Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para...

247

Transcript of Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para...

Page 1: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem
Page 2: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMADE PÓS­GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas:

Os “novos contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade

na contemporaneidade

FERNANDA FORNARI VIDAL

Por to Alegre

2008

Page 4: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

3

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PU­ BLICAÇÃO (CIP)

__________________________________________________________

V648p Vidal, Fernanda Fornari Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: os “novos

contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gê­ nero e sexualidade na contempo­raneidade [manuscrito] / Fernanda Fornari Vidal; orientadora : Iole Maria Faviero Trindade. – Porto Alegre, 2008.

188 f. + Anexos

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós­ Graduação em Educação, 2008, Porto Alegre, BR­RS.

1. Infância – Relações de gênero – Sexualidade. 2. Conto de fada – Representação. 3. Estudos culturais. I. Iole Maria Fa­ viero Trindade. II. Título.

CDU – 373.2:396 __________________________________________________________

_____________ Bibliotecária Neliana Schirmer Antunes Menezes – CRB 10/939

Page 5: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

FERNANDA FORNARI VIDAL

Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: Os “novos contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade

na contemporaneidade

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós­Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como re­ quisito parcial para obtenção do título de Mestre em E­ ducação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade

Porto Alegre

2008

Page 6: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

2

FERNANDA FORNARI VIDAL

Príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas: Os “novos contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade

na contemporaneidade

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós­Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como re­ quisito parcial para obtenção do título de Mestre em E­ ducação.

Aprovada em 20 de março de 2008.

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade – Orientadora

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel Silveira – PPGEDU/UFRGS

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Habckost Dalla Zen – FACED/UFRGS

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Leila Mury Bergmann – Professora convidada

Page 7: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

3

edico este trabalho a todas as pessoas, sejam elas

“pequenas ou grandes”, que como eu se interessam

por ler contos de fadas, especialmente “os novos

contos de fadas”, que são as histórias recontadas, as

paródias, enfim, as revestidas de uma roupagem contemporânea,

contextualizadas no mundo em que vivemos, no cotidiano popu­

lar. Convido­as a olhar para estas histórias sem ingenuidade,

pois, se Perrault, os irmãos Grimm, Andersen e Walt Disney nos

ensinaram muitas coisas sobre as crianças de seus tempos e so­

bre ser homem e ser mulher através de suas histórias, os “novos

contos de fadas” também nos ensinam sobre isso!

D

Page 8: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

4

Agradecimentos

omo aprendi com O Pequeno príncipe 1 , “cativar” é “criar laços”... “[...] se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim

único no mundo. Eu serei para ti única no mundo...” (SAINT­

EXUPÉRY, 2005, p.68). E existem muitas pessoas que são únicas e es­

peciais para mim, às quais devo, no mínimo, nesse momento de conclusão desta etapa signifi­

cativa de minha qualificação profissional, agradecer por suas presenças em minha vida. Isto,

porque, com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem com o coração. O essen­

cial é invisível aos olhos” (SAINT­EXUPÉRY, 2005, p.72).

Devo lembrar as pessoas que encheram a minha existência de amor, carinho, atenção,

cuidado, compreensão, companheirismo e generosidade. “Foi o tempo que perdeste com tua

rosa que a fez tão importante” (SAINT­EXUPÉRY, 2005, p.72). Elas empreenderam horas de

seu tempo, momentos de suas vidas comigo, porque julgaram fundamental apoiar­me e auxi­

liar­me no que fosse preciso. Cativaram­me!

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” (SAINT­EXUPÉRY,

2005, p.74).

Agradeço à minha família (pai, mãe, irmãs) que sempre me incentivou aos estudos e

ofereceu seu incondicional apoio, sua força e compreensão nos momentos que precisei.

À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade, que, desde sempre, foi

minha inspiradora de professora­educadora­pesquisadora, desde a época em que fui sua aluna

e depois sua bolsista de extensão. Ela foi a responsável por eu seguir a minha qualificação, já

que foi ela quem me motivou a prosseguir nos estudos, primeiro cursando disciplinas como

aluna PEC, depois guiou minhas escolhas e orientou meus estudos para fazer a Seleção ao

Mestrado. Solidarizou­se com meus objetivos de pesquisa e assumiu comigo a responsabili­

dade de olhar e pesquisar sobre temáticas um pouco diferentes daquelas que costuma analisar;

aceitou a minha causa porque apostou em mim! Mais que orientadora, foi amiga, incentivado­

ra, mostrando­se confiante, paciente, crítica, exigente, solidária.

1 Personagem da obra homônima de SAINT­EXUPÉRY (ver referência bibliográfica).

C

Page 9: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

5

Às colegas e ao colega de orientação: Rodrigo Saballa de Carvalho, Cláudia Gewehr

Pinheiro, Mirtes Lia Pereira Barbosa, Patricia Moura Pinho, Thaise da Silva, Zoraia Aguiar

Bittencourt, Daniela Medeiros de Azevedo, Rochele da Silva Santaiana, Sandra Monteiro

Lemos, Ivone Regina Porto Martins, Darlize Teixeira de Mello e Suzana Schineider pela par­

ceria, diálogos, trocas, sugestões, ajudas.

Ao pessoal do NECCSO 2 e da NECCSOLIST 3 que sempre nos mantém atualizados

dos eventos e defesas relacionados à nossa Linha de Pesquisa – os Estudos Culturais em Edu­

cação.

Às professoras das Bancas da Defesa da Proposta e da Defesa da Dissertação, Prof.ª

Dr.ª Jane Felipe de Souza, Prof.ª Dr.ª Leila Mury Bergmann, Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel

Silveira, por terem aceitado o convite de compor a Banca Examinadora e Avaliadora, mas

também por suas excelentes contribuições, sugestões de leituras e empréstimos de livros, não

só na ocasião da Defesa da Proposta, mas ao longo de minha caminhada de pesquisadora.

Meus agradecimentos à Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Habckost Dalla Zen por ter aceitado o convite

de compor a Banca de Defesa da Dissertação.

Às professoras das disciplinas que cursei como aluna PEC e como mestranda, Prof.ª

Dr.ª Iole Maria Faviero Trindade, Prof.ª Dr.ª Jane Felipe de Souza, Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia

Castagna Wortmann, Prof.ª Dr.ª Marisa Vorraber Costa, Prof.ª Dr.ª Nádia Geisa Silveira de

Souza, Prof.ª Dr.ª Rosa Maria Hessel Silveira, por seus ensinamentos e por tornarem os Estu­

dos Culturais objeto de encantamento para mim.

Aos/Às colegas do Programa de Pós­Graduação em Educação, com os quais dialoguei,

trocamos conhecimentos/experiências/dúvidas/estranhamentos, enfim, a todas e todos que

estiveram presentes nesta minha caminhada de estudos e qualificação e com ela contribuíram

de algum modo. Especialmente, meus agradecimentos aos colegas que, pela proximidade dos

temas de pesquisa, estiveram mais presentes e/ou emprestaram suas Dissertações e/ou Teses

para que eu as pudesse ler: Suyan Ferreira Pires, Mariangela Momo, Janaína Souza Neuls,

Bianca Salazar Guizzo, Ana Paula Sefton, Alexandre Toaldo Bello. Outros colegas que foram

parceiros que quero destacar aqui são: Sandra dos Santos Andrade, Lisiane Gazola Santos,

Angélica Silvana Pereira, Anderson Rodrigues Correa, Viviane Castro Camozatto. Quero a­

gradecer também à Prof.ª Dr.ª Elisabete Maria Garbin, professora/orientadora da Linha de

2 Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade, ao qual me inscrevo. 3 Nossa lista virtual de endereços eletrônicos de pesquisadores vinculados ao núcleo. Através desta lista somos informados de tudo que é relacionado à nossa Linha de Pesquisa – os Estudos Culturais em Educação do PPGE­ DU/FACED/UFRGS.

Page 10: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

6

Pesquisa Estudos Culturais em Educação, pelas trocas que fizemos nas várias vezes em que

nos cruzamos, na faculdade e em outros eventos, como os de apresentação de trabalhos; nes­

ses encontros, sempre saía contagiada com sua alegria e carisma. Aos colegas e às colegas que

conheci e com quem convivi durante as aulas das disciplinas que cursei, ou em eventos afins,

ou em outras situações acadêmicas, obrigada pelas aprendizagens efetivadas.

Aos professores e às professoras da Faculdade de Educação da UFRGS, onde cursei

minha graduação em Pedagogia – Séries Iniciais e que, desde aquela época, incentivaram­me

a seguir adiante na qualificação profissional e que torceram para que eu fizesse parte deste

grupo de pesquisadores do PPGEDU/UFRGS. Meus agradecimentos especiais: à Tânia Ra­

mos Fortuna, com quem trabalhei por dois anos como bolsista de extensão e com quem a­

prendi muito sobre a arte de educar, sobretudo educar com competência, exigência, alegria,

amor e brincadeira; à Maria Isabel Habckost Dalla Zen, minha professora, orientadora de es­

tágio, colega no pós, minha inspiradora e exemplo de professora­educadora­artista, cujas au­

las encantam; à Maria Bernadette Castro Rodrigues; à Maria Luísa Merino Xavier; à Maria

Stephanou; ao Nestor André Kaercher; à Roseli Inês Hickmann; à Heloísa Junqueira e ao Jor­

ge Alberto Rosa Ribeiro. A vocês, meus/minhas mestres/as, que foram meus modelos de pro­

fissionais qualificados e dignos de inspiração, muito obrigada por tudo que são para mim!

Ao Gerson Luiz Millan, Secretário da COMGRAD desta faculdade (meu anjo­da­

guarda oficial e em presença real), por sua eterna presteza e amizade.

Ao pessoal do PPGEDU: Mary Pires, Eduardo Assunção da Rocha, pelos atendimen­

tos sempre cordiais junto à Secretaria do nosso Programa.

Às Direções e Coordenações das escolas onde trabalho que facilitaram a minha entra­

da (deixando­me ter um pouco de tempo para estudar!), presença e freqüência nas disciplinas

do PPGEDU. Meu especial reconhecimento ao esforço em garantir meus estudos acadêmicos

e investimento em mim como profissional da educação à Vera Cristina Rodrigues Bragança

(Polaca), ao Ir. Lodovino Jorge Marin, à Arlete Dagort, à Maria Alice Rebollo De Santi, à

Valéria Cruxen Bisso, à Simone Terezinha Baroni Madeira, à Cenira Terezinha Baroni Barbi­

zam, à Sheila Guidi Milioli Funari, à Débora Gurski Herbert.

Às minhas colegas professoras e aos colegas professores das escolas em que atuo, pela

amizade e incentivo, enfim, a todos e todas que me acompanharam neste período de estudos e

que se interessaram em perguntar, em dialogar comigo sobre meu trabalho investigativo.

Page 11: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

7

Às minhas amigas e, também, colegas de trabalho, Janaína Souza Neuls (responsável

pela digitalização e edição de imagens) e Darcléa Borba, que fizeram a revisão desta Disserta­

ção com competência e carinho.

Às amigas que estão sempre na torcida para que os meus sonhos se realizem e aos que

estão comigo nos momentos bons e nos difíceis, àqueles e àquelas que estão sempre prontos a

me escutar/apoiar/auxiliar. Obrigada pela riqueza de nossa amizade: Andresa Pereira da Silva

Azevedo, Marlene Akselrud de Souza, Soraia Quadrado Cauduro e Magna Ester Birriel.

Aos meus familiares/parentes que compreenderam as minhas ausências (alguns nem

sempre!) nas festas e encontros de família, mas que, também, sempre torceram por mim e me

apoiaram.

Finalizando, obrigada a todos e todas que de alguma forma contribuíram para a cons­

trução desta Dissertação, seja através do compartilhamento de conhecimentos, ou de palavras,

ou de sugestões, ou de gestos, ou de atitudes, ou de atos de amor e amizade.

Ao PPGEDU/FACED/UFRGS pela qualidade do ensino e formação.

Page 12: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

8

u li em algum lugar que uma atriz ou cantora de­

clarou o seguinte: “Se Walt Disney fosse vivo, eu

o processava”.

E eu seria a advogada dela, e juntas faríamos o

homem pagar pelo que fez. Eu, essa atriz e mais um bilhão de

mulheres fomos vítimas desse senhor que nos encheu a cabeça

com idéias absurdas tipo príncipe encantado, felizes para sempre

e outras demências. Aqueles filmes eram na verdade lavagem

cerebral. As personagens dormiam cem anos e acordavam com

um beijo, um marido e um castelo. Todas nós caímos nessa.

Lembrei­me disso ao ver uma reportagem do Fantástico que discutia o amor bandido: é possível uma mulher ficha limpa se

apaixonar por um criminoso e por ele cometer insanidades? A

pergunta deve ter sido formulada por uma repórter jovem, bem

jovem, de não mais de 12 anos, que só assistiu a Pokémon e não entende nada de contos de fadas.

Ora, uma mulher não só se apaixona por bandidos, como tam­

bém por sem­vergonhas, crápulas, mentirosos, dom­juans e vi­

garistas. O amor não pede atestado de bons antecedentes, nin­

guém quer saber de checar se o príncipe tem passagem pela po­

lícia. Tal qual Branca de Neve, que nem Cinderela: apareceu do

nada, valeu.

[...] Dormirão todas por cem anos e, quando acordarem, nem

beijo, nem castelo.

O assunto é barra pesada, mas, guardadas as proporções, vale

para todas. Se não quisermos que nossas filhas percam a cabeça

por qualquer príncipe, tratemos de protegê­las desse tal Walt

Disney, que esse sim é perigoso.

(MEDEIROS, 2001, p.26)

E

Page 13: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

9

VIDAL, Fernanda Fornari. Pr íncipes, pr incesas, sapos, bruxas e fadas: os “novos contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade na contemporaneidade. – Porto Alegre, 2008. 188 f. + Anexos. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Facul­ dade de Educação, Programa de Pós­Graduação em Educação, 2008, Porto Alegre, BR­RS.

Resumo

Esta Dissertação de Mestrado propõe­se a analisar os “novos contos de fadas” com vistas a examinar as representações de infâncias e de relações de gênero e sexualidade, presentes nes­ tes artefatos da nossa cultura. Neste trabalho, se reconhecem os contos de fadas contemporâ­ neos como “novos contos de fadas”, colocando­os em suspeição, a partir do estudo realizado acerca de sua produtividade como texto cultural. A seleção dos livros é diversificada e nela se procurou escolher livros indicados à faixa etária das séries iniciais ou anos iniciais (6­10 anos) do Ensino Fundamental, publicados a partir da década de 90, os quais apresentam histórias de diferentes autores, publicadas por editoras distintas; de uma mesma coleção; de autores/as estrangeiros/as (obras traduzidas) e nacionais. A metodologia utilizada é a da interpretação textual, tanto em relação às narrativas quanto às ilustrações. Para isso, esta pesquisa conta com o referencial teórico dos Estudos Culturais em Educação, dos Estudos sobre Narrativas e dos relativos ao Gênero e à Sexualidade, em uma perspectiva pós­moderna e pós­ estruturalista. Questões relevantes deste estudo são: como os sujeitos infantis são representa­ dos por diferentes discursos, entre eles, os que “povoam” os livros infantis? Quais modelos de ser menino e menina, ou ser homem e mulher nos são ensinados através dos “novos contos de fadas”? A dissertação está organizada em seis capítulos. Neles são apresentados: a trajetória da pesquisadora, bem como a escolha e justificativa do tema de pesquisa; a história da litera­ tura infantil, destacando conceitos importantes para o estudo, como os de conto, contos de fadas e “novos contos de fadas”; a história das infâncias; a história dos estudos de gênero e sexualidade; as conclusões do estudo. Articuladas às histórias de infâncias e à história dos estudos de gênero e sexualidade, estão as análises dos “novos contos de fadas” e suas repre­ sentações de modos de ser criança e modos de viver a feminilidade e a masculinidade. Con­ clui­se com esta pesquisa que os “novos contos de fadas” ensinam sobre diferentes modos de ser criança. Com base nos autores estudados, percebem­se representadas nas histórias as in­ fâncias: des­realizadas e hiper­realizadas, protegida, parcialmente protegida, desprotegida, marginalizada, pública; chegando a representar as múltiplas infâncias da contemporaneidade, ou seja, aquelas constituídas por múltiplos discursos. Este corpus de textos analisados mostra uma criança saudável, feliz, sapeca, criativa, esperta, inteligente, dinâmica, corajosa, mas também, às vezes, uma criança ingênua e frágil, precisando da proteção adulta. As múltiplas infâncias dos “novos contos de fadas” são representadas por crianças que brincam, ficam tris­ tes, mostram­se sonhadoras, ciumentas, lidam com a morte, freqüentam a escola, enfim, re­ presentam os modos de ser e viver na contemporaneidade. Conclui­se, também, que os “novos contos de fadas” ensinam que não há um jeito único, nem mais verdadeiro, de ser homem e de ser mulher e que se podem experimentar vários modos de viver a sexualidade no dia­a­dia. Algumas histórias não operam muitas transgressões de gênero e outras rompem com os dis­ cursos hegemônicos em torno da sexualidade, ao repensar “novos padrões”.

Palavras­chave: Infância. Relações de Gênero. Sexualidade. Conto de Fada. Representação. Estudos Culturais.

Page 14: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

10

VIDAL, Fernanda Fornari. Príncipes, pr incesas, sapos, bruxas e fadas: os “novos contos de fadas” ensinando sobre infâncias e relações de gênero e sexualidade na contemporaneidade. – Porto Alegre, 2008. 188 f. + Anexos. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa de Pós­Graduação em Educação, 2008, Porto Alegre, BR­RS.

Abstract

This master’s dissertation has proposed to analyse ‘new fairytales’ to examine representations of children and gender and sexuality relations, found at these artefacts of our culture. In this work, one has acknowledged the contemporary fairytales as ‘new fairytales’, suspecting of them, from the study conducted about its productivity as cultural text. Book selection is varied, and one has sought to choose books proper for the age range of early school years (six to 10 years old) in the primary school, published from the 1990s on, which feature different authors’ tales in different publishing companies; in a same collection; by foreign male and female authors (domestic and translated works). The methodology used has been that of textual interpretation, whether regarding narratives and illustrations. In support of this, the research has relied on the theoretical referential of the Cultural Studies in Education, Studies on Narratives and Gender and Sexuality, in a postmodern and poststructuralist perspective. The following are relevant questions of this study: how infant­subjects are depicted in different discourses among them, those who ‘inhabit’ the children’ books? What patterns of being a boy and being a girl, or being a man or a woman are taught through ‘our fairytales’? The dissertation is organized in five chapters. In them are: the research path and choice and justification for the subject matter; the story for the children’s literature, highlighting important concepts for the study, such as the tale, fairytales and ‘new fairytales’; children’s history; history of the study of gender and sexuality; final conclusions. Articulated to the children’s stories and to the history of the study of gender and sexuality, are analyses for the ‘new fairytales’ and their representations of styles of being a child and male and female ways of living. One has concluded that the ‘new fairytales’ teach us about different ways of being a child. Based on the studied authors, one has perceived childhoods represented in the stories: unaccomplished and hyper­accomplished, protected, partially protected, unprotected, marginalised, public; which come to represent multiple contemporary children’s ages, that is, those shaped by multiple discourses. This analysed set of texts has showed a healthy, happy, forward, creative, wise, intelligent, dynamic, courageous, but sometimes also artless, frail child who needs adult protection. Multiple childhoods in the ‘new fairytales’ are represented by playing, sad, daydreaming, jealous children dealing with death, attending school, that is, representing being and living styles in contemporary times. One has also concluded that the ‘new fairytales’ teach us that there is no one single ways, not even truest, of being a man and a woman, and that one can try several ways of enjoying sexuality in daily life. Some stories do not work with breaking of the gender, and some break with hegemonic discourses on sexuality, by rethinking ‘new patterns’.

Keywords: Childhood. Gender relations. Sexuality. Fairytales. Representation. Cultural Studies.

Page 15: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

11

Lista de Figuras

Fig. 1: Cena da história A Bela Adormecida, em que o príncipe chega, dá um beijo na princesa e esta desperta de seu sono de cem anos. Em seguida, casam­se e vivem felizes para sempre ............................................................27

Fig. 2: Imagem da Barbie.....................................................................................................................................27

Fig. 3: Imagem da mulher/Barbie da atualidade....................................................................................................27

Fig. 4: Capa do livro Procurando firme de Ruth Rocha ........................................................................................29

Fig. 5: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p. 30 e 31) ................................................74

Fig. 6: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................75

Fig. 7: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................76

Fig. 8: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................77

Fig. 9: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ....................................................................................77

Fig. 10: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ..................................................................................77

Fig. 11: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ..................................................................................78

Fig. 12: Ilustração O príncipe sem sonhos ­ história 7 (s.p.) ..................................................................................78

Fig. 13: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p. 12 e 13) ........................................................................81

Fig. 14: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) ........................................................................................................................83

Fig. 15: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................85

Figura16: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................86

Fig. 17: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p. 12 e 13) ...............................................88

Fig. 18: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p. 14 e 15) ...............................................88

Fig. 19: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.4 e 5).......................................90

Fig. 20: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.6 e 7).......................................90

Fig. 21: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.4 e 5)....................................................91

Fig. 22: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.6 e 7)....................................................92

Fig. 23: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.2 e 3) .......................................................................93

Fig. 24: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.4 e 5) ........................................................................93

Fig. 25: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.2 e 3) ...................................................................94

Fig. 26: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.4 e 5) ...................................................................95

Fig. 27: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.8 e 9).......................................96

Fig. 28: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.10 e 11)...................................97

Fig. 29: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.12 e 13)...................................97

Fig. 30: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.14) ..........................................98

Fig. 31: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.16 e 17)...................................99

Fig. 32: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.18 e 19)...................................99

Fig. 33: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.26 e 27)...................................99

Fig. 34: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p. 28) .........................................99

Page 16: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

12

Fig. 35: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p. 29) .........................................99

Fig. 36: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.8 e 9)....................................................100

Fig. 37: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.10 e 11) ................................................101

Fig. 38: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.26 e 27) ................................................102

Fig. 39: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.28 e 29) ................................................102

Fig. 40: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.6 e 7) ........................................................................103

Fig. 41: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.8 e 9) ........................................................................104

Fig. 42: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.10 e 11) ....................................................................104

Fig. 43: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.14)............................................................................105

Fig. 44: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela história 3 (p.15) ..............................................................................105

Fig. 45: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.20 e 21) ....................................................................106 Fig. 46: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.22)............................................................................106

Fig. 47: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.6 e 7) ...................................................................107

Fig. 48: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.8 e 9) ...................................................................108

Fig. 49: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.10 e 11) ...............................................................109

Fig. 50: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.12 e 13) ...............................................................109

Fig. 51: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.14 e 15) ...............................................................109

Fig. 52: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria história 4 (p.16 e 17) .................................................................109

Fig. 53: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.18 e 19) ...............................................................109

Fig. 54: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.20 e 21) ...............................................................109

Fig. 55: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.23).......................................................................110

Fig. 56: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.24 e 25) ...............................................................110 Fig. 57: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.30 e 31)...................................110

Fig. 58: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.30 e 31) ....................................................................111

Fig. 59: Ilustração As Trigêmeas e João e Maria ­ história 4 (p.30 e 31) ...............................................................112

Fig. 60: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................113

Fig. 61: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................114

Fig. 62: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p. 6 e 7).............................................................................115

Fig. 63: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.16 e 17)..........................................................................116

Fig. 64: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.18 e 19)..........................................................................117

Fig. 65: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................118

Fig. 66: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................119

Fig. 67: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................120

Fig. 68: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.20 e 21)...................................121

Fig. 69: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.22 e 23)...................................121

Fig.70: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.24 e 25) ....................................121

Fig. 71: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.20) .................................................................................122

Page 17: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

13

Fig. 72: Ilustração A bailarina encantada ­ história 5 (p.23) .................................................................................123

Fig. 73: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................124

Fig. 74: Ilustração O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria: um conto de fadas brasileiro ­ história 6 (s.p.) .........................................................................................................................125

Fig. 75: Ilustração As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões ­ história 1 (p.2 e 3).......................................126

Fig. 76: Ilustração As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho ­ história 2 (p.2 e 3)....................................................127

Fig. 77: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p 12 e 13) ....................................................................128

Fig. 78: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.16 e 17) ....................................................................128

Fig. 79: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p.18 e 19) ....................................................................129

Fig. 80: Ilustração As Trigêmeas e Cinderela ­ história 3 (p. p.28 e 29).................................................................130 Fig. 81: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................140

Fig. 82: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................140

Fig. 83: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................140

Fig. 84: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................141

Fig. 85: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................142

Fig. 86: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143

Fig. 87: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143

Fig. 88: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143

Fig. 89: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143

Fig. 90: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................143

Fig. 91: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144 Fig. 92: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144

Fig. 93: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144

Fig. 94: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................144

Fig. 95: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................145

Fig. 96: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................146

Fig. 97: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................146

Fig. 98: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................146

Fig. 99: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.)....................................................................................147

Fig. 100: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................147

Fig. 101: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148

Fig. 102: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148 Fig. 103: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148

Fig. 104: Ilustração A princesa sabichona ­ história 1 (s.p.) ..................................................................................148

Fig. 105: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................149

Fig. 106: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................149

Fig. 107: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150

Fig. 108: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150

Fig. 109: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150

Fig. 110: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................150

Page 18: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

14

Fig. 111: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................151

Fig. 112: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................151

Fig. 113: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................152

Fig. 114: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................152

Fig. 115: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................152

Fig. 116: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................153

Fig. 117: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................154

Fig. 118: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................154

Fig. 119: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................154

Fig. 120: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................155

Fig. 121: Ilustração Príncipe Cinderelo ­ história 2 (s.p.)......................................................................................155 Fig. 122: Ilustração A Bela Desadormecida­ história 9 (s.p)..................................................................................157

Fig. 123: Ilustração A Bela Desadormecida­ história 9 (s.p)..................................................................................159

Fig. 124: Ilustração A Bela Desadormecida­ história 9 (s.p)..................................................................................160

Fig. 125: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.8) .............................................163

Fig. 126: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.11) ...........................................163

Fig. 127: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.15) ...........................................163

Fig. 128: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.16) ...........................................163

Fig. 129: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.31) ...........................................164

Fig. 130: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.32) ...........................................164

Fig. 131: Ilustração Minha versão da história: A Bela Adormecida ­ história 3 (p.35) ...........................................164

Fig. 132: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.4) ..............................165 Fig. 133: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.7) ..............................165

Fig. 134: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.8) ..............................165

Fig. 135: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.11).............................165

Fig. 136: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.12).............................165

Fig. 137: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.14).............................165

Fig. 138: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.16).............................165

Fig. 139: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.19).............................166

Fig. 140: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.23).............................166

Fig. 141: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.33).............................166

Fig. 142: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.34).............................166

Fig. 143: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.36).............................167 Fig. 144: Ilustração Minha versão da história / contada por Branca de Neve ­ história 5 (p.37).............................167

Fig. 145: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.7) .......................................169

Fig. 146: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.15)......................................169

Fig. 147: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.16)......................................169

Fig. 148: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.21)......................................169

Fig. 149: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.24)......................................170

Fig. 150: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.28)......................................170

Page 19: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

15

Fig. 151: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.37)......................................170

Fig. 152: Ilustração Minha versão da história / contada por Cinderela ­ história 7 (p.38)......................................170

Fig. 153: Ilustração Minha versão da história: Malévola ­ história 4 (p.2) ............................................................173

Fig. 154: Ilustração Minha versão da história: Malévola ­ história 4 (p.29) ..........................................................173

Fig. 155: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.2) ..........................................174

Fig. 156: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.8) ..........................................174

Fig. 157: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.10).........................................176

Fig. 158: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.21).........................................176

Fig. 159: Ilustração Minha versão da história / contada pela Rainha ­ história 6 (p.26).........................................176

Fig. 160: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.6).......................................177

Fig. 161: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.8).......................................177 Fig. 162: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.12).....................................177

Fig. 163: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.22).....................................177

Fig. 164: Ilustração Minha versão da história / contada pela Madrasta ­ história 8 (p.24).....................................178

Page 20: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

16

Sumário

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................18

2 HISTÓRIAS: DA MINHA TRAJETÓRIA AOS CAMINHOS DA PESQUISA ................................................................................................................20 2.1 ERA UMA VEZ... DA PRINCESA À LOIRA: A HISTÓRIA DO MEU INÍCIO NESTES CAMINHOS INVESTIGATIVOS...............................................................20 2.2 PROCURANDO FIRME: A INSPIRAÇÃO PARA ESTE TRABALHO ...............28 2.3 OUTRAS HISTÓRIAS JÁ CONTADAS, PESQUISAS JÁ REALIZADAS .........31 2.4 A DEFINIÇÃO DA PESQUISA E SOBRE A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA QUE QUERO CONTAR ............................................................................................35 2.5 ESTUDOS CULTURAIS: O QUE SÃO?..............................................................37

3 LITERATURA INFANTIL: INVENÇÕES E DESLOCAMENTOS ..................42 3.1 A INVENÇÃO DA LITERATURA INFANTIL ...................................................43 3.2 HISTÓRIAS QUE ENSINAM. .............................................................................46 3.3 DOS CONTOS POPULARES AOS CONTOS DE FADAS CONTEMPOR­ NEOS .........................................................................................................................48 3.4 NARRATIVAS: QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO..........54 3.5 NARRATIVAS E ILUSTRAÇÕES: O QUE TEXTOS E IMAGENS NOS CONTAM...................................................................................................................57

4 A “INVENÇÃO” DA INFÂNCIA E AS MÚLTIPLAS INFÂNCIAS DA CONTEMPORANEIDADE .....................................................................................59 4.1 HISTÓRIAS DE INFÂNCIAS..............................................................................59 4.2 INFÂNCIAS, ESCOLA E PÓS­MODERNIDADE...............................................64 4.3 HISTÓRIAS DE INFÂNCIAS CONTADAS NOS “NOVOS CONTOS DE FADAS”.....................................................................................................................71

a) Entre a infância des­realizada e a hiper ­realizadada: a infância mais representada nos “novos contos de fadas ............................................................72 b) Uma infância protegida: a mais representada nos “novos contos de fadas” ....................................................................................................................73 c) De uma infância parcialmente protegida a uma infância desprotegida: uma única r epresentação ou uma pr imeira r epresentação? ...............................78 d) A infância desprotegida: ou “a vida como ela é”? ..........................................79 e) A infância marginalizada: uma histór ia exemplar em uma única histór ia? ..81 f) Uma infância pública: uma transgressão ao modelo moderno de infância? ..87 g) As múltiplas infâncias: medievais... modernas... contemporâneas... .............89

5 RELAÇÕES DE GÊNERO – QUE HISTÓRIA É ESSA? ...................................131 5.1 ESTUDOS DE GÊNERO E SEXUALIDADE: O QUE SÃO? (A HISTÓRIA DE SUA TRAJETÓRIA) ............................................................................................131 5.2 ESTUDOS DE GÊNERO, ESCOLA E PÓS­MODERNIDADE ...........................135 5.3 HISTÓRIAS DE MASCULINIDADE E FEMINILIDADE CONTADAS NOS “NOVOS CONTOS DE FADAS”...............................................................................137

Page 21: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

17

a) “Novos contos de fadas” não­sexistas: rompendo as fronteiras dos gêneros ..................................................................................................................138 b) “Novos contos de fadas”: parodiando os clássicos e ensinando outros caminhos de exercer a feminilidade e a masculinidade.......................................156 c) Histór ias romantizadas x Histór ias humor ísticas: ensinando sobre os gêneros..............................................................................................................161

6 E A HISTÓRIA ACABOU? – REGISTROS FINAIS ..........................................179

REFERÊNCIAS ...........................................................................................................183

ANEXOS

Anexo 1: Relação dos livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados. Anexo 2: Resumos dos livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados. Anexo 3: Resumos de alguns contos de fadas clássicos. Anexo 4: Resumos das histórias dos escritores de contos de fadas. Anexo 5: Sinopses de alguns filmes de “novos contos de fadas”. Anexo 6: Reportagem da Revista Veja.

Page 22: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

18

1 Introdução

xistem múltiplas infâncias na contemporaneidade (e sempre existiram);

marcas de deslocamentos nas suas representações podem ser localiza­

das nos livros de literatura infantil destinados às crianças. Sendo assim,

esta Dissertação de Mestrado tem como objeto de estudo os “novos

contos de fadas” 4 e se propõe a examinar as representações de infâncias e de relações de gêne­

ro e sexualidade, presentes nestes artefatos da nossa cultura. Antecipo, entretanto, que reco­

nheço os contos de fadas contemporâneos como “novos contos de fadas”, passando a nomeá­

los assim e a colocá­los em suspeição, com análise cultural, a partir do estudo que faço de sua

produtividade enquanto texto cultural.

A proposta está organizada em seis capítulos, com este capítulo de introdução, além

das referências e dos anexos.

A seguir, no Capítulo 2, intitulado Histór ias: da minha trajetór ia aos caminhos da

pesquisa, inicio apresentando a minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica, contando

fragmentos da “minha história de vida”, a partir de algumas escolhas e mudanças como mu­

lher, como estudante, como educadora, como pesquisadora. Conto sobre o meu início pelos

caminhos investigativos dos Estudos Culturais em Educação, sobre como surgiu a inspiração

e a definição pela temática da pesquisa. Além disso, destaco alguns trabalhos relacionados ao

meu que oferecem uma contribuição significativa aos estudos sobre infância, literatura e rela­

ções de gênero e sexualidade. Em seguida, justifico e ressalto a importância/relevância desta

minha pesquisa, mostrando os acréscimos que ela traz no panorama dos estudos acadêmicos

da Educação.

No Capítulo 3, intitulado Literatura infantil: invenções e deslocamentos descrevo

como foi se constituindo a literatura infantil; disserto sobre seu caráter pedagógico, uma vez

que reconheço os livros infantis como artefatos da cultura que ensinam; conceituo “contos”,

“contos de fadas”, “contos de fadas modernos” e “novos contos de fadas” para, então, realizar

uma discussão sobre as narrativas desses contos e a pós­modernidade.

No Capítulo 4, intitulado A “invenção” da infância e as múltiplas infâncias da con­

temporaneidade, retomo, de forma sucinta, o surgimento, na Modernidade, da idéia de in­

4 No Capítulo 3 desta Dissertação, discutirei a história dos conceitos de conto e contos de fadas desde o século XII, além do conceito de “contos de fadas modernos”, retomando a interpretação que dou aos “novos contos de fadas”, assim descrevendo como são concebidos nesta produção acadêmica.

E

Page 23: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

19

fância como uma época especial, relacionando­a às múltiplas infâncias na contemporaneidade

e à escola na atualidade. São analisadas sete histórias, procurando perceber as representações

de infâncias ali existentes.

No Capítulo 5, intitulado Relações de gênero – que histór ia é essa?, escrevo breve­

mente sobre a história dos Estudos de Gênero e Sexualidade, relacionando­a às discussões

sobre o repensar a escola na atualidade. Analiso, então, nove histórias, quanto às representa­

ções de masculinidade e feminilidade nelas contidas.

No Capítulo 6, intitulado E a história acabou? – registros finais, procuro ressaltar os

ensinamentos trazidos pelas histórias de príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas relacio­

nando­os às infâncias e às relações de gênero e sexualidade na vida contemporânea.

Page 24: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

20

2 Histórias: da minha trajetória aos caminhos da pesquisa

ntes de tudo, considero importante contar um pouco da “minha história”, sobre

as minhas vivências e formação. Julgo necessário falar de como fui educada,

especialmente pela família e pelas instituições de ensino (escola e universida­

de), e de como fui constituindo minhas identidades (de menina, de mulher, de

filha, de estudante, de pesquisadora), as quais seguem sendo múltiplas e em constante trans­

formação. Considero fundamental situar o/a leitor/a de que “lugares” estou escrevendo, isto é,

situá­los/las pelas trilhas em que me conduzi até chegar nestes estudos e teorizações.

2.1 Era uma vez... da princesa à loira 5 : a história do meu início nestes caminhos investigativos

asci no final da década de 70, ano de 1978. Fui educada por meu pai e

minha mãe para ser uma menina­criança e tornar­me uma mulher­adulta

“correta”, perante os valores de minha família, tendo por referência o ideal

de feminino incentivado pela sociedade. Buscaram ensinar­me a ser edu­

cada, gentil, sincera, honesta, tranqüila, boa, compreensiva. Eram tempos em que a escola e os

estudos eram tidos como possibilidades de “crescer ou ser alguém melhor na vida”; a escola

era vista como elemento de mudança social, como propulsora de sucesso, de ultrapassar bar­

reiras sociais. Sendo assim, minha família sempre me estimulou na minha escolha profissional

– ser professora – e sempre me admirou muito como tal.

Dessa forma, minhas múltiplas identidades foram se constituindo...

O meu interesse pela educação iniciou na infância. Sou a primogênita de um casal que

teve três filhas e, também, a neta mais velha por parte de pai. Minhas irmãs e primas paternas

foram as minhas primeiras “alunas” nas várias vezes em que brincávamos de “escolinha”,

época em que ensaiei os primeiros passos da profissão que escolhi mais tarde. O desejo de ser

5 Parte do título deste capítulo foi inspirada no título do livro Da Fera à Loira: sobre contos de fadas e seus narradores (WARNER, 1990). Sua escolha quer sugerir uma transformação na minha trajetória como estudante, como educadora, como pesquisadora, à medida que ia sendo “educada” por diferentes discursos e suas represen­ tações.

A

N

Page 25: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

21

professora surgiu aos sete anos, quando estava na 2.ª série do 1.º Grau e, desde então, não

mudei mais de idéia. A partir desse momento, fui aguçando meu olhar para os professores e

professoras que fizeram parte da minha trajetória escolar. Eles e elas foram os meus exemplos

profissionais, os/as quais contribuíram, sem dúvida, cada um a seu modo e com diferente re­

levância, para a minha constituição como professora.

No 2º Grau, fiz o curso de Magistério na Escola Estadual Normal 1º de Maio, onde,

então, foi dado um passo significativo na caminhada que estava trilhando, cuja intenção era

tornar­me professora. Foi neste período que a sensibilização para as Artes e o investimento na

expressão artística – corporal, plástica e musical – ocorreu de forma mais acentuada em minha

vida, adquirindo grande importância para o exercício de minha profissão, pois acredito que se

torna necessário ao/à professor/a ser um pouco “artista” também – saber improvisar, descon­

trair, criar, encenar, brincar... em suas aulas, durante a prática docente. Contudo, o que lembro

com orgulho e satisfação é que foi nesta fase de minha trajetória escolar que o gosto pela Lín­

gua Portuguesa e pela Literatura Brasileira foi ainda mais acentuado. Tive excelentes profes­

soras e professor que me ajudaram a melhorar e aperfeiçoar a produção escrita, qualificando­

a, e estimularam a leitura, tornando­a um ato de prazer. 6 O curso foi de quatro anos, acrescido

de um semestre de estágio orientado e supervisionado, o qual realizei com uma 2.ª série, na

escola onde cursei o 1.º Grau.

Estes anos de educação escolar agiram de forma hábil e eficiente na formação da mi­

nha identidade de gênero, subjetivando­me e produzindo­me como futura educadora!

O interesse pela educação prosseguiu e, no semestre seguinte ao estágio, fiz cursinho

pré­vestibular e prestei provas no Concurso Vestibular de 1997, na UFRGS, para Pedagogia e

na PUC­RS, para Letras, já que começara meu maior envolvimento com a Língua Materna e a

Literatura. Passei em ambas as universidades, mas só efetivei minha matrícula na UFRGS.

Entrei para o curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFRGS. Durante o curso,

participei de várias atividades de extensão universitária. Fui bolsista de extensão de um proje­

to intitulado “O brinquedo também ensina” (1998), coordenado pela professora Iole Maria

Faviero Trindade. Fui bolsista de monitoria (1999 e 2000) da professora Tânia Ramos Fortu­

na, atuando em disciplinas (EDU01136: Psicologia da Educação A – oferecida para os cursos

de licenciatura; EDU 01172: Psicologia da Educação – Adolescência; EDU01002: O Jogo e a

6 Silveira (1998) examina o que denomina de “o discurso renovador da leitura na escola”, mostrando o quanto este revela uma ênfase nos aspectos lúdicos e mágicos da leitura. A autora reconhece que tal discurso “emanou primordialmente das esferas acadêmicas, espraiando­se por documentos oficiais, recomendações curriculares, revistas de divulgação pedagógica e mídia, e passou a constituir uma arquitetura de representações de professor, aluno, leitura e escola diretamente implicadas entre si” (p. 106).

Page 26: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

22

Educação). Também participei, efetivamente, do Programa de Extensão Universitária “Quem

quer brincar?”, coordenado pela professora Tânia, por meio das oficinas lúdicas mensais, a­

lém do “I Curso de Brinquedista” (2001).

Concluí o curso de Pedagogia – habilitação em Séries Iniciais – no segundo semestre

de 2000, quando já estava trabalhando como professora da rede estadual de ensino. Em março

de 2001, fui contratada por uma escola da rede particular. Desde 2000, venho atuando como

professora em turmas de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Por vezes, trabalho, no período

vespertino, com o Curso de Ensino Normal – Aproveitamento de Estudos, ministrando a dis­

ciplina Didática da Linguagem. Venho atuando, também, no curso de Ensino Médio Modali­

dade Normal (com Habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental

e com Ênfase em Educação de Jovens e Adultos), já tendo trabalhado com os seguintes com­

ponentes curriculares: Didática da Linguagem (2ª e 3ª séries) e Prática Pedagógica (3ª e 4ª

séries); além disso, trabalho no estágio (último semestre do curso), como orientadora. Pelas

ementas das disciplinas fornecidas nesta instituição de ensino, é possível perceber o quanto o

referido curso está embasado nas teorias críticas, perpassado pelo discurso de contribuir para

a formação de pessoas críticas, politizadas, conscientes e transformadoras da realidade, cida­

dãs e cidadãos que devem lutar por uma vida melhor, por uma sociedade e um mundo mais

justos e igualitários.

Atualmente, trabalho com uma turma de 2ª série em uma escola da rede particular e

com as disciplinas de Prática Pedagógica IV, Didática da Linguagem e como orientadora de

estágio no curso Normal em uma escola da rede estadual de ensino.

Assim, a minha formação no Ensino Médio e início do Ensino Superior foi atravessada

pelas idéias de que para ser professor/a era preciso, primordialmente, gostar de lidar com

os/as alunos/as, além de ser fundamental estar constantemente estudando, qualificando­me,

reforçada pela consciência do meu papel como educadora: ajudar os/as estudantes a tornarem­

se “agentes transformadores da sociedade”. Contudo, se antes tinha isso como “verdade”, a­

gora, vejo essa idéia como a representação de um dos discursos que me constituíram como

professora. Ademais, se antes estava mais envolvida com as questões psicológicas e metodo­

lógicas da prática docente, hoje venho priorizando um olhar atento e curioso, sob as lentes

teóricas dos Estudos Culturais em Educação, observando como diferentes e diversificadas

instâncias culturais assumem um caráter pedagógico, ensinando e subjetivando os sujeitos.

Comecei a olhar de forma diferenciada para a educação, quando estava cursando Pe­

dagogia e, através de algumas disciplinas, principiei a fazer a leitura de alguns textos, além de

Page 27: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

23

participar de discussões e me inteirar de parte das pesquisas no âmbito das perspectivas pós­

moderna e pós­estruturalista, bem como ao cursar seminários nesta Linha de Pesquisa, Estu­

dos Culturais em Educação, como aluna PEC, antes de entrar efetivamente como mestranda.

Assim como meu olhar para a docência foi mudando, outras mudanças de olhar tam­

bém foram ocorrendo em relação às diferentes dimensões culturais... Passei a ver de um outro

jeito as formas de relacionamento pessoal e os modos de pensar sobre os gêneros feminino e

masculino...

Como disse antes, tive minha infância na década de 1980 e sou parte de um grupo de

jovens e mulheres que, embora soubessem que os príncipes povoassem com profusão os con­

tos de fadas e, de forma mais esparsa, os tablóides, por meio de notícias, geralmente fantasio­

sas ou escandalosas, preferiam acreditar que estes iriam aparecer; então não precisávamos ter

pressa, mas era só esperar... Aliás, a tarefa das “moças direitas” ou das “moças para casar” era

esperar. Tomar a iniciativa em paqueras, começar uma conversa, convidar para sair, enfim,

demonstrar interesse, eram comportamentos que deveriam partir dos rapazes. Sendo assim,

não era de se estranhar o gosto e a identificação que moças como eu tinham com as princesas

dos contos de fadas (afinal, no fundo, nos considerávamos princesas... à espera do príncipe...

encantado, maravilhoso, perfeito e salvador). Eu, por exemplo, identificava­me com a Bela

Adormecida (figura 1). E, durante muito tempo, eu achei que podia esperar em um sono pro­

fundo, pois o príncipe iria aparecer e me despertar com o tão esperado beijo. Mas eu acordei...

Quem sabe eu ainda sou uma garotinha Esperando o ônibus da escola sozinha Cansada com minhas meias três quartos Rezando baixo pelos cantos Por ser uma menina má Quem sabe o príncipe virou um chato [grifo meu] Que vive dando no meu saco Quem sabe a vida é não sonhar

Eu só peço a Deus Um pouco de malandragem Pois sou cr iança e não conheço a verdade [grifos meus] Eu sou poeta e não aprendi a amar

Bobeira é não viver a realidade E eu ainda tenho uma tarde inteira E eu ando nas ruas

Page 28: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

24

Eu troco cheque Mudo uma planta de lugar Dirijo meu carro Tomo o meu pileque E ainda tenho tempo pra cantar.

(Música Malandragem, interpretada por Cássia Eller – autoria: Cazuza e Frejat)

A minha visão ingênua da vida, a idéia de que as mulheres, assim como as crianças,

precisam ser protegidas modificou­se. Hoje vejo que mudei significativamente meu compor­

tamento, minha forma de ver a constituição dos gêneros masculino e feminino, pois acredito

que não há uma única forma, e nem a mais verdadeira, de ser menina/mulher ou meni­

no/homem. Penso que podemos exercer e expressar nossa feminilidade (e masculinidade) com

menos tabus e fronteiras. Sendo assim, a “princesa” não está mais esperando o seu “príncipe”,

porque sabe que ele não existe (ou melhor, a idealização que foi feita dos “homens para ca­

sar”, ou a forma como fomos subjetivadas, é que nos fez acreditar que eles existiam). Porém,

por outro lado, se eu e outras mulheres da minha geração não nos identificamos mais com as

princesas dos contos de fadas clássicos – queridinhas, quietinhas, submissas e “comportadas”

–, continuamos sendo subjetivadas por outras princesas e mulheres “mais modernas” que nos

são apresentadas em diferentes artefatos culturais da contemporaneidade como: nos filmes,

nas revistas, nas novelas da televisão, na literatura infantil, infanto­juvenil e nos romances,

para citar alguns exemplos. Ou seja, representações de uma época de encantamento, sonho e

magia, próprios dos contos de fadas, convivem com outras representações na sociedade con­

temporânea (figura 2).

