma sanção não

depende tanto da magnitude da mesma quanto da certeza de sua aplicação, caso se cometa

a falta prevista, regra que conserva todo seu vigor no caso do delinquente, como mostram

investigações modernas."257

Estados Unidos — Como acontece na Suíça, pela diversidade de Cantões ou

Estados e de suas legislações respectivas, também os Estados Unidos oferecem certa

complicação e dificuldade para dar uma visão estatística do conjunto.

Em virtude dessa complexidade, que dá margem a muitos equívocos, é que muitos

abolicionistas centralizam suas atenções naquele país, e fazem mil malabarismos com as

estatísticas, para fazer-nos crer que na União Americana a abolição da pena de morte não

influiu pouco nem muito na delinquência, antes em alguns casos fê-la até diminuir.

O P. Vernet sintetiza em poucas palavras essas várias pretensões dos abolicionistas

acima mencionadas, que caminham pela mesma senda da mentira: "As estatísticas

256

- Enciclopédia Espasa, verb. Pena, tomo XLIII, p. 199. O verbete é extenso e excelente. Ignoro quem seja o autor. 257

- Carlos M, de Landecho, La pena de muerte, in Razón y Fé, 182 (1970) 453.

Page 95: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

95

revelam-nos que, nos Estados em que foi abolida a pena de morte, a criminalidade não

aumentou em consequência da abolição."258

Pois sim, esta asseveração de Vernet é

totalmente falsa, sem respaldo algum em qualquer estatística. Vamos prová-lo fazendo ver

com toda evidência que tal afirmação não corresponde à verdade nem no que concerne à

nação, nem tão pouco aos diversos Estados que aboliram a pena capital.

Em 1972 o Tribunal Supremo, a Suprema Corte, decidiu suprimir a pena de morte

em todo o país como sendo contrária à Constituição Federal. A onda de crimes de toda

espécie, que se seguiu à abolição, é de causar espanto, ainda às pessoas mais insensíveis.

Vou transcrever um pequeno resumo que deste fenômeno fez Prieto-Cifuentes no

semanário do Episcopado Espanhol Eclesia, nada suspeito, pois já por aquele tempo,

graças à malfadada influência do arcebispo Tarancón, se havia passado às hostes do

liberalismo e do progressismo pós-conciliar: "Nos Estados Unidos registraram-se, há

pouco, crimes espantosos, inconcebíveis e satânicos. Um tal João Corona assassina na

Califórnia vinte e seis vagabundos indefesos que andam em busca de trabalho, sepultando-

os na beira de um rio. Em Houston (Texas), um homossexual, Sr. Carrol, tortura e mata 27

jovens por ele seduzidos. Em Boston, uns rapazes de cor empapam de gasolina e

incendeiam uma jovem branca que fazia só seis dias que acabava de instalar-se no bairro

negro. Em São Francisco, um grupo de adolescentes põem também fogo, depois de borrifar

com petróleo, num ancião desconhecido para eles, que esperava tranquilamente em uma

esquina a chegada do ônibus. Aqui, em Los Angeles, a partir de um automóvel, crivam de

balaços uma menina de quatro anos que brincava na frente de sua casa. No centro da

Califórnia um universitário assassina dez pessoas para aplacar com seu sangue a justiça

divina, entre elas, um sacerdote, a quem dá punhaladas enquanto exercia seu ministério

metido no confessionário. Crimes absurdos, sem motivo, que têm por objeto vítimas

inocentes; o Presidente John Kennedy, o reverendo Luther King..." e continua o cronista

dando-nos alguns pormenores do paraíso pós-abolicionista: "O chefe do departamento de

polícia de Los Angeles comunicava a um repórter do grande periódico "Los Angeles

Times", em 13 de dezembro de 1972: "Hoje o assassinato nesta cidade leva-se a cabo sem

motivo algum, com enorme sadismo, sem misericórdia. Uma pessoa que vai pela rua

dispara contra outro transeunte desconhecido. Há vítimas de menos de dez anos de idade.

Com frequência são objeto do crime os adolescentes e os jovens. Muitas vezes é o esposo

258

- Joseph Vernet, Peine capitale peine perdue, in Études, CCCXV (1962) 194. Faz pena ver o P. Vernet mentir tão tranquilamente!

Page 96: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

96

ou a esposa quem sucumbe sob as balas disparadas por seu consorte. Mata-se por matar,

sem propósito algum." Prieto-Cifuentes, examinando as causas, acha que: a primeira, o

sistema educativo leigo, que prescinde por completo da moral. De fato não são raros os

assassinatos cometidos nas escolas públicas norte-americanas pelos próprios alunos. Aqui

em Los Angeles, neste mesmo ano registraram-se alguns, resultando vítimas estudantes

exemplares.

O álcool e as drogas constituem, talvez, o maior incentivo da criminalidade. E

sabido é que nos Estados Unidos os drogados formam legião.

O fato é que ante a desaparição daquela arcádia feliz que oferecia o país, em

consequência da abolição da pena de morte, fez-se uma grande campanha nos meios de

comunicação social, para que a Suprema Corte de Washington restabelecesse em toda a

nação a pena máxima, como assim o fez em 1974. O articulista Prieto-Cifuentes, que

escrevia em fevereiro do dito ano, recolhe o clamor do povo, porém não a solução que veio

meses mais tarde no referido ano.259

Pelo que respeita aos vários Estados, não muitos, da União, que, havendo abolido a

pena máxima, em pouco tempo, em vista da crescente criminalidade a restabeleceram, os

dados que temos são os do Relatório da Comissão Real anteriores a 1950, os mesmos, por

outra parte, que utilizam e tergiversam os já mencionados abolicionistas.

O Relatório, fazendo constar que em todos esses Estados o motivo fundamental da

restauração da pena de morte foi o aumento da criminalidade, enumera-os na página 345 e

de vários deles transcreve as palavras dos Governadores respectivos ou dos Attorney-

Generals em justificação da medida.

São estas declarações altamente significativas, para pôr em evidência os desastrosos

efeitos que, para a convivência social pacífica, trazem as imprudentes supressões do

castigo máximo.

Missouri — Abolida a pena de morte em 1917, foi restabelecida em 1919. O

Attorney-Generals declarou à Comissão que "no período seguinte à supressão ocorreram

com tanta frequência grandes crimes que o sentimento público do Estado reclamou o

restabelecimento da pena capital".260

Tennesee — Abolida em 1915, restaurada em 1919. "Em 1922 o Attorney-General

disse: Depois da derrogação da pena capital tivemos o reinado do crime, do mais hediondo

259

- G. Prieto Cifuentes, Ola de crímenes en Estados Unidos, in Ecclesia, 1680 (23-11-74) 261. 260

- Report, p. 375.

Page 97: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

97

e atroz." E o Magistrado do mesmo Estado, Kavanagh, declarou ao Select Commitee de

1930 que ele havia sido informado de que a pena de morte havia sido restaurada "em

virtude da grande onda de crimes bárbaros que se seguiu à abolição".261

Washington — Abolida em 1913, foi restaurada em 1919. O Governador do Estado

declarou ao Select Commitee de 1930 que "a reinstauração havia sido o resultado de uma

série de assassinatos, e particularmente pela impressão que fez o desenfado de um facínora

que, havendo dado morte a um agente de seguros, declarou ao Tribunal que o Estado não

podia fazer outra coisa com ele, senão dar-lhe pensão com cama e mesa pelo resto da

vida". Mas neste caso é mais ilustrativa a explicação que deu o Attorney-General de

Washington: "A Assembleia Legislativa, depois de uma experiência de seis anos, aplicando

somente a cadeia perpétua, como castigo máximo, chegou com evidência à conclusão de

que a pena capital é a que tem força dissuasiva para o criminoso, e não a prisão

perpétua."262

Kansas — Aboliu a pena capital em 1887 e tão-só a restaurou em 1935. De 1925 a

1934 a média de homicídios foi de 5,9 ao passo que de 1936 a 1945 a média baixou a 3,8 e

o Attorney-General de Kansas declarou: "O presente estatuto da pena de morte, pelo que

parece, teve grande força dissuasiva."263

Oregon — Abolida em 1914, foi restaurada em 1920. Nesse ano o Governador do

Estado convocou uma sessão especial da Assembléia Legislativa e em sua alocução assim

se expressou: "Uma onda ás crimes varreu o país. Oregon sofreu esta praga criminal. O

povo, ante os numerosos e hediondos homicídios cometidos a sangue frio, clama exigindo

maior e mais segura proteção." A Assembléia ordenou um plebiscito popular a favor ou

contra a pena de morte. Por 17.167 votos a mais, ganharam os que exigiam a pena capital e

esta foi implantada.264

É possível, pergunto, que à vista dos testemunhos que acabamos de apresentar haja

todavia alguma pessoa, amante sincera da verdade, que ouse homologar a afirmação antes

citada do P. Vernet?

É inquestionável e de toda evidência que as abolições nos Estados Unidos

resultaram em aumento pavoroso da criminalidade.

261

- Report, p. 374. 262

- Report, p. 374. 263

- Report, págs. 352 e 375. 264

- Report, págs. 348 e 372.

Page 98: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

98

14. OS MARXISTAS E A PENA DE MORTE

Temo-nos ocupado das vicissitudes por que passou o instituto da pena de morte em

diversos países do mundo. Parece-me que será de interesse e desde logo de atualidade,

deixando de lado a geografia, dar alguns esclarecimentos sobre a pena de morte na órbita

socialista. Vejamos como se apresenta o assunto.

Enquanto a maioria dos países que mantêm a pena capital são marxistas, como

Rússia, Tchecoslováquia, Romênia, Polônia e Cuba de Fidel Castro, onde o Governo aplica

com todo rigor a freqüência a pena de morte, os socialistas da França e da Espanha

lograram a abolição dessa pena, e são do próprio Marx estas palavras: "É difícil, se não

impossível, encontrar um princípio que permita fundamentar a justiça e a utilidade da pena

capital em uma sociedade que se vangloria de estar civilizada."265

À vista, pois, desta palmar contradição, ocorre perguntar: é ou não partidário da

pena de morte o marxismo? O jurista Chrétien dá-nos esta resposta: "Os marxistas, e outros

elementos da esquerda, quando as coisas não estão em sua mão rechaçam a pena capital,

mas restauram-na e fazem-na mais dura quando o poder está em sua mão."266

Isto requer esclarecimento, pois à primeira vista oferece contradição, porque

precisamente na França e na Espanha o poder está em sua mão e apesar disto eliminaram a

pena capital. É que estes dois países são todavia democráticos, não impera neles o

totalitarismo marxista que deriva da aplicação das doutrinas do "partido único" e da

"ditadura do proletariado", que por sua vez elimina completamente qualquer tipo de

democracia. O regime marxista-comunista é essencialmente antidemocrático. "Todavia,

segundo a doutrina marxista, a desaparição completa da democracia é a condição prévia e

inevitável para poder passar à plena realização do socialismo como caminho ao

comunismo.”267

Como na França e na Espanha não há todavia esse domínio absoluto do

terror, convém-lhes a eliminação desse castigo exemplar, para deixar via livre à

criminalidade e dissolução dos países capitalistas.

265

- Ap. Barbero Santos, La pena de muerte, p. 53. 266

- P Chrétien, De Justitia. Praeletiones, Metz, 1947, págs. 213-14. 267

- Miguel Poradowski, El império marxista de la fuerza frente a La fuerza de la justicia, in Verbo de Madrid, 221 (1984). Excelente e muito documentado artigo, como outros do mesmo autor na referida revista.

Page 99: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

99

Recordo a este respeito uma experiência que vivi nos Estados Unidos, no Estado de

Wisconsin, onde um governo socialista, sem renunciar à sua tese abolicionista, tentava

resolver a praga da criminalidade com uma modalidade especial, e quase equivalente, de

castigo. Era pelos anos de 1934/1936. Encontrava-me em Milwaukee, cidade principal

daquele Estado, em que os irmãos socialistas, de grande influência política, Philip e Robert

la Follette, Governador um e Senador outro, haviam suspendido a aplicação da lei, vigente

ainda, no Estado, da pena de morte. Havia eu solicitado permissão das autoridades para

visitar os presidiários de língua espanhola, em sua quase totalidade mexicanos. Foi-me

concedida a autorização ainda que rodeada de algumas cautelas. Falando eu com o Diretor

do presídio e perguntando-lhe: Como podia exercer-se uma repressão eficaz do crime sem

a aplicação da pena de morte? Deu-me esta resposta: "Bem, aqui de fato não se leva

ninguém ao cadafalso, porém dos réus da pena máxima, condenados à prisão perpétua,

nenhum chega a cinco anos de vida na prisão". Bonita modalidade de pena, pensei eu, que

junta a de morte à cadeia perpétua abreviada!

A República socialista espanhola de 1931, com um ato de verdadeira fanfarronada

democrática suprimiu a pena de morte, "e em quatro anos de República cometeram-se mais

crimes que em 400 de Monarquia".268

O mesmo Governo republicano restaurou-a em 1934.

O que salta à vista na atuação do socialismo no mundo é a grande ambiguidade ou

melhor, hipocrisia em que se move e que no caso da Rússia chega a extremos insofríveis.

Jiménez de Asúa, pouco suspeito na matéria, pois sempre militou na área das esquerdas,

chegou a sentir certo rubor ante o comportamento hipócrita da mãe Rússia dos

socialismos.269

A revolução marxista, tanto na Rússia como na China, institucionalizou de imediato

o terror, o "império do medo".270

Marx considerou a violência e o terror como elementos

da "revolução permanente". Por isso Lenine, deixando de lado o decreto de 1917, no qual

se havia abolido a pena de morte, organiza, em fins do referido ano, a fatídica Cheka,

encarregada das execuções em massa e que constituiu o que chamamos "o terror

institucionalizado". No princípio a Cheka executava tão só desafetos da Revolução

bolchevista, porém pronto estendeu sua ação aos adversários possíveis, quer dizer, aos

268

- David Núnez, La Pena de Muerte, Buenos Aires, 1970, p. 48. 269

- Jiménez de Asúa, El nuevo Código Penal de la Busla soviética, in Rev. Gen. de Legislación y Jurisprudência, 151 (19271 177). 270

- vid. Poradowski, art. cit., p. 104.

Page 100: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

100

suspeitos, e rapidamente se transformou em uma complicada instituição, estendida por

todo o país, com seus espantosos cárceres e horríveis campos de concentração, onde

sucumbiram muitos milhões de infelizes cidadãos. Cinco anos depois a Cheka deixava o

lugar à terrível GPU, sob a direção do sanguinário Yagoda, instituição que depois, todavia,

Stálin aperfeiçoaria, para dar-lhe maior eficácia no extermínio.

Jiménez de Asúa, estudando o novo Código Penal soviético de 1927, em que ainda

figurava a pena de morte, vê nele "uma das mais censuráveis faltas do regime punitivo

russo". A ele não o convence a atenuante que insinua o Prof. de Charcov, Grodsinsky,

dizendo que o fuzilamento no artigo 21 desse Código "conserva no Direito soviético o

caráter de medida extraordinária e transitória".271

Derrogado por Kerensky o primeiro decreto de 1917 que abolia a pena capital,

Jiménez de Asúa comenta as circunstâncias da primeira execução, cuja vítima foi o

Almirante Schtschastany, sancionado por um Tribunal público, enquanto os outros

fuzilamentos sumários anteriores, que se praticaram com lamentável frequência, "se

deviam às Comissões Extraordinárias". O comandante-em-chefe da Marinha foi detido

pessoalmente por Trotsky e acusado de traição, por umas anotações achadas em seu diário.

A sentença suscitou grandes polêmicas nas quais se sustentava que "a pena de morte era

contrária a todos os princípios da teoria socialista". É curiosa a razão aduzida pelo

procurador do Estado, Krilenko, para justificar a penalidade imposta. O Tribunal,

literalmente falando, não o condenou à pena de morte. Em sua sentença diz-se

expressamente: "O Tribunal Supremo declara culpado Schtschasthany e condena-o a

fuzilamento."272

Não se trata de condenar à morte, senão só de uma medida de prevenção.

E Jiménez comenta: "É possível que ao Almirante convenceram pouco os argumentos de

271

- M. Grodsinsky, Estúdio Preliminar dei nuevo Código Penal, in Rev. Gen. de Leg. y Jurisp., 151 (1927) 192-193. 272

- Krilenko põe como epigrafe muito significativa à Relação sobre seu projeto de legislação penal soviética estas palavras: "Um Código penal sem parte especial e sem dosimetria". É que "o desígnio do Procurador do Tribunal Supremo da URSS, escreve Nelson Hungria, principal autor do Código Penal brasileiro, está perfeitamente dentro da doutrina soviética, que é a negação dos direitos e das garantias individuais, ante a incontrastável supremacia do Estado. O Estado soviético não conhece autolimitações. E o "Princeps legibus solutum". Nelson Hungria, Compêndio de Direito Penal, Rio de Janeiro, 1936, tomo I, 5.

Page 101: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

101

Krilenko, e dera-lhe no mesmo sucumbir por uma pena ou por um tão expedito

procedimento preventivo."273

Se tão censurável havia parecido a Jiménez de Asúa que a Rússia confirmasse no

novo Código a lei da pena capital, ignoro qual terá sido sua reação ao verificar que nos

anos sucessivos essa pena continuou aplicando-se com maior dureza e frequência. Que

desilusão! O caráter provisório e extraordinário com que foi estabelecida a pena de morte

na Rússia dura já mais de duas gerações e não se vê no horizonte sinal algum de mudança.

O mundo, escreve Kurt Rosa, não deixou de respirar aliviado quando, em 1948, a

delegação soviética declarou, no foro das Nações Unidas, que todos os membros da

organização deviam abolir a pena de morte em tempo de paz. Rússia havia-a substituído no

ano anterior por 25 anos de trabalhos forçados. "Mas este apaziguamento dos ídolos não

durou muito e o Estado Soviético exigiu muito depressa novas vítimas humanas."274

Em 1958 o Soviete Supremo da URSS promulga novas leis penais, nas quais, diz

Ivanov, conselheiro principal do Soviete Supremo, como medida de castigo excepcional

pelos delitos mais graves, se admite também a aplicação da pena de morte".275

Era já pela n vez que a pena capital se restaurava na União Soviética, porque, como

escreve o já mencionado Ivanov, apresentando aquelas leis: "Em princípio, a sociedade

soviética está contra este castigo, e durante a existência do Estado Soviético a pena de

morte foi derrogada já várias vezes. Não obstante, não é culpa nossa que tivéramos de

voltar a restaurá-la.. . pois não fica outro remédio senão aplicar os castigos mais severos

aos que tratam de desenvolver atos subversivos e terroristas, ou seja, atos que merecem

sanções penais." E em continuação, este alto dirigente do Soviete Supremo obsequia-nos

com um esclarecimento, que eu brindo aos abolicionistas: "A abolição da pena capital

parece um procedimento muito humanitário, mas este humanismo revela-se principalmente

para os criminosos. E bem, que aspecto oferece diante da vítima, dos familiares do

assassinado e da gente em geral que também possa vir a ser vítima do homicida?... O

problema é muito sério. Em todo caso, a maioria esmagadora das pessoas com que tive

oportunidade de conversar sobre este tema considera que na atualidade, enquanto não se

criam condições mais favoráveis, seria prematuro renunciar a um castigo tão exemplar

273

- Jiménez de Asúa, art. cit„ p. 176-177. 274

- Kurt Rosa, La Pena de Muerte, Barcelona, 1970, p, 23. 275

- Valentin Ivanov, Nuevas Leyes Soviéticas, Moscou, 1959, p. 13.

Page 102: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

102

como a pena de morte."276

Isto de Ivanov traz-nos à memória a anedota que se conta de D.

Nicásio Gallego nas Cortes de Cádiz: Falando alguns deputados do difícil que seria para

muitos; cidadãos adaptar-se a uma Constituição que fazia tábua rasa das condições sociais

e políticas do passado e tentava implantar novidades muito teóricas, porém muito

contrárias ao ser histórico da nação espanhola, Nicásio Gallego, com não dissimulada

ironia, comentou: "Bem, isso é só problema dos primeiros 500 anos, depois já todos,

estaremos habituados às novas formas."

Do mesmo modo diremos da URSS: o caráter provisório e extraordinário do

instituto da pena de morte manter-se-á tão-só durante as primeiras cinquenta gerações,

depois já se haverão criado "condições favoráveis", de muita virtude e honradez, e folgarão

as penas por falta de delinquência.

Nas leis penais soviéticas a que ultimamente nos referimos, muitos eram os delitos

sancionados com a pena capital.277

Mas isso não julgaram todavia suficiente e, em dois

anos, o Presídio do Soviete-Supremo acrescentou outros delitos suscetíveis da pena de

morte: apropriação de bens do Estado, falsificação de moeda, reincidências perigosas,

agressão contra locais administrativos, delitos de pessoas que, havendo sido condenadas,

aterrorizam na prisão reclusos que desejam emendar-se etc.278

Observe-se a extrema

imprecisão ao assinalar os delitos, elasticidade que facilita de grande modo a extensão

indefinida nas execuções.

De fato, a aplicação da pena de morte continuou aumentando constantemente. Um

semanário carioca, tomando a notícia de uma publicação soviética, dava a seguinte

informação: "desde julho de 1961 a outubro de 1963 houve 123 execuções na URSS".279

Onze anos mais tarde, a imprensa moscovita noticiava que em maio de 1974 a

justiça havia já sancionado, nos quatro primeiros meses, 18 réus; e no espaço de algo mais

de três anos, cem pessoas pelo menos foram condenadas à morte,280

sendo que a maioria

dos condenados o foi por delitos contra a economia familiar, isto é, simples roubos,

cometidos por famintos. Apesar de tudo, Kruschev, o ditador por sua vez naquele ano na

URSS, rasgou as vestes e ainda teve a ousadia de dirigir-se a Franco para implorar que

276

- Valentin Ivanov, Nuevas Leyes Soviéticas (Suplemento da revista, URSS, n.° 15 (680) 1959). 277

- cfr. Ivanov, op. cit., ibidem. 278

- Jornal do Brasil, 7-V-61. 279

- Manchete, n.° 600 (19-X-63) 105. 280

- Folha de São Paulo, 22-V-74.

Page 103: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

103

tivesse clemência com os terroristas e assassinos do processo de agosto!! Mas — sem

dúvida para dar exemplo a Franco — tão-só de janeiro a setembro, vinte cidadãos foram

levados ao cadafalso na URSS;281

e em janeiro do ano seguinte outros dois delinquentes

foram executados.282

Naturalmente que tão só estamos comentando as execuções de que nos dão notícia

as mesmas fontes soviéticas, que assim o fazem para dar ao exterior a impressão de que ali

funcionam normalmente os tribunais de justiça, de acordo com as leis penais do Estado,

como em qualquer outro país ocidental. Deixamos de lado o número infinito de infelizes

que a URSS leva à morte, a fogo lento, com trabalhos forçados e maus tratos nos Gulags e

campos de concentração, dos quais nunca nos informam as fontes moscovitas.

Barbero Santos, ponderando o proceder dos países socialistas que mantêm vigente a

pena de morte, faz notar que, em todos eles, isto "se faz a título de pena de caráter

excepcional, à espera do momento de sua ab-rogação"; em seguida transcreve as frases dos

Códigos respectivos, em que com hipocrisia e incrível monotonia se repete a expressão

pena excepcional, e reconhecendo que essa atitude é lógica, "já que se acomoda aos

postulados socialistas", com deliciosa ingenuidade (?) censura sua incoerência porque o

que deveriam era "haver dado um passo mais, abolir já a pena capital".283

Ignora ou não

quer reconhecer o catedrático valisoletano que esse passo não o possam dar, pois se no

mundo, fora da área socialista, só mal e ainda com grande dificuldade se logra uma

convivência cidadã tranqüila e pacífica, nos países socialistas ainda isto é impossível

porque, uma vez demolida toda instância transcendente, que ponha algum freio à maldade

dos homens, "o império marxista de força", sendo contrário à natureza humana, só pode

manter-se recorrendo ao "terror total"284

. Desde logo no instante em que as "Democracias

Populares" abram mão desse rigor implacável, não poderão sustentar um dia mais suas

aberrantes, tirânicas e antinaturais teorias coletivistas. Disto sabem bem os gerifalcos do

comunismo mundial e por este cerram fileiras na manutenção do terror.

15. RECUPERAÇÃO E REINCIDÊNCIA DOS MALFEITORES

281

- YA, Madrid, 18-X-75. 282

- O Globo, Rio de Janeiro, 11-11-77. 283

- Barbero Santos, La Pena de Muerte. 6 Respuestas, p. 52-53. 284

- Miguel Poradowski, Sobre el império marxista de fuerza, in Verbo de Madrid, n.° 221 (janeiro-fevereiro 1984) 106.

Page 104: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

104

Um fenômeno bipolar atrai a atenção dos observadores sociais e dos criminalistas.

De uma parte as aspirações e esforços constantes de penalistas e criminólogos a propiciar

nos meios penitenciários, com a diminuição e suavidade dos castigos e das prisões, a

recuperação e a reinserção do delinquente no seu meio social; de outra parte, o fenômeno

concomitante da reincidência criminal, cada vez mais pronunciada, à medida que a

brandura impera no judicial e penitenciário.

Naturalmente a reincidência é nota característica, e praticamente exclusiva, dos

países abolicionistas, e, por sua gravidade social, depõe mui fortemente contra a supressão

da pena de morte.

Caeiro da Mata, escrevendo em Portugal, país que, como o Brasil e a Itália, fez

virtude a abolição da pena capital, assim se expressa: "O progresso da reincidência é um

fenômeno desolador, revelado pelas estatísticas de quase todos os países."285

Referimo-nos de modo particular ao fenômeno da reincidência no tocante à grande

criminalidade, sobretudo ao homicídio, que com frequência reveste caracteres sumamente

trágicos, que nos enchem de pavor. O reincidente em graves delitos não pode ser, pelo

comum, o homicida primário que, sem premeditação, por qualquer circunstância ocasional

mata outro semelhante. Não, o reincidente pertence ao tipo de desalmados que, carentes de

toda sensibilidade humana, reiteram desapreensivos, a sangue frio e a miúdo com o maior

cinismo, o assassinato.

Faz poucos anos compareceu ante um tribunal de justiça do Rio de Janeiro,

Guaracy Martins Lemos, acusado de um assassinato. O 'advogado alegou em sua defesa

que Guaracy era psicopata e semiresponsável por seus atos, e, ainda que o promotor

demonstrasse que não era tal, que aquele sujeito era "plenamente capaz de entender o

caráter criminoso de seus atos; que usava os delitos como um emblema que exibia para

provar que nada temia", os jurados absolveram-no. Mas, lida já a sentença absolutória, o

réu, sentindo-se mal porque o advogado havia dito que ele era semi-responsável, com

assombro de todos, sem sair da audiência, declarou paladinamente seu crime e confessou,

ante o estupor do auditório, que já havia assassinado mais oito indivíduos, que foi

enumerando um a um com seus nomes e circunstâncias de cada crime.286

285 - J. de Lebre e Lima, Da pena de morte, Prólogo de J. Caeiro da Mata, Lisboa, 1920, p. 24. 286 - Jornal do Brasil, 12-VHI-77.

Page 105: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

105

Casos como o citado de Guaracy, em que o criminoso aparece como autor de vários

outros homicídios, são frequentíssimos. Vou relatar tão-só um outro, chamado "crime da

mala", que encheu de consternação a cidade do Rio de Janeiro e em que se deixa ver como

um assassino, que perdeu a sensibilidade humana, com suma facilidade reincide no mesmo

crime, o que põe de manifesto a escassísima probabilidade de recuperação de tais sujeitos:

"Agentes da Polícia paulista estão no Rio tentando localizar Francisco da Costa Rocha, que

sumiu do apartamento onde residia, em São Paulo, depois que um seu companheiro de

moradia ali encontrou o corpo de uma mulher, de 30 anos presumíveis, cortado em pedaços

e acondicionado numa mala, enquanto outras partes dela espalhavam-se pelo chão do

imóvel. Segundo os primeiros levantamentos policiais, o criminoso utilizou-se de serra e

machado para separar os membros, e de uma faca para a operação de descarnagem.

Solteiro, 34 anos de idade, Francisco já praticou crime idêntico, há dez anos, tendo sido

condenado a doze anos de prisão. Mas foi recentemente libertado, por bom

comportamento, e agora volta a esquartejar outra mulher."287

Tivemos na Espanha, entre outros, a trágica figura de Valentin González, "O

Camponês", sádico sipaio da 46.a Divisão Comunista da zona vermelha. Segundo própria

declaração, aos quinze anos participou do assassinato de três guardas civis. Alistado no

Terceiro da África, desertou, passando às fileiras de Ab-del Krin. Durante a guerra seus

assassinatos eram diários. Se depois de seu primeiro homicídio houvesse sido arrastado ao

cadafalso, que não haveria ganho a sociedade com a eliminação daquela besta humana!288

Recordo a este propósito que, polemizando na TV do Rio de Janeiro com o

Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Baltasar da Silveira, este jurista disse-

me com ênfase: "Eu sou contra a pena de morte para os assassinos. Sou porque a sociedade

lhes dê oportunidade para recuperar-se, pois ainda recentemente noticiava a imprensa que

um italiano, réu de sete assassinatos, se recuperava e havia sido libertado da prisão" Eu,

ainda deixando de lado a mais que problemática emenda daquele sujeito, disse-lhe:

"Doutor, diga-me, não teriam algo a dizer as seis últimas vítimas que se seguiram ao

primeiro assassinato?"

Que fazer pois? Condenar inexorável e indiscriminadamente todo homicida, como

possível reincidente? Não, não é essa a solução que propiciamos. Creio de maior sabedoria

seguir a norma prudentíssima que nos deixou aquele teólogo e penalista que era Alfonso de

287

- A Notícia, Rio de Janeiro, 18-X-76. 288

- vid. Jaime Tarragó, Pena de Muerte y Paz Social, in Fuerza Nueva, 460 (l-XI-75) 16-19.

Page 106: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

106

Castro, que com razão é chamado "fundador" da Filosofia do Direito Penal.289

"Só é lícito

infligir a pena de morte a um delinquente quando este seja incorrigível; se pode ser

corrigido de outro modo qualquer, a pena de morte seria injusta." E para conhecer quando

é o assassino incorrigível, dá-nos como norma a anterior reincidência ou a gravidade do

delito, quando este aparece revestido de tais notas de premeditação e perversidade que

denotam um ânimo de desalmado, de modo algum disposto a emendar-se. Como nota em

outro lugar o mesmo sábio autor, ainda que o corrigir-se esteja sempre na mão de um

sujeito racional e consciente, não obstante "chamamos alguém incorrigível não porque não

pode corrigir-se senão porque não quer", como se deixa ver por seu comportamento.290

16. BRASIL — EXEMPLO DE PAÍS ABOLICIONISTA

Razão deste capítulo — Expostas ficam já as razões da licitude, e em certos casos o

dever de infligir a pena de morte, e resolvidas as objeções e falsos motivos que os

abolicionistas alegam em favor de suas teses.

Pareceu-me que seria de interesse apresentar um exemplo e paradigma de um país,

entre muitos, que experimentaram as terríveis consequências a que estariam expostos os

abolicionistas. "As palavras movem, reza o adágio, e os exemplos arrastam." De sua leitura

esperamos que muitos dos que, mais ou menos convictos da conveniência de adotar a pena

de morte, vacilam todavia em propor abertamente sua implantação, onde ainda não se fez,

ou restaurá-la onde foi abolida, à vista do desastroso exemplo de descalabro de outros, se

decidam a alcançar dos poderes públicos o estabelecimento dessa medida, que devolverá à

sociedade, e a todas as pessoas de bem, a tutela e segurança de seus direitos fundamentais e

com isso a tranquilidade de vida sem temores e sobressaltos.

Por que elegi o Brasil como exemplo? — Em primeiro lugar, porque minha dilatada

estadia no país me proporcionou um conhecimento mais completo da situação. Em

segundo lugar, assim como a Inglaterra, até pouco tempo, era o ponto obrigatório de

289

- Cfr. Marcelino Rodriguez Molinero, Origen espanol de la ciência dei Derecho Penal, Madrid, ed. Cieneros, 1959, e Liceu Franciscano, Frei Alfonso de Castro, teólogo e jurista, Santiago, 1958. Juan dei Rosal, que teve sempre A. de Castro em grande estima científica, no prólogo da Antologia que dele publicou, diz, "bastará por si só, para enaltecê-lo, o fato de haver apresentado pela primeira vez no mundo ocidental um acabado sistema jurídico-penal". Alfonso de Castro, Antologia (Breviários do Pensamento Espanhol), Madrid, ed. FE, 1942, p. 8. 290

- Juan dei Rosal, Fray Alfonso de Castro, Antologia, ed. FE, Madrid, 1942, p. 215.