Sou a Barbie Gir l Se você quer ser meu namorado Fica ligado, presta atenção Na minha condição É difer ente, sou muito exigente [grifos meus]

Anda Barbie, vamos Barbie (2x) Sou assim uma flor delicada demais Minha cor prefer ida é o rosa Uma loura legal e que sabe o que quer Decidida, fatal, mas dengosa Você pode me ganhar

Page 29: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

25

É só fazer o que eu mandar [grifos meus]

Sou a Barbie Girl Se você quer ser meu namorado Fica ligado, presta atenção Na minha condição É diferente, sou muito exigente Anda Barbie, vamos Barbie Deixa eu me ar rumar , Ken [grifo meu] Anda Barbie, vamos Barbie Já vou, já vou

Se eu pedir uma estrela Você vai buscar , O meu jeito é assim Não reclama [grifos meus]

Quando quer bate o pé E eu vou ter que aceitar Só assim vou saber que me ama [grifos meus]

Você pode me ganhar É só fazer o que eu mandar

Anda Barbie, vamos Barbie Deixa eu me arrumar, Ken Anda Barbie, vamos Barbie Já vou, já vou

(Música Barbie Gir l, interpretada por Kelly Key – autoria da versão em português: Gustavo Lins e Umberto Tavares. Música original de: Claus Norren, Soren Rasted, Lene Crawford, Rene Diff, Johnny Pedersen, Karsten Delgado.)

Steinberg (2001, p.328) explica por que a Barbie é um modelo identitário tão forte a­

inda nos dias atuais:

A Barbie nos prova que se tentarmos com afinco podemos ter qualquer coisa e todas as coisas. A Barbie sempre prospera. Ela pode ser o que quiser – ela influencia gera­ ções de crianças e adultos e é uma eterna lembrança de tudo o que é bom, saudável e cor­de­rosa nas nossas vidas. [...] Ela sustenta os valores da família que o nosso país mais preza. Ela é estritamente heterossexual, auto­suficiente, filantrópica e moralis­ ta. Ela também está pronta para conduzir “outra” pessoa na sua vida, não importa de que cor ou etnia.

Page 30: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

26

Deste modo, na contemporaneidade outros modelos identitários são oferecidos às me­

ninas e às mulheres (figura 3). E se por um lado elas se mostram mais independentes e autô­

nomas, por outro ainda são educadas e subjetivadas a ter no casamento o ideal de felicidade, a

preservarem as características “naturalmente” femininas, que são as relacionadas ao charme, à

beleza, à futilidade, ao encantamento, ao romantismo, ao cuidado e à dedicação. Agora, as

meninas, mesmo que não sonhem mais com o príncipe encantado, crescem (e também as mu­

lheres) e se cercam do uso de roupas e acessórios cor­de­rosa, consumindo cadernos, agendas,

lápis, lapiseiras, entre outros materiais escolares e de escritório, que têm por temática outras

representações de um mundo encantado e “glamouroso”. Tais representações convivem com

as de “novos/as príncipes e as princesas” contemporâneos, através da literatura, por exemplo,

revestidos/as com novas roupagens, atitudes, posições de sujeito, mais distantes daquelas dos

contos clássicos.

São as histórias de príncipes, princesas, sapos, bruxas e fadas, as quais sempre gostei

de ler, ouvir e ver no cinema, que resolvi analisar neste estudo que o Mestrado em Educação

oportuniza e elegi os “novos contos de fadas” para produzir as minhas análises.

Narrei um pouco da minha trajetória de vida até o momento e esta tem o total apoio e

incentivo de minha família, sendo repleta de construções e desconstruções, certezas e dúvidas,

medo e coragem, paixões, indignações, sonhos e esperanças.

Page 31: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

27

Figura 1: Cena da história A Bela Adormecida, em que o príncipe chega, dá um beijo na princesa e esta des­ perta de seu sono de cem anos. Em seguida, casam­se e vivem felizes para sempre.

Figura 2: Barbie Figura 3: A mulher/Barbie da atualidade

Page 32: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

28

2.2 Procurando Firme: a inspiração para este trabalho

oda história tem um começo; um trabalho acadêmico como este também o tem.

Ao ingressar neste Programa de Pós­Graduação em Educação, escolher a Li­

nha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educação e dar início a esta pesqui­

sa, venho fazendo diversas escolhas.

A escolha pela literatura destinada, e sugerida pelos catálogos das editoras, à faixa etá­

ria dos 6 (seis) aos 10 (dez) anos, isto é, de alunos que estariam, possivelmente, cursando en­

tre a 1ª e a 4 séries/ 1.º ao 5.º anos escolares, ocorreu em função de minha aproximação com

este público de crianças e pré­adolescentes, já que sou formada em Pedagogia – Habilitação

em Séries Iniciais –, e atuo nesta área como professora de Séries Iniciais e professora do En­

sino Médio – Curso Normal.

Contudo, o recorte e análise em torno dos “novos contos de fadas”, eleito por mim,

ocorreu em função do meu olhar de estranhamento para os contos de fadas e sua produtivida­

de, e, especialmente, para as suas novas versões, isto é, para a forma como as histórias clássi­

cas são recontadas com inspiração na vida contemporânea, através de suas novas versões,

temperadas com os sabores e fragrâncias do tempo atual. Considero importante tecer um olhar

de estranhamento a essas histórias, ao mesmo tempo em que o faço para as fantasias que

constituíram meus sonhos de menina e de adolescente. Eu não seria mais uma das tantas me­

ninas e adolescentes que se identificavam com a Bela Adormecida, Cinderela e/ou a Branca

de Neve? Esses príncipes não seriam mais tão iguais na ousadia, beleza e sensibilidade? Eu

não estaria mais a espera de um príncipe desses?

Meu interesse por um gênero literário em especial, os contos e de fadas, e, sobretudo

os “novos contos de fadas”, parece estar marcado pela transgressão que operaram nos “mode­

los” que me constituíram, produzindo outras representações de feminilidade e masculinidade,

de ser e viver na contemporaneidade, e teve início ao ler o livro Procurando firme, de Ruth Rocha (2001) (figura 4). Ao ler essa história, chamaram­me a atenção as atitudes da princesa

Linda Flor que se mostrava decidida e determinada, ao invés de submissa e comportada, como

as princesas “tradicionais”. A partir deste conto, comecei a pensar sobre a minha investigação

acadêmica no Mestrado. De certo modo, identifiquei­me com a história, porque se antes eu

era uma “Bela Adormecida”, agora já me sinto também como a Linda Flor. A autora desse

conto (ROCHA, 2001) “brinca” com os comportamentos tradicionalmente esperados para o

T

Page 33: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

29

homem – os de um príncipe – e os transfere para a mulher – uma princesa –, também, tornan­

do­a, dessa forma, uma princesa moderna, uma mulher contemporânea.

Figura 4: Capa do livro Procurando firme de Ruth Rocha

Vale a pena ilustrar que, nessa história, o príncipe, desde pequeno, estava sendo trei­

nado para um dia sair do castelo e correr o mundo – como todo príncipe que se preza! Para

isso ele tinha: professor de esgrima, que o ensinava a usar a espada; professor de berro, que o

preparava para assustar o adversário; aula de corrida, para atravessar bem depressa o pátio e

chegar logo no muro; aula de alpinismo, praticada nas paredes do castelo; aula de tudo quanto

é língua, para que quando ele saísse do castelo e fosse correr o mundo pudesse falar com as

pessoas e entender o que elas diziam; aula de equitação; aula de pontapés; aula de natação,

para atravessar o fosso quando chegasse a hora; aula do uso do cotovelo, na qual o ensinavam

a esticar o braço dobrado, com o cotovelo bem espetado e cutucar quem ficasse na frente;

além de aula de cuspir no olho; enfim, eram muitas as aulas necessárias ao seu objetivo (e ao

da família real: a formação “masculina” do jovem príncipe). Além disso, o príncipe aprendia

que não podia chorar a toda hora. Ou seja, uma porção de outros ensinamentos era ofertada.

Enquanto isso, a princesinha, irmã do príncipe, durante o dia inteiro, se ocupava de “ocupa­

Page 34: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

30

ções principescas” e “femininas”: tomava aulas de canto, de bordado, de tricô, de pintura em

cerâmica; fazia cursinho de iniciação à poesia de Castro Alves; estudava um pouquinho de

piano; fazia flores de marzipã; aprendia a enfeitar bolos e a fazer crochê com fios de cabelo.

Ou seja, ela se dedicava a fazer coisas que serviam para se distrair (e que também eram a­

prendizagens consideradas importantes, naquele contexto, para uma moça “educada”), dei­

xando o tempo passar. Afinal, tinha que ocupar seus dias, enquanto esperava um príncipe en­

cantado que viria derrotar o dragão do seu castelo e casar com ela. Acontece que Linda Flor

não aceitou se casar com nenhum dos príncipes que apareceram no seu castelo. Mostrou­se

decidida, determinada, confiante, autônoma, prática, “moderninha” – para o desespero do rei e

da rainha. Ela mudou o penteado do cabelo, passou a usar calças compridas como o príncipe e

a apresentar­se bronzeada. Por iniciativa própria, a menina parou de freqüentar as aulas que

lhe eram destinadas e passou a ter aulas com os instrutores do seu irmão. Ela ainda disse ao

pai e à mãe que estava se preparando para correr o mundo também:

­ É isso mesmo, correr o mundo! Eu estou muito cansada de ficar neste castelo espe­ rando que um príncipe qualquer venha me salvar. Eu acho muito mais divertido sair correndo mundo como os príncipes fazem. E se eu tiver que casar com alguém, eu encontro por aí, que o mundo é bem grande e deve estar cheio de príncipes pra eu escolher (ROCHA, 2001, s.p.).

E assim, no final da história, a princesa sai do castelo para correr o mundo, “procuran­

do não sei o quê, mas procurando firme” (ROCHA, 2001, s.p.).

Penso que a princesa deste conto retrata, de uma forma divertida, a trajetória de mu­

lheres que foram buscar seus direitos, “procurando firme” um caminho de mais conquistas. É

por isso que essa história e seus personagens me impressionam, pois, de certa forma, mostram

a “transformação” por que passaram e continuam a passar homens e mulheres na contempora­

neidade, ao mesmo tempo em que ilustram parte de minha “própria transformação” quanto a

modos de ser e de viver na contemporaneidade.

Outro aspecto interessante de destacar é que o príncipe e a princesa estavam tendo au­

las diferentes, de acordo com o que era esperado e desejado para cada um. Nesta história, fica

evidente que, se as relações de gênero foram determinantes nas ocupações que as pessoas da­

quele reino podiam ter, sua transgressão passa a ser ilustrativa das representações que estas

recebem pelo discurso feminista, evidenciando superação de desigualdades entre meninas e

meninos e entre homens e mulheres, marcadas por “determinações biológicas”. Para tanto,

certas habilidades, consideradas “naturalmente masculinas”, enquanto outras, consideradas

“naturalmente femininas”, tornam­se acessíveis a todas as pessoas, independente da marca de

gênero. Ou seja, na história Procurando firme podemos localizar o deslocamento do discurso

Page 35: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

31

do “acesso” às habilidades reconhecidas como masculinas ou femininas: de um acesso marca­

do por “diferenças sexuais” a um discurso marcado por “relações de gênero”. Silva (1999, p.

93) pondera que: “O simples acesso pode tornar as mulheres iguais aos homens, mas num

mundo ainda definido pelos homens”. Segue dizendo que: “A sociedade está feita de acordo com as características do gênero dominante, isto é, o masculino” (p.93), para defender, mais

adiante: “Dependendo de onde estou socialmente situado, conheço certas coisas e não outras.

Não se trata simplesmente de uma questão de acesso, mas de perspectiva” (p. 94). [...] “Seria

desejável que todas as pessoas cultivassem características que normalmente são consideradas

como pertencendo a apenas um dos gêneros!” (p. 94). O autor conclui que: “Algumas quali­

dades consideradas masculinas seriam, entretanto, claramente, menos desejáveis que as femi­

ninas, como é o caso, por exemplo, da necessidade de controle e domínio” (p. 94­95).

Procurando firme ilustra como se faz do homem um homem e da mulher uma mulher, conforme as posições que ocupam em épocas e contextos diversos. Ou seja, tal história, “ao

mesmo tempo corporifica e produz relações de gênero” (SILVA, 1999, p. 97), e mostra que as

mesmas podem não ter nada de fixo, de essencial ou de natural.

Julgo importante pensarmos sobre isso, na perspectiva dos Estudos Culturais em Edu­

cação, a qual me permite considerar tais contos de fadas, entre tantos de outros gêneros literá­

rios, e outros produtos de nossa cultura, como artefatos pedagógicos que também ensinam.

2.3 Outras histórias já contadas, pesquisas já realizadas...

uando participei do processo seletivo para a vaga no Mestrado em Educação

desta Universidade para a linha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educa­

ção, já sabia que queria estudar os “novos contos de fadas”, mas ainda não

tinha bem definido o que analisar nestas histórias. Já havia definido as temáti­

cas que me interessavam: literatura infantil, contos de fadas contemporâneos (no sentido de

serem atuais; publicados mais no final do séc. XX) e infância.

Como já expliquei antes, queria unir neste meu estudo o meu gosto pela literatura in­

fantil e pelos contos de fadas da atualidade a um olhar de “estranhamento” para um artefato

cultural que é destinado às crianças e, também, usado pedagogicamente nas escolas com o

público das séries/anos iniciais, com o qual atuo como professora e como formadora de pro­

fessores/as. Também tinha resolvido que não faria estudo de recepção, vendo, por exemplo,

Q

Page 36: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

32

como tais livros eram usados para ensinar algo às crianças nas escolas. Sabia que um estudo

como este demandaria mais tempo e para uma pesquisa de Mestrado tornava­se inviável, já

que segui e sigo trabalhando em duas escolas durante a realização desta pós­graduação.

Então, quando ingressei no Mestrado, uma das primeiras sugestões de minha orienta­

dora foi a de pesquisar sobre o que já se tinha escrito e publicado sobre essas temáticas (litera­

tura infantil, contos de fadas, infância) na linha de Pesquisa dos Estudos Culturais em Educa­

ção, em outras linhas de pesquisa do nosso Programa de Pós­Graduação e em outros.

Fiz a pesquisa na biblioteca da Faculdade de Educação da UFRGS para ver a produção

de Dissertações e Teses desta Universidade 7 e pesquisei, também, na Internet 8 , procurando

trabalhos acadêmicos de pós­graduação realizados em diferentes universidades brasileiras. Na

ocasião, vi que havia muitos trabalhos escritos sobre contos de fadas, sobre literatura infantil,

sobre infância, analisando­os sob diferentes perspectivas teóricas, tendo estes por objeto de

estudo ou produtos culturais relacionados a eles. Mas nenhuma das produções fazia análise do

que chamei de “novos contos de fadas”. Sendo assim, o diferencial do meu trabalho consiste

em analisar o gênero literário infantil conto, priorizando as histórias de príncipes, princesas,

sapos, bruxas e fadas que fazem uma releitura, reescrita ou paródia dos contos de fadas clássi­

cos. Isto é, não se trata de olhar para os primeiros contos, mas sim para os mais atuais.

Localizei e destaco aqui um conjunto de pesquisas de colegas do Programa de Pós­

Graduação desta Universidade, aqui da Faculdade de Educação da UFRGS, principalmente,

aquelas relacionados às Linhas de Pesquisa dos Estudos Culturais e Estudos de Gênero e Se­

xualidade e de seus respectivos Núcleos de Pesquisa: NECCSO (Núcleo de Estudos sobre

Currículo, Cultura e Sociedade) e GEERGE (Grupo de Estudos de Educação e Relações de

Gênero), além da contribuição da Linha de Pesquisa Ética, Alteridade e Linguagem na Educa­

ção.

Desses, um dos trabalhos que contribuiu para minha pesquisa foi o de Gomes (2000)

que, em sua Dissertação de Mestrado, focaliza “as princesas clássicas” produzidas pelos estú­

dios Disney (Branca de Neve, Cinderela e Bela Adormecida). A autora observa que as repre­

7 Site das Bibliotecas da UFRGS: http://www.sabi.ufrgs.br. 8 Outros sites consultados: ­ http://www.ct.ibict.br:81/site/owa/si_consulta (Teses e Dissertações produzidas no Brasil) ­ http://www.prossiga.br/estudosculturais/pacc/ (Biblioteca Virtual de Estudos Culturais do Programa Avançado de Cultura Contemporânea – PACC/UFRJ) ­ http://www.bu.ufsc.br (Biblioteca Virtual da Universidade Federal de Santa Catarina – Teses e Dissertações) ­ http://www.capes.gov.br (Banco de Teses da Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) ­ http://www.anped.org.br (Banco de Teses da Anped – Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação)

Page 37: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

33

sentações femininas na mídia obedecem a determinados padrões, como, por exemplo, a juven­

tude e a esbelteza. Seu trabalho descreve imagens e práticas que permeiam o universo femini­

no. Dentre os elementos discutidos são destacadas as figuras femininas elaboradas pelas gran­

des corporações, personagens que, consumidos nas formas mais diversas, povoam o imaginá­

rio infantil. Utiliza alguns fundamentos da obra de Foucault para tratar da constituição de um

modo de ser feminino sujeito aos parâmetros ditos “corretos”, reforçada por discursos de

“bom comportamento”, beleza jovial e realização amorosa. Seu objetivo é propor estratégias

para que esses clichês não se enrijeçam e possamos “engendrar novos modos de subjetiva­

ção”.

Outras pesquisas enfocam a infância, a literatura e as relações de gênero e sexualidade,

como as que apresento a seguir:

Argüello (2005), em sua Dissertação de Mestrado, analisa as falas de crianças de 4

(quatro) a 6 (seis) anos, de uma turma de Jardim B – Educação Infantil, procurando observar

as representações de gênero que esse grupo possuía. Para isso, foram selecionadas 11(onze)

histórias infantis não­sexistas, isto é, histórias que não reproduzem em seus textos discursos

misóginos e veiculam uma perspectiva feminista. Estas histórias eram contadas e depois havia

uma discussão sobre determinados aspectos das mesmas. Amparada no campo dos Estudos

Culturais e dos Estudos Feministas, a autora utiliza algumas ferramentas da perspectiva fou­

caultiana, inserindo­se nos estudos pós­estruturalistas.

Kaercher (2005), em sua Tese de Doutorado, analisa as representações de gênero e ra­

ça presentes no acervo de 110 (cento e dez) obras de literatura infantil que integram o Pro­

grama Nacional Biblioteca da Escola do ano de 1999. Contando com os aportes dos Estudos

de Gênero e dos Estudos Culturais, examina como tais representações se articulam para en­

gendrar branquidade, negritude, masculinidade e feminilidade nas obras disponíveis no acer­

vo. Delineia, também, algumas das estratégias discursivas que operacionalizam esses proces­

sos de racialização e generificação nas obras e, a partir dessa análise, defende que eles sinali­

zam para a manutenção dos discursos que colocam a identidade masculina, branca, adulta

como padrão de referência para a hierarquização e subordinação das demais identidades raci­

ais e de gênero.

Sefton (2006), em sua Dissertação de Mestrado, problematiza as representações e prá­

ticas discursivas que envolvem as identidades masculinas e paternas advindas de materiais da

Literatura Infanto­Juvenil. Sob os enfoques dos Estudos de Gênero, dos Estudos Culturais,

além de aportes pós­estruturalistas, seu corpus de pesquisa é formado por 30 (trinta) livros,

Page 38: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

34

datados de 1988 a 2004, a partir dos quais suas problematizações buscaram enfatizar não só as

recorrências sobre as representações paternas e masculinas, mas também os deslocamentos e

rupturas presentes nos materiais analisados.

Li, também, no campo da infância e das relações de gênero, outra dissertação que se

diferencia das apresentadas antes, porque examina outro artefato cultural que são as revistas

destinadas às futuras mamães ou a casais que estão à espera de um bebê:

Santos (2004), em sua Dissertação de Mestrado, analisa revistas brasileiras que tratam

da temática infância (Crescer em Família, Pais & Filhos e Meu Nenê e Família), com vistas a examinar como elas operam discursivamente na constituição das identidades de gênero na

primeira infância. O referencial teórico de suas análises são os Estudos Culturais e algumas

contribuições dos Estudos de Gênero. Foram analisadas 53 (cinqüenta e três) edições dos anos

de 2000 a 2002, das quais foram selecionadas as matérias que envolvessem questões de gêne­

ro dentro da faixa etária dos 0 aos 6 anos (zero aos seis).

Entre as pesquisas sobre masculinidades e feminilidades, encontrei as seguintes disser­

tações:

Neuls (2004), em sua Dissertação de Mestrado, escolheu o programa televisivo A

Turma do Didi, da Rede Globo, como objeto de análise para mostrar como este opera na cons­ tituição de uma representação de masculinidade para crianças e jovens. Optou por olhar as

articulações entre gênero e sexualidade no programa e descreve os modos e estratégias do

programa de instituir sentidos acerca de uma masculinidade considerada desejável para meni­

nos. O corpus de análise compreende 25 (vinte e cinco) programas do período de setembro de 2002 a julho de 2003. O referencial teórico­metodológico da pesquisa são os Estudos Cultu­

rais e os Estudos de Gênero, em suas vertentes pós­estruturalistas.

Guizzo (2005), em sua Dissertação de Mestrado, investiga de que forma as crianças de

uma escola pública de Educação Infantil, na faixa etária de 5 aos 6 anos (cinco aos seis) da

grande Porto Alegre, entendem as questões de gênero presentes no seu cotidiano. Para tanto,

explora situações e falas emergidas neste âmbito escolar, especialmente a partir de propagan­

das televisivas voltadas para este público. Busca problematizar os modos como professoras,

equipe diretiva, pais e mães lidam com tais questões, contribuindo para a constituição de mas­

culinidades e feminilidades ainda na infância. Para as análises usou o referencial teórico­

metodológico dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas, em suas abordagens pós­

estruturalistas.

Page 39: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

35

Bello (2006), em sua Dissertação de Mestrado, busca entender como vão se constitu­

indo as masculinidades na escola infantil, procurando observar alguns dos investimentos fei­

tos para que os meninos e as meninas se constituam como homens e mulheres heteronormati­

zados. As análises foram realizadas a partir do referencial teórico dos Estudos de Gênero e

algumas contribuições dos Estudos Culturais em uma perspectiva pós­estruturalista. Para tan­

to, foi observado um grupo de 25 (vinte e cinco) crianças com 5 (cinco) anos de idade, em

uma escola infantil da Rede Municipal de Porto Alegre, no período de dois meses, totalizando

cem horas de observação.

2.4. A definição da pesquisa e sobre a importância da história que quero contar

xaminando as últimas pesquisas acadêmicas realizadas, percebo que já existem

estudos sobre contos de fadas, analisando­os sob as perspectivas psicológicas,

psicanalíticas e das relações de gênero e sexualidade. Entretanto, o diferencial

do meu trabalho está em proceder à análise dos “novos contos de fadas” na perspectiva dos

Estudos Culturais em Educação e dos Estudos de Gênero e Sexualidade. Aliás, têm crescido

consideravelmente as produções culturais relacionadas a este gênero literário, com uma vasta

publicação de livros e filmes.

Defini a minha pesquisa, propondo­me a analisar as representações de infâncias e de

relações de gênero, presentes nestes artefatos culturais da contemporaneidade. Junto­me, as­

sim, àqueles/as pesquisadores/as, cujo objetivo é “mostrar como operam alguns dispositivos e

práticas culturais para constituir nossas concepções sobre o mundo e sobre as coisas e coorde­

nar as formas como agimos” (COSTA, 2000a, p.9).

Entre os critérios para a seleção dos livros estão: serem livros de literatura infantil in­

dicados à faixa etária dos 6 (seis) aos 10 (dez) anos; serem escritos por diferentes autores

(COMPANY, COSTA, MARTINS, VASSALO, COLE, DISNEY, MINTERS), pertencerem

a diferentes editoras (Scipione, FTD, DCL, Brinque­Book, Martins Fontes, Caramelo, Com­

panhia das Letrinhas), histórias de uma mesma coleção (Coleção As Trigêmeas; Coleção Mi­

nha versão da história), histórias de autores/as estrangeiros/as (obras traduzidas) (COLE,

COMPANY,DISNEY, MINTERS) e nacionais (COSTA, MARTINS, VASSALO); histórias

E

Page 40: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

36

escritas e publicadas a partir da década de 90 (anos de publicação: 1998, 1999, 2000, 2003,

2004, 2005, 2006) 9 .

A metodologia a ser usada é a da interpretação textual, tanto das narrativas quanto das

ilustrações, pois estas são entendidas como textos e, como tais, produtoras de sentidos tam­

bém. São questões relevantes deste estudo: como os sujeitos infantis são representados por

diferentes discursos, entre eles, os que “povoam” os livros infantis? Quais modelos de ser

menino e menina, ou de ser homem e mulher, nos são ensinados através dos “novos contos de

fadas”?

Entendo que, além das Dissertações e Teses aqui apresentadas de forma sumária, a

minha pesquisa alia­se a outras que tem em seu foco a discussão sobre as infâncias, em espe­

cial, sobre as infâncias brasileiras, como as realizadas especialmente no Programa de Pós­

Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul, que vem se constituindo em um importante pólo de produção de pesquisas em Educa­

ção. Entre elas, destaco as pesquisas de Jane Felipe de Souza (2000), Maria Carmem Silveira

Barbosa (2000), Maria Isabel Bujes (2002), Maria Alice Goulart (2000), Leni Vieira Dorneles

(2002), Sandra Mara Corazza (2000 e 2002). Destaco também os estudos sobre infância de

Moysés Kuhlmann Júnior (2001).

Ademais, ao falar em “novos contos de fadas” na literatura, debruço­me sobre uma

temática bastante presente no cotidiano atual, haja vista a grande produção de livros e filmes

deste gênero. Para apenas citar alguns filmes, já que estes não são objetos de minha análise,

temos: Shrek1 (2001), Branca de Neve – O Filme (2001), Shrek 2 (2004), A Nova Cinderela (2004), Deu a louca na Chapeuzinho (2005), Shrek 3 (2007), Deu a Louca na Cinderela

(2007), Encantada (2007) 10 . Quanto à literatura há uma vasta oferta; uma parte deles será analisada nesta Dissertação.

Em reportagem da Revista Veja, “O patinho agora é gay – cresce nos Estados Unidos

a publicação de livros infantis com personagens homossexuais”, matéria de 31 de maio de

2006 11 , fala de livros literários infantis que tratam de novos arranjos familiares, de casais ho­

mossexuais, das relações de gênero e sexualidade problematizadas nas histórias e suas reper­

cussões nas escolas e famílias do referido país.

9 Ver, em Anexo 1, as referências completas dos livros a serem analisados e, em Anexo 3, os resumos dos clássi­ cos de que estas histórias atuais fazem suas releituras. 10 Ver, em Anexo 5, as sinopses de tais filmes. 11 Conferir em Anexo 6.

Page 41: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

37

Com o que foi exposto até aqui, justifico por que tais temáticas (“novos contos de fa­

das”, infância e gênero), as quais foram escolhidas por mim para análise nesta Dissertação,

têm importância.

2.5 Estudos Culturais: o que são?

s Estudos Culturais constituem um campo de pesquisa bastante atual, que

surgiu na Inglaterra. Hoje, na sua forma contemporânea, transformaram­se

num fenômeno internacional; da Inglaterra e dos Estados Unidos espraiaram­

se para a Austrália, Canadá, África, América Latina, entre outros territórios.

Na sua trajetória histórica, acentua­se o fato de que os Estudos Culturais devem ser vistos

tanto sob ponto de vista político, na tentativa de constituição de um projeto político, quanto

sob ponto de vista teórico, com a intenção de construir um novo campo de estudos.

Sob o ponto de vista político, os Estudos Culturais podem ser vistos como sinônimo de “correção política”, podendo ser identificados como a política cultural dos vários movimentos sociais da época de seu surgimento. Sob a perspectiva teórica, refletem a insatisfação com os limites de algumas disciplinas, propondo então, a interdisci­ plinaridade (ESCOSTEGUY, 2004, p.137.).

Para Nelson, Treichler e Grossberg (1995, p. 13), os Estudos Culturais não se restrin­

gem a ser um campo interdisciplinar, podendo se constituir como um campo transdisciplinar e

algumas vezes contradisciplinar, “que atua na tensão entre suas tendências para abranger tanto

uma concepção ampla, antropológica da cultura, quanto uma concepção estreitamente huma­

nística de cultura”. Assim, os Estudos Culturais podem ser entendidos como um campo onde

diferentes disciplinas interagem, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade.

Os Estudos Culturais tomam a cultura como tema central, como espaço/local de pro­

dução de sentidos/significados, subjetivando os sujeitos. Nessa perspectiva de análise não

existe a distinção entre baixa e alta cultura, mas toda prática social tem uma dimensão cultural

(HALL, 1997b); esta é vista não só no modo de viver das pessoas, mas também como um

campo de lutas por imposição de significados. A cultura é construída no cotidiano. Sendo

assim, os Estudos Culturais, ao assumirem uma noção ampliada de cultura, direcionam seu

olhar para as diversas práticas culturais, que passam a ser vistas como instâncias educativas

que produzem idéias, representações e identidades culturais, sendo, dessa maneira, constituti­

vas dos sujeitos. Ou seja, o campo de pesquisa dos Estudos Culturais preocupa­se com ques­

O

Page 42: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

38

tões que se situam na conexão entre cultura, significação, identidade e poder. Além de cultura,

outro termo­chave é subjetividade. De acordo com Johnson (2004, p.25):

[...] os Estudos Culturais dizem respeito às formas históricas da consciência ou da subjetividade, ou às formas subjetivas pelas quais nós vivemos ou, ainda, em uma síntese bastante perigosa, talvez uma redução, os Estudos Culturais dizem respeito ao lado subjetivo das relações sociais. Estas definições adotam algumas das abstra­ ções simples de Marx, mas também as utilizam de acordo com sua ressonância con­ temporânea.

Os Estudos Culturais não possuem uma doutrina ou metodologia específica. São auto­

conscientemente concebidos como sendo altamente contextuais – como um modo de análise

variável, flexível, crítico (SCHULMAN, 2004). Entretanto, o trabalho qualitativo tem sido

tomado como premissa de qualquer estudo neste campo. Utilizam o trabalho de campo etno­

gráfico, a entrevista, a análise de texto e de discurso e os métodos históricos tradicionais de

pesquisa para investigar uma ampla variedade de questões relacionadas à comunicação... Os

Estudos Culturais começaram como um método de análise histórica e descritiva da consciên­

cia e da cultura de classe, tornando­se, sob a liderança de Stuart Hall, mais teoricamente sofis­

ticados, abstratos e metodologicamente diversos no decorrer dos anos 70. (SCHULMAN,

2004, p.180)

Como um projeto intelectual, os Estudos Culturais são, geralmente, definidos em ter­

mos daquilo que negam ou daquilo com o qual rompem (SCHULMAN, 2004). Entre as ruptu­

ras efetuadas por este campo de pesquisa, ao longo de sua história, estão: 1.º) a ruptura com

“as ênfases behavioristas das abordagens anteriores de pesquisa”, que viam a influência da

mídia em termos de um mecanismo direto de estímulo­resposta. Os Estudos Culturais vêem a

mídia como uma força social e política ampla, generalizada, cuja influência era indireta, sutil

e até mesmo imperceptível; 2º) o questionamento de concepções que viam os textos da mídia

como suportes “transparentes” do significado. Os Estudos Culturais observam o potencial

estruturador que cada meio – incluindo sua linguagem – possui. Examinam os sistemas de

signos através dos quais os significados, mediados pelos meios de comunicação de massa,

chegaram ao público; 3.º) o rompimento com as concepções passivas e indiferenciadas de público e a análise dos vários modos pelos quais as mensagens são decodificadas por diferen­ tes membros dos diferentes públicos, dependendo de quais são suas orientações sociais e polí­

ticas.; 4º) o rompimento, também, com uma concepção que via a cultura de massa como um

fenômeno indiferenciado, ao conceber que os meios de comunicação de massa estão envolvi­

dos na circulação e consolidação das “definições e representações ideológicas dominantes”.

Page 43: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

39

Existem três modos principais de pesquisas em Estudos Culturais: estudos baseados na

produção, estudos baseados no texto e estudos baseados nas culturas vividas (JOHNSON,

2004).

A produção acadêmica deste campo de pesquisa é realizada a partir da análise da pro­

dução cultural dos sujeitos, em qualquer instância cultural, como a mídia, o folclore, a arqui­

tetura, a arte, etc. A cultura articula­se ao econômico, ao político, ao artístico, ao social, ao

pedagógico, etc. Através da extensão do significado de cultura – de textos e representações

para práticas vividas –, considera­se em foco toda produção de sentido. O ponto de partida é a

atenção sobre as estruturas sociais (de poder) e o contexto histórico vistos como fatores es­

senciais para a compreensão da ação dos meios massivos, do mesmo modo que o deslocamen­

to do sentido de cultura da sua tradição elitista para as diversas práticas cotidianas (ESCOS­

TEGUY, 2004).

Os Estudos Culturais discordam do entendimento de que os meios de comunicação de

massa são simples instrumentos de manipulação e controle da classe dirigente, pois os com­

preendem como produtos culturais e, como tais, são agentes da reprodução social, acentuando

sua natureza complexa, dinâmica e ativa na construção da hegemonia. (ESCOSTEGUY,

2004). Nesta perspectiva, são estudadas as estruturas e os processos através dos quais os mei­

os de comunicação de massa sustentam e reproduzem a estabilidade social e cultural. Entre­

tanto, isto não se produz de forma mecânica, uma vez que se faz necessária uma adaptação

contínua às pressões e às contradições que emergem da sociedade, englobando­as e integran­

do­as no próprio sistema cultural. (ESCOSTEGUY, 2004).

Dessa forma, os Estudos Culturais interessam­se pelos efeitos de sentidos que a pro­

dução tem para os sujeitos, mais que a intenção do autor. As narrativas são histórias que nos

contam e que nós contamos. Para esta perspectiva de análise, o “texto” deixa de ser estudado

por ele próprio ou pelos efeitos sociais que se pensa que ele produz, para ser examinado pelas

formas subjetivas ou culturais que ele efetiva e torna disponíveis. O texto torna­se um meio;

torna­se um material bruto a partir do qual certas formas – da narrativa, da problemática ideo­

lógica, do modo de endereçamento, da posição de sujeito etc. – podem ser abstraídas. Ele

também passa a fazer parte de um campo discursivo mais amplo ou a fazer parte de uma com­

binação de formas que ocorrem em outros espaços sociais com certa regularidade. Contudo, o

objeto último dos Estudos Culturais não é o texto, mas a vida subjetiva das formas sociais em

cada momento de sua circulação, incluindo suas corporificações textuais (JOHNSON, 2004).

Page 44: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

40

O meu objeto de pesquisa – os “novos contos de fadas” – e seus portadores – os livros

de literatura infantil – exige que se pense nos modos de endereçamento, o que implica pensar em questões como: quem diz? (sujeito enunciador); para quem diz? (a quem o discurso se

dirige); o que diz? (enunciados); quais os possíveis efeitos? Para Silva (2000, p.80­81), “mo­

do de endereçamento”,

[...] tradução do inglês mode of address, é utilizado na literatura anglo­saxônica de semiótica no cinema para se referir à relação entre o “sujeito” que supostamente é a fonte de um texto – “o endereçador” – e o “sujeito” que supostamente é o seu desti­ natário – o endereçado. [...] Em geral, a análise concentra­se em descrever quem é o “endereçado” no modo de endereçamento de um determinado texto, isto é, qual o sujeito imaginado ao qual o texto se dirige, buscando determinar que tipo de “sujei­ to” é construído pelo texto, ou seja, “quem o texto pensa eu você é” ou “quem o tex­ to pensa que você deve ser”. A noção de “modo de endereçamento” está vinculada às noções de “posição de sujeito” e de “interpelação”.

Neste trabalho, não pretendo fazer um estudo de recepção, isto é, não irei fazer um es­

tudo de campo para analisar os efeitos e sentidos produzidos por histórias com um grupo de

crianças por exemplo. Sendo assim, procurarei examinar (nos textos e ilustrações): quem diz,

para quem diz, o que quer dizer, quais os possíveis efeitos disso tudo.

Entende­se, portanto, que o sujeito se constitui/se fabrica a partir das relações vividas

nas práticas culturais, uma vez que o mesmo se configura na relação com práticas que são

comuns à família, à escola, à igreja, ao clube, aos shopping centers, entre outros contextos. O sujeito, ao nascer, participa desta rede de práticas discursivas de significação que marcam e

demarcam um certo grupo de pertencimento, uma vez que, como sujeitos, estamos inseridos

em redes de práticas culturais, as quais são, também, práticas discursivas.

Tais práticas culturais fazem uso de determinados artefatos, importando, portanto, a

esta pesquisa, sua conceitualização. Chama­se artefato a toda construção que se dá dentro de uma instância de produção. Artefato cultural e pedagógico é o que é produzido pela cultura e tem a dimensão pedagógica de ensinar. Assim, filmes, livros, revistas, programas de televisão,

entre outros, são considerados artefatos pedagógicos, tendo em vista as aprendizagens que

desencadeiam e o caráter formador que apresentam.

Associados aos conceitos de práticas e artefatos culturais, estão os de pedagogia e re­

presentação culturais. O termo Pedagogia Cultural tem sido usado para articular: educação e mídia, educação e saúde, educação e história, etc.; por sua vez, o termo representação cultu­ ral diz respeito aos significados de efeitos circulantes no embate entre poder circulatório e poder produtivo.

Page 45: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

41

Meu objeto de pesquisa, os “novos contos de fadas”, funciona como uma pedagogia

cultural (são também um artefato cultural e pedagógico). Eles representam determinadas prá­

ticas, vivências, modos de ser, etc., produzindo, assim, determinadas identidades, marcando

diferenças e/ou operando transgressões. Daí a importância da leitura e análise da linguagem

escrita (narrativas) e da linguagem imagética (ilustrações).

Ao considerar que a linguagem constitui os fatos e não apenas os relata, Hall (1997a)

observa que o sentido é produzido dentro da linguagem e por meio de vários sistemas repre­

sentacionais que, por conveniência, chamamos de “linguagens”. Tal posição não implica ne­

gar a existência do mundo material, mas entender que é a linguagem que lhe confere signifi­

cado. O autor (1997b, p. 41) pondera que: “Toda a nossa conduta e todas as nossas ações são

moldadas, influenciadas e, desta forma, reguladas normativamente pelos significados cultu­

rais” (HALL, 1997b, p. 41). As representações são entendidas aqui como as formas através

das quais nomeamos e apresentamos os outros, a nós mesmos, as instituições e outros espaços

sociais. Woodward (2000) observa que o conceito de representação pode ser útil para analisar a forma como as identidades são construídas. Nesse sentido, a autora pontua que a identidade

é marcada pela diferença e que algumas diferenças são vistas como mais importantes que ou­

tras, especialmente em lugares particulares e em momentos particulares.

Entendo que as pesquisas, no âmbito dos Estudos Culturais, mais que apontar fórmu­

las, soluções, respostas, interessam­se por questionar o que é tomado como dado, tranqüilo,

naturalizado, admitindo que não há um lugar privilegiado que ilumine, inspire ou sirva de

parâmetro para o conhecimento (COSTA, 2000b). Assim é que este novo campo de estudos,

surgido no final da década de 50, início da década de 60, se apresenta de modo muito atraente,

uma vez que pode estar conectado às variadas concepções e práticas que vêm marcando con­

textos diversos na contemporaneidade.

Page 46: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

42

3 Literatura Infantil: invenções e deslocamentos

o produzir um rico resgate da evolução dos estudos sobre literatura infantil e

juvenil, Colomer (2003) mostra­nos que, desde seu surgimento como fenômeno

cultural no século XVIII, os livros infantis e juvenis têm sido objeto de atenção

e polêmica. Na mudança de século (séc. XVIII para o séc. XIX) havia acabado

de estabelecer­se a escolaridade obrigatória em diferentes países ocidentais e, progressiva­

mente, iniciava a alfabetização das camadas populares. Nesse contexto, e com os avanços

realizados no campo educativo durante esse período, passou­se a ter uma preocupação social

crescente com a literatura infantil.

Ainda assim, a escola permaneceu ancorada na leitura “formativa” de cartilhas, anto­

logias e livros didáticos. Então, “foi nos meios bibliotecários que se iniciou o discurso moder­

no sobre a leitura como um ato livre dos cidadãos, uma leitura ‘funcional’ que incluía leitura

de ficção por simples prazer” (COLOMER, 2003, p. 23). Denominou­se “primeira onda” a

necessidade de profissionais bibliotecários em definir critérios para selecionar os livros que

deveriam ser ofertados às crianças, o que, também, provocou os primeiros estudos sobre lite­

ratura infantil e juvenil. As bibliotecárias britânicas e as norte­americanas foram as primeiras,

seguidas pelas francesas e as do norte europeu, que exerceram influência decisiva para o de­

senvolvimento das primeiras experiências de difusão da leitura. É deste período a fundação

das primeiras bibliotecas infantis e a criação de instrumentos de animação de leitura (de inter­

venção – como as famosas “hora do conto” ou os guias/fichas de leitura) (COLOMER, 2003).

A seguir, as escolas e os demais meios educativos passaram a adotar o discurso mo­

derno de defesa de uma leitura livre e funcional, nos objetivos do ensino. Apoiados nos dis­

cursos da Pedagogia e da Psicologia Infantil, os livros infantis e infanto­juvenis tinham que

entreter e ensinar às crianças.

Os estudos e as iniciativas de difusão dos livros infantis ultrapassaram os limites dos

interesses dos bibliotecários para atingir interesses mais amplos. Deste modo, eles receberam

um grande impulso com a criação do International Board on Books for Young People – IBBY (Organização Internacional para o Livro Infantil e Juvenil), fundado em 1953, em Zurique.

Graças a iniciativas em anos anteriores, constituiu­se um comitê que organizou a primeira

Assembléia Geral do IBBY. E, em 1956, criou­se o Prêmio Hans Christian Andersen, outor­

gado por esta instituição, considerado, ainda hoje, o mais importante para os livros destinados

A

Page 47: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

43

a crianças e jovens. No ano de 1957, o IBBY adquiriu dimensão internacional ao associar­se à

UNESCO e, mais tarde, à UNICEF. O crescimento do IBBY, com sua presença em mais de

sessenta países, bem como a fundação e o desenvolvimento de outras instituições com as

quais mantém vínculo colaborativo, constituem uma sólida rede internacional de promoção e

estudo do livro infantil na atualidade (COLOMER, 2003).

Vejamos, na próxima seção, como a “invenção da literatura infantil” se relaciona à

“invenção da infância”.

3.1 A invenção da literatura infantil

literatura infantil surgiu a partir da “invenção da infância”. Antes disso, como

poderia haver uma literatura específica para as crianças, se elas não eram reco­

nhecidas como tais, mas sim como “adultos em miniatura”? Deste modo, a lite­

ratura infantil teve suas origens nas histórias de adultos, sendo que estas passa­

ram por adaptações para serem contadas às crianças, até chegarem ao status de histórias espe­ cíficas à infância, isto é, até serem nomeadas/classificadas de “literatura infantil”, apresentan­

do assim características diferentes daquelas consideradas “literatura de adultos”. Sobre isso,

Shavit (2003, p.21­22) pondera que:

Nos dias de hoje é difícil imaginar indústria livreira sem a sua gigantesca oferta de livros para crianças. A produção maciça de livros para crianças é considerada um dado de facto, uma parte proeminente e indispensável da actividade editorial. A ob­ sessão cultural (e conceptual) do século XX com os problemas físicos, mentais e se­ xuais da infância é também aceite com prontidão. A sociedade considera a infância como o período mais importante da vida e tem tendência para justificar a maior parte do comportamento adulto com base na experiência da infância. A sociedade está tão habituada à sua interpretação daquilo que é infância, bem como a existência de li­ vros para crianças, que se esquece de que ambos os conceitos, infância e livros para crianças, são fenômenos relativamente novos; isto é, a visão actual da sociedade re­ lativamente à infância está muito afastada daquilo que era há apenas dois séculos. Além disso, a literatura para crianças começou a desenvolver­se somente depois de a literatura adulta se ter tornado uma instituição bem estabelecida. Até ao século XVIII, raramente se escreviam livros especificamente para crianças, e toda a indús­ tria de livros para crianças só começou a florescer na segunda metade do século XIX.

Ainda de acordo com Shavit (2003, p.23), foi a partir de uma interpretação nova para a

infância, que se “criou de modo constante duas novas instituições culturais: um novo sistema

de educação, o sistema escolar, e uma nova prática de leitura que produziu um mercado sem

precedentes para os livros infantis”.

A

Page 48: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

44

Com a “invenção da infância”, ao mesmo tempo em que os brinquedos e o vestuário

foram transformados para o mundo infantil com o surgimento de uma nova visão de criança,

os contos de fadas, em especial, também foram gradualmente sendo aceitos como pertencendo

ao reino das crianças e tornaram­se monopólio delas. Isto não quer dizer que, antes do século

XVII, as crianças não tivessem contato com os contos de fadas, mas sim que, antes de os con­

tos de fadas terem se tornado monopólio das crianças, foram lidos e contados, ao longo dos

séculos, tanto por adultos (mesmo das classes sociais mais altas) como pelas crianças que par­

tilhavam a sua companhia. Entretanto, mesmo as crianças estando familiarizadas com esses

contos de fadas, inicialmente, estes não eram considerados especialmente destinados a elas

(SHAVIT, 2006).

Após a segunda metade do século XVII, houve uma interessante e complexa mudança

envolvendo os contos de fadas. A sociedade intelectual da época, que anteriormente não hesi­

tara em admitir o prazer proveniente dos contos de fadas, começou a encará­los como indica­

dos apenas para crianças e pessoas das classes mais baixas, justificando que eles eram dema­

siado simples e ingênuos para as outras pessoas. Ao mesmo tempo, desenvolveu­se um novo

interesse pelos contos de fadas, que os tornou um gênero artístico (e que estava na moda).

Este novo interesse foi a motivação que levou à criação de contos de fadas com base no mo­

delo dos textos ingênuos tradicionais. No entanto, havia uma condição prévia de escrita indis­

pensável aos contos de fadas: escritores e leitores tinham de partir do princípio de que os con­

tos de fadas eram escritos para as classes mais baixas e para as crianças – deste modo, os a­

dultos das classes mais elevadas só desfrutavam dos contos de fadas, fingindo que estavam

dirigindo­se às crianças (SHAVIT, 2006).