Page 107: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

107

referência, sobre a eficácia social da pena de morte, porque nunca a havia abolido, assim,

no lado oposto, o Brasil é um dos pontos de referência para avaliar os funestos resultados

da abolição, visto como manteve essa situação abolicionista, se não sempre de iure, pelo

menos de fato, durante um largo século. Ademais, tanto como a Itália, que fez ponto de

honra abolir a pena capital, oferece na Europa o maior índice de criminalidade, muito

acima dos outros países; do mesmo modo, nas Américas, o Brasil, que na boca de muitos

de seus representantes da política ou das letras, se gloria da abolição, apresenta um índice

de criminalidade, desconcertante pela magnitude, que, possivelmente o coloca na primeira

linha da triste estatística da delinquência entre os países da América.

Brasil, país abolicionista centenário — Embora o apresentemos como país

abolicionista de mais de um século, há de entender-se isso de fato, porque no aspecto

legislativo não oferece a mesma linha única, Brasil colônia e Brasil império, manteve

sempre em suas leis a pena capital para grandes delitos, porém o Imperador Pedro II,

impressionado pela sofisticação retórica de Victor Hugo, decidiu dar uma virada, não

ousando, não obstante, propor ao Parlamento a abolição, resolveu fazer sempre uso do

"Direito de Graça", comutando a pena capital pela imediatamente inferior no Código

Penal, para não mandar ninguém ao último suplício. Na sessão fúnebre que dedicou à sua

memória o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que ele havia fundado, o orador

presta homenagem ao humanitarismo do Imperador por aquele gesto;291

porém como a

Constituição republicana de 1891 a havia abolido também de iure, o orador, tendo presente

os grandes e frequentes crimes que se vinham cometendo, e nada seguro de que aquela

abolição da pena máxima tivesse bom êxito para o bem-estar do país, com certo tom de

ironia acrescentou: "Quem sabe se não será mais tarde necessário restaurá-la para conter a

onda dos grandes criminosos."292

291

- Homenagem do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio, 1892, p. 117. 292

- ibidem. Essa pergunta do orador traz-nos à memória a famosíssima expressão de Alfonso Karr: "Eu sou pela abolição da pena de morte, contanto que os senhores assassinos sejam os primeiros". Aos abolicionistas desagrada sobremaneira esta frase de Karr, refutando-a de qualquer maneira, deixam-na de lado depreciativamente. Não obstante Quintiliano Saldanha, mui notável penalista, faz sobre ela este comentário: "Como toda grande ironia, encerra esta frase um fundo de verdade" (in Franz von Liszt, Tratado de Derecho Penal, suplementado por Quintiliano Saldanha, Madrid, Réus, 1917, tomo III, p. 284). Eu ainda acrescentaria a esse comentário uma breve apostila: Doloroso e terrível é levar um homem à morte, concedo, mas pense-se em que mais doloroso e terríveis são os crimes pelos quais essa pena é infligida. Por

Page 108: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

108

A República em sua primeira Constituição, de 1891, aboliu definitivamente, na

ordem legal, a pena de morte. Mas, em 1937, o grande estadista que foi Getúlio Vargas, à

vista da crescente onda de crimes nefandos no país, restabeleceu-a, para ser novamente

abolida na Constituição de 1946. Quando, vinte anos depois, o Governo Militar, surgido da

Revolução de 1964, anunciou a promulgação de uma nova lei constitucional, houve intenso

movimento na nação, propiciando a inclusão, na nova Carta, da pena capital, mas tal não

prosperou e a aludida pena ficou abolida.

Após tudo isto passaram-se três anos. O Embaixador dos Estados Unidos foi

sequestrado no Rio de Janeiro por terroristas, os quais, sob a ameaça de fuzilar a vítima,

exigiram do Governo nacional a divulgação, por todas as emissoras de rádio, de um

manifesto contra o próprio Governo e a libertação de quinze políticos reclusos. O Governo

houve por bem aceder à humilhante exigência, ainda que muito bem poderia haver

recusado tal pedido, justificando-se pelo fato de que não havia maior culpa de sua parte,

pois dava escolta ao diplomata, mas, no caso, este havia-a dispensado à noite, porque não

queria testemunhas de sua ida a um encontro desnecessário, oportunidade de que

aproveitaram os raptores.

O fato é que o Governo, para não ver-se sucessivamente sujeito a humilhações

semelhantes, promulgou em 5 de setembro de 1969 o 14° Ato Institucional, seguido em

poucos dias da Lei de Segurança Nacional, pela qual se restabelecia a pena de morte para

os implicados na guerra psicológica adversa ou na guerra revolucionária ou subversiva,

assinalando-se até quinze casos em que a última pena seria aplicada.

Após pouco tempo um terrorista, de nome Teodomiro Romeiro dos Santos, deu

morte, na Bahia, a um agente da ordem pública que o havia detido. O Tribunal Militar

julgou-o incurso nos dispositivos da Lei de Segurança e pronunciou a sentença de morte. A

discussão pró e contra a sentença agitou-se em toda a imprensa e rádios do país. O que

escreve estas linhas foi interpelado em um programa de TV, sobre se julgava Teodomiro

merecedor do último suplício e se cria que devia ser executado. Eu respondi mais ou

menos nestes termos: "Quanto à culpabilidade do réu, não era de minha competência o

juízo, pois ignorava o que acerca do caso havia sido alegado e provado, carecendo portanto

de elementos de juízo. Mas, se o delito foi provado, como se disse, e a sentença

conseguinte, antes de suprimir a pena, cuidemos de suprimir os horrendos delitos que com ela tentamos evitar. Mui doloroso e terrível é abrir o ventre de um homem, mas: eu agradeço ao cirurgião que abriu o meu para efetuar uma colontomia, sem a qual não houvera sobrevivido.

Page 109: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

109

pronunciada, é claro que deve executar-se. Não obstante, acrescentei, tranquilizem-se os

que a isso se opõem, porque eu lhes asseguro que Teodomiro não será executado, pois o

Governo do Brasil é, desde a implantação da República, maçônico, e a maçonaria opõe-se

à execução."

Efetivamente, em poucos dias foi comutada a pena de Teodomiro e nem ele, nem

nenhum outro assassino foi até hoje executado pelos poderes públicos, mas sim em troca

foram-nos, em assustadora proporção crescente, número infinito de inocentes, em mãos

dos malfeitores soltos por toda parte.

Razões particulares do Brasil para não infligir a pena capital — Os abolicionistas

no Brasil repetem, com insuportável monotonia, as três razões mais comumente alegadas

por toda parte: a) O caráter irreparável do erro judicial; b) Negar, contra toda evidência, o

valor intimidativo da pena capital; c) Negar ao poder público o direito de castigar, porque,

segundo afirma o sociólogo e penalista Evaristo de Moraes Filho, "a sociedade carece de

autoridade moral para infligir a pena de morte, porque ela mesma é fautora da

criminalidade",293

por não educar e elevar o nível das classes populares.

Mas a estas três razões muitos acrescentam outra muito singular, e segundo eles

peculiar do Brasil: "A índole sentimental e o sentido cristão do povo brasileiro. Vejamos

alguma mostra:

Para o Curador de Menores, Eudoro Magalhães, "basta conhecer a índole da gente

brasileira, para ser contra a pena de morte".294

O deputado Tarso Dutra afirma que a pena

máxima "constituiria um fator de desequilíbrio social, pois não se ajusta à sensibilidade do

povo brasileiro".295

O notável jurista e político Prado Kelly diz que a abolição harmonizava

com "uma tradição secular, a do sentimento de nosso povo, formado na moral cristã".296

"Aos brasileiros pacíficos e cordiais, alegres e despreocupados, a dureza da pena capital

soa-lhes como algo desvinculado do contexto nacional."297

O redator-chefe do "Jornal do Brasil", adversário da pena de morte, Carlos A.

Dunshee de Abranches, julga que a abolição no Brasil "reflete um postulado da concepção

293

- Manchete, 1525 (1981) 26. 294

- O Globo, 13-XI-57. 295

- O Globo, 23-IV-57. 296

- Correio da Manhã, 5-XII-57. 297

- Art. editorial de O Globo, 3-IV-71.

Page 110: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

110

jurídica e do sentimento liberal do povo brasileiro".298

Em compensação, o Reitor da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Moniz de Aragão, queixa-se de que a "índole

bondosa, cristã e pacífica do povo brasileiro se alega unicamente em favor do terrorista e

guerrilheiro".299

A pena de morte no Brasil, afirmou o deputado Luís Viana, não será

viável "porque o sentimento popular não permitiria suas execuções".300

Segundo o Dr.

Rocha Lagoa, juiz de menores, o instituto da pena capital "choca profundamente o

sentimento brasileiro e é contra a formação do nosso povo".301

O periódico O Globo

afirmava solene em um editorial: "A implantação da pena capital não se coaduna com o

sentimento do povo brasileiro."302

Outros vão mais longe todavia; consideram a ausência da pena de morte um timbre

de glória nacional, ainda que aquilo seja à custa da mais horrenda criminalidade. "A

civilização moral deste império não será jamais maculada no futuro, como não o é no

presente, com esses assassinatos jurídicos, que tanto infamaram os governos passados."303

Por sua parte, um editorialista do Jornal do Brasil assim se expressa: "Os brasileiros

devem orgulhar-se legitimamente de não terem, na evolução de seu direito de repressão, o

instituto da pena de morte; houve a pena de morte no Brasil mas esporadicamente, só em

caráter transitório."304

Esta mentalidade é tão densa que até alguns membros do clero se ressentem, por ela

contaminados.

Estando na cidade do Recife, em um programa de televisão, um dos participantes

no debate disse-me: "Saiba V. Revma. que aqui no Recife há algum sacerdote que

considera anticatólico defender a pena de morte." Não é fácil, porém é sim, possível,

respondi-lhe, que um sacerdote esqueça a tal ponto o que desde o começo de seus estudos

sacerdotais aprendeu e pôde ver estampado, não só nos manuais de teologia moral, como

também em todos os catecismos explicados — sem exceção — os quais ao falar do quinto

preceito "não matarás" acrescentam sempre as exceções de três casos em que é lícito tirar a

298

- Jornal do Brasil, 19-V-61. 299

- O Globo, 31-111-71. 300

- O Globo, 23-IV-59. 301

- O Globo, 13-XI-57. 302

- O Globo, 23-IV-59. 303

- Luís Fr. da Veiga, Synopsis chronológica das revoluções... havidas no Brasil, Rio de Janeiro, 1877, p. 2. 304

- Jornal do Brasil, 5-V-60.

Page 111: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

111

vida de outrem: em legítima defesa, em uma guerra justa e por sentença judicial.

Para prova disto, valha, por todos, o autorizadíssimo Catecismo de Trento,

mandado publicar por São Pio V e que explicitamente excetua os três casos referidos.

Referindo-se ao último, declara formalmente que esta classe de morte lícita é a que

corresponde aos juízes "a quem se deu o poder de impor a pena de morte — o grifo é do

original — em virtude da qual castigam os homens criminosos, e defendem os inocentes,

conforme às leis, e cumprindo realmente este dever, não só não são culpados da morte,

como também se ajustam perfeitamente à Lei Divina, que proíbe o homicídio. Porque

tendo este mandato por fim olhar pela vida e pela conservação dos homens, tendem

igualmente a isto mesmo as penas impostas pelos juízes, que são os vingadores legítimos

dos crimes, para que, reprimindo-se com os castigos a audácia e a maldade, esteja segura a

vida humana".305

Para quem sinceramente deseje conhecer a verdadeira doutrina católica

nada melhor poderia oferecer.

O esquecimento da doutrina católica por alguns clérigos bem podia em casos raros

acontecer em anos passados. Hoje, ao preconceito social da índole bondosa do povo junta-

se em alguns membros do clero o furor negativo e demolidor do "progressismo" que já não

suporta os ensinamentos tradicionais da Igreja e quer inovar tudo. Assim vemos o

Secretário da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter — atualmente Presidente da Conferência

Episcopal — opor-se ao Governo contra a aplicação da pena de morte, e pôr em

comparação — coisa francamente intolerável — a ação dolosa e perversa do assassino que

degola um inocente, e a nobilíssima atitude do Estado que, em defesa da justiça e da ordem

social, castiga o malfeitor.306

Na mesma linha de oposição colocou-se o arcebispo de Fortaleza, Dom J. Medeiros

Delgado, "fundado, diz ele, nos princípios cristãos" (??).307

Mais radical, o bispo de Goiás,

Dom Tomás Balduíno, que contrapõe à Igreja tradicional, com seus ensinamentos, a

Igreja do Pós-Concílio Vaticano II, que, segundo ele, também havia reprovado a pena de

morte. No que concerne a esta, afirma que "de nenhuma maneira podemos considerar

como doutrina atual da Igreja o que esta ensinava no século XII".308

A Igreja retratando-se

de seus ensinamentos!

305

- Catecismo Romano, p. III, capit. IV, n.°s 4-5 e 8. 306

- Jornal do Brasil, 22, III, 71. 307

- Jornal do Brasil, Ibidem. 308

- Jornal do Brasil, 16-IX-69.

Page 112: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

112

Mas a todos estes progressistas deixa atrás o arcebispo de São Paulo, Card. Paulo E.

Arns, que combate sem tréguas a pena de morte. Na folha paroquial da arquidiocese, O

Domingo, no ato de contrição, no começo da missa, vem esta súplica: "Pelas vezes que

fomos partidários da pena de morte, tem piedade de nós." 309

E no mesmo número do

semanário dominical, um tal P. Virgílio, comentando o Evangelho, diz que quem defende a

pena de morte "atraiçoa a paixão de Jesus Cristo e renega o Santo Batismo"- Nada disto é

para refutar, beira já com o paranóico. Deixo de lado O São Paulo [não confundir com o

grande jornal O Estado de São Paulo!], semanário da arquidiocese paulistana, que com

sofismas, vulgaridades e conceitos nem sempre conciliáveis com a doutrina católica e

costumeiros entre os abolicionistas, tratou em vários artigos de invalidar os ensinamentos

tradicionais sobre o instituto da pena de morte.

Lamentamos também que outro ilustre prelado, benemérito por muitos conceitos na

defesa da ortodoxia, se haja deixado arrastar, neste caso, pela onda sentimental e

abolicionista. Não nega ele a licitude da pena capital, porém, confundindo uma vez mais a

ordem jurídica com a ordem da caridade, a ela opõe-se e afirma gratuitamente que a Igreja

hoje deixa de lado o rigor e é movida pelo perdão. Mas o mais grave, e pelo que aqui

comentamos, é que assume a injusta e absurda comparação do crime e da justiça legal: "A

violência, ainda mesmo a amparada pela lei, não quebra por si mesma o círculo

demoníaco do crime."310

Será sinal de maturidade de uma sociedade a não aceitação da

pena de morte? De nenhum modo, não invertamos os conceitos. A maturidade e perfeição

de uma sociedade não consiste em deixar sem o merecido castigo os grandes delitos senão

em lograr uma drástica diminuição dos mesmos, o que tão só se obtém pela dissuasão que

produz a certeza do castigo exemplar.

Justificam a abolição da pena capital o sentimento popular, a cultura do país e a

formação cristã? Vã ilusão. Esses elementos nada justificam, como vamos demonstrar.

Temos visto já o coro de vozes que, com diversas modulações, apresentam esses

motivos contra o instituto da pena capital. Isto não tem validez nem no terreno geral e

abstrato, nem muito menos com referência ao Brasil.

Analisemos por partes toda esta alegação, a começar pelo do sentimento popular.

309

- o Domingo, São Paulo, 22-VII-1984. 310

- A Pena de Morte, in Communio, II (1984) 72.

Page 113: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

113

O sentimento é um fenômeno de nosso psiquismo racional superior. Nossa vida

sentimental e emotiva é riquíssima e de extrema complexidade. Há que partir-se do fato de

que nossos sentimentos representam uma classe de processos psíquicos conscientes, porém

totalmente diferentes de todo processo de conhecimento. Por esta razão o sentimento, que é

sem dúvida cego, não obstante, como é provocado por fenômenos intelectuais e morais,

deve acompanhar as atuações do entendimento e não vice-versa. Quero com isto dizer que

é o entendimento o que há de guiar e conduzir os sentimentos, e não que estes dominem e

ditem sua atuação ao entendimento.

Notemos ademais que os sentimentos, do mesmo modo que os valores, possuem o

caráter da polaridade: a todo sentimento, seja de que qualidade for, opõe-se outro

sentimento de indicação oposta. Assim ao sentimento de amor, opõe-se o ódio; ao de

alegria, o de tristeza; ao de valor, o de medo etc. Daí o magno problema pedagógico, para a

reta educação dos sentimentos, afim de modificar e levar à máxima perfeição a índole

natural de cada educando.

Definindo a índole como inclinação natural própria de cada um, quando se trata de

seres racionais essa inclinação natural não é retilínea, inflexível e imutável, como o instinto

dos irracionais, senão modificável e perfectível. São os sentimentos o que se há de dirigir,

para que, v.gr., a índole perversa e vingativa daquele menino se abrande, enriqueça e se

transforme com sentimentos de amor e benevolência.

Em suma, se não queremos errar, guia de nosso proceder há de ser o entendimento,

e não o sentimento ou a emoção.

Creio que este breve e inescusável esclarecimento psicológico é o suficiente para

deixar manifesto o grave erro dos elementos diretivos da sociedade nesta matéria:

senadores, deputados, juízes, professores etc. que, em vez de orientar e educar os

sentimentos do povo, tentam acomodar as leis aos preconceitos e sentimentos que dizem

populares. "Colocam, diz o adágio popular, o carro diante dos bois", e sobretudo, sem

reparar que esses sentimentos, por obra e graça do proselitismo abolicionista, são

invertidos, pois se sente muito a sorte dos facínoras e se deixa em esquecimento a das

vítimas e de suas viúvas e filhos. Passa-se nisto algo parecido com a maneira de muitas

mulheres britânicas que choraram e maldisseram os soviéticos pela morte da cadelita

"Laika" na primeira viagem à estratosfera, e permanecem impassíveis ante os milhões de

seres humanos que os comunistas russos levam à morte lenta, nos Gulags e nas estepes

geladas da Sibéria. Assim é, com frequência, enorme a imbecilidade humana!

Page 114: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

114

Valha o dito para ver que, assim em geral, e em qualquer país, seria algo sem

sentido querer tomar como base, para eliminar uma lei de profundo alcance benéfico-

social, o pretexto de que essa lei é incompatível com o sentimento popular e a índole da

gente. O notável escritor filósofo italiano Sciacca, recentemente falecido, faz notar que:

"Se se cede, se vence o sentimento ou compaixão, esse ato que poderia chamar-se humano

esvazia-se da autêntica humanidade e enche-se da mísera riqueza da humanidade empírica,

à custa e em negação da norma moral."311

Essa inversão ou tergiversação dos sentimentos ou da compaixão que coloca no

altar o malfeitor e relega ao esquecimento as vítimas, é universal nos abolicionistas, que

para isso soem descrever com negras tintas as atrocidades dos suplícios e passam por alto

as dos crimes. De estupidez qualifica a sabedoria oriental essa tergiversação "que leva uns

a fazer uso da força quando devem proceder com benevolência, ou a atuar com

benevolência quando é necessário fazer uso da força".312

Pelo que toca ao Brasil, analisemos brevemente a razão de que o sentimento

popular não suportaria a existência da pena de morte, fazendo ver que, fora dos ambientes

minoritários dos abolicionistas, essa futilidade não encontra base alguma.

O povo brasileiro é sem dúvida de índole pacífica. Não é repentino e violento como

o espanhol ou o argentino. Suas reações são lentas e reflexivas. É muito ponderado, como

o demonstrou sempre seu proceder político no campo internacional. Profundamente

cristão, ainda que de escassa instrução religiosa, modela pela crença boa parte de sua vida

ativa. Estas qualidades habilitam-no a julgar os crimes com equanimidade e com equilíbrio

emocional, nada extremista, e por isto mesmo não tem, como nos querem fazer crer os

abolicionistas, invertido o sentimento. O brasileiro comum sabe apreciar com retidão e

medir com equidade o prêmio ou o castigo, em cada caso, e por cada pessoa merecidos.

Todos esses esbanjamentos de retórica, querendo fazer-nos crer que o brasileiro, em

virtude de sua índole sentimental, troca a vítima pelo assassino, fica só por conta de

numerosos advogados, periodistas, políticos, escritores revolucionários e anticatólicos,

mações e alguns clérigos progressistas, todos eles abolicionistas, que se valem desse

argumento, como de outras falsidades, para impor ao público seus preconceitos

antipunitivos.

311

- Michele F. Sciacca, El hombre, este desequilibrado, Barcelona, Miracle, 1958. 312

- Ap. HÍFEN (publicação da Liga de EE.AA.), ano n i , n.° 2, p. 6.

Page 115: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

115

Mas, deixando de lado essa gente, afirmo com segurança que o brasileiro médio, o

brasileiro culto, o brasileiro simples e honrado, são sim, bem dotados de fino sentimento, e

de ternura para com o desgraçado, mas não são vítima de uma pieguice que os impeça de

orientar e dirigir com serenidade suas emoções e discernir com clareza e justiça o que é

para reprovar e o que é para conservar e em seu caso enaltecer e detestar o crime que

amesquinha e exaltar a justiça que eleva as nações.

O povo brasileiro em sua melhor e maior parte não é contrário à aplicação da pena

de morte aos grandes delinquentes, por mais que esse embuste se propale constantemente

pela imprensa e no rádio.

O que digo aparece totalmente confirmado em todas as entrevistas, pesquisas

públicas e até pelos linchamentos populares. Vejamos algumas provas do aludido.

O Diretor do então mais lido periódico do Brasil, O Jornal, T. de Andrade, em uma

nota de comentário a um breve trabalho meu, dizia: "É a difusão e aumento de crimes o

que envergonha a sociedade, e não a eventual execução de uma fera humana

irrecuperável."313

De análoga maneira se manifestam muitos outros brasileiros, homens de

bem e que têm em boa conta a justiça.

Quando, no Rio de Janeiro, três rapazes libertinos atentaram contra o pudor,

fizeram tentativas de estupro e por fim jogaram do 20.° andar de um edifício de

Copacabana a jovem Aida Cúri, a comoção foi profunda em toda a cidade. O juízo dos

homicidas correspondeu a três ilustres Magistrados, Faustino Nascimento, Mourão Rússel

e Milton Barcellos, os quais, ao proferir a sentença, declararam que "lamentaram não poder

indicar, de acordo com a legislação brasileira, a pena de morte para tão horripilante crime,

dizendo da "inveja pela Justiça americana, com a sua pena máxima, a Pena de Morte, única

solução para limpar a sociedade de desalmados curradores".314

O Presidente do Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal, Des. Romão Cortes

de Lacerda, lamentava-se, em uma entrevista, de que no Brasil, "como é de observação

cotidiana, os grandes criminosos voltam sempre à convivência social, já por curtas as

penas, já por ainda mais encurtadas pelo livramento condicional ou pelo indulto. Não há,

entre nós, o que ocorre nessas velhas nações civilizadas: a eliminação do grande criminoso

do convívio social. Aqui, os criminosos, por mais endurecidos e perigosos que sejam,

313 - Theóphilo de Andrade, A Igreja e a pena de morte, in O Jornal, 8-IV-71. 314 - Jorge Audi, Justiça, in O Cruzeiro, 18-11-1961.

Page 116: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

116

voltam sempre à sociedade, devido à baldada crença de que se acham corrigidos, objetivo

raramente alcançado. A impunidade anima o crime, como é óbvio. Há que reagir contra os

criminosos. A tibieza na reação, seja ela de ordem legislativa, policial ou judiciária,

multiplica os delitos". É preciso voltar o olhar para os grandes países civilizados onde se

segregam da sociedade os grandes malfeitores pela prisão perpétua ou pela pena de

morte.315

O deputado Daniel Faraco declara: "Não sou contra a pena de morte, pois ela não é

contrária ao Direito Natural e a Moral Cristã a admite. Além disso, deve-se considerar que,

atualmente, em nosso País, a pena de morte é decretada diariamente por particulares, a

pretexto de punição dos agravos de que se julgam vítimas, e às vezes, sem pretexto algum.

E a sociedade, pela impunidade de que gozam os que matam, está estimulando o crime

com sua indiferença."316

O que é mais significativo nisto é que a quase totalidade dos juízes criminais de São

Paulo são a favor da pena de morte.317

O Senador Vivaldo Lima é incisivo: "O Brasil deveria imitar os países mais

civilizados. A pena de morte é coisa ruim, eu reconheço. Porém muito pior seria a

criminalidade, se ela não existisse. No Brasil, seria utilíssima, pois mata-se entre nós com

muita facilidade, haja vista o caso de Aida Cúri."318

Temos pois que a parte mais representativa da sociedade é antiabolicionista, porém

o é, todavia, mais, o povo, que não pode suportar por mais tempo a vista de tão frequentes

e nefandos crimes, além de viver encerrado em constante sobressalto. Ou como faz pouco

dizia uma senhora em S. Paulo: "Sou a favor da pena de morte, porque já estou cansada de

ficar em casa, cheia de medo, esperando a chegada de meus filhos e de meus netos."319

Em

breves palavras, faz pouco resumia Baremblitt esta situação: "Ante o panorama

apocalíptico em que vivemos, o país inteiro manifesta seu alarme e decepção através dos

órgãos da imprensa e outros veículos de comunicação.”320

315

-O Globo, 4-VIII-58. 316

- O Globo, 23-IV-59. 317

- O Globo, 22-V-61. 318

- O Globo, 23-IV-59. 319

- Semanário Visão, XXXIII (16-IV-84). 320

- iGregorio Baremblitt, A Violência; Quem começa?, in Psicologia Atual, S. Paulo, n.° 37, p. 38.

Page 117: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

117

O Conselho Técnico de Economia, Sociologia e Política da Associação Comercial

de São Paulo, por ocasião da defenestração de Aida Cúri, celebrou uma reunião em que a

pena de morte foi calorosamente combatida. O notável jurista, que era Haroldo Barbury,

tomando a palavra afinal, deu um banho de água fria aos reunidos e assim se pronunciou:

"Acompanhei atentamente todos os debates e observei que sempre que se fala da pena de

morte põe-se de manifesto muita compaixão, muita pena do criminoso, mas não se pensa

na vítima. Agora bem, se em vez do assassino tomássemos como referência a vítima, o

problema da pena capital mudaria."

"Recordo que durante uma aula inaugural, na Universidade umas jovenzinhas me

interrogaram sobre a pena de morte. Então eu contei-lhes um fato que acontecera poucos

dias antes: Um pobre pequeno que trabalhava de dia e estudava de noite, quando ia para

casa foi interpelado por três indivíduos que lhe perguntaram, de que forma queria morrer,

se de um tiro, de uma punhalada ou de uma beliscadura. O pequeno pensou que fosse uma

brincadeira, porém logo percebeu que era uma ameaça séria, e disse que de um beliscão.

Então aqueles desalmados agarraram umas tenazes, tiraram-lhe umbigo, arrancando-lhe os

intestinos e deixaram-no morto na rua."

"Agora eu pergunto, será bem ordenada a caridade cristã cheia de ternura se pensa

primeiro em recuperar esses malvados, deixando de lado as vítimas?"321

Diversos inquéritos vêm-se realizando no País, de algum tempo a esta parte. Talvez

o mais sério e cuidadoso foi o realizado há três anos pela LPM — Burque e Manchete, no

Rio de Janeiro e em S. Paulo, entre pessoas de 18 a 55 anos, de todas as classes sociais,

respeitada a proporcionalidade dessas classes e idades, de acordo com o último censo. À

pergunta, entre outras muitas, "Parece-lhe que no Brasil deveria haver pena de morte?", a

grande maioria — 79% — respondeu afirmativamente.322

"Que diz o Sr. do Esquadrão da Morte?", interrogava-me na televisão um dos

participantes. Que isso, respondi-lhe, é um substitutivo, ainda que muito imperfeito,

perigoso e irregular das leis eficazes punitivas que devera haver no país, para a segurança

dos cidadãos, e não as há.

A imprensa informa que os "esquadrões" estão constituídos por elementos da

polícia que, em presença da brandura penitenciária ou quase impunidade dos malfeitores,

responsável pela proliferação inaudita de assaltos e crimes de toda espécie, que trazem à

321

- Problemas Brasileiros, agosto de 1971, p. 43-45. 322

- Roberto Paulino, O Brasil quer a pena de morte, in Manchete, 1525, (15-VII-81), 25.

Page 118: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

118

população pacífica sumida em uma atmosfera de terror e de que eles mesmos são as

primeiras vítimas, resolvem — à falta da instituição legal da pena — executar eles próprios

os grandes criminosos, eliminando-os da convivência cívica.

O fato é que o povo, informado pela imprensa dessas execuções de malvados, não

dá sinal de comover-se. Se se pergunta a qualquer popular: Que lhe parece o Esquadrão da

Morte?, a maioria responde, não está mal! Já que a lei é omissa e deixa inermes os

cidadãos, que esses homens limpem a rua de facínoras para que a gente honrada e

trabalhadora possa viver tranquila. Esta é, consta-me, a forma mais comum de pensar do

povo, em sua maioria.

No arrabalde de Belford Roxo, no Rio de Janeiro, dois homens, por haver assaltado

um ônibus, "foram perseguidos e linchados por uma multidão de quase 300 pessoas,

ficando seus cadáveres estendidos em cruz na rua".323

O mesmo diário informa que, nesse

dia, outros oito homicídios ocorreram na cidade. Como maravilhar-se de que o povo queira

o castigo exemplar e de que, ante a omissão dos poderes públicos, execute a justiça por sua

mão?

Aconteceu em abril deste ano, em S. Paulo: "Quem está a favor de que este

indivíduo morra? , perguntou um homem apontando para um ex-presidiário que

aterrorizava o bairro. Eram cerca de cem pessoas e todas levantaram o braço. Estava

realizado o plebiscito e Osvaldo O. Pires, 33 anos, foi morto a pauladas."324

A gente acha-se já tão aturdida pela frequência de crimes e pelas reincidências dos

homicidas e tão irritada pela impunidade efetiva e legal dos malfeitores que os

linchamentos ou intentos de linchar se sucedem a toda hora, e muitos mais seriam, se a

polícia não acudisse com presteza para evitá-los.

Agora bem, de todo o anteriormente exposto infere-se que o povo brasileiro, em sua

parte mais considerável, opta pela adoção da pena capital, sendo escassa minoria os que a

ela se opõem. E digo mais, e isto é muito de notar, que essa minoria, se dela deduzimos

bom número de católicos sinceros que, ouvindo constantemente o falso slogan: "Deus é

quem nos dá a vida e só Ele a pode tirar", creem — a falsidade da afirmação foi já exposta

mais acima — e pensam que optar pela morte do assassino é contra o perdão que prega a

religião católica, descontados esses que uma vez esclarecidos mudarão de parecer, essa

minoria abolicionista do povo brasileiro fica reduzida a uma exiguidade extrema.

323

- Jornal do Brasil, 14-1-80. 324

- Pena de Morte. Olho por olho?, in Visão, XXXIII (16-IV-84).

Page 119: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

119

Vem aqui muito a propósito o raciocínio do notável colunista de O Estado de São

Paulo, Lenildo Tabosa Pessoa: "Os que combatem a pena capital, no Brasil, diz Lenildo,

são, em geral, os mesmos que querem transformar o povo em algo assim como uma

divindade, a qual resolverá os grandes problemas nacionais como por milagre, quando haja

eleições diretas para a Presidência da República, porque o povo é sábio e sabe o que quer e

quais são as decisões que devem ser adotadas. Sem embargo, quando esse povo

majoritariamente pede aos poderes que o governam que a criminalidade seja enfrentada

com a pena de morte, com absoluta incoerência, negam-lhe a suposta sabedoria, e sua

opinião passa a ser vista como uma imbecilidade."325

Não se alegue, tão pouco, contra a pena capital, esse tópico tão reiterado de que tal

castigo, como é o suplício dos malvados, vai contra os sentimentos cristãos do povo

brasileiro. Não, isso não é admissível em pessoas retas e ilustradas em religião, pois o

sentimento pelo castigo dos maus, em detrimento dos bons, é uma inversão inadmissível

dos verdadeiros sentimentos que devem imperar nas vida de todo homem probo.