Sobre essa dupla destinação dos contos de fadas, Shavit (2006, p.29) mostra­nos que:

Os adultos exploraram a oportunidade de desfrutarem dos contos de fadas, durante o século XVII, através do reconhecimento da cultura infantil como sendo distinta da sua própria cultura e do uso das crianças como fonte de divertimento. Deste modo, a leitura de contos de fadas pelos intelectuais era baseada num acordo tácito (entre e­ les e o escritor) quanto a dois tipos de leitores implícitos – a criança e o adulto inte­ lectual – e num acordo tácito quanto às intenções do escritor, deixando muito espaço para este jogar entre eles.

No tempo de Perrault, a natureza ambígua dos seus contos de fadas, servia para satis­

fazer tanto os leitores oficiais quanto os não oficiais.

Ela permitiu a Perrault usar o estatuto dos contos de fadas como textos para crian­ ças, dirigindo­os oficialmente às crianças como sendo elas os principais consumido­ res, usando ao mesmo tempo a noção de criança como uma fonte de divertimento para permitir aos adultos (sobretudo aos intelectuais) apreciarem também o texto. Deste modo, a ironia e a sátira piscavam o olho ao adulto intelectual, enquanto as es­ truturas formulares piscavam o olho ao leitor infantil (SHAVIT, 2003, p.36).

Page 49: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

45

As mudanças nesse gênero literário foram acompanhando também as diferentes no­

ções de família de cada época e seus sistemas educativos. “O tema do final feliz das histórias,

por exemplo, não era tão estável nos primeiros tempos de literatura para crianças e jovens

como o foi posteriormente” (COLOMER, 2003, p. 67).

Nos cem anos que decorreram entre Perrault e os irmãos Grimm, desenvolveu­se um

novo conceito de infância – o conceito de instrução, que conferia significativa importância ao

sistema educativo e aos livros, estes sendo considerados como as ferramentas principais de tal

sistema educativo. Então, num período de tempo bastante curto, esse conceito tornou­se a

razão de ser dos livros infantis; este novo conceito determinava o que devia ser adequado ou

inapropriado aos pequenos (SHAVIT, 2003).

Essa idéia governou o modo de escrever dos irmãos Grimm e perseverou até os nossos

dias. Ainda hoje, os livros infantis são escritos por ou sob a supervisão de adultos e devem

contribuir para o bem­estar espiritual da criança. Isso não mudou desde os meados do século

XVIII.

O que mudou foram as idéias específicas vigentes em cada período acerca de educa­ ção e infância. Todavia, a idéia de que os livros para crianças têm de ser adequados do ponto de vista pedagógico e devem contribuir para o desenvolvimento da criança, tem sido, e ainda é, uma força dominante na produção de livros para crianças. (SHAVIT, 2003, p.50).

Kehl (2006), no prefácio do livro Fadas no Divã, de Diana Lichtenstein Corso e Mário

Corso, lembra da história de Chapeuzinho Vermelho, recolhida na França, por Charles Per­

rault, da tradição oral camponesa do século XVII. Nesta história, não existia um final feliz,

nem uma moral da história. Seu objetivo original não era o de prevenir as crianças a respeito

dos perigos da desobediência aos pais como as versões modernas (e, portanto, moralizadoras,

suavizadas e romantizadas).

As narrativas populares européias, matrizes dos modernos contos infantis que, a par­ tir das adaptações feitas no século XIX, passaram a integrar a rica mitologia univer­ sal, não apresentavam a riqueza simbólica que faz dos contos de fadas um depositá­ rio de significações inconscientes aberto à interpretação psicanalítica 12 . Na verdade, eles nem eram destinados especificamente às crianças, nem aparecem aliados a uma pedagogia iluminista. (KEHL, 2006, p.16)

Tais contos retratavam um mundo de brutalidade nua e crua, sem suavizá­lo aos meno­

res. Kehl segue mostrando­nos que a função das narrativas maravilhosas da tradição oral pode

ter sido a de apenas ajudar os habitantes de aldeias camponesas a atravessar as longas noites

de inverno. Suas temáticas eram os perigos do mundo, a crueldade, a morte, a fome, a violên­

12 Esta pesquisa não tem cunho de análise psicanalítica de tais contos; portanto, o que aqui nos interessa é o res­ gate histórico de tal gênero literário.

Page 50: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

46

cia dos homens e da natureza. Tais contos, talvez, fizessem um pouco mais do que nomear os

medos presentes entre crianças e adultos daquela época.

Nas últimas décadas, de maneira mais específica, a produção, venda e comercialização

de livros literários infantis parece ter aumentado substancialmente, bem como a produção dos

“novos contos de fadas”. Na atualidade, existe uma intensa, variada e diversificada oferta de

livros infantis (contos, poemas, histórias clássicas, fábulas, crônicas, aventuras fantásticas,

histórias de terror e mistério, etc.). O crescimento da quantidade de títulos e o notável inves­

timento neste público, conforme empreendimento das editoras, parecem estar relacionados ao

também investimento que está sendo dedicado à infância, ou seja, ao papel destacado que as

crianças vêm assumindo na sociedade contemporânea. As meninas e os meninos são grandes

“consumidores”, tanto quanto seus pais, mães e demais adultos. Então, se as crianças são con­

sumidores potenciais, as editoras e, por extensão, as livrarias, não podem perder estes clientes

também. Todavia, o comércio destes livros tem uma peculiaridade: deve atrair não só às cri­

anças, mas também às pessoas adultas que são as compradoras, isto é, as que, verdadeiramen­

te, têm poder aquisitivo (VIDAL; NEULS. 2006a).

Livros infantis podem ser encontrados, entre tantos outros lugares, nas livrarias, su­

permercados, residências, bibliotecas e escolas, incluindo aí as salas de aula. No espaço esco­

lar, histórias são lidas pelas crianças ou contadas pelas/os professoras/es para incentivar o

gosto pela leitura, para desenvolver a imaginação, pelo simples prazer que a leitura propor­

ciona, mas também para trabalhar conceitos, discutir temas polêmicos, enfim, para ensinar

modos de ser e viver (VIDAL; NEULS. 2006a).

Mesmo que o mercado editorial tenha se voltado para esse público, cabe examinar

como a literatura infantil e, especialmente, o gênero literário – contos de fadas –, seguem re­

comendações comuns na produção nacional dirigida às crianças. Tal discussão será ampliada

nas duas próximas seções.

3.2 Histórias que ensinam

ntender os livros literários infantis como artefatos que ensinam é percebê­los

como artefatos culturais e, como tais, produzindo idéias e significados, transmi­

tindo valores e crenças, subjetivando assim o imaginário infantil. Desse modo,

tais livros, juntamente com outros artefatos de nossa cultura, também estão pro­ E

Page 51: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

47

duzindo verdades sobre as relações culturais de gênero, de trabalho, de raça e etnia, bem co­

mo as relações familiares, as amorosas e as sentimentais, entre tantas outras que poderiam ser

citadas.

Sabemos que a literatura infantil é um produto bastante novo na história da cultura e

que só se desenvolveu na época moderna, como já foi abordado anteriormente. Antes disso, já

existiam os contos populares e as lições de moral, mas tais textos não eram considerados lite­

ratura para crianças, pois não tinham o fim específico de se dirigir a um leitor infantil. Entre­

tanto, a partir do surgimento da literatura infantil, o prazer que a criança conseguia extrair da

leitura tinha que ser acompanhado, inevitavelmente, de alguma forma de aprendizado. Isso

acontecia porque a própria idéia de infância não podia, de modo algum, se separar da idéia de

educação. Idéia bastante forte nos dias de hoje, com a produção de livros para “trabalhar”

valores morais, por exemplo.

Machado (1999) pensa que, se essa tendência educativa das histórias infantis agisse

sozinha, provavelmente, ainda em nossos dias, os livros infantis seriam uma espécie de fábu­

las disfarçadas e os adultos estariam moldando as gerações de acordo com os padrões que

julgassem mais convenientes. Contudo, a autora acredita que, apesar das forças e poderes es­

tabelecidos, a literatura infantil conseguiu trilhar diferentes caminhos e atribui este desvio ao

amor à criança. “Cada vez mais, os contos populares e as histórias de fadas foram sendo con­

tadas às crianças como entretenimento e prazer 13 , deixando de lado qualquer moral mais ou

menos explícita...” (MACHADO, 1999, p.33). Houve, assim, uma romantização/suavização

das histórias para serem contadas aos/às pequenos/as. Machado (1999, p.34) pondera que “o

amor pelas crianças e pelas histórias também assumiu outras formas que ajudaram a desen­

volver os vínculos entre as crianças e os livros”. A escritora julga também que foi somente:

[...] depois das campanhas pelos direitos civis, depois do feminismo, depois da luta dos negros contra o preconceito e a discriminação, depois da consciência antiimperi­ alista, depois do movimento verde e de tantas outras conquistas ideológicas recentes que se tornou evidente que, durante muito tempo, os livros infantis vinham moldan­ do os jovens para agirem segundo padrões de comportamento que, freqüentemente, eram inadequados, injustos, imorais e agressivos à dignidade humana. (MACHA­ DO, 1999, p.35).

Portanto, precisamos examinar o conteúdo de que tradicionalmente se revestem os tex­

tos literários destinados a leitores/as infantis, bem como o papel da ilustração nesse processo.

Silveira (1998, p. 118), ao discutir a dicotomia estabelecida entre a literatura infantil

“tradicional” – nomeada como moralizante, pedagogizante, explicitamente formadora, e/ou

13 Cf. nota 6.

Page 52: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

48

informada – e a “moderna” – reconhecida como aberta, libertadora, descompromissada, ob­

serva que:

A concepção de que todos os discursos – mesmo os que se pretendem “libertadores” ou “sem censura” – trabalham com representações de indivíduos, de gênero, de etni­ a, de idade, de corpo, de sociedade, de ação, de ética, (a lista poderia ser intermina­ velmente alongada) de uma ou de outra maneira produzidas num amálgama simbóli­ co em que a própria autoria também é produzida, é freqüentemente engolida pela di­ cotomia maniqueísta de “maus” e “bons livros”.

A autora refere como uma expressiva exceção a tal binarismo a obra de Perroti, 14 um

estudioso da literatura infanto­juvenil, que se posiciona em relação à dicotonomia discurso

utilitário versus discurso estético, da seguinte forma:

Ultrapassar o utilitarismo não significa deixar de reconhecer que a obra literária e­ duca, ensina, transmite valores, desanuvia tensões etc. Significa dizer que, se a obra realiza todas essas funções, ela o faz de um modo específico, que determina sua pró­ pria natureza. (PERROTI apud SILVEIRA, 1998, p. 118).

Ou seja, quaisquer livros, incluindo os de literatura infantil forjam subjetividades. En­

fim, há dúvidas de que os contos de fadas ensinam modos de ser e viver?

3.3 Dos contos populares aos contos de fadas contemporâneos

egundo a definição do dicionário (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 819), conto é definido como “narrativa breve e concisa, contendo um só conflito, uma

única ação (com espaço ger. limitado a um ambiente), unidade de tempo, e

número restrito de personagens”. Os dicionaristas ainda definem contos de fadas como “conto infantil que narra encantamentos e fatos maravilhosos com a intervenção de fadas (boas e más)” (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 819).

Canton (1994, p.11) esclarece que “os contos de fadas são versões escritas – relativa­

mente recentes, ao contrário do que se costuma pensar – de contos folclóricos de magia deri­

vados de antigas tradições orais”. Ela diz ainda que tal gênero literário começou a ganhar

forma literária na Europa, principalmente durante o final do século XVII, e foi tornando­se

muito popular. Entre os primeiros escritores a escrevê­los, isto é, a moldar esse tipo de conto

especificamente para crianças, está Charles Perrault, que, em 1697, publicou Histoires ou Contes du temps passé – Contes de ma mère l’Oye (Histórias da Mamãe Gansa). Já no século

XIX, no contexto de um movimento nacionalista na Alemanha, os contos de fadas foram ele­

14 Cf. PERROTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone: 1986.

S

Page 53: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

49

vados à categoria de objeto de pesquisa acadêmica – num estudo realizado pelos irmãos Jacob

e Wilhelm Grimm, os quais vieram a tornar­se famosos por isso. Os Kinder­und hausmärchen gesammelt durch die Brüder Grimm (Contos infantis e familiares coletados pelos irmãos Grimm), publicados entre 1812 e 1857, em sete edições diferentes, por Jacob e Wilhelm

Grimm, buscavam dar um novo status às histórias originárias do povo alemão (CANTON,

1994, p.11).

Canton (1994, p.12) alerta­nos, ainda:

Embora os contos de fadas sejam, em sua maioria, baseados em antigo material fol­ clórico oral, não podem ser encarados como relíquias da tradição. Não são atempo­ rais, universais ou neutros como nos fazem crer. Através da adaptação de histórias orais para textos literários, esses contos foram revisados, reescritos e modificados segundo o espírito da época de seus autores. São trabalhos criados por autores espe­ cíficos, projetados em contextos sócio­históricos e culturais particulares. 15

Canton (1994) lembra que Perrault escreveu seus contos de fadas na perspectiva da

corte do rei Luís XIV, enquanto que os Grimm trouxeram novos valores da burguesia alemã

às suas histórias. A autora sugere que eles devem ser analisados como documentos sócio­

históricos e estéticos da mesma forma que vistos como resultado de criação pessoal. Na época

da corte de Luís XIX, a maioria das pessoas vivia com dificuldades, trabalhava muito, plan­

tando e colhendo nos campos. Essas pessoas, à noite, reuniam­se em rodas e contavam­se

histórias. O rei Luís XIV e seus seguidores sofriam de insônia e pediam para seus servos e

empregados que lhe contassem histórias, e estes contavam àqueles as mesmas histórias que

eles tinham inventado em volta da fogueira. Dessa forma, os contos de fadas começaram a

fazer parte dos salões franceses, contados para os senhores e as madames da corte. (CAN­

TON, 1997b).

Já os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm viveram na Alemanha no início do século XIX.

Órfãos de pai, ainda quando eram crianças, desde pequenos aprenderam a trabalhar no campo,

a plantar e a colher, a apreciar e respeitar o poder na natureza. Por esse motivo, elegeram a

floresta como pano de fundo para seus contos de fadas (CANTON, 1997a).

Por sua vez, Hans Christian Andersen, de infância pobre, ambicionava ser alguém im­

portante e lutou muito para atingir o sucesso que almejou. Nascido no interior da Dinamarca,

com apadrinhamento mudou­se para a capital, Copenhague, e, recebendo ajuda de outras pes­

soas, foi se tornando um escritor famoso. À medida que se destacava, foi conhecendo reis,

rainhas, príncipes e princesas. Muitas de suas histórias foram inspiradas em sua vida e no con­

15 Informações sobre os escritores de contos de fadas, ver em Anexo 4.

Page 54: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

50

tato com a nobreza, o conhecimento/vivência da pobreza e contato com a riqueza (CANTON,

1996) 16 .

Ainda sobre este gênero literário, é importante ressaltar:

Nem todos os contos têm fadas no meio das histórias. Tirando a fada madrinha que ajuda Cinderela a ir ao baile e as fadas que vão ao nascimento da pequena Bela A­ dormecida, de resto não tem muita fada nos contos de fadas. Essa tal personagem era apenas uma maneira de marcar um tipo de conto. Fadas fo­ ram criadas para diferenciar os contos da gente rica, que vivia perto do rei, dos con­ tos dos pobres, que moravam no campo. Personagens mágicas, com suas roupas de tule branco, chapéus pontiagudos e suas varinhas de condão, as fadas faziam um modelito na França do século XVII, do mesmo modo como o estilo punk na moda nos anos 80. (CANTON, 1997b, p.15)

Ainda sobre este gênero literário – contos de fadas –, cabe observar que existem mui­

tas definições, em diferentes perspectivas de estudo: a freudiana, a junguiana, a marxista, a

feminista e a estruturalista. Os freudianos, por exemplo, lidam com os motivos individuais

dos contos relacionados a questões de maturidade sexual ou social. Os junguianos, por sua

vez, exploram o significado dos motivos nas diferentes culturas, em busca de representações

arquetípicas. Os marxistas estudam os usos socializantes dos textos, enquanto as feministas

concentram­se nas questões de gênero associadas às narrativas. Já um famoso folclorista en­

tende que os contos populares e os de fada devem ser estudados, definidos e classificados de

acordo com os tipos. Ou seja, os mesmos tipos e motivos básicos são encontrados em histó­

rias de diferentes países e em diferentes épocas, sendo incluídos na mesma categoria (animais

aliados, floresta encantada, pai libidinoso, árvore mágica, etc.). O sistema de classificação de

contos mais amplamente utilizado é o AT (Aarne­Thompson), que recebeu este nome por ter

sido criado pelo pesquisador finlandês Antti Aarne e depois traduzido e ampliado pelo folclo­

rista americano Stith Thompson (CANTON, 1994).

Ademais, outra abordagem relevante é a estruturalista, fundada na década de 1920 pe­

lo pesquisador russo Vladimir Propp. Em sua destacada obra, Morfologia do conto maravi­ lhoso, Propp analisou os contos de fadas a partir de suas funções, isto é, a partir dos temas ou seqüências particulares de fatos que organizam a narrativa. A obra de Propp é tida como um

modelo para a análise estrutural de contos (CANTON, 1994).

Vladmir Propp (apud RODARI, 1982), etnólogo soviético, defende uma teoria segun­

do a qual o núcleo mais antigo das fábulas mágicas deriva de rituais de iniciação usados nas

sociedades primitivas. Para o autor, aquilo que é narrado nas fábulas/contos tem seus parale­

los nestas sociedades. Ele conta que, atingida uma certa idade, os/as meninos/as eram separa­

16 Para maiores informações sobre estes escritores de contos de fadas, ver Anexo 4.

Page 55: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

51

dos da família e levados ao bosque (como Pequeno Polegar, João e Maria, Branca de Neve)

onde o chefe da tribo, assustadoramente vestido, com o rosto coberto por horríveis máscaras

(que nos remetem logo aos mágicos e às bruxas), submetia­os/as a provas difíceis, senão mor­

tais, sendo que elas estão presentes no caminho de todos os heróis fabulares. Os meninos es­

cutavam a narrativa dos mitos da tribo e recebiam armas em consignação (os dons mágicos

distribuídos por doadores sobrenaturais aos heróis em perigo) e, finalmente, retornavam às

suas casas, freqüentemente com um outro nome (também o herói das fábulas reaparece incóg­

nito) e, então, estavam maduros para o casamento (nove, entre dez fábulas, acabam com uma

festa de núpcias).

Na estrutura da fábula/conto se repete a estrutura do rito. Conforme esta observação,

de Vladmir Propp, mas não só dele, se produziria uma teoria: a de que a fábula/o conto passou

a existir como tal quando o rito antigo desapareceu, deixando de si apenas sua narrativa. Os

narradores, no curso dos milênios, traíram a lembrança do rito e, cada vez mais, passaram a

servir às exigências autônomas da fábula/do conto, que se transformou passando de boca em

boca, que acumulou variantes, seguiu os povos (indo­europeus) e, nas suas migrações, absor­

veu os efeitos das mudanças históricas e sociais (RODARI, 1982).

Analisando a estrutura da fábula popular/contos populares, Propp formulou três prin­

cípios (RODARI, 1982): os elementos constantes e estáveis da fábula são as funções dos per­

sonagens, independentemente do executor e do modo de execução; o número das funções

presentes nas fábulas mágicas/contos é limitado e a sucessão das funções é sempre idêntica.

Naturalmente, nem todas as fábulas/os contos apresentam todas as funções: na sucessão obri­

gatória ocorrem saltos, agregações e sínteses que, no entanto, não contradizem a linha geral.

Neste resgate histórico, é interessante a análise de Kehl (2006, p.16):

As modernas versões dos contos de fadas, que encantaram tanto nossos antepassados quanto as crianças de hoje, datam do século XIX. São tributárias da criação da famí­ lia nuclear e da invenção da infância tal como a conhecemos hoje. Isto implicou: 1. a progressiva exclusão dos pequenos do mundo do trabalho, na medida em que a Revolução Industrial criou espaços de produção separados do espaço familiar (o se­ gundo era característico das organizações do trabalho artesanal e campesino); 2. os ideais iluministas e os novos códigos civis trazidos pelas revoluções burguesas passaram a reconhecer as crianças como sujeitos, com direito tanto a proteções le­ gais específicas quanto ao reconhecimento de uma subjetividade diferenciada dos adultos.

Foi assim que a infantilização das narrativas tradicionais, transformadas nos contos de

fadas (ou “modernos contos de fadas”), está relacionada à criação de um mundo próprio da

criança e também de uma “psicologia infantil”...

Page 56: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

52

Não podemos deixar de reconhecer que o mundo globalizado acelerou um trabalho de

transmissão de histórias que levou séculos de tradição oral no Ocidente. E nesse mundo do­

minado de imagens, repleto de tecnologias e outros atrativos, ainda assim, a literatura infantil

mexe com o imaginário infantil e é fonte de interesse das crianças.

A trajetória dos contos, sumariamente apresentada nesta Dissertação, permite reconhe­

cer tais histórias como um dos gêneros literários mais antigos, provenientes de narrativas da

tradição oral. Suas histórias podem ser contadas e lidas de diferentes formas em diferentes

contextos. Por todos os lugares, há o consumo de histórias, histórias para se ouvir e histórias

para se contar, e significados para se criar – dando sentido a nós mesmos e ao mundo que nos

cerca.

Reconheço nesta Dissertação os contos de fadas contemporâneos como artefatos cultu­

rais que produzem sentidos e representações, passando a fazer uma análise cultural dos mes­

mos e a nomeá­los como “novos contos de fadas”. Faço isso sob um olhar de estranhamento,

ao colocá­los em suspeição, procurando analisar seus ensinamentos sobre os modos de ser

criança, de ser homem e de ser mulher.

Canton (1994) acredita que os contos de fadas têm sido “mitificados” no decorrer dos

anos. Ela esclarece que este conceito, o de mitificação, provém do autor francês Roland Bar­

thes. Em Mitologias, escrito entre 1954 e 1956, Barthes (apud CANTON, 1994) define o mito como uma representação coletiva que é socialmente determinada e, então, invertida, para que

não apareça como artefato cultural. Sendo assim, a mitificação ocorre quando um certo objeto

ou evento é esvaziado de seus aspectos morais, culturais, sociais e estéticos, sendo, assim,

apresentado como algo “neutro” ou natural”. Barthes chama de inversão mítica o congelamen­

to de um evento sócio­histórico que, desse modo, perde as suas implicações contextuais. Ilus­

trando tal conceito, Canton (1994, p.25), destaca que:

O conto de fadas pertence à categoria dos mitos contemporâneos que foram mitifi­ cados ideologicamente, desistoricizados e despolitizados para representar e manter os interesses das classes dominantes. Isso pode se aplicar tanto à corte francesa do século XVII, da época de Perrault, quanto ao seu uso contemporâneo na indústria do entretenimento. Ao longo dos anos, esses contos foram reescritos em coleções fami­ liares publicadas no mundo todo e transformados “clássicos” [e renova­ dos/modernizados nas versões mais atuais] de Walt Disney. Assumiram diferentes formas na publicidade e nos comerciais de tevê. Em todas essas produções, foram apresentados como textos anônimos, universais e atemporais. (acréscimos meus)

Arrisco­me a dizer que, se Andersen pode ser considerado o pai dos contos de fadas

modernos, Rodari (1982) pode ser considerado um dos precursores dos “novos contos de fa­

das”, pois já propunha em 1920, em seu livro Gramática da Fantasia, a invenção ou recriação

Page 57: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

53

de novos contos, a partir da estrutura dos já conhecidos. Colomer (2003) também destaca a

importância de Rodari na produção de narrativas fantásticas de novo tipo, que tentavam evitar

os conteúdos conformistas atribuídos aos contos de fadas. Além disso, Rodari manteve­se

ligado ao aspecto educativo da literatura infantil, relacionando­o ao jogo, à criatividade e à

imaginação. A obra de Rodari inaugurou uma corrente que não parou de crescer na produção

de livros infantis nas últimas décadas. Se tal autor alterou os contos populares a serviço de

novas propostas, este caminho foi seguido por esta nova produção literária, surgida a partir

dos anos 70, de reivindicação feminista e pacifista, de discussão das relações de gênero, entre

outras.

Coloco em suspeição os “novos contos de fadas”, isto é, aqueles contos que fazem

uma releitura dos contos de fadas (clássicos ou modernos), uma vez que essas histórias têm

por característica incluir novos personagens no enredo, subverter estereótipos de personagens

tradicionais (princesas ativas e decididas, príncipes sensíveis, por exemplo) ou apresentar um

final diferente (que não termina no matrimônio, por exemplo). Faço isso, ao considerar que

tais contos, como todos os outros, posicionam os sujeitos, produzem subjetividades a partir

das histórias que nos contam. As aspas marcam esse olhar de estranhamento, enquanto as aná­

lises que empreendo visibilizam os significados e representações que fazem da infância, da

masculinidade e da feminilidade na contemporaneidade, uma vez que estes contos começaram

a ser escritos no final do século XX (os que chamo de “novos contos de fadas”), especialmen­

te, nas últimas décadas, adaptando enredos conhecidos às condições, situações e fatos da vida

contemporânea.

Uma das características marcantes dos “novos contos de fadas” é a presença do humor

e da paródia 17 , próximo da sátira. Tais recursos são fortemente utilizados, talvez, para distan­

ciarem­se da didatização que dirigiu muitas décadas a criação da literatura infantil. O humor é

considerado “inovador” em relação à “tradição”, traz consigo um jogo literário e mostra uma

maior “permissividade” social.

Serve como exemplo da produção renovada o conto Procurando firme, em que a voz da mulher, passa a ser ouvida por meio da voz de uma criança­menina. A obra contrapõe ho­

mem versus mulher, masculino versus feminino, heroína tradicional versus heroína moderna, por meio de um narrador do século XX. Ao examinar tais contos, pretendo fazer um olhar de

estranhamento para as “novas” identidades que estão sendo constituídas pelo discurso “reno­

17 Paródia é aqui entendida como a “imitação consciente e voluntária de um texto, de um personagem ou de um motivo literário, feita de forma irônica para manifestar o distanciamento do modelo original e seu tratamento crítico” (BAJTIN, 1986, p.311 apud COLOMER, 2003, p.210).

Page 58: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

54

vador”. Silveira (1998) nos dá pistas de como fazer tal análise, a partir do estudo de publica­

ções brasileiras que instituem o “discurso renovador de leitura na escola”.

No processo de alfabetização, que inicia na 1.ª série/1.º ano do Ensino Fundamental e

se estende até a 4.ª série/5.º ano, as cartilhas e livros didáticos foram sendo substituídos, cada

vez mais, pelos livros literários (TRINDADE, 2005). Para a autora, tais obras estão presentes

no âmbito escolar nas séries iniciais, especialmente a partir da década de oitenta, quando pas­

samos a considerá­las importantes para a formação leitora e literária, isto é, encarnando uma

preocupação com o letramento literário. Na Educação Infantil, por exemplo, a “hora do con­

to” está presente em grande parte das rotinas (VIDAL; NEULS, 2006a). Ou seja, desde a edu­

cação infantil, os/as alunos/as estão expostos/as ao “discurso renovador da leitura na escola”

(SILVEIRA, 1998), por meio da valorização do uso da literatura infantil em lugar do livro

didático e pela função que estes passam a cumprir e que cabia ao velho livro de leitura. Inte­

ressa, portanto, examinar as novas identidades que estão sendo representadas nos “novos con­

tos de fadas” por influência de discursos diversos.

3.4 Narrativas: quem conta um conto, aumenta um ponto

a perspectiva dos Estudos Culturais, a reflexão sobre as diferentes formas

de narrativas é vista como um elemento­chave na análise do discurso de

uma sociedade. Sob um enfoque interdisciplinar, usando especialmente os

conhecimentos da antropologia, da teoria literária e da filosofia, em uma

perspectiva pós­moderna e pós­estruturalista, percebem­se os livros infantis como portadores

de narrativas discursivas. Ao analisar tais livros, por exemplo, o trabalho reflexivo diz respei­

to à geração e circulação de significados, oportunizados pelas narrativas, nas sociedades pós­

industriais.

As narrativas dirigidas às crianças podem ajudá­las a construir sua identidade, mas o significado de um texto depende da história de sua recepção e da maneira particular de mobilizar o significado por parte dos grupos concretos de leitores, e, em definiti­ vo, da relação entre os significados estabelecidos pela comunidade interpretativa e os significados de cada um. (COLOMER, 2003, p.123)

O que é uma narrativa? Uma mera seqüência de acontecimentos não faz uma história.

A teoria da narrativa diz que uma história para ser de fato uma história precisa ter “enredo”.

Entretanto, Culler (1999, p.86) esclarece que há duas formas de pensar o enredo:

N

Page 59: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

55

De um ângulo, o enredo é um modo de dar forma aos acontecimentos para transfor­ má­los numa história genuína: os escritores e leitores configuram os acontecimentos num enredo, em suas tentativas de buscar o sentido das coisas. De um outro ângulo, o enredo é o que é configurado pelas narrativas, já que apresentam a mesma “histó­ ria” de maneiras diferentes.

Para Culler (1999), acontecimentos, enredo (ou história) e discurso funcionam como

duas oposições: entre acontecimentos e enredo e entre história e discurso. Para este autor, a

distinção básica da teoria da narrativa é entre enredo e apresentação, história e discurso. O

autor destaca questões chave de análise das narrativas, como: “Quem fala?”, “Quem fala para

quem?”, “Quem fala quando?”, “Quem fala que linguagem?”, “Quem fala com que autorida­

de?”, “Quem vê?” (destacando algumas dificuldades associadas a elas: 1. Temporal, 2. Dis­

tância e velocidade, 3. Limitações de conhecimento). Tais questões mostram­se relevantes ao

ler as histórias.

Sobre a função das histórias, Culler (1999) pondera que, em primeiro lugar, elas dão

prazer e o prazer da narrativa se vincula ao desejo. Diz, ainda, que os teóricos perguntam­se

sobre os vínculos entre desejo, histórias e conhecimento.

As histórias também têm a função, como enfatizam os teóricos, de nos ensinar sobre o

mundo, nos mostrando como ele funciona, nos possibilitando – através dos estratagemas da

focalização – ver as coisas de outros pontos de vista e entender as motivações dos outros que,

em geral, são opacas para nós. É assim que argumenta Culler (1999, p.93), ao mesmo tempo

em que se/nos questiona (p.94):

[...] a narrativa é uma forma fundamental de conhecimento (dando conhecimento do mundo através de sua busca de sentido) ou é uma estrutura retórica que distorce tan­ to quanto revela? A narrativa é uma fonte de conhecimento ou de ilusão? O conhe­ cimento que ela parece apresentar é um conhecimento que é o efeito do desejo?

Nesta Dissertação, segue­se o que Plummer (1993) sugere: que nos concentremos me­

nos na análise das estruturas formais das histórias ou narrativas, para nos interessar mais na

inspeção do papel social das histórias, isto é, como são produzidas, como são lidas, a influên­

cia que têm no ordenamento social mais amplo, como mudam, e seu papel no processo políti­

co. O autor sugere, ainda, que se vá além do texto, ao ver as histórias sob dois ângulos críticos

e vinculados: como interações simbólicas e como processos políticos. Por todos os lugares em

que andamos, somos carregados de histórias para se contar e significados para se criar – dan­

do sentido a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. O autor (p.336) pensa que:

As histórias são contadas e lidas de diferentes formas em diferentes contextos. O consumo de uma história concentra­se nos diferentes mundos sociais e nas comuni­ dades interpretativas que podem ouvir as histórias de determinadas maneiras e, por isso, não de outras e podem vir a produzir suas próprias “lembranças” partilhadas. [...] estas comunidades são mais do que simples unidades cognitivas ou simbólicas,

Page 60: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

56

mas também mundos emocionais. E mais, tais comunidades não são permanentes nem fixas.

Plummer (1993, p.338) destaca ainda que:

a produção e consumo de histórias é um processo social empírico que envolve uma corrente de ações conjuntas em contextos locais em si vinculadas a mundos sociais negociados mais amplos. Os textos estão ligados à vida, às ações, aos contextos e à sociedade.

Assim sendo, o contar não pode estar isolado do ouvir, ler e consumir.

Nesse momento, é importante lembrar Larrosa (1996, p.471­472) que, ao discutir a e­

xistência de histórias exemplares, permite que as relacionemos aos contos de fadas clássicos:

Cada um de nós está imediatamente na linguagem. E está imediatamente na narra­ ção. Temos lido e ouvido histórias e temos aprendido como a identidade de uma pessoa se constrói narrativamente. Cada um de nós já se encontra imerso em estrutu­ ras narrativas que lhe preexistem e que organizam de um modo particular a experi­ ência, que impõem significado à experiência. Por isso, a história de nossas vidas de­ pende do conjunto de histórias que já temos ouvido e, em relação às quais, temos a­ prendido a construir a nossa. A narrativa não é o lugar de irrupção da subjetividade, mas a modalidade discursiva que estabelece a posição do sujeito e as regras de sua construção em uma trama. Nesse mesmo sentido, o desenvolvimento de nossa auto­ compreensão dependerá de nossa participação em redes de comunicação de onde se produzem, se interpretam e se mediam histórias. A construção do sentido da história de nossas vidas e de nós mesmos nessa história é, fundamentalmente, um processo interminável de ouvir e ler histórias, de mesclar histórias, de contrapor umas histó­ rias a outras, de viver como seres que interpretam e se interpretam desde que já estão constituídos nesse gigantesco ajuntamento de histórias que é a cultura. [tradução minha]

Dessa forma, os contos de fadas são feitos para alguém, visam e imaginam determina­

dos públicos, produzem e circulam conhecimentos onde jogos de poder estabelecem determi­

nados saberes, determinadas verdades. Atrelados às relações de poder, os discursos (e suas

representações) veiculados em tais contos regulam, de algum modo, a conduta dos indivíduos,

colaborando na construção de identidades, definindo formas de atuar, de ser e estar considera­

dos aceitáveis em um determinado tempo e local. Constituem­se em uma pedagogia cultural e

ensinam, entre outras coisas, modos de ser e viver na sociedade contemporânea. É preciso

atentar para o fato do quanto estas outras pedagogias estão marcando as subjetividades, muito

mais que a pedagogia escolar.

Page 61: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

57

3.5. Narrativas e ilustrações: o que textos e imagens nos contam

ão podemos deixar de lembrar que a ilustração é tão importante quanto o

texto escrito. Bons livros infantis ilustrados articulam texto e imagem, de

modo que ambos concorrem para a boa compreensão da narrativa. Faria

(2005, p.39) considera que: “A articulação equilibrada entre texto e ima­

gem, portanto, provém do uso ideal das funções de cada linguagem: a escrita e a visual”. A

lógica do texto leva a uma forma diferente de leitura em relação à lógica iconográfica de leitu­

ra das imagens. Para a autora (FARIA, 2005, p.40):

Na leitura da escrita, o olho percorre a linha impressa da esquerda para a direita e de cima para baixo, linha a linha, e a leitura se efetua pela trajetória do olhar. Mas, nu­ ma imagem, a trajetória do olhar não é linear: o olhar percorre a ilustração em diver­ sas direções, orientadas pelas características da imagem. Nessa leitura, componentes da imagem são hierarquizados segundo a intenção do ilustrador e o olho é guiado por essa hierarquia. É comum, em livros para crianças, o ilustrador dirigir claramen­ te o olhar do leitor, levando­o a percorrer a imagem num sentido dado.

Na literatura infantil, a relação entre a imagem e o texto pode ser de repetição ou de

complementaridade, de acordo com os princípios do livro, seguindo orientação da editora e a

concepção do artista sobre a ilustração (FARIA, 2005). Nesse sentido, texto e imagem são

textos paralelos, ambos ensinam... há uma dupla narração: o que nos conta o texto e o que nos conta a ilustração.

Faria (2005, p.42) destaca que:

A imagem precisa concentrar elementos de hipersignificação da narrativa: a) os elementos estáticos, ligados à descrição, por meio de sugestões espaciais, como o ambiente em que se passa a ação, as personagens e suas características como a roupa que vestem, o lugar em que vivem, seus objetos pessoais etc. b) os elementos dinâmicos, ligados ao encadeamento da narrativa, como exprimir com clareza a ação, os gestos e as expressões motivadoras das personagens, além de marcar o ritmo da ação e a progressão da narrativa.

Em todos os casos, é necessário que o ilustrador saiba dosar os elementos descritivos

para que não sobrecarregue as imagens. Nos livros infantis, as imagens são enquadradas, isto

é, delimitadas por linhas, molduras, bordas ou fundo colorido. “O enquadramento se completa

pelos planos em que a imagem é apresentada” (FARIA, 2005, p. 43). Os principais tipos de

planos são: a) plano geral: mostra pessoa/s e/ou objeto/s junto ao cenário, paisagem ou local

da ação; b) plano médio: geralmente frontal, destaca a pessoa/s de corpo inteiro ou o objeto/s

por inteiro; c) plano americano: as pessoas são desenhadas a meio­corpo; d) close: destaca­se

uma parte do assunto (FARIA, 2005).

N

Page 62: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

58

Ao olhar para os livros literários infantis, para os “novos contos de fadas” da contem­

poraneidade e para suas histórias sobre infâncias e sobre relações de gênero e sexualidade,

temos de estar atentos para o que nos ensinam as histórias e as ilustrações.

Page 63: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

59

4 A “invenção” da infância e as múltiplas infâncias

da contemporaneidade

4.1 Histórias de infâncias 18

egundo Ariès (1981), em seu livro História social da criança e da família, na sociedade medieval européia, o sentimento de infância não existia, uma vez

que tal sentimento, entendido como a consciência da particularidade infantil,

particularidade essa que distingue a criança do adulto, não existia. Por ser

uma época de altos índices de mortalidade infantil, assim que a criança tivesse condições de

viver sem os cuidados constantes de sua mãe ou de sua ama, esta logo ingressava na socieda­

de dos adultos e não se distinguia mais destes. Com efeito, essa indeterminação da idade se

estendia a toda a atividade social: aos jogos e brincadeiras, às profissões, às armas.

Em síntese, a criança muito pequenina “não contava”, pois tinha grandes chances de

morrer. Assim, tão logo a criança superasse esse período de mortalidade, em que sua sobrevi­

vência era improvável, misturava­se aos adultos e confundia­se com eles. Aprendia­se a viver

vivendo. A socialização da criança não era feita estritamente na família, nem os saberes e a

transmissão de valores, isso ocorria, então, pela co­existência mais geral com os adultos.

Como as crianças misturavam­se aos adultos, e vestiam­se como eles também, parecia

“normal”, portanto, que no início do século XVII, não existisse uma separação tão rigorosa

como hoje entre as brincadeiras e os jogos reservados às crianças e as brincadeiras e os jogos

destinados aos adultos. Os mesmos jogos e brincadeiras eram comuns a ambos. Nesta mesma

época, também não existia uma separação entre jogos, brinquedos e brincadeiras para meni­

nos e meninas. A boneca, por exemplo, não se destinava apenas às meninas, uma vez que os

meninos podiam brincar com elas. Dentro dos limiares da primeira infância, a discriminação

moderna ainda era menos nítida: meninos e meninas usavam o mesmo traje, tinham os mes­

mos brinquedos, em um contexto específico: a sociedade medieval européia. Segundo Ariès

(1981), no século XVII, o brincar era diferenciado durante a primeira infância, período esse

18 Versão modificada da seção “História da infância e suas relações com o brincar e a escola”, publicada no arti­ go Uma sala de aula em que se pode brincar (VIDAL, 2001).

S

Page 64: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

60

que abrange até os três ou quatro anos de idade. Após esse período, a criança jogava os mes­

mos jogos e participava das mesmas brincadeiras, quer entre crianças, quer misturada aos a­

dultos.

Ariès (1981) denominou “paparicação” o primeiro sentimento de infância, em que a

criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de rela­

xamento para o adulto. Por outro lado, para algumas pessoas, surgiu um sentimento de irrita­

ção para com esta “paparicação” em relação às crianças.

Foi entre os moralistas 19 e os educadores do século XVII que se constituiu um outro

sentimento de infância que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na cidade como

no campo, tanto na burguesia, quanto no povo. Neste contexto, o apego à infância e à sua par­

ticularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira (como na fase de “pa­

paricação”), mas através do interesse psicológico e da preocupação moral. Então, era preciso

antes conhecer a criança para melhor poder corrigi­la. Ariès (1981) notou que os textos pro­

duzidos entre o fim do século XVI e o século XVII estão cheios de observações sobre a psico­

logia infantil. Tentava­se penetrar na mentalidade das crianças para melhor adaptar a seu nível

e desenvolvimento os métodos da educação.

Cabe observar que, enquanto o sentimento de “paparicação” surgiu no meio familiar

com a companhia das criancinhas pequenas, o segundo sentimento, ao contrário, proveio de

uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, e,

em maior número, dos moralistas, no século XVII, preocupados com a disciplina e a raciona­

lidade dos costumes. Eles viam as crianças como frágeis criaturas de Deus, as quais era ne­

cessário preservar e disciplinar. Esse sentimento se estendeu para a vida familiar.

Conforme Ariès (1981), ao longo dos séculos XVII e XVIII, estabeleceu­se um com­

promisso que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, fundamentalmente diferen­

te da atitude “antiga”. Este compromisso está relacionado a este novo sentimento da infância:

uma preocupação, antes desconhecida, de preservar sua moralidade e também de educá­la,

proibindo­lhe os jogos classificados, então, como maus, e recomendando­lhes jogos então

reconhecidos como bons.

Essa atitude de reprovação absoluta modificou­se contudo ao longo do século XVII, e

principalmente sob a influência dos jesuítas. Os humanistas do Renascimento já haviam per­

cebido as possibilidades educativas dos jogos. Mas foram os colégios jesuítas que impuseram

19 Ariès (1981) chama de moralistas os reformadores católicos ou protestantes ligados à Igreja, às leis ou ao Estado.

Page 65: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

61

pouco a pouco uma opinião menos radical com relação aos jogos. Nestes colégios, os jogos

“disciplinados” e considerados como meios de educação tão estimáveis quanto os estudos

foram incluídos no currículo escolar.

De acordo com Ariès (1981), ao final do século XVII, ocorreu uma mudança conside­

rável. A escola substituiu a educação pela vida, pelo contato direto, isto é, a criança deixou de

se misturar com os adultos e de aprender a vida pelo contato com eles. A criança passa a ficar

de “quarentena” na escola, até ser lançada na vida. Esse passa a ser o papel da escola, do co­

légio: enclausurar crianças e jovens, função essa que sobrevive até hoje (ARIÈS apud RO­

SAMILHA, 1979). A família também passa a apoiar tal mudança e se torna um lugar de afei­

ção e de preocupação com a educação dos filhos.

Sendo assim, em síntese, as pesquisas inauguradas por Ariès (1981) demonstraram que

a infância é um produto histórico moderno e não um dado geral e a­histórico que impregna

toda a história da humanidade. Para este autor, na modernidade, a criança passa a ser vista

como um ser inacabado e que precisa de “investimentos”.

No entanto, não se pode ignorar o quanto Ariès tem sofrido críticas nas suas afirma­

ções, apesar de continuar sendo uma grande referência nos estudos sobre a infância. Outros

pesquisadores mostram em seus estudos que já havia um sentimento de infância anterior à

época apontada por Ariès. Além disso, questiona­se esta interpretação que supõe um senti­

mento unidirecional para o desenvolvimento do sentimento de infância, das classes mais altas,

da nobreza ou da burguesia, para as classes populares. Sabe­se que as infâncias burguesas e

aristocráticas são muito mais conhecidas do que outras, pois eram mostradas ou se tem refe­

rência através dos tratados de medicina e de educação, da correspondência privada, dos retra­

tos de família, deixando inúmeros traços indicadores das atitudes, dos cuidados, da educação

e dos sentimentos.

Por outro lado, Postman (1999) aponta para o “desaparecimento da infância”, pois,

desde as últimas décadas do século XX, não vem ocorrendo separação entre o que é próprio

da criança e o que é próprio do adulto. Segundo ele, a imprensa e o acesso aos livros marca­

ram a diferenciação entre os mundos adulto e infantil. Por outro lado, o autor credita à mídia

televisiva a responsabilidade pelo fim da infância, visto que o acesso ilimitado às informa­

ções, e ao consumo, corroeu a linha divisória entre ser criança e ser adulto. “Uma época na

qual crianças podem trabalhar como adultos, consumir como adultos, partilhar das informa­

ções como adultos, não reconhece o mundo infantil como diferente ou especial. Um mundo

onde adultos e crianças compartilham da mesma realidade física e virtual é um mundo de i­

Page 66: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

62

guais” 20 . O referido autor reconhece o surgimento e crescente desenvolvimento de “adultos­

crianças”, isto é, seres cujas características abrangem o que era considerado da natureza infan­

til e adulta.

Autores da contemporaneidade, como Steinberg e Kincheloe (2001), defendem que es­

tá ocorrendo uma nova era na infância. Segundo eles, esta mudança de rumo histórica, rela­

cionada à explosão de informações, tão característica da era contemporânea, foi a protagonista

em minar as noções tradicionais da infância. Tais autores argumentam que (p.11): “Aqueles

que adaptaram, coordenaram e usaram a tecnologia de informação no final do século XX as­

sumiram uma posição exagerada quanto à reformulação deste processo. A infância é um arte­

fato social e histórico, e não uma simples entidade biológica”. Pensam que a idéia de infância

como uma fase natural do crescimento, do tornar­se adulto, é equivocada, uma vez que o conceito fundamental envolve o formato desta fase humana (isto é, a forma como ela é vivi­ da), a qual é moldada por forças sociais, culturais, políticas e econômicas que atuam sobre ela.

Sendo assim, o conceito/ a idéia de infância é uma criação da sociedade sujeita a mudar sem­

pre que surgem transformações sociais mais amplas, como as que temos vivido desde o final

do século XX, com a explosão midiática e tecnológica.

O apogeu da infância tradicional durou aproximadamente de 1850 a 1950. Durante este período, protegidas dos perigos do mundo adulto, as crianças foram retiradas das fábricas e colocadas em escolas. À medida que o protótipo da família moderna se desenvolveu no final do século XIX, o comportamento apropriado dos pais para com os filhos se consolidou em torno de noções de carinho e responsabilidade do adulto para com o bem­estar das crianças. Por volta de 1900, muitos acreditavam ser a infância uma herança do nascimento – uma perspectiva que resultava numa defini­ ção biológica, e não cultural da infância (STEINBERG; KINCHELOE, 2001, p. 12).

Steinberg e Kincheloe (2001) destacam ainda que é neste período que surgem especia­

listas, como os psicólogos infantis, que acreditariam que o desenvolvimento da criança seria

moldado por forças biológicas. Piaget foi um dos mais destacados pesquisadores desse perío­

do, cuja abordagem científica, não histórica e socialmente fora do contexto da conduta infantil

foi generalizada para todas as culturas e eras históricas – como uma verdade científica univer­

sal da genética e psicologia infantil. “Considerando os estágios de desenvolvimento biológico

da criança como fixos e imutáveis, professores, psicólogos, pais, assistentes sociais e a comu­

nidade em geral viam e julgavam a criança através de uma classificação de desenvolvimento

fictícia” (p.12)

Steinberg e Kincheloe (2001) defendem que estamos vivendo um período histórico de

grande revolução social e que é necessário examinar a produção de uma mudança nas condi­

20 Baseado no documentário “A Invenção da Infância” de Mônica Schmiedt (25/05/2000).

Page 67: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

63

ções social e cultural em relação à concepção de infância. O desenvolvimento da educação e

da criança contemporânea pode estar influenciado de forma significativa por categorias da

cultura infantil próprias da cultura pós­moderna – daí a importância de enxergá­las, compre­

endê­las. Todavia, como mostra­nos Polakow:

as instituições sociais têm se mostrado lentas para reconhecer configurações familia­ res diferentes e suas específicas dificuldades. Sem apoio, a família ‘pós­moderna’ do fim dos anos 90, com seu exército de mães solteiras ou que trabalham fora, vê­se cercada por problemas oriundos da feminilização da pobreza e da posição vulnerável da mulher tanto no espaço público quanto no privado (1992 apud STEINBERG; KINCHELOE, 2001, P.13).

Narodowski (2001) alerta que convivemos hoje com infâncias diversas, polarizadas na infância des­realizada e na infância hiper­realizada. A primeira vive a realidade das ruas, é independente, trabalha desde muito cedo, enquanto a segunda é a da realidade virtual, domina

o aparato tecnológico existente de modo mais eficaz do que muitos adultos. Para o autor Na­

radowski (2001, p. 175): “Entre a infância hiper­realizada e a infância des­realizada, encontra­

se a maioria das crianças que conhecemos”.

Santos (2004, p.32), por sua vez, acredita que na contemporaneidade:

a infância não esteja desaparecendo, mas sim esteja em processo de reconfiguração, ou seja, estão em andamento novas formas de constituição de ser criança. Muitos são os processos que atualmente constituem essa nova infância: as novas configura­ ções familiares, as pedagogias culturais, as novas tecnologias da informação, etc. Assim, se ser criança se aprende na escola e na família, através da pedagogia mo­ derna, na pós­modernidade o aprender a ser criança foi ampliado para além das insti­ tuições como família e escola, embora essa ainda se constitua como um espaço de investimento num futuro melhor.

É com esta perspectiva de infância que trabalho nesta pesquisa. A infância entendida

como constituída por uma história que não é natural, que não pode ser percebida como uma

evolução de práticas e sentimentos humanos para com os as crianças. “A infância é uma cons­

trução histórica, social e cultural e, portanto, um processo de constituição permanente, o que

admite transformações, retrocessos, rupturas e descontinuidades” (SANTOS, 2004, p.21).

Essa compreensão nos permite falar em múltiplas infâncias.

Page 68: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

64

4.2 Infâncias, Escola e Pós­Modernidade

modernidade fez da escola o locus privilegiado para a consecução dos ideais iluministas. Como explica Silva (1995, p.245),

[...] a educação escolarizada e pública sintetiza, de certa forma, as idéias e os ideais da Modernidade e do Iluminismo. Ela corporifica as idéias de progresso constante através da razão e da ciência, de crença nas potencialidades de desenvolvimento de um sujeito autônomo e livre, de universalismo, de emancipação e libertação política e social, de autonomia e liberdade, de ampliação do espaço público através da cida­ dania, de nivelamento de privilégios hereditários, de mobilidade social. A escola es­ tá no centro dos ideais de justiça, igualdade e distributividade do projeto moderno de sociedade e política. Ela não apenas resume esses princípios, propósitos e impulsos; ela é a instituição encarregada de transmiti­los, de torná­los generalizados, de fazer com que se tornem parte do senso comum e da sensibilidade popular.

Por outro lado, com o advento da pós­modernidade, o sujeito da modernidade – críti­

co, politizado, consciente, agente de mudanças, transformador – sofre um descentramento,

deixa de ser centro dos processos sociais. “Ao invés de derivar as práticas sociais, econômi­

cas, culturais e políticas, etc. a partir do sujeito, a questão passa a ser derivar o sujeito a partir

dessas práticas” (VEIGA­NETO, 2000, p. 51). O sujeito passa a ser visto como um constructo

social e cultural, uma vez que: “O pensamento pós­moderno vê a Pedagogia como um conjun­

to de práticas discursivas que se encarrega, antes de mais nada, de instituir o próprio sujeito

de que fala.” (idem).

Assim, quando pensamos em educação, pensamos na escola como o lugar que a mo­

dernidade consagrou como sendo por excelência o local onde se ensina. Contudo, como Kin­

del (2003, p. 10) observa,

cada vez mais, na contemporaneidade, outros espaços vêm se constituindo como e­ ducativos; ou seja, outros espaços têm sido configurados como estando exercendo a função de ensinar alguma coisa sobre algo ou alguém, embora essas instâncias não se pareçam nem um pouco com a escola.

Steinberg e Kincheloe (2001) abordam a questão da produção corporativa da cultura

infantil popular e seu impacto nas crianças. Isto está relacionado de forma ampla à “expressão pedagogia cultural, que enquadra a educação numa variedade de áreas sociais, incluindo, mas não se limitando à escolar” (p.14). Assim, as áreas pedagógicas são os lugares onde o poder é

organizado e difundido, incluindo­se: bibliotecas, cinemas, jornais, revistas, brinquedos, pro­

pagandas, videogames, livros, esportes, programas de rádio, programas de TV, etc.

A

Page 69: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

65

Narodowski (2001) observa que, nesse período, a infância passa a ser de grande inte­

resse da psicologia e da pedagogia, passando a representar o ponto de partida e o ponto de

chegada da pedagogia; a criança torna­se a base para a construção pedagógica do aluno, cons­

truída discursivamente. Contudo, o conceito de infância criado na modernidade – visto como

“a época especial da vida dos seres humanos, fase em que a vida será perfeita, protegida e

tranqüila, antes de ser tomada pelas exigências do trabalho”, ou seja, “época ideal de nossas

vidas, em que ser criança é não ter qualquer outro compromisso que vá além do gozo puro e

simples de sua inocência”– 21 está em crise. Assim como o conceito de infância está em crise,

também está em crise o conceito de escola. Há um descompasso marcante entre o que se espe­

ra da escola e o que lá se encontra.

Dessa forma, muitos outros espaços têm se mostrado como importantes instâncias de

produção e circulação de conhecimentos. E estar atento/a para estes múltiplos locais onde

também se ensina é uma das peculiaridades para a qual os Estudos Culturais nos convidam a

olhar e refletir.

Do mesmo modo, devemos estar atentos para as múltiplas infâncias da contempora­

neidade. Vivemos num mundo virtual e midiático. O computador, a Internet e a televisão mu­

daram as vidas das pessoas e também das crianças que fazem parte do foco de nossa discussão

neste trabalho. No final de 2007, foi inaugurada a TV digital no Brasil. Em menos de uma

década, ela chegará em todos os Estados brasileiros. Televisão, literatura... tudo ensina nossas

crianças, portanto devemos estar atentos pra verificar o que estão ensinando. Devemos, tam­

bém, ter conhecimento das variadas realidades infantis que encontramos no país.

Sobre este repensar pedagógico relacionado à hiper­realidade a qual estamos vivendo, Steinberg e Kincheloe (2001, p.49) defendem:

A hiper­realidade, semelhante a um princípio pedagógico, pretende que educadores sejam obrigados a estudar a cultura infantil, seus efeitos em seus consumidores e seu relacionamento com o desejo. Se estivermos interessados em conhecer nossas crian­ ças, semelhante pedagogia nos fornece uma linha direta com as suas consciências, tão boa quanto suas percepções próprias e do mundo. O que acontece quando crian­ ças educadas pela cultura infantil vêem­se diante do conhecimento certificado na es­ cola? A resposta a semelhante pergunta guia­nos para novas formas de aprendizado, novos insights sobre a construção da infância contemporânea, em torno da qual po­ demos reestruturar as escolas e repensar o papel dos pais na hiper­realidade.

Sampaio (2000) 22 , com base na experiência brasileira, analisou a mídia televisiva e sua

acessibilidade a públicos diferenciados, focalizando a questão de como a mídia televisiva tem

21 Baseado no documentário “A Invenção da Infância” de Mônica Schmiedt (25/05/2000). 22 Apesar do foco deste trabalho não ser a mídia televisiva e nem discutir a adolescência brasileira, a pesquisa de Sampaio traz uma importante contribuição para a discussão das infâncias brasileiras.

Page 70: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

66

possibilitado o ingresso da criança e do adolescente numa esfera pública comum ao público

adulto. Crianças e adolescentes são considerados tanto na sua condição de público, quanto de

interlocutores deste dispositivo pedagógico que é a televisão, nesse caso ainda mais específi­

co, as propagandas televisivas. O ponto de partida de sua pesquisa foi a constatação de que a

criança e o adolescente ocupam um lugar de destaque na mídia televisiva. A autora justifica

que, em meados da década de 80, verificou­se a explosão de programas infantis e o cresci­

mento de sua importância na mídia. Segundo ela afirma, a criança e o adolescente deixam de

ser uma questão de interesse particular de pais e educadores, tornando­se alvo do interesse da

propaganda, da publicidade, do marketing. Nas últimas décadas, temos assistido a inúmeras matérias focalizando a relação das crianças com o consumo. A literatura infantil foi mais uma

dessas ofertas às crianças. Os “novos contos de fadas” também foram se multiplicando com

oferta de novos títulos nesses últimos tempos. Alguns desses contos passam a aparecer em

desenhos e filmes, enquanto seus personagens passam a ser reproduzidos em vários apetre­

chos.

Nesse ínterim, ocorre a valorização da criança enquanto consumidor e, ao mesmo

tempo, a “preocupação” com a relação da criança com a mídia, isto é, com a educação da cri­

ança através da mídia. A publicidade televisiva descobriu o enorme potencial de consumo da

criança e do adolescente. Reconheceu­se a participação destacada da criança no mercado de

consumo brasileiro, sendo que a maior notoriedade ainda é para o público consumidor infantil

(SAMPAIO, 2000).

Sampaio (2000) pondera que: “Na verdade, o que pretendemos afirmar é que a experi­

ência da infância e da adolescência hoje não pode ser pensada sem essa sua relação com um

ambiente midiático” (p.155). Ela observa ainda que: “No Brasil, o consumo de mídia por par­

te da criança e do adolescente apresenta, sem dúvida, maiores variações relacionadas sobretu­

do à renda familiar e, em certa medida, à localização de tais famílias nas zonas rurais ou urba­

nas” (p.155).

Em sua pesquisa sobre televisão, publicidade e infância, Sampaio (2000) pensa ser

impossível se ter como referência um cotidiano infantil e adolescente contemporâneo no Bra­

sil pensado genericamente. Sugere, então, que existem cotidianos marcadamente diversos de

crianças e adolescentes. Entre os fatores que produzem essa diversidade de cotidianos infantis

e de adolescentes estão: a renda familiar, a inserção no sistema educacional e o amparo fami­

liar ou institucional, assim como a inserção dos pais no mercado de trabalho, o contexto de

moradia rural ou urbano e a questão étnica e de gênero.

Page 71: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

67

Considerando esses fatores, a autora identificou seis modalidades diversas de vivência

da infância e da adolescência no Brasil, às quais estão associados cotidianos também diferen­

ciados. São elas 23 : 1) infância pública; 2) infância protegida; 3) infância parcialmente protegi­

da; 4) infância institucionalmente protegida; 5) infância desprotegida; 6) infância marginali­

zada (SAMPAIO, 2000, p. 162). Analisando peças publicitárias televisivas, a autora identifi­

cou ainda as seguintes representações de criança na publicidade brasileira: a criança feliz, a

criança sapeca, a criança fantasiosa, a criança precoce e a criança ingênua. Enfim, são múlti­

plos os olhares que também podemos lançar sobre as representações de crianças e de infâncias

ao examinarmos um outro artefato cultural: os livros de literatura infantil destinados a esse

público, por meio de um de seus gêneros literários, o dos “novos contos de fadas”.

A seguir, uma síntese de como a referida autora descreve cada modalidade de infância:

1) infância pública: aquela vivenciada pela criança que inicia uma vida pública precocemente,

assumindo relações de trabalho no âmbito da mídia (como apresentadores, cantores, atores,

garotos­propagandas, etc.). A maioria dessas crianças tem o amparo dos pais, e seu ingresso

no mundo midiático e das relações de trabalho não está associado a dificuldades financeiras

da família – regra geral. Em função dos compromissos profissionais assumidos, as crianças

têm as condições de sua inserção escolar redefinidas. Esta é uma infância glamourosa, de a­

plausos, prestígio, fama e dinheiro, mas também de muita competição, disputa, trabalho,

compromissos desgaste físico e emocional. Vivenciam, assim, precocemente, relações de in­

tensa concorrência e têm alterado, significativamente, seu ritmo de vida. Além da exposição

pública constante, do assédio dos fãs, assumem outros compromissos (entrevistas, desfiles,

shows, etc.). Em razão do acúmulo de obrigações, têm o consumo midiático menor. Mas a

mídia não deixa de participar decisivamente da organização dos seus cotidianos. São os mo­

delos de um sucesso precoce a ser perseguido.

2) infância protegida: caso em que a criança é amparada no seu desenvolvimento físico, inte­

lectual e afetivo por seus pais e/ou adultos responsáveis. Eles são sustentados pelos pais e sua

única responsabilidade é dedicarem­se aos estudos. Eles possuem uma condição privilegiada.

São os mais conhecidos, compõem o perfil básico – falando­se de criança genericamente no

Brasil. É com referência nas pesquisas de consumo e comportamento deste segmento que a

mídia oferece seus produtos. Neste caso, vive­se um cotidiano infantil. A criança vivencia

23 Apesar de Sampaio (2000) referir­se às infâncias e adolescências em sua pesquisa, nesta Dissertação, interes­ sa­me seus estudos sobre infância. Então, ao examinar as categorias da autora para tipos de infância e adolescên­ cia, vou me deter em descrever, apenas considerando os tipos de infância apresentados pela autora.

Page 72: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

68

essas fases de suas vidas como um período de desenvolvimento e formação para a vida adulta,

participando de atividades adequadas a sua faixa etária. No dia­a­dia, vai à escola, diverte­se

com amigos, tem momentos de lazer, faz cursos complementares. É ela que, geralmente, ga­

nha mesada, tem o quarto bem equipado e dispõe de tempo, condições e recursos para manter

um consumo midiático diversificado (TV, revistas, jornais, cinema, etc.) e um consumo de

TV elevado. Um aspecto característico mais abrangente é o fato de ainda estarem sob o con­

trole dos pais, familiares e educadores.

3) infância parcialmente protegida: é aquela que conta com o amparo dos pais e/ou adultos

responsáveis, mas é parcialmente sustentada por eles, necessitando, portanto, trabalhar para

ajudar a família no seu sustento. Neste caso, além dos estudos, essas crianças já assumem

responsabilidades de trabalho – regra geral. Sendo assim, assumem, precocemente, responsa­

bilidades próprias do adulto, afastando­se, progressivamente, das atividades lúdicas e des­

compromissadas da infância. O cotidiano dessas crianças articula experiências marcantes de

separação e envolvimento com a vida adulta. É um período organizado em torno do cumpri­

mento das atividades da escola e do trabalho, no qual há muito pouco, ou quase nada, de tem­

po livre para o lazer. Em decorrência dos compromissos assumidos e dos custos para a aquisi­

ção das mídias, o seu consumo é diminuído, bem como a exposição à TV também é menos

intensa.

4) infância institucionalmente protegida: caso da criança que é amparada, parcial ou inteira­

mente, por instituições sociais. Vive sob os cuidados do Estado, em instituições religiosas,

associações da sociedade civil, etc. Costumeiramente, tem assegurado o direito à escola e,

embora possa exercer algum tipo de atividade trabalhista, esta assume a conotação de apren­

dizado, ou seja, de estimular a profissionalização. Crianças órfãs, abandonadas pelos pais ou

assistidas à distância por eles experimentam um cotidiano afastado da família, marcado pelo

convívio com adultos. Estes mantêm com aquelas relações profissionais de amparo, formação

e proteção, além dos poderes institucionalizados de controle e punição. Essas crianças são

protegidas, mas também abandonadas, já que a proteção institucional sinaliza o abandono

familiar. Nas instituições, estão sujeitas aos seus ordenamentos hierárquicos, às suas regras e

não desfrutam de muita autonomia geralmente. Elas gozam de pouca ou nenhuma autonomia

de consumo também; têm acesso coletivo às mesmas mídias.

5) infância desprotegida: caso em que a criança é obrigada a garantir o próprio sustento ou até

mesmo o sustento familiar, pela ausência de condições financeiras de pais e/ou familiares.

Para isso, abandona os estudos. A impossibilidade de ingresso ou permanência na escola, em

Page 73: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

69

função do trabalho, é o indicativo evidente do direito à vivência da infância, como época par­

ticular e especial de sua vida. No caso daquelas crianças que moram com os pais e com eles

trabalham, as relações de trabalho estão envolvidas num sentido de ajuda à família e, pode ser

também, de aprendizado de um ofício. Esse é o caso de muitas crianças que vivem no campo

e cuja atividade básica diária é o trabalho na agricultura em companhia de seus pais. Há ainda

aqueles que acompanham os pais no trabalho em terras de terceiros; nesses casos, a criança

perde a característica de ser aprendiz para ser caracterizada como trabalhador/a infantil. Na

maioria das vezes, o ingresso no mundo de trabalho, por tais crianças, traz a vivência em uma

longa jornada de trabalho, em condições inadequadas e até mesmo danosas ao seu desenvol­

vimento físico, mental e afetivo. Nas grandes cidades, elas estão nas mais diversas áreas

(prestação de serviços, construção civil, indústria, comércio informal e formal, etc.), desem­

penhando variadas funções. Nesses casos, crianças e adultos estão submetidos às mesmas

regras e obrigações. Pouco ou nada têm tempo para o consumo da mídia e do lazer.

6) infância marginalizada: aquela vivenciada por crianças que, absolutamente, desamparadas,

encontram nas ruas um lugar privilegiado para a prática da mendicância, de pequenos bisca­

tes, entre outras atividades, para muitos gerando a delinqüência e/ou a marginalidade. Para

elas a escola e o trabalho têm pouca importância em suas vidas. Esta realidade é ainda mais

cruel no caso das crianças prostituídas. Há também aquelas que são responsáveis pela execu­

ção de crimes graves ou que estão ligadas ao crime organizado. Do ponto de vista do consu­

mo da mídia, há diferenças entre aquelas que estão em instituições fechadas de reabilitação

(nesse caso sob suas regras e normas) e aquelas que não estão nestes estabelecimentos. Neste

último caso, é bem provável que mantenham uma postura de maior autonomia do consumo.

Sampaio (2000) destaca que alguns pesquisadores brasileiros, sensibilizados diante

desse processo de marginalização da criança, chamam a atenção para a séria questão da “su­

pressão da infância” na nossa sociedade. Buscam, através deste conceito, destacar este preo­

cupante fenômeno social do Brasil que é a perda da infância. Ela ocorre mediante um proces­

so de exclusão social profunda que cria o adulto precocemente no corpo da criança. A referida

autora (SAMPAIO, 2000, p. 171) ressalta:

O indicativo de um processo de dissolução das fronteiras entre a criança e o adulto não decorre, pois, na sociedade brasileira, como proposto nas análises de Postman ou Meyrowitz, das particularidades das mídias eletrônicas, mas como um problema associado à desigualdade social. Não é, em primeiro lugar, a partir da mídia televisi­ va que a criança e o adolescente têm um maior acesso à vida adulta e aos seus se­ gredos, senão pela vivência de uma situação de miséria e exclusão social que os em­ purra para o mercado de trabalho, para a delinqüência, a prostituição e o crime orga­ nizado, retirando­lhes a chance de viver essas fases de suas vidas chamadas de in­ fância e adolescência.

Page 74: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

70

A visibilidade dessa geração de “crianças sem infância”, dos meninos e meninas de rua, da prostituição infantil e da violência está presente também na televisão, de mo­ do particular, nos noticiários, reportagens e propagandas de entidades associadas à defesa e proteção da criança. Essas crianças não são, contudo, uma referência impor­ tante para a elaboração de programações para o segmento e podem ser consideradas inexpressivas para a publicidade. Na televisão predominam, imagens de um outro ti­ po de criança que, para as emissoras e publicidade, são vistas sobretudo na condição de consumidores mirins”. É, também, em função delas que é concebida a sua pro­ gramação e publicidade mais elaboradas.

Assim como certas crianças interessam à mídia, uma vez que a publicidade que produ­

zem destina­se ao seu consumo, a literatura infantil também destina­se a certas crianças: àque­

las que podem comprar tais livros, àquelas que podem pegá­los emprestados em bibliotecas,

àquelas que estudam, àquelas cujos pais ou professores/educadores vão se sentir atraídos pe­

las temáticas das histórias e contarão/lerão aos pequenos.

Nesse sentido, interessa a este estudo o “modo de endereçamento” 24 , termo dos estu­

dos de cinema, de caráter teórico e político. Este termo está relacionado à necessidade de a­

presentar qualquer que seja a comunicação, texto ou ação para alguém, sobre o qual se pres­

supõe algumas coisas, imaginando­se como ele/a é e como quer que ele/a seja. Este conceito

resume­se à seguinte indagação: “quem este filme [esta história] pensa que você é?” (ELLS­

WORTH, 2001, p.11) [destaque meu]. Tal conceito pode ser também utilizado para pensar a

respeito dos modos como diversos artefatos culturais, e entre eles os livros literários infantis,

são direcionados a determinados públicos.

Sendo assim, os livros literários infantis e seus “novos contos de fadas” são feitos para

alguém. Contudo, ELLSWORTH (2001, p.20) afirma que:

O espectador ou espectadora [leia­se leitor ou leitora] nunca é, apenas ou totalmente, quem o filme pensa que ele ou ela é. (O espectador ou a espectadora nunca é tam­ pouco exatamente o que ele ou ela pensa que é...). A maneira como vivemos a expe­ riência do modo de endereçamento de um filme depende da distância entre, de um lado, quem o filme [leia­se o livro, o conto] pensa que somos, e, de outro, quem nós pensamos que somos, isto é, depende do quando o filme “erra” seu alvo. [acréscimos meus]

Todavia seja qual for esta distância, é necessário que haja uma “negociação” por parte

do espectador/leitor. Porém

essa negociação tampouco é, jamais, uma coisa simples ou única. Pois, da mesma forma que o espectador ou a espectadora nunca é exatamente quem o filme [o livro/o conto] pensa que ele ou ela é, assim também o filme [o livro/o conto] não é, nunca, exatamente o que ele pensa que é. Não existe, nunca, um único e unificado modo de endereçamento em um filme [em um livro/ em um “novo conto de fadas”] (ELLS­ WORTH, p.21) [acréscimos meus]

24 Reitero que apesar de não pretender fazer um estudo de recepção sobre os contos de fadas modernos e as cri­ anças, não podemos ficar indiferentes a este conceito.

Page 75: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

71

Há, também, o duplo endereçamento, isto é, como no caso dos livros infantis que pre­

cisam agradar ao leitor infantil e ao adulto que tem o poder aquisitivo para comprá­lo.

O que podemos aprender sobre as infâncias nos “novos contos de fadas” é o que me

dedicarei a analisar a seguir.

4.3 Histórias de infâncias contadas nos “novos contos de fadas”

a modernidade, a noção de infância, criou tanto a necessidade de quan­

to a procura de livros para crianças. As noções de criança a ser educada

(1.ª noção construída: da criança a ser protegida e paparicada; 2.ª noção

construída: da criança a ser educada, moralizada) acabaram por forne­

cer o enquadramento para a literatura infantil canonizada. Ou seja, desde seu início, os livros

para crianças foram escritos com uma certa idéia de criança em mente e, quando esta idéia

mudou, os textos para crianças mudaram (SHAVIT, 2003).

Se a escola e a família, entre outros espaços de nossa cultura, vêm educando nossas

crianças, os livros de literatura infantil podem ser reconhecidos como artefatos que também

educam. Tal intersecção entre espaços e artefatos permite que nos questionemos sobre as rela­

ções possíveis entre múltiplas infâncias e a literatura infantil disponível na contemporaneida­

de.

A fim de o/a leitor/a familiarizar­se com os nomes dos 7 (sete) livros analisados, nesta

seção, elenco­os a seguir (títulos, autores, ilustradores e ano das referidas publicações), lem­

brando que as referências completas de tais livros e seus resumos encontram­se ao final deste

trabalho em anexo 25 :

1. As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões, de M. Company, Ilust. Roser Capdevi­ la, 2003.

2. As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003. 3. As Trigêmeas e Cinderela, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003

4. As Trigêmeas e João e Mar ia, de M. Company, Ilust. Roser Capdevila, 2003.

25 Anexos 1 e 2, respectivamente. Os resumos dos contos de fadas clássicos a que tais histórias fazem referência podem ser encontrados em Anexo 3.

N

Page 76: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

72

5. A bailar ina encantada, de Bruna Dias do Carmo Costa, Ilust. Roberto, 2006.

6. O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro, de Georgina da Costa Martins, Ilust. Victor Tavares, 1999.

7. O pr íncipe sem sonhos, de Márcio Vassalo, Ilust. Mariana Massarani, 1999.

A questão norteadora é: “Como os sujeitos infantis são representados por diferentes

discursos, entre eles, os que ‘povoam’ os ‘novos contos de fadas’?”

Quero lembrar que, como já foi dito antes, para estas histórias vou deter meu olhar,

somente, nas representações de infância contidas nos textos e nas ilustrações.

Cabe esclarecer que o conceito de representação, na análise cultural a que me propo­

nho fazer, refere­se às formas textuais e visuais através das quais se descrevem os diferentes

grupos culturais e suas características. Para os Estudos Culturais, a análise da representação

concentra­se em sua expressão material como “significante”: um texto, uma pintura, um fil­

me, uma revista, uma fotografia – neste caso, os “novos contos de fadas!”. A representação é

o significado que é atribuído como marca ou inscrição àquilo que está sendo representado. A

produção de significados dá­se através da linguagem pela cultura (ARGÜELLO, 2004).

Destaco as seguintes categorias de infância ou, também, de aspectos da pós­

modernidade relacionados a ela, ao mesmo tempo em que vou tecendo minhas análises:

a) Entre a infância des­realizada e a hiper ­realizadada: a infância mais r epresentada nos “novos contos de fadas”

Pretinha, personagem principal de A bailar ina encantada (história 5) e João, Maria e

Nininha, os quais são os personagens principais de O menino que não se chamava João e a

menina que não se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 6) representam

ou aproximam­se do conceito de infância des­realizada de Naradowski (2001). Pretinha era

uma menina negra e pobre que morava com os pais numa humilde casinha branca próximo de

um laguinho. João e Maria pegaram a irmãzinha no berço e, expulsos de casa pelo “monstro”

(como chamam o padrasto), fugiram de casa e saíram às ruas, em busca da casinha de doces...

Estas são histórias exemplares na representação de crianças pobres, muito pobres, que passam

por necessidades para garantir suas sobrevivências.

Por outro lado, Thiago, nome do príncipe protagonista de O príncipe sem sonhos

(história 7), representa ou aproxima­se do conceito de infância que Naradowski (2001) chama

de hiper­realizada. Tal personagem representa a criança que tem tudo, não lhe falta nada. As crianças como ele preocupam­se com coisas pequenas, comparadas às grandes dificuldades de

Page 77: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

73

garantir a sua própria alimentação e vida como as dos outros personagens­crianças referidas

anteriormente. Thiago (história 7), como ele próprio reclamava, tinha tudo que queria. Às

vezes, o principezinho até tentava sonhar com algo, mas em seguida seus desejos já se reali­

zavam.

Como referi antes, para Naradowski (2001), entre estes dois tipos de viver a infância, a

infância hiper­realizada e a infância des­realizada, está o maior grupo de crianças que conhe­ cemos. E esse tipo de vida infantil está representado pelas trigêmeas – Ana, Helena e Teresa –

que aparecem nas histórias As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões (história 1), As

Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), As Tr igêmeas e Cinderela (história 3),

As Trigêmeas e João e Mar ia (história 4). Tais personagens representam as crianças que têm

família, que vão à escola, que brincam, enfim, desfrutam o gozo e o prazer de serem crianças

e não terem compromissos, como o modelo ideal criado pela modernidade de ser criança.

b) Uma infância protegida: a mais r epresentada nos “novos contos de fadas” Como vimos em Sampaio (2000), a infância protegida (a criança que é amparada por

seus pais e/ou adultos responsáveis no seu desenvolvimento físico, intelectual e afetivo; neste

caso, sua única responsabilidade é a dedicação aos estudos; vai à escola, diverte­se com ami­

gos, tem momentos de lazer, faz cursos, assiste televisão...) é representada pelos personagens

infantis da maioria das histórias escolhidas para análise. Sampaio (2000) destacou que esse

tipo de infância, segundo suas pesquisas, é a que contempla a realidade da maioria das crian­

ças brasileiras. E, é também sobre este tipo de infância que mais se fala nas histórias, ou seja,

são estas as crianças mais representadas na literatura infantil de modo geral de acordo com

minhas buscas, durante a seleção das histórias.

Classifico como representantes deste tipo de infância: as personagens trigêmeas (histó­

rias 1, 2, 3 e 4), o príncipe Thiago (história 7) e, de certo modo, Pretinha (história 5), mas a­

penas no início de sua história. Isto é, das 7 (sete) histórias escolhidas para análise, apenas

uma delas (história 6) não tem seus personagens principais­crianças vivendo esta modalidade

de infância.

As trigêmeas – Ana, Helena e Teresa – que aparecem nas histórias As Tr igêmeas e

Branca de Neve e os Sete Anões (história 1), As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho (his­

tória 2), As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), As Tr igêmeas e João e Mar ia (história 4),

aparecem nas histórias sob os cuidados da tia, Bruxa Onilda, que é a responsável por encami­

nhá­las ao mundo de fantasias, envolvê­las em aventuras e situações de perigo também, mas,

Page 78: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

74

quando isto acontece, é ela quem resgata, socorre, protege as meninas. Ana, Helena e Teresa

brincam muito, fazem teatrinho, desenham, vão à escola, dançam, divertem­se. Elas têm essa

fase da sua vida tida como especial e adequada ao desenvolvimento e preparação para a vida

adulta.

Como exemplo deste “descompromisso” infantil para com as exigências e regras (até

de etiqueta!) da sociedade, em As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), Ana,

Helena e Teresa aparecem, no final da história, tomando um gostoso lanche com Chapeuzinho

e a vovozinha; todas as meninas aparecem de rostos lambuzados, fazendo a refeição num cli­

ma de tranqüilidade, diversão e amizade (figura 5). A ilustração, em plano geral, mostra­nos

os personagens praticando suas ações no cenário que é um dos ambientes da casa da vovozi­

nha.

Figura 5: Ilustração da história 2 (p. 30 e 31)

Do mesmo modo se apresenta a vida do príncipe Thiago, personagem de O pr íncipe

sem sonhos (história 7). Nas primeiras páginas do livro, mesmo antes do início da história,

Thiago aparece junto ao cachorro, ao pai e à mãe (o pai com máquina fotográfica em punhos)

observando seus retratos na parede em diferentes situações (em casa, jogando futebol, ga­

nhando presentes, brincando, em festa de aniversário, no colo do Papai Noel, entre outras)

Page 79: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

75

(figura 6). A ilustração mostra o menino pequeno em relação ao tamanho dos pais, o que pode

ser entendido como denotando a proteção que eles oferecem ao menino. A quantidade de re­

tratos na parede, todas do principezinho em diferentes situações, evidenciam o quanto ele é

cuidado e amado por sua família. Esta é uma das leituras que podemos fazer, entre tantas ou­

tras possíveis, que a ilustração em plano geral nos permite.

Figura 6: Ilustração da história 7 (s.p.)

Depois, mais no final do enredo, Thiago procura o avô, um bruxo aposentado, para

pedir­lhe conselho. O texto e as imagens deste encontro, também, remetem à idéia de grande

afeto entre avô e neto: “Foi um abraço tão longo e tão grande que dava para cobrir todo o rei­

no” (s.p). A ilustração deste encontro mostra os brinquedos da criança largados pelo chão, dando idéia de movimento na cena, fazendo­nos inferir que o menino correu para os braços do

seu avô (figura 7). Isto é, a ilustração marca o ritmo da ação do menino.

Page 80: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

76

Figura 7: Ilustração da história 7 (s.p.)

Na ilustração seguinte, ele aparece comendo biscoitos e tomando um refresco com o

avô (figura 8). Esta cena, também nos transmite a idéia de cuidado e amor, já que a alimenta­

ção (dar de comer a alguém), em alguns contextos sociais e épocas, pode ser considerada um

ato de generosidade para com os semelhantes. Além disso, cabe destacar que a imagem da

cozinha em primeiro plano mostra, em perspectiva, um outro ambiente onde estão o computa­

dor, uma cadeira e uma espécie de mural. Eis aí, mais uma vez, os elementos da vida atual em

uma história cujos personagens se inspiram em um tempo ficcional (pelo menos para nós, no

Brasil); trata­se de uma história com elementos híbridos. Segundo Faria (2005, p.50): “Cô­

modos em perspectiva é uma variante técnica para ampliar o espaço central em que se passa a

história”.

Page 81: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

77

Figura 8: Ilustração da história 7 (s.p.)

Depois, Thiago sempre aparece no colo do avô até adormecer ali e em seus braços. As

ilustrações das figuras 9 e 10 são exemplos de ilustrações em close, e as ilustrações das figu­

ras 11 e 12 são exemplos de ilustrações em plano médio.

Figura 9: Ilustração da história 7 (s.p.) Figura 10: Ilustração da história 7 (s.p.)

Page 82: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

78

Figura 11: Ilustração da história 7 (s.p.) Figura 12: Ilustração da história 7 (s.p.)

Portanto, não restam dúvidas de que estes personagens (o menino Thiago e as trigê­

meas) fazem parte de um dos tipos de infância: o da infância protegida.

c) De uma infância parcialmente protegida a uma infância desprotegida: uma única re­ presentação ou uma primeira r epresentação?

Sampaio (2000) caracteriza como infância parcialmente protegida aquela em que a

criança conta parcialmente com o sustento e amparo de pais e/ou adultos responsáveis, neces­

sitando, portanto, trabalhar para ajudar a família na manutenção à vida. Neste caso, a criança

assume, com precocidade, responsabilidades próprias do adulto, afastando­se, progressiva­

mente, das atividades lúdicas e descompromissadas da infância.

Representantes desta modalidade de infância são os personagens de O menino que

não se chamava João e a menina que não se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro

(história 6) antes de terem fugido de casa, por haver a necessidade de ajuda à família no sus­

tento. Na história, não fica claro se, de fato, João e Maria trabalhavam, estudavam, antes de

terem fugido ou terem sido expulsos de casa. Mas a conversa dos irmãos, no primeiro dia de

vida nas ruas, mostra o quanto a mãe e seus companheiros (que as crianças chamam de

“monstros”) não tinham condições de sozinhos dar­lhes a devida e básica assistência infantil:

­ Mas, João, a Nininha não vai agüentar, desde ontem que ela não toma leite. ­ Ué, e aquela caixa de leite que a dona Salvina deu pra mãe? ­ O monstro bebeu tudo. Eu bem que falei pra mãe que aquele leite era da Nininha, mas ela disse que era melhor deixar ele beber, que depois ela comprava outro. Você sabe que ela morre de medo dele... ­ Todo mundo tem medo dele, não sei porque a mãe deixou ele ficar lá em casa. ­ Ela disse que ele ia ajudar a criar a gente, porque os monstros são muito fortes. Tudo mentira! (s.p.)

Page 83: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

79

Depois, segue o diálogo entre os irmãos:

­ Maria, bota a Nininha aqui nesse pedaço de jornal. A gente deita ao lado dela pra ela não sentir frio. ­ João, eu nunca dormi na rua, tô com medo! ­ Que bobagem, Maria, não seja medrosa, eu te protejo. ­ João, quantas vezes você já dormiu na rua? ­ Um monte de vezes. Quando você morava com a vó, sempre que a mãe trazia um monstro pra casa eu tinha que dormir na rua. ­ Por que você não ia morar com a vó também? ­ A mãe não deixava, ela queria que eu ajudasse nas despesas. Agora deita, Maria, já tá muito tarde. (s.p.)

O trecho da história acima mostra o quanto esta família necessitava do auxílio de ou­

tros para garantir sua sobrevivência: de vizinhos, de companheiros, da avó, como cotidiana­

mente a mídia nos mostra nos noticiários.

d) A infância desprotegida: ou “a vida como ela é”?

O único personagem que representa o que Sampaio (2000) chamou de infância despro­

tegida é Pretinha, protagonista de A bailarina encantada (história 5). Nesta categoria, a cri­

ança é obrigada a garantir o próprio sustento ou até mesmo o sustento familiar, pela ausência

de condições financeiras de pais e/ou familiares. Para isso, precisa abandonar os estudos; situ­

ação mais característica de muitas crianças que vivem no campo e cuja atividade básica diária

é o trabalho na agricultura em companhia de seus pais em suas propriedades ou em proprie­

dades de terceiros. Neste último caso, as crianças não são aprendizes, são, isto sim, conside­

rados trabalhadores infantis, sendo que, na maioria das vezes, o ingresso no mundo de traba­

lho traz a vivência em uma longa jornada de trabalho, em condições inadequadas e até mesmo

danosas ao seu desenvolvimento fisco, mental e afetivo.

Cabe destacar que esta é a única história escrita por uma menina. Sua autora, na ocasi­

ão da escrita do conto, em 2005, participou de um concurso da Universidade de Passo Fundo

(UPF/RS) em homenagem aos 200 anos do nascimento do escritor dinamarquês Hans Christi­

an Andersen. A publicação data de 2006, quando a menina tinha 12 anos e era estudante de

uma escola municipal de Belo Horizonte. Este “novo conto de fadas” faz uma releitura con­

temporânea da história “A pequena vendedora de fósforos” do referido e consagrado escritor

de contos de fadas 26 .

26 Sobre esta produção fica a questão: será que foi produzida espontaneamente por uma criança? Ou é produto de uma proposta de escola e, então, preparada para concorrer no referido concurso? Porém, cabe ressaltar, ainda,

Page 84: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

80

Esta situação de vida de Pretinha, a qual parece viver numa região campestre, está ex­

plícita no texto e revela­se nas ilustrações, após a morte de seu pai:

Para tristeza de Pretinha, seu pai ficou doente e veio a falecer quando ela completou 8 anos. A partir daí, ela teve que deixar a escola e passou a ajudar sua mãe no trabalho de cortar cana numa fazenda da região (p.10).

Nas próximas páginas, aparecem mãe e filha trabalhando, cumprindo ambas, criança e

adulto, a dura rotina diária (p.12 e 13):

Mãe e filha levantavam antes do dia clarear, caminhavam até a estrada, levando debaixo do braço a única refei­ ção do dia. Elas esperavam o caminhão que passava para pegar os bóias­frias, subiam na carroceria e seguiam para o canavial, rumo a uma jornada de dez a doze horas por dia. Só voltavam ao anoitecer.

A cena que ilustra este texto (figura 13) mostra a plantação de cana na parte superior

da página indo até os limites da folha, ou seja, não se vê o que está acima da cana (o céu, por

exemplo), sugerindo­nos que existe um grande, comprido e infinito trabalho, pois não se vê

onde a cana termina! Além disso, são usadas cores quentes como amarelo, laranja e vermelho,

bem características do clima dessas regiões, e passando ao/à leitor/a a sensação de calor, tra­

balho árduo, cansativo.

que, para esta Dissertação, interessam os efeitos de sentido sobre infância que o conto produz, através do texto escrito e das imagens.

Page 85: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

81

Figura13: Ilustração da história 5 (p. 12 e 13)

Sobre esta questão do trabalho infantil, relacionado ao que é próprio do mundo da cri­

ança e do mundo adulto, Steinberg e Kincheloe (2001) ressaltam que nos últimos anos do

século XX foi rotulado como “uma infância tradicionalmente ocidental” o que existe há ape­

nas cerca de 150 anos. Como exemplo, na Idade Média, a criança participava diariamente do

mundo adulto e o resultado era o ganho de conhecimento profissional e experiência de vida.

Ou seja, este conceito moderno de criança como uma classificação específica de seres huma­

nos que requerem um tratamento especial, diferente daquele aplicado ao adulto, era inexisten­

te na Idade Média.

e) A infância marginalizada: uma história exemplar em uma única história?

Encontramos as crianças representantes desta modalidade de infância, à qual Sampaio

(2000) chamou de infância marginalizada (aquela vivenciada por crianças que, absolutamente,

desamparadas, encontram nas ruas um lugar privilegiado para a prática da mendicância, de

pequenos biscates, entre outras atividades, para muitos gerando a delinqüência e/ou a margi­

nalidade) em uma única história, O menino que não se chamava João e a menina que não

se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 6). O livro faz uma releitura do

conto de fadas clássico “João e Maria”, trazendo­o para os dias de hoje e para a realidade bra­

Page 86: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

82

sileira. É uma história triste de crianças que, apesar de marginalizadas pela sociedade, conser­

vam a fantasia, “própria de um determinado conceito de infância”.

Era uma vez um menino que não se chamava João e uma menina que não se chamava Maria, mas que, mesmo assim, tiveram de sair de casa como aqueles dois daquela outra história (lembra?). O menino que não se chama­ va João queria encontrar a tal casa (aquela, feita de doces!), mas a menina que não se chamava Maria não acre­ ditava muito que ela existisse. Apesar disso, resolveu acompanhar seu irmão. ­ Não chora, Maria, a gente vai achar. ­ Pára com isso, João, você sabe muito bem que eu não me chamo Maria e além do mais você nem lembrou de trazer os pedaços de pão. ­ Por isso não, eu também não me chamo João! E depois, você sabe muito bem que na hora em que aquele monstro expulsou a gente de casa só deu tempo de pegar a Nininha no berço e sair correndo. ­ João, acho que a Nininha ta com fome, ela não pára de chupar a minha blusa. ­ Não se preocupe, Maria, assim que a gente achar aquela casa ela vai comer, e nós também... vamos combinar logo uma coisa: quando a gente achar a casa, eu fico com a parte de chocolate, pra Nininha a gente dá o doce de leite; e você escolhe o resto. ­ Nada disso, você sempre quer ficar com a melhor parte. Eu também gosto de chocolate! ­ Mas naquele dia em que você foi com a mãe no Posto levar a Nininha pra vacinar e a moça te deu bombom, você nem trouxe pra mim. Comeu tudinho, sozinha. ­ Claro, ela só me deu um! Como é que eu ia dar pra você? ­ Dava muito bem pra dividir, a mãe sempre fala que tem que dividir tudo que ganha na rua. (s.p.)

Para estas crianças, as ruas são suas moradias, seus dormitórios, seu espaço pra brin­

cadeira. A ilustração a seguir (figura 14), enquadrada em plano geral, permite­nos ver que o

caminhão é grande, a calçada é grande para crianças tão pequenas, talvez, do tamanho do seu

valor para a sociedade, ou de como elas se sentem em relação às outras crianças que não pre­

cisam morar nas ruas:

Page 87: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

83

Figura 14: Ilustração da história 6 (s.p.)

E, a falta de proteção adulta faz com que criança proteja criança:

­ Maria, você parece maluca! Se não fosse eu, o lixeiro ia levar a Nininha: ele pensou que fosse um embrulho de lixo. O que você está fazendo que não viu? Anda, vamos embora. (s.p.)

A prática da mendicância por estes personagens aparece várias vezes na história, e nos

seus diálogos revelam ser experientes:

­ Moça! Moça! Será que a senhora podia dar um pouco de leite pra Nininha! Ela tá morrendo de fome! Não, a gente não mora por aqui, não; a nossa casa é muito longe. Nem dá pra voltar pra lá. E depois aquele monstro vai ficar lá com a mãe. Ele não gosta da gente, ele é muito mau. Ele sempre bate na mãe, só que ela não liga e deixa ele ficar. Meu pai? Sei lá, a mãe diz que ele mora muito longe. Se a mãe trabalha? Às vezes, quando aparece alguma coisa. Ela disse que quando arrumar um trabalho vai fazer um bolo pra gente. Só falta comprar a fari­ nha, os ovos e o leite que tinha lá era da Nininha, mas mesmo assim o monstro bebeu. Minha mãe nem ligou, acho que ela ficou com medo de brigar com ele. Quando ela arrumar um trabalho, a gente vai poder ir pra esco­ la, agora não dá. – Mas, moça, a senhora vai arrumar um pouquinho de leite? É só pra Nininha; pra mim e pro

Page 88: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

84

meu irmão não precisa, a gente vai achar a casa feita de doces. ­ Ei, Maria, anda logo, vamos embora! ­ Espera, João, a moça vai arrumar um pouco de leite pra Nininha... ah, a senhora não tem leite? O menino que não se chamava João saiu puxando a menina que não se chamava Maria, porque, se deixasse, ela ficaria a vida toda conversando com a moça. (s.p.)

O diálogo acima mostra a fala de Maria e, por meio dela, subentende­se a fala da mo­

ça, sua interlocutora. Nesta conversa, mais uma vez, destaca­se a realidade das crianças: a

falta de comida, a convivência com os maus­tratos e a violência, a ausência dos estudos, a

prática da mendicância (que, como disse, aparece diversas vezes ao longo da história).

­ Moço, será que o senhor podia me ajudar? A minha irmãzinha, a Nininha, está sem comer há três dias; o se­ nhor não tem uns trocados pra eu comprar leite pra ela? Onde eu moro? É muito longe daqui. Não, eu não tenho mãe, ela morreu; nem pai. Também não to na escola. Tenho 11 anos. Tenho 7 irmãos, mas agora só tem eu, a Maria e a Nininha. Os outros? Dois tão presos. O resto? Não sei não. O senhor não tem dinheiro? Que pena! (s.p.)

Este tipo de modalidade de viver infância leva à prática de mentiras (disse que sua

mãe tinha morrido...). A ilustração na página ao lado deste trecho (figura 15) mostra o menino

João com a cara e as mãos no vidro de um carro (imagem enquadrada em plano americano),

que é uma cena típica das metrópoles: as crianças de rua pedirem dinheiro nas sinaleiras. A

imagem mostra em primeiro plano o interior do carro com elementos que dão­nos a idéia de

riqueza e poder: computador mostrando o índice da Bovespa, cofre, champagne no gelo com taças, telefone com as siglas B. C. (referência, talvez, ao acesso direto ao Banco Central), no­

tas de dólar voando pelo carro e um senhor grisalho de terno bem acomodado em um dos as­

sentos do carro que mais parecem sofás (plano geral). João é pequeno e parece fraco perto da

grandeza do carro e o poder que é conferido ao seu dono.

Page 89: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

85

Figura 15: Ilustração da história 6 (s.p.)