Conhecida é a sentença de Shakespeare: "A clemência com os homicidas é

homicida", e o famoso penalista italiano Eurico Ferri, bem conhecido no Brasil e nada

suspeito aos abolicionistas, escreveu umas palavras que todos esses sentimentalistas, ao

revés, deveriam ter presentes: "Creio sempre, e cada vez com mais convicção, que se deve

afastar a atenção dos criminosos e as simpatias públicas para com eles, e concentrá-las

unicamente nas pessoas honradas que sofrem e são esquecidas."326

Ferri, positivista e

incrédulo, falou neste caso com sentido limpidamente cristão.

Não pretendamos ser mais cristãos que Cristo e que sua Santa Igreja, nem mais

delicados de sentimentos. Cristo foi quem disse: "Quem com ferro mata com ferro deve

morrer", e a Igreja defendeu sempre essa doutrina. Até o grande Pontífice que foi Pio XII

estabeleceu-a no Estado do Vaticano.327

O sentimento cristão de compaixão pelos que

sofrem sempre se compaginou com o amor à justiça. Estes dois sentimentos são atributo de

todos os doutores e santos que no mundo têm sido nos dois milênios de vida cristã e

também dos bons cidadãos brasileiros.

325

- Lenildo Tabosa Pessoa, A Pena de Morte, in Jornal da Tarde, 2-XII-83. 326

- Eurico Ferri, delinquenti neWarte, Génova, 1896, prefácio. 327

- Giuseppe Maggiore: "La pena di morte esiste nello Stato dei Vaticano per la legge 7 gennaio, 1929." Principi di Diritto Penale, Bologna, 1937, 2." ed. tomo I, pág. 370.

Page 120: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

120

Não cabe tão pouco dizer que a pena de morte se justifica tão só nas estruturas e

épocas mais atrasadas e incultas dos povos. Não é exato. Essa pena coexiste com todas as

culturas, religiões e épocas do mundo. Ademais, como já dissemos em páginas anteriores,

não se há de julgar o nível cultural de um país, pela ausência de duros castigos aos

malfeitores, senão pela maior diminuição de grandes crimes que mereçam o suplício e pela

tranquilidade e segurança de vida dos cidadãos. Os grandes crimes não reprimidos depõem

tristemente contra a cultura de um povo. "Como poderá o Brasil, perguntava o notável

jurista Carlos de A. Lima, prosseguir seu ritmo crescente de desenvolvimento material se

não alcança, através de graves medidas, a garantia principal, "o direito à vida", "o direito

de não ser vítima da violência", "do crime" e "do tóxico"?328

É evidente que o Estado ou

sociedade que não tutela eficazmente os direitos básicos de todo cidadão não tem foros de

civilizado.

Vejamos agora que grau terrível e inaudito alcança neste país pacífico, a

criminalidade, graças à ausência adequada de punição do crime.

O Brasil lança hoje um índice de criminalidade que supera muitas vezes o de

qualquer outro país civilizado. Mas antes de passar adiante, quero sair ao encalço de uma

objeção repetidíssima e que ocasiona péssimos efeitos na opinião pública, atuando como

freio para o estabelecimento de medidas mais eficazes na repressão, do crime: "Nos

Estados Unidos, diz-se, a maioria dos Estados têm a pena de morte, e apesar disso, é ali

muito maior a criminalidade que no Brasil." Com estas, ou parecidas palavras, esta

falsidade, repetida mil vezes e em todos os tons por jornalistas, políticos e advogados, tem

calado fundo na opinião pública e levado muitos bem intencionados à convicção de que

assim é.

Quando uma pessoa à vista de algum crime atroz exclama: "é necessário que se

imponha a pena de morte, para acabar de vez com isto", qualquer outro dos circunstantes

logo intervém dizendo: "Não, não adianta, nos Estados Unidos há a pena de morte e cada

dia se dão os mesmos ou piores crimes."

Não vou alegar aqui estatísticas, em todas as quais, seja dito de passagem, aparece

o errado deste acerto, sobre a criminalidade ianque. Limitar-me-ei a apresentar o

testemunho dos estudiosos, especialistas em Direito Criminal e nada suspeitos aos

abolicionistas.

328

- Carlos de Araújo Lima, Ordem dos Velhos Jornalistas, Rio de Janeiro, 1973, p. 2.

Page 121: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

121

O Prof. Virgílio Donnici, alto dignitário do Secretariado de Justiça, em uma conferência

proferida no simpósio, por ele organizado, sobre "Polícia e sociedade moderna", depois de

comparar a criminalidade do Rio de Janeiro e de Chicago, declarou categoricamente: "Rio de

Janeiro apresenta o maior índice de criminalidade do mundo."329

Toma-se como paradigma

comparativo, não os Estados Unidos em sua totalidade, mas a cidade de Chicago, que tem fama de

ser a mais violenta e de maior número de crimes na União, ainda que seja provável que hoje a

iguale nisso e ainda a supere, Los Angeles.

O segundo testemunho e mais decisivo todavia, constituem-no as declarações do

Ministro Nelson Hungria, autor principal que foi do Código Penal do Brasil, que logo ele

mesmo explanou em volumoso comentário de nove tomos. Nelson Hungria, apaixonado

abolicionista, percorreu o país, de um extremo a outro, para combater em programas de

rádio, imprensa e televisão o instituto da pena de morte. Pois bem, encarregado pelo

Presidente Jânio Quadros de reformar o Código Penal, declarou altissonante: "A

criminalidade no Rio de Janeiro supera a de Chicago em todos os tempos. Com tão alto

coeficiente de criminalidade, Rio é uma cidade despoliciada... Estamos volvendo à época

da vingança privada. O Rio transformou-se em uma cidade abandonada ao crime."330

Levemos ademais em conta que desde 1961, em que Hungria fez essas declarações, a

criminalidade em todo o país foi aumentando, em proporção aterradora.

Como amostra e demonstração de tudo que foi dito, vou dar algumas cifras tomadas

ao azar da imprensa, nos últimos anos. Quando não indico outro lugar, os crimes que

enumero se referem ao Rio de Janeiro, porém advirto o leitor de que cotejei muitas vezes a

imprensa das outras cidades e posso afirmar com segurança que S. Paulo, Curitiba, Recife

e outras mais, em proporção de seus habitantes, apresentam um índice de criminalidade

igual, quando não superior, ao do Rio de Janeiro. Por esta razão a criminalidade total no

país é para deixar-nos atônitos.

"Nove crimes de morte na passagem de 1960/1961."331

"O Carnaval deixou 49

mortos, deles 11 homicídios, e 7.000 feridos."332

"Oito homicídios em fim de semana."333

"Nove homicídios em fim de semana."334

"Capturada uma quadrilha cujos elementos

329

- p. Jornal do Brasil, 6-IV-72. 330

- Ap. Última Hora, Rio de Janeiro, 2-VIII-61. 331

- Jornal do Brasil, 3-1-61. 332

- Jornal do Brasil, 16-XI-61. 333

- Jornal do Comércio, 22-IX-65. 334

- O País, 21-X-68.

Page 122: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

122

confirmam haver assassinado 15 cidadãos para roubá-los."335

"O chefe da máfia GB,

conhecido pelo apelido de "Luisão das Mortes", preso, confessou que havia assassinado 25

pessoas mais, entre elas 5 polícias."336

"No Estado do Pará, a polícia prende estrangulador

que confessou tranquilamente que havia dado morte a 16 mulheres, 13 em S. Paulo e 3 em

Belém."337

No Carnaval, "foram levados ao Instituto Médico Legal nada menos que 97

corpos de vítimas de crimes diversos".338

Com 21 assassinatos foi saudado o ano de 1977

em seu primeiro dia.339

"Durante o Carnaval de 1976, de acordo com a estatística da

Secretaria de Segurança, ocorreram 660 assaltos, 71 homicídios e 706 casos de lesões

corporais."340

Observe-se, de ano em ano, a progressão ascendente dos crimes. "Banho de sangue

no Grande Rio. A violência alcançou o ponto máximo ao amanhecer do domingo, quando

foram registrados 16 homicídios, uma verdadeira orgia de assassinatos, que culminou com

a explosão de ira do povo, em um linchamento que deixou três mortos e outro

agonizando."341

"Segundo a Polícia Militar de S- Paulo, o Carnaval de 1980 bateu o record de

tranquilidade [!] com 92 assaltos e 29 assassinatos." 29, tão poucos! Parece ao periodista

um milagre.342

"Vinte assassinatos em fim de semana no Rio de Janeiro."343

"Em Curitiba,

cidade de 1.024.000 habitantes, houve, durante o ano de 1979, 1.250 mortes violentas,

quase quatro por dia."344

O Carnaval de 1981, no Recife, foi um dos mais tranquilos nos últimos cinco anos.

Tão só 12 homicídios e 6 mortes por acidente.345

"O Grande Rio viveu 24 horas violentíssimas desde o domingo à noite. Nada menos

335

- O Globo, 12-XI-70. 336

- Última Hora, 7-X-70. 337

- Jornal do Brasil, ll-XI-71. 338

- Última Hora, 3-II-76. 339

- O Globo, 2-1-77. 340

- O Globo, 23-11-77. 341

-Última Hora, 17-111-80. 342

- Jornal do Brasil, 20-11-80. 343

-Última Hora, 15-XII-80. 344

- Lar Católico, n.° 3.453 (27-1-80) 5. 345

- Jornal do Brasil, 4-III-81.

Page 123: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

123

que 16 crimes de morte foram praticados na Capital, Caxias e S. Gonçalo."346

Do ano retrasado, de 1983, dou tão-só uma mostra: o periódico O Dia, "o diário de

maior circulação no país", começa a crônica de acontecimentos com este título: "Onze

cadáveres" no assalto a várias residências por uma quadrilha em que figuravam também

duas mulheres. Seguem logo 15 títulos de outros tantos homicídios, vários deles de

espantosa ferocidade. Total, 11 mais 15, só 26 homicídios em um dia.347

E chegamos ao ano da graça de 1984, em que, já em janeiro, "o Rio teve 25

homicídios em 48 horas de violência".348

Já dissemos acima que a criminalidade aumenta dia-a-dia. Quem quer que deseje

formar uma ideia do clima de insegurança e de terror em que vive o povo pode dar uma

olhada em qualquer dos números do semanário Agora, que iniciou sua publicação em

1984. Tenho diante de mim o n.° 6 de 10 de agosto daquele ano. Já na página de rosto

inserta a fotografia da metade do corpo de um homem na via férrea, em que ao texto

correspondem os seguintes títulos: "Ele implorava antes de morrer, por amor de Deus, não

façam isso! Seus assassinos, mais monstros que homens, não lhe escutavam os rogos e o

amarraram aos trilhos da via férrea. O trem passou e deixou-o partido ao meio." Outro

título: "Degolador solto na rua. Cadáveres aparecem decapitados e com as mãos cortadas.

Horror. São Paulo imita Rio de Janeiro no macabro."349

Nos três primeiros meses do ano,

500 paulistas viram-se implicados em 10 linchamentos e em 15 tentativas de linchamento.

O último linchado, Osvaldo Pires, foi morto depois de uma votação de 100 moradores do

bairro. "Se eu tivesse que votar, afirmou a doméstica Maria das Graças Reis, votava outra

vez pela morte dele. Agora eu me sinto segura." Uma socióloga declarou que as causas

principais desses linchamentos correm por conta do "descrédito na eficácia da polícia e na

ação da Justiça. A impunidade dos criminosos é o maior exemplo da ineficácia da atuação

da Justiça".350

346

- Última Hora, 13-XII-81. 347

- O Dia, ll-XII-83. 348

- O Globo, 28-1-84. 349

- Agora!, I (10-VIII-84), 5-6. 350

- Ana Maria Tahan, Descrença nos poderes causa, mais linchamentos em São Paulo, in Jornal do Brasil, 8-IV-84.

Page 124: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

124

Matador de 15 fugiu da prisão. Além da participação em 15 assassinatos, faz parte

de um grupo de extermínio com mais de 100 homicídios. 351

Mais recente e muito triste é o

relatado pelo periodista Lenildo T. Pessoa: "Foi preso pela polícia um homem responsável

pelo estupro e pelo assassinato de quatro meninas, em Rio Claro, cidade a 100 quilômetros

do Rio de Janeiro. O autor desses crimes, um homem de 66 anos, havia praticado um delito

semelhante em 1953, violentando e matando uma menina de sete anos. Condenado a 20

anos de prisão, no quinto ano conseguira, por seu bom comportamento, deixar a cela e

trabalhar na prisão, havendo aproveitado a ocasião para fugir. Poucos anos depois

estuprava uma menina de 14 anos e assassinava um menino de 12, sendo condenado a

outros 30 anos de prisão. Faz três anos, quando cumpria pena na casa de detenção em São

Paulo, fora beneficiado pelo sistema do Albergue-domiciliar, indo terminar em Rio Claro,

onde estuprou e matou um menino de 11 anos, outro de 9, uma menina também de 9 e um

menino de 10 anos."352

Este é um exemplo de reincidência no crime, tão frequente nos réus

de alta criminalidade. Não será suficiente para impressionar qualquer abolicionista

inverterado?

O periódico Jornal do Brasil, sempre adversário obstinado da pena capital, sentiu-

se, por fim, estremecer ante a terrível situação de delinquência a que temos chegado. "O

Rio de Janeiro, dizia o periódico em um editorial, é hoje uma cidade paralisada pelo

medo, ante a violência urbana que a caracteriza. Novas formas de assalto aumentam as

formas da criminalidade... Os assaltos já não se contam por unidades residenciais, mas por

edifícios. Essa verticalização dos assaltos, a edifícios inteiros, é um ciclo que demonstra o

crescimento do crime, porém demonstra muito mais a inoperância a que foi reduzida a

estrutura policial, encarregada de defender a sociedade."353

Como se vê, o periódico,

fazendo gala de uma absoluta incoerência, em vez de exigir dos poderes públicos o reforço

dos dispositivos penais e o castigo adequado aos malfeitores, só lhe ocorre acusar de

inoperância a polícia. Não é justo. A polícia no Rio de Janeiro é ativa e o policiamento tão

abundante que hoje é mais fácil tropeçar com um policial que com uma pedra do caminho.

A proliferação do crime, aqui, não é culpa do policial que em geral é diligente e arrisca a

vida a toda hora, a culpa cabe à política criminal que, à base de uma legislação penal, essa

sim, inoperante e inócua, deixa via livre à delinquência. De pouco serve que a polícia

351

- O Dia, 18-IV-84. 352

- Lenildo Tabosa Pessoa, A pena máxima, Jornal da Tarde, 28-VI184. 353

- Jornal do Brasil, art: editorial, 28-VII-84.

Page 125: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

125

persiga e detenha os assassinos, se a Justiça ou "um ministro socialista", "libertador de

delinquentes", néscio, como o de Espanha, Ledesma, os deixa livres.

"Matou a tiros, da janela, o terrorista que já havia assassinado 30 pessoas."354

A 30

de agosto do ano passado, O Globo iniciava assim a página de acontecimentos: "Na

madrugada de ontem 7 homens, todos com menos de 30 anos, foram assassinados com

muitos tiros, nos bairros de Macacu e Maricá." Depois, '"A mãe enforca o filho de 30 anos

e não se arrepende". Seguem logo os relatos de outros vários crimes no mesmo dia.355

Em São Paulo, um chupa-tintas de nome Gilberto de Mello Kujawski, que, para

combater a pena de morte, só sabe usar expressões depreciativas para seus defensores,

como dentro do abolicionismo não há outra alternativa eficaz contra o crime, obsequia seus

leitores com esta descoroçoada estultice: "Temos que conviver com o crime, como temos

que conviver com a falta de segurança e a perspectiva da morte."356

Não, diria eu aos

responsáveis pela justiça e pela paz pública, não aceiteis nem imponhais a ninguém essas

convivências com o crime e a insegurança, mas, ao contrário, esforcemo-nos por devolver

e manter a paz e a segurança dos cidadãos.

Faz algum tempo, em 22-IX-84, o periódico O Povo brindavanos com esta triste

notícia: "Seis cadáveres crivados de balas, três dos quais com os olhos arrancados à faca,

nos bairros do Rio e Baixada." Segue a crónica negra e encerra-a esta anotação final:

"Marido mata a mulher com 24 punhaladas."357

Dois dias depois, assim começa outro

diário a crônica policial: "Bandido atirou e conseguiu matar o décimo quinto homem", e

descreve logo outros 21 crimes mais do mesmo dia.358

Faz poucos dias a televisão assim informava seus ouvintes: "Hoje foi um dia de

terror em São Paulo, que culminou com o assassinato de 32 pessoas e mais de 100 assaltos

à mão armada."

Quero recordar a meus leitores, para que formem uma idéia mais adequada da

criminalidade no Brasil, uma advertência que fiz mais acima: Reparem que a série de

crimes que relato se refere sempre a uma cidade determinada, não a todo o país, e que nas

outras cidades se cometem cada dia proporcionalmente os mesmos delitos.

354

- O Dia, 21-VIII-84. 355

- O Globo, 30-VIII-84. 356

- Jornal da Tarde, São Paulo, l-IX-84. 357

- O Povo, 22-IX-84. 358

- O Dia, 24-IX-84.

Page 126: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

126

Em 3-X-84, dia em que escrevi esta página, "o diário de maior circulação do país"

oferece-me em fotografia, na primeira página, a visão dantesca de um homem, atado ao

tronco de uma árvore, cheio de feridas e com a cabeça cortada. Ao lado as seguintes

palavras: "Violência assombra o Rio. Monstros à solta na madrugada." — Haverá todavia

capacidade de assombro? Estas cenas macabras são a sobremesa cotidiana dos cidadãos

cariocas. — "Monstros soltos na madrugada. Mulher em casa dominada por bandidos

enquanto não. chegava o companheiro. Trinta e duas perfurações à faca no corpo. Também

perdeu a língua e acabou enforcada. Quando o homem chegou, teve a barriga rasgada por

afiada lâmina. Criminosos cortaram a cabeça e até não se sabe onde a deixaram. Gritos de

madrugada e outro homem executado de maneira bárbara. Estaca cravada no coração, tal

como nos filmes de horror se faz com vampiros."359

Um parêntese. Damos por terminada esta amostra do crime no Brasil. Como logo

veremos, o número de assassinatos ascende a mais de cem mil em cada ano. No

Monumento aos Mortos na Segunda Guerra Mundial, situado na praia do Flamengo,

presta-se cada ano uma homenagem de "saudade" aos 648 brasileiros que perderam a

vida nos campos de batalha europeia, em mãos dos supostos inimigos. Será que os cem mil

sacrificados anualmente, em mãos de alguns malvados compatrícios, não merecerão

alguma recordação nostálgica? Meu voto é que se lhes ofereça um ato fúnebre cada ano, e

que nele se exorte, e se exija de todos, unir esforços e não perder meios para diminuir, ou

melhor, eliminar, se de todo for possível, a cifra dessa hecatombe dos cem mil

assassinatos.

Reflexionemos um pouco sobre a circunstância do Brasil — Inseri no começo deste

parágrafo vastos textos do Dr. Donnici e do Ministro Nelson Hungria em que ambos

coincidem na verificação de que o Brasil ostenta o maior índice de criminalidade do

mundo inteiro. As mostras que aleguei, tomadas ao azar de diversos anos, terão levado à

convicção plena dessa dolorosa e triste primazia no crime. Conviria, não obstante, para

bem apreciar e comprovar esta situação delituosa do país, dar uma ideia global do

conjunto, sem especificação de cidades ou regimes. Vamos tentá-lo, ressalvando uma

pequena dificuldade que se apresenta no caminho. As rubricas crime, delito ou

contravenção não figuram nos índices alfabéticos dos volumosos Anuários Estatísticos do

359

- O Dia, 3-X-84.

Page 127: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

127

Brasil, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.360

Do Rio de Janeiro,

sim, há várias estatísticas dos "Crimes e Contravenções", de diversos anos. Tenho também

em minha mão, do Rio de Janeiro, o ensaio "Violência e Contraviolência", do advogado e

Delegado de Polícia, Waldemar Gomes de Castro, que teve por incumbência especial a

repressão da violência no Rio de Janeiro. Em seu livro insere Gomes de Castro breves,

porém inestimáveis, estatísticas do crime no Grande Rio nos anos de 1978/1980.

A primeira coisa que impressiona é verificar o aumento de crimes nesses três anos.

Homicídios: 2.482 em 1978; 3.337 em 1979 e 4.783 em 1980.

Agora bem, carecendo, como disse, de uma estatística nacional do crime resolvi

fazer o cálculo proporcional, à base do Rio, onde temos os dados suficientes em Gomes de

Castro.361

Os dados estatísticos sobre habitantes tomo-os do "Almanaque Abril", que por

sua vez os transcreve dos censos de 1980 e 1981.362

Como, segundo dissemos acima, a criminalidade é sensivelmente a mesma em

todos os centros urbanos do país, é legítimo deduzir da do Rio de Janeiro a de toda a nação.

No município do Rio de Janeiro — antigo Distrito Federal — de 5.093.000

habitantes, cometeram-se, em 1980, 4.783 homicídios, o que dá um índice de

criminalidade de 93,91 por cada 100.000 habitantes. O Brasil tem 119.070.000 habitantes;

guardando a mesma proporção, correspondem-lhe 111.822 homicídios por ano.

Levando em consideração que nas zonas rurais não seja tão elevado o índice de

criminalidade, se tiramos 10.000 do total de 111.752 ainda nos ficam 101.752 homicídios

por ano e o índice de 93,91 por cada 100.000 habitantes".

Façamos agora uma operação comparativa entre o Brasil, abolicionista de fato,

desde mais de um século, a Inglaterra, até ontem, retencionista da pena capital, e Itália,

inveterado país abolicionista. Não se atribuam as diferenças da criminalidade à índole dos

povos, pois o inglês, que apresenta o menor índice de criminalidade, pouco tem de

sentimental e muito de duro e desumano. Recordem-se os extermínios de toda a população

360

- O Secretário de Segurança de São Paulo, Miguel Reale Júnior, queixava-se há pouco da carência de estatísticas da criminalidade no Brasil: "Qual a pesquisa realizada no Brasil sobre criminalidade que foi além de um levantamento de dados estatísticos? E até mesmo, quais as estatísticas recentes e bem elaborados que existem no Brasil sobre o fenômeno da criminalidade?" Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, X (Jan.-Abril 1980- 15). 361

- Waldemar iGomes de Castro, Violência e Contraviolência, Ensaio, Rio de Janeiro, 1981, p. 34-35. 362

- Almanaque Abril, edição 1984, Rio.

Page 128: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

128

de condados inteiros da Irlanda, só porque não quiseram abandonar sua fé católica; a

colonização da América do Norte sob o lema: "O índio bom é o índio morto"; da Nova

Zelândia e boa parte da Austrália, onde exterminaram também todos os nativos; e a guerra

dos Boers, da África do Sul, matando-os para apoderar-se de suas minas de ouro. Em

compensação, o brasileiro, com a máxima criminalidade, é o povo da "saudade", católico e

extremamente humano. O italiano apresenta em suas características muitos pontos de

analogia com o brasileiro.

Pois bem, na Inglaterra, nos 50 primeiros anos do século — 1900 a 1949 — houve

um total de 5.575 (com mais 1.647 suicídios) reclusos sob a acusação de homicídio, o que

dá uma média de 115,6 cada ano e um índice de 0,20 por cada 100.000 habitantes. Na

Itália, no mesmo espaço de tempo, houve 110.715 assassinatos, cada ano 2.214 e um índice

de 3,95. Damos estes dados em um quadro sinótico:

Quadro Comparativo363

Dados comparados Inglaterra Itália Brasil

Nº de Habitantes 55.750.000 56.200.000 111.093.000

Homicídios em 50 anos 5.780 110.715 —

Média Anual de Homicídios 115,6 2.214 101.752

Média Diária de Homicídios 0,31 6,05 278,96

Índice por 100 mil hab. 0,20 3,93 93,91

Execuções em 50 anos 632 — —

Média de Execuções por ano 12,64 — —

Observações sobre o diagrama: Quanto ao total de homicídios é preciso levar em

conta que o Brasil tem algo mais do dobro de habitantes dos outros e para manter a

proporcionalidade comparativa há que dividir por dois aquele total. O índice de

criminalidade independe do número de habitantes. Dou o número de execuções na

Inglaterra como exemplo da eficácia dissuasória da última pena, pois, com somente a

execução de mui reduzido número de malfeitores, logra a Inglaterra a quase eliminação do

homicídio. Talvez, se no Brasil se levassem ao patíbulo duas dezenas de desalmados,

salvaríamos a vida de mais de 100.000 inocentes.

363

- Royal Commision, On Capital Punishment, Report, p. 19 e Gomes de Castro, Violência e Contraviolência, 34-35.

Page 129: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

129

Bem quisera também incluir os Estados Unidos no diagrama comparativo, porém

são ali tais as diferenças de anos, estados e legislações penais que se resiste a todo intento

de unificação estatística.

Vimos já a espantosa diferença de criminalidade entre a Inglaterra retencionista e

dois países abolicionistas. A inferência, em favor da implantação da pena capital, é óbvia,

tão só não é visível para muitos governantes e abolicionistas, com frequência

comprometidos ou coniventes com a Revolução. Mas, se deveras desejam o bem-estar e

tranquilidade de seus povos, desenganem-se, e deem uma olhada aos outros povos em

diversas épocas.

A história não se inventa nem se nega, aceita-se em seu ser como ela é, mestra da

vida. "A história, dizia o Sr. Dom Quixote, é testemunha do passado, exemplo e aviso do

presente, e advertência do porvir."364

Qual é a advertência ou lição que a este respeito nos dá a história? Que em qualquer

tempo ou país, em circunstâncias caóticas ou de grave desprezo da vida alheia, sempre foi

suficiente uma voz enérgica, cominando a pena de morte aos transgressores, para deter a

mão criminosa ou a bomba incendiária e devolver ao povo a paz e a segurança tão

desejadas em toda sociedade. Considere-se também que a permissividade e a frequência do

homicídio pela ausência do castigo deseduca terrivelmente o povo, fazendo-o perder o

respeito sagrado pela vida alheia; bem como, pelo contrário, a gravidade das penas é

educativa, pois enfatiza com clareza quão grande é o valor — neste caso a vida — daquilo

que com tão duras ameaças se quer proteger.

À vista pois do triste panorama de criminalidade que o Brasil apresenta, que é,

sobre toda ponderação, espantoso e horripilante, com mais de 100.000 vítimas inocentes —

uma populosa cidade — sacrificadas cada ano, às vezes com requintada perversidade, nas

mãos de desalmados, que em geral circulam pelas ruas livres e impunes, à vista deste

panorama, repito, sinto-me impelido a requerer dos legisladores e governantes que

cumpram com seu dever, que é prioritariamente a tutela dos cidadãos, a luta incessante

para manter a tranquilidade e a segurança dos lugares e das pessoas, lançando mão de

todos os recursos e medidas que uma experiência secular provou eficazes. Também me

364

- Cervantes, Don Quijote, p. l.a, cap. IX.

Page 130: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

130

dirijo aos católicos ilustrados, aos clérigos e a alguns dignitários da Igreja,365

que se

deixaram seduzir por um falso sentimento e um errôneo conceito do perdão e da autêntica

caridade, para que avivem seus sentimentos de amor e compaixão evangélica por tão

crescido número de sofredores e vítimas inocentes e para que alcancem e exijam dos

poderes públicos o exercício e realização da justiça, que é virtude cardeal, agradável a

Deus, princípio e fundamento da grandeza dos povos.

EPÍLOGO

O Direito, ou melhor, a Ordem Jurídica é constituída pelo conjunto de relações que

ligam os homens em sua convivência, derivadas da lei moral e subordinadas a uma norma

objetiva. O Direito pressupõe sempre duplicidade de sujeitos, entre os quais se estabelece

a relação jurídica: sujeitos de direito e sujeitos de dever jurídico.

Como as leis jurídicas são de ordem moral, não física, o homem, abusando de seu

livre arbítrio, pode perturbar essa ordem. Daí se segue a necessidade de que haja uma

autoridade que a proteja. Quando o homem procede em conformidade com aquela norma

365

- Apesar das perturbações doutrinárias, ocasionadas pelo progressismo pós-conciliar, que induziram alguns mais a perder o genuíno sentido cristão da pena e enveredar pelo abolicionismo irrestrito, a maioria do episcopado brasileiro mantém-se na autêntica doutrina católica sobre a última pena, assim exposta há anos. pelo ilustre Cardeal Rossi: "O Cardeal Agnelo Rossi, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, manifestou-se favoravelmente à aplicação da pena de morte. O Palácio Pio XII (residência do Cardeal) distribuiu uma nota por ele firmada, do teor seguinte: "A vida é um dom de Deus e deve ser preservada pelo indivíduo e protegida pela sociedade. Ao Estado compete impor a pena capital, condenando o responsável por danos graves contra os bens supremos da pessoa humana ou da sociedade. Declarou Pio XII em setembro de 1952: Privar o condenado do bem da vida, pela expiação de seu crime, depois que ele mesmo se fez indigno do direito à vida, está reservado à Autoridade Pública. A moral católica reconhece esse direito do Estado, desde que o crime haja sido provado claramente e se verifique a necessidade de penalidade tão grave, e, como ensina Sto. Tomás, também para escarmento, para infundir temor do castigo. Em resumo, ao Estado e só ao Estado compete o direito de ditar e executar sentença de morte, para o castigo de graves crimes, e esse direito é exatamente o reconhecimento da intangibilidade dos bens supremos humanos, especialmente da vida" (Ap. semanário A Cruz do Rio de Janeiro, 14-XI-69). O Cardeal Rossi era, na época, Arcebispo de São Paulo e Presidente da Conferência dos Bispos. A diretiva atual da CNBB derivou francamente, pelos derroteiros do progressismo, já não mantém essa integridade da doutrina católica, gravita em torno do abolicionismo e é notoriamente vítima da "Teologia da Libertação". Que Deus abra os olhos de Mons. Lorscheiter & Cia. Esses são meus votos.

Page 131: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

131

moral objetiva que regula a convivência citadina, observa a ordem; porém, quando em seu

comportamento vulnera aquela norma, delinqüe.

Ao Poder Público compete a tutela da Ordem Jurídica, função que reveste duas

formas de atuação diferentes, ainda que coincidentes no mesmo fim: Prevenção dos atos

perturbadores da ordem, e Repressão desses atos quando se cometem.

A prevenção precede ao crime, pois, como a mesma palavra indica, sua ação tende

a evitar que aquele chegue a cometer-se. A repressão sucede ao crime e tende a

restabelecer a ordem perturbada e ao mesmo tempo exerce efeito preventivo por razão das

sanções com antecedência cominadas.

Do referido infere-se que as medidas preventivas, como não pressupõem o crime,

mas tendem a evitá-lo, não pertencem a rigor ao direito penal ou ao criminal. Elas são

objeto específico de outras disciplinas: Política Criminal, Política Penal, Medidas de

Segurança, Psiquiatria Penal etc. Objeto do Direito Penal é a repressão, o castigo do crime

em todas as suas formas, uma vez cometido.

Fiz estas apreciações prévias porque, hoje em dia, com grave detrimento de uma

autêntica e eficaz repressão da criminalidade, muitos abolicionistas de tal modo misturam

esses conceitos de prevenção e repressão que, em vez desta, tudo é levado às medidas de

prevenção e segurança. Outorgam particular ênfase às causas geradoras da delinquência e

descuidam-se da adequada repressão dos delinquentes.

Não permaneceu de todo impassível o Governo do Brasil ao ruidoso clamor da

multidão que, à vista da sempre crescente criminalidade, demanda dos poderes públicos

urgente remédio. O Ministro da Justiça nomeou um grupo de peritos em Direito Penal, para

estudar a situação e propor remédios válidos. O presidente deste grupo, Prof. J.B. Vianna

de Moraes, solicitou do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que lhe

enviasse "sugestões de medidas a ser tomadas para o combate à criminalidade violenta no

Brasil".366

O resultado, como se verá, não poderia ser mais desconcertante. Melhor houvera

feito o Ministro pedindo sugestões à Magistratura do país, e não à Ordem dos Advogados,

entre os quais se encontra o maior número de abolicionistas apaixonados.