João já ia desistir, quando viu um monte de gente catando comida em uns sacos que

estavam na calçada próximos a um restaurante. Foi entre os catadores de lixo, que o menino

conseguiu um pouco de leite para dar a sua irmãzinha (figura 16). A cena é de miséria e aban­

dono, os irmãos, ajoelhados no chão, próximo ao lixo, dando o pouco leite que conseguiram

para o bebê, enquanto muito próximo dali uma criança americanizada (com roupas que fazem

referência à bandeira dos Estados Unidos, chapéu do Mickey) está comendo cheesburguer com batatas fritas e tomando refrigerante. O plano geral da cena, mostrando ações diferentes

praticadas por crianças diferentes (várias ações em perspectiva), de distintas realidades soci­

ais, parece contrapor a realidade da criança no Brasil a das crianças americanas, ambas mar­

cadas por influências econômicas, sociais e culturais, salientando­se em dois planos as marcas

de tais diferenças.

Page 90: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

86

Figura 16: Ilustração da história 6 (s.p.)

Estas crianças são o retrato da tão falada “crise da infância”, a qual é apresentada por

Steinberg e Kincheloe (2001, p.14) da seguinte forma: “A crise da infância contemporânea

pode significar, de várias formas, tudo o que envolva, de algum modo, o horror de enfrentar

sozinho o perigo”. Estes autores consideram que as transformações econômicas, sociais e cul­

turais ocorridas, principalmente a partir da segunda metade do século XX, tiveram um forte

impacto na vida da população adulta e também na construção social da infância. Alguns estu­

diosos apontam para a chamada “crise da infância”, baseando seus argumentos em questões

como a fragmentação da família moderna ou ao amplo e ilimitado acesso às informações do

mundo adulto (STEINBERG; KINCHELOE, 2001). Essa realidade é vivenciada pelos perso­

nagens João, Maria e Nininha (história 6).

Page 91: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

87

f) Uma infância pública: uma transgressão ao modelo moderno de infância?

Representante da infância pública é a personagem Chapeuzinho Vermelho de As Tri­

gêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2). Esta personagem representa a criança exibida

e “convencida”, porque e é famosa. Aproximo este conceito de Sampaio (2000) de infância

pública (aquela vivenciada pela criança que começa uma vida pública precocemente, assu­

mindo relações de trabalho no âmbito da mídia: como apresentadores, cantores, atores, garo­

tos­propagandas, etc.) a esta personagem, porque é essa vida glamourosa, de aplausos, prestí­

gio, de fama, de muitos compromissos (como as entrevistas) de assédio dos fãs, que aparece

no diálogo entre as trigêmeas e Chapeuzinho (p.12­15):

­ Que emoção! – exclamou Ana. – finalmente, conhecemos você! ­Viemos de muito longe para vê­la, Chapeuzinho – disse Helena. ­ Pois é, eu sei que sou famosa – respondeu Chapeuzinho, que parecia uma criança bastante convencida. ­ Na próxima semana, vou dar uma entrevista pela televisão. ­ E se o Lobo te comer antes? – perguntou Teresa, desejando intimamente que ele a engolisse inteirinha. ­ Lobo? Ha! Ha! Ha! Como vocês são bobinhas! Por aqui não existe nenhum lobo. Isso é só um truque para atrair turistas como vocês. E agora, até logo, pois vovozinha está me esperando para darmos alguns autógrafos. Adeus. E afastou­se, toda orgulhosa, deixando as trigêmeas de boca aberta. ­ Que menina chata! Ela pensa que é muito importante! – cochicharam.

Autógrafos e turistas bobos, que caem nos modismos, trazem os elementos da contem­

poraneidade para este conto. O humor do texto está na desmistificação da personagem tradi­

cional, aliando à sua imagem estes elementos dos tempos atuais. Esse recurso da literatura

infantil, Colomer (2003) chamou de estranhamento em relação ao contexto.

Além disso, as ilustrações (figuras 17 e 18) mostram a Chapeuzinho falando e gesticu­

lando de nariz empinado, olhando para cima e não no olho das interlocutoras, que são as me­

ninas, dando­lhes a idéia de que Chapeuzinho se sente superior. Esta idéia também é passada

ao/à leitor/a ao ver estas cenas e ao observar, também, que as trigêmeas vêm todas alegres ao

encontro de Chapeuzinho e ela parece desfilar pela floresta. Depois, enquanto Chapeuzinho

conversa (e se exibe às meninas), o lobo aparece num plano inferior da página, pequeno e

escondido. Esta ilustração remete­nos a idéia de que o lobo tem medo da menina e que Cha­

peuzinho é, como ela mesmo se acha, superior.

Page 92: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

88

Figura 17: Ilustração da história 2 (p.12 e 13)

Figura 18: Ilustração da história 2 (p.14 e 15)

Page 93: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

89

g) As múltiplas infâncias: medievais... modernas... contemporâneas...

Outras categorias de análise que emergem a partir das primeiras, apresentadas e anali­

sadas anteriormente, são as que passo a apresentar a seguir e que aglutinarei em “múltiplas

infâncias”, aquelas que reconheço como contemporâneas, por serem constituídas por múlti­

plos discursos.

Há histórias que trazem uma criança que é saudável, feliz, sapeca, criativa, esperta, in­

teligente, dinâmica, corajosa, mas também, às vezes, mostra­se ingênua e frágil – precisa da

proteção adulta. Trazem também uma criança que brinca, que vai à escola, que não tem outros

compromissos e responsabilidades que não sejam além de viver o gozo e alegria de ser crian­

ça, de viver a infância “em sua plenitude”.

Esse tipo de ser criança e viver a infância está representado pelas trigêmeas – Ana, He­

lena e Teresa, nas 4 (quatro) histórias analisadas: As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete

Anões (história 1), As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), As Tr igêmeas e

Cinderela (história 3), As Trigêmeas e João e Mar ia (história 4).

Nas 4 (quatro) histórias analisadas, as meninas mostram­se alegres, muito criativas,

dinâmicas, ousadas, espertas, por vezes precisando de algum adulto para ajudar­lhes. No iní­

cio de todas as histórias, as meninas estão fazendo algo ou brincando de alguma coisa, quando

surge a Bruxa Onilda para transportá­las para alguma história, com o objetivo de contribuir

com o desenvolvimento de suas imaginações e fantasias.

Em As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões (história 1), as meninas esta­

vam brincando de teatrinho da história da Branca de Neve e os sete anões, quando a Bruxa

Onilda convidou­as para conhecer a história de perto. Disse a bruxa para as meninas: “Que­

rem mesmo visitar Branca de Neve e os anões? Iremos para a história voar na minha nuvem

de ilusões” (p.7). E imediatamente as meninas foram transportadas para esta história (figura

20). O quarto das meninas (figura 19) mostra a criatividade e o dinamismo das mesmas na

concepção contemporânea: desenhos nas paredes, desenhos no quadro­giz, cadeiras e livros

pelo chão (um deles, inclusive, sobre um ratinho), 7 (sete) bonecos e bonecas enfileirados (de

todos os tipos: sem perna, com roupas, nus...), que representam os 7 anões.

Page 94: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

90

Figura 19: Ilustração da história 1 (p.4 e5)

Figura 20: Ilustração da história 1 (p.6 e 7)

Page 95: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

91

Em As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), as meninas estavam fazen­

do desenhos na parede (figura 21). Quando questionadas pela Bruxa Onilda se sua mãe sabia

o que elas estavam aprontando, as meninas disseram que queriam fazer uma surpresa, já que,

no outro dia, a mãe tinha dito ao pai das meninas que a sala precisava de uma pintura. A Bru­

xa Onilda riu e disse­lhes que elas estavam cheias das boas intenções, mas sugeriu­lhes uma

pausa e as menininhas ficaram entusiasmadíssimas, perguntando: “­ Para onde é que nós va­

mos?” (p.5). E as meninas foram transportadas para a história da Chapeuzinho Vermelho. No

início, pareciam com medo de ficarem ali sozinhas no meio da floresta (figura 22), mas de­

pois, as meninas se viraram bem sozinhas. Ambas as ilustrações mostram dois planos: de um

lado as meninas, suas ações e cenário em plano geral, de outro a Bruxa Onilda em close (o

que importa é a sua presença, interferindo na trajetória das meninas).

Figura 21: Ilustração da história 2 (p.4 e 5)

Page 96: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

92

Figura 22: Ilustração da história 2 (p.6 e 7)

Em As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), as meninas estavam brincando de constru­

ir um magnífico castelo na casa da avó (figura 23), quando ela aparece e resolve mandar as

meninas, num passe de mágica, para uma nova aventura em uma história conhecida. No iní­

cio, estas ficaram assustadas (figura 24), mas, depois, divertiram­se muito. Novamente, as

ilustrações mostram dois planos: de um lado as meninas, suas ações e cenário em plano geral,

de outro a Bruxa Onilda em close (outra vez, interferindo na trajetória das meninas).

Page 97: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

93

Figura 23: Ilustração da história 3 (p.2 e 3)

Figura 24: Ilustração da história 3 (p.4 e 5)

Page 98: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

94

Em As Tr igêmeas e João e Mar ia (história 4), as meninas estavam preparando um

bolo de chocolate. A bagunça na cozinha revela a esperteza e dinamismo das trigêmeas (figu­

ra 25). Pode­se entender, também, que as trigêmeas possuem bastante “liberdade” ou poucos

limites em termos educativos, já que representam crianças a que tudo é permitido. Esta ilus­

tração mostra várias ações sendo executadas pelas meninas. Faria (2005, p.45) diz que “há

vários exemplos dessa técnica básica na economia e expressividade das imagens em ilustra­

ções de página dupla”. A ilustração dá uma visão geral da cozinha e do movimento das irmãs:

louça suja na pia; mantimentos espalhados pelo chão; fogão sujo e sendo utilizado por uma

das meninas; pote de mantimentos sem tampa e alimento nele contido sendo esparramado,

caixa de leite aberta, xícara usada e outros utensílios sobre o balcão; concha sobre um pano no

balcão ao lado do fogão; geladeira sendo aberta por uma das meninas – dando idéia de busca

por algo. Nesta cena, não aparece a Bruxa Onilda; vê­se um único plano. De repente, aparece

a Bruxa Onilda e diz­lhes: “­ Meninas, pelo que vejo vocês estão bem animadas. Já que gos­

tam tanto de chocolate, vou mandá­las para um lugar... E vocês vão enjoar de tanto comer...

Rá! Rá Rá!” (p.5) (figura 26). Nesta cena, volta a estrutura anterior de dois planos, usada no

início das aventuras, para marcar a interferência da bruxa na vida das sobrinhas.

Figura 25: Ilustração da história 4 (p. 2 e 3)

Page 99: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

95

Figura 26: Ilustração da história 4 (p. 4 e 5)

Ao entrarem nas histórias, as crianças não ficam paradas, indo em busca de seus famo­

sos personagens.

Na história 1, As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões, quando abriram os

olhos, as meninas, muito espertas e inteligentes, reconheceram aquele ambiente – viram que

estavam na casinha dos sete anões (figura 27). A ilustração é feita em plano geral, ao mesmo

tempo em que destaca a presença das trigêmeas naquele ambiente; na verdade, parece uma

sobreposição de imagens: as meninas em plano médio (frontal) sobre o plano geral, que repre­

senta a casinha dos sete anões. E aparece aí um elemento da nossa contemporaneidade que é a

fama e o desejo de pedir autógrafos, como aparece no diálogo:

­ Deve ser a casa dos anões! – observou Ana. – Talvez ainda estejam trabalhando na mina. Vamos esperar e pedir um autógrafo! (p.9)

Page 100: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

96

Figura 27: Ilustração da história 1 (p.8 e 9)

Porém, aconteceu que a Bruxa Onilda disfarçou­se de Branca de Neve e transformou

alguns animaizinhos da floresta em anõezinhos (figura 28). Em seguida, foi ao encontro das

trigêmeas (figura 29) que não a reconheceram (num misto de inteligência e ingenuidade, su­

postamente próprio da infância). As irmãs correram e disseram:

­ Branca de Neve, viemos avisá­la para não comer a maçã que uma velha feia vai lhe oferecer, porque está en­ venenada! (p.13)

E a falsa Branca de Neve, respondeu­lhes:

­ Ah, isso foi há muitos e muitos anos. Agora estou aqui de férias com meus amigos, os anões. Mas, para agra­ decer a preocupação de vocês, peguem esta maçã, tão linda. Vejam como está docinha! (p. 14).

Page 101: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

97

Figura 28: Ilustração da história 1 (p.10 e 11)

Figura 29: Ilustração da história 1 (p.12 e 13)

Page 102: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

98

Figura 30: Ilustração da história 1 (p.14)

Helena, a mais gulosa, pegou a fruta (figura 30), deu uma mordida e desmaiou. A

Bruxa Onilda desapareceu (figura 31). As irmãs ficaram tristes e chorosas, preocupadas com a

irmã desfalecida (figura 32). Pensaram em procurar ajuda, pois não se sentiram capazes de

sozinhas ajudarem a irmã. Foi aí que apareceu a verdadeira Branca de Neve que as ajudou

(figura 33). Teresa, ainda por cima, insistiu para que um dos príncipes, filhos da Branca de

Neve, beijasse Helena para desfazer o encanto, pensando a menina que assim, como na histó­

ria tradicional, a irmã acordaria. Um dos príncipes acabou cedendo aos pedidos e beijou He­

lena (figura 34). Ela acordou e ficou encantada com o que lhe aconteceu – o beijo do príncipe

(figura 35) –, mostrando um deslumbramento típico da personagem da história original!

Page 103: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

99

Figura 31: Ilustração da história 1 (p.16 e 17) Figura 32: Ilustração da história 1 (p.18 e 19)

Figura 33: ilustração da história 1 (p.26 e 27) Figura 34: ilustração da história 1 (p.28)

Figura 35: Ilustração da história 1 (p.29)

Page 104: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

100

Na história 2, As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho, no instante em que as meni­

nas perceberam que já estavam dentro da história, foram correndo até a casa que viram, per­

cebendo a semelhança entre esta e as casas das ilustrações do famoso conto (figura 36). Entra­

ram na casa, onde havia três capinhas vermelhas, e cada uma das meninas já foi pegando e

vestindo o seu capuz vermelho (figura 37). Em seguida, resolveram sair pelo bosque para ver

se encontravam o tal Lobo e confirmar se era tão mau como contavam. Muitas vezes, as me­

ninas se mostram decididas e corajosas.

Figura 36: Ilustração da história 2 (p.8 e 9)

Page 105: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

101

Figura 37: Ilustração da história 2 (p.10 e 11)

Na casa da vovozinha, tinha televisão, que se constitui um importante e destacado ar­

tefato da modernidade!

Depois, enquanto Bruxa Onilda disfarçava­se de vovozinha em cima da cama, Ana

conversava com a vovó, e Tereza e Helena colocavam explosivos embaixo da cama onde a

velha senhora estava (figura 38). Quando Bruxa Onilda avançou para devorar Ana, deu um

estrondo: no quarto inteiro estouraram as bombinhas. As trigêmeas riram e se divertiram mui­

to com esta traquinagem – coisa de criança (figura 39)!

Page 106: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

102

Figura 38: Ilustração da história 2 (p.26 e 27)

Figura 39: Ilustração da história 2 (p.28 e 29)

Page 107: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

103

Na história 3, As Tr igêmeas e Cinderela, ao entrarem na casa de Cinderela pela cha­

miné, as meninas já foram cumprimentando Cinderela com cortesia (figura 40).

Figura 40: Ilustração da história 3 (p.6 e 7)

Nas cenas seguintes, enquanto Cinderela mostrava­se sempre triste e chorosa, já que

fora impedida de ir ao baile e sofria as caçoadas das irmãs, também se mostrava submissa a

elas; as trigêmeas observavam tudo e não ficaram indiferentes ao fato (figuras 41 e 42).

Page 108: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

104

Figura 41: Ilustração da história 3 (p.8 e 9)

Figura 42: Ilustração da história 3 (p.10 e 11)

Page 109: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

105

As meninas espertas sabiam que a Fada Madrinha iria aparecer dali a pouco e resolve­

ram interferir na história, fazendo umas pequenas alterações... deram sugestões a Fada Madri­

nha de como ajudar Cinderela. Depois, foram elas que acharam um vestido para a Cinderela ir

ao baile e ajudaram­na a se vestir. As meninas também se arrumaram, porque queriam ir ao

baile (figuras 43 e 44).

Figura 43: Ilustração da história 3 (p.14) Figura 44: Ilustração da história 3 (p.15)

Elas aparecem em várias cenas atuando junto à Cinderela (figura 45) ou fazendo coi­

sas para ajudá­la, como é o caso da cena em que resolveram impedir que tocasse meia­noite e

o encanto terminasse. Para isso, subiram até a torre do relógio e atrasaram os ponteiros (figura

46). Mais uma evidência do dinamismo, autonomia e esperteza das garotas.

Page 110: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

106

Figura 45: Ilustração da história 3 (p.20 e 21)

Figura 46: Ilustração da história 3 (p.22)

Page 111: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

107

Na história 4, As Tr igêmeas e João e Maria, assim que chegaram no bosque, as tri­

gêmeas encontraram duas crianças que olharam pra elas com ar de surpresa (figura 47). Mas

as trigêmeas espertas e, cada vez mais, experientes com as aventuras, isto é, com as viagens

pelas histórias, perceberam logo que aquela era história de João e Maria. Assim, quando vi­

ram as crianças indo para a casinha de doces, correram para avisá­las dos perigos (figura 48).

Figura 47: Ilustração da história 4 (p.6 e 7)

Page 112: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

108

Figura 48: Ilustração da história 4 (p.8 e 9)

João e Maria não deram importância para as trigêmeas, desconfiando que elas queriam

era comer os doces também. Decidida, Ana propôs que entrassem na casa pelas janelas, já que

as portas estavam trancadas (figura 49). Acabaram caindo numa armadilha (figuras 50 e 51) e

sendo presas em uma gaiola (figura 52). João e Maria ficam indiferentes a elas e não fizeram

nada para ajudá­las. Em seguida, as três irmãs comeram as barras de caramelo da prisão e

chamaram João e Maria, que haviam dormido profundamente depois de terem comido bastan­

te, para fugirem das bruxas (figura 53). Enquanto estas planejam lá fora a construção de uma

garagem para as vassouras voadoras (figura 54), as crianças, ao começarem a fugir pela jane­

la, ouvem um barulho (figura 55). João e Maria presumem ser seu pai procurando por eles.

Então, Helena deu a idéia de desmontarem a casa e pôr a estrutura da casa, que era toda feita

de doces, na carroça do pai dos irmãos (figura 56).

Page 113: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

109

Figura 49: Ilustração da história 4 (p.10 e 11) Figura 50: Ilustração da história 4 (p.12 e 13)

Figura 51: Ilustração da história 4 (p.14 e 15) Figura 52: Ilustração da história 4 (p.16 e 17)

Figura 53: Ilustração da história 4 (p.18 e 19) Figura 54: Ilustração da história 4 (p.20 e 21)

Page 114: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

110

Figura 55: Ilustração da história 4 (p.23) Figura 56: Ilustração da história 4 (p.24 e 25)

Nesta história, também, as crianças estão sempre presentes mostrando­se ativas, dinâ­

micas, corajosas, criativas.

Nos finais das histórias analisadas, as trigêmeas estão sempre alegres e felizes, com as

aventuras realizadas e as amizades feitas. Ficam até saudosas dos personagens e experiências

vividas através dos contos conhecidos de perto:

Lembram com carinho da Branca de Neve, dos príncipes trigêmeos e dos sete anões

(figura 57), em As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões (história 1):

Figura 57: Ilustração da história 1 (p.30 e 31)

Page 115: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

111

Sabem que vão sentir falta das aventuras vividas com a Cinderela (figura 58), em As

Trigêmeas e Cinderela (história 3):

Figura 58: Ilustração da história 3 (p.30 e 31)

Lembram com saudade das aventuras vividas (figura59), em As Trigêmeas e João e

Mar ia (história 4):

Page 116: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

112

Figura 59: Ilustração da história 4 (p.30 e 31)

As múltiplas infâncias dos “novos contos de fadas” são representadas por crianças que

brincam, ficam tristes, mostram­se sonhadoras, são ciumentas, lidam com a morte, freqüen­

tam a escola, enfim, representam os modos de ser e viver na contemporaneidade.

Na história O príncipe sem sonhos (história 9), o protagonista, o príncipe Thiago, a­

dorava jogar futebol com a galera (figura 60) e jogar bolas de gude. Ele tinha muitos brinque­

dos e brincava bastante, ainda não estava no tempo de pensar em trocar os amigos para “ficar”

com uma princesa, para namorar.

Page 117: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

113

Figura 60: Ilustração da história 6 (s.p.)

Postman (1999), falando sobre a “criança em extinção”, sobre aquela idéia que se fez

da infância e sua realidade atual, afirma que as brincadeiras têm sido pouco estimuladas na

infância. Segundo ele expõe (p. 145):

O que temos aqui é o surgimento da idéia de que não se deve brincar só por brincar, mas brincar com algum propósito externo, como renome, dinheiro, condicionamento físico, ascensão social, orgulho nacional. Para adultos, brincar é coisa séria. À medi­ da que a infância desaparece, desaparece também a concepção infantil de brincar.

A criança triste é representada pelo personagem Thiago, em O pr íncipe sem sonhos

(história 9). Ele era triste porque já tinha tudo. E, se já tinha tudo, não podia sonhar. Seus so­

nhos eram rapidamente realizados. Thiago tinha tudo que uma criança podia/queria ter... (fi­

gura 61). Aqui se percebe um elemento crítico à infância super­mimada da contemporaneida­

de.

Page 118: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

114

Figura 61: Ilustração da história 6 (s.p.)

Seus pais, o rei e a rainha, ficavam preocupados com a tristeza do filho e queriam vê­

lo feliz. Thiago ficava triste e preocupado pelo fato de não ter sonhos, pois todos os seus ami­

gos tinham.

Foi o sábio avô do menino quem lhe disse:

­ Esse é um antigo provérbio árabe: “Não diga que o céu está sem estrelas só porque às vezes você não as en­ xerga”. (s.p.)

Depois, o avô concluiu:

­ Seus sonhos são como as estrelas, menino. Eles estão aí, mesmo que você não consiga ver nenhum. Mesmo que as nuvens os escondam. Eles estão aí. Preste atenção: você já tem tudo o que quer. Mas ainda não é tudo o que pode ser. Um dia você vai saber a diferença entre ter e ser. Não se preocupe com isso agora... (s.p.)

Sobre essa hiper­realidade da vida do personagem Thiago, Steinberg e Kincheloe

(2001, p.48) argumentam: “O advento da hiper­realidade eletrônica revolucionou os meios em

que o conhecimento é produzido nessa cultura e os caminhos pelos quais as crianças vêm a

Page 119: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

115

aprender sobre o mundo. Pais e educadores precisam apreciar a natureza desta revolução e seu

papel na formação da identidade”.

Na história A bailar ina encantada (história 5), Pretinha tinha um sonho de ser baila­

rina, e isso começou desde o dia em que a mãe lhe deu de presente uma caixinha de música

com uma bela bailarina que dançava suavemente ao som de uma singela melodia, que ela ga­

nhara do pai da menina quando ficaram noivos. A cena desse dia mostra de um lado a caixi­

nha de música e, de outro, Pretinha, sua mãe e seu pai com os olhos voltados para a caixinha,

todos encantados e admirando a bailarina (figura 62):

Figura 62: Ilustração da história 5 (p. 6 e 7)

Mas, lá no fundo do seu coração, Pretinha sabia que, por ser pobre, dificilmente seu sonho se tornaria realidade. (p.9)

Certa vez, quando Pretinha estava admirando as estrelas, com saudade do pai que fale­

cera e pensando na tristeza da vida que ela e a mãe estavam levando, uma delas começou a

cair do céu e foi descendo até cair no lago, dizendo­lhe que não se preocupasse que seu pai

estava bem. Em seguida, a menina viu um clarão, uma estrela apontou­lhe na direção de uma

porta que se abriu e convidou­a a entrar em um mundo mágico, onde seu sonho se realizaria

(figura 63):

Page 120: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

116

Figura 63: Ilustração da história 5 (p.16 e 17)

Pretinha entrou em um palco iluminado, vestida de bailarina e começou a bailar, junto

a outros personagens do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (A Sereiazinha, O

Soldadinho de Chumbo, o Patinho Feio, entre outros). Na parte lateral inferior das páginas,

pessoas que formam a platéia, a aplaudem. Entre os rostos anônimos (só se vê sombras), um

se destaca – o de seu pai (figura 64):

Page 121: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

117

Figura 64: Ilustração da história 5 (p.18 e 19)

Teria a menina pobre conseguido realizar o seu sonho? As imagens colaboram, através

de seus efeitos, para o/a leitor/a perceber que a ficção entra no cenário do sonho.

Na história O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava

Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 7), a fantasia das crianças está sempre presente;

elas acreditam que vão encontrar a famosa casinha de doces, como mostram as falas a seguir:

­ João, se a gente não achar a tal casa? O que é que vamos comer? ­ Claro que vamos achar, Maria, não seja boba. ­ João, acho melhor a gente perguntar pra alguém onde fica essa casa, já tô cansada de procurar. ­ Que é isso, Maria? Vão achar que a gente é maluco. ­ Por quê? ­ Maria, as pessoas não acreditam que essa casa existe, elas pensam que só existe na história. ­ E será que existe mesmo, João? ­ Claro que existe, poxa! Você não acredita em mim? ­ Acredito, mas você nunca viu essa casa. Como é que sabe que ela existe? ­ Porque não é só o que a gente vê que existe, não. Tem um monte de coisas que ninguém vê e que podem exis­ tir. ­ Por exemplo? ­ Onde o mundo acaba, por exemplo. Nunca ninguém foi lá, mas todo mundo sabe que existe. (s.p.)

Page 122: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

118

A esperteza e, ao mesmo tempo ingenuidade, de João, próprios da infância, conven­

cem a irmã, Maria, da existência da tal casa.

Outra vez, foi Maria quem contou seu sonho:

­ João, sabe com que que eu sonhei? Sonhei que a gente achava a casa feita de doces e dentro dela morava um príncipe encantado. Ele era tão lindo! Acho que ele ia até querer casar comigo... ­ Maria, príncipes só se casam com princesas. ­ Mas no sonho da gente tudo pode acontecer. Outro dia eu sonhei que a mãe me dava um monte de beijos e me botava pra dormir... sonhei também que lá em casa tinha um monte de comida – só coisa gostosa: tinha bolo, Nescau, maçã e um monte de bife. (s.p.)

Figura 65: Ilustração da história 6 (s.p.)

O sonho de Maria remete­nos à era dos cavaleiros medievais (figura 65).

João cria, em sua imaginação, o mundo que quer. Em outra parte da história, em que

Maria diz ter medo de lobo e bruxa, ele diz que ela é boba em acreditar em bruxas, pois elas

não existem. E adverte a irmã de que a casa na floresta não oferece perigo; a casa mágica não

Page 123: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

119

tem dono, mas é de todas as crianças que lá conseguem chegar. Esta é a realidade, construída

por João, da casa de doces na floresta! Ele imagina:

­ Maria, a casa mágica, não acaba nunca. Dizem que ela é bonita, toda colorida: o chão é feito de confete, as paredes são de doce de leite e nas janelas tem cortinas feitas de balas. O telhado é todinho de chocolate e as portas são de biscoito de morango. Tem até uma chaminé feita de jujuba, toda colorida! Dentro da casa tem sempre alguma coisa assando no forno: bolo, pão, biscoitos... (s.p.)

No fim da história, João e Maria são recompensados com a descoberta da casinha má­

gica de doces, onde resolvem ficar (figuras 66 e 67). As duas ilustrações são extremamente

coloridas, sendo que na primeira são usadas cores mais fortes e, na segunda, cores em tons

mais fracos, como o amarelo e o rosa.

Figura 66: Ilustração da história 6 (s.p.)

Page 124: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

120

Figura 67: Ilustração da história 6 (s.p.)

O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria fecharam os olhos ao mesmo tempo e começaram a desejar... desejaram com tanta força que, de repente, foram diminuindo, diminuindo, diminuin­ do... até que ficaram invisíveis. Desapareceram! Junto com eles, desapareceu também a casa feita de doces. Dizem por aí que eles foram morar no livro e viveram felizes para sempre. (s.p)

Como representantes de crianças ciumentas e egocêntricas, temos os príncipes trigê­

meos, filhos de Branca de Neve, da história1, As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete

Anões. Desde o início, em que aparecem na história, eles sempre aparentam estar sérios e

“emburrados” (figuras 68, 69 e 70). Mas, em seguida, o texto revela:

Teresa e Ana estavam tão preocupadas com Helena que nem ligaram para a cara amarrada dos três príncipes: é que eles tinham ficado com ciúmes, vendo que não eram os únicos trigêmeos do país. Depois, os anões não ficavam atrás: eles não gostavam nada de ver sua casa invadida por estranhos. Além do mais, o sucesso subira à cabeça deles desde que o rei, agradecido pelos cuidados que tiveram com Branca de Neve, afastara todos da mina e os fizera ministros do reino para sempre. (p.24)

Outra vez, vemos aí elementos da vida atual, que dão a este “novo conto de fadas”

uma referência à sociedade contemporânea: individualista, ansiosa por poder e fama.

Page 125: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

121

Figura 68: Ilustração da história 1 (p.20 e 21) Figura 69: Ilustração da história 1 (p.22 e 23)

Figura 70: Ilustração da história 1 (p.24 e 25)

A morte infantil aparece nas histórias cujas crianças têm uma vida sofrida.

Na história A bailar ina encantada (história 5), em suas páginas finais, é explicado o

que acontecera com o sonho de Pretinha: aquele era um mundo de imaginação, onde a fanta­

sia misturou­se com a realidade. Na verdade, Pretinha correu em direção ao lago e afogou­se.

Quando a mãe chegou e viu a filha naquelas condições, gritou por socorro e um fazendeiro

apareceu e tentou socorrer a menina, mas já era tarde demais, Pretinha – a bailarina encantada

– já tinha morrido! Por outro lado, foi a morte da menina que trouxe uma vida melhor para a

mãe da menina, pois, a partir daquele dia, o fazendeiro passou a visitá­la, já que havia se a­

paixonado por ela e os dois passaram a viver juntos.

Page 126: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

122

Figura 71: Ilustração da história 5 (p.20)

Nesta ilustração (figura 71), é usado o recurso de enquadramento de planos da janela e

a perspectiva da rua. Faria (2005, p.47) comenta: “Alguns ilustradores utilizam janelas para

enriquecer a cena com dois ambientes (um deles enquadrado por janelas), pelos quais infor­

mações diversas são transmitidas ao leitor”.

É interessante a ilustração em perspectiva, que mostra em primeiro plano a caixinha de

música sobre a mesa e, pela janela, vê­se a mãe e o fazendeiro olhando para o lago. O braço

do fazendeiro sobre o ombro da mãe de Pretinha dá a idéia de conforto.

A história termina com o encantamento próprio das histórias de Andersen. A ilustra­

ção final (figura 72) mostra a imagem da bailarina negra dançando sobre as águas do lago.

São usadas as cores azul, branco e tons próximos do preto para o desenho das águas, da noite

e da luz; abaixo o texto:

Contam que, ao cair da noite, sempre aparece uma menina de pele escura, vestida de bailarina, dançando sobre as água do lago. (p.23)

Page 127: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

123

Figura 72: Ilustração da história 5 (p.23)

Na história O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava

Mar ia: um conto de fadas brasileiro (história 7), João e Maria, após terem saído do posto de

saúde com a irmãzinha doente, em estado grave, e sem a medicação gratuita que a menininha

precisava tomar com urgência, foram aconselhados pela médica a procurarem os remédios em

outro posto, já que naquele eles estavam em falta. João pensou em correrem em direção à casa

de doces, pois por ela ser mágica, iria curar Nininha. Mas foi tarde demais, no caminho, no

meio da floresta, Nininha morreu. Sem perceberem a dimensão da morte, os irmãos pediram

muito para a irmã viver, correram em direção à casa de doces e, cansados, deitaram­se para

dormir, porque já era muito tarde, e tinham esperança de que, no outro dia, ao chegarem na tal

casa encantada, a irmãzinha vivesse outra vez (figura 73). Pela manhã, Maria acordou João

dizendo que tinha tido um sonho: uma fada tinha aparecido e pegado Nininha no colo e ela

teria vivido de novo. Então a fada disse que eles tinham que deixar Nininha na beira do riacho

em cima da pedra mais bonita, porque assim ela viraria uma estrela (figura 74). E assim foi

feito, pois a fada havia explicado que não adiantaria mais levarem Nininha para casa, pois ela

Page 128: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

124

não iria voltar a viver, mas fazendo o que ela dissera, Nininha viraria uma estrela. Maria cho­

rou muito, mas fez o que a fada do sonho pediu; João ficou triste e percebeu que sentiria falta

da irmã, diferente de outro irmão que já havia falecido, porque ele não foi tão presente na sua

vida como ela. O consolo dos irmãos foi pensar que, quando batesse a saudade, eles olhariam

para o céu.

Figura 73: Ilustração da história 6 (s.p.)

Page 129: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

125

Figura 74: Ilustração da história 6 (s.p.)

Elias (apud POSTMAN, 1999, p.63) diz que:

Quando o conceito de infância se desenvolveu, a sociedade começou a colecionar um rico acervo de segredos a serem ocultados dos jovens: segredos sobre relações sexuais, mas também sobre dinheiro, sobre violência, sobre doença, sobre morte, so­ bre relações sociais. [...] Finalmente, o conhecimento desses segredos culturais passou a ser uma das caracte­ rísticas distintivas da idade adulta, de forma que, até recentemente, uma das diferen­ ças importantes entre a criança e o adulto residia no fato de os adultos estarem de posse de informação que não era adequada às crianças.

Entre as 7 (sete) histórias analisadas, em apenas uma delas aparece uma cena de uma

aula. Trata­se da história 1, As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões, em que as

trigêmeas – Ana, Helena e Teresa – estão estudando. A história começa relatando que um dia

a professora das meninas contou uma história maravilhosa – a história da Branca de Neve e os sete anões. E, ao voltarem para casa, as meninas resolveram encenar tal história.

A cena mostra uma sala de aula (figura 75), cujas classes aparentemente são usadas

por dois alunos em cada uma e estão enfileiradas (3 fileiras com 3 classes em cada). Nelas há

objetos próprios para a escrita (como lápis, caneta, caderno, etc.). Algumas mochilas encon­

tram­se no chão. Aparecem alguns cartazes na parede lateral e uma lixeira. Como a professora

está de frente para a turma, a perspectiva da cena é como se este ambiente fosse retratado a

partir do lugar, onde fica, supostamente, o quadro­giz.

Page 130: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

126

As 18 (dezoito) crianças estão todas quietas, nenhuma está conversando. São 9 (nove)

meninas e 9 (nove) meninos, sentados em par. Alguns parecem atentos, outros cansados, ou­

tros entediados, uns maravilhados, interessados, alguns pensativos e um comendo lanche.

A professora lê a história com o livro na mão e gesticula.

Esta cena representa um momento de escuta, de contação de história, por isso não há

movimento dos alunos, participação mais ativa. O arranjo da sala de aula também nos dá a

idéia de um ensino mais tradicional. Mas as expressões das crianças dão a idéia de que estas

vêem a escola e as aulas de formas diferentes.

Figura 75: Ilustração da história 1 (p.2 e 3)

As trigêmeas – Ana, Helena e Teresa – das histórias 1, 2, 3 e 4: As Tr igêmeas e

Branca de Neve e os Sete Anões, As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho, As Tr igêmeas

e Cinderela e As Trigêmeas e João e Mar ia, aparecem nas histórias sob a responsabilidade

da tia – a Bruxa Onilda. E a presença de elementos da contemporaneidade aparece nestas his­

tórias.

Na história As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho (história 2), aparece uma ima­

gem de um ambiente de uma casa onde está Bruxa Onilda. Nesta cena (figura 76), Bruxa O­

nilda está sentada em um sofá, assistindo a um programa de televisão, com o controle remoto

Page 131: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

127

da TV e há uma antena em cima do aparelho televisor. Ao lado deste aparelho, tem outro,

provavelmente para reprodução de vídeos. Próximo destes equipamentos eletrônicos, existe

um móvel com uma vitrola, suas duas caixas de som e vários exemplares de LPs. A Bruxa

Onilda está acompanhada da coruja, sendo que esta está ouvindo walkmann. Neste ambiente, ainda existe uma lâmpada e várias tomadas de energia elétrica, onde os aparelhos elétricos

estão ligados. A própria existência da energia elétrica e destes aparelhos eletrônicos é uma

característica da renovação destes contos, já que estes não existiam no período medieval,

quando estas histórias surgiram. Tais elementos não apareciam no texto e/ou ilustrações dos

contos de fadas clássicos.

Figura 76: Ilustração da história 2 (p.2 e 3)

Na casa da Chapeuzinho Vermelho, também aparece a televisão (ver figura 37).

Na história As Tr igêmeas e Cinderela (história 3), quando a fada Madrinha aparece

para ajudar Cinderela ir ao baile, as trigêmeas pediram­lhe que desse a Cinderela alguns ele­

trodomésticos e uma motocicleta, no lugar dos vestidos e da carruagem (figura 77). Foram

elas que, depois, arrumaram um vestido para a Cinderela e ensinaram­lhe a manejar e a con­

duzir a motocicleta. As trigêmeas acompanham Cinderela ao baile e vão de carona no veículo

– para espanto dos moradores do lugar (figura 78)!

Page 132: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

128

Figura 77: Ilustração da história 3 (p 12 e 13)

Figura 78: Ilustração da história 3 (p.16 e 17)

Quando chegam ao palácio, lá havia uma bilheteria (figura 79): “Todos os convidados

deviam passar pela bilheteria, porque o rei daquele país andava mal das finanças e resolveu

Page 133: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

129

cobrar a entrada do baile” (p.19). Qualquer semelhança com situações cotidianas com as quais

nos deparamos ou que circulam pela mídia não é mera coincidência! Pessoas vestindo roupas

de uma época antiga vivem uma situação contemporânea – e é isso que dá humor ao texto: o

inusitado! É a mistura de tons: do nobre ao trivial.

Figura 79: Ilustração da história 3 (p.18 e 19)

Quando as trigêmeas são seqüestradas pelas irmãs de criação de Cinderela, esta e seu

príncipe vão resgatá­las, correndo em sua motocicleta (figura 80). No texto aparece: “Ainda

bem que Cinderela adorava corridas automobilísticas e assim alcançou­as sem nenhum esfor­

ço numa curva do caminho” (p.29). Eis aí mais um elemento moderno – as corridas de auto­ móveis.

Page 134: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

130

Fig. 80: Ilustração da história 3 (p.28 e 29)

Nas histórias 1 e 2, As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões e As Tr igê­

meas e Chapeuzinho Vermelho, por diversas vezes, se faz alusão à idéia de autógrafos, fa­

ma, sucesso, como já foi referido anteriormente.

Todas estas crianças representadas nas 7 (sete) histórias analisadas compõem algumas

das múltiplas infâncias com as quais convivemos nos nossos dias. Steinberg e Kincheloe

(2001, p.13) afirmam: “A mudança na realidade econômica, associada ao acesso das crianças

a informações sobre o mundo adulto, transformou drasticamente a infância. Estes autores des­

crevem como são as crianças pós­modernas, aquelas que “não estão acostumadas a pensar e agir como criancinhas que precisam da permissão do adulto para tal” (p.34). É claro que dife­

rentes grupos de crianças vão reagir de formas distintas à cultura infantil e seu acesso à cultu­

ra popular. Entretanto, a realidade que fica é de que os adultos perderam de certa forma a au­

toridade sobre as crianças, porque estas já têm acesso às informações e segredos do mundo

adulto.

Page 135: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

131

5 Relações de Gênero – Que história é essa?

5.1 Estudos de Gênero e Sexualidade: o que são? (a história de sua trajetória)

s Estudos de Gênero e Sexualidade são um campo de pesquisa bastan­

te atual. Eles compuseram­se como campo de estudos feministas no

século XX. O movimento destas lutas e da constituição deste campo

de pesquisa pode ser narrado, fazendo­se referência a uma primeira e segunda ondas do mo­

vimento feminista. A primeira onda une­se em torno do movimento sufragista, através do qual

se buscou estender o direito de votar às mulheres. Este movimento, aqui no Brasil, iniciou

com a Proclamação da República, em 1890, e acabou quando o direito ao voto foi estendido

às mulheres, na Constituição Brasileira de 1934 (MEYER, 2003).

Junto à luta pelo direito ao voto se agregaram outras reivindicações das mulheres: o di­

reito à educação, a condições dignas de trabalho, ao exercício da docência. Meyer (2003,

p.12) ressalta que “a história, em geral, se refere a um movimento feminista no singular, mas

que já é possível visualizar, desde ali, uma multiplicidade de vertentes políticas que fazem do

feminismo um movimento heterogêneo e plural”. Naquele momento histórico, podemos refe­

rir que surgiu um feminismo liberal ou burguês, preocupado e na luta pelo direito ao voto e

pelo acesso ao ensino superior; referir que surgiu um feminismo que se aliou aos movimentos

socialistas que lutavam pela formação de sindicatos e por melhores condições de trabalho e

salário; e fazer referência, também, a um feminismo anarquista que articulou o direito à edu­

cação a questões como o direito de decidir sobre o próprio corpo e sua sexualidade. “O mo­

vimento é, pois, desde essas origens, multifacetado: de muitos e diferentes grupos de mulhe­

res e de muitas e diferentes necessidades...” (MEYER, 2003, p.12).

A segunda onda do movimento feminista aconteceu nos anos 60 e 70 do século XX,

nos países ocidentais, em um contexto de intensos debates e questionamentos, os quais foram

desencadeados pelos movimentos de contestação europeus, que tiveram seu ápice na França,

com as manifestações de maio de 1968. Aqui no Brasil, esta segunda onda está associada aos

movimentos de oposição aos governos da ditadura militar e, depois, aos movimentos de re­

O

Page 136: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

132

democratização da sociedade brasileira, no início da década de 80. Fundamentalmente, a se­

gunda onda deste movimento das mulheres, como explica Meyer (2003, p.12):

remete ao reconhecimento da necessidade de um investimento mais consistente em produção de conhecimento, com o desenvolvimento sistemático de estudos e de pes­ quisas que tivessem como objetivo não só denunciar, mas sobretudo, compreender e explicar a subordinação social e a invisibilidade política a que as mulheres tinham sido historicamente submetidas.

O objetivo dessa luta era qualificar as possíveis formas de intervenção com as quais se

pretendia modificar tais condições. É claro que esta situação vinha sendo confrontada pelas

mulheres há centenas de anos. A trajetória feminina (das mulheres camponesas e de classes

trabalhadoras, das que desempenhavam tarefas domésticas, daquelas que trabalhavam nas

fábricas e daquelas que começaram ocupar certos espaços permitidos, como escolas e hospi­

tais), suas ocupações, os modos como foi se organizando o “trabalho de mulher”, nas diferen­

tes sociedades e países, foram objetos de investigação dos primeiros estudos deste campo de

pesquisa, cujo mérito foi destacar e discutir temas sobre as mulheres.

Tais estudos levantaram informações antes inexistentes, produziram estatísticas es­ pecíficas sobre as condições de vida de diferentes grupos de mulheres, apontaram falhas ou silêncios nos registros oficiais, denunciaram o sexismo e a opressão vigen­ tes nas relações de trabalho e nas práticas educativas, estudaram como esse sexismo se reproduzia nos materiais e nos livros didáticos e, ainda, levaram pra a academia temas então concebidos como temas menores, quais sejam, o cotidiano, a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, etc. (MEYER, 2003, p.13)

Essa trajetória do feminismo foi, e ainda é, permeada por confronto e resistências com

aqueles e aquelas que ainda se utilizam de justificativas biológicas ou teológicas para marcar

as diferenças e desigualdades entre homens e mulheres; e com aqueles que se utilizam de

perspectivas marxistas para defender a centralidade da classe social para a compreensão das

diferenças e desigualdades sociais.

Basicamente, seja no senso comum, ou legitimada pelo discurso científico ou por dife­

rentes matrizes religiosas, nos contextos mais conservadores, a biologia e a idéia do sexo ana­

tômico foram, e ainda perduram sendo, constantemente, acionadas para explicar e justificar

essas posições. Estes e outros focos de observação e análise não permitem ver a subordinação

feminina implicada nas relações de poder que permeavam (e ainda lá perseveram) a vida pri­

vada e as relações afetivas e, ademais, a configuração da maternidade e do cuidado de crian­

ças como sendo o “destino natural da mulher” (MEYER, 2003).

Foi nesse contexto que as feministas tiveram o desafio de mostrar uma nova visão às

diferenças e desigualdades de gênero, desprezando a justificativa das características anatômi­

Page 137: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

133

cas e fisiológicas, em sentido estrito, ou as desvantagens sócio­econômicas por si só. De a­

cordo com Meyer (2003, p.14):

O que algumas delas passariam a argumentar, a partir daqui, é que são os modos pe­ los quais características femininas e masculinas são representadas como mais ou menos valorizadas, as formas pelas quais se re­conhece e se distingue feminino de masculino, aquilo que se torna possível pensar e dizer sobre mulheres e homens que vai constituir, efetivamente, o que passa a ser definido e vivido como masculinidade, em uma dada cultura, em um determinado momento histórico.

A partir de então, um grupo de estudiosas anglo­saxãs começou a utilizar o termo gen­

der, traduzido para o português como gênero, no início da década de 70. Tal conceito preten­ dia romper a equação na qual a colagem de um determinado gênero a um sexo anatômico re­

sultava em diferenças inatas e essenciais, mas, ao contrário, defendia que diferenças e desi­

gualdades entre mulheres e homens eram social e culturalmente construídas – e não biologi­

camente determinadas. Em suma, gênero é entendido como a construção social e cultural do

sexo; refere­se a comportamentos, atitudes e traços de personalidade que a cultura inscreve

sobre o corpo sexuado.

Na perspectiva dos estudos de gênero, uma referência importante é o texto de Scott

(1990), já traduzido para o português: Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Neste texto, Scott (1995, p.86) apresenta duas proposições sobre gênero: “(1) o gênero é um ele­

mento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2)

o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”.

Em seguida, o conceito de gênero foi ressignificado e complexificado, especialmente

por feministas pós­estruturalistas, que, desde essa perspectiva teórica, vêm problematizando

as noções de corpo, de sexo e de sexualidade, introduzindo, assim, importantes mudanças

epistemológicas no campo dos estudos feministas.

As abordagens feministas pós­estruturalistas (que enfocam a centralidade da lingua­

gem, e que tem suas bases teóricas em Michel Foucault e Jaques Derrida) se afastam das ver­

tentes teóricas que tratam o corpo como uma entidade biológica universal (mostrada como

origem das diferenças entre homens e mulheres, ou como superfície sobre a qual a cultura

produz desigualdades) para teorizá­lo como um constructo sociocultural e lingüístico, produto

e feito das relações de poder. Por isso o conceito de gênero aproxima­se de abordagens muito

mais amplas, que consideram as próprias instituições, os símbolos, as normas, os conhecimen­

tos, as leis e políticas de uma sociedade como constituídas e atravessadas por representações e

pressupostos de feminino e de masculino, sendo que elas produzem e/ou ressignificam essas

representações (MEYER, 2003).

Page 138: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

134

Algumas idéias relevantes que estão relacionadas a este conceito, significando modos

de compreensão de gênero são (MEYER, 2003): 1) ao longo de nossas vidas, através das mais

diversas instituições e práticas sociais, nos constituímos como homens e mulheres, num pro­

cesso que não é linear, progressivo, único ou harmônico e que também nunca está acabado ou

completo, mas em constante construção; 2) como nascemos e vivemos em tempos, lugares e

circunstâncias específicos, isso nos remete à idéia de que não existe uma única, exclusiva e

mais verdadeira, mas sim muitas e conflitantes formas de definir e viver a feminilidade e a

masculinidade. Desta forma, são produzidos sentidos múltiplos e nem sempre convergentes

de masculinidade e feminilidade; 3) a mudança de conceito sinaliza não apenas para as mu­

lheres e nem toma exclusivamente suas condições de vida como objeto de análise. Em vez

disso, traz implícita a idéia de que as análises e as intervenções devem levar em consideração

as relações de poder e as muitas formas sociais e culturais que constituem homens e mulheres

como “sujeitos de gênero”; 4) afasta­se este conceito de uma idéia reduzida de papéis/funções

de mulher e de homem, aproximando­o de um abordagem ampla e ressignificada, como já foi

dito antes. Desse modo, “considera­se a necessidade de examinar os diferentes modos pelos

quais o gênero opera estruturando o próprio social que torna estes papéis, funções e processos

possíveis e necessários” (MEYER, 2003, p.18).

Inspirada em Louro, compreendo que:

[...] as identidades de gênero seriam as formas pelas quais os sujeitos se identificari­ am histórica e socialmente como masculinos e femininos. As identidades sexuais, por sua vez, seriam os muitos arranjos que os sujeitos fazem para viver seus desejos e prazeres, também entendidos como social e historicamente construídos. Pensar o gênero implica entendê­lo enquanto um processo que não diferencia apenas homens de mulheres, mas também homens de homens e mulheres de mulheres. Dessa forma, estamos entendendo gênero como constituinte das identidades do su­ jeito, da mesma forma que etnia, classe, raça entre outros marcadores sociais. Dife­ rentes instituições e práticas sociais são constituídas por e constituintes dos gêneros. Do mesmo modo, entendemos que as identidades são instáveis, móveis, plurais e até contraditórias (VIDAL; NEULS; 2006a, 2006b).

Neste trabalho, junto­me às pesquisadoras feministas pós­estruturalistas e a este en­

tendimento de gênero e sexualidade, descrito acima, e que se mantém na luta pela defesa dos

seguintes argumentos: primeiro, percebe o gênero como ainda sendo “uma ferramenta concei­

tual, política e pedagógica central quando se pretende elaborar e implementar projetos que

coloquem em xeque tanto algumas das formas de organização social vigentes quanto as hie­

rarquias e desigualdades delas decorrentes” (MEYER, 2003, p.10­11); segundo, entende que

“nada é ‘natural’, nada está dado de antemão, toda a verdade – mesmo aquela rotulada de ci­

Page 139: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

135

entífica – é parcial e provisória e resulta de disputas travadas em diversos âmbitos do social e

da cultura e pode, por isso, ser questionada” (MEYER, 2003, p.11).

A partir desta perspectiva de pesquisa, análise e discussão, cabe a nós, educadoras e

educadores, olhar para os diferentes artefatos e instâncias culturais, que são pedagógicos tam­

bém, problematizando as questões de gênero e sexualidade, desnaturalizando aspectos que

aprendemos a tomar como prontos e definidos. Olhar para os “novos contos de fadas” e ver o

que nos ensinam sobre ser mulher e ser homem é uma dessas possibilidades.

5.2 Estudos de gênero, escola e pós­modernidade

escola, desde seu surgimento como instituição de ensino, nos diferentes

momentos históricos e nas diferentes sociedades e culturas ocidentais

modernas, sempre esteve envolvida com projetos de formação de deter­

minados tipos de pessoas ou, como chamamos, de determinadas identi­

dades sociais: bons cristãos, bons trabalhadores, bons cidadãos; e esses termos tinham signifi­

cados diferentes, conforme a quem a escolarização se dirigia, isto é, se era para homens ou

para mulheres. Esta função “formativa” da escola parece ter sido bem mais importante do que

a mera transmissão de determinados conhecimentos, sendo que sua consolidação como campo

de produção de identidades sociais a constituiu como um campo de disputas de diferentes

vertentes políticas e movimentos sociais por imposição de significados, subjetivando as pes­

soas que ali se encontravam/se encontram (MEYER, 2001).

Louro (2001b) escreve sobre a educação dos corpos e a produção da sexualidade

“normal”. Neste sentido, ela destaca (p.31):

Na escola pela afirmação ou pelo silenciamento, nos espaços reconhecidos e públi­ cos ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade, legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginali­ zando outras. Muitas outras instâncias sociais como a mídia, a igreja, a justiça etc. também praticam tal pedagogia, seja coincidindo na legitimação e denegação de su­ jeitos, seja produzindo discursos dissonantes e contraditórios.

Não nascemos homens e mulheres, mas nos tornamos homens e mulheres. Desde mui­

to cedo, vamos ocupando e/ou reconhecendo nossos lugares na sociedade e aprendemos isso

em diferentes instâncias do social, através de estratégias sutis, refinadas e naturalizadas que

são, muitas vezes, difíceis de reconhecermos. A estas diferentes estratégias e instâncias peda­

gógicas, chamamos de pedagogias culturais. Estas se referem a forças e processos que inclu­

A

Page 140: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

136

em a família e a escola, mas que não se restringem a elas. Entre estas pedagogias culturais e

artefatos culturais, podemos citar: os meios de comunicação de massa, os brinquedos, os jo­

gos eletrônicos, o cinema, o teatro, a música, a literatura infantil. Elas ensinam, entre muitas

outras coisas, diferentes e conflitantes formas de conceber e de viver o gênero e a sexualidade.

Como ensina­nos Sabat (2001), precisamos estar atentos para o seguinte foco:

[...] que tipos de mulheres e homens queremos formar (e queremos ser) em nossas práticas cotidianas. A partir daí é possível fazer uso desse currículo cultural para discutir os significados que têm sido produzidos historicamente em torno do ser ho­ mem, do ser mulher; do feminino e do masculino; do hetero, do homossexualismo e de outras formas de viver a sexualidade (p.67­68)

Sobre esta aprendizagem que inicia desde o momento em que nascemos, até o dia em

que morremos, processando­se, como vimos, em diversas instituições sociais e artefatos cultu­

rais, Meyer (2001, p.32) argumenta o seguinte: “Gênero reforça a necessidade de se pensar

que há muitas formas de sermos mulheres e homens, ao longo do tempo, ou no mesmo mo­

mento histórico, nos diferentes grupos ou segmentos sociais”.

Sobre a forma como se dá a construção das identidades sexuais e de gênero, é relevan­

te a questão proposta por Louro (2001b):

Não estamos preocupados com a questão do que causa a heterossexualidade ou a homossexualidade nos indivíduos, mas, ao invés disso, com o problema de por que e como nossa cultura privilegia uma e marginaliza – quando não discrimina – a outra.

Em relação ao campo de estudos das Relações de Gênero e Sexualidade e sua contri­

buição para a promoção de um repensar na escola, a começar por nossas vivências pessoais,

bem como nossas práticas de pesquisa e pedagógicas, enquanto educadores e educadoras,

Andrade (2003, p.109) propõe:

Tal teorização permite perceber como os sujeitos são continuamente inseridos em um reforçamento binário do que parece ser negativo ou positivo para meninos e me­ ninas, para homens e mulheres nos espaços sociais em que se movimentam, isso porque tais atributos estariam inscritos na “natureza” de cada gênero, inscritos no corpo de cada um/a. Olhar a escola e os corpos de professoras e alunos/as, a partir desta perspectiva, é a um só tempo desestabilizador de antigas crenças e motivador de novos estudos na busca de outros caminhos para pensar, não só na minha prática enquanto educadora, como também minhas vivências pessoais e acadêmicas.

Examinar como tal pedagogia cultural e escolar funciona, inclui o estudo dos artefatos

culturais que operam na fabricação de identidades de gênero, e a literatura infantil tem sido

um deles. Neste caso, escolhi os “novos contos de fadas” e proponho­me a partir de agora a

analisar que modos de exercer a feminilidade e a masculinidade são apresentados na literatura

infantil.

Page 141: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

137

5.3 Histórias de masculinidade e feminilidade contadas nos “novos contos de fadas”

literatura infantil assumiu, desde seu início, um caráter educativo e mo­

ralizador. As escolas, também uma invenção moderna, criadas como

locais para o desenvolvimento do ensino­aprendizagem, tidas como

“centros do saber”, fizeram e ainda fazem uso da literatura como artefato

pedagógico para ensinar, para incutir normas e valores sócio­culturais dominantes. Desse mo­

do, ocorre uma psicologização e pedagogização da literatura infantil e, acima de tudo, não se pode deixar de perceber que, nesse uso escolar­pedagógico, produzem­se verdades, subjeti­

vam­se as crianças, ensina­se o que é certo e o que é errado, o que é bom e é ruim, o que é

justo e desonesto, reforçando estes entre outros valores e binarismos sociais. Os “novos con­

tos de fadas” ensinam, entre outras coisas, como ser homem e mulher.

Com o objetivo de o/a leitor/a familiarizar­se com os nomes das 9 (nove) histórias aqui

analisadas (por vezes, duas histórias em cada livro!), elenco­as a seguir (títulos, autores, ilus­

tradores e ano das referidas publicações), recordando que as referências completas de tais

histórias e seus resumos encontram­se ao final deste trabalho em anexo 27 :

1. A pr incesa sabichona, de Babette Cole, 1998. 2. Pr íncipe Cinderelo, de Babette Cole, 2000.

3. Minha versão da histór ia: A Bela Adormecida, de Walt Disney, Ilust. Disney Storybook Artists, 2005.

4. Minha ver são da história: Malévola, de Walt Disney, Ilust. Disney Storybook Artists, 2005.

5. Minha versão da histór ia / contada por Branca de Neve a Daphane Skinner; Ilust. Ateli­ er Philippe Harchy, de Walt Disney, 2004.

6. Minha versão da histór ia / contada pela Rainha a Daphane Skinner; Ilust. John Kurtz, de Walt Disney, 2004.

7. Minha versão da histór ia / contada por Cinderela a Daphane Skinner; Ilust. Atelier Phi­ lippe Harchy, de Walt Disney, 2005.

8. Minha versão da histór ia / contada pela Madrasta a Daphane Skinner; Ilust. John Kurtz, de Walt Disney, 2005.

9. A Bela Desadormecida, de Frances Minters, Ilust. G. Brian Karas, 1999.

27 Anexos 1 e 2, respectivamente. Os resumos dos contos de fadas clássicos a que tais histórias fazem referência podem ser encontrados em Anexo 3.

A

Page 142: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

138

A questão norteadora é: “Quais modelos de ser menino e menina, ou melhor, de ser

homem e mulher, nos são ensinados através dos “novos contos de fadas”?

Quero recordar que, como já foi esclarecido antes, para estas histórias vou deter meu

olhar, somente, nas representações de gênero e sexualidade, contidas nos textos e nas ilustra­

ções.

Cabe lembrar que, na perspectiva dos Estudos Culturais, o conceito de representação

tem sido muito discutido e problematizado, opondo­se à idéia mais corrente de representação

mental ou espelho do “real”. Peters (2000) observa que entender este conceito como proces­

sos de significação e não como um reflexo de uma suposta realidade “é uma posição episte­

mológica que se recusa a ver o conhecimento como uma representação precisa da realidade e

se nega a conceber a verdade em termos de uma correspondência exata com a realidade” (p.

37). A produção de significados produz modos de ser e estar considerados aceitáveis, instaura

verdades, construindo identidades, ou seja, designa lugares que os sujeitos podem ou não o­

cupar.

Essas histórias apresentam deslocamentos nas representações tradicionais de feminili­

dade e masculinidade. Trazem, por um lado, princesas espertas, decididas, determinadas, ou­

sadas; por outro lado, trazem príncipes tímidos, com medo, que fogem e que desistem de ca­

sar, etc. Apresentam também a permanência de determinadas representações, uma vez que

mostram também personagens femininas que, de acordo com o formato tradicional, esperam

pelo casamento, pelo príncipe encantado, pela mágica que irá transformar suas vidas em um

“viveram felizes para sempre” e príncipes cujo papel principal é ser o provedor da família.

Nesse sentido, é importante relembrar que a construção do gênero não é linear, nem

apresenta uma regularidade, assim como não é finalizada ou completada em um dado momen­

to (MEYER, 2003).

a) “Novos contos de fadas” não­sexistas: rompendo as fronteiras dos gêneros

Argüello (2005), em sua dissertação de Mestrado, discute, com um grupo de crianças

(para verificar as representações de gênero que as mesmas traziam), um conjunto de histórias

que ela classifica de não­sexistas, isto é, histórias “escritas com a intenção de não produzir

mensagens sexistas ou binárias” (p.12). Entre estas histórias, Argüello (2005) escolheu contar

Page 143: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

139

para as crianças A princesa sabichona (história 1) e Pr íncipe Cinderelo (história 2) 28 . A

autora concluiu que “as histórias infantis não­sexistas nos seus textos (e ilustrações) também

carregam representações, que poderão produzir seus efeitos sobre os sujeitos” (ARGÜELLO,

2005, p.46) (destaque meu).

Ambas as histórias (história 1 e história 2) são curtas, a diagramação do texto nas pá­

ginas é feita de modo que em cada página haja poucas frases junto à ilustração. As imagens

são muito coloridas e atraentes. Sobre esse tipo de livro, quanto ao uso da ilustração, Faria

(2005, p.84) explica:

Como o texto é pequeno, a ilustração, por sua vez, cumpre a função sobretudo de criar os espaços em que se passa a história, acrescentando muitos detalhes, outros planos em simultaneidade, o gestual dos personagens, a expressão de suas fisiono­ mias, ou seja, tudo aquilo que o texto não diz.

Em A pr incesa sabichona (história 1), o enredo da história relaciona­se ao fato de que

a princesa não queria casar, pois gostava de ser solteira. Argüello (2005) diz que esta história

“problematiza um dos elementos mais significativos em torno da feminilidade: ‘o casamen­

to’” (p.153). Segue o texto (s.p.):

A Princesa Sabichona não queria se casar. Gostava de ser solteira. A Princesa era muito bonita e rica, por isso todos os príncipes queriam se casar com ela. A Princesa Sabichona queria viver sossegada no castelo, com seus bichos de estimação, fazendo o que bem entendesse.

Nas páginas iniciais, a Princesa Sabichona já é apresentada ao/à leitor/a como uma re­

presentação da feminilidade diferente... A Princesa é loira, tem cabelos longos e aparece u­

sando uma camiseta colorida e um macacão comprido de jeans. Sua roupa e suas atitudes mostram um jeito despojado de ser, como mostram as seguintes figuras: na primeira imagem

do livro (figura 81) a Princesa está olhando TV, deitada de bruços no chão, comendo biscoitos

e com outros alimentos largados e espalhados pelo chão, e aparece cercada dos animais de

estimação; em seguida, aparece sentada no trono, com sapatilhas comuns (estilo para andar

em casa), pintando as unhas (figura 82). Esta ilustração junta em uma cena personagens em

planos diferentes. Os príncipes que queriam se casar com a Princesa aparecem de um lado da

ilustração juntos em plano americano e, do outro lado da ilustração, em destaque, inclusive

28 Cabe destacar que ARGÜELLO (2005) realizou um estudo de campo e de recepção, analisando os sentidos que tais histórias traziam para crianças da Educação infantil. No caso da minha pesquisa, analiso os contos e suas representações de masculinidade e feminilidade, ao examinar textos e ilustrações dos mesmos.

Page 144: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

140

degraus acima de onde se encontram os príncipes, a Princesa Sabichona em close. Sua expres­

são facial revela seu desinteresse por aquela bajulação/paparicação dos príncipes­candidatos a

marido. A ilustração remete­nos a inferir, ainda, que a Princesa até prefere pintar as unhas

(característica marcadamente feminina) a ter que namorar e casar­se; em seguida, ela aparece

de botas, dando banho nos seus animais de estimação (figura 83). Nesta ilustração, em plano

geral, a Princesa é pequena perto dos seus grandões animais de estimação, o que nos permite

inferir que a Princesa representa uma mulher comum como todas as outras do reino, ou como

todas as outras mulheres de outros lugares que, independente da família em que nascem, do

status social que ocupam, trabalham, cumprem suas obrigações, lutam por seus sonhos e dese­

jos.

Figura 81: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 82: Ilustração da história 1 (s.p.)

Figura 83: Ilustração da história 1 (s.p.)

Page 145: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

141

Tudo estava aparentemente tranqüilo, até a princesa ser pressionada pelo seu pai e por

sua mãe a casar­se:

­ Está na hora de criar juízo – disse sua mãe, a Rainha. – Chega de só ficar às voltas com esses bichos! Trate de arranjar um marido! (s.p.)

Embora a fala seja da mãe, a imagem mostra seus pais juntos, comungando, possivel­

mente da mesma opinião, quanto ao destino da Princesa Sabichona (figura 84).

A história nos ensina que ter juízo é desejar unir­se em matrimônio. Casar é o destino

“natural” das mulheres. Sendo assim, o texto permite­nos interpretar que a família real achava

um absurdo sua filha única não querer se casar. A ilustração contrapõe de um lado a princesa

toda suja, já que fora interrompida de seu trabalho de limpeza/banho dos animais e, de outro

lado, o rei e a rainha num plano maior e mais alto, já que estão em um outro nível, em uma

espécie de tablado, também, dando a idéia de superioridade que têm como governantes, mas,

sobretudo, aqui no caso, como pai e mãe (figura 84).

Figura 84: Ilustração da história 1 (s.p.)

Coagida pela família a arrumar um pretendente, a Princesa Sabichona declarou:

Page 146: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

142

­ Tudo bem! [...] – Quem passar pela prova que eu determinar, terá minha mão em casamento, como se costuma dizer. (s.p).

A ilustração junto a este texto (figura 85) mostra a Princesa Sabichona em plano ame­

ricano e em destaque, ocupando a metade da página. Do alto da sacada do castelo, ela observa

seus pretendentes a marido chegando. Na outra metade da ilustração aparecem vários homens

de diferentes estilos, raças, etnias... apresentando­se. A ilustração nos permite inferir, pelo

tamanho destacado da princesa em relação aos pretendentes, que a decisão final, o poder de

escolha, é dela. Isto é, as escolhas e decisões quanto às uniões amorosas estão muito mais

relacionadas às suas necessidades e desejos de mulher.

Figura 85: Ilustração da história 1 (s.p.)

A partir daí, a Princesa Sabichona propõe a cada candidato a marido passar por provas

como: fazer as lesmas pararem de estragar seu jardim (figura 86); alimentar seus animais de

estimação (figura 87); participar de uma maratona de patinação (figura 88); andar de moto

pelo campo (figura 89); resgatá­la do alto da torre (figura 90); buscar lenha na floresta (figura

91); tentar domar seu potro (figura 92); levar sua mãe, a Rainha, para fazer compras (figura

93); tirar seu anel mágico do tanque de peixinhos (figura 94).

Page 147: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

143

Figura 86: Ilustração da história 1 (s.p.)

Figura 87: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 88: Ilustração da história 1 (s.p.)

Figura 89: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 90: Ilustração da história 1 (s.p.)

Page 148: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

144

Figura 91: Ilustração da história 1 (s.p.)

Figura 92: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 93: Ilustração da história 1 (s.p.)

Figura 94: Ilustração da história 1 (s.p.)

Page 149: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

145

Através das ilustrações, podemos verificar que os candidatos a marido mostram­se:

com medo e fugindo (figuras 86, 87, 91), exausto (figura 88), com medo e assustado (figuras

89, 94), sem forças para cumprir o desafio (figuras 90, 92, 93). A falta de destreza de um dos

candidatos é exagerada, quando na ilustração ele aparece caindo fora do plano (figura 92).

Nas ilustrações em que a Princesa aparece (figuras 88, 89, 90, 92, 94), esta mostra­se ou ale­

gre, ou sorridente, ou feliz, ou rindo, mas sempre satisfeita pelo fato de os candidatos não

estarem conseguindo cumprir o desafio. Tais homens não são corajosos, nem fortes, nem re­

sistentes, nem competentes, e, ainda, mostram­se medrosos, atributos que não são considera­

dos desejáveis aos homens. Dessa forma, a história desloca tais atributos para a Princesa Sa­

bichona.

Quando a Princesa Sabichona pensara ter ficado livre dos candidatos, já que ninguém

conseguiu cumprir a tarefa que lhe coube, aparece o Príncipe Fanfarrão que cumpre todos os

desafios que os outros não haviam conseguido. As ilustrações mostram sua coragem, ousadia,

mas, sobretudo, criatividade para encarar e cumprir os desafios. Entre suas estratégias para

executar as tarefas propostas pela princesa estavam: alimentar os seus grandões animais de

estimação, usando um helicóptero para distribuir os alimentos (figura 95); andar de moto com

a princesa de vendas nos olhos (figura 96); subir a torre para resgatar a princesa, utilizando

desentupidores (figura 97); hipnotizar o potro para domá­lo (figura 98). Até andar de patins

ele conseguiu, mostrando­se competente para isso (figura 99).

Figura 95: Ilustração da história 1 (s.p.)

Page 150: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

146

Figura 96: Ilustração da história 1 (s.p.)

Figura 97: Ilustração da história 1 (s.p.)

Figura 98: Ilustração da história 1 (s.p.)

Page 151: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

147

Figura 99: Ilustração da história 1 (s.p.)

A Princesa Sabichona não gostou que o Príncipe Fanfarrão estivesse conseguindo

cumprir todas as suas exigências, como mostra a ilustração (figura 100):

Figura 100: Ilustração da história 1 (s.p.)

O Príncipe Fanfarrão apresenta o ideal de masculinidade, isto é, apresenta os papéis, e

corresponde aos padrões ou regras arbitrárias que nossa sociedade estabelece para seus ho­

mens. Coragem, força e esperteza parecem ser considerados atributos primordialmente mas­

culinos. Walkerdine (1995) diz que “o que é lido como natural na masculinidade pode ser lido

como não­natural e ameaçador na feminilidade” (p. 217), ou seja, a Princesa Sabichona pode

até causar estranheza e parecer chata, por suas atitudes e exigências, ao transgredir atributos

reconhecidos como femininos e representar um outro jeito de ser filha, princesa e mulher.

A Princesa Sabichona, então, parecendo convencida de que teria mesmo que se casar

com este príncipe, dá­lhe um beijo (figura 101) – a cena mostra os dois em plano americano.

Ele se transforma em um sapo enorme (figura 102) – ilustração em plano médio; e foge (figu­

Page 152: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

148

ra 103) – pode­se notar a alegria e satisfação da princesa e o susto e a brabeza do príncipe­

sapo.

Figura 101: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 102: Ilustração da história 1 (s.p.) Figura 103: Ilustração da história 1 (s.p.)

Diferente de outras princesas, o casamento não é o sonho da Princesa Sabichona. E es­

te é mais um deslocamento sobre as relações de gênero e sexualidade que a história apresenta­

nos.

No final da história, a Princesa aparece, novamente, cercada de seus animais de esti­

mação (figura 104), assim como aparece no início da história. Sabendo o que tinha acontecido

com o Príncipe Fanfarrão, ninguém mais quis se casar com ela... O texto termina: “... e ela

viveu feliz para sempre”.

Figura 104: Ilustração da história 1 (s.p.)

Dentre as histórias analisadas, a única que parece não terminar em matrimônio é esta.

Page 153: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

149

Ou seja, a princesa não precisou manter o príncipe a tiracolo, por um lado; por outro,

com tal personalidade, não lhe é dada a opção de casar, pois, ao se mostrar “mais esperta”,

“perde” o marido. Esta é uma possibilidade de leitura que se faz...

Em Pr íncipe Cinderelo (história 2), a história começa assim:

O Príncipe Cinderelo nem parecia príncipe. Era baixinho, sardento, magricela e andava molambento.

O Príncipe tinha três irmãos enormes, muito peludos, que viviam caçoando do jeito dele. (s.p.)

As ilustrações mostram em uma página, o Príncipe Cinderelo, pequeno, de calças re­

mendadas, em close (figura 105) e, na página ao lado, os três irmãos em plano americano (fi­

gura 106).

Figura 105: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 106: Ilustração da história 2 (s.p)

Os irmãos do príncipe Cinderelo sempre iam à Discoteca do Palácio com suas namo­

radas princesas, enquanto o príncipe Cinderelo ficava em casa limpando a sujeira deles (figura

107). Seu sonho era ser forte e peludo como os irmãos (figura 108). Por isso, quando a apare­

ceu uma fada bem sujinha pela chaminé (figura 109), Cinderelo fez seu pedido (figura 110).

Tais ilustrações aparecem em plano geral, mostrando­nos o local onde acontecem os fatos a

cada imagem.

Page 154: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

150

Figura 107: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 108: Ilustração da história 2 (s.p)

Figura 109: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 110: Ilustração da história 2 (s.p)

Cabe perguntar: força e robustez são características masculinas “naturalmente” dese­

jáveis?

Acontece que a magia da fadinha não deu muito certo (figura 111) e ele transformou­

se num macaco (figura 112). A seqüência das magias executadas por ela é apresentada, mos­

trando tal transformação (figura 111). Depois de transformado, o príncipe­macaco é mostrado

em plano médio (figura 112).

Page 155: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

151

Figura 111: Ilustração da história 2 (s.p)

Figura 112: Ilustração da história 2 (s.p)

Por causa do encantamento, ele não sabia que tinha virado macaco e vê­se, então, co­

mo um lindo príncipe (figura 113) – ilustração em close – e sai para a discoteca, achando­se

um homem forte e peludo. Quando chegou no baile real, nem conseguiu passar pela porta.

Então, resolveu pegar um ônibus para voltar para casa, quando viu uma bela princesa espe­

rando no ponto de ônibus. Ela se assustou ao vê­lo (figura 114) – ilustração em plano geral.

Em seguida, o relógio bateu meia­noite e ele voltou a ser como era antes (figura 115) – ilus­

tração em plano geral. A princesa, achando que ele a tinha salvo do enorme macaco peludo,

abraçou­o.

Page 156: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

152

Figura 113: Ilustração da história 2 (s.p)

Figura 114: Ilustração da história 2 (s.p)

Figura 115: Ilustração da história 2 (s.p)

Page 157: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

153

Mas o Príncipe Cinderelo fugiu (figura 116), porque era muito tímido, como diz o tex­

to:

“Espere!”, ela gritou, mas o Príncipe Cinderelo era muito tímido. Saiu correndo e até perdeu a calça! (s.p.)

Figura 116: Ilustração da história 2 (s.p)

Mais uma vez as princesas fortes não “ficam” 29 com os príncipes fracos nos “novos

contos de fadas”. Até onde vai a transgressão para elas? E para eles?

Na pesquisa de Neuls (2004) sobre as representações de masculinidade no programa A Turma do Didi, 30 a autora mostra que o personagem Didi reiteradamente cobra de outro per­ sonagem — Tatá — que ele não demonstre medo das coisas, já que “macho que é macho não

pode ter medo de nada”. Neuls (2004) afirma ainda que o medo e a covardia parecem estar

ligados à feminilidade, conforme observou em personagens femininas que aparecem no pro­

grama. Dessa forma um homem de “verdade” não pode ter medo: ele precisa enfrentar as si­

tuações com ousadia e valentia, pois, como lembra a definição de príncipe encantado do di­

cionário, deve ser jovem, belo e valente. 31

29 “Ficar” é uma expressão moderna, surgida no final do século XX, que significa manter convívio com alguém por tempo indeterminado sem compromisso de estabilidade ou fidelidade amorosa (HOUAISS, 2004). 30 Programa dominical comandado por Renato Aragão, exibido pela Rede Globo de Televisão. Ver pesquisa em Neuls (2004), cf. ref. bibliográfica. 31 Segundo o dicionário (HOUAISS; VILLAR, 2001), príncipe encantado é aquele que é “jovem, belo, nobre, rico e valente, que se casa com a jovem pobre e sofredora [...] [ou então] o homem ideal ou idealizado; aquele que corresponde a todos os sonhos ou desejos de uma pessoa”.

Page 158: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

154

Neuls (2004) analisa um programa televisivo, que é um tipo de pedagogia cultural, en­

quanto eu analiso os “novos contos de fadas”, que também estão ensinando sobre comporta­

mentos esperados e desejáveis a homens e a mulheres.

Voltando à história, a Princesa Belarrica, como o nome diz, mandou anunciar que es­

tava à procura do dono da calça (figura 117). Todos os príncipes da redondeza tentaram vestir

a calça à força e não conseguiram, até os irmãos do Príncipe Cinderelo (figura 118), mas, é

claro, que a calça só serviu nele (figura 119). Cinderelo e Belarrica casaram­se e viveram feli­

zes para sempre (figura 120). A pedido da Princesa Belarrica, a fada transformou os três ir­

mãos peludos de Cinderelo em fadas domésticas (figura 121). É evidente a dimensão parodís­

tica do livro ao conhecido conto de fadas “Cinderela” ou “A Gata Borralheira”.

Figura 117: Ilustração da história 2 (s.p)

Figura 118: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 119: Ilustração da história 2 (s.p)

Page 159: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

155

Figura 120: Ilustração da história 2 (s.p) Figura 121: Ilustração da história 2 (s.p)

Nestes dois “novos contos de fadas” (história 1 e história 2), destacam­se as iniciativas

da mulher (através das atitudes das princesas), revelando que os homens (como os prínci­

pes/candidatos a maridos) ficam confusos, sem saber o que fazer frente a este comportamento

das mulheres (Princesa Sabichona e Princesa Belarrica). Os príncipes confusos viram sapos

ou passam a assumir características que eram antes de personagens femininas.

Em tais histórias aparecem personagens príncipes e princesas apresentando diversos

modos de exercerem suas feminilidades e masculinidades. Vimos princesas como a Princesa

Sabichona e Belarrica: determinadas, decididas, trabalhadoras (dão banho em animais, pegam

ônibus), isto é, passando a representar padrões reconhecidos como masculinos. Vimos prínci­

pes sem coragem, submissos, fazendo tarefas domésticas, assim como também apareceu o

Príncipe Fanfarrão, que foi ousado, determinado, criativo, como disse antes, mas que, ao ser

beijado pela princesa, invertendo o padrão da história de masculinidade, vira sapo.

Em tais contos, não se trata de somente inverter padrões: os fracos passam a ser fortes

e vice­versa. Mas eles operam algumas transgressões importantes como a da princesa que

prefere ficar sozinha, ou que prefere até pintar as unhas a ouvir a falação dos pretendentes.

Mostram homens fracos, outros destemidos ou fanfarrões. Estes “novos contos de fadas” nos

ensinam que não há um jeito único ser homem e de ser mulher e que podemos experimentar

vários modos de vivermos a sexualidade no dia­a­dia. Eles rompem com os discursos hege­

mônicos em torno da sexualidade, ao repensar “novos padrões”.

Page 160: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

156

b) “Novos contos de fadas”: parodiando os clássicos e ensinando outros caminhos de exercer a feminilidade e a masculinidade

A história A Bela Desadormecida (história 9) faz uma paródia à história clássica, tra­

zendo­a para o contexto urbano dos dias atuais, incorporando elementos da contemporaneida­

de. O texto é em versos, com uso de rimas. Trata­se de uma narrativa poética, contando a his­

tória de uma menina. A personagem principal da história é representada por diferentes modos

de exercer sua feminilidade: de uma garotinha quietinha e submissa, passa a mostrar­se uma

garota esperta e decidida.

Todas as ilustrações do livro são feitas em cores pastéis, em que predominam o mar­

rom e o bege.

A narração é em primeira pessoa. A história inicia assim:

Um dia eu nasci E era uma gracinha. meus pais exclamaram: “É a nossa Belinha!” (s.p)

A ilustração apresenta o bebê no berço; sua imagem é refletida no espelho. Aparece

um quarto de bebê de uma moradia moderna (figura 122).

Page 161: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

157

Figura 122: Ilustração da história 9 (s.p)

Segue o texto:

Meus pais, de tão felizes Com o bebê (que era eu), Armaram uma festa: “Nossa filha nasceu!”

Na maior animação, Espalharam a notícia: “De trem, ou de bicicleta, Ou de carro de polícia,

”Venham todos festejar A chegada de Belinha!” Só não chamaram a bruxa (Por azar, nossa vizinha). (s.p.)

O texto tem duplo sentido e atualiza a representação de bruxa, ao reconhecer a vizinha

que ninguém gosta dessa forma.

Page 162: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

158

Porém, mesmo sem ser convidada, a bruxa entrou na casa, que estava cheia, não cum­

primentou ninguém, foi dando cotoveladas em todo mundo, olhou o bebê no berço, deu­lhe

um beijo estalado e profetizou que, quando Bela completasse catorze anos, iria picar seu dedo

e todos iriam dormir cem anos, bem dormidos. Todos os convidados ficaram espantados. En­

tão, a bruxa disse que para não parecer tão má... na hora exata iria aparecer um roqueiro e

acordaria a garota.

O texto continua:

Eu era muito pequena E não entendia nada, Mas meus pais ficaram loucos Com o presente da malvada.

Depois de muito pensar, Vieram com a decisão: Nada de afiado ou pontudo Ia tocar na minha mão.

Jogaram fora garfos, facas, E até o anel da titia (O que fosse perigoso Pra minha pele macia). (s.p.)

Em seguida, aparece a princesa crescida e o seu pai barbudo (figura 123) com o texto

dizendo que, quando ficou maior, ela notou que não podia pregar botão, cortar bolo, patinar

no gelo, aparar o cabelo, entre outras coisas, para as quais seus pais não lhe explicavam a ra­

zão. Seu pai todo barbudo não se queixava, estava preocupado e de olhos bem abertos. A ilus­

tração mostra a menina sentada, tranqüila, ouvindo seu walkman e o pai, ali por perto, com o jornal na mão. Seria essa uma referência à típica representação de pai (homem maduro com

jornal na mão)?

Page 163: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

159

Figura 123: Ilustração da história 9 (s.p)

Então, chegou o famoso dia dos catorze anos...:

Foi quase a minha morte, O fim dos meus belos planos,

Porque quando entrei no quarto, Meu coração gelou: Aquela mulher pálida, Que nem sequer se virou,

Só podia ser a bruxa! “Quem é você?”, perguntei. “Entrou aqui por engano? Está procurando alguém?”

“Vim trazer o seu presente, Bela querida!”, e me deu Aquela roda preta. “É um antigo long­play!

“Você quer ouvir disco, Ou será que está com medo? Encoste aquela agulha No disco: não tem segredo!”

Page 164: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

160

Bela tocou a agulha, caiu no sofá e ficou com sono. Na casa todos dormiam profun­

damente. Bela vestiu o pijama e foi dormir também. Cedinho da manhã, ela acordou como

sempre e ao ver os pais dormindo, foi acordando­os. A mãe quis saber se já haviam dormido

cem anos. E Belinha respondeu:

“Que nada!”, respondi. “O feitiço falhou Porque na hora H Pus o despertador.” (s.p)

Na verdade, ela programou para o seu roqueiro preferido a acordar cantando rock. Fi­

nalizando o conto, Bela explica o que tinha acontecido aos pais, antes de ir à escola, e escreve

um bilhete ao seu roqueiro. Depois, aparece Bela indo para escola, sendo questionada pelas

pessoas: “o que aconteceu com o roqueiro?”, “Vocês dois viveram felizes para sempre?” (s.p.)

A última cena mostra o desfecho da história (figura 124), com a resposta de Belinha:

“Adivinhou!” (s.p.)

Figura 124: Ilustração da história 9 (s.p)

Page 165: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

161

Foi graças à esperteza da princesa, que sua história mudou. Esta não adormece e a­

guarda que a profecia se cumpra, mas, antes, escolhe como será acordada pelas manhãs, com

a voz melodiosa do seu roqueiro predileto.

É interessante percebermos que, apesar de os livros fazerem um certo esforço no sen­

tido de posicionar as princesas como mulheres/garotas menos passivas, ainda assim tais histó­

rias reforçam a idéia de que é preciso ter um marido para exibir... (seja ele um roqueiro, “ou

mesmo que ele seja um lagarto, ou um sapo sem graça, enfim, um zero à esquerda”).

Belinha, que parecia tão quietinha, pouco­falante, acaba sua história unida ao seu a­

mor. Será que estas características foram as que garantiram seu “final feliz”? Ou melhor: será

que tais características não possibilitam a repetição do padrão dos contos clássicos modernos?

Mais: os contos clássicos e os modernos foram inventados para representar um determinado

contexto, enquanto que os “novos contos de fadas” estariam sendo inventados para represen­

tar um outro contexto?

Esta história não pareceu tão transgressora ou tão inovadora em relação a comporta­

mentos tradicionalmente esperados para as mulheres e homens. Mais uma vez, nesta história,

mostrou­se a mulher romântica e o homem salvador, pois que fim teria tido Belinha sem seu

roqueiro preferido?

c) Histórias romantizadas x Histór ias humor ísticas: ensinando sobre os gêneros

As histórias Minha versão da histór ia: A Bela Adormecida (história 3), Minha ver­

são da histór ia / contada por Branca de Neve (história 5) e Minha ver são da histór ia /

contada por Cinderela (história 7) são semelhantes aos contos de fadas modernos, apresen­

tando algumas características da contemporaneidade, o que faz com que possamos reconhecê­

las no grupo dos “novos contos de fadas”. Estas histórias são as que operam menos transgres­

sões de gênero. Muda­se o foco narrativo de tais histórias, contemplando o uso da primeira

pessoa.

Nestas três histórias (histórias 3, 5 e 7), as personagens principais contam­nos suas

histórias, a partir de suas versões, aquelas mais popularizadas, as versões romantizadas. As

princesas Aurora (Bela Adormecida), Branca de Neve e Cinderela apresentam características,

evidenciadas nos textos e ilustrações, muito parecidas em suas histórias: são bondosas e mei­

gas (figura 137); mostram inocência e ingenuidade (figuras 129, 136, 141, 142); conversam

com os animais (figuras 125, 126, 140, 147); são submissas a alguém, prestando serviços a

essa pessoa (figuras 132, 133, 145, 146, 148); sonham com o príncipe encantado (figuras 127,

Page 166: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

162

128, 134, 135, 142, 150); mostram­se frágeis e/ou com medo (figuras 138, 139, 149); termi­

nam suas histórias casando­se com o príncipe que as salva do perigo (figuras 130, 131, 143,

144, 151, 152).

Os elementos da contemporaneidade que aparecem em tais histórias são:

Em Minha versão da histór ia: A Bela Adormecida (história 3), sendo que esta pare­

ce ser a que traz mais elementos próximos dos contos clássicos antigos, Rosa Silvestre (como

era chamada pelas tias/fadas madrinhas, antes de saber que era uma princesa) mostra­se ingê­

nua ao falar sobre seu nascimento, mas, ao mesmo tempo, traz para a história uma reflexão

que, com certeza, nos clássicos e modernos contos de fadas não existiam:

Desde bebê eu morei com minhas tias na velha casa do lenhador. Tia Flora dizia que tinham me encontrado no jardim embaixo de uma folha de repolho. Claro que ela estava me fazendo de boba. Eu sei que foi a cegonha que me trouxe, como faz com todo mundo. Elas são mulheres adoráveis, queridas, são como mães para mim, mas poderiam ser um pouco mais diretas. (p.6)

Por outro lado, essa história não fala da produção independente, do bebê de proveta,

da inseminação artificial, etc., ou até mesmo da gestação e do nascimento como ele de fato

ocorre, quando é do modo convencional, sem que seja necessário nenhum outro tipo de trata­

mento.

Depois, ao chegar em casa, no dia de seu aniversário de dezesseis anos, e ver a surpre­

sa que as tias tinham lhe preparado, Rosa Silvestre narra:

Minhas tias eram as mulheres mais doces do mundo, mas iriam à falência se tivessem de cozinhar, limpar ou costurar para viver. Elas não tinham feito aquele lindo bolo. E eu sabia que nenhum confeiteiro faria entregas na floresta. (p.23)

Vemos aí um outro elemento da contemporaneidade, que são os serviços de tele­

entrega. Nas versões clássicas e modernas estas considerações não apareciam na história.

Page 167: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

163

Figura 125: Ilustração da história 3 (p.8) Figura 126: Ilustração da história 3 (p.11)

Figura 127: Ilustração da história 3 (p.15) Figura 128: Ilustração da história 3 (p.16)

Page 168: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

164

Figura 129: Ilustração da história 3 (p.31)

Figura 130: Ilustração da história 3 (p.32)

Figura 131: Ilustração da história 3 (p.35)

Em Minha versão da histór ia / contada por Branca de Neve (história 5), Branca de

Neve reclama que a madrasta a fez esfregar a escada do calabouço três vezes, argumentando­

lhe que era um bom exercício (figura 132). Tal narrativa remete­nos à idéia da preocupação

com a saúde, mas, sobretudo, com o corpo e a estética tão recorrentes na atualidade. Do mes­

mo modo, a princesa reclama que a madrasta não lhe deixa comer coisas gostosas (figura

133). Mais adiante, na história, quando Branca de Neve prepara a refeição para os anõezinhos

que estão trabalhando na mina, aparece na ilustração (figura 141) ela cozinhando, utilizando

um livro de receitas com o seguinte título “101 receitas para fazer os homens ficarem com

água na boca”. Seria esta uma referência aos famosos livros de auto­ajuda com suas “mirabo­

lantes receitas” para tudo que se quer nesta vida? Como diz Silva (2001, p. 41): “Eles abran­

gem toda a gama da conduta humana, toda nossa vida psíquica e social, das relações amorosas

e sexuais até as melhores formas de se tornar rico e fazer sucesso”.

E, ainda, no final da história, a última ilustração, ao pé da página, mostra Branca de

Neve e seu príncipe indo embora. Ela montada no cavalo e ele conduzindo­a. O príncipe, o

homem conduz o caminho de Branca de Neve. Mas ela se vira para o/a leitor/a e dá uma pis­

cadela maliciosa... (figura 144). Aqui aparece uma representação típica da mulher, pois se

costuma dizer que elas conseguem o que querem dos homens fazendo­os sentirem­se “donos”

da situação. Porém, poderíamos entender também que ocorre um “jogo” entre ambos: homem

e mulher “fazem de conta” que cedem, que mandam, que conduzem.

Page 169: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

165

Figura 132: Ilustração da história 5 (p.4) Figura 133: Ilustração da história 5 (p.7)

Figura 134: Ilustração da história 5 (p.8) Figura 135: Ilustração da história 5 (p.11)

Figura 136: Ilustração da história 5 (p.12)

Figura 137: Ilustração da história 5 (p.14)

Figura 138: Ilustração da história 5 (p.16)

Page 170: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

166

Figura 139: Ilustração da história 5 (p.19) Figura 140: Ilustração da história 5 (p.23)

Figura 141: Ilustração da história 5 (p.33) Figura 142: Ilustração da história 5 (p.34)

Page 171: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

167

Figura 143: Ilustração da história 5 (p.36) 32 Figura 144: Ilustração da história 5 (p.37)

Em Minha versão da histór ia / contada por Cinderela (história 7), quando a Fada

Madrinha aparece para ajudar Cinderela a ir ao baile (figura 149), apresenta­se:

Sou Dorabella, vice­presidente das Transformações Regionais, e vim aqui para ajudá­la. (p.25)

Com certeza, os clássicos e modernos contos não traziam referências a cargos de pre­

sidência e vice­presidência, nem mesmo a corporações de trabalho como esta. Hoje em dia, há

uma vasta oferta, inclusive em jornais, de prestação de serviços para tudo: arranjar namorado,

ser acompanhante em festas, reformar o guarda­roupas, preparar comidas mais saudáveis, etc.

Depois, durante o baile, no castelo real (figura 150), temos a seguinte narração (p.29):

­ Com licença, posso ter a honra desta dança? Girei em torno de mim mesma, pega de surpresa. Um rapaz muito bonito, usando um button SALVEM AS BALEIAS na lapela, estava ali sorrindo para mim. ­ Claro – respondi. Eu estava admirando os diversos quadros de cachorros, cavalos e galinhas que enfeitavam as paredes. Enquanto me conduzia para a pista de dança, ele perguntou: ­ Você gosta de animais? ­ Adoro! – eu disse. – Nunca tinha visto retratos tão lindos de galinhas. O rosto dele se iluminou. ­ Algum dia vou estudar as galinhas – ele contou –, se eu entrar na faculdade de veterinária. ­ Você quer ser veterinário? – perguntei. – Eu também!

32 Interessante esta imagem que nos dá a perspectiva da cena, a partir do local onde está Branca de Neve!

Page 172: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

168

Ele olhou fundo nos meus olhos. ­ Tenho um pressentimento de que somos as únicas duas pessoas aqui que têm este sonho. Tenho sorte de tê­la encontrado.

Cabe questionar: príncipes e princesas representariam aqui os anseios de ambientalis­

tas? Qual o sentido de estarem se ocupando com certos animais que não estão na lista dos que

correm risco de extinção?

Esta história termina de um jeito diferente...

Depois de experimentar o sapatinho e perceber que iria casar­se com o príncipe (figura

151), Cinderela profere à madrasta e irmãs (p.36):

­ Você terá de lavar e passar sua própria roupa de agora em diante – eu disse à madrasta e às filhas dela. – Vou estar ocupada com outras coisas

Depois (figura 152), narra Cinderela (p.39):

O príncipe e eu abrimos nosso consultório assim que terminamos a faculdade de veterinária. Estamos muito ocupados, mas adoramos isso. Os camundongos, o cavalo Bruno e as galinhas moram com a gente, junto com um bando de outros animais, todos muito saudáveis. As cobaias até concordaram em servir de cobaia para mi­ nha mais nova especialização: modificação do comportamento animal. Minha esperança é fazer Lúcifer submeter­se a esse tratamento.

Este “novo conto de fada” encerra contando que príncipe e princesa, além de casarem­

se, estudaram, formaram­se e trabalham juntos. A princesa está fazendo até especialização!

Haveria, assim, uma alusão aos direitos iguais, próprios da revolução feminina, nesta história?

Ou estaria ela, dessa forma, representando o mundo contemporâneo, ao transformar em ques­

tões cotidianas problemas mundiais?