O Conselheiro Miguel Reale Júnior foi designado como relator das sugestões que o

Conselho Federal propõe ao Ministro da Justiça. Entre essas sugestões não se encontra nem

uma só referente à repressão do crime; tão só divagações e enumeração dos elementos

366

- Ap. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, X, (jan.-abril, 1980) 9.

Page 132: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

132

criminógenos, com mais algumas medidas de prevenção criminal. Dito conselheiro, Reale,

que já foi Secretário de Segurança de S. Paulo, é, ainda que sem base alguma científica,

abolicionista declarado. A um periodista que o interrogou acerca de sua opinião sobre a

pena de morte, deu uma resposta oca e altissonante: "Um castigo absoluto deveria

pressupor responsabilidade absoluta, o que é impossível."367

Palavras, palavras, palavras...

Como vimos acima, o número de homicídios, em só três anos, duplicou, segundo os

dados de Gomes de Castro, porém isso não assusta esse sr. conselheiro nem os outros do

grupo: "A criminalidade, escreve, não aumentou assustadoramente de cinco anos a esta

parte."368

Por esta razão não lhe ocorrem sugestões repressivas, para tão "exígua"

criminalidade comum. Algo, não obstante, preocupa a Reale e a seus colegas do Conselho

Federal, que "merece especial atenção". "É a questão da violência policial", pois "não se

pode isolar o fenômeno da violência praticada pelos delinquentes da praticada pela

polícia". Outro conselheiro vai mais longe e solta-nos esta: "Pior que a violência do

assassino é a violência do policial."369

Que insensatez! Pôr em comparação a violência

criminal com a violência que o agente da ordem pública exerce em defesa dos cidadãos. E

pensar que isto vem de homens com o apelativo de "juristas"! Algum dos conselheiros faz

referência ao "Esquadrão da Morte", que, segundo a imprensa, esteve formado por alguns

policiais e eliminou certo grupo de bandidos, criminosos reincidentes várias vezes e que

eram o terror da população. Já disse em páginas anteriores que era o Governo e esses

"juristas" os que deveriam providenciar o castigo dos grandes malfeitores, para evitar que

em defesa da sociedade e em justa autodefesa se constituam esses grupos justiceiros,

sucedâneos da justiça estatal, tão imperfeitos e perigosos, mas que não podemos acusar

com excessiva acrimônia, já que eles, com a tácita anuência do povo, que é quem vive sob

o temor do banditismo, vêm limpar o campo das feras daninhas que o infestam. Esses

"juristas", em vez de censurar a polícia, devem penitenciar-se a si próprios, por haverem-se

sempre oposto grosseiramente a que o Estado inflija a pena capital e lance mão de severo

rigor penitenciário afim de eliminar de vez todos os elementos irrecuperáveis que devastam

cidades e aldeias, semeando a insegurança e o espanto na população.

De minha parte, pelo conhecimento que, com largos anos no Brasil, adquiri, sei

dizer que aqui, a polícia, com os defeitos inerentes a toda instituição humana e em

367

- Vid. Visão, 16-IV-84, n.° 16. 368

- Ap. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, cit., p. 12. 369

- Ibidem, p. 17.

Page 133: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

133

qualquer país, é sumamente diligente e mui sacrificada. Digam-no se não, os muitos

policiais que morrem em sua missão cada dia, defendendo-nos dos incessantes roubos e

assaltos a residências, veículos etc. Isto não levam em conta estes conselheiros. Note-se,

ademais, que o Brasil é talvez o país onde à polícia se presta o menor amparo legal em sua

atuação, e se lhe dá retribuição mais exígua. Essas acusações e queixas da polícia são

flagrantes injustiças contra ela.

Temos pois que à demanda do Ministro da Justiça para que lhe sugerissem meios

para reprimir e combater a criminalidade violenta, o Conselho Federal dos Advogados, por

meio de uma comissão, limita-se a expor algumas causas da criminalidade e insiste sempre

—isto é tópico comum dos abolicionistas — em incriminar a sociedade, como responsável

e fautora de criminosos: "A sociedade, dizem, é injusta, não educa, não cuida do menor,

mantém desigualdades sociais, não instrui, não oferece assistência médica, conserva uma

má distribuição da renda, não dá trabalho a todos etc. Por tudo isto, não assiste à sociedade

o direito de infligir qualquer pena", o que alguns expressam com frase categórica: "A

sociedade não pode castigar aquilo de que ela mesma é autora."370

À força de repetir, estes

conceitos fizeram-se comuns no povo, porém não passam de afirmações gratuitas e falsas,

próprias sobretudo de quem nega ou subestima o livre arbítrio humano.

Sem negar que o ambiente favorece a proliferação do crime, é preciso deixar claro

que a raiz deste não está nas deficiências da sociedade, senão na índole e no livre arbítrio

de cada indivíduo. Para prova disto, vou alegar tão-só três exemplos bíblicos entre outros;

muitos: a) Caim e Abel tinham os mesmos pais, o mesmo ambiente familiar, a mesma

escola e um saiu fratricida enquanto o outro era piedoso e temente a Deus. b) Vários filhos

teve o Rei Davi, conviveram na mesma família e receberam a mesma educação, e um

deles, Absalão, revelou-se contra o pai e ocasionou graves males e mortes em Israel, c)

Doze eram os Discípulos no Colégio Apostólico, levaram a mesma vida comunitária

durante três anos e tiveram o magistério contínuo do Mestre Divino e, não obstante, um

deles, Judas, tornou-se "filho da perdição" e vendeu Jesus por 30 dinheiros. Mas, para que

370

- “Hoje está bem visto, diz Vizcaíno Casas, botar a culpa dos delitos cometidos pelo processado, na sociedade". E logo, com ironia, fingindo encontrar-se no juízo oral de um assassino, põe na boca do advogado defensor estas palavras: ‘Mas meditemos. É verdadeiramente ele o único responsável? (Por acaso não o somos, tanto ou mais, todos nós, os integrantes de uma sociedade que acusa, que incita, que perverte...?’” Fernando Vizcaíno Casas, El revés ãdel Dereeho, Barcelona, 1981, p. 146.

Page 134: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

134

continuar? Casos análogos podemos observar a cada hora; ao redor de nós em nosso viver

cotidiano.

Deixando de lado o positivismo e a escola sociológica lombrosiana, cuja

antropologia errônea os induz a conceitos muito falsos sobre a gênese do delito e do

delinquente, digo que para ter um criminoso é suficiente que haja um homem consciente e

livre que, em qualquer circunstância, movido por ambições, avareza — como Judas —

inveja — como Caim — ou outras paixões, a elas sucumbe e cai no crime, sem que seja

preciso apelar para outros fatores. Na concupiscência da carne, na concupiscência dos

olhos e na soberba: da vida, e não na sociedade, é onde há que buscar-se, em geral, a

motivação e causas da criminalidade.

Não quero, com o dito, desestimar o valor imenso que, na diminuição da

criminalidade, tem uma boa educação na família, o são ambiente escolar, a justa

estruturação da sociedade, um rádio e uma TV sãos e educativos — não destrutores e

corruptores — com outras medidas preventivas, e de modo especial, uma sólida formação

religiosa. Tudo isto, repito, é excelente, e junto com a sanção aos infratores da ordem,

reduziria ao mínimo a criminalidade. Ao Estado incumbe impulsionar essas medidas de

todos os modos possíveis.

É de notar, contudo, que tudo isso não passa de prevenção do crime e é de efeito

permanente e a longo prazo, ao passo que, em presença dos delitos cometidos, ou que de

fato se estão cometendo, o que o Ministro da Justiça solicitava, e o que a sociedade

reclama do Poder Público, é a repressão eficaz dos crimes que agora, neste instante, a

oprimem e aterrorizam. Não olvidem os juristas que o conceito de justiça é de lei natural e

se mantém latente na alma dos povos, os quais consideram a pena de morte, do que

dolosamente outro mata, como sanção que faz recair a lei sobre a cabeça do que livre e

conscientemente se faz responsável de tão grave delito.

De tudo que deixamos escrito infere-se obviamente que o objeto de nosso estudo

não é o da prevenção do delito, senão o da repressão, embora na repressão se ache

também, implicitamente, a prevenção, porque, se como afirma e com verdade o filósofo

Sortais, "a criminalidade está em geral em razão inversa da severidade e da constante

aplicação das leis",371

logicamente se infere que é o castigo o que exerce a prevenção dos

371

- Gaston Sortais, Traité de Philosophie, Paris, s.d., I, p. 753.

Page 135: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

135

delitos. Já dizia o poeta latino Plauto: "Oderunt pecare mali formidine poenae" — Os

perversos fogem de fazer o mal por medo do castigo.

Meu propósito nestas páginas foi o de chamar a atenção dos Poderes Públicos e da

sociedade em geral sobre a urgente necessidade de reforçar, tornar mais rigorosa a função

repressiva do Estado, afim de conter a gravíssima crise social que, com o transbordamento

da criminalidade, ameaça acabar com toda nossa civilização cristã.

Assim como Kõstler, de braço dado com Camus e secundados por outros muitos,

defendem a abolição da pena capital, como meio para alcançar "o triunfo da Revolução

mundial", eu, no pólo oposto e no que alcancem minhas forças, propugno a adoção da pena

máxima nas nações, a fim de neutralizar a ação corrosiva e demolidora dos elementos

inimigos da ordem social, e com isso ajudar a derrota da Revolução mundial, nihilista e

anticristã, que desde o século XVIII vem dando fortes aldravadas nas portas das nações

cristãs do ocidente.

Thomas Wúrtemberger, nada suspeito aos abolicionistas, assim vê a situação

presente: "Rara vez a opinião pública se interessou tanto pelo fenômeno do crime como em

nossos dias. O aterrador aumento de atos criminosos, a crescente desmoralização da

juventude, a desintegração das inibições morais em amplos círculos e outras manifestações

do tempo abriram, na atualidade muitos olhos para os gravíssimos perigos que se abrem

sobre nossa civilização."372

Análogo ao de Wúrtemberger, ainda que mais matizado com

relação à delinquência, é o diagnóstico do ensaísta brasileiro I. de Prado: "Um sentimento

de decadência atravessa a Europa e ainda os Estados Unidos, em ondas sucessivas de

desalento e de ceticismo. . . A perda de autoridade, a capitulação ante o terrorismo e a

desordem são os sintomas da decadência em meio da abundância e do progresso técnico. O

que ameaça a Europa liberal — e podemos estender a comprovação à nossa área americana

— não é tanto o excesso na repressão quanto a brandura no castigo. A simpatia para com

os delinquentes, que se transformam em heróis da imprensa, a redução das sanções, o álibi

ou a coartada que protege os criminosos, à custa de denúncias contra a sociedade, uma

maior dose de comiseração do assassino que de sua vítima, são outros tantos sintomas da

crescente anarquia, que já na Itália alcançou níveis de descalabro."373

No mesmo sentido

que Prado dizia anos antes Junco: "Gomo não hão de multiplicar-se os crimes se o

372

- Thomas Wiirtemberger, Próblems of Present-day Criminology, in Law and State, Tubingen, 1970, I, p. 76. 373

- Ismael de Prado, Sociologia da Decadência, in Jornal do Brasil, 26-XI-77.

Page 136: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

136

criminoso tem uma inundada perspectiva de publicidade e de brandura?"374

O insigne

penalista e mestre de penalistas J. Montes corrobora essas censuras ao proceder de nossa

época: "Graças à difusão das doutrinas chamadas humanitárias, cuja defesa é imposta pelo

bom tom, e ao espírito que sói animar os congressos penitenciários, pôs-se todo o empenho

possível em fazer suportáveis as penas, em proporcionar ao réu um asilo, uma estância

relativamente agradável, tão agradável, que em muitos casos a pena se converta em prémio

concedido ao crime."375

E bem. Que fazer nesta situação? Cruzar os braços? Não, nada de inércia. Pelo

amor que devemos aos inocentes e ao bem social, não abandonaremos o campo aos

abolicionistas. Ainda vendo como alguns, entre os católicos, olvidam a sã doutrina, em

favor da Revolução, nem por isso nos deixemos levar por um estéril derrotismo.

Referindo-se Menendez y Pelayo aos anos em que, reinando Henrique IV, os

ladrões e os bandidos infestavam os campos de Castela e "uma espantosa anarquia moral e

um profundo envilecimento político tudo invadia", diz o grande mestre que esse período de

nossa história está cheio de "altíssimos e amargos ensinamentos, que desgraçadamente não

envelheceram, porém no meio de sua amargura tem a vantagem de recordar-nos que Deus

fez sanáveis os povos, e que basta em certas ocasiões uma vontade robusta e inteira para

levantá-los do pó da degradação até o cume da glória".376

Com efeito, bastou a atitude

enérgica de uma grande Rainha para dar fim ao banditismo e devolver a tranquilidade ao

povo.

Por isso digo que é preciso, para fazer oposição às campanhas abolicionistas, atuar,

repetir em todos os tons, até que os mais surdos o ouçam que a pena capital é o meio mais

eficaz, e com freqüência o único, para pôr fim a qualquer situação grave de criminalidade;

desmentir sempre e com ênfase as afirmações gratuitas e falsas, tão gratas aos

abolicionistas, que a pena de morte carece de exemplaridade, não intimida nem tem valor

algum dissuasório do crime.

Pela altíssima e inegável autoridade que tem, transcrevo aqui uni texto de Sir James

F. Stephen, clássico na Inglaterra, que a Comissão Real faz seu e insere nos começos de

seu Report sobre a pena de morte: "Nenhum outro castigo tem tanto poder dissuasório do

374

- Alfonso Junco, Cosas que arden, México, ed. Jus, 1947, p. 315. 375

- Jerônimo Montes, Derecho Penal espanol, Escoriai, 2.a ed., 1929, I, p. 104. 376

- Menendez y Pelayo, Estúdios y discursos de crítica histórica y literária, Ed. Nacional das Obras, Santander, 1942, VII, 227.

Page 137: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

137

cometimento de crimes como o da pena de morte. Esta é uma daquelas proposições difíceis

de demonstrar porque são mais evidentes que as provas que delas se queiram dar. É

possível desenvolver muito engenho arguindo contra elas, porém daí não se passa, porque

a experiência de toda a humanidade vai em direção oposta. A ameaça de uma execução

sumária é a única de que se lança mão quando há necessidade absoluta de obter um

resultado. Ninguém, se não é compulsoriamente, enfrenta uma morte certa. Olhemos a

coisa por outro lado. Haver-se-á dado, porventura, algum caso de algum criminoso que,

sendo condenado e levado ao patíbulo, recusasse aceitar a comutação de sua sentença pela

mais severa pena secundária? Seguramente que não. E isso, por quê? Só pode ser por

aquilo de que "tudo que o homem tem, da-lo-á por sua vida". Em qualquer castigo

secundário, por terrível que seja, fica a esperança; porém a morte é a morte; seu terror não

pode ser mais energicamente descrito."377

Não creio que haja ninguém, por mediana que seja sua sinceridade, que ouse negar

a exatidão dessas ponderações de Sir James Stephen. Creio que a comprovação desses

assertos era o que induziu Goethe a proferir sua famosa expressão: "Difícil será abolir a

pena de morte, porém, se tal acontecer, voltaríamos de quando em vez a reclamar-lhe o

restabelecimento — Geschieht es so rufen wir sie gelegentlich wieder zurãck."378

Claro está que o estabelecimento legal da pena é o primeiro passo na luta contra o

crime. Mas, será suficiente, sem mais, a inclusão da pena nos textos legais? De nenhum

modo. São muitos os países em que a pena de morte figura nos Códigos Penais, porém em

vão, porque não se aplica nunca, ou sua aplicação é tão rara e através de processos tão

embaraçosos e lentos, que tiram todo poder intimidativo à pena.

Para nosso intento, é muito importante dar algum esclarecimento sobre este

fenômeno da ineficácia da pena máxima em muitos países que a têm em sua legislação,

porque não deixa isso de ser surpreendente e bem aproveitado pelos abolicionistas, que não

se cansam de repetir que, países em que está vigente a pena de morte, nem por isso sua

criminalidade é decrescente.

Alega-se sempre o exemplo dos Estados Unidos. Com efeito, ali na quase totalidade

dos Estados está estabelecida a pena de morte e, apesar disto, o índice de criminalidade é

pavoroso, um tanto superior ao da própria Itália, que é o mais elevado da Europa.

377

- Royal Commission on Capital Punishment, 1949-1953, Londres, 1953, p. 19. 378

- Ap. Gustav Ermecke, Zur ethischen Begrundung der Todesstrafe Heute, Paderborn, 1963, p. 13.

Page 138: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

138

O porque da ineficácia da pena capital nos Estados Unidos requer por sua

importância alguma mais minuciosa explicação. É notório entre os peritos em direito

comparado que as leis processuais nos Estados Unidos são arcaicas e adoecem de graves

defeitos em seu funcionamento. Nas causas criminais, os advogados defensores encontram

mil expedientes para interpor recursos, apelações, coartadas e outras chicanas processuais,

com que prolongam indefinidamente a substanciação e a sentença, quando não a impedem

de todo.

Valha por todos um só exemplo de embaraços processuais. O caso do "Bandido da

lanterna vermelha", Caryl Chessman, que ainda está na memória de muita gente.

Chessman, diversas vezes preso por delitos menores e libertado, foi por fim encarcerado

sob a acusação de 17 delitos graves, e no ano seguinte, 1948, condenado à morte. Tanto ele

como seus advogados interpuseram uma infinidade de recursos, que deram lugar a

sucessivas prorrogações da execução, e lograram levar o caso até a Corte Suprema. Esta,

finalmente, confirmou a sentença do tribunal da Califórnia, havendo-se passado 11 anos

desde a primeira sentença até sua execução na cadeira elétrica.

Mas não é só a lentidão processual, senão também o fato de que a imensa maioria

dos réus não chega a ser castigada. Vejamos alguns dados concretos. O Prof. Catton da

Universidade de Stanford fez um estudo pormenorizado dos diferentes crimes de

homicídio em 1938, e chegou à conclusão de que somente havia recebido castigo 1,8 dos

homicidas, e termina assim: "Dos cálculos resulta que 99% dos 7.500 homicidas deste ano

se livraram da pena capital."379

O Dr. Th. Sellin, muito conhecido estudioso da

criminalidade, verifica que em 1930 houve uns 10.000 homicídios, de cujos autores "tão só

155 foram sancionados com a morte", e ele mesmo conclui que a pena de morte, "pela

raridade de sua execução" não provou ser dissuasória.380

"Em 1940 houve nos Estados Unidos 8.208 homicídios e somente 121 execuções de

réus."381

Em algum caso a não execução dos assassinos produz hilaridade: O Estado de

South Dakota não pôde levar ninguém ao suplício "por falta de recursos materiais para

construir a cadeira da execução".382

379

- Joseph Catton, Behind the Scenes of Murder, Nova Iorque, 1940, p. 34. 380

- Thorston Sellin, Common sense and the Death Penalty, in Prison Journal, out. 1932, p. 12. 381

- Ap. Evening Bulletin, 12-11-192. 382

- Harry E. Barnes and Negley K. Tecters, New Horizons in Criminology, Nova Iorque, 1944, p. 425.

Page 139: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

139

Como é fácil inferir destes dados, tomados de autores abolicionistas, a pena torna-

se inócua, pois enquanto na Inglaterra de cada 12 homicidas um foi ao cadafalso,383

nos

Estados Unidos só um de cada cem é executado. É lógico que esta raridade de execuções

mantenha, em cada possível assassino, a esperança de ver-se livre e que assim a ameaça da

pena de morte careça de força dissuasiva.

Assim, pois, tudo que fica dito nas páginas deste livro quero sintetizar neste breve

enunciado:

A PENA DE MORTE E O CASTIGO MAIS ENÉRGICO E EFICAZ DE

QUE UM GOVERNO PODE LANÇAR MÃO, EM SUA LUTA CONTRA O

CRIME, PARA A CONSERVAÇÃO DA ORDEM E A DEFESA DA SOCIEDADE,

SEMPRE E QUANDO SUA APLICAÇÃO SEJA RÁPIDA E INFALÍVEL.

Duas são, pois, as condições para a eficácia do castigo: rapidez e certeza de sua

aplicação.

O papelório, a multiplicação de trâmites e recursos, e outras mil complicações e

ninharias dilatam, em quase toda parte, a administração da justiça, fazendo-a extremamente

lenta. São hoje maioria os países onde a própria Magistratura se queixa dessa lentidão na

administração, e clama pela necessidade de agilizá-la e dinamizá-la. E note-se, que é

sobretudo na luta contra a delinquência, onde a não ser rápida a justiça perde de sua

eficácia.

Mais importante, não obstante, é a certeza, ou diríamos, infalibilidade da sanção.

Conceição Arenal dizia que a pena de morte sem a infalibilidade de sua aplicação não

exercia efeito intimidativo. E dos notáveis criminalistas ianques Barnes e Teeters é a

seguinte afirmação terminante: "É absolutamente certo que para um criminoso tem mais

força dissuasiva do crime uma pena leve porém absolutamente certa, que uma muito

severa porém com probabilidade remota de ser aplicada."384

Não quero com isto insinuar que a administração da justiça deva proceder de modo

precipitado e pouco reflexivo, com evidente perigo de errar, pois atuações em que está em

jogo a justa sanção dos delitos e a vida mesma de um homem, têm que revestir-se sempre

de extrema delicadeza, ponderação e cautela. Mas é preciso também que essa

383

- Report da Royal Commission, p. 19. 384

- Harry E. Barnes & Negley K. Teeters, New Horizon in Criminology, N. Iorque, 1944, p. 429-430.

Page 140: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

140

circunspecção não paralise demasiado a ação, deixando sem efeito a exemplaridade do

castigo.

Em todo caso, a experiência prova de modo iniludível o valor exemplar que as duas

condições de rapidez e certeza têm para a eficácia das sanções penais.

Em outro capítulo inserimos o Decreto-Lei de Primo de Rivera para a repressão da

praga do pistoleirismo em Barcelona e vimos como sua aplicação foi de eficácia absoluta

para dar conta daquela terrível situação da Catalunha. Os juízos sumários, seguidos da

execução imediata, são sempre, como naquela circunstância, remédio infalível nas

emergências de graves perturbações. Não digo que esse seja o modo conveniente para

administrar justiça em tempos e situações de normalidade. Mas, o que sim afirmo, é que

em qualquer país, quando a situação criminal alcança níveis de extrema gravidade, como

hoje acontece na Itália e mais ainda no Brasil, onde, pelo menor pretexto, por um "por dá

cá aquela palha", como se diz, ou "não me tires o sol", se assassina uma pessoa, e onde, a

força de ver cada dia na imprensa e na televisão crimes arrepiantes, a sensibilidade do

público atenua-se e diminui e vai perdendo aquele vivo sentimento da dignidade da vida

humana e de quanto é terrível o assassinato de um homem, criado à imagem e semelhança

de Deus; em tais condições, digo, somente o sistema de juízo e execução sumária dos

assassinos, posto em prática de maneira inflexível e constante por algum tempo, que

seguramente durará poucos anos, será suficiente para mudar de todo a situação de

criminalidade.

Se isto se leva a efeito, a poucos meses de implantar essa forma de castigo e logo

que houver executado exíguo número de bandidos, será de ver a grande mudança operada e

a indizível satisfação do povo. Agora sim! Que bom! Já podemos andar tranquilos pela rua

e entregarmo-nos ao sonho sossegados! E o que é mais importante, já se haverão salvado

da morte muitos milhares de inocentes que na anterior situação houveram perecido!

Como chave de ouro deste Estudo quero aduzir o testemunho de exceção do insigne

fundador da Filosofia do Direito Penal, o zamorano Alfonso de Castro:385

"Se por nenhuma causa é ilícito condenar à morte um criminoso, nenhum Estado

pode subsistir seguro."

"Porque se não se der morte aos grandes criminosos — sceleratissimi — nenhuma

tranquilidade haveria na sociedade nem poderia subsistir a paz na mesma. Os homens

385

- Alfonso de Castro, De justa haereticorum punitione, L. II, cap. 13. Cfr. Marcelino Rodriguez Molinero, Origen espanol de la ciência del Derecho Penal, Madrid, Ed. Cisneros, 1959, p. 308 e s.

Page 141: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

141

perversos afligiriam com tanto mais libertinagem aos bons, quanto com maior certeza

soubessem que por nenhum crime poderiam ser condenados à morte. Se nunca fosse lícito

ao Poder Supremo do Estado decretar a pena de morte, a terra encher-se-ia de ladrões e

raptores e o mar de piratas, não havendo nada seguro, caso em que os homens seriam,

segundo o profeta Habacuc, como peixes do mar, dos quais os maiores devoram os

menores".

"Por conseguinte, para que exista a devida calma, segurança e tranquilidade social,

é necessário que todos os grandes criminosos sejam executados, sobretudo aqueles de

quem não há nenhuma esperança de emenda, afim de que, por sua causa, não se derrube a

República."

Isto, escrito há mais de trezentos anos, tem hoje pleníssima atualidade.

Apêndice I

SANTO AGOSTINHO E A PENA CAPITAL

Lendo no número 354 (junho de 1975) de Arbor o artigo do P.N. Blázquez, O.P.,

"Santo Agostinho contra a pena de morte", surpreendeu-me a forma pouco matizada e o

tom categórico de várias afirmações que não se conciliam com a verdade objetiva do

pensamento agostiniano.

Vejamos algumas dessas afirmações: "Ainda quando a pena de morte esteja

prevista na lei, na prática não deve aplicar-se jamais." Santo Agostinho convidava os

Este trabalho é a reprodução de um artigo sob o mesmo título publicado na REVISTA DE ESTÚDIOS POLÍTICOS (Madrid, N.°s 208-209, julho-outubro de 1976) refutando as falsidades e interpretações arbitrárias e errôneas do pensamento agostiniano, vertidas pelo P.N. Blázquez, na revista ARBOR de Madrid.

Page 142: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

142

magistrados sem nenhum escrúpulo de consciência a boicotar a lei vigente, que previa a

pena de morte. "Existe unanimidade absoluta em reconhecer que, de fato, ou seja, na

prática, Santo Agostinho opôs-se sempre à pena de morte, ainda nos casos mais extremos

de delinquência." "Santo Agostinho de fato negou expressamente a eticidade da pena de

morte e indiretamente a negou também de Direito."

Blázquez é veemente adversário da pena de morte, de cuja adoção pelos povos fala

com extrema dureza e busca a causa de sua implantação no mais estranho fundamento: "os

homens, diz, perdem com frequência a razão, desertam da natureza e instalam-se

maquiavelicamente no poder e então a história volve-se ladinamente caprichosa contra a

vida". E ele, confundindo a ordem da caridade com a ordem da justiça, diz que no ocidente

cristão se deveu sua aceitação ao desvio da "mensagem do Sermão da Montanha para o

jurídico e clássico paganismo romano até nossos dias" (!). Nessa linha lamenta "que a vida

humana apenas encontra defesa".

Será que se defende melhor a vida humana salvando a dos grandes malfeitores e

deixando assim que pela brandura do castigo proliferem os crimes mais horrendos,

destrutores da paz e convivência sociais, como o da bomba na rua do Correio, de Madri; o

assassinato vil e traidor dos agentes e defensores da ordem pública; os magnicídios, que

com frequência carreiam funestas consequências para todo um povo; os explosivos em

trens ou aviões de passageiros etc? Não será mais humano e mais cristão, de acordo com os

ensinamentos da Igreja em todos os tempos, desde São Paulo até hoje, aplicar, para tutela

dos inocentes e da paz social, a pena de morte, única punição que para delinquentes

desalmados, vítimas já de uma insensibilidade moral completa, tem poder suficiente

intimidativo e eficácia dissuasória do crime?

O P. Blázquez, levado por seus preconceitos abolicionistas, pretende encaixar, velis

nolis, o grande doutor de Hipona entre os opositores incondicionados da pena capital.

A exposição e exegese do pensamento agostiniano sobre múltiplas questões

filosóficas e teológicas foi sempre objeto de vivas discussões, o que não é de estranhar

dados o ingente volume de seus escritos e a dimensão cronológica de sua redação, durante

quarenta e seis largos anos, o que fez inevitável a evolução de seu pensamento e a correção

de algumas de suas ideias, condicionadas pelas vicissitudes históricas de tão largo espaço

de tempo, como ele mesmo confessou nas Retratações.

Tudo isto nos obriga a ser cautelosos na exposição de suas ideias. O grande

historiador da Igreja, cardeal Hergenroeter, dizia a este respeito: "Poucos entre seus

Page 143: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

143

contemporâneos, e poucos sábios na sucessão dos séculos, alcançaram perfeitamente em

toda sua extensão o profundo sentido da doutrina de Santo Agostinho. O mesmo ocorreu

com São Paulo; amigos e adversários interpretaram seus princípios, entenderam-nos nos

sentidos mais opostos e utilizaram-nos em apoio de suas opiniões com ajuda de alguns

textos isolados, desprezando outros."386

O problema da punibilidade dos hereges e malfeitores foi um dos que atormentaram

a vida de Santo Agostinho e o induziram, no correr dos anos, a adotar soluções

contraditórias.

O sapientíssimo agostiniano, P. Jerônimo Montes, resume corrr precisão o caso do

santo doutor: "Ofuscado talvez durante algum tempo por seu magnânimo coração e sua

caridade sem limites para, com os extraviados, opinou que não deviam empregar-se meios

coercitivos contra os hereges. Mas uma reflexão mais detida das coisas: ou uma mais larga

experiência da realidade fizeram-no mudar de opinião."387

De forma análoga a Montes vê

o mesmo caso Combès, outro estudioso da doutrina penal de Santo Agostinho: Começa o

santo por reconhecer que, dada a legislação vigente, o juiz não pode ser vituperado por

fazer aplicação da pena capital, pois ainda que fosse: pessoalmente oposto a ela e desejasse

que os castigos não passassem de açoites, multas ou prisão, como "a lei, conservadora da

ordem pública, lhe faz violência, deve matar, posto que a autoridade responsável lhe

ordena matar".388

O santo bispo de Hipona viu a vida de sua diocese constantemente perturbada por

hereges turbulentos e facinorosos. Em sua dilatada luta contra eles experimentou os efeitos

das mais diversas formas de haver-se com eles. "A história das lutas de Agostinho contra

os donatistas — diz Portalié — é a história de suas mudanças" de opinião sobre o emprego

de rigores contra os hereges."389

Com efeito, sua atitude foi mudando conforme as

circunstâncias e só à base das vicissitudes de sua ação pastoral podemos valorar com

justiça a evolução de suas ideias em matéria penal.

386

- Hergenroether, Historia de la Iglesia, Madrid, 1884, tomo II, pág. 49. 387

- Jerônimo Montes, El crimen de herejia, Madrid, 1918, págs. 121-6. 388

- Gustave Combès, La Doctrine poltique de S. Augustin, Paris, 1917, pág. 188. 389

- "Vacant et Mangenot", DTC, I, eol. 2.277.

Page 144: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

144

Distinguimos com Maisonneuve390

três fases sucessivas em seu magistério: a) De

392 a 405, período de doçura, b) De 405 a 411, período de hesitação, c) De 411 a sua

morte, 430, período de severidade.

Apenas ordenado sacerdote no ano de 391, deu-se conta Agostinho da grave

situação conflitante em que se encontrava a Igreja; africana, cindida pela heresia. O

donatismo em particular semeava o terror entre os católicos, segundo o próprio Agostinho

o descreve com expressões terríveis: Praticavam toda sorte de tropelias: queimavam as

casas dos inocentes: "nenhuma igreja e nenhum caminho podia crer-se seguro"; ao bispo

Maximiano, estando no altar, "irromperam com ímpeto horrendo e furor cruel e deram-lhe

morte espantosa"; aos clérigos, depois de maltratá-los com feridas e golpes terríveis,

"atiravam-lhes cal viva e vinagre nos olhos" etc.391

O santo doutor, herege que também havia sido, porém apaixonado da verdade,392

julgava a princípio que aqueles hereges fossem como ele gente de boa fé, ainda que

equivocados, porém, como ele também, sedentos de alcançar a verdade.