Page 173: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

169

Figura 145: Ilustração da história 7 (p.7) Figura 146: Ilustração da história 7 (p.15)

Figura 147: Ilustração da história 7 (p.16) Figura 148: Ilustração da história 7 (p.21)

Page 174: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

170

Figura 149: Ilustração da história 7 (p.24) Figura 150: Ilustração da história 7 (p.28)

Figura 151: Ilustração da história 7 (p.37) Figura 152: Ilustração da história 7 (p.38)

Nestes “novos contos de fadas (histórias 3, 5 e 7), temos as características desejáveis

de uma moça casadoira. As histórias apresentam fatos novos, acrescentando outros ao final,

mas mantêm os famosos matrimônios. Segundo Rael (2003), podemos observar que, nesses

casos, “[...] o comportamento feminino é definido e regulado a partir do masculino, isto é, são

os exemplos ditados pelo masculino que delimitam o modo de agir da mulher. É o masculino

quem tem o poder de instituir a representação, de falar sobre o outro, nesse caso específico, de

falar sobre a mulher.” (p. 165).

Dessa forma, aos poucos vai se construindo uma outra representação de feminilidade

regulada a partir do masculino: a mulher para casar não pode ser fútil, mas também não pode

Page 175: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

171

ser esperta demais, nem inteligente demais. Mostram­se princesas que se apaixonam perdi­

damente à primeira vista (uma idéia de amor romântico), reforçando a idéia de que as mulhe­

res são vulneráveis, fúteis e interesseiras. Há um deslocamento, na história de Cinderela (his­

tória 7), uma vez que ela atinge o mesmo status cultural e social que o marido, já que ambos formaram­se e trabalham em Veterinária.

Percebe­se, também, que a tagarelice não é característica aconselhável para uma moça

que pretenda se casar: ela precisa ser como a princesa gentil que se faz de desamparada e des­

protegida a fim de conseguir seu tão sonhado casamento. Estudo de Silveira (2002) ilustra

como a literatura infantil representa as professoras fazendo uso dos gritos, palavras difíceis,

verborragia, mostrando, portanto, que esta é uma representação bastante presente das mulhe­

res. Nas pesquisas de Rael (2003) e Sabat (2004), sobre alguns filmes da Disney, as autoras

argumentam que a tagarelice e a fofoca sempre foram relacionadas ao feminino, embora como

características não desejáveis. Assim, nos desenhos animados, quer seja pelas músicas ou pe­

los diálogos, apenas a moça retraída, a quietinha é quem casa, ou seja, “se a garota possui os

atributos que o homem privilegia, ele casa. Caso contrário, o homem se zanga e vai embora.”

(RAEL, 2003, p. 165).

Sabat (2003), ao analisar os filmes da Disney ressaltou que nestes a heterossexualida­

de é invariante. “Independente do argumento central do roteiro, há início, meio e fim de um

relacionamento amoroso, de um romance, com o clássico final feliz!” (p.101). Podemos dizer

o mesmo para tais “novos contos de fadas” da Disney. As princesas e os príncipes trilham

caminhos diversos, mas terminam no altar.

Todas as histórias analisadas mostram a heterossexualidade como a única possibilida­

de de união amorosa, enfatizando que os sujeitos devem constituir uma família através de

uma união legal e cristã (SABAT, 2003), isto é, a heterossexualidade se constitui como a se­

xualidade válida e desejável tanto para homens quanto para mulheres. Sabat (2004) argumenta

que “a normalização de algumas identidades, como a heterossexual, tem como efeito a sua

‘naturalização’, jogando para o campo da anormalidade outras identidades que se constituem

de formas diferentes das hegemônicas.” (p. 103).

Como disse no início das análises desta seção, estas histórias se pretendem contempo­

râneas. Mas será que podemos posicioná­las deste modo por trazerem algumas questões que

reconhecemos como contemporâneas, como o uso de determinadas tecnologias ou a discussão

de determinados problemas, sem nos questionarmos sobre a permanência de outras já existen­

tes nos contos clássicos ou nos modernos ou sobre sua reapresentação mais sutil ainda, como

Page 176: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

172

veremos nas próximas histórias que examino? Ou seja, há uma continuidade de discursos e

suas representações em tais histórias, como nos “novos contos de fadas”, uma vez que estes

lhes dão identidade como contos de fadas.

Já as histórias Minha ver são da história: Malévola (história 4), Minha versão da

história / contada pela Rainha (história 6) e Minha versão da histór ia / contada pela Ma­

drasta (história 8) são “novos contos de fadas”, fazendo uma paródia às versões romantizadas

e clássicas que destacam as princesas. Nestas histórias, as personagens, consagradas como

más, contam as suas versões, repletas de justificativas e argumentações para cada fato conhe­

cido, tentando convencer o/a leitor/a de que personificam “o bem”. O foco narrativo está na

primeira pessoa. Malévola (história 4), a Rainha, que é a madrasta de Branca de Neve (histó­

ria 6) e a Madrasta de Cinderela (história 8) mostram­se, pela narração e pela ilustração, como

pessoas maternais, bondosas e cuidadosas com as princesas, querendo sempre ajudá­las e sen­

do, por isso, mal­interpretadas (figuras 155, 156, 160, 161, 162, 164), podendo ser vistas co­

mo mais sutis em suas maldades por um/a leitor/a menos arguto/a.

Malévola (história 4) diz ser uma bem sucedida mulher de negócios (figura 153). So­

bre sua empresa “Melhorias Aparentes Ltda” (M.A.L.) ela diz (p.3):

Somos especializados em magia n... quero dizer, mercado empresarial. E posso assegurar que temos filiais em todos os cantos do mundo.

Ela reclama que, para ter esse sucesso, não foi barato. E que foi vítima de diversas fo­

focas maldosas.

Ela diz (p.4):

Na verdade, é impressionante o que as pessoas são capazes de dizer para arrastar o nome de uma mulher boa e batalhadora para a lama.

Diz ainda que sempre fez sacrifícios para poder ajudar a princesa. Aquele mal­

entendido, no dia do batizado da princesa, prejudicou seus negócios. Na verdade, ela foi ofe­

recer emprego à princesa, porque possuía várias indústrias têxteis no reino, especializadas em

transformar palha em ouro. E foi mal interpretada. Quando o Rei Estevão mandou queimar

todas as rocas do reino, isso prejudicou seus negócios, além de gerar uma tremenda crise da

moda! Mais tarde, na ocasião, do aniversário da princesa, ela tinha dado um calmante para a

Page 177: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

173

princesa adormecer e se acalmar, pois estava preocupada em encontrar o seu camponês, por

quem tinha se apaixonado e estava prometida ao Príncipe Felipe, sem saber que ambos era a

mesma pessoa. Enfim, a Rainha Malévola argumenta que todas as suas ações foram com o

objetivo de ajudar, dar assistência à princesa. No fim, termina aliando­se a alguns amigos para

os próximos empreendimentos comerciais (figura 154). Mais uma vez, a semelhança se dá

pela atualização do problema, através de situações que reconhecemos no noticiário, tornando­

se, assim, um conto com elementos contemporâneos.

Figura 153: Ilustração da história 4 (p.2) Figura 154: Ilustração da história 4 (p.29)

A Rainha (história 6), madrasta de Branca de Neve, diz sempre ter gostado de Branca

de Neve. Tudo o que tinha feito fora para o seu bem. Começa, então, justificando­se ao/à lei­

tor/a (p.3):

Em primeiro lugar, a não ser que você mesmo já tenho criado uma adolescente, você não tem idéia de como isso é desgastante. As adolescentes são preguiçosas. São mal­educadas. Elas só comem porcaria. Usam umas roupas ripongas. E precisam de vigilância constante, porque não podem ver um menino na frente. Branca de Neve era uma adolescente típica. Talvez você tenha ouvido diferente. Mas se tem uma coisa que eu faço bem é pegar as coisas no ar. Em segundo lugar, eu era a madrasta dela. Madrastas têm uma má reputação. Elas são sempre chamadas de “cruel” ou “bruxa”. Por alguma estranha razão, o mundo inteiro as odeia. Por quê? Não tenho a menor idéia. O que eu sei é que uma mãe “verdadeira” pode ser implicante o tempo inteiro, mas ninguém olha torto para ela. No entanto, se a madrasta perde a paciência uma única vez, sai na primeira página da Folha da Floresta. Para completar, eu sou uma viúva. Não estou tentando fazer você ficar com pena de mim, pode estar certo dis­ so. Mas, quando meu marido morreu, eu tive que cuidar da Branca de Neve – e sozinha! Eu era uma mãe traba­ lhadora e solitária que não recebia nem um tiquinho de ajuda de ninguém. E, quando as coisas saíam errado, eu sempre levava a culpa. Continue lendo e tire suas próprias conclusões.

Page 178: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

174

A Rainha problematiza a recorrente representação às madrastas, vitimizando­as, ao

mesmo tempo em que coloca a enteada na posição menos desejável. Estaria, assim, desnatura­

lizando­as?

A Rainha segue sua versão da história, contando, para tanto, com palavras e imagens,

sendo que sua expressão, nas imagens em que aparece com Branca de Neve, remete­nos à

idéia de amor, carinho e cuidado, apresentando, portanto, nas imagens, uma outra história,

para o par madrasta e enteada (figuras 155 e 156). Felipe (1999) diz que um dos modelos de

feminilidades apresentados com maior freqüência é este que “circula a concepção de que elas

[as mulheres] são detentoras de determinadas características tidas como naturais”’, em especi­

al aquelas voltadas para o cuidado, desvelo e dedicação (p.174). Ou seja, a madrasta é repre­

sentada dessa forma nas imagens, ao mesmo tempo em que é representada como uma vilã

disfarçada por meio do texto escrito.

Figura 155: Ilustração da história 6 (p.2) Figura 156: Ilustração da história 6 (p.8)

A Rainha não se diz vaidosa, mas ter o dom da beleza natural (figura 157). Disse que

se preocupava com Branca de Neve que usava sempre o mesmo vestido esfarrapado, nunca

fazia exercícios e não tinha uma alimentação saudável. Por isso achou que sua enteadazinha

precisava de disciplina. Quando viu Branca de Neve com um rapaz, ficou preocupada: e se o

estranho fosse um criminoso? Um seqüestrador? Adolescentes de paixonite não são fáceis de

lidar. Na verdade, ela diz que queria promover um revigorante passeio pela floresta a Branca

de Neve, quando esta sumiu. Depois, teve que fazer a “Operação Resgate de Branca de Ne­

ve”. Mas não disfarçou­se para isso, como dizem. Apenas não usou a coroa, nem o manto,

Page 179: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

175

nem as jóias, nem maquiagem. Mas sim colocou uma roupa e tênis confortáveis (figura 158).

Não estava indo para um encontro! Ofereceu maçãs, porque a menina só estava comendo por­

carias e se preocupava com sua dieta. Quando Branca de Neve caiu em sono profundo, ela

correu à procura de um gastroenterologista, mas foi difícil encontrar um na floresta que aten­

desse a domicílio. Agora, destronada, sente falta do poder, mas não do estresse e da pressão

que vêm junto com ele. Agora gosta muito de trabalhar em uma loja que vende produtos natu­

rais (figura 159). Cabe perguntar: o quanto tal madrasta é representada cheia de boas inten­

ções ou participa de uma trama na qual é representada tentando encobrir sua versão clássica

de “bruxa” com “pele de cordeiro”? Nossas múltiplas identidades estariam, assim, representa­

das, mostrando quanto as personagens se aproximam de versões mais humanas, e, por isso,

mais contraditórias e frágeis?

A Rainha ensina­nos como cuidar, controlar e vigiar o corpo feminino. Seu discurso

soma­se àqueles que defendem um modelo de corpo ideal: magro, alto, belo, branco, jovem,

heterossexual, saudável. Ou seja, faz circular na literatura infantil um discurso que circula

amplamente na mídia, atualizando sua personagem e vaidades.

Além disso, a beleza e a vaidade sempre foram características atribuídas ao feminino.

Esse culto à sensualidade feminina e à sua beleza tem feito “circular um discurso hegemônico

de beleza, procurando assim estabelecer um controle cada vez maior sobre os corpos femini­

nos, apesar de todo um discurso de suposta liberdade das mulheres (FELIPE, 1999, p. 172). A

autora ainda chama a atenção para o seguinte fato: “este constante apelo à beleza tem levado a

conseqüências preocupantes, como o grande índice de meninas que cada vez mais cedo vêm

sofrendo de anorexia e/ou bulimia, ou ainda se submetendo às cirurgias plásticas” (1999,

p.172). Dornelles (1999 apud FELIPE, 1999, p. 172) também destaca que diferentes publica­

ções voltadas para o público infanto­juvenil têm a preocupação de fornecer às suas pequenas

leitoras “dicas” de beleza, moda, além de sugestões para manter o corpo em forma... Esta his­

tória analisada, fala em dieta, exercícios para tonificar os músculos, ter uma alimentação sau­

dável, escolher melhor as roupas... Nossos pais, a mídia, os amigos não nos falam cotidiana­

mente desses assuntos?

Page 180: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

176

Figura 157: Ilustração da história 6 (p.10) Figura 158: Ilustração da história 6 (p.21)

Figura 159: Ilustração da história 6 (p.26)

A Madrasta (história 8) também conta sua versão, dizendo que sempre foi uma mãe

cuidadosa e amorosa com Cinderela. Nas ilustrações, sempre aparece com jeito dócil e cuida­

doso com as filhas e com a enteada (figuras 160, 161, 162). Diz que sempre teve um instinto

maternal muito forte, e que Cindy, como carinhosamente chama a enteada, é que sempre foi

maldosa e mal­intencionada com elas. Vê Cinderela como exibida e maliciosa. Quando o sa­

patinho de cristal quebra sem querer, Cinderela tira o outro de seu bolso (figura 163), como se

fosse magia negra. A Madrasta considera­se feliz, agora, que cuida apenas de suas filhas (fi­

gura 164). Outra vez, nessa narrativa e ilustrações há o reforço de um discurso hegemônico

Page 181: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

177

que crê ser a maternidade, a dedicação aos filhos e o cuidado, características “naturais” da

mulher.

Vale lembrar que, nos clássicos, nem a Branca de Neve, nem a Cinderela “ousam” jul­

gar suas madrastas, externando o que pensavam nessas histórias, como fazem a Malévola e a

Madrasta. Estariam as madrastas sendo transgressoras ao se posicionarem tão claramente,

desqualificando suas enteadas, externando o que pensam?

Figura 160: Ilustração da história 8 (p.6) Figura 161: Ilustração da história 8 (p.8)

Figura 162: Ilustração da história 8 (p.12) Figura 163: Ilustração da história 8 (p.22)

Page 182: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

178

Figura 164: Ilustração da história 8 (p.24)

Finalizando, sem imaginar que as histórias foram analisadas em todas as suas nuanças

quanto às representações de gênero e sexualidade, reconheço que há em tais histórias diversas

formas de reinventar e pluralizar as vivências de gênero e os “novos contos de fadas” escolhi­

dos para análise nos mostram algumas delas, ao discutirem formas de ser e viver na contem­

poraneidade.

Page 183: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

179

6 E a história acabou? – registros finais

A gente foge da escrita, porque não quer encarar a solidão da

escrita.

A coragem não é a ausência de medo, mas a decisão de que algo é mais importante que o medo. O corajoso pode não viver para sempre, mas o cauteloso não vive plenamente. De agora em diante, você viajará pela estrada entre o que você pensa que é e o que você pode ser. O segredo é a sua decisão de fazer a viagem. (Filme: Diário de uma Princesa)

ão li em nenhum livro, mas, certa vez, em uma aula, em uma certa univer­

sidade, a professora nos disse a primeira frase escrita acima, que serve de

epígrafe a este capítulo. Com certeza, escrever um texto com a profundi­

dade teórica e analítica que o Mestrado exige não é uma tarefa fácil. E

para mim também não foi. Principalmente, pelo fato de eu seguir trabalhando, atuando como

professora, durante todo o período de realização desta formação em nível de pós­graduação. E

ainda ministrando aulas para crianças das séries iniciais e para jovens do Curso Normal, em

escolas de contextos bem diferentes – o da escola pública estadual e o da escola particular. A

maior dificuldade foi conciliar as tarefas e calendários escolares às exigências acadêmicas; foi

difícil preparar as aulas, fazer as correções de avaliações, organizar e corrigir trabalhos, exe­

cutar o preenchimento dos cadernos de chamada (tarefas das escolas), ao mesmo tempo em

que cursava as disciplinas do curso de pós­graduação, lia os textos e escrevia a proposta e

trabalho que se transformaram nesta Dissertação (tarefas da Academia). Somado a isso tudo,

tinha as minhas necessidades e compromissos relacionados às minhas múltiplas identidades

em construção: as tarefas de filha, as tarefas de mulher, as tarefas de amiga, as tarefas de dan­

çarina... enfim, não sou a única nem a última mulher­pesquisadora a cumprir estas múltiplas

posições, pois de frágil e incapazes não temos nada!

Então, ao mesmo tempo em que o ato de escrever um trabalho como este me remetia à

solidão e à tristeza (porque gosto de trabalhar e produzir no coletivo), lembrava­me da men­

sagem do referido filme, que serve de segunda epígrafe. Tal mensagem me serviu, e sempre

N

Page 184: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

180

me serve, de motivação, pois acredito que é necessário termos coragem e ousadia para irmos

além de nossos medos e limitações.

Lembro­me da entrevista, na ocasião da Seleção ao Mestrado, em que a Prof.ª Dra.

Maria Luísa Merino Xavier questionou­me, após ter ouvido eu falar que pretendia analisar os

“novos contos de fadas” na perspectiva dos Estudos Culturais em Educação: no que este estu­

do que eu me propunha a fazer iria contribuir para a minha profissão, para que eu fosse uma

professora melhor ou para que minhas aulas se qualificassem? Feita a indagação, eu respondi­

lhe que havia escolhido este gênero literário, que chamei de “novos contos de fadas”, por se­

rem publicações bastante recentes, pela minha predileção por eles, e que este estudo iria con­

tribuir para eu não restringir a literatura infantil de um modo geral, e estes contos de modo

especial, a histórias bonitas, interessantes e engraçadas para contar aos meus alunos ou para

sugerir­lhes, no caso dos/das estudantes de professores/as com quais atuo, para trabalhar cer­

tos temas (didatização da literatura infantil). Mas que buscava, sim, lançar um “outro olhar”

para estas histórias, um olhar não ingênuo e de estranhamento, e isso iria se reverter na minha

atuação de professora.

Agora, finalizando esta minha formação e qualificação profissional do curso de Mes­

trado, sucintamente, destaco o que aprendi...

Conclui­se com esta pesquisa que os “novos contos de fadas” ensinam sobre diferentes

modos de ser criança, sendo estes produtivos na representação das múltiplas infâncias da con­

temporaneidade, mostrando diferentes e diversificados jeitos de ser e viver nesta sociedade.

Vimos representadas nos contos de fadas contemporâneos as infâncias des­realizada e hiper­ realizada, segundo Naradowski (2001). Os seguintes modos de viver a infância, de acordo

com Sampaio (2000), também estão representados nas histórias analisadas: a infância protegi­

da, a infância parcialmente protegida, a infância desprotegida, a infância marginalizada, a

infância pública. Enfim, os contos destacam as múltiplas infâncias: medievais... modernas...

contemporâneas... Há histórias que trazem uma criança que é saudável, feliz, sapeca, criativa,

esperta, inteligente, dinâmica, corajosa, mas também, às vezes, mostra­se ingênua e frágil –

precisando da proteção adulta. Mostram crianças que ficam tristes, mostram­se sonhadoras,

são ciumentas, lidam com a morte; brincam, vão à escola, não têm outros compromissos e

responsabilidades que não sejam além de viver o gozo e alegria se ser criança, de viver a in­

fância em sua plenitude.

Page 185: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

181

Ao ter como foco as infâncias, o olhar sobre alguns dos “novos contos de fadas” evi­

denciou a representação de sua multiplicidade. Seus personagens personificam a idéia de que

nossas identidades não são únicas nem imutáveis. Em uma mesma história, vimos como per­

sonagens vivem ou passam a viver suas infâncias de modos diferentes e diversificados ao lon­

go de suas trajetórias de vida. E entender isso é, também, procurar reavaliar nossas práticas

pedagógicas, enquanto educadores e educadoras. É necessário repensarmos uma reconceitua­

ção da educação infantil.

Sobre as relações de gênero e sexualidade, conclui­se com esta pesquisa que os “novos

contos de fadas” vêm revelando outros modos de viver a masculinidade e feminilidade, con­

tribuindo para a problematização de que não há um único jeito, nem mais verdadeiro, de ser

homem e de ser mulher, rompendo com os discursos hegemônicos em torno da sexualidade,

ao repensar “novos padrões”. Analisando os contos de fadas da contemporaneidade, conside­

rados por alguns autores como não sexistas, e outros que não são classificados desta forma,

pode­se perceber algumas transgressões importantes e algumas permanências e/ou reforço de

idéias preconceituosas (com base no discurso científico) sobre a sexualidade. Algumas histó­

rias não pareceram muito inovadoras em relação a comportamentos tradicionalmente espera­

dos para as mulheres e homens. Entretanto, outras trouxeram contribuições importantes para o

panorama atual em torno das discussões a respeito do rompimento das fronteiras de gênero.

Neste artefato cultural, amplamente utilizado pelas crianças, na família e na escola ou em ou­

tros espaços que se constituem como pedagógicos, ainda aparecem as seguintes idéias: de

matrimônio, maternidade e o cuidado da prole como o destino “natural” das mulheres; da he­

terossexualidade como sendo a “normalidade”. Além disso, são apresentadas as características

desejáveis a uma mulher que queira se casar: não pode ser fútil, nem vulnerável, nem interes­

seira, nem tagarela, nem muito esperta e inteligente; mas, ao contrário, deve se mostrar inde­

fesa, desprotegida; as mulheres devem ser, também, doces, gentis e meigas.

Como já foi historicizado e discutido anteriormente, vivemos uma nova era, marcada

pelo amplo desenvolvimento das tecnologias, especialmente da larga difusão da mídia. A te­

levisão digital é a mais nova promessa de grandes descobertas, sonhos e realizações à popula­

ção. Nesse contexto, cabe a nós, educadores e educadoras, estarmos atentos para as formas

como as relações de gênero e sexualidade têm sido representadas por diferentes artefatos cul­

turais. Levar “os novos contos de fadas” para ler, discutir e problematizar com os/as estudan­

tes parece ser uma estratégia pedagógica, no mínimo interessante, para refletir sobre como se

produzem padrões de feminilidade e masculinidade, examinando como estes mudam e o que

contribui para a produção de “novos” deslocamentos, “novas” identidades.

Page 186: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

182

Finalizo, assim, esta Dissertação com a expectativa de não trazer certezas ou respostas

para nossas vivências pessoais, práticas acadêmicas e pedagógicas, mas, sim, de problemati­

zar a literatura ofertada às crianças para poder melhor dimensionar os efeitos possíveis nos

modos de ser e viver na contemporaneidade.

Page 187: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

183

Referências

ANDRADE, Sandra dos Santos. Mídia impressa e educação de corpos femininos. In: LOU­ RO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003. p.108­123.

ARGÜELLO, Zandra Elisa. Literatura infantil não sexista: um diálogo sobre gênero com cr ianças na Educação Infantil. 2004. Proposta de Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2004.

ARGÜELLO, Zandra Elisa. Dialogando com cr ianças sobre gênero através da literatura infantil. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós­Graduação em Edu­ cação, Linha de Pesquisa: Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, Faculdade de Educa­ ção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2005.

ARIÈS, Philippe; tradução de Dora Flaksman. Histór ia social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

BARBOSA, Maria Carmem S. Por amor & força: rotinas na educação infantil. 2000. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós­Graduação em Educação, Universidade Esta­ dual de Campinas, Campinas: UNICAMP, 2000.

BELLO, Alexandre Toaldo. Sujeitos infantis masculinos: homens por vir? 2006. Disserta­ ção (Mestrado em Educação) – Programa de Pós­Graduação em Educação, Linha de Pesquisa: Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2006.

BUJES, Maria Isabel E. Infância e maquinar ias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

CANTON, Kátia. Contos que brotam nas florestas: na trilha dos irmãos Grimm. Ilust. De­ nise Milan. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 1997a. (Coleção Arte conta histórias)

CANTON, Kátia. Chocolate quente na neve: histórias dinamarquesas de Andersen. Ilust. Leda Catunda. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 1996. (Coleção Arte conta histórias)

CANTON, Kátia. Conversa de madame: Perrault nos salões franceses. Ilust. Renata Barros. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 1997b. (Coleção Arte conta histórias)

CANTON, Kátia; tradução de Cláudia Sant’Ana Martins. E o pr íncipe dançou...: o conto de fadas, da tradição oral à dança contemporânea. São Paulo: Ática, 1994.

COLOMER, Teresa; tradução de Laura Sandroni. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. São Paulo: Global, 2003.

CORAZZA, Sandra Mara. Histór ia da infância sem fim. Ijuí: Ed. da UNIJUÍ, 2000.

Page 188: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

184

CORAZZA, Sandra Mara. Infância & educação: era uma vez... quer que conte outra vez? Petrópolis: Vozes, 2002.

COSTA, Marisa Vorraber. Apresentação. In: ______ (Org.). Estudos Culturais em educa­ ção: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... Porto Alegre: Ed. Universi­ dade / UFRGS, 2000a. p.9­10.

COSTA, Marisa Vorraber. Estudos Culturais – para além das fronteiras disciplinares. In: ______ (Org.). Estudos Culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema... Porto Alegre: Ed. Universidade / UFRGS, 2000b. p.13­36.

CULLER, Jonathan. Narrativa. In :_____. Teor ia Literár ia – uma introdução. São Paulo: Beca Produções, 1999. p.85­94.

DORNELLES, Leni V. Meninas de papel. 2002. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Gran­ de do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2000.

ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de endereçamento: uma coisa de cinema; uma coisa de e­ ducação também. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Trad. e Org.) Nunca fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.7­76.

ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que é, afinal, Estudos Culturais? 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.133­166.

FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005.

FELIPE, Jane. Entre tias e tiazinhas: pedagogias culturais em circulação. In: SILVA, Luis Heron (Org.). Século XXI: qual conhecimento? Qual currículo? Petrópolis: Vozes, 1999. p.167­179.

GOMES, Paola Basso Menna Barreto. Princesas: produção de subjetividade feminina no imaginár io de consumo. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós­ Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2000.

GOULART, Maria Alice Hamilton. O prazer como imperativo, a literatura como meio, os corpos dóceis como fim: o micropoder dos catálogos de livros infantis. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós­Graduação em Educação, Faculdade de Educa­ ção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2000.

GUIZZO, Bianca Salazar. Identidades de gênero e propagandas televisivas: um estudo no contexto da Educação Infantil. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós­Graduação em Educação, Linha de Pesquisa: Educação e Relações de Gênero, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2005.

HALL, Stuart (Org.) Representation: cultural r epresentations and signyfing pratices. London: Sage Publications, 1997a.

Page 189: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

185

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educa­ ção & Realidade. Porto Alegre, v.22, n.2, p.15­46, jul./dez. 1997b.

HOUAISS; VILLAR. Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Trad. e Org.). O que é, afinal, Estudos Culturais? 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.7­ 131.

KAERCHER, Gládis Elise Pereira da Silva. O mundo na caixa: gênero e raça no Progra­ ma Nacional Biblioteca da Escola – 1999. 2005. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós­Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Gran­ de do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2005.

KEHL, Maria Rita. Prefácio: A criança e seus narradores. In: CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mário. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006. p.15­19

KINDEL, Eunice Aita Isaia. A natureza no desenho animado ensinando sobre homem, mulher, raça, etnia e outras coisas mais... .2003. Tese (Doutorado em Educação) – Progra­ ma de Pós­Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto alegre: UFRGS, 2003.

KUHLMANN JÚNIOR, Moysés. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2001.

LARROSA, Jorge. Narrativa, identidad y desidentificación. In: LARROSA, Jorge. La exper iencia de la lectura. Barcelona: Alertes, 1996.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2001a.

LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). Trad. Tomaz Tadeu da Silva. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo Ho­ rizonte: Autêntica, 2001b.

MACHADO, Ana Maria. Ideologia e livro infantil. In: ______. Contracorrente – conversas sobre leitura e política. São Paulo: Ática, 1999.

MEDEIROS, Martha. Walt Disney no banco dos réus. Zero Hora, Porto Alegre, 16 nov. de 2001. Revista ZH Donna.

MEYER, Dagmar Estermann. Escola, currículo e produção de diferenças e desigualdades de gênero. Cadernos temáticos: Gênero, memória e docência. Porto Alegre: Prefeitura Muni­ cipal de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Porto Alegre, 2001. p.29­34.

MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, Guacira Lo­ pes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.). Corpo, gênero e sexuali­ dade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003. p.9­27.

NARODOWSKI, Mariano; tradução de Mustafá Yasbek. Infância e poder : conformação da pedagogia moderna. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001.

Page 190: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

186

NELSON, Cary; TREICHLER, Paula A.; GROSSBERG, Lawrence. Estudos Culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdu­ ção aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. p.7­38.

NEULS, Janaína Souza. Lições de masculinidade – aprendendo com A Turma do Didi. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós­Graduação em Educação, Fa­ culdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2004.

PETERS, Michael; tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Pós­estruturalismo e filosofia da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

PLUMMER, Ken. An invitation to a sociology of stories. In: GRAY, Ann; McGUIGAN, Jim. Studying Culture. London: Arnold, 1993.

POSTMAN, Neil; tradução de Suzana Menescal de Alencar Carvalho e José Laurenio de Me­ lo. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999.

RAEL, Claudia Cordeiro. Gênero e sexualidade nos desenhos da Disney. In: LOURO, Guaci­ ra Lopes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003. p.160­171.

RODARI, Gianni; tradução de Antonio Negrini. Gramática da fantasia. São Paulo: Sum­ mus, 1982. (Novas buscas em educação; v.11)

ROSAMILHA, Nelson. Psicologia do jogo e aprendizagem infantil. São Paulo: Pioneira, 1979.

SABAT, Ruth. Relações de gênero na mídia. In: NETO, Alfredo Veiga [et alli]; SCHMIDT, Saraí (Org.). A educação em tempos de globalização. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.65­68.

SABAT, Ruth. Filmes infantis e produção per formativa da heterossexualidade. 2003. 183 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós­Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2003.

SABAT, Ruth. Só as bem quietinhas vão casar. In: MEYER, Dagmar; SOARES, Rosângela. Corpo, gênero e sexualidade. Porto Alegre: Mediação, 2004. p.95­106.

SAINT­EXUPÉRY, ANTOINE; tradução de Dom Marcos Barbosa. O pequeno príncipe. 48. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2005.

SAMPAIO, Inês Sílvia Vitorino. Televisão, publicidade e infância. São Paulo: Analumbre, 2000.

SANTOS, Cláudia Amaral dos. A invenção da infância gener ificada: a pedagogia da mí­ dia impressa constituindo as identidades de gênero. 2004. Dissertação (Mestrado em Edu­ cação) – Programa de Pós­Graduação em Educação, Linha de Pesquisa: Estudos Culturais em Educação, Núcleo de estudos em Currículo, Cultura e Sociedade, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2004.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71­99, jul./dez. 1995.

Page 191: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

187

SCHULMAN, Norma. O Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de Bir­ mingham: uma história intelectual. Em: SILVA, Tomaz Tadeu da (Trad. e Org.). O que é, afinal, Estudos Culturais?. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.167­224.

SEFTON, Ana Paula. “Pai não é de uso diário” (?): paternidades na literatura infanto­ juvenil. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) –Programa de Pós­Graduação em Educa­ ção, Linha de Pesquisa: Educação, Sexualidade e Relações de Gênero, Faculdade de Educa­ ção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2006.

SHAVIT, Zohar; tradução de Ana Fonseca. Poética da literatura para crianças. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.

SILVA, Tomaz Tadeu da. O projeto educacional moderno: identidade terminal? In: VEIGA­ NETO, Alfredo (Org.). Cr ítica pós­estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995, p.245­260.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currícu­ lo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Teoria cultural e educação: um vocabulário crítico. Belo Hori­ zonte: Autêntica, 2000.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Pedagogia e auto­ajuda: o que sua auto­estima tem a ver com o poder? In: NETO, Alfredo Veiga [et alli]; SCHMIDT, Saraí (Org.). A educação em tempos de globalização. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.41­44.

SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que é, afinal, Estudos Culturais?. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Leitura, literatura e currículo. In: COSTA, Marisa Vorraber. O curr ículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1998.

SOUZA, Jane Felipe de. Governando mulheres e cr ianças: jardins de infância em Por to Alegre na primeira metade do século XX. 2000. Tese (Doutorado em Educação) – Progra­ ma de Pós Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2000.

STEINBERG, Shirley R.; KINCHELOE, Joe L.. Sem segredos: cultura infantil, saturação de informação e infância pós­moderna. In: STEINBERG, Shirley R.; KINCHELOE, Joe L. (Orgs.); tradução de George Eduardo Japiassú Bricio. Cultura infantil: a construção corpo­ rativa da infância. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.9­52

STEINBERG, Shirley R. A mimada que tem tudo. In: STEINBERG, Shirley R.; KINCHE­ LOE, Joe L. (Orgs.); tradução de George Eduardo Japiassú Bricio. Cultura infantil: a cons­ trução corporativa da infância. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 321­338

TRINDADE, Iole Maria Faviero. Um olhar dos Estudos Culturais sobre artefatos e práticas sociais e escolares de alfabetização e alfabetismo. In: MOLL, Jaqueline (Org.). Múltiplos alfabetismos: diálogos com a escola pública na formação de professores. Porto Alegre: Edi­ tora da UFRGS, 2005. p.123­133.

Page 192: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

188

VEIGA­NETO, Alfredo. Michel Foucault e os Estudos Culturais. In: COSTA, Marisa Vorra­ ber (Org.). Estudos Culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatu­ ra, cinema... Porto Alegre: Ed. Universidade / UFRGS, 2000. p.37­69.

VIDAL, Fernanda Fornari. Uma sala de aula em que se pode brincar. In: DALLA ZEN, Maria Isabel H. (Org.). Projetos pedagógicos: cenas de sala de aula. Porto Alegre: Mediação, 2001. p.35­61. (Cadernos de Educação Básica, v. 7)

VIDAL, Fernanda Fornari. Pr íncipes, pr incesas, sapos, bruxas e fadas: os “novos contos” de fadas ensinando sobre como ser e viver na contemporaneidade. 2006. Proposta de Dis­ sertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2006.

VIDAL, Fernanda Fornari; NEULS, Janaína Souza. Literatura infantil, escola e gênero: his­ tórias que ensinam modos de ser homem e de ser mulher. 2º Seminár io Brasileiro de Estu­ dos Culturais e Educação. Anais – CD­ROM. Canoas: ULBRA, 2006a.

VIDAL, Fernanda Fornari; NEULS, Janaína Souza. Contos de fadas modernos: ensinando modos de ser homem e mulher. Seminário Internacional Fazendo Gênero 7 – Gênero e Preconceitos. Anais – CD­ROM. Florianópolis: UFSC e UESC, 2006b.

WALKERDINE, Valerie. O raciocínio em tempos pós­modernos. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 207­226, jul./dez. 1995.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Cul­ turais. Petrópolis: Vozes, 2000. p.7­72.

Page 193: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

189

Anexos

Page 194: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

190

Anexo 1: Relação dos livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados.

INFÂNCIA (7)

1. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: Scipione 2003. (Coleção As Trigêmeas)

2. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e Chapeuzinho Vermelho. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: Scipio­ ne 2003. (Coleção As Trigêmeas)

3. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e Cinderela. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: Scipione 2003. (Coleção As Trigêmeas)

4. COMPANY, M. (tradução de Rita E. Garcia Gonçalves). As Tr igêmeas e João e Maria. Ilust. Roser Capdevila. Tradução de Rita E. Garcia Gonçalves. São Paulo: Scipione 2003. (Coleção As Trigêmeas)

5. COSTA, Bruna Dias do Carmo. A bailar ina encantada. Ilust. Roberto Weigand. São Pau­ lo: FTD, 2006. (Coleção Jovens Escritores)

6. MARTINS, Georgina da Costa. O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Mar ia: um conto de fadas brasileiro. Ilust. Victor Tavares. São Paulo: DCL, 1999.

7. VASSALO, Márcio. O pr íncipe sem sonhos. Ilust. Mariana Massarani. São Paulo: Brin­ que­Book, 1999.

GÊNERO (9)

1. COLE, Babette. A princesa sabichona. Tradução de Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

2. COLE, Babette. Pr íncipe Cinderelo. Tradução de Monica Stahel. São Paulo: Martins Fon­ tes, 2000.

3. 4. DISNEY, Walt. Minha versão da histór ia: A Bela Adormecida / Malévola. Ilust. Dis­ ney Storybook Artists. Tradução de Paula B. P. Mendes. São Paulo: Caramelo, 2005. (Cole­ ção Minha versão da história)

5. 6. DISNEY, Walt. Minha versão da histór ia / contada por Branca de Neve a Daphane Skinner; Ilust. Atelier Philippe Harchy. São Paulo: Caramelo, 2004. (Coleção Minha versão da história) [e] DISNEY, Walt. Minha ver são da história / contada pela Rainha a Daphane

Page 195: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

191

Skinner; Ilust. John Kurtz. Tradução de Luciana Garcia. São Paulo: Caramelo, 2004. (Coleção Minha versão da história)

7. 8. DISNEY, Walt. Minha versão da história / contada por Cinderela a Daphane Skin­ ner; Ilust. Atelier Philippe Harchy. São Paulo: Caramelo, 2005. (Coleção Minha versão da história) [e] DISNEY, Walt. Minha versão da histór ia / contada pela Madrasta a Daphane Skinner; Ilust. John Kurtz (tradução de Maria Cláudia Lopes). São Paulo: Caramelo, 2005. (Coleção Minha versão da história)

9. MINTERS, Frances. A Bela Desadormecida. Ilust. G. Brian Karas. Tradução de Laura Lee. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1999.

Page 196: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

192

Anexo 2: Resumos dos livros de literatura infantil e infanto­juvenil analisados.

INFÂNCIA (7)

1. As Trigêmeas e Branca de Neve e os Sete Anões Vocês conseguem imaginar Branca de Neve transformada em rainha e mãe de príncipes tri­ gêmeos? Pois é assim que ela vai aparecer nesta história. Com AS TRIGÊMEAS, que entram no túnel do tempo e continuam a história a partir daquele fim que já conhecemos, a história de Branca de Neve e os sete anões adquire um sopro de ar renovador, descontraído, alegre e divertido, tão do agrado das crianças de hoje.

As trigêmeas estavam na escola, quando a professora contou­lhes a história de Branca de Neve e os Sete Anões. Ao voltarem para casa, quiseram brincar de teatrinho e encenar a história. Ana seria a Branca de Neve, Helena, o príncipe, e Teresa, o mais esperto dos anõe­ zinhos. Faltava uma personagem: a bruxa que dá a maçã envenenada a Branca de Neve. Para este papel, convidaram Bruxa Onilda. Ela saltou de dentro do armário, de onde espiava o que as meninas faziam.

Nesta história, a Bruxa Onilda (tia das meninas gêmeas – Ana, Helena e Teresa) deci­ de enviar as meninas para a história da Branca de Neve, antes mesmo que elas dissessem alguma coisa a respeito do teatrinho que estavam fazendo. Imediatamente, uma nuvem mági­ ca as envolveu e as transportou para a história. Quando abriram os olhos, estavam em uma casinha onde tudo era pequeno: sete cadeirinhas, sete copinhos, sete caminhas... estavam na casa dos sete anões e imaginavam que eles estavam trabalhando na mina. Resolveram esperá­ los para pedir autógrafos. Enquanto as meninas bisbilhotavam a casa, Bruxa Onilda, lá fora, transformava coelhos, corujas, pássaros... em anõezinhos. Ela queria brincar com as meninas, fazendo­se passar por Branca de Neve. Então, ela disfarçou­se de Branca de Neve, segurando uma máscara, e chegou a casa com os sete anões (os animais que ela transformou em anões). As meninas disseram que vieram avisá­la para não comer a maçã que uma velha feia ia lhe oferecer, porque estaria envenenada. A falsa Branca de Neve riu, mudando de voz para não ser reconhecida e disse que isso foi há muitos anos atrás. Agora, ela estava de férias com os amigos anões e ofereceu uma maçã docinha às trigêmeas. Helena, a mais gulosa, deu uma mordida na fruta e caiu desmaiada no chão. O encanto se desfaz e aparecem a Bruxa Onilda e os animais, que ela havia transformado em anões, mas todos logo desaparecem. Ana e Teresa

Page 197: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

193

colocaram Helena nas camas dos anões e choravam o seu desmaio, quando ouviram vozes se aproximando. Pela estrada, vinha Branca de Neve seguida de três meninos iguaizinhos com uma coroa na cabeça. As meninas pediram socorro a ela.

A gentil senhora explicou­lhes que aconteceu com Helena o que havia acontecido com ela há muitos anos. Disse, ainda, que era a verdadeira Branca de Neve, que tinha casado com o Príncipe, que agora era rei, e que tiveram três filhos gêmeos como elas.

Branca de Neve ofereceu­se para ajudá­las. A eles juntaram­se os sete anões que vol­ tavam do trabalho. Os príncipes ficaram com ciúmes ao verem que não eram os únicos tri­ gêmeos do país. Os anões, também, não estavam gostando de ver sua casa invadida por es­ tranhos. O sucesso tinha subido à cabeça deles, já que o rei, agradecido pelos cuidados com a Branca de Neve, tinha afastado todos da mina e os feito ministros do reino para sempre. Os anões estavam cansados, pois era cansativo ser ministro, queriam poder voltar para casa, tirar a gravata, calçar os chinelos e assistir televisão com conforto. Uma das irmãs queria que um dos príncipes beijasse a irmã desmaiada para ver se acontecia o mesmo, como na conhecida história. O príncipe Paulo acabou dando um beijo na testa de Helena e ela abriu os olhos e levantou. Ficou corada e emocionada – as amigas teriam inveja ao saber disso!

Depois, Bruxa Onilda trouxe as meninas de volta para casa. Elas gostaram muito des­ ta aventura, pois fizeram amizade com os três príncipes, brincaram, pularam, dançaram.

2. As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho Coitado do Lobo Mau! Quem diria? Foi derrotado por Chapeuzinho Vermelho e a aventura terminou com um delicioso lanche, preparado pela vovó, para as trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho. Com AS TRIGÊMEAS, a história de Chapeuzinho Vermelho ganha algumas novidades e fica mais descontraída, alegre e divertida, bem ao gosto das crianças.

Nesta história, Bruxa Onilda (tia das trigêmeas), que encontra as trigêmeas fazendo desenhos enormes com giz­de­cera nas paredes, resolve inventar uma nova aventura que di­ vertisse bastante as trigêmeas (Ana, Helena e Teresa), transportando­as para bem longe, para que vivessem com os personagens mais conhecidos das histórias infantis. As meninas teriam que usar toda a esperteza e criatividade que tinham para, junto com os famosos personagens, enfrentar e vencer os desafios que surgissem; a vencedora seria premiada com a volta para casa.

Assim, as meninas foram transportadas, pela magia da Bruxa Onilda, para a história de “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau” e, no mesmo instante, perceberam que já esta­ vam dentro da história. As meninas vestiram capas vermelhas, como a da personagem princi­

Page 198: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

194

pal desta história, e saíram pelo bosque, onde encontram Chapeuzinho que atualizou as tri­ gêmeas sobre a realidade do bosque: o lobo mau não existia mais, pois não causava medo em mais ninguém, mas era um truque para atrair turistas como elas; Chapeuzinho e sua vovó estavam acostumadas a dar autógrafos. O lobo ficava treinando tentar pegar Chapeuzinho para devorá­la, mas não conseguia e acabava sendo surrado por Chapeuzinho. A Bruxa Onil­ da entra na história, fazendo­se de vovozinha, e ocorre o famoso diálogo (lobo disfarçado de vovó com netinha), porém entre bruxa disfarçada de vovó e sobrinhas. Neste instante, estou­ raram bombinhas (fogos de artifício) e a Bruxa Onilda sai correndo desesperada, desfaz­se o encantamento da vovozinha e ela recupera sua aparência normal. Chapeuzinho aparece na casa da vovó, trazendo o lobo mau amarrado em uma corda, sendo puxado pela menina.

A aventura termina com um delicioso lanche, preparado pela vovó, para as trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho, com o lobo deitado no chão, embaixo da mesa, amarrado a um pé da mesa, como um tapete, sobre o qual a vovó pisava.

3. As Trigêmeas e Cinderela Cinderela, cercada de eletrodomésticos que facilitam seu trabalho, vai ao baile real de mo­ tocicleta! Só a fantástica imaginação das trigêmeas poderia modernizar assim a história da pobre menina. Com AS TRIGÊMEAS, que se transformam em modernas fadas boas de Cinderela, a histó­ ria adquire um sopro de ar renovador, descontraído, alegre e divertido, tão do agrado das crianças de hoje.

As trigêmeas estavam brincando de construir um castelo magnífico na casa da avó. Nesta história, Bruxa Onilda (tia das trigêmeas Ana, Helena e Teresa) resolve mandar

as meninas, num passe de mágica, para uma aventura em uma história conhecida, mandando­ as para a história da “Cinderela”. O tapete mágico largou as trigêmeas no buraco da chaminé, e elas caíram na lareira, que estava apagada, da cozinha onde estava Cinderela. Em seguida, as irmãs de Cinderela a chamaram para mostrar seus vestidos e aproveitar para caçoarem de Cinderela, pois estavam muito animadas, já que iriam ao baile do príncipe e Cinderela não poderia ir, porque deveria terminar a faxina na casa. As trigêmeas viram o choro e a tristeza de Cinderela por não poder ir ao baile. As trigêmeas lembravam muito bem da história clás­ sica e sabiam que a Fada Madrinha estava prestes a chegar com a carruagem e vestidos e resolveram fazer umas alterações... Assim que as irmãs de Cinderela foram embora, a Fada Boa apareceu e as três meninas pediram que ela desse alguns eletrodomésticos e uma moto­ cicleta a Cinderela. As irmãs gêmeas arrumaram Cinderela e, depois, se enfeitaram também como princesinhas. Após se vestirem, ensinaram Cinderela a dirigir a motocicleta e foram

Page 199: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

195

todas juntas ao baile (o povo nas ruas estava apavorado com aquela máquina estranha entre as outras carruagens). Chegando ao castelo, os convidados tinham que passar pela bilheteria, porque o rei estava com dificuldades financeiras e resolveu cobrar a entrada do baile. O prín­ cipe, que estava atrás de uma coluna, viu Cinderela passar e caiu de paixão por ela no mesmo instante. Ele tirou Cinderela para dançar e não se separaram a noite toda, causando inveja nas duas irmãs de criação de Cinderela. Mas o tempo foi passando e a Fada Madrinha avisara que à meia noite o encanto acabaria: a motocicleta sumiria e Cinderela voltaria ao seu fogão e panelas. As trigêmeas tentaram impedir que isso acontecesse e subiram até a torre do relógio do castelo e atrasaram os ponteiros. Porém, Bruxa Onilda apareceu e avisou depressa as ir­ mãs de criação sobre a alteração no relógio, já que ela tinha outros planos para as trigêmeas e queria mudar o final da história. As duas que já suspeitavam que estivesse acontecendo algo estranho, correram até a torre e agarraram as trigêmeas e disseram­lhes que levariam um cas­ tigo – ficar trancadas no poço mais profundo do reino – por terem ajudado Cinderela. Porém as trigêmeas armaram um escândalo; então, a Cinderela e o príncipe, ouvindo­as, saíram cor­ rendo para socorrê­las. As trigêmeas foram seqüestradas pelas irmãs adotivas de Cinderela e levadas de carruagem. Cinderela pegou sua motocicleta, colocou o príncipe na carona e se­ guiu a carruagem, alcançando­as.

Assim, como as trigêmeas tinham quebrado os ponteiros do relógio antes de ele dar as doze badaladas, a Fada Madrinha não pôde desfazer o encantamento. Deste modo, depois de salvar as trigêmeas, Cinderela decidiu sair com o príncipe pelo mundo afora.

4. As Trigêmeas e João e Mar ia As trigêmeas jamais tinham imaginado, nem mesmo nos seus melhores sonhos, uma casa de chocolate e balas como aquela, para onde a Bruxa Onilda as levou. Com AS TRIGÊMEAS, a história de João e Mar ia adquire um sopro de ar renovador, des­ contraído, alegre e divertido, tão do agrado das crianças de hoje.

As trigêmeas estavam na cozinha preparando uma sobremesa – fazendo um enorme bolo de chocolate.

Nesta história, a Bruxa Onilda (tia das meninas gêmeas – Ana, Helena e Teresa) re­ solve mandar as trigêmeas para um lugar..., justificando que, já que elas gostam tanto de chocolate, vão enjoar de tanto comer... E, num piscar de olhos, as trigêmeas sentiram­se transportadas por um vento mágico para muito longe, até caírem no meio de um bosque, on­ de encontraram duas crianças – João e Maria – que olharam para elas com ar de surpresa. Como as trigêmeas conheciam esta história, apressaram­se em avisar João e Maria sobre os perigos da casinha de chocolate. As crianças João e Maria não acreditaram no que as três

Page 200: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

196

irmãs disseram, achavam que elas estavam mentindo, porque queriam comer todos os doces e, apesar dos gritos das trigêmeas, entraram na casa.

As trigêmeas entraram pela janela da casa e, distraídas pelo aroma que vinha do cal­ deirão, nem perceberam a presença da Bruxa Onilda. As trigêmeas caíram numa armadilha, foram amarradas em uma corda pela Bruxa Onilda e tudo indicava que serviriam de refeição para algumas bruxas gulosas que ali estavam (João e Maria na porta, sem serem notados, assistiram à cena). Depois, João e Maria ficaram indiferentes à situação, não fizeram nada para ajudar Ana, Helena e Teresa que ficaram presas em uma gaiola no chão, enquanto eles eram servidos de doces pelas bruxas.

João e Maria dormiram profundamente, depois de se alimentarem. Mas, na verdade, todos estavam sendo enganados... As bruxas pretendiam comer todos eles. Enquanto as bru­ xas foram buscar temperos especiais, as trigêmeas criaram um plano.

Depois de pegarem as ervas, a bruxa dona­da­casa mostrou as suas amigas bruxas um projeto de uma garagem para guardar as vassouras voadoras. Enquanto isso, as trigêmeas já tinham comido as gostosíssimas barras de caramelo da prisão e acordaram João e Maria, chamando­os para fugirem. De repente, uma das trigêmeas viu um homem vindo numa car­ roça. João achava que era seu pai à procura deles. E, sem fazer barulho, as trigêmeas des­ montaram toda a casa e colocaram na carroça. João e Maria despediram­se com um forte abraço de Ana, Teresa e Helena que ficaram no local para ver a cara das bruxas. A primeira a gritar, quando viu que a casa não existia mais (elas estavam na rua, de costas pra casa) foi a Bruxa Onilda.

Após, as trigêmeas saíram correndo fugindo das bruxas que as perseguiam. Quando estavam quase sendo alcançadas, surgiram três patos na beira de um rio que fizeram o favor de transportar as irmãs. Mais uma vez, as meninas driblaram a Bruxa Onilda e voltaram para casa para comer bolo de chocolate.

5. A bailar ina encantada Esta história consiste em uma releitura da história “A vendedora de fósforos” de Andersen. A autora leu vários contos de Andersen e, em seguida, escolheu um e reescreveu a história, trazendo a problemática para o presente. A jovem autora, de 12 anos, participou de um con­ curso comemorativo aos duzentos anos do nascimento do referido escritor dinamarquês, rea­ lizado pela Universidade de Passo Fundo no ano de 2005.

A história é sobre uma menina humilde, chamada Lia, que morava numa casinha sim­ ples e branca que ficava ao lado de um laguinho. Ao nascer, ela era encantadora, seus olhos brilhavam como as estrelas e, como era negra, seus pais a apelidaram carinhosamente de Pre­ tinha.

Todas as noites sua mãe lhe contava histórias e, certa vez, ao fazer a contação de uma,

Page 201: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

197

deu a menina uma caixinha de música, que ganhara de seu pai quando ficaram noivos. Ao abrir a caixinha, Pretinha ficou encantada com a bailarina que dançava suavemente ao som de uma singela melodia. A partir daquele instante, Pretinha começou a sonhar em ser bailari­ na.

O tempo foi passando, Pretinha foi crescendo e, quase todas as noites, sozinha à beira do lago, olhando para as estrelas refletidas na água, ela pedia à estrela mais brilhante que realizasse o seu desejo. Mas a menina sabia que, por ser pobre, seu sonho dificilmente iria tornar­se realidade.

Quando ela completou oito anos, seu pai ficou doente e faleceu. A partir de então, ela teve de deixar a escola e passou a ajudar sua mãe no trabalho de cortar cana numa fazenda da região. Mãe e filha acordavam todos os dias muito cedo, antes do dia clarear, e voltavam para casa ao anoitecer. Sua jornada de trabalho durava de dez a doze horas por dia.

Pretinha costumava admirar as estrelas, enquanto pensava na saudade que sentia do pai e sofrendo com a tristeza de sua mãe. Uma noite, ela via uma estrelinha caindo do céu. Esta parou no ar e uma voz lhe disse para não ficar triste, porque seu pai estava feliz e olhan­ do por elas – mãe e filha. No mesmo instante, apareceu um clarão no céu e a estrela brilhante apontou na direção de uma porta que se abriu e disse para a menina entrar naquele mundo mágico, onde seu sonho se realizaria.

Pretinha saiu correndo em direção à luz. À sua frente apareceu um palco iluminado e ela, vestida de bailarina, começou a dançar para uma platéia admirada com seu jeito de dan­ çar e, entre as pessoas, estava seu pai todo orgulhoso. Ela ficou muito famosa, tudo parecia um sonho... Aquele era o mundo da imaginação.

Na verdade, Pretinha havia corrido em direção ao lago, e sua mãe só chegou a tempo de ver a filha se afogando com um sorriso nos lábios. Desesperada por não saber nadar, a mãe gritou por socorro e um fazendeiro que passava pela estrada correu e tentou salvar a menina, mas já era tarde demais. A bailarina havia morrido. O fazendeiro acabou casando­se com a mãe de Pretinha, pois ambos eram viúvos e formaram uma nova família.

“Cotam que, ao cair da noite, sempre aparece uma menina de pele escura, vestida de bailarina, dançando sobre as águas do lago.”

6. O Menino que não se chamava João e a Menina que não se chamava Mar ia: um con­ to de fadas brasileiro O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria correm as ruas de uma grande cidade em busca da famosa casa feita de chocolates. Um sonho. A expectati­

Page 202: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

198

va de uma vida melhor longe de monstros disfarçados ou promessas não cumpridas. Acom­ panhar as aventuras das duas crianças é percorrer o caminho de muitos meninos que não se chamam João e meninas que não se chamam Maria, livres e abandonadas por nossas ruas. Meninos e meninas sem nome, que também não se chamam Antônio, José, Glória, Carolina, Cláudia.

Um menino que não se chamava João e uma menina que não se chamava Maria tive­ ram que sair de casa como aqueles dois da outra história (João e Maria). O menino que não se chamava João queria encontrar aquela tal casa feita de doces, mas a menina que não se chamava Maria não acreditava muito que ela existisse. Apesar disso, ela resolveu acompa­ nhar o irmão. Os dois irmãos saíram de casa expulsos pelo monstro (companheiro da mãe) e só deu tempo de pegarem a Nininha (irmã caçula) no berço e sair correndo. Saíram em busca da casa de doces, onde não passariam mais fome. Eles não estudavam, pois tinham que aju­ dar a mãe a comprar comida. A mãe trabalhava quando aparecia alguma coisa. O padrasto batia na mãe e neles. No total eram oito filhos; um já tinha morrido; e dois estavam presos.

No caminho, precisavam arrumar leite para Nininha beber, pois o bebê estava com fome, já que no dia anterior o monstro tinha tomado todo o leite que uma senhora tinha dado para a mãe alimentar a filha Nininha.

O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria, mais sua irmãzinha Nininha, tiveram que dormir na rua. Pela manhã, foram acordados pelo barulho do caminhão de lixo.

Estavam preocupados com a Nininha, que há três dias não bebia leite. Pediram para algumas pessoas que encontraram nas ruas, mas elas fizeram várias perguntas e não deram leite às crianças.

O menino que não se chamava João viu um monte de gente catando comida em uns sacos que estavam na calçada de um restaurante. Foi lá, conversou com uma moça, contou de sua irmãzinha, e a moça que tinha encontrado no lixo duas caixas com um resto de leite, deu­ lhe a que tinha menos, já que com a outra ela iria alimentar seus dois filhos.

Deram o leite para Nininha beber e, em seguida, ela vomitou. Depois começou a ficar quente e mole. O menino que não se chamava João e a menina que não se chamava Maria já estavam bem afastados da cidade, talvez próximos da casinha de doces, mas tiveram que retornar para levar a Nininha num posto de saúde. Lá a médica disse­lhes que o estado dela era grave e que precisava tomar uns remédios com urgência. O problema era que ali, naquele posto, eles não tinham os medicamentos para dar. Então, os irmãos, resolveram sair em busca da casa de doces, pois a casa, por ser mágica, realizava desejos e poderia curar a irmãzinha.

No caminho Nininha morreu. A menina que não se chamava Maria e o menino que não se chamava João dormiram no meio do bosque, e a irmã sonhou que tinha que colocar Nininha em uma pedra bem bonita perto do riacho, então uma fada iria buscá­la e Nininha se tornaria uma estrela. Assim eles fizeram, apesar de chorarem muito.

Depois, seguiram rumo à casa mágica e encantada de doces. Encontraram e resolve­ ram lá ficar. Eles fecharam os olhos e desejaram muito ficar lá para sempre. Desejaram com tanta força que, de repente, foram diminuindo até ficarem invisíveis e desapareceram junta­ mente com a casa feita de doces. Dizem que eles foram morar no livro e viveram felizes para sempre.

Page 203: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

199

7. O Pr íncipe sem Sonhos Thiago era um príncipe sem sonhos; passava o dia triste, porque já tinha tudo. Sendo

assim, como poderia sonhar? Ele até tentava sonhar, mas mal começava e seus desejos já se realizavam. O rei e a rainha faziam de tudo para ver o filho feliz. Eles eram muito amorosos e não entendiam o porquê daquele sofrimento, pois Thiago realmente tinha tudo que se podia imaginar.

Sendo assim, com o que Thiago poderia sonhar? Com uma princesa de contos de fa­ das? Não, Thiago ainda não tinha tempo para princesas. Gostava de jogar futebol, jogar boli­ nha de gude com a galera. Ele não sabia qual era seu sonho, nem mesmo se tinha algum. E isso o deixava muito triste.

Certo dia, cansado, de tanto tentar sonhar, o príncipe resolveu visitar seu sábio avô que vivia longe das badalações do castelo e pedir­lhe um conselho. Fazia tempo que eles não se viam, abraçaram­se longa e grandiosamente. O menino estava aflito porque não conseguia ter nenhum sonho só seu, então, achava que seus sonhos não existiam. Vô e neto conversa­ ram e o vô ensinou­lhe um provérbio árabe: “Não diga que o céu está sem estrelas só porque às vezes você não as enxerga”. Sentado no colo do avô, Thiago escutava seus conselhos. O avô dizia para ele que seus sonhos são como as estrelas, isto é, estão aí, mesmo que ele não as consiga ver em lugar algum. Disse para prestar atenção, pois o menino já tinha tudo o que queria, mas ainda não era tudo o que podia ser. Um dia ele saberia a diferença entre ter e ser. Mas não era necessário saber naquele instante. Thiago adormeceu no colo do avô, com um sorriso diferente e sereno. Estaria ele sonhando? Só se saberia quando acordasse. O avô dis­ se­lhe ao ouvido que os melhores sonhos são aqueles que continuam de outro jeito quando despertamos.

Page 204: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

200

GÊNERO (9)

1. A pr incesa sabichona A Princesa sabichona não queria se casar. Ela gostava de ser solteira e queria viver

sossegada no castelo com seus bichos de estimação, fazendo o que bem entendesse. A prin­ cesa era muito bonita e rica, por isso todos os príncipes queriam se casar com ela.

Um dia a rainha disse­lhe que já estava na hora de ela arrumar um marido e parar de ficar às voltas com seus bichos. Um monte de pretendentes chatos ficou rodeando o castelo. Então, a Princesa sabichona declarou que quem passasse pela prova que ela determinasse, teria sua mão em casamento.

A cada um dos príncipes pretendentes ela deu uma tarefa bastante difícil que eles não conseguiram cumprir. Então, a Princesa Sabichona considerou­se livre de todos os preten­ dentes.

Foi então que apareceu o Príncipe Fanfarrão que conseguiu fazer todas as tarefas que todos os outros não haviam conseguido realizar. Ele achou que a Princesa Sabichona não era tão sabida assim. Então ela lhe deu um beijo mágico e ele virou um sapo enorme. O Príncipe Fanfarrão­sapo foi­se embora depressa. E quando os outros príncipes ficaram sabendo o que tinha acontecido com o Príncipe Fanfarrão, ninguém mais quis casar com a Princesa Sabi­ chona, que viveu feliz para sempre.

2. Pr íncipe Cinderelo O Príncipe Cinderelo não tinha aparência de príncipe: era baixinho, sardento, magri­

cela e andava molambento. Ele tinha três irmãos enormes, muito peludos, que viviam caço­

Page 205: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

201

ando do jeito dele. Seus três irmãos iam sempre à Discoteca do Palácio com as namoradas princesas, en­

quanto o pobre Cinderelo ficava em casa, limpando a sujeira deles. Quando terminava seu trabalho, Cinderelo sentava perto do fogo e sonhava ser enorme e peludo como os irmãos.

Em um sábado, à noite, quando o Príncipe Cinderelo estava lavando as meias, uma fada muito sujinha caiu pela chaminé. Ela disse­lhe que todos os seus desejos seriam realiza­ dos. A fada foi mexendo sua varinha... disse­lhe que ele iria à discoteca... e foi transforman­ do o príncipe e suas roupas. Mas suas magias não deram muito certo. O Príncipe Cinderelo acabou se transformando em um enorme macaco peludo, em roupas de banho. O encanta­ mento não permitiu que o príncipe se visse como ele estava, mas ele achava que estava muito bonito. E assim ele foi à discoteca.

Chegando ao Embalo Real, percebeu que era grande demais e não passava pela porta. Resolveu pegar um ônibus e voltar para casa. Lá estava uma bela princesa esperando o ôni­ bus no ponto/na parada. Ele foi falar com ela e grunhiu. Ela assustou­se com o macaco. Ba­ teu meia­noite e o príncipe voltou a transformar­se nele mesmo. A princesa encantou­se por ele, achando que ele tinha afugentado o macaco enorme e peludo para salvá­la. O príncipe Cinderelo, que era muito tímido, saiu correndo e perdeu a calça.

A princesa era a bela e rica Princesa Belarrica, que mandou anunciar que estava à procura do dono daquela calça. Todos os príncipes da redondeza tentaram vestir a calça à força, mas ela não serviu em nenhum deles. Os irmãos do Príncipe Cinderelo, também, tenta­ ram vestir a calça. A calça serviu no Príncipe Cinderelo e a Princesa Belarrica o pediu em casamento.

Eles viveram luxuosamente e felizes para sempre... Belarrica teve uma conversinha com a fada sobre os três irmãos enormes e peludos, que os transformou em fadas domésticas. Assim, eles se esvoaçavam pelo palácio fazendo o serviço doméstico para sempre.

3. Minha versão da histór ia: A Bela Adormecida Rosa Silvestre tinha sido criada desde bebê pelas tias Flora, Fauna e Primavera na ve­

lha casa do lenhador, na floresta. Ao completar dezesseis anos, as tias lhe preparam uma sur­ presa: pediram­lhe para dar uma volta no bosque e colher amoras e, quando Rosa voltou, as tias lhe ofereceram um bolo de aniversário e um lindo vestido azul. Rosa contou­lhes que tinha conhecido um rapaz que iria visitá­la naquela noite. Foi então que as tias revelaram­lhe que, na verdade, ela era a Princesa Aurora, que já estava prometida ao Príncipe Filipe. Rosa conhecia a história da Princesa Aurora, assim como todos do reino, a pobre princesa que ti­ nha sido amaldiçoada por uma fada má. As fadas levaram Aurora para o castelo. Deixaram­ na em seu quarto, onde apareceu uma escada dentro da lareira. A princesa achou estranho e

Page 206: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

202

ficou curiosa, então, subiu a escada que ia até um quarto pequeno e redondo, no alto de uma torre. Neste quarto tinha uma máquina antiga que ela nunca tinha visto antes. Ali apareceu uma mulher alta e magra que lhe disse para tocar a roca. Ela fez isso e desmaiou.

Aurora acordou com um beijo daquele rapaz que ela encontrara na floresta e se apai­ xonara. Ela agradeceu e lamentou­se por já estar prometida a um príncipe. O rapaz apenas sorriu e beijou­a novamente. Depois, levou­a de volta por aquela longa escada.

Assim que chegaram ao final da escada, muitas pessoas esperavam o casal e batiam palmas. Depois, Princesa Aurora entendeu que aquele era o Príncipe Felipe – o rapaz que conhecera na floresta era um príncipe. Os dois casaram­se e mudaram­se para um castelo enorme, construído pelo pai do noivo.

4. Minha versão da histór ia: Malévola Malévola dá a sua versão da história para o caso da história da Princesa Aurora – A

Bela Adormecida. Começa dizendo que respeita três regras básicas: 1) Sempre devolva um insulto com generosidade; 2) Nunca guarde rancor; 3) Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você.

Explica que até os problemas mais recentes, ela era uma bem sucedida mulher de ne­ gócios, dona da empresa Melhorias Aparentes Ltda – M.A.L. Especialista no mercado em­ presarial, com filiais em todos os cantos do mundo.

Fala que sempre teve problemas de fofocas maldosas em relação a sua pessoa e admi­ te que nunca foi chegada à família real. Porém, sempre se identificou com a princesa, na ver­ dade, sente pena dela... Desde o dia em que ela nasceu, vem fazendo sacrifícios para ajudá­la.

Mesmo não tendo sido convidada pelo casal real para o batizado da princesa, ela ge­ nerosamente foi cumprimentar o casal e presentear a princesa. Disse que foi muito mal rece­ bida, especialmente, pelas fadas Flora, Fauna e Primavera. Disse, também, que achou um absurdo os presentes oferecidos por elas: o dom da beleza e o dom de cantar, pois não adian­ ta ter um rostinho bonito e saber cantar. Hoje em dia, uma garota precisa de bom senso e ética no trabalho. Então, ela ofereceu um emprego à princesa, em uma indústria têxtil, pois pensava que um estágio na fábrica daria uma habilidade à princesa, assim como ofereceria boas lições sobre o trabalho pesado. O Rei Estevão foi quem interpretou mal, quando ela disse­lhe que, por um acaso, ele tinha medo de quê?... de ela espetar o dedo em uma roca e morrer?

Mas os problemas de Malévola não acabaram por aí, pois naquele mesmo dia o Rei Estevão decretou que todas as rocas do reino fossem destruídas, o que dificultou bastante seus negócios e levou o reino inteiro a uma terrível crise da moda!

Seguindo o seu segundo princípio, Malévola achou que o aniversário de dezesseis a­ nos seria a oportunidade de esclarecer tudo com a família real, já que fora anunciado que o

Page 207: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

203

rei e a rainha dariam uma festa naquela noite. Ela decidiu, então, fazer uma visita à princesa, quando percebeu que a princesa estava triste porque estava prometida ao Príncipe Felipe e gostava do rapaz que encontrara na floresta. Foi então que ela lembrou de sua terceira regra e ajudou a princesa. Combinou com Aurora para ela fingir que estava morta, assim o príncipe chato ia desistir e ela se casaria com quem desejasse. Deu­lhe exatos dois comprimidos pra dormir, conforme recomendados para adultos. Antes, a princesa pediu­lhe que avisasse o rapaz na casinha da floresta. Malévola fez mais esta boa ação; foi encontrar o rapaz na casi­ nha, quando descobriu que ele e o Príncipe Felipe eram a mesma pessoa. Depois convidou­o para tomar chá no seu escritório e conversarem melhor (na masmorra do castelo). Mas ela teve que sair e pediu que o príncipe esperasse por seu retorno. Distraidamente, ela acabou trancando­o na masmorra. As fadas Flora, Fauna e Primavera acabaram tirando o príncipe de lá e enfeitiçaram­no. Ela teve que se disfarçar de dragão para acabar com aquela tolice. Ela sobreviveu aos ataques do príncipe, descendo um desfiladeiro.

Depois disso tudo, a M.A.L. teve de ser fechada. Mas, agora, que ela não está tão o­ cupada, tem mais tempo de fazer caridade. Apesar de todos os problemas, aprendeu algo muito importante – a quarta regra básica: “O que uma pessoa pode fazer bem, duas fazem melhor”. Para os próximos empreendimentos comerciais, Malévola se uniu aos melhores amigos e já tiveram algumas idéias: “Demolições Lobo Mau”, “Cruzeiros Marítimos do Ca­ pitão gancho”,... Ela percebeu que as possibilidades são infinitas quando se trabalha junto com outras pessoas. Mas ela mantém­se no comando.

5. Minha versão da histór ia / contada por Branca de Neve Branca de Neve não se acha parecida com uma princesa, já que passa todo o tempo

esfregando e varrendo o palácio – mas ela não se importa de fazer este serviço, até gosta. Acha também que sua madrasta não gosta dela, porque desde que seu pai morrera, ela não ganhou nenhum vestido novo. A madrasta lhe faz cara feia e lhe dá sempre mais trabalho, dizendo­lhe que é bom fazer exercício. A madrasta também não a deixa comer doces; man­ tém a dieta da menina à base de pão e mingau. Branca de Neve se pergunta se algum dia a madrasta vai gostar dela, comprar­lhe um vestido e deixá­la comer o que gosta.

Certo dia, em frente a um poço dos desejos, Branca de Neve, de olhos fechados, pediu o amor de um príncipe bonito e gentil. Quando ela abriu os olhos, o lindo moço que sempre sonhou estava em pé ao seu lado bem perto do poço, e ele parecia um príncipe. Ele a cum­ primentou e ela, tímida, saiu correndo até o palácio. Na janela da torre, estava a Rainha, que viu o rapaz dizendo que nunca esqueceria Branca de Neve.

A Rainha mandou Branca de Neve passar o dia colhendo flores silvestres com Brad, o caçador. Branca de Neve ficou aliviada de não ter que ficar lavando o castelo e ainda ganhou da madrasta um vestido novo. Os dois saíram pela floresta, e Branca de Neve passou a colher

Page 208: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

204

flores. Quando ela virou­se, o caçador estava com um punhal em mãos apontando para ela. E chorando, dizendo não poder fazer o que a Rainha havia pedido, disse para Branca de Neve fugir e se esconder, porque a sua madrasta tinha mandado que ele a matasse. Branca de Neve não podia acreditar, achou que o caçador estava mentindo, mas, depois, acabou fazendo o que ele pediu e fugiu. Depois, a noite chegou na floresta e a princesa acabou adormecendo ali mesmo. Sonhou com o príncipe encantado e foi acordada pelos animaizinhos da floresta.

Seguiu seu caminho e encontrou uma casinha, aninhada entre as árvores, pouco adi­ ante, além do riacho. Chamou por alguém e ninguém respondeu. Observou seu interior e a­ chou que ali moravam crianças. Acabou entrando na casinha e encontrando tudo sujo, então, resolveu fazer uma faxina. Depois da limpeza, deitou um pouco nas caminhas para descan­ sar. Sonhou, mais uma vez, com o príncipe e acordou com os sete anões a olhando. Eles se apresentaram e ela contou a sua história. Os anões disseram que sua madrasta, a rainha, era uma pessoa má, uma bruxa. Ela pediu para ficar morando com eles e fazer todo o serviço da casa.

Na manhã seguinte, quando os anões saíram para trabalhar, avisaram para Branca de Neve tomar cuidado com estranhos. Ela ficou ajeitando a casa e preparando uma torta de pêssegos para os anões. Uma senhora apareceu e ofereceu­lhe maçãs; disse­lhe que provasse uma. Branca de Neve deu uma mordida na maçã e desmaiou. Acordou beijada pelo príncipe. Os dois disseram se amar e partiram juntos, despedindo­se dos doces anõezinhos e dos ado­ ráveis bichinhos.

Eles casaram­se e viveram felizes para sempre.

6. Minha versão da histór ia / contada pela Rainha A Madrasta começa dizendo que adorava e ainda adora Branca de Neve, que tudo o

que fez foi para o bem da garota. Diz que vai contar a sua versão da história e que, certamen­ te, vão acreditar nela.

Primeiro, diz que não é fácil, mas desgastante, criar uma adolescente, já que elas são preguiçosas, mal­educadas, só comem porcaria, usam roupas ripongas. Elas precisam de vigi­ lância constante, porque não podem ver um menino na frente. E Branca de Neve era uma adolescente típica. Segundo, ser madrasta não é bom, já que as madrastas têm uma má repu­ tação, são sempre chamadas de cruéis e bruxas. A Madrasta lamenta que mãe verdadeira pos­ sa ser implicante o tempo inteiro, mas se uma madrasta perde a paciência uma única vez, sai na primeira página do jornal. Completando, a Madrasta era viúva e teve que cuidar de Branca de Neve sozinha. Ela era uma mãe trabalhadora e solitária que não recebia ajuda de ninguém. Quando as coisas saíam erradas, ela era quem levava a culpa.

A Madrasta diz que não era uma pessoa vaidosa, mas que tinha o dom da beleza natu­

Page 209: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

205

ral e que o Espelho Mágico passava o dia lhe elogiando, como se ela não soubesse de sua formosura. Como ela sempre teve uma preocupação saudável com sua aparência, esperava que Branca de Neve também tivesse, porém, ao contrário, a menina usava o mesmo vestido esfarrapado todo dia e nunca fazia exercícios. Então, a Madrasta tinha que pôr ordem nas coisas, pois sua enteada precisava de disciplina: regime e exercícios. Resumindo, precisava da ajuda da Madrasta e foi o que ela fez.

Para ajudar no seu crescimento, precisava se exercitar. A Madrasta pediu a Branca de Neve que ela começasse carregando cem baldes de água até o calabouço – era uma oportuni­ dade de ela tonificar os músculos e queimar calorias. Mas Branca de Neve reclamava, res­ mungava, não gostava, dizia que o trabalho era pesado, e até fingiu desmaiar depois de car­ regar trinta baldes cheios de água. Como a Madrasta era uma pessoa muito tolerante, deixou Branca de Neve descansar alguns minutos e, depois, deu a ela o trabalho mais fácil do palá­ cio: lavar os degraus da entrada principal. Este era um ótimo exercício aeróbico; mas Branca de Neve não agradeceu de novo. A Madrasta saiu um minuto para consultar seu espelho e, quando voltou, Branca de Neve tinha parado de trabalhar, estava encostada no corrimão, can­ tarolando com os passarinhos. Isso irritou a Madrasta e a deixou preocupada com a princesa.

As coisas pioraram quando no dia seguinte, ao invés de estar esfregando o assoalho da cozinha, Branca de Neve foi encontrada pela Madrasta engolindo um pedaço de bolo. A Madrasta exigiu que Branca de Neve parasse de comer aquilo, pois bolo não é adequado a meninas em crescimento, é cheio de gordura e açúcar, estraga os dentes. A Madrasta disse a Branca de Neve que ela tinha sorte por estar em sua nova dieta de pão e mingau – iria ficar forte como um touro e poderia fazer todo o serviço sem cansar­se. Branca de Neve entriste­ ceu­se e não ficou nada agradecida.

A Madrasta ficou magoada, mas orientou que a Branca de Neve esfregasse o chão, no seu ritmo, antes de tirar o resto do dia de folga. Depois, concluiu que a garota podia ficar conversando com os pássaros quando quisesse que ela não mais se incomodaria com isso. Voltou ao palácio e consultou seu Espelho Mágico, o qual lhe disse que estava horrível e que até Branca de Neve estava mais bonita que ela. A Madrasta concluiu que o terrível stress de lidar com a ingrata enteada estava cobrando seu preço e tinha que fazer alguma coisa. Resol­ veu tirar um dia de folga, desmarcou seus compromissos, e foi fazer uma massagem e uma máscara de algas marinhas. Fez meditação e aromaterapia e caiu num profundo e merecido sono.

Na manhã seguinte, acordou completamente renovada. Já ia consultar o Espelho Má­ gico, pois tinha certeza que era novamente a mais linda de todas, quando viu pela janela um garoto, que parecia muito interessado em Branca de Neve, muito próximo da garota, e ficou preocupadíssima, afinal, ele poderia ser um criminoso, um seqüestrador. Tinha que proteger sua enteada. Desceu a escada, mas quando alcançou Branca de Neve, ela já estava sozinha. Sua enteada estava diferente, encontrava­se com um caso grave de paixonite aguda e andava desanimada pelos cantos. Tudo ficou ainda pior, quando o Espelho Mágico disse­lhe que Branca de Neve ainda era a mais linda de todas. Então pensou que uma mudança de ares tal­ vez pudesse fazer bem a sua doce enteadazinha, pois ela precisava superar a paixão doentia e voltar a fazer parte da geração saúde.

A Madrasta lembrou de Brad, o caçador, e o chamou para levar Branca de Neve para o meio da floresta em um revigorante passeio pela natureza, já que ele conhecia a floresta como mais ninguém. Pediu para saírem logo, porque precisava de um tempo para ela. Para sua péssima surpresa, duas horas depois, Brad voltou sozinho, porque Branca de Neve tinha fugido. A Madrasta reclamou que Brad deixou que ela escapasse e resolveu ela mesma trazer a menina de volta.

Sobre a “Operação Resgate da Branca de Neve”, ela esclarece algumas calúnias: pri­ meiro, ela não usou magia negra para se disfarçar e não ser reconhecida, mas apenas não

Page 210: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

206

usou seu manto, nem suas jóias, mas sim tênis e roupas confortáveis, próprios para andar bastante; também não se maquiou, porque estava indo em uma missão resgate, e não a um encontro. Segundo, não usou magia negra para encontrar Branca de Neve, mas apenas seguiu sua trilha de laços de cabelo e papéis de chiclete, próprios de uma adolescente, até a cabana da floresta. Terceiro, sobre a “maçã envenenada”, pura fofoca – no caminho, encontrou um camelô que lhe vendeu uma cesta de maçãs bem brilhantes e ela não lembrou de checar se elas eram livres de agrotóxico.

Branca de Neve ficou feliz por ver a Madrasta e ofereceu­lhe uma torta de pêssego. A Madrasta ficou espantada de ter para comer no almoço aquilo e ofereceu­lhe as frutas fres­ quinhas que comprou no caminho. Ofereceu­lhe a maçã mais brilhante do cesto, porque sabia que ela continha muitas vitaminas e minerais essenciais para uma garota em crescimento. Quando Branca de Neve caiu em sono de morte, a Madrasta correu para procurar um gastro­ enterologista. A busca foi inútil e ela muito triste voltou para o palácio, pensando nunca mais rever Branca de Neve. Os anõezinhos disseram coisas horríveis para ela, a insultaram e a jogaram em um penhasco, mas ela aterrissou em uns arbustos macios e só ficou com alguns hematomas.

A Madrasta finaliza sua versão da história, dizendo esperar ter melhorado sua ima­ gem. Vive exilada, já que os anões provocaram uma rebelião e foi destronada. A Madrasta sente falta do poder, mas não do stress e da pressão que vêm junto com ele. Hoje em dia, ela está bem mais calma e trabalha em uma loja de produtos naturais, onde adora dar atenção especial aos fregueses, aconselhando­os sobre o que devem comer ou não.

7. Minha versão da histór ia / contada por Cinderela Quando Cinderela era pequena, e seu pai ainda estava vivo, ele costumava contar­lhe

fábulas. A fábula que ela mais gostava era a da tartaruga e da lebre. Esta história serviu­lhe de inspiração para seu lema pessoal: devagar e sempre. Ela gostaria muito de ser uma prince­ sa ou veterinária.

Porém, seu lema não é popular na sua casa. Desde que seu pai faleceu, a madrasta pôs Cinderela para trabalhar, sob seus gritos e de suas filhas, as irmãs de criação de Cinderela. Todas elas nunca ficavam contentes com os serviços de Cinderela.

Cinderela era amiga e conversava com os animaizinhos da casa (ratos, cachorro e pássaros). Eles sabiam seus segredos e da família toda.

O sonho de sua madrasta era se tornar uma grande dama, brilhando na corte junto a suas filhas. Cinderela também sonhava, desde pequena, em ser uma princesa, mas achava seu sonho tão distante quanto a lua.

Certo dia, um mensageiro entregou na porta da casa de Cinderela um telegrama Real.

Page 211: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

207

Era uma mensagem do rei urgente – um convite. O rei daria um baile em honra do príncipe e, por Ordem Real, convocava todas as moças em idade de casar a comparecerem.

A madrasta e as irmãs de criação, Drizela e Anastácia, ficaram eufóricas com a notí­ cia. Cinderela frisou que todas as moças em idade de casar deveriam comparecer e disse que tinha de ir. Porém sua madrasta disse que ela só poderia ir se terminasse todo o seu trabalho e se achasse alguma coisa adequada para vestir. As irmãs riram, como se isso nunca fosse a­ contecer. Mas Cinderela acreditava que iria conseguir.

Ajudada pelos camundongos ela recuperou um vestido cor­de­rosa que tinha sido de sua mãe. Depois, recebeu uma lista de tarefas de cada uma das irmãs. A madrasta disse ainda que, quando terminasse de ajudar Anastácia e Drizela, poderia fazer uns servicinhos de últi­ ma hora para ela.

Cinderela decidiu se apressar para fazer tudo que precisava. A carruagem chegou para levá­las ao baile e Cinderela não estava pronta. Ela disse que não iria ao baile e subiu corren­ do as escadas aos prantos. Ao chegar ao quarto, teve uma surpresa, pois os camundongos haviam preparado­lhe o vestido. Ela vestiu­se rapidamente e foi até a carruagem para ir ao baile com sua família postiça. As irmãs gritando foram arrancando as partes do seu vestido, rasgando­o e deixando­o aos trapos, e não a deixaram ir junto, foram embora com a madrasta que não fez nada para impedir a atitude das filhas.

Cinderela estava no jardim chorando, quando apareceu a Fada Madrinha. Disse­lhe que era Dorabella, vice­presidente das Transformações Regionais, e que tinha vindo para ajudá­la a ir ao baile. Com sua varinha mágica, transformou uma abóbora em uma carruagem enorme e brilhante. Cantarolando e agitando sua varinha, a Fada Madrinha transformou qua­ tro dos ratinhos em cavalos, o cavalo da fazenda em cocheiro; Bruno, o cachorro, virou o lacaio. E ainda gesticulando com sua varinha mágica, o cabelo de Cinderela penteou­se sozi­ nho, formando um coque francês, seus farrapos viraram um lindo vestido de baile cintilante e sapatinhos de cristal lhe calçavam.

A transformação estava perfeita e Cinderela agradeceu muito a Fada Madrinha. To­ davia ela disse­lhe que não perdesse a noção da hora, pois o encanto terminaria à meia­noite.

Quando chegou ao baile, um rapaz muito bonito, usando um button “Salvem as balei­ as” na lapela, sorriu­lhe e tirou­a para dançar. Ela estava admirando os diversos quadros de cachorros, cavalos e galinhas que enfeitavam as paredes do palácio. O rapaz perguntou­lhe se gostava de animais e disse que ele também adorava e que pretendia entrar na faculdade de veterinária. Ela confessou­lhe que também era o seu desejo. Os dois foram descobrindo afi­ nidades, valsando pelo jardim; confidenciaram segredos e achavam­se que eram os únicos dois que queriam tornar o mundo um lugar melhor para os animais. O rapaz a beijou e então o relógio do palácio começou a bater. Era quase meia­noite e o encanto ia acabar!

Cinderela saiu correndo em disparada e o jovem bonito a chamava. Na fuga, ao des­ cer as escadas apressadamente, acabou deixando cair um de seus sapatinhos. O encanto aca­ bou pontualmente à meia­noite. Cinderela ainda ficou com um dos sapatinhos e guardou­o de lembrança.

Na manhã seguinte, a madrasta avisou que o grão­duque passaria por ali a qualquer momento, já que estava percorrendo todo o reino atrás da menina que tinha deixado cair um sapatinho de cristal quando foi embora do palácio. Disse que o príncipe estava loucamente apaixonado por ela. Foi então, que Cinderela percebeu que aquele rapaz era o príncipe e que queria casar com ela. Cinderela derrubou as bandejas de café. A madrasta mandou­lhe arru­ mar a bagunça, mas feliz e distraída, saiu do quarto rodopiando e murmurando uma valsa... Foi aí que a madrasta desconfiou. Xingou­a, dizendo que ela esteve no dia anterior no baile e monopolizou o príncipe, afastando­o de suas filhas. Cinderela admitiu, mas disse que não sabia que ele era o príncipe. A madrasta trancou­a no quarto.

Os camundongos ajudaram­lhe a sair do quarto, roubando a chave. Cinderela disparou

Page 212: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

208

pelas escadarias. Quando pediu para experimentar o sapatinho, a madrasta destruiu o sapato com sua bengala. Porém Cinderela tirou o outro sapatinho de cristal do bolso do avental e calçou­o, servindo­lhe perfeitamente.

Cinderela disse à madrasta e as filhas dela que elas deveriam lavar e passar suas pró­ prias roupas, daquele momento em diante, pois ela iria estar muito ocupada com outras coi­ sas.

O príncipe e Cinderela abriram um consultório juntos, assim que terminaram a facul­ dade de veterinária. Todos os animaizinhos seus amigos moram saudáveis com eles. As co­ baias concordaram em participar de sua nova especialização: modificação de comportamento animal. Pois a esperança de Cinderela é fazer Lúcifer, o gato mau da madrasta, submeter­se a esse tratamento.

8. Minha versão da histór ia / contada pela Madrasta A Madrasta diz que sempre tentou agir corretamente com suas filhas Anastácia e Dri­

zela, que são as meninas mais doces e adoráveis do reino, as quais jamais fariam mal a uma mosca. Entretanto, ela acha importante contar sobre o relacionamento delas com Cindy, já que gente demais acredita que são cruéis com ela e que a tratam como criada. A Madrasta garante que essas pessoas estão enganadas.

Primeiro, suas filhas sempre foram criaturas delicadas e sensíveis. Quando ela se ca­ sou com o pai de Cindy, elas eram tímidas. Mas, por outro lado, Cindy era uma menina bem esquisita, teimosa e que falava com os animais.

A Madrasta começou a desconfiar que Cindy não fosse tão doce como fingia ser, quando, há algum tempo, o Signor Capezio veio para sua visita anual. Ele mediu os pés das meninas para fazer­lhes sapatos novos. Ele mediu Anastácia e Drizela e ficou apavorado com o tamanho de seus pés – tamanho 40! Depois mediu o pé de Cinderela e elogiou­a – pés ta­ manho 34! Cinderela ficou encabulada com o elogio. Mas para a Madrasta ela estava com uma alegria maliciosa por dentro e suas filhinhas também perceberam. Neste momento, a Madrasta percebeu que se não agisse rápido, Cindy iria lançar outros ataques sutis contra a auto­estima de suas filhas. Então, daquele dia em diante, ela resolveu que suas filhas iriam passar menos tempo com sua irmã de criação. Disse­lhes que ficariam ocupadas com novas e importantes responsabilidades. Para Anastácia e Drizela deu­lhes tarefas tipo: ir para aula de música no horário, colher flores, colocar as roupas sujas no cesto, usar roupas limpas. Para Cinderela, determinou as tarefas de lavar e passar as roupas, varrer e esfregar chão, tirar o pó dos móveis, servir o café da manhã, etc. As meninas acharam justo e encheram de orgulho sua mãe por terem sido corajosas e aceitarem o desafio.

Os anos se passaram e embora Cindy tivesse bem mais trabalho, ainda assim, ela nunca estava tão ocupada que ainda não sobrasse tempo para conspirar contra as irmãs de

Page 213: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

209

criação. Por exemplo, ela sabia que Anastácia e Drizela tinham pavor de ratos e escondia os ratos sob suas xícaras. A Madrasta teve que chamar especialistas, médicos renomados, para recuperar suas filhas do choque traumático.

Um belo dia, quando a Madrasta estava dando uma aula de música para suas filhas (Anastácia tocando lindamente sem derrubar a flauta nenhuma vez e Drizela cantando como um anjo, acertando pelo menos uma nota sim e outra não), Cinderela entra pela sala trazendo o Telegrama Real. Foi ela dizer que também deveria ir ao baile que as meninas começaram a ficar nervosas. Então, seu instinto maternal lhe avisou de um ataque iminente, porém ela não podia fazer nada, tinha de ser justa. Então disse às meninas que, contanto que terminassem suas tarefas e se vestissem adequadamente, todas poderiam ir ao baile – até Cinderela.

Suas filhas logo terminaram suas tarefas “altamente exigentes” e puderam passar o resto do dia preparando­se para o baile. Já Cinderela demorou uma eternidade para cumprir aqueles servicinhos simples. Quando a carruagem chegou, Cindy não estava pronta e seria uma grosseirice deixar a carruagem esperando. Então, despediram­se de Cinderela. Mas ela devia ter adivinhado que Cindy faria de tudo para atrasá­las. Exatamente quando estavam saindo, ela desceu as escadas correndo, com um vestido horrendo, fora de moda, que não lhe caía bem. Gentilmente, disseram­lhe que aquele vestido estava péssimo e que ela deveria ficar em casa. Foi uma tentativa de poupá­la de morrer de vergonha e ela não ficou nem um pouco agradecida.

Suas filhas conheceram o príncipe e ele ficou impressionado com o encanto delas, ele foi muito cortês, mas quando tentaram esticar a conversa com ele, ele mal respondeu, pois estava prestando atenção em outra pessoa. As meninas ficaram arrasadas porque ele nem lhes deu atenção, não falou com elas e não as tirou para dançar. Ele saiu apressado e ninguém mais o viu em algum lugar. Quando estava no toalete, outra mãe trouxe a notícia de que o príncipe valsava no jardim com uma jovem. Todas as mães foram ver quem era a moça, que achavam ser uma estrangeira, talvez americana. A Madrasta foi empurrada e esmagada e não conseguiu ver direito quem era a moça, mas achou algo estranhamente familiar.

A Madrasta ficou preocupada, pois o baile tinha sido um grande desapontamento para suas lindinhas. Será que conseguiriam superar este trauma?

Na manhã seguinte, quando o Signor Capezio veio entregar os sapatos, trouxe as notí­ cias do baile. E disse que o príncipe iria se casar com a moça que calçasse o sapatinho de cristal. Disse ainda que o sapatinho era muito pequeno. Na pressa desesperada para tirar suas filhas da cama, nem notou Cindy. Foi notada porque derrubou as bandejas de café, quando estava contando sobre o príncipe às filhas. Quando pediu para limpar a bagunça, ela ignorou e saiu dando piruetas e cantando uma valsa. Era a mesma valsa que tocava no palácio, duran­ te o baile. Foi naquele instante que suas suspeitas sobre a enteada mudaram para pior. Como ela foi ao baile, a Madrasta suspeitava de que Cindy tinha usado “magia negra”, tinha usado terríveis poderes mágicos para transformar­se em uma dama e enfeitiçar o príncipe.

A Madrasta arrependeu­se de tê­la trancado no quarto, devia tê­la mandado para o sa­ natório. Cindy usou de seus poderes mágicos para se soltar. Ela precipitou­se enfurecida es­ cada abaixo antes que o duque fosse embora. O sapatinho de cristal não tinha servido nem em Anastácia e nem em Drizela, embora elas tenham tentado com toda força de seus cora­ çõezinhos. Depois, tudo foi muito confuso... Acabou batendo com sua bengala, sem querer, no sapatinho que voou pelos ares e espatifou­se no chão em mil pedacinhos. O grão­duque chorou. Cinderela sorriu e, como se fosse mágica mostrou outro sapatinho de cristal e calçou­ o. Só podia ser magia negra!

As filhas reclamam que não foi justo o que aconteceu. Mas a Madrasta mostra­lhes o lado positivo da história: todas têm saúde, estão juntas e não existem mais ratos na casa.

Page 214: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

210

9. A Bela Desadormecida Quando Belinha nasceu, seus pais, de tão felizes, armaram uma festa para comemorar

a chegada da filha. Espalharam a notícia para todos, convidaram muitas pessoas, mas não convidaram a bruxa (por azar, vizinha deles).

Mesmo sem ser convidada, a bruxa apareceu na casa cheia de convidados. Ela foi até o berço, olhou para o bebê, deu um beijo estalado e seu presente: disse­lhe que quando Bela festejasse seus catorze anos, iria picar seu dedo. Então, seus pais e quem mais estivesse por perto iriam todos dormir por cem anos. Os convidados reclamaram da profecia má da bruxa. Então, a bruxa resolveu arrumar um pouco o que tinha dito. Disse que, na hora exata, um roqueiro chegaria e acordaria a formosa menina.

Desde então, os pais tiraram do alcance da menina tudo que era afiado ou pontudo que pudesse tocar e furar sua mão. Jogaram fora garfos, facas, até o anel da tia. Quando Bela ficou maior, notou que não podia pregar botão, nem cortar bolo, mas seus pais não explica­ vam a razão. Ela não podia recortar, nem patinar no gelo, nem cortar as unhas, nem aparar o cabelo. Não podia, também, escrever com lápis bem apontado. Seu pai