Por esta razão preconizava incansável o uso exclusivo por parte das autoridades, de

meios suasórios, abstendo-se de toda sorte de violências, torturas ou mortes; pois só

através da convicção e do amor haviam de ser reconduzidos ao redil as ovelhas

transviadas. Entre os anos de 397 a 405 celebraram-se os Concílios de Cartago III ao X,

nos quais esteve sempre presente e deixou sentir sua influência em toda a Igreja da Africa

o bispo de Hipona. Naqueles anos a tolerância, sem castigos físicos, era o procedimento

comum ao tratar com os donatistas e maniqueus, e inclusive com os fanáticos

circunsceliones.

Representativo desta atitude é o Concílio VIII cartaginense, celebrado no ano de

403, em que se acordou ordenar aos bispos que "se pusessem em relação com os chefes dos

donatistas" e os comprometessem a enviar deputados para um colóquio com os católicos,

sobre questões religiosas. Na mensagem, enviada pelo Concílio, dizia-se: "os donatistas e

os católicos escolherão, cada um de seu lado, deputados para o Concílio, e discutirão em

comum os pontos em litígio, para chegar, no que for possível, a um entendimento

fraterno".393

390

- HENKI MAISONNEUVE, Êtudes sur les origines de VInquisition,. Paris, 1942, página 20. 391

- Ep. 185, IV, 15, 18, 26-27 (Ed. da BAC, IX, 623 e 637); Ep. III a Víctoriano, I (BAC, Vin, 817). 392

- Conf. III, c. 6. 393

- HEFELE, Histoire des Concites, Paris, 1908, II, pág. 155.

Page 145: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

145

Não obstante, apesar da preferência absoluta que nesta primeira fase outorga ao

diálogo, sobre as medidas de rigor, no trato com os hereges, o santo doutor não chegou

nunca a negar a licitude da última pena, antes, explicitamente a ensina, determinando-lhe

as condições: a morte será lícita sempre e quando aplicada "por quem esteja revestido de

legítima autoridade" e proceda não por egoísmo ou vingança, mas com amor como "o pai

que castiga o filho pequeno, o qual, por sua tenra idade, não pode detestar". É assim como

"varões eminentes e santos", como Elias, atuavam sem receio de infligir a morte para

impedir o pecado. Quando os discípulos do Salvador invocam o exemplo de Elias para que

lhes conceda o poder de fazer baixar fogo do céu para acabar com aqueles que lhe haviam

negado hospitalidade, Jesus, em sua resposta, condena não o ato do Profeta, senão o

espírito de vingança dos discípulos, que não pretendiam emendar os culpados, senão

satisfazer sua cólera. Quando hajam recebido o Espírito Santo executarão também estes

atos de autoridade, por exemplo, no castigo de Ananias e sua mulher, porém com muita

circunspecção e quando a isso se virem obrigados por força do bem geral.394

Note-se, por outra parte, que a insistência de Agostinho com os tribunos e

governadores para que não aplicassem a pena capital devia-se por tratar-se não de

delinquentes de Direito comum, senão de hereges, fossem ou não também réus de delitos

comuns, pois o santo distinguiu nitidamente os dois planos, o civil e o religioso.

Escrevendo ao pró-cônsul Agripino, a cujo Tribunal haviam sido levados alguns

hereges que "haviam perpetrado horrendos crimes" e assassinaram um sacerdote,

reconhece que "tanto eles como outros homicidas confessos podem ser condenados a morte

por ti". Pois sem dúvida "a vós, os governantes, se referia o Apóstolo ao dizer que não

levais em vão a espada e que sois ministros e vingadores contra aqueles que obram mal.

Mas são distintos, acrescenta, os interesses da Província e os da Igreja. A administração da

Província há que levá-la com rigor — terribiliíer gerenda est. A da Igreja há de exercer-se

com mansidão". Portanto, insta o santo: "não derrames tu o sangue com tua espada

jurídica. . . Assim deves proceder em uma causa da Igreja".395

E dirigindo-se a Donato,

pró-cônsul da África, roga-lhe que "quando assista aos pleitos da Igreja... olvide o poder

que tem de matar", que atenda à sua súplica episcopal de clemência, pois para Agostinho

394

- De serm. Dom. in Monte, c. XX, 63-65. Migne PI, 34, col. 1.261-3. 395

- Ep., 134. A Apringio, 2-4 (BAC, XI, 95-97).

Page 146: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

146

os crimes dos hereges eram "injúrias graves" à Igreja, e somente os bispos tinham a missão

de "apresentar- lhe as causas eclesiásticas".396

A benignidade e tolerância com donatistas e circunsceliones não surtiu o efeito

desejado, antes, em certo sentido, piorou a situação, pois, alentados com a impunidade,

entregaram-se a maiores atos de violência: muito piores, dizia o santo a Crescônio, "que os

perpetrados por qualquer ladrão ou bandido".397

No quarto Concílio de Cartago já Santo Agostinho, hesitante em suas anteriores

convicções, havia concordado com os outros bispos em pedir o auxílio do Imperador para a

repressão de tantos excessos dos hereges, reconhecendo implicitamente a insuficiência ou

inutilidade dos meios suasórios. Honório acedeu com gosto ao pedido dos bispos, que lhe

dava oportunidade para promover mais eficazmente a paz e tranquilidade do Império.

Agostinho, não obstante, suplicou ao pró-cônsul da África, Donato, que na aplicação do

edito imperial excluísse o último suplício.

Como as devastações e desordens fossem, nos anos seguintes, em incessante

aumento, os agentes imperiais incrementaram também o rigor nos castigos, sem excetuar a

aplicação da pena capital.

Em vista disto tentou todavia Agostinho um último esforço conciliatório para

minorar o rigor dos hereges. Com o patrocínio de Honório convocou uma grande

conferência de bispos donatistas e católicos para discutir entre si suas diferenças e tratar de

chegar a comum acordo dogmático. Assim, no ano de 411 celebrou-se a solene e famosa

Collatio com a presença de 279 bispos donatistas e 286 católicos sob a presidência do

bispo de Hipona, que com seu pasmoso saber deixou patentes os erros donatistas e a

veracidade da Igreja Católica.

Bom número dos bispos donatistas converteram-se, porém, a maioria deles

permaneceram obstinados no erro, e, ainda mais enfurecidos, aumentaram em tropelias e

perseguições aos católicos. "Santo Agostinho — diz Llorca — convenceu-se

definitivamente de que era necessário empregar a violência contra esta classe de hereges,

que deviam ser considerados como perturbadores da ordem pública, em um Estado

396

- Ep., 109. A Donato, 2 (BAC, VIII, pág. 691). 397

- Contra Cresc. donat., III, 46. PL. col. 521.

Page 147: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

147

cristão."398

Não foi somente Santo Agostinho, também, com ele, em vista da terrível

situação da Igreja, mudaram as disposições dos bispos da África."399

O Imperador Honório, que já no ano de 407 declarara a heresia crime público de

lesa majestade e, portanto, punível com a pena de morte, baixou mais tarde um edito de

tolerância das heresias, porém, aterrados os bispos com a reação e excessos dos donatistas,

suplicaram ao Imperador, no XV Concílio de Cartago (junho de 410), de que formava parte

Agostinho, que "excetuasse do edito de tolerância aos donatistas".400

Honório não só

acedeu a isso, como ainda, nos anos sucessivos, desenvolveu um rigor implacável na

repressão daqueles hereges.

Santo Agostinho, que, levado por seu zelo infatigável e sua ardente caridade, se

havia desvelado durante largos anos pela conversão dos donatistas, havendo

experimentado neste intervalo reiteradas vezes sua má-fé e observado suas graves

violências e crimes, chegou a convencer-se da necessidade de recorrer ao braço secular

para a repressão dos hereges malfeitores e para a manutenção da paz social na comunidade

cristã; convicção que ademais tinha em seu apoio os benéficos resultados de repressões

anteriores que haviam voltado ao caminho, convertido e mantido na fé muitos espíritos

débeis a quem o rigor havia feito refletir; conversões justificativas, do compelle intrare

evangélico, como expõe o próprio Santo Agostinho.401

Ele, tão humilde e santo como sábio, não sentiu a menor dificuldade em declarar

sua mudança de opinião, ante a evidência de certos resultados. Escrevendo ao donatista

suplicante, Vicente, declara-lhe: "No princípio era eu de opinião que ninguém deveria ser

levado à força à unidade de Cristo, que se devia atuar pela palavra, lutar pela discussão,

vencer pela razão; pois de outro modo teríamos conosco católicos fingidos em vez de

reconhecidos hereges; tal era minha convicção que deveu ceder não diante das palavras de

meus contraditores, mas ante os fatos evidentes que aduziram como exemplos.

Apresentaram-me, em primeiro lugar, a história de minha cidade natal, Tagaste, que em

outro tempo havia sido toda do partido de Donato e que depois se converteu à unidade

católica por temor das leis imperiais; agora está tão hostil a vosso partido de ódio e de

morte que parece não haver estado nunca de vossa parte. Do mesmo modo citavam-me

398

- B. Llorca, R. García-Villoslada etc, Historia de la Iglesia Católica, BAC, Madrid, 1950, I, 538. 399

- Portalié, In DTC, Art. Augustin, 1/2.° col. 2.278. 400

- Hefele, Hist. des Concites, Paris, 1908, II/l.a , pág. 159. 401

- Ep. 93, a Vicente, c. I, 3-8; Ep. 185, a Bonifácio, c. II, 7, e c. III, 14.

Page 148: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

148

outras muitas cidades cuja história me recordavam para que eu mesmo o comprovasse.

Impressionado por todos esses exemplos, que meus colegas me apresentaram, mudei de

opinião.”402

É indubitável, e por todos admitido, que Santo Agostinho não só deu sua aprovação

e até elogiou o pedido de intervenção do braço secular, senão que também aprovou e

justificou as leis e éditos imperiais de repressão da heresia, em vários dos quais se incluía a

pena de morte, se bem que o santo, em sua ilimitada mansuetude, suplicasse com

frequência que esta última pena não fosse aplicada, pois, tratando-se de hereges, julgava

que devia dar-se-lhes oportunidade de converter-se.

De todo o dito depreende-se que é errónea a afirmação de Blázquez: "Santo

Agostinho de fato negou expressamente a eticidade da pena de morte." Mais clara

aparecerá a falsidade de dita afirmação se recorremos a outros escritos doutrinários do

santo, em que, sem referência direta aos hereges delinquentes, cuja conversão o

preocupava sobremaneira, senão tratando dos criminosos de direito comum, afirma

reiteradas vezes que a morte do bandido ou assassino é perfeitamente lícita, excluindo

sempre nos executores todo sentimento de vingança individual.

A um cidadão que com piedade filial se dirigiu ao santo Doutor, fazendo-lhe várias

consultas de ordem moral, declara-lhe que licitamente mata o agente de segurança, "ou

aquele cujo ofício público a isso o obriga... e que em todo caso está legitimamente

autorizado".403

Queixa-se o donatista Crescônio da repressão imperial dos hereges, tendo-a

por anticristã; Agostinho responde-lhe, vindicando para a autoridade civil o direito e o

dever de defender a religião verdadeira e alega o exemplo do Rei Nabucodonosor que

havia dado uma lei iníqua prescrevendo a adoração de sua estátua; mas depois, uma vez

emendado, deu outra lei condenando à morte quem blasfemar contra o Deus de Israel.404

Santo Agostinho expõe em diversos lugares a obrigação dos Reis de defender o culto

verdadeiro de Deus e proteger a santa Igreja e formula esta obrigação em termos

inequívocos e de perene atualidade: "Escutai vossa caridade o que afirmo: os Reis cristãos

têm a obrigação de garantir a sua Mãe, a Igreja, uma vida pacífica, porque ela os gerou

espiritualmente."

402

- Ep. 93, a Vicente, c. V, 17. PL, 33, col. 329-330. 403

- Ep. 47, a Puolicola, n. 5. BL., 33, 186. 404

- Contra Cresc. donat. L. III, cap. LI, n. 56, Migne. PL. 43, col. 527. In Joan. Evang. tract. XI. Cap. 2, n. 14. Migne. PL. 35, col. 1.483.

Page 149: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

149

Justificando o poder coercitivo do Estado, escreve a Macedônio que "não em vão

foram instituídos o poder régio, a pena de morte, os garfos do verdugo etc. Tudo isso tem

suas razões e vantagens pois "pelo temor se refreiam os maus e os bons vivem mais

tranqüilos entre os maus".405

Distingue claramente Santo Agostinho o homicídio doloso, sempre gravíssimo

pecado, do homicídio ou pena de morte, que é lícita: "Se o homicídio consiste em matar

um homem, pode dar-se alguma vez sem pecado, pois a mim não me parece que peque o

soldado que mata seu inimigo, nem o juiz ou seu ministro que dá morte ao malfeitor... está

claro que estes — acrescenta — realmente não devem chamar-se homicidas."406

E

abundando nas mesmas ideias replica a Fausto Maniqueu que só se pode qualificar de

homicida aquele que sem nenhuma autoridade superior e legítima que o ordene ou o

permita se arma para derramar o sangue de outro.407

Em sua grande obra, A Cidade de Deus, aduz o santo a pena de morte corporal para

justificar por analogia a condenação eterna: "Como as leis da cidade terrena não devolvem

jamais à sociedade o homem condenado à pena de morte, assim as da cidade imortal não

devolvem nunca à vida eterna o pecador condenado à segunda morte."408

Mas há mais,

nessa sua obra magistral traz um capítulo que desde seu próprio título: "Assassinatos de

homens que se excetuam do crime de homicídio", estabelece a perfeita eticidade da pena

capital: "não obraram contra este preceito que diz: Não matarás, quem por mandato de

Deus fizer guerras ou, investido de autoridade pública, à maneira das leis, isto é, à maneira

do império da justíssima razão, castigar os criminosos com morte... Excetuados, pois, estes

a quem manda matar geralmente a lei justa... qualquer um que matar um homem... contrai

crime de homicídio".409

Blázquez afirma que "o Hiponense insiste continuamente na necessidade de

substituir a lei de Talião, como expressão literal da vingança, pela lei cristã do perdão".

Isto constitui uma tergiversação do pensamento de Santo Agostinho, o qual justamente

considera a lei de Talião como excusa da vingança e da justiça.

405

- Epist. 153, cap. VI, n. 16, Migne. PL, 33, col. 660. 406

- De lib. arbitr. L. I, cap. 4, n. 9, Migne. PL. I, col. 1.226. 407

- Contra Faustum, L. XXLL, cap. 70. PL. 42, col. 444. 408

- Ciudad de Dios, Lib. XXI, cap. 11. 409

- De Civ. Dei, Lib. I, cap. 21.

Page 150: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

150

É verdade que ocasionalmente pede o Santo a comutação da pena (normalmente,

então como hoje, o pedido de indulto ou comutacão da pena pressupõe a justa condenação

do delinquente) e não a aplicação do Talião a alguns hereges homicidas, enquanto isso

significava a pena de morte para eles e, nos primeiros tempos, como antes dissemos,

julgava que não convinha aplicá-la aos hereges.410

Mas em seu livro de polémica contra o

maniqueu Fausto consagra um capítulo à análise da lei de Talião, no qual ensina o

contrário do que Blázquez lhe atribui: "A Lei — diz —, para fixar um modo justo no

castigo instituiu a pena de Talião, isto é, que cada um sofra a pena equivalente ao delito

cometido. Assim, pois, a fórmula "olho por olho e dente por dente" não foi dita para

incitação senão para coibição do desejo de vingança. "Non fomes sed limes furoris est."411

Mau serviço presta Blázquez ao grande legislador Moisés com essa interpretação da

lei de Talião, dando-lhe um sentido material, como exigência de igualdade aritmética, entre

o delito e a pena. Como seria, no caso, castigado em tal hipótese o réu de defloramento de

uma donzela? É que, se bem a fórmula legal mosaica, para sua fácil compreensão, nos foi

transmitida servindo-se de um material similar: olho por olho etc, contudo, na mente do

legislador Moisés, como na de Santo Agostinho, era o Talião moral, fórmula de justiça, o

que se prescrevia, e por isso o santo Doutor a aprova e justifica, como acabamos de ver.

Para Santo Agostinho, segundo Blázquez, o verdugo "como figura jurídica, é algo

em si mesmo abominável.. . algo naturalmente detestável". É evidente que a execução de

um malfeitor pelo verdugo só poderá ser ação abominável ou condenável negando a

eticidade ou justiça da pena, o que faz da execução um verdadeiro homicídio: e, portanto,

com aquela qualificação haveria o santo Doutor condenado à pena de morte como algo

injusto. Mas acontece que não é essa sua doutrina. Santo Agostinho refere-se diversas

vezes e exime do pecado de homicídio quem mata, não por arbítrio e iniciativa própria,

mas autorizado ou obrigado a cumprir, em várias situações, esse penoso dever; bem hajam

os juízes, os soldados ou os verdugos. Assim, na Cidade de Deus412

ensina que "o soldado

que, obedecendo à autoridade legítima, mata um homem", não é réu de homicídio; pelo

contrário sim o seria, de lesa majestade, se não o fizesse, por desobedecer o mandato.413

410

- PL. 2, 509-511. 411

- Contra Faustum Manichaeum, XIX, c. 25. ML, 42, col. 363-364. 412

- Lib. I, cap. XXVI, BAC, pás. 112. 413

- Ver também a mesma doutrina em De libero arbítrio, Lib. I, 11.

Page 151: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

151

De modo análogo expressa-se Santo Agostinho no tocante ao ofício do verdugo. No

livro De ordine manifesta a natural repugnância que a todos nos inspira sua figura: Quid

enim carnifice tetrius? quid illo animo truculentius atque dirus?,414

porém em vez de

condenar-lhe o ofício, reconhece que a lei, "fazendo dele um instrumento de saúde pública

— como diz Combès — outorga-lhe uma espécie de majestade",415

pois "ele tem lugar

necessário nas leis e está incorporado à ordem com que se deve reger uma sociedade bem

governada."416

Em um sermão de São Lourenço Mártir expõe novamente Santo Agostinho seu

pensamento a respeito do verdugo. Contrapõe-lhe a lícita atuação como executor da justiça

a serviço da legítima autoridade, à de qualquer outro particular que por si castigasse o réu

convicto: "O réu condenado à morte, e a ponto de ser atravessado pela espada, só pode ser

executado pelo oficial designado pelas mesmas leis. Este oficial é o verdugo. Se um

membro do Tribunal executa o réu, ainda que mate um sentenciado à morte, deve ser

sentenciado como homicida."417

Como se vê pelos textos citados sobre o verdugo, estava Santo Agostinho muito

longe de negar a eticidade da pena capital imposta pela autoridade competente.

Uma das notas simpáticas e atraentes no santo bispo de Hipona é a lhaneza e

humildade com que, apesar de seu génio e de sua imensa sabedoria de que era

perfeitamente consciente, reconhece seus erros e corrige em seus escritos tudo aquilo que a

experiência ou uma madura reflexão o leva ao convencimento de que se havia equivocado.

Testemunho vivo destas atitudes constitui seu livro Retratações. Mas, ademais das

que em dito livro consigna, encontram-se, em sua dilatada obra de escritor, outras

retificações de seu pensamento. Uma destas, bem significada em sua vida pastoral, é a

referente à pena capital.

Já dissemos anteriormente como, tratando-se de delinqüentes comuas, Santo

Agostinho admitia lhanamente a legitimidade e eticidade de sua execução. Mas é que

também, no tocante aos castigos dos hereges, retificou a atitude mantida nos primeiros

anos de sua vida episcopal.

414

- De ordine, Lib. II, c. IV, 12. BAC, I, 742. 415

- Gustave Combès, La Docctrine politique de S. Augustin. 1927, pág. 188. 416

- De ord., Lib. II, c. IV, 12. BAC, I, 743. 417

- Serm., 302, cap. XIV, 13, PL. 38, 1-390. Vid. Gregório Armas, La moral de S. Agustin, Madrid, 1934, págs. 678-679.

Page 152: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

152

Impressionados os bispos cartagineses com os excessos e os crimes dos fanáticos

circunceliões, pediram ao Imperador que revogasse o edito de tolerância; que havia

baixado anteriormente. Honório acedeu de bom grado pus sentia nojo por aquela horda de

malfeitores que infestavam o norte africano, e em anos posteriores recrudeceu o rigor

imperial, ditando eiti 411, 412 e 414 novas leis repressivas, inclusive com pena capital, «;

perseguindo implacavelmente os hereges. Santo Agostinho conformou-se com a nova

situação e ainda foi paulatinamente formulando a doutrina da legitimidade e eticidade do

castigo físico dos hereges, e da intervenção severa do braço secular, fazendo aplicação do

compelle intrare do Evangelho.

Em carta ao tribuno Bonifácio expõe o Santo as vicissitudes de seu pensamento no

referente ao recurso a César e ao castigo físico dos hereges, com a severa aplicação das

mais rigorosas leis imperiais. "Verdade é — diz — que antes que foram promulgadas para

a África as leis pelas quais se obriga a entrar na comunhão católica os dissidentes, alguns,

entre os quais eu me conto, opinavam que, ainda que os donatistas se enfurecessem em sua

raiva, não se devia pedir aos Imperadores que decretassem o fim da heresia." Julgavam que

deveriam usar-se somente medidas persuasivas ou, no máximo, sanções pecuniárias como

havia estabelecido uma lei teodosiana. "De diferente modo pensavam outros irmãos

(bispos) mais graves por sua idade e mais experimentados com os exemplos de outras

cidades e lugares em que florescia firme a religião Católica." Apesar da opinião contrária

daqueles mais experimentados, "obtivemos que se pedisse ao Imperador a aplicação da lei

mais branda de Teodósio".

Os resultados manifestaram-se logo tão opostos ao que se intentava que o Santo

atribui a favor divino a libertação daquela via errada e exclama: "Uma maior misericórdia

divina fez que nossos legados não pudessem obter o que pretendiam. Sabia Deus quão

necessários eram para muitas almas danadas ou frias o terror destas outras leis"; e chega ao

ponto de qualificar de piissimas leges aquelas leis repressivas — na de 411 incluía-se a

pena de morte — que "o piedoso e religioso Imperador promulgou para "reduzir à unidade

católica pelo terror e pela repressão aos que contra Cristo levavam os sinais de Cristo, e

não para tirar-lhes tão-só a licença de irritar-se, deixando-lhes a de errar e perecer".418

418

- Ep. 185 Ad Bonifacium, BAC, XI, 606-659; PL, 33, col. 792-815.

Page 153: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

153

Na mesma Epístola elogia o bispo de Bagaí, Maximiano, que "pediu auxílio ao

Imperador cristão" contra os malfeitores donatistas, e acrescenta: "Se não o houvesse feito,

não seria digna de elogio sua paciência, senão digna de vitupério sua negligência".

A tenaz resistência que em princípio, por inexperiência, opôs Santo Agostinho ao

uso do braço secular para compelir violentamente os cismáticos a permanecer na

comunhão católica e as razões de sua mudança posterior de critério esclarece-as o Santo

naquela célebre expressão das Retrações: "Quoniam nondum expertus eram, vel quantum

mali eorum auderet impunitas, vel quantum eis in melius mutandis conferre posset

diligentia disciplinae.”419

Em conclusão: O pensamento de Santo Agostinho, extraordinariamente rico,

oferece-nos, em qualquer assunto de que trata, mui variadas facetas que é necessário levar

em conta para particularizar com precisão suas doutrinas.

O grave equívoco de Blázquez está em que, dominado por um preconceito

abolicionista, não distinguiu entre o problema geral da penalidade comum em todas as

sociedades humanas e o particular da delinquência dos hereges cristãos.

Santo Agostinho não formula nunca em termos abstratos e com certa extensão o

problema jurídico da pena de morte para os criminosos comuns. Sua legitimidade, se a

sentença ou execução está de acordo com a ordenação jurídica do Estado, dá-a por suposta

e aprova-a em quantos casos — e são muitos — se lhe oferece tratar disso. Jamais

condenou ou negou a eticidade de uma sentença capital dada de acordo com a lei pela

autoridade legítima e muito menos incorreu no lategozinho demagógico e absurdo — que

também agrada a Blázquez — de equiparar a vingança com a justiça punitiva do Estado.

Surpreende a ousadia com que atribui ao grande doutor de Hipona que negava a licitude da

pena capital infligida pelo poder supremo da sociedade aos réus de gravíssimos delitos.

Seria que Santo Agostinho desconheceria a doutrina bíblica, o ensino da Igreja e os direitos

da legítima defesa social, que o próprio direito natural nos dita?

Bem diferente era, sem dúvida, a atitude do santo Doutor em relação com os

hereges, que ao erro doutrinal juntavam algum delito comum. Sua grande obsessiva

preocupação constituía a salvação eterna dos extraviados e como nele a sinceridade e

retidão de intenção igualavam a magnanimidade de seu amor cristão, julgando os outros

419

- Retractationum, L. II, c. V. ML, 32, col. 652.

Page 154: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

154

por sua própria medida, estava persuadido de que a clara exposição da doutrina, a força

mesma da verdade, seria suficiente para a conversão dos hereges e, por conseguinte,

sempre seria preferível a vida da persuasão e do amor à da coação e violência. Daí sua

franca e constante oposição a que lhes fosse aplicada a pena de morte, pois, ainda que o

castigo fosse necessário para a ordem social, não obstante não devia chegar, tratando-se

dos hereges, ao extremo de "cortar-Ihes os dia da vida, senão deixá-los viver para que

possam arrepender-se".

É este pensamento o molhe real que mobiliza e orienta toda sua atividade pastoral e

move-lhe a opor-se com veemência à aplicação da pena capital a maniqueus, fanáticos da

circuncisão, donatistas e demais hereges.

Sem embaraço, à vista dos resultados negativos daquela brandura penal e

estimulados por outros bispos mais realistas e experimentados, vai paulatinamente

evolvendo no recorrer ao poder civil, e ainda que sem deixar de ver com simpatia que não

se aplicasse a pena capital aos hereges, chega afinal a defender a perfeita aplicação das leis

imperiais.

O artigo de Blázquez não passa de uma diatribe sofística contra a pena de morte.

Quando um dominicano, filho espiritual do Anjo das Escolas, chega deste modo a esquecer

ou a contradizer a doutrina, tão luminosamente exposta por este, sobre a licitude e

conveniência da pena de morte na sociedade, já não nos surpreende tanto ver o grupo de

políticos católicos que se ocultam sob o pseudônimo de Tácito, estampar no diário Ya420

este desatino: "Pensamos que a sociedade carece, seja qual for o delito, do direito de privar

da vida qualquer ser humano criatura de Deus."

Isso, repito, não me surpreende muito, mas sim condói-me que pessoas, que

deveremos supor ilustradas, ignorem ou se atrevam a negar o claro e milenário

ensinamento da Igreja sobre esta matéria. Para confirmação do que acabo de dizer, limitar-

me-ei a indicar aos Tácito e ao padre Blázquez o que seu ilustre irmão de hábito, o padre

Royo Marin,421

com palavras análogas e ideias idênticas às de iodos os moralistas

católicos, escreve: "Por direito natural, e sempre que o requeira o bem comum, pode a

autoridade pública impor a pena de morte aos malfeitores réus de gravíssimos crimes." E

prova-o em continuação: a) Pela Sagrada Escritura, Antigo e Novo Testamento,

420

- Ya, 26-IX-1975. 421

- Pr. António Royo Marin, Teologia moral para seglares (Madrid* BAC, 166), I, n. 560.

Page 155: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

155

b) Pelo Magistério da Igreja, c) Pela razão teológica, d) Pelo consentimento universal da

Humanidade.

Por favor, senhores Tácito e Blázquez, aquele grande Doutor a quem todos nós

admiramos e amamos, com coração reto exclamava: "Oh verdade, oh verdade! Quão

entranhadamente e com o mais íntimo de minha alma suspirava por vós!"422

À imitação

sua, com sincero e apaixonado amor à verdade, mantenham incólumes os ensinamentos da

tradição cristã e não levem o erro e a confusão a nosso povo.

Apêndice II

SANTO TOMÁS DEFENSOR DA PENA DE MORTE*

Pela singular importância e atualidade que tanto na ordem moral como na ordem

jurídica è social reveste o tema da legitimidade da pena de morte, estimamos de suma

conveniência conhecer o que sobre ele escreveram os grandes mestres do passado, entre os

quais, na opinião de todo o mundo, sobressaem como astros de primeira magnitude os dois

luminares do pensamento cristão: Santo Agostinho de Hipona e Santo Tomás de Aquino.

Santo Agostinho — cujo pensamento deixamos exposto no Apêndice precedente —

viveu o terrível problema social da criminalidade, com todo seu dramatismo, em contato

com; a delinquência dos hereges maniqueus, donatistas e circuncelíões. Como esses

hereges procediam em função de suas convicções religiosas, nas quais deve sempre

prevalecer a persuasão sobre a coação física, o Santo Doutor, durante vários anos mostrou-

se propício à tolerância e à indulgência para com eles. Está, atitude, assumida em vários de

seus escritos circunstanciais, deu lugar a que alguns estudiosos do pensamento agostiniano,

transpusessem sua opinião particular acerca da castigo dos delitos de heresia, para o

problema geral dos delitos de direito comum.

Por este motivo, no Apêndice anterior, dedicamos particular atenção, na exposição

do pensamento de Santo Agostinho, à análise e refutação das asserções do mais recente

defensor dessa equivocada interpretação. Trata-se do P. Blázquez, O.P. que, esquecido da

clara doutrina e contundente" argumentação: de seu confrade Santo Tomás, levado de seus

422

- Confesiones, L. III, c. 6. * - Este artigo foi, em sua maior parte, publicado na grande revista de cultura HORA PRESENTE (N.° 22, dez. 1976) fundada e patrocinada pelo eminente líder católico, Prol Adib Casseb, em São Paulo.

Page 156: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

156

preconceitos abolicionistas, pretende apoiar seus pontos de vista, com sofismas e falácias,

na autoridade do grande Doutor de Hipona.

A respeito de Sto. Tomás seremos muito breves na exposição, visto como o

Angélico se manifesta tão claramente e decisivo em favor da pena de morte que nunca sua

opinião, a respeito, foi objeto de controvérsia. Por esta razão limitamo-nos a reproduzir as

razões em que o Doutor Aquinense fundamenta sua doutrina, sempre coerente, em várias

de suas obras.

Não faz Santo Tomás concessões à fantasia nem ao sentimentalismo dos

abolicionistas. Seu pensamento é o que corresponde ao reto sentir comum da humanidade,

que muito bem poderíamos sintetizar naquelas palavras que, há um século, escreveu a

genial socióloga, galega, Conceição Arenal423

"Qué pena merece el que mata? La

conciencia de la humanidad, la dei mismo culpable, responde: La muerte. Todo hombre

que ha matado sabe que merece morir; el homicida para defenderse niega el hecho; el

derecho de imponerle La última pena no lo niega si su razón está cabal. El Talión, es decir,

un castigo igual ai dano que se hizo, está en la conciencia de la humanidad, en la dei

ofendido, y en la dei ofensor, en todos; es la justicia, severa, pêro es la justicia". Estas

palavras da insigne escritora constituem na ordem psicológica a confirmação do preceito

divinopositivo do Gênesis, que a doutrina católica glosa nas mais diversas formas:

Quicumque efuderít humanum sanguinem, fundetur sanguis illius, ad imaginem quippe Dei

factus est homo.424

Não foi outra a doutrina e a prática em toda a Antiguidade,

perfeitamente justificada com profusão de razões pelos pensadores e jurisconsultos gregos

e romanos. Com certas limitações, este pensar comum dos povos foi assumido pelo

Cristianismo depois da solene confirmação da Lei Mosaica por Nosso Senhor Jesus Cristo,

particularmente no tocante ao homicídio.

SANTO TOMÁS DESENVOLVE E JUSTIFICA O PENSAMENTO DA IGREJA SOBRE O

DIREITO DE CASTIGAR

Muito embora esteja dotada por seu Divino Fundador dos poderes judiciais e

coercitivos convenientes para o desempenho de sua missão, não faz uso a Igreja Católica

dos castigos físicos e jamais adotou em sua legislação canônica a Pena de Morte como

423 - Ooncepción Arenal, Cartas a los delincuentes, terceira edição, Valência, 1893, pág. 579. 424 - Gênesis, IX, 6.

Page 157: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

157

medida de coação. Todavia não é a mesma coisa o que faz respeito à legislação civil das

nações. Pelo fato de reger uma sociedade, cujos fins são de ordem temporal, podem e

devem os governantes fazer uso de todas as medidas coactivas e coercitivas que julguem

oportunas ou necessárias, para a manutenção da ordem civil, a fim de que a sociedade

possa pacificamente alcançar seus fins.

A Igreja sempre ensinou que o Estado vem obrigado a manter ou restaurar a ordem

social e jurídica eventualmente perturbada por qualquer delito, reconhecendo-lhe, por

conseguinte, o pleno direito ou exigindo-lhe o dever de fazer uso dos castigos necessários,

sejam estes quais forem, inclusive a pena capital, para a restauração da ordem perturbada e

a defesa do bem comum da sociedade, pois, como ele diz na Suma Teológica: "se algum

homem é perigoso à sociedade e a corrompe com algum delito, é louvável e salutar tirar-

lhe a vida para a conservação do bem comum"425

. Tal proceder, perfeitamente lógico, está

de acordo com as exigências da lei natural, pois é evidente que nenhuma sociedade política

possa subsistir se não cumpre os deveres essenciais de todo Estado: promoção e tutela do

bem comum, segurança jurídica das pessoas e sobretudo, justiça em sua dupla forma de

premiar aos bons e castigar os malfeitores. Como falou Bolívar, o Libertador, no

Congresso de Angostura: "La corrupción de los pueblos nace de la indulgência de los

tribunales y de La impunidad de los delitos."426

A partir, porém, do século XVIII nos meios liberais e racionalistas surgiram

acirradas controvérsias, que até hoje perduram, sobre a conveniência e licitude da pena de

morte. É interessante verificar como os argumentos esgrimidos pelos abolicionistas atuais,

contra o estatuto da pena capital, foram já, em sua maioria respondidos de antemão pelo

Doutor Angélico.

SANTO TOMÁS DEFENDE A LICITUDE E CONVENIÊNCIA DA PENA DE MORTE

A doutrina de Santo Tomás sobre o direito de punir e sobre a pena capital não

oferece dificuldades. Seu pensamento a esse respeito é diáfamo e perfeitamente

fundamentado com argumentos sólidos e bem articulados.

São muitos os lugares de suas obras em que o santo Doutor aborda de propósito ou

incidentalmente a grave questão da licitude da pena capital. Na Suma Teológica dedica

425

- Suma Teol. 2-2, a. 64, a. 2. 426

- Ap. Rev. Universidad Pont. Bolivariana XVII (abr.-jun. 1952) 203.

Page 158: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

158

uma questão, com oito extensos artigos, a elucidar os diversos aspectos e problemas que

suscita o homicídio. Pergunta previamente se será pecado matar qualquer vivente, planta

ou animal. Na resposta, formula Santo Tomás um princípio geral, do qual se servirá logo

em diversas soluções: "Ninguém delinque pelo fato de valer-se de uma coisa para o fim a

que está destinada. Ora, na ordem das coisas, o que é menos perfeito deve servir ao que é

mais perfeito; e assim as plantas existem em geral para os animais e estes para o homem,

que destas coisas, só dando-lhes a morte, se pode servir. Segue-se daqui que, nem a morte

das plantas nem a dos animais é ilícita ao homem."427

Partindo deste princípio, aborda

diretamente e com audácia a demonstração de sua tese: a morte dos malfeitores não só é

lícita como ainda necessária, quando são perniciosos e perigosos para a sociedade- Com

efeito, o homem na sociedade compara-se a esta como uma parte ao todo, sendo a parte

com relação ao todo coisa imperfeita; o indivíduo na sociedade estará ordenado ao bem

desta e deverá, se necessário, ser-lhe sacrificado. Portanto, quando algumas pessoas são

como uma peste, perniciosas para as outras, sua vida é grave obstáculo para o bem comum

que requer, como primeira condição, a ordem e concórdia sociais e, por conseguinte, é

preciso eliminá-los do convívio da comunidade.428

Na Summa contra Gentiles, em consonância com o caráter marcadamente racional e

especulativo desta obra, ordena o santo Doutor uma série de argumentos para demonstrar o

valor de exemplaridade e de reparação da justiça lesada que a última pena encerra. Abre o

capítulo correspondente429

advertindo que, como há os que, entregues às coisas sensíveis,

só se preocupam com o temporal e visível e menosprezam as penas infligidas por Deus,

ordenou a Divina Providência que na terra haja pessoas que, mediante penas sensíveis e

presentes, obriguem os demais à observância da justiça. "E é manifesto que estas pessoas

não pecam quando castigam aos malfeitores." Justificando seu ponto de vista, assim

argumenta o Angélico: “Com efeito, é justo que os maus sejam punidos porque as culpas

se corrigem pelas penas. Logo, não pecam os juízes que castigam os malvados.”

Os homens que na terra estão constituídos sobre os demais são como executores da

Divina Providência; portanto, não pecam por dar recompensas aos bons e reprimir com

castigos aos maus, pois é essa, precisamente, a ordem da Divina Providência.

427

- 2-2 q. 64 a.2. 428

- 2-2 q. 64, a.2. 429

- O. Gent. III, cap. 146.

Page 159: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

159

Aquilo que é necessário para a conservação da comunidade humana não pode ser

mau; por esta razão, torna-se perfeitamente lícito e conveniente infligir castigos aos

delinquentes, sem o que não seria possível a manutenção da concórdia e da paz, condições

indispensáveis para a sobrevivência da sociedade.

O bem comum deve prevalecer sobre o bem particular de cada um e em caso de

conflito é necessário suprimir o bem particular para conservar o bem comum; por

conseguinte, é bom tirar a vida daqueles homens que, em grau extremo, são perniciosos ao

bem comum baseado na convivência pacífica dos cidadãos.

Ademais, assim como o médico amputa com justa razão o membro apodrecido, se

por ele está ameaçado de corrupção o corpo todo; do mesmo modo, quem governa a cidade

justa e utilmente mata os homens nocivos, que com sua ação ameaçam a convivência

ordenada dos cidadãos, para que não seja perturbada a paz e concórdia na cidade.

Em todos estes raciocínios, a ideia subjacente e dominante é a da exemplaridade da

pena, como elemento o mais importante para a defesa social, pois na mente do Angélico a

autoridade pública, na punição dos delinquentes, exerce o direito legítimo de defesa social,

análogo ao dos particulares. Ele tem a missão inalienável da tutela dos direitos individuais

e, ao mesmo tempo, o direito de servir-se do rigor das penas para manter a ordem ou

desestimular os fracos e infelizes, que facilmente poderiam cair na tentação de imitar os

criminosos, bem como oferecer reparação pelas infrações das leis da autoridade soberana

do Estado.

SÓ AO ESTADO COMPETE DECRETAR A PENA DE MORTE

Duas condições exige Santo Tomás para a lícita aplicação da pena capital: que seja

imposta pela autoridade suprema política; e que sua motivação não seja nunca o ódio ou

vingança particular das pessoas, mas sim o amor de caridade para com os próprios

culpados e para com a sociedade.

Quanto à primeira, Santo Tomás distingue perfeitamente, embora sem usar essa

denominação, o poder jurídico ou político do poder dominativo.430

O poder dominativo,

que exerce o pai sobre os filhos ou o esposo sobre a esposa, é um poder privado, ordenado

não ao bem público senão ao particular, e anterior, como derivado da natureza, ao poder de

430

- 2-2 q. 67, a.l.

Page 160: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

160

jurisdição, pois este, não obstante emanar também da natureza sociável do homem, requer

para a sua constituição a intervenção consciente e livre dos cidadãos.

O Angélico declara formalmente que, para que a sentença condenatória tenha

licitamente poder coercitivo, é preciso que provenha de quem tiver jurisdição proveniente

da autoridade suprema do Estado. Falando do poder do juiz competente, de quem deve

emanar a sentença condenatória para a sua licitude, Santo Tomás não o designa com o

termo próprio de jurisdição, senão com o genérico de poder público ou de superioridade,

que assim era designado no Direito Romano o poder judicial. Assim pois, embora seja

lícito matar o malfeitor enquanto que essa ação se ordena à saúde de toda a comunidade,

esse poder de aplicá-la corresponde somente àquele a quem está confiado o cuidado do

bem comum da sociedade; como ao médico compete amputar o membro gangrenado

quando lhe estiver encomendada a saúde de todo o corpo. Como, porém, o cuidado do bem

comum está confiado aos príncipes que têm pública autoridade, somente a estes é lícito

matar os malfeitores, não às pessoas particulares.431

A PENA DE MORTE HÁ DE APLICAR-SE SEM ÓDIO

A segunda condição, a de não exercer a vindita com ódio, Santo Tomás a insinua

reiteradas vezes, como já o tinha feito Santo Agostinho. Notemos que Santo Tomás usa a

palavra vingança, não no sentido usual moderno, de tomar desforra do agravo ou dano

recebido, senão no sentido clássico, como vindicação de alguma injúria por meio de uma

pena infligida a quem culpavelmente ofendeu a outrem, isto é, castigo ou pena

legitimamente impostos. Neste último sentido, discute e ensina que a vingança é uma

virtude especial, parte da virtude da justiça.

A vingança é lícita e virtuosa, na medida em que se ordena à repressão dos

malfeitores. Alguns se afastam do mal não pelo afeto que tenham à virtude, porém por

temor de perder aquilo que amam mais do que aquilo que vão conseguir pelo pecado. Sem

o temor, o castigo perderia sua eficácia coercitiva. Segue-se disto que a vingança ou

castigo dos delitos deve fazer-se subtraindo ao homem tudo o que ele mais ama.432

Essa vingança, todavia, se há de executar sempre sem ódio ao culpável. Assim, se a

intenção do executor se dirigisse principalmente ao mal daquele de quem se toma a

431

- 2-2 q. 64, a.3. 432

- 2-2 q. 108, a . 3 .

Page 161: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

161

vingança e disso se alegrasse, seria de todo ponto ilícita; porque deleitar-se no mal alheio é

próprio do ódio, que é contrário à caridade pela qual devemos amar a todos os homens.

Nem vale, escreve Santo Tomás, escusar-se com o fato de que o outro antes lhe infligira a

ele uma injúria, como tampouco se excusa quem odeia a quem lhe tem ódio. Com efeito,

não deve um homem pecar contra quem primeiro lhe fez um mal. Por esta razão não são

permitidas as represálias, pois são essencialmente más e jamais será lícito devolver mal por

mal. Deverá então o crime ficar impune? De modo nenhum, porque se a intenção de quem

exerce a vingança se dirige, não a fazer mal ao sujeito culpável, mas a obter, por meio de

um mal penal, o bem do culpado — como seria, por exemplo, a emenda ou pelo menos a

sua repressão, a tranquilidade dos outros, o exercício da justiça e a honra devida a Deus —

então pode ser perfeitamente lícita a vingança, guardadas as demais circunstância

devidas.433

Tanto a lei divina como a humana, diz noutro lugar o Angélico,434

prescrevem a

morte daqueles malfeitores que, pervertidos completamente, se tornaram de todo

irrecuperáveis e que, portanto, mais deles se há de temer a contaminação de outros do que

esperar sua emenda. Sem embargo, nunca há de proceder o juiz por ódio a eles, senão por

amor de caridade, dando preferência ao bem público sobre o bem de uma pessoa particular.

No tratado De Caritate, afirma o Santo que à autoridade secular, a quem ex officio compete

a ordem social, é lícito, amando-os por caridade, punir ou levar à morte os malfeitores, e,

em seguida assinala os três motivos principais pelos quais se pode infligir ou desejar

àqueles um mal temporal, sem lesar a caridade.435

SOLUÇÃO DAS OBJEÇÕES CONTRA A PENA DE MORTE

Assentados os princípios da lícita punição dos malfeitores, inclusive com a

aplicação da última pena, o Doutor Angélico resolve com singular audácia e lucidez as

objeções que, ontem como hoje, se formulam contra a pena capital, quase as mesmas em

todo lugar e tempo. Analisemos brevemente algumas das mais comuns:

433

- 2-2 q. 108, a . l . 434

- 2-2 q. 26 a.6 ad 2. 435

- De caritate, q. un. a.8 ad 10.

Page 162: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

162

1) Se castigarmos o crime com a morte do criminoso, estaremos devolvendo o mal

com o mal, contra os ensinamentos do Apóstolo São Paulo, que, escrevendo aos Romanos,

lhes intima: "Não pagueis a ninguém o mal com o mal."436

Esta prescrição, diz o Angélico, se há de entender formalmente. Proíbe-se que com

sentimentos de ódio ou de inveja demos em paga mal por mal, deleitando-nos no mal

alheio. Isto evidentemente seria imoral. Mas se, pelo mal de culpa que alguém executa, o

juiz lhe impõe um mal de pena que, segundo as exigências da justiça, compense a malícia,

materialmente, sem dúvida lhe inflige um mal; formalmente, porém, não tem razão de mal

senão de bem. "Quando o juiz manda enforcar o ladrão por homicídio, não lhe dá mal por

mal, senão pelo contrário, bem por mal."437

2) Só a Deus pertence a vingança ou castigo do malfeitor, segundo aquilo do

Deuteronômio: "A mim pertence a vingança e eu lhes darei a recompensa a seu tempo";438

portanto, a autoridade pública que impõe uma pena usurpa o poder que só a Deus compete.

Quem exerce a vingança sobre os maus, dentro de seu grau e jurisdição, não usurpa

para si o que é de Deus, senão que usa do poder que Ele mesmo lhe deu, pois, como afirma

o Apóstolo, o príncipe é constituído por divina ordenação para o justo castigo dos maus.439

Aliás, sendo o imperante na terra um como executor da Divina Providência, não peca

retribuindo aos bons e punindo os maus, pois é evidente que não pode pecar quem cumpre

a ordem da Divina Providência, e esta prescreve que os bons sejam premiados e os maus

castigados.440

3) O Senhor proibiu numa parábola extirpar a cizânia, que representa os "filhos do

mal", e como tudo que Deus proíbe é pecado, não se deve levar à morte os malfeitores.

Sim, responde o Angélico, Deus proibiu arrancar a cizânia para evitar que se

arrancasse juntamente o trigo, que são os bons; coisa que pode ocorrer às vezes. Noutros

casos, porém, é possível suprimir os maus pela morte sem temor de prejudicar os bons,

antes com muito proveito para eles. Nestes casos, é lícito infligir a pena de morte.441

436

- Rom. XII, 17. 437

- In Ep. AD Romanos, XII, lectio 3. 438

- Deut. XXXTI, 36. 439

- 2-2 q. 108, a . l . 440

- c. Gent. m, c. 146. 441

- 2-2 q. 64 a 2; 2-2 q. 108 a 2 aã 1; C. Gent. III cap. 146.

Page 163: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

163

4) É notável o realismo e bom senso com que Santo Tomás responde a uma objeção

muito repetida hoje, tanto pelos partidários da escola correcionalista (como Ahrens, Rõder,

Giner de los Rios, etc), como por adeptos da antropologia e sociologia criminal, e ainda

por outros, vítimas de um humanitarismo às avessas: o homem, enquanto está no mundo,

pode tornar-se melhor. Portanto, não deve ser arrebatado do mundo pela morte, senão que

há de ser preservado para que se arrependa.

Que os maus, enquanto vivem, possam emendar-se, isto não impede que

legitimamente possam ser levados à morte, porque "o perigo que ameaça a sociedade com

sua vida ê bem maior e mais certo 'que o bem que, de sua emenda, cabe esperar". Além do

mais, agrega o Santo Doutor, com profundo sentido cristão e não menor perspicácia

piscológica, aos condenados à pena capital se lhes oferece, no próprio artigo da morte,

oportunidade para converter-se a Deus mediante o arrependimento. Se a tal ponto

estiverem obstinados que, nem no transe da morte, seu coração se afasta da maldade, pode

presumir-se com bastante probabilidade que nunca se teriam afastado do mal.442

E como

remate de sua resposta a esta objeção, insere o Angélico uma disjuntiva teológico-

sociológica contundente: De alguma forma aproveita sempre a morte imposta pelo juiz ao

malfeitor: se se converte, para a expiação de sua culpa; e se não se converte, para

terminação dela, pois por este meio se lhes priva do poder pecar mais.443

5) Omitimos outras várias objeções de somenos importância e cuja solução é óbvia

para qualquer pessoa medianamente culta. Apenas duas palavras sobre uma que, embora

repetida com ênfase pela maioria dos abolicionistas, é tão inconsistente que o Angélico a

considera fútil e vã: não é lícita a pena de morte pois Deus ordenou no Êxodo:444

"Não

matarás", e no Novo Testamento445

se reitera o mesmo preceito. Logo, estando proibido o

homicídio no Decálogo, que é a declaração dos preceitos da lei natural, nenhuma

autoridade humana poderá licitamente pronunciar uma sentença de morte.

Esta razão, diz o Doutor Comum, é frívola e sem valor, porque a mesma lei que

proíbe matar seguidamente ordena: "Aquele que pecar com uma besta, seja punido de

morte. Não deixarás viver os que consultam os espíritos"446

etc, com o que se dá a entender

442

- c. Gent. III c. 146; 2-2 q. 64 a.2 ad 2. 443

- 2-2 q. 25 a.6 ad 2. 444 - XX, 13. 445 - Mat. V, 21. 446 - Êx. XXII, 18-19.

Page 164: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

164

que a proibição se refere à morte injusta, e não simplesmente a qualquer classe de morte.

Em outros termos: proíbe-se no Decálogo o homicídio enquanto é coisa injusta, e, assim

entendido o preceito, contém a razão da justiça. Com efeito, não pode a lei humana

autorizar que licitamente se mate um homem inocente, mas tirar a vida aos malfeitores ou

inimigos da república isso não é injusto ou indevido. Por conseguinte não é contrário ao

preceito do Decálogo, nem tampouco tal morte é o homicídio que se proíbe no Quinto

Mandamento. Ademais, se o preceito fora assim absoluto, que nunca fosse lícito tirar a

vida a um homem, também não seria lícito matar em legítima defesa individual ou em

guerra justa defensiva, o que obviamente não se pode defender- Numa palavra: o "Não

matarás" é pura e simplesmente a proibição da morte injusta e dolosa.447

Apêndice III

VARIAÇÕES SOBRE A PENA DE MORTE*

Pe. Dr. Emílio Silva x

“Quem derramar o sangue humano, por mão de homem será derramado o seu;

porque o homem foi feito à imagem de Deus" (Gen. IX, 6). Com estas solenes e

* - Transcrevemos esta reportagem publicada em 1960 na REVISTA DE IDENTIFICAÇÃO ,E CIÊNCIAS

CONEXAS, de Belo Horizonte, de muito escassa difusão, que embora repita algumas, ideias, cuja reiteração, aliás, é conveniente, focaliza o tema sob novos pontos de vista que sem dúvida contribuirão a reforçar nos leitores a plena convicção da conveniência ,e necessidade do instituto da pena capital. X

- O debatido tema da pena de morte tem no Keymo. Pe. Dr. EMÍLIO SÍLVA um seguro e brilhante polemista. Situando-se no campo dos que defendem a aplicação, do castigo extremo, o autor do presente artigo alinha argumentos que impressionam e mais. acaloram a interminável discussão sobre o momentoso assunto. Doutor em Filosofia pela Academia Romana de Santo Tomás de Aquino, bacharel, em filosofia e letras pela Universidade de Santiago de Compostela, professor em inúmeros cursos e estabelecimentos de ensino de grau superior — entre eles a Faculdade de Ciências Jurídicas dó Rio de Janeiro è as Escolas e Faculdade Integrantes -da Pontifica Universidade do Rio de Janeiro — autor de inumeráveis trabalhos de incontestável valor, o Revmo. Pe. Dr. EMÍLIO SILVA, tornou-se titular de vasta erudição, em virtude da qual seus pronunciamentos em escritos, conferências e entrevistas, aos jornais e nas estações de rádio e de televisão são acompanhados com interesse pela opinião pública e analisados com respeito mesmo pelos que discordam de suas ideias. Daí nosso convite — cordialmente atendido — a S. Revma. para que expusesse em nossas páginas um resumo de seu pensamento sobre a pena capital.

Page 165: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

165

gravíssimas palavras, proclamou o grande legislador Moisés, de uma parte, a reverência

que nos há de merecer sempre a: vida de nossos semelhantes, pois que à imagem de Deus

foram criados, e dê outra a tremenda punição.que sofrerão os que atentarem contra a vida

do próximo, vida por vida hão de pagar.

A pena capital é a medida mais grave e eficaz que um Estado pode tomar em sua

luta pela repressão da delinquência, sobretudo para a defesa do bem mais excelente que é a

vida dos cidadãos, sempre ameaçada por aqueles facínoras cuja ferocidade delata um

estado psíquico de absoluta insensibilidade humana.

Demóstenes, o grande orador e político grego, exortava seus concidadãos com

veementes palavras a extirparem os criminosos do meio da sociedade: "Ê necessário,

atenienses, que extermineis estas feras, que as arrojeis da cidade, tirai-as do meio, e não

aguardeis a experimentar o mal que vos possam fazer, antes precavei-o a tempo." Este

mesmo foi o pensar de todos os povos até os nossos tempos.

Em duro contraste com o unânime sentir dos filósofos e legisladores a respeito da

necessidade e legitimidade da pena capital na sociedade, surgiram nos dois últimos séculos

vários juristas e sociólogos contestando essa doutrina, os quais, se não lograram convencer

a muita gente, pois na realidade não alegaram mais do que razões sentimentais, sofismas e

afirmações gratuitas, entretanto lograram manter sempre sobre o tapete essa discussão.

Na verdade, dificilmente se achará outra questão jurídico-social que, de 1800 a esta

parte, suscite tanto interesse e mantenha tão perene atualidade como o problema da pena

capital. Isto, porém, não deve surpreender-nos se repararmos que, além do seu conteúdo

sentimental, derivado de sua própria natureza, é um problema de muitos dilatados

contornos e repercussões, problema simultaneamente filosófico, teológico, jurídico, social,

pedagógico e psicológico.

Com efeito. A pena capital, como em geral o direito de punir, encontra na filosofia

sua legitimação, que os filósofos amplamente fundamentam com rara unanimidade, pois

em tempo nenhum se achará um só filósofo original que não seja favorável à pena de

morte; o teólogo mostra a aprovação e coincidência da revelação e da ciência cristã com as

exigências da sociedade na repressão do crime; à técnica jurídica compete o

enquadramento dessa pena e das normas processuais adequadas no conjunto do

ordenamento jurídico da Nação, como garantia e meio eficaz da segurança individual e

coletiva; ao sociólogo e ao educador interessa esse problema pela sua íntima relação com a

salvaguarda da convivência social e pela influência que a sua existência ou a sua abolição

Page 166: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

166

pode exercer na formação e educação do cidadão no que respeita à sua estimação dos

supremos valores da justiça e da vida humana; enfim, é deveras interessante para o

psicólogo o estudo dos fortes reflexos psíquicos que na vida emotiva se manifestam com

ocasião de graves crimes, quer num sentido, pela falta de adequada punição nos países

abolicionistas, quer em sentido oposto, onde tais delitos são severamente castigados com a

pena da própria vida. Cumpre que os sociólogos, psicólogos e educadores coadunem seus

esforços para a reta formação dos sentimentos e a guarda da hierarquia dos valores, e não

aconteça, como por desgraça é frequente, até em gente culta, uma inversão completa da

ordem dos valores, manifestando sentimentos de compaixão doentia pelo criminoso que

expia seus delitos com a justa punição (v. gr. no caso de Chessman) e permanecendo

indiferente ou quase insensível em presença do número elevadíssimo de inocentes (v. gr. a

pequena Tânia ou o casal da Rua Toneleiros) sacrificados pela ferocidade tolerada e não

reprimida dos facínoras.

Nas páginas que seguem trazemos à consideração dos leitores uma porção de

questões que, se não oferecem uma travação sistemática sobre o problema da pena capital,

todos eles focalizam diversos aspectos do mesmo.

AO ESTADO Ê LICITO CASTIGAR COM A PENA CAPITAL OS RÉUS DÊ DELITOS

GRAVÍSSIMOS

É dever da autoridade civil, conservar, fomentar e defender o bem comum dos

cidadãos e para o cumprimento deste dever, especialmente no que se refere à defesa do

maior bem do cidadão, que é a vida, necessita a autoridade, do poder coercitivo, inclusive

usar muitas vezes da pena de morte. Com efeito, a sociedade tem não apenas o direito e

sim o dever mais estrito de conservar-se no presente e contra os ataques futuros, logo

deverá usar dos meios eficazes, conducentes a esse fim necessário, que é a ordem social e

política; pois não poderá considerar-se ilícito aquilo que é absolutamente necessário para a

defesa da vida humana, política e tranquila, pois pára este fim criou Beús, a sociedade

política. Ora, não padece dúvida que para a obtenção deste fim é necessária á punição dos

perturbadores da ordem, que nos casos graves requer inclusive a pena de morte. Por isto

dizia um ilustre jurista clássico. (Lugo) que "todo Estado tinha seu ponto de apoio nestes

dois pólos ou quícios, prêmio e castigo; tirado este, prevaleceria o crime e as pessoas

honestas não poderiam viver... Por esta razão, acrescentava, pode a sociedade castigar até

Page 167: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

167

os ladrões com à mesma pena de morte: quando esta se julgar necessária para reprimir a

insolência e audácia dos malfeitores".

A OPINIÃO DE SANTO TOMÁS

Santo Tomás de Aquino, a grande figura do pensamento medieval, defende, em

muitos lugares de suas obras, e com rigoroso raciocínio, a pena de morte. Na Suma

Teológica (2. 2. q. 64, art. 2) formula este argumento: "Todas as partes se ordenam ao todo,

como o imperfeito ao perfeito; e por isto cada uma das partes existe naturalmente, pelo

todo. Por isto vemos que se é conveniente à saúde de todo o corpo humano a amputação de

algum membro, por exemplo, porque está podre, ou pode infeccionar os outros membros,

faz-se e é louvável, esta amputação para a saúde de todo o corpo. Ora pois, toda pessoa

particular compara-se a toda a comunidade como a parte ao todo e, por conseguinte, se um

homem é perigoso para a sociedade, tende à sua destruição por algum pecado, louvável e

salutarmente se lhe tira a vida para a conservação do bem comum; porque, como diz São

Paulo, um pouco de fermento corrompe a massa toda." No artigo seguinte da mesma

questão, diz o doutor de Aquino estas palavras formais: "É lícito matar ao malfeitor,

quando isto se ordena à saúde de toda a comunidade." "Matá-lo, diz mais adiante, não por

própria autoridade, senão pela autoridade pública, por causa do bem comum." Na Suma

Contra Gentes, dando Santo Tomás nova forma ao raciocínio em favor da pena de morte,

assim se exprime: "O bem comum é melhor do que o bem particular de um só; por

conseguinte, é lícito privar alguém de um bem particular para conservar o bem comum.

Ora, a vida de alguns celerados impede o bem comum, que é a paz e concórdia da

sociedade humana; devem portanto, tais homens celerados ser pela morte eliminados da

sociedade humana."

Horrendo é o crime do homicida, porque o bem temporal maior do homem é a vida

do corpo, e o bem mais excelente e único da pessoa humana é a salvação da alma. Ora, o

homicida tira a vida temporal da vítima e deixa-a em gravíssimo risco de perder a eterna,

pois, de súbito, e sem tempo para se arrepender e preparar para a morte, a faz aparecer

diante do divino Juiz. Deve, pois, a autoridade suprema envidar todos os esforços para

evitar aos súditos tão grave mal; isto, porém em muitos casos, não o poderá lograr, quero

dizer, conter os criminosos, sem usar às vezes o castigo máximo da pena capital, porque

existem sempre malfeitores tão perigosos, tão inclinados ao crime e, às vezes, chefes e

indutores de outros criminosos, tão perversos e contumazes, que o Estado só poderá

Page 168: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

168

garantir a segurança dos cidadãos pacíficos e manter a justiça e a ordem, eliminando

aqueles elementos perturbadores. "Nestes casos, diria o Aquinense, pode justamente e sem

pecado a suprema autoridade matar esses homens pestíferos, a fim de que se não altere a

paz da cidade."

Enfim, o autor da natureza outorga, sem dúvida, a cada ser, os meios que lhe são

necessários para poder alcançar o seu fim; isto o exige a providência santíssima do

Criador, a quem toca ordenar e dirigir convenientemente todas as coisas criadas a seus

peculiares fins. Ora, sem o direito de castigar com a pena de morte certos delitos

gravíssimos, não pode alcançar a sociedade seu fim próprio que consiste principalmente na

paz, segurança e tranquilidade dos cidadãos, que seriam transtornadas — é bem triste a

experiência que disto temos — logo que os celerados soubessem que por nenhum de seus

crimes, por grandes e atrozes que fossem, haviam de ser condenados à morte. Portanto, é

necessário admitir na autoridade suprema o direito de infligir a pena de morte, a fim de

cumprir com exação seus deveres para com a sociedade.

Todos os raciocínios anteriores, baseados principalmente na necessidade que tem a

sociedade política de possuir os meios adequados para a consecução do seu fim, podemos

resumi-los esquematicamente num raciocínio assim formulado: O Estado tem todos os

direitos de que necessita para a defesa do bem comum; ora, a aplicação da pena de morte é

necessária para o bem comum logo a autoridade suprema possui sem dúvida o direito de

infligir a pena de morte,

É verdade que alguns tratadistas negam a premissa menor deste raciocínio, dizendo

não ser necessária a aplicação dessa pena por parte da sociedade para defender com

eficácia o bem comum; pois os criminosos são suficientemente reprimidos por certos

meios, como a prisão perpétua etc, sem recorrer à pena capital. Isto não passa de afirmação

gratuita, que a razão e a experiência cotidiana desmentem.

OS QUE PENSAM E OS QUE OPINAM

É bem verdade que o comum dos homens tem opiniões: são, porém, muito poucos

os que pensam. Ter opiniões é muito fácil e ao alcance de todos; não requer estudos,

cultura, preparação nenhuma é suficiente prestar adesão a qualquer ideia lida em jornal ou

revista, ou agitada em qualquer roda de amigos.

Já não sucede o mesmo em se tratando de pensar, isto é, de discorrer por conta

própria e de dar uma base racional às nossas opiniões.

Page 169: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

169

Para isto, além de talento e preparação adequada, faz-se necessário estudar, raciocinar,

comparar, criticar e, sobretudo, refletir, até poder elaborar um corpo de doutrina na base de

sólidas razões.

A experiência cotidiana ilustra-nos sobre o assunto.

Surgindo na conversa e ainda, às vezes, na imprensa e no rádio, ou na tribuna, um

tema em discussão sobre política, religião, direito, economia etc, raras são as pessoas que

se abstêm de dar seu palpite; todas têm opinião. Quantas são, porém, as conhecedoras do

assunto e que estão em condições de emitir um parecer fundado?

Lembro, a este propósito, uma anedota muito ilustrativa, que li há vários anos:

viajava pela Alemanha um jornalista espanhol. Tendo feito amizade com vários membros

de um clube literário cervantista, foi por eles convidado, no aniversário de Cervantes, para

assistir a um jantar em homenagem ao Príncipe das Letras universais. Chegada a

sobremesa, é o próprio jornalista que o refere, o presidente da festa diz: "Agora, cada um

brinde pela façanha de Dom Quixote que considera mais bela." Aqui os meus apuros; Eu,

senhores, o único espanhol presente, era também o único que jamais lera o Dom Quixote.

Que fazer? Escutei os companheiros discorrerem com entusiasmo, expondo cada um o

episódio que julgava mais interessante. Quando me tocou a vez de falar, disse: "Adiro ao

parecer de fulano — um dos que com mais brilhantismo me precederam -— é escusado

repetir-vos o relato da façanha, que com tão vivas cores o amigo nos referiu." E assim,

conclui, com este expediente e sem que ninguém desse pela coisa, saí daquele aperto.

Eis aí um caso bem típico do que vimos dizendo: o jornalista não lera nunca o

Quixote, nem muito menos estudara e comparara, com a de outras, a intrínseca beleza de

suas páginas; entretanto, emite sua opinião como cada um dos sisudos cervantistas

germânicos.

OPINIÕES SOBRE A PENA DE MORTE

Se sobre qualquer problema religioso ou político surgem logo as opiniões fáceis do

povo ignaro nestas matérias, com mais facilidade e frequência se dá o mesmo fenômeno

quando vem á baila o tema da pena de morte, É esta uma daquelas questões de índole

jurídica, religiosa e social, sobre a qual contadas podem ser as pessoas que se abstenham

de dar seu parecer, apesar de ela encerrar um problema de extrema complexidade.

Claro está que esta complexidade é já fruto das discussões, sofismas e

sentímentalísmos, postos em jogo com grande aparato e habilidade, por uma minoria de

Page 170: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

170

abolicionistas. Com efeito, a legitimidade e conveniência da pena capital nos delitos

gravíssimos brilha com tanta clareza nas inteligências humanas, quando espontaneamente

discorrem, que essa punição esteve vigente em todos os tempos e lugares até há pouco e

ainda agora subsiste nas nove décimas partes do globo. Os próprios abolicionistas se traem,

quando emitem no caso um juízo espontâneo: um advogado discutia comigo sobre a pena

de morte, durante um almoço, de súbito, alguém lhe pergunta: que faria você, se um

malvado estuprasse uma filhinha de oito anos? "Matá-lo-ia", respondeu incontinenti.

Observando, porém, o estupor dos presentes, pela sua incoerência, — "Sim, porque nesse

caso o merecia." Eis, incoercível, o juízo espontâneo da razão natural, não deturpado por

superestruturas de propaganda ideológica. O mesmo se diga daquele abolicionista ferrenho

que, entrando em casa, vê dela sair o assassino que acaba de enforcar o pai para roubá-lo.

Sai atrás dele, alcança-o e dá-lhe morte na mesma hora.

Nestes casos é, sem dúvida, errado, fazer justiça pelas próprias mãos, pois pode isso

levar a verdadeiras arbitrariedades e injustiças, além de assumir certo caráter de vingança.

O que, porém, não se pode negar em tais casos, é a justiça do juízo prático, que leva a

considerar réu de morte a quem o foi de gravíssimos delitos. Este juízo brilha com

claridade meridiana em toda mente humana, derivando da ideia de justiça, que é intrínseca

à lei moral.

Fora do caso desse juízo espontâneo sobre a licitude da pena capital, que, tendo sua

base na lei natural, é comum a todos os povos, surgem em nossa época numerosas pessoas

que opinam contra esta pena, alegando as mais diversas razões.

DOIS MODOS DE OPINAR

Em dois grupos podemos classificar as pessoas que, sem terem feito um estudo

particular do problema, dão seu parecer contrário e que, para nosso caso, chamamos de

simples opinantes. O primeiro é constituído por todos aqueles que repetem apenas alguns

dos falsos argumentos ou afirmações gratuitas de qualquer abolicionista. O segundo grupo,

mais numeroso, é o daqueles que, vítimas de um sentimentalismo às avessas, julgam

pensar e discorrer sobre o assunto, quando outra coisa não fazem senão dar ênfase ao seu

sentimento, apoiando-o talvez em qualquer razão vulgar.

A razão de acharmos com frequência pessoas cuja opinião é contrária à pena

capital, é simples: Os abolicionistas, manhosamente, difundiram uns quantos tópicos e

frases especiais que, no vtílgo que não pensa nem estuda as questões, produzem a mais

Page 171: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

171

forte impressão. As mais comuns dessas frases são do seguinte teor: a pena de morte não

resolve coisa nenhuma; nenhum homem tem direito de tirar a vida de outrem; a pena

capital é bárbara e anti-humana; o erro judiciário deve proscrever a pena capital; tirar a

vida ao malfeitor é impedi-lo de se regenerar; o Estado não educa, tampouco deve eliminar

o degenerado; a pena de morte não diminui a criminalidade; etc. etc. . .

Estas, e outras muitas afirmações análogas, foram já mil vezes respondidas e

pulverizadas, não passando todas elas de asserções gratuitas, falácias e sofismas;

entretanto, o homem do povo que não tem estudos sobre a matéria e carece com frequência

também de capacidade para julgar em problemas tão complexos, não examina ditas

expressões, de cujo exame deduziria o nenhum valor delas; em tais condições, porém,

deixa-se impressionar e aumenta, assim, o número dos que opinam contra a pena de morte.

OS QUE SENTEM JULGANDO QUE PENSAM

É mais frequente, porém, e às vezes pitoresco, o caso daqueles que, imbuídos de

puro sentimento, julgam que pensam, quando somente sentem, e, assim, com segurança,

opinam sobre o que ignoram.

Em certa ocasião, quando me achava conversando com um professor sobre a

guerra, o faxineiro do colégio, rapaz absolutamente analfabeto, interferiu, de súbito,

dizendo: "Não gosto nada desses americanos; é gente que não presta." Nós, surpreendidos,

interrogamo-lo: Por que não gosta dos americanos? "Não sei, respondeu, porém tenho

muita antipatia por eles."

Eis, refletido nesse caso, o vulgo que opina, ignorando porém as possíveis razões

de sua opinião. Ouvindo apenas a voz do sentimento, da simpatia ou da antipatia, julga-se

em condições de falar com ares de convicção.

Em se tratando de tema tão carregado de elementos humanos como é o da pena

capital, são legião os que, não só entre o vulgo, mas, ainda mesmo entre pessoas com

diplomas superiores e até padres, ouvem só a voz do sentimento e não a da inteligência,

para emitir sua opinião nó caso.

É claro que não é o mesmo ter conhecimentos de medicina, dominar a técnica da

fuga ou do contraponto musical, ou ser bom exegeta da Bíblia, e possuir uma cultura

jurídica e social que possibilite a formação de opiniões sérias sobre esta matéria.

Balmes, em sua imortal higiene da alma que ele intitulou EL CRITÉRIO (cap. XIX,

5), deixou-nos uma pintura do homem sentimental: "Anselmo, jovem aficionado ai estúdio,

Page 172: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

172

acaba de leer um elocuente discurso en contra de la pena de muerte: Lo irreparable de la

condenación dei inocente, lo repugnante y horroroso dei suplicio, aun cuando lo sufra el

verdadeiro culpable; la inutilidad de tal castigo para extirpar ni disminuir el crimen, todo

está pintado com vivos colores, con pinceladas magnificas; todo realzado con

descripciones patéticas, con anécdotas que hacen estremecer. El joven está profundamente

conmovido, imaginase que medita y no hace más que sentir; cre ser un filósofo que juzga,

cuando no es más que un hombre que se compadece... Pêro he aqui que el joven habla

sobre El particular con un magistrado de profundo saber y dilatada experiência, quien

opina que la abolición de la pena de muerte es una ilusión irrealizable. Desenvuelve en

primer lugar los princípios de justicia em que se funda, pinta, con vivos colores las fatales

consecuencias que resultarian de semejante medida, retrata a los hombre desalmados,

burlándose de toda otra pena que no sea el último suplicio, recuerda las obligaciones de la

sociedad en la protección dei débil y dei inocente... el corazón dei joven experimenta

impresiones nuevas; uma santa indignación levanta su pecho, el ceio de la justicia le

inflama; su alma sensible se identifica y eleva con la dei magistrado..."

OS SENTIMENTAIS TÊM A PALAVRA

Dentre várias notas e entrevistas de jornais dos últimos meses, respigamos algumas

como exemplo. "Sempre fui contra a pena de morte. Francamente contra. Terrivelmente

contra." Assim começa alguém. E outrem: "Professo o mais profundo e sacrossanto horror

à ideia da pena de morte... Acho odiento, acho odioso defendê-la." Como se vê, são juízos

afetivos, emocionais, puro sentimento. Não procureis arrazoados, que estão ausentes. Em

tudo o mais a repetição dalguns tópicos vulgares e nova ênfase sobre a atitude subjetiva do

entrevistado ou escritor como se as reações sentimentais dele suprissem para os demais o

raciocínio sereno.

Outra pessoa de marcada significação religiosa em nosso meio, afirma:

"Vã e odiosa se torna a pena de morte", e crê que "os católicos não podem deixar de

lamentai a morte de Chessman". Mas, por que isto? Pois simplesmente porque "se tornara

uma pessoa simpática". Notem-se os conceitos: pena odiosa: Chessman pessoa simpática.

Em suma, apreciações valorativas, sempre dentro da ordem sentimental; ausência de

razões. Submetamos ainda a um exame mais particular essas expressões para que se veja

com que facilidade às vezes, pessoas de quem tínhamos direito de exigir mais ponderação

Page 173: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

173

e precisão nos conceitos, em matérias que atingem a própria teologia, se lançam a opinar,

em detrimento da verdadeira doutrina.

Odiosa ou cruel a pena capital? Digamos que é um castigo doloroso, extremamente

severo, de acordo, não porém, punição odiosa. Esta palavra significa algo que é execrável,

detestável, que inspira aversão. Considerando, porém, que toda a odiosidade de uma ação

recai sobre o autor dela, logicamente se infere que, se a pena capital fosse odiosa, todos os

seus patrocinadores, Moisés, Nosso Senhor Jesus Cristo, São Paulo, os santos Padres, e

doutores, Igreja Católica, com todos os seus teólogos e canonistas, os maiores filósofos e

sociólogos do mundo, todos seriam execráveis, merecedores da aversão das pessoas

honestas, pois seriam defensores de algo digno de ódio e execração. O cirurgião que

extirpa um membro gangrenado pratica uma ação dolorosa e dura, não cruel nem odiosa; e

o mesmo se diga do pai que reprime com severa punição o desregramento do filho: ele

ama-o, não o odeia. Talvez aos meros opinantes, pareça esta uma questão de somenos

importância. Não o julgo eu assim, pois certas palavras e expressões já emergem pletóricas

de sentido valorativo e, como neste caso, inevitavelmente negativo. Por conseguinte, seu

uso prejulga o problema antes de toda discussão. Se, pois, não diz bem em que se limita a

opinar, de modo nenhum é tolerável na pena de quem deve pensar antes de escrever.

A INFLUÊNCIA DO EMOCIONAL NO CASO CHESSMAN

"Chessman tornou-se uma figura simpática." Por que isto? Será, talvez, por se haver

regenerado? Não, pois ainda dois meses antes da morte lhe fora denegado o indulto na base

de não haver o malfeitor dado nenhum sinal de arrependimento» e o próprio autor da frase

citada reconhece isto lamentando que não se tivesse "pensado, diz, na possibilidade de

recuperar Chessman pelos modernos processos da medicina".

Então, a que atribuir essa súbita e encantadora simpatia pelo "bandido da luz

vermelha?" Dizíamos no começo destas linhas que opinar era sumamente fácil, bastava

aderir, sem mais exame, à última ideia lida num jornal ou revista. Ora, de alguns anos a

esta parte houve quatro pessoas sentenciadas à última pena que inspiraram amplos

movimentos de compaixão no mundo: Hauptmann, o raptor do filho de Lindenberg, os

esposos Rosemberg, convictos de espionagem, e o bandido Chessman. Dá-se, porém, a

coincidência de que todos quatro eram ísraelistas e que tinham em seu favor uma imensa,

colossal máquina de propaganda. É verdade que na Nova Lei já não há, como diz o

Apóstolo, judeu ou gentio, pois todos fomos remidos por Cristo e por conseguinte a mesma

Page 174: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

174

compaixão nos merecem todos os que sofrem, sejam judeus ou não; mas pelo mesmo

motivo merece igual repulsa o criminoso, seja gentio ou judeu.

Além disto também, neste caso o entrevistado no jornal confundiu com certeza a

compaixão com a simpatia (etimologicamente análogo). Eu tenho compaixão do traidor

Judas e do mau Ladrão impenitente, não tendo, entretanto, a mínima simpatia por ele. Sinto

e me compadeço da triste situação de Chessman com seu orgulho e dureza que o mantêm

na incorrigibilidade, e por ele rezo para que Deus lhe mova o coração; não sinto, porém, a

menor simpatia por tal bandido. E fácil compreender que, se alguns dos opinantes tivessem

primeiro analisado as circunstâncias e pensado antes de escrever, teriam chegado a estas

mesmas conclusões.

HISTERISMO EM LUGAR DE PENSAMENTO SERENO

Numa palavra: sobre a pena capital há muitos que opinam e são poucos os que

pensam. Os que opinam são levados, na maioria das vezes, por puro sentimento. Certa

escritora à qual pertence uma das frases transcritas, falando da pena de morte, há pouco

tempo, num grande vespertino do Rio de Janeiro, exprime-se em linguagem tão veemente,

feroz e apaixonada, que suas frases em vez de traduzirem uma convicção razoada mais

parecem gritinhos histéricos, pois ela mesma confessa que nesta questão é "parcial e

neurótica"; acha "odiento; odioso defender a pena de morte", e não compreende e lamenta

que um católico a defenda. Mais lamento eu um sentimento tão às avessas e fora de lugar e

não compreendo como um coração feminino pode sentir esse horror pela morte de um

facínora e permaneça insensível perante o assassinato de inúmeros inocentes. Ela não

compreende, mas outros sim, o compreendemos, que na Inglaterra se sacrifique uma dúzia

de delinquentes cada ano em troca de terem a média de homicídios das mais baixas do

mundo; que na Espanha se leve à morte um ou dois criminosos cada ano e em

consequência disto desfrute atualmente do mais baixo índice de criminalidade entre todas

as nações. (Isto se escreveu em 1960. Hoje, abolida na Constituição a pena de morte, a

criminalidade na Espanha cresce assustadoramente.)

Repito, neste, como noutros problemas, não nos limitemos a opinar.

Estudemos, examinemos e pensemos a fim de que nossas afirmações se acerquem

mais da verdade das coisas.

AS OBJEÇÕES DO PROF. NILO PEREIRA

Page 175: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

175

De regresso de minha excursão à bela cidade do Recife, na qual a 10-1-60 mantive

um programa radiofônico, "Encontro Marcado", recebo, enviadas por um amigo, algumas

"Notas Avulsas" do JORNAL DO COMÉRCIO, assinadas por N.P. (Nilo Pereira, Prof. da

Faculdade de Filosofia, segundo me informam) intentando refutar alguns extremos da

nossa transmissão radiofônica.

Nilo Pereira dá uma interpretação inexata e fantástica de nossa referência às

palavras de Cristo a Pilatos. Como aclaração, seja suficiente repetir o caso: Interrogado

Jesus pelo Governador, nada responde. Pilatos, desgostoso, interpela-o: "Não me

respondes? Ignoras que tenho poder de libertar-te ou de dar-te morte na cruz? Responde-

Ihe Jesus: Não terias poder algum sobre mim se não te fora dado do alto" (Jo. 19,10-11).

Com estas palavras, Jesus, ao mesmo tempo que confirma aquele poder de vida ou morte

na Autoridade suprema, derivando-o do mesmo Deus, admoesta o Governador sobre o uso

desse poder, pois dele há de dar conta a Deus que lho outorgou; bem assim como acontece

nos indivíduos com a liberdade; mesmo usando dela mal e ainda contra o próprio Deus,

nem por isso deixa de ser certo que foi Deus que a deu ao homem. Tudo mais que o

objetante diz sobre o assunto deriva de suas ideias um tanto confusas sobre a origem do

poder na sociedade, e que aqui não é o lugar de esclarecer.

A IGREJA CATÓLICA E A PENA DE MORTE

Censura com acrimônia e acha muito estranho Nilo Pereira que, sendo o

Cristianismo a religião do amor, um sacerdote católico defenda a pena capital para os

criminosos, pois ele só deseja ver "a Igreja Católica à frente dos movimentos humanos e

cristãos, clemente, perdoando e convertendo" e ao padre dedicado "às obras sociais", por

isso lamenta que o padre se entregue a uma causa que ele julga contrária à caridade e que

"expõe a Igreja". Agradeço, mas nem por isso aceito as admoestações do ilustre professor,

nesta oportunidade, pois suas lamentações estão no caso muito fora de lugar, como vamos

demonstrar.

Na verdade, mesmo como sacerdote, sinto-me à vontade na posição de defensor da

pena capital pois que a meu lado formam todos os grandes sábios e filósofos que no mundo

foram, e vindo ao Cristianismo, ensinaram a liceidade e justiça da pena de morte, a

começar por São Paulo, todos os santos Padres e Doutores da Igreja, todos os teólogos,

todos os canonistas, é doutrina contida no magistério ordinário da Igreja, exercido pelos

Papas no decorrer dos séculos, até o grande Pontífice da Paz, o saudoso Pio XII que, em

Page 176: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

176

suas alocuções, ao menos nove vezes se referiu com aprovação à pena de morte (Ver:

Leme Lopes em VERBUM, setembro de 1957) e manifestou-se favorável à sua restauração

na Itália; mais ainda, no Estado do Vaticano manteve a pena capital estabelecida pelos

tratados de Latrão, que, assinados por PIO XI, tinham sido redigidos principalmente pelo

próprio Pio XII, ao tempo, Cardeal Pacelli. Essa pena, no Vaticano, é mantida também

pelo atual Pontífice, João XXIII. Repito, pois, que não me sinto mal ao lado de tão crescido

número de santos, sábios e Papas e não pretendo dar-lhes lições de amor e mansidão, antes

desejo aprender deles a verdade cristalina que de seus ensinamentos se desprende.

OS ABOLICIONISTAS CONTRARIAM A TRADIÇÃO UNIVERSAL DOS POVOS

Uma coisa todavia quero destacar e é a coragem de Nilo Pereira e de outros, de

enfrentarem o peso formidável e esmagador de tão veneranda.tradição e ensinamentos para

aderirem às declamações sentimentais do medíocre Beccaria, exaltado e glorificado por

Voltaire e os voltaireanos, que foram os que deram vigência às doutrinas abolicionistas da

pena capital. Esta coragem, porém, tem sua explicação: o desconhecimento desta tradição e

do ensino perene da Santa Igreja nesta matéria. Com efeito: qualquer teologia moral ou

catecismo explicado que consultassem, os teria esclarecido, pois não se achará um só que

ao explicar o V Mandamento, "não matarás", não declare explicitamente que é justa e lícita

a morte infligida ao criminoso condenado pela autoridade legítima. Baste ao nosso intento

citar só um teólogo atual e muito autorizado, o Pe. Royo, dominicano, que em sua

recentíssima TEOLOGIA MORAL PARA SEGLARES (1,124-135), bem difundida já no

Brasil, resume a doutrina católica na seguinte proposição: "Por direito natural — isto é,

pelo poder recebido de Deus através da lei natural — e sempre que o requerer o bem

comum, pode a autoridade pública impor a pena de morte aos malfeitores réus de

gravíssimos crimes." Este é o ideal de justiça cristão e não o humanitarismo ou

sentimentalismo desorientado que induz a derramar lágrimas pelo assassino castigado e

permanece insensível perante os inúmeros cidadãos inocentes, mortos pelos criminosos.

GRAVE CONFUSÃO DOS ABOLICIONISTAS DA PENA DE MORTE

O que acontece a muitos abolicionistas da pena capital é que misturam tristemente a

ordem da justiça com a ordem da caridade, não advertindo que, se as não distinguirmos, se

a justiça for absorvida pela caridade, não só a pena capital mas pena nenhuma poderia

Page 177: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

177

ser imposta. Com efeito, toda pena conota alguma espécie de sofrimento — malum

passionis quod inflitur ob malum actionis, segundo a clássica definição da pena, dada por

Grocio —, por conseguinte, prescrevendo a ordem da caridade não fazer mal a ninguém, se

identificarmos a justiça e a caridade nunca poderíamos licitamente infligir um castigo, pois

sempre levaria consigo um mal de sofrimento. Isto, como se vê, é absurdo. Teríamos nesta

hipótese que suprimir juízes, tribunais, polícia, prisões e quanto pertence ao poder

judiciário, numa palavra, seria o regresso à selva.

O Prof. Nilo Pereira, vítima também desta confusão, pergunta qual seria a atitude

do Padre Emílio se, na hipótese de ser Governador da Califórnia, tivesse também, como

sacerdote, absolvido a Chessman? A resposta é sumamente fácil e óbvia: distinguiria,

como sempre a Igreja distinguiu, a ordem moral da ordem jurídica, o pecado do delito, o

foro interno, espiritual, do foro externo e civil. A Igreja prescreve nos países católicos a

assistência espiritual aos condenados à última pena. O sacerdote está presente à execução

do réu, mas, previamente, quando este está disposto, o absolve dos pecados e o dispõe para

bem morrer; feito isto, deixa de agir a justiça humana no castigo das delitos. Bem assim

procede também a Igreja na legislação penal canônica. O católico réu de heresia, estupro,

bigamia ou qualquer outro grave delito, pode, estando arrependido, receber imediatamente

de qualquer sacerdote a absolvição do pecado no foro interno; entretanto, isso não impede

a ação da justiça eclesiástica, que prosseguirá a ação até punir o delito com a pena

correspondente.

Com respeito à suposta intervenção dos papas contra a pena capital, nada temos a

responder, visto como se trata de um fato inteiramente falso. Há pouco tempo o

OSSERVATORE ROMANO — e não o Papa João XXIII — referiu-se desfavoravelmente,

e com justa razão, às absurdas normas processuais da Califórnia, no caso de Chessman,

retido entre a vida e a morte durante 11 anos. Isto, porém, nada tem a ver com a pena

capital em si.

Nosso opositor sente-se preocupado pelo acréscimo de poder que, na sua opinião, o

instituto da pena de morte daria ao Estado. Parece-me haver nisto uma nova confusão: o

julgamento dos malfeitores é função do poder judiciário que, na maioria dos estados

modernos, independe, em seu exercício, do poder público. Nada tem a ver o regime

político cem a pena de morte; e a prova evidente disto está no fato de que ela existiu em

todos os tempos e com todos os regimes que a história política registra. Hoje ela está

vigente nos países de regime mais despótico e tirânico, como a Rússia e várias nações

Page 178: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

178

asiáticas, e nos países mais livres e civilizados, como Inglaterra, França,. Espanha, Suíça,

Estados Unidos etc.

A CAUSA DA PENA DE MORTE É A CAUSA DA INOCÊNCIA E DA PAZ

O Prof. Nilo Pereira não julga a pena capital causa digna de ser defendida por um

sacerdote, que, segundo ele deveria ocupasse em abras sociais. Com todo respeito,

divergimos de sua opinião... Ele, sem dúvida, julga de somenos valor a redução vertical da

alta criminalidade que sempre ocorre quando a pena de morte é eficaz e infalivelmente

aplicada, sem contemplações, a todos que a merecem. Entretanto, nós julgamos do maior

interesse social a implantação de uma lei que viria trazer a paz, tranquilidade e segurança

individuais a todo o povo honesto e que reduziria à mínima expressão o número dos

grandes crimes — comparem-se os 500 homicídios no Brasil por cada um na Inglaterra,

onde vige a pena capital! Fosse só a morte de um inocente que com tal pena evitássemos, e

estaria plenamente justificada a sua implantação, quanto mais que, em vez de um, seria a

vida de milhares de cidadãos pacíficos que salvaríamos das mãos dos malfeitores. Que isto

julgue de nenhum valor o Prof. Nilo Pereira, não lho discutiremos, apenas seguiremos

pensando que é nobre e digna a causa que defendemos, pois que sempre será mais

merecedora de defesa a inocência inerme que a maldade armada e facinorosa, a menos que

invertamos a hierarquia de valores e a ordem dos sentimentos humanos.

TÓPICO CONTRA "TÓPICOS"

Duas mortes abalaram profundamente a opinião pública nos meses passados: a

execução, nos Estados Unidos, de um famoso bandido, Chessman, que, múltiplas vezes

reincidente, incorrigível, impenitente e ateu, foi levado ao patíbulo por legítima sentença

judicial, de acordo com as leis daquele país, sentença, aliás, homologada unanimemente

pelos tribunais em três apelações sucessivas; e a morte, no Rio de Janeiro, de uma inocente

criatura, Tânia, que, tirada ardilosamente por Neide Maia Lopes do colégio onde se

educava, teve seu crânio atravessado por uma bala e seu corpinho, ainda vivo, borrifado de

gasolina e queimado.

Não faltaram os que, por uma e outra morte, derramassem lágrimas; o mais

paradoxal do caso, porém, é que muitos, que por serem contrários à pena capital, choraram

a morte de Chessman, agora acham que a assassina de Tânia só com a morte poderia pagar

Page 179: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

179

seu crime, porque — dizem —, neste caso trata-se de um crime horrendo. Ora, pois, não é

isto o que defendemos os partidários da pena de morte? Não pleiteamos, certamente, a

execução de um ladrão de galinha ou de quem, irritado por um insulto, descarrega um

bofetão em seu vizinho; não, a pena capital é punição reservada para os mais graves e

hediondos delitos,, como são, sem dúvida, os homicídios intencionais e premeditados.

Sob a impressão deste contraste de opiniões resolvi dar esclarecimento sobre o

assunto e responder ao autor de "Tópicos", que no semanário "A Cruz" combateu a pena de

morte e nos mencionou como defensor da mesma.

Quero, outrossim, aproveitar o ensejo para dar resposta a J. A. de Oliveira Netto

que, também no mencionado semanário, escreveu outro comentário no mesmo sentido.

A MORTE DE CHESSMAN E A JUSTIÇA NORTE-AMERICANA

Tanto o autor de "Tópicos" como Oliveira Netto revoltam-se contra a justiça norte-

americana pela execução de Chessman, chegando, o primeiro, a comparar o Governador de

Califórnia a Pilatos! Não repara na absoluta incongruência da comparação pela disparidade

que reina no caso, pois, enquanto Pilatos, que diz ter poderes "para crucificar ou para

soltar" Jesus, condena-o à morte, declarando-o, na mesma hora, inocente, o Governador

Brow acha-se em presença de um bandido de cuja culpabilidade e incorrigibilidade não

tem a menor dúvida e, mesmo assim, por ser contrário à pena de morte, deseja indultá-lo, o

que não faz porque isso ultrapassaria seus legítimos poderes. Numa palavra: Pilatos, contra

toda a lei, leva à morte um inocente, ao passo que Brow, para não quebrantar a lei nem

ultrapassá-la, denega o indulto e deixa que o delinquente seja punido.

Com incontida veemência frisa o autor de "Tópicos" a inflexibilidade da lei penal

norte-americana: "A lei — diz — havia de ser cumprida. Para o povo americano a justiça

está acima dos sentimentos humanos." Exato, e assim deve ser. Curioso! Isso mesmo que o

autor de "Tópicos" censura na justiça ianque e a condição que o grande Pontífice Pio XII,

interpretando nisto toda a tradição do direito e filosofia cristã, exigia para que a justiça

fosse perfeita. Mais de uma vez afirmou que a caridade que não se alicerça na justiça não é

verdadeira caridade, e sim puro sentimentalismo que, longe de ser virtude, é defeito e

morbosidade. O lema de Pio XII era "opus justiae pax". A paz verdadeira há de se

fundamentar na justiça, que "está acima dos sentimentos humanos" e que, por causa destes

sentimentos, não deixa incumprida sua missão e impunes os delitos.

Page 180: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

180

A SUPOSTA INTERVENÇÃO DO PAPA

Por sua vez Oliveira Netto foi, sem dúvida, vítima da hábil propaganda feita pelos

abolicionistas, por ocasião da condenação de Chessman. Ele não duvida que o Papa "se

manifestou contra a execução de Chessman... depois de profunda análise, reflexões

equilibradas e lógicas", e augura feros males aos Estados Unidos porque "não ouviram o

Papa. Executaram Chessman".

Como é diferente a realidade dos fatos e a verdade...! Os abolicionistas envidaram

todos os esforços para obterem do Sumo Pontífice uma palavra qualquer em favor de

Chessman; como não a conseguiram, para ocultar seu fracasso disseram a uma agência

jornalística que uma personalidade do Vaticano teria declarado que o Papa rogava por

Chessman. Ora! O Papa roga por Chessman e roga por todos.

Como isto, pois, nada significava para o caso, alguns jornais, sem respeito à

verdade, incharam a notícia da prece papal, dizendo que o próprio Papa tinha feito uma

declaração em favor de Chessman; e com tanta imaginação quanta falta de honestidade,

reintegraram o Conde Delia Torre na direção do "Osservatore Romano", que deixara havia

dois meses, forjando um artigo que, como Diretor, teria escrito no dia da execução de

Chessman. Eis os fatos e não essas balelas de supostas declarações de Pio XII e de João

XXIII contra as execuções do casal Rosemberg e de Chessman. Como poderiam estes

papas manifestar-se contra a pena capital, se foi precisamente Pio XII quem reiteradamente

se declarou a seu favor e esperava sua restauração na Itália e ele mesmo a estabeleceu no

Estado do Vaticano? E João XXIII, não mantém ainda essa pena no Vaticano?

Vamos fazer de tão insignes Pontífices pessoas tão esquecidas e tão incoerentes

que, com o barulho da propaganda abolicionista, esquecem ou negam a doutrina tradicional

da Santa Igreja, por eles ensinada e aplicada? Nesta grave irreverência incorrem alguns

católicos, ou por ignorância do catecismo ou por se apegarem com teimosia à sua opinião

contra o sentir da Igreja em todos os tempos. Entretanto, nada mais formoso e aconselhável

para um católico, que render, seu juízo particular, quando suas opiniões vão de encontro. às

doutrinas da Igreja!

A GLORIFICAÇÃO DOS CRIMINOSOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Como esses comentários surgiram por ocasião da execução de Chessman, seja-me

permitido acrescentar ainda uma pequena consideração: Em presença de fatos como esse, a

Page 181: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

181

atitude do cristão há de ser sempre a de compaixão — não impunidade — para com o

delinquente, e de condenação dos seus crimes; pensamento formulado em frase lapidar

pela grande filósofa e penalista Conceição Arenal: "Odia ai delito y compadece ai

delinquente". Em vez disto, que vi mos no caso em tela? Que triste espetáculo, que penosa

impressão produzia, não apenas a imprensa em geral, mas sobretudo a atitude de alguns

escritores juristas, cujos nomes preferimos não mencionar! Achincalharam a dignidade da

justiça e glorificaram a Chessman. Má era a justiça da Califórnia, que puniu o bandido;

bom era Chessman, sábio, recuperado, inocente! Meu Deus! Que completa inversão de

valores! Veja o leitor algumas amostras, tomadas ao acaso, da abundante literatura

jornalística em torno da morte do bandido da prisão de São Quentin: "Monstruosa

execução", "ato de brutalidade digna dos bárbaros brancos da África do Sul"; "a criminosa

execução de Chessman", que foi "mártir" e "inocente"; "morreu — dizia um jornal com

enormes títulos — com o sorriso nos lábios" etc. Só faltou dizer que, como o protomártir

Santo Estevão, viu "os céus abertos e o filho do homem à direita de Deus"!...

Por favor, senhores. O de que necessitamos, como meio a tantos crimes, que em

roda de nós se cometem cada dia, não é glorificar os facínoras senão criar um ambiente de

profunda repulsa, da mais completa e absoluta reprovação da delinquência.

Vejam logo as consequências de tão incauta, ou melhor, suicida atitude social como

a assumida pela imprensa perante o caso Chessman: Neide, a assassina da inocente Tânia,

lia e anotava relatos de crimes, gostava de exibir-se para a imprensa e posar para os

fotógrafos, sonhando com aparecer nos jornais, famosa e exaltada, como Chessman. Já

prevejo com melancolia, que, daqui a pouco será esquecido o horrendo assassinato da

pequena Tânia, porque a "justiça criminosa e brutal" terá condenado a alguns meses de

retenção à "inocente" e "mártir" Neide!

O DUPLO HOMICÍDIO DA RUA TONELEIROS

Nestes mesmos dias tivemos nova experiência sobre os funestos efeitos da

campanha jornalística e dos próprios livros escritos por Chessman. No dia 9 de outubro,

por volta das cinco e meia da tarde, três jovens: Heraldo Martins de Oliveira, de 20 anos, e

os irmãos Luís e Pedro Apicelo, de 21 e 19 anos, respectivamente, assaltaram, na Rua

Toneleiros n.° 152, de Copacabana, a residência do engenheiro Dr. Mário Soares Pereira a

quem, junto com a esposa, — ambos já ultrapassando os 70 anos — trucidaram com

Page 182: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

182

inauditos requintes de ferocidade, pois, segundo confissão de um deles, Luís, "matamos os

velhos com fúria do diabo".

Após três dias foram descobertos pela polícia e capturados os três malfeitores que,

cinicamente, confessaram com todos os pormenores o crime realizado. E aqui vem o que

dizíamos da nefasta influência do caso Chessman, que nas suas declarações à polícia

deixam transluzir os réus. Luís esboça em esquema aquela chapa tão difundida de

Chessman, segundo a qual, premido desde a infância pela necessidade, e socialmente

desamparado, derivou para a vida de criminoso. Também ele, Luís, levou o mesmo

caminho: "Quero que vocês compreendam por que pratiquei este crime; Foi a necessidade.

Foi a fome. Empreguei-me desde os 11 anos, trabalhei em diversos lugares, fiz mal a

Genecy — a mulher com quem vive —, nasceu meu filho e eu queria dar conforto ao meu

filho." E seu irmão, Pedro, completa o quadro com o pensamento de ser outro Chessman

pelo mundo, nas páginas dos jornais; pergunta a um repórter que presencia seu

depoimento: "Vai escrever um romance muito grande disso tudo?"

Se a atitude destes jovens é revoltante, não o é menos a de alguns abolicionistas

que, com uma frieza mental, — parelha da emocional dos réus — em presença deste duplo

crime, tão feroz, tratam de explicá-lo, ou melhor, de exculpá-lo, por parte dos réus, que a

ele teriam sido levados pela pobreza e abandono. A reação do povo carioca foi muito forte

e, assim, no enterro das vítimas, como nos círculos e tertúlias ocasionais, por aqueles dias,

só se falava da conveniência da pena capital. Os abolicionistas não querem reconhecer a

legitimidade dessa clara inferência dos cidadãos honrados e entregam-se a uma pura

ginástica mental para terminarem dando-nos as mais sediças e simplórias explicações do

crime, que, afinal de contas, só servem para mais incentivarem a criminalidade. Assim, o

Prof. Oscar Stevenson afirma que "estamos num regime de desgoverno e isso cria

condições favoráveis à prática de crimes como este: a miséria, o pauperismo, a ambição",

e, imperturbável, diagnostica: "o custo de vida é sem dúvida um dos grandes culpados por

esse crime".

O parecer do Prof. Benjamim de Morais é ainda mais ingênuo: "Causas deste duplo

homicídio? Um dos criminosos alegou que tinha família e precisava de dinheiro; que, já há

algum tempo, pedira dinheiro emprestado ao engenheiro Soares Pereira, e que este lho

negara. Vemos, então, o pauperismo e um sentimento de revolta pela diferença de fortuna

entre ricos e pobres." E, satisfeito, sem dúvida, pelo difícil diagnóstico, declara solene:

"Não cabe preconizar a adoção da pena de morte para tais crimes bárbaros." O psicanalista

Page 183: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

183

Turandir Manfredini — entrevistado também na mesma ocasião pelo "O Globo" (17-X-

960), assinala como primeira entre as duas causas do crime, "o pauperismo".

Tal insensibilidade humana e jurídica, em presença das mais graves ameaças à

ordem social e à convivência humanas da parte de pessoas responsáveis, nos deixariam

indiferentes se nelas não estivesse envolvida a inquietude e o isobressalto de milhares e

milhares de pessoas e famílias, as quais, tendo estrito direito de exigir do poder social a

garantia e segurança individuais, vêem-se entregues à barbaria e ferocidade dos malfeitores

com o assenso dos juristas mencionados e de tantos outros, como N. Hungria, R. Lyra etc,

que nem em tais casos vêem motivos para "preconizar a adoção da pena de morte".

AS CAUSAS VERDADEIRAS DA DELINQUÊNCIA

O que mais surpreende em tais escritores é o simplismo com que intentam resolver

o problema da criminalidade. Para eles a causa está no pauperismo, na carestia da vida, no

desajuste social, e nas frustrações e ressentimentos de classe. Por que resumir desse modo

um assunto tão complexo, falseando a solução? Por que atribuir exclusivamente a fatores e

causas externas o que tem suas raízes na mesma natureza do homem? Não advertiram que

o mundo sábio, as escolas penais mais esclarecidas, há já tempo que estão de volta desse

estéril e anti-científico positivismo jurídico? Eles não reparam que, se essas fossem as

causas principais, ou quase únicas da criminalidade, como pretendem, não teria explicação

o alto índice que esta alcança em países ricos como Austrália, Estados Unidos, África do

Sul, Argentina etc. Ademais, sendo o pauperismo, o ressentimento etc. de extensão quase

ilimitada, como explicam que no Brasil, por exemplo, o índice de homicídios se detenha

em 930 por grupo de milhão de habitantes, e não 1.800 ou 180.000 por milhão? As

mesmas causas, em idênticas circunstâncias, não produzem os mesmos efeitos?

As condições econômicas de per si, quero dizer, a pobreza e má distribuição das

riquezas não geram aumento de criminalidade, antes, como se tem observado diversas

vezes, é fator de crimes o acúmulo de bens e enriquecimento rápido, isso sim, que leva a

quebrantar as leis e a desatar ambições, vinganças, sede de prazeres, com todas suas

nefastas consequências.

Os abolicionistas deveriam abrir mão de preconceitos e com toda sinceridade

reconheceriam que mais do que na esfera econômica deveremos buscar as causas do

pavoroso aumento da delinquência na perversão das ideias; no desregramento dos

costumes; na pornografia e licenciosidade sexual, que leva a tão graves desordens; na

Page 184: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

184

irreligiosidade, que se generaliza; e, de um modo também muito efetivo, nas normas

processuais e nas instituições jurídicas que de toda sorte favorecem o delinquente; mas,

sobretudo, na inexistência da pena capital, que, se aplicada rapidamente e sem

contemplações, a todos os culpados, produziria um descenso vertical na curva da

criminalidade. Em vez disto, porém, esses juristas preferem atribuir toda a culpa a uma

causa moralmente indiferente, como é o pauperismo, o que equivale, quase, não a dar uma

explicação dos delitos, senão a encorajar os malfeitores que logo correm a proteger-se com

a couraça da pobreza. Reconhecemos, está claro, que certos ambientes de abandono social

e de miséria favorecem e incrementam a delinquência, mas isto é já página da sociologia

criminal e do direito penal preventivo. O que queremos deixar bem claro é que os delitos

derivam da livre vontade humana, são atos produzidos por seres inteligentes e capazes de

atos conscientes e livres; e que, por conseguinte, podem dar-se em quaisquer condições

humanas exteriores. Caim e Judas viveram em ambiente são e com excelentes mestres e

educadores, entretanto, um foi fratricida, e deicida o outro. Não foi o meio, nem as

necessidades físicas, senão a vontade má e perversa, que levou ambos à prática de crimes

horrendos.

A PENA DE MORTE NO BRASIL?

O autor mencionado de "Tópicos" profetiza: "Jamais poder-se-á aplicar no Brasil a

pena de morte." Por que assim? Porque a impedem "a piedade do nosso povo sentimental e

a venalidade dos nossos homens".

Não participo do pessimismo do autor de "Tópicos". Por que e com que

fundamento negar ao povo cristão do Brasil a capacidade de aperfeiçoar suas instituições e

de moralizar sua administração de justiça, na parte em que porventura apareça mais

imperfeita ou falida? Será que para isso está incapacitado pelo seu caráter sentimental?

Não, pois ainda concedendo que fosse real esse sentimentalismo extremoso, isso não

constituiria razão grave nem leve contra a pena capital, porque simplesmente o sentimento

não é razão, pois pertence ao mundo afetivo do homem que não ao cognoscitivo. Desde

quando pergunto aos que tal razão alegam —, o sentimento veio a constituir critério de

verdade? Apesar do nenhum valor deste argumento e da anomalia que encerra, vimo-lo

com surpresa, poucos dias há, numa entrevista de jornal, aduzido por vários juristas de

renome e, por este motivo, vamos examiná-lo para deixar clara sua carência absoluta de

valor.

Page 185: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

185

Os sentimentos são bons ou maus, agradáveis, alegres ou tristes etc. Falar, porém,

de sentimentos verdadeiros ou falsos, carece de sentido e julgo impróprio de um jurista

recorrer ao sentimento para provar uma tese de direito. Com efeito. O sentimento é um

estado afetivo que tem sua causa numa ideia ou fenômeno psíquico antecedente. À causa,

pois, deveremos recorrer para discernir a bondade ou malícia de um sentimento. Por

exemplo: o ladrão ou assassino que fracassou em seu intento de roubar ou de tomar

vingança do seu rival, sente tristeza pelo seu fracasso: esse sentimento, entretanto, é mau,

porque imoral é a causa que lhe deu origem; o Don Juan que teve êxito na conquista da

esposa do próximo sentirá satisfação pelo adultério cometido, mas esse sentimento é, a

todas as luzes, desonesto e não tem justificação possível. Aplicando agora a doutrina

exposta, digo que os abolicionistas da pena de morte impressionam-se pela punição que

legitimamente é imposta pela autoridade social, ao delinquente, para reparação da justiça

lesada, escarmento dos outros e defesa da sociedade, dando somenos atenção ao bem

comum social e à morte dos inocentes. Ao contrário, os partidários da pena de morte

sentem, sobretudo, o desamparo da sociedade e a morte dos inocentes e julgam preferível o

bem comum da sociedade ao bem particular dos malfeitores, a liberdade e a vida dos

inocentes à dos celerados. Quem pode duvidar que os sentimentos destes últimos têm uma

causa honesta e boa e são, portanto, sentimentos louváveis e perfeitos, ao passo que os

sentimentos dos abolicionistas são apenas um relaxamento do verdadeiro sentimento

humanitário e cristão?

Recorrer, nestes temas, à emotividade, argui carência de razões jurídicas e sociais

mais sólidas, bem assim como fez a escritora Rachel de Queiroz, que há alguns meses,

irritada com a defesa que na televisão fiz da pena de morte, na falta de razões a opor,

desabafou suas iras, dirigindo-nos, na última página da revista "O Cruzeiro", frases

insultuosas, ou pelo menos desprimorosas em lábios de mulher. Nada mais podemos

responder a ela, porque nem a nossa educação nos consentiria descer àquele nível, nem ela

deu nenhuma razão merecedora de resposta.

Mas, ainda admitindo que o povo é, em boa medida, sentimental, não podemos

tampouco esquecer que isto é causado principalmente pela ignorância em que vive. Quem

é ignorante, na falta de razões e elementos de juízo para discernir as coisas, guia-se pelos

sentimentos cegos. Mas a educação pode acabar com isso. O que o povo cristão de todas as

épocas e em todos os quadrantes do universo compreendeu e praticou, com relação aos

crimes, não será capaz o povo brasileiro de compreendê-lo, do mesmo modo? Ademais,

Page 186: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

186

usa-se indevidamente a palavra "povo". Este, geralmente, quando é simples e reto, não é

tão incompreensivo e "sentimental" como se apregoa. Assisti e tomei parte em inúmeros

debates sobre a pena capital e observei que o público especialmente as mulheres, em sua

maioria —, levado pelas simples luzes naturais da justiça, acha como a coisa mais natural

que quem mata deve morrer e que em face de hediondos delitos, cujo número cresce

assustadoramente no Brasil, deveria aplicar-se aos réus a pena capital.

Quanto a que a "piedade" do povo seja obstáculo para uma fucura instituição da

pena de morte, não é exato. O argumento baseia-se numa grave confusão: A piedade, no

simples cidadão, manda compadecer-se do delinquente, sem obrigar à renúncia do que é de

justiça enquanto que nos poderes públicos essa mesma justiça é exigida pela piedade e

amor que eles hão de professar ao bem comum, que sem a justiça se torna impossível.

Ademais, que piedade seria essa que esquecesse a vítima e se compadecesse do

delinquente? Que esquecesse Aida Cúri e se compadecesse de seus assassinos? Que

esquecesse Tânia e se apiedasse de Neide? E a isto vamos com essa inversão de

sentimentos, pois no Brasil há uma média de cem mil homicídios anuais! Repare-se bem

no número, que equivale ao de habitantes de uma cidade regular.

Se ao amanhecer lêssemos nos jornais que naquela noite todos: os habitantes de tal

cidade tinham sido assassinados barbaramente por uma malta de bandidos, todos

ficaríamos estarrecidos e horrorizados. Pois isto acontece no país gradativamente, todos os

anos. Com a pena capital bem aplicada esses cem mil não passariam, quando muito, de

cinquenta. Claro está que, nessa hipótese, alguns delinqüentes que hoje andam soltos,

estariam mortos, mas Aida Cúri e Tânia ainda se contariam entre os vivos.

OS ABOLICIONISTAS E O PROGRESSO DA CIÊNCIA PENAL

Antes de pôr um ponto final a estas "Variações sobre a pena de morte" quero

responder a uma dificuldade que me foi apresentada diversas vezes por pessoas sinceras e

desejosas de conhecer a verdade.Trata-se de um fato que as deixa perplexa: Como se

explica, dizem, que desde algum tempo a esta parte, aparecem na imprensa com frequência

declarações desfavoráveis à pena capital, feitas por homens destacados no campo da

magistratura e do direito, como, entre outros, os senhores: Nelson Hungria, Levi Carneiro,

Roberto Lyra, Menezes Pimentel, Ary Franco, Prado Kelly, Raul Pila etc? Não acha que tal

unanimidade de opiniões de homens tão ilustres, dá mesmo que pensar?

Page 187: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

187

Não, não é para nos deixarmos impressionar excessivamente por esse fato. Repare-

se que em matérias filosóficas e científicas o argumento de autoridade est infimum

argumentorum. Já a lógica nos ensina que tantum valent auctores, quantum valent

rationes, o valor de cada autor radica unicamente no valor das razões que alega e em nosso

caso estas razões são fraquíssimas, reduzindo-se pela maior parte a dizer que a pena capital

não está de acordo com as tradições e história do país — o que não é exato, pois, até época

muito recente, esteve vigente nas leis brasileiras a pena de morte e, quando logo foi

abolida, passou o povo a executá-la numa onda de homicídios, sempre em aumento, que

apavora; — ou que vai de encontro ao sentimento do povo brasileiro, reconhecendo assim,

implicitamente, a eficácia da pena e lançando nas costas do povo a responsabilidade pela

não vigência da mesma.

Repare-se, além disto, que esses juristas, como a imensa maioria dos formados no

país na geração passada, o foram nas doutrinas do positivismo jurídico em direito, e pelo

que concerne ao penal, nas doutrinas da escola antropológica ou biológico-criminal de

Lombroso, Garófalo, Ferri, von Liszt, etc. escola esta que, devido a vários fatores,

dominou de modo despótico nos meios jurídicos do Brasil e cujas doutrinas eram tidas

como sendo a última palavra do progresso do direito penal e por conseguinte, como

indiscutíveis e reformáveis, razão pela qual a maioria deles não revisaram nunca sua

convicções de escola e ficaram anquilosados naquelas lições recebidas. Na atual geração,

mais arejada e progressista, não poderá dar-se essa unanimidade, tanto mais que as

doutrinas da escola antropológico-criminal, adversária ferrenha da pena capital, tempos há

que perderam todo seu crédito nos meios adiantados da ciência jurídica, que hoje discorre

por caminhos francamente revisionistas das posições passadas. Fica sempre, é inevitável,

algum elemento fossilizado que julga ainda as lucubrações, mas pseudobiológicas que

jurídicas, de Lombroso, como a última palavra da criminologia moderna.

Concluo dizendo que o ideal de aspiração que deve nortear a piedade e cultura de

um povo não há de ser a abolição da pena capital, senão antes que não se cometam

delitos merecedores de tal pena. Pois, inversamente, o que desacreditaria e envileceria a

sociedade não seria o fato de uma infanticida, como Neide Maia, ser levada ao patíbulo,

mas sim, pela lenidade da punição se dêem condições que tornem possíveis, e até

frequentes, infanticídios como o da inocente Tânia.

Rio, 23 de novembro de 1960.

Page 188: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

188

Apêndice IV*

GUADALUPE: ABOLICION DE LA PENA DE MUERTE El divorcio y el ódio a la cristiandad

Hemos comprobado como la secta masónica es una institución religiosa y política.

En cuanto a esto último, actua de diversas maneras, creando a veces pequenos partidos,

como el Liberal en nuestro país. Tales agrupaciones, formadas por masones y dirigidas

secretamente por la secta, fracasan en países cristianos como el nuestro, pêro logran

sembrar ideas extraviadas y abrir el campo ai socialismo y comunismo.

Examinaremos en seguida un documento dei Partido Liberal, de 1906, el cual nos

aclara la posición de la secta. Recordemos que — según pruebas ofrecidas — dicho partido

era masónico y el nuevo documento, firmado entre otros por F. /. Garrígós, lo refirma.

Su lectura advierte con toda claridad dei ódio a la Iglesia Católica y valdría la pena

senalar el desparpajo con que se miente y como por aquellos anos se permitia la acción y

prédica de partidos que violaban preceptos constitucionales. No lo hacemos para no abultar

en exceso el libro, pêro podemos recordar que durante anos la Iglesia, congregaciones y

sus institutos, hospitales y cementerios (como el de los Recoletos) dieron ai pueblo toda

clase de asistencia, sin solicitar un solo centavo ai Estado. Los católicos, con diezmos,

limosnas, legados, etcétera, y los frailes y sacerdotes con sus trabajos, forjaron todo ese

capital que sostenía el culto y devolvia rentas ai pueblo en forma de bibliotecas, escuelas,

hospitales, etcétera.

Eis o texto do documento do Partido Liberal, de 19061:

"PARTIDO LIBERAL

Buenos Aires, Júlio 30 de 1906.

Senor:

En nombre de la Junta Nacional y dei Comité de la Capital, tenemos el honor

de invitar a ai meeting nacional que se celebrará el Domingo 5 de Agosto dei corriente

afio, a las 2 p.m. simultaneamente en toda la República, en pro de la separación de la

Iglesia, y El Estado, sanción de la Ley de Divorcio absoluto,expulsión de las

* Pelo seu relevante interesse e a estreita relação que guarda com o tema desta obra, inserimos em sua

língua original, o cap. XVIII da notável, documentada e atualíssima obra do argentino E. de Guadalupe: LA MASONERIA SEGTJN SUS PROPIOS DOCUMENTOS, Buenos Aires, Ed. Haz, s/d.

Page 189: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

189

congregaciones religiosas no autorizadas por la Constitución y demás reformas que

anhela el país.

No se concibe en un pueblo cosmopolita, compuesto de hombres de todas las

civilizaciones y creencias, como pueda imperar la omnipotência clerical, que obliga a

todos sus habitantes a sostener un culto extrano y tolerar privilégios eclesiásticos que se

traducen en altas prebendas y em prerrogativas irritantes.

La SEPARACION DE LA IGLESIA Y EL ESTADO es la más fundamental de

las reformas.

El Estado republicano democrático no puede no debe tener una religión, porque

cualquiera que sea su denominación, corresponde exclusivamente ai fuero de las

conciencias. Por lo tanto, el que quiera sostener um culto determinado que lo pague con

su dinero, libertándose ai pueblo de una carga tan excesivai como es el presupuesto

católico, que representa uma erogación de más de $ m/n. 6.000.000 el ano y una perdida

para el tesoro público de cerca de $ m/n. 5.000.000 que deja de percibir por concepto de

impuesto territorial, que no pagan los bienes eclesiásticos; sumas que debieran

destinarse todos los afios, en la construcción de casas para obreros, y en atender el

servicio hospitalario de toda la República con esmero y liberalidad, en dinero y no en

oraciones.

La sanción dei DIVORCIO ABSOLUTO, vendrá a satisfazer una de las más

esenoiales necesidades orgânicas de nuestra sociedad, eliminando El divorcio actual,

consecuencia atávica de una legislación caduca, que impide la aplicación de una moral

amplia que atienda a las exigências de la higiene y de la fisiologia humana como lo han

comprendido y legislado lãs naciones más civilizadas.

Resuelve el trascendental problema de la disolución dei vínculo, cuando no es

posible la continuación dei matrimonio, o sea el inhumano divorcio celibatário que de

imposible, se convierte en inmoral.

Estando comprobado cientificamente, que no se ha podido obtener, jamás la

castidad normal en los divorciados, (ni aún por sugestión religiosa, la que es solamente

de efectos pasageros, en las personas que las hecho vida marital) sucede

irremediablemente que las mujeres contraen vícios secretos repugnantes y los hombres

buscan sus distracciones mundanas, por grado o por fuerza, en otra parte, este es el

resultado dei divorcio actual, católico romano, el que también apareja los mismos

efectos cuando es fallado para personas que tienen honor.

La existência de CONGREGACIONES RELIGIOSAS no autorizadas por el

artículo 67 inciso 20 de la Constitución Nacional, constituye uno de los más grandes

peligros para la tranquilidad pública y para el perfeccionamiento social. La soberania

dei pueblo queda subordinada ai poder eclesiástico por cuanto, estas congregaciones sin

ley alguna que las haya autorizado para establecerse en el país, gozan dei más amplio

poder para desenvolver su funesta influencia, sin control alguno por parte dei Estado.

Page 190: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

190

La abolición de la PENA DE MUERTE no solo está fundada en el sentimiento

universal y apoyada por los tratadistas más eminentes dei derecho penal, sino que por

ser esta pena, mal llamada asi, una de las formas más brutales de la venganza no debe

permanecer en la legislación de um país civilizado.

La pena tiene por objeto, producir en el espíritu dei condenado, La reforma de

sus sentimientos para que se arrepienta de su delito.

La ejecución capital, no es pues, una pena en el concepto científico de la palabra,

desde que se le quita ai individuo con la vida, la posibilidad de regenerarse. La sociedad

ai matar a un condenado, comete un acto que, eri el fondõ es una cobardia y en la forma

una espécie de asesinato, en El que no hay ni crisol ni purificación.

La reforma que comprende la derogaeión de la LEY DE RESIDÊNCIA es

igualmente necesaria por ser violatoria de la libertad individual, consagrada en el

artículo 14 de la Constitución Nacional; por su inconstitucionalidad en cuanto confiere

ai Presidente de la República, la facultad de juzgar, contrariando, el articulo 95 de la

misma Constitución y por ser una ley draconiana, incompatible con los principios

contemporâneos de libertad social y que ni aún, invocándose su carácter de medida de

represión accidental, dentro de un orden determinado, puede justificarse.

Sinteticamente, esa ley ha sido de efectos contraproducentes, por cuanto, los resultados

que se proponían alcanzar, han servido de insentivo para aumentar la agitación.

Significando la BANDERA ROJA, la expresión grandiosa de la redención

social, la emancipacíón dei ser humano de los poderes ocultos y supremos que la

teocracia se atribuye, para mantener por médios ilícitos, aletargado el espíritu de las

multitudes, para que no tiendan a su mejoramiènto y a la igualdad ante la justicia y la

razón, no se compreende, como el poder ejecutivo, por una extrafia aberración, haya

prohibido el uso dei estandarte rojo en las manifestaciones públicas, en un país

republicano y democrático.

Resalta más la injusticia de esta prohibición, cuando el pueblo ve circular por las

calles, pálios y estandartes de las procesiones religiosas, que escarnecen la civilización y

que representan las más absurdas concepciones de la vida.

Hacemos estensíva esta invítación a todas las personas y agrupaciones que

participen de estas ideas, por cuanto esta manifestación no tiene um carácter partidista;

ni quedan por este hecho dependientes de este partido político, les rogamos quieran

propender a la constitución de una comisión importante en esa localidad, que se

encargue de llevar a cabo el meeting el dia designado en este manifiesto;

comunicándolo a la Junta Central com la mayor anticipación posible.

Le pedimos tamblén haga dar publicidad a este manifiesto en los diários de esa

para que llegue a conocimiento de todos los hombres de conciencia y de pensamiento

libre.

Si fuera posible, le estimaríamos designara uno o dos delegados para que en

unión con los demás delegados organicen las columnas en la mejor forma posible.

Page 191: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

191

Escusamos manifestarle que para cualquier consulta ó informe puede dirigirse a la Secretaria

de la Junta Nacional, calle de Balcarce num. 188.

Con este objeto la Junta Nacional se reúne los Martes y Viemos de 8 y 1/2 p.m. a 10 en el

referido local y la Secretaria estará abierta todos los dias de 3 a 5 p.m. para atender todo lo que

se refiera a los trabajos preparatórios de este trascendental movimiento.

Nos es grato saludar a Vd. con nuestra mayor consideración." a) F. J. Garrigos, Pte.

Pero en 1822, por una serie de decretos dei ministro Bernardino Rivadavia, el

Estado despojo a la Iglesia y congregaciones de todos los bienes. La historia mendaz, que

circula como cierta, llama a tal despojo Reforma eclesiástica. Hospitales, colégios,

escuelas, bibliotecas, imprentas, cementerios, edifícios, terrenos, todo fue devorado y, en

cambio, el Estado se obligó a contribuir ai sostenimiento dei culto y liberar de impuestos

los edifícios de las iglesias...

* * * Pasemos por alto eso de la "expresión grandiosa" de la bandera roja, lo cual

refirma que la Masonería es avanzada dei comunismo; lo dei divorcio, y vayamos a la pena

de muerte.

Algo senalamos sobre el particular en el capítulo IX (ver páginas 51 y 52), mas

conviene insistir pues es cuestión de trascendencia.

No es verdad que la pena (cualquiera sea ella) tenga el solo objeto de producir la

reforma dei condenado para que se arrepienta. Eso es solo uno de los fines que busca la

pena. Su causa tiene otros dos objetos principales:

1.°: Inhibir a un individuo que de otro modo lesiona a todos o gran parte de los

componentes de la sociedad.

2.°: Mantener la majestad y debido respeto a la ley, demonstrando, a quien no la

acata por grado, que la fuerza la sostiene.

El castigo cierto e inflexible — cuyo valor de redención solo comprende el

Cristiano — es el único freno que impide, a ciertos indivíduos, trasgredir la ley, cometer

delitos y ofender a los inocentes.

La pena capital máxima, es decir de muerte, está dispuesta por aquellos motivos y

en proporción a la enormidad dei delito, de La peligrosidad dei delincuente y como valia

para quienes solo ante El temor de perder la vida se detienen.

Casi todos los países que abolieron la pena de muerte han vuelto a ella despusés de

dos tristes comprobaciones:

Page 192: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

192

1.° Abolida la pena de muerte, de inmediato y en forma progresiva recrudece, no

solo la criminalidad, sino toda La gama de los delitos;

2° Por cada vida de criminal no quitada, de diez a quince inocentes han perdido la

suya...

Lo curioso es anotar el siguiente detalle histórico: la Masonería aboga de continuo

por la supresión de la pena de muerte en todo país que no domina en absoluto y en especial

en los católicos, pêro en cuanto toma Ias riendas la restabíece o la aplica a destajo. La

Revolución Francesa (masónica) hizo tristemente célebre a la guillotina, Inglaterra

mantiene la pena de muerte, y Estados Unidos de Norteamérica, reino de la Masonería,

idem...

Conviene ir más adelante para comprender la perfídia de La secta y la astúcia con

que miente para, promoviendo la sensiblería, imponer sus falsías.

Tanto defiende la Iglesia la vida dei hombre, que no admite jamás, bajo ningún

aspecto, ni concepto, ni excusa, que el hombre suprima la vida dei hombre, ni aun la propia

(suicídio).

Solo la sociedad, en propia defesa, y por médio de la autoridad, como que

representa a Dios, puede determinaria. Nadie más, aunque sea sector numeroso y obre en

propia defensa, puede suprimir La vida, porque carece dei poder: autoridad. De aqui que el

concepto Cristiano de la guerra repose en estos dos princípios:

1.° Es defensa de toda una sociedad;

2.° El soldado no va a matar, sino a salvar vidas (la de los propios) y su fin es

poner fuera de combate ai agressor.

Bien claro resulta entonces que todo grupo o asocáación que propugne la muerte de

semejantes, es criminal.

Anora bien: la Masonería, que por médio de propaganda y acción, hurta a la

sociedad un médio de defensa, podría sostener uma equivocada doctrina y ser repudiada

como fuente de extravio,

Pêro, he aqui que el mandil (delantal), vestidura sacerdotal para quienes celebran el

rito satânico y esotérico, senala la función de ciertos grados masónicos. Cada grado lleva

mandil con distintos símbolos.

Page 193: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

193

La función es ejecutar a indivíduos sentenciados a muerte por la Câmara Kadosch

(tribunal de justiça integrado por masones de grado 30 y a veces 30 y 18).

Quiere decir que un grupo pequeno de la sociedad, por si y sin ley ni autoridad,

determina la muerte de concíudadanos. Y en forma secreta. Esto es, lisa y Uanamente,

criminal. En cuanto a su felonia surge dei hecho de que propugna la supresión de la pena

de muerte . . .

Podría decirse que el solo mandil no prueba que la Masonería ordene asesinatos,

pues podría ser símbolo de prácticas abandonadas. No obstante, crímenes ordenados por la

secta,1 ejecutados en diversos países y épocas senalan que no es cuestión de un pasado

remoto y de un solo sector masónico.

He aqui algunos detalles:

Ên 1829, la Logia dictó (Agiiero-Del Carril) pena de muerte contra Dorrego y

Rosas. La primera pudieron cumplirla por médio de Lavalle;

El general Heredia fué condenado a muerte por la Masonería, y el encargado de

hacerla cumplir fué el doctor Marcos Avellaneda, quien, aunque con habilidad trato de

borrar toda huella, dejó la prueba que los criminales fueron incitados por El.

Si salimos de nuestro país, tenemos el bárbaro asesinato de Garcia Moreno en

Ecuador; el casi reciente suicídio de Busch en Bolivia; el de Morgan en Estados Unidos de

Norte-américa; el dei duque de Berry, dei prebístero Villars y de Lescure en Francia; dei

arzobispo de Quito, monsenor Checa; el de Emiliani y las matanzas de 1835 em Espana, y

seria cosa de no acabar citando solo lo conocido y documentado, muchas veces por los

mismos masones, como en lo dicho de Espana, que consta por documento de puno y letra

dei ministro Martínez de la Rosa. O el de Dorrego, por una serie de cartas de Salvador

Maria dei Carril, en las cuales rogaba que fuesen quemadas. Lavalle no las quemó y quedo

el testimonio.

Crímenes que pareceu pasionales, suicídios raríssimos, envenenamientos con

crotalus horridus y complots de apariencia política, han sido dispuestos por las "Câmaras

Kadoch" y muchas persecuciones económicas, por intrigas y difamaciones salen de las

logias, sin que siquiera lo sospechen los masones de grados inferiores ni los mismísimos

1 - For lo general, la secta se vale de médios terceros para ejecutar crímenes. Tal el caso dei aseslnato dei

doctor Maza en nuestro país, em 1839, pues poseía las pruebas de oómo su hijo Ramón había sido seducido y manejado por la Logia Integrada por Lafuente, Albarracín, Jacinto Rodríguez Pena, R. Corvalán y Carlos Tejedor.

Page 194: Livro.Pena de Morte Já - Pe Emílio Silva

Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva

194

grados 33 honorários. Pêro los grados 30 y muchos 18 bien saben los crímenes que los

manchan y de allí su terror a que se imponga la pena de muerte, sobre todo donde, como en

Espana, La Masonería está casi vencida. Saben por experiência que, pese ai secretismo y

su diabólica astúcia, muy a menudo suelen aparecer confesiones inesperadas y documentos

terminantes.

En tal caso la pena de muerte impediria los "trabajos masónicos" para liberar ai

reo...

La criminalidad de la SECTA (reparad bien que no décimos de los "masones"),

surge de documentos examinados, hechos históricos comprobados y de su satânica

religión, pêro lo más terrible de ella ES su secretismo y la habilidad de simulación que

poseen sus secuaces. Luchar contra la masonería es obra imperiosa si queremos salvar a la

sociedad y a la pátria.

Índice

PRÓLOGO ........................................................................................................... 4 PROPUGNADORES E ABOLICIONISTAS DA PENA CAPITAL ................................. 18 A) A FAVOR DO INSTITUTO DA PENA CAPITAL .................................................. 20 B) ABOLICIONISTAS DA PENA DE MORTE .......................................................... 52 EPÍLOGO ............................................................................................................. 130 Apêndice I .......................................................................................................... 141 Apêndice II ......................................................................................................... 155 Apêndice III ........................................................................................................ 164 Apêndice IV ........................................................................................................ 188

A impressão desta obra terminou

no dia de Nossa Senhora da Glória.

15 de agosto de 1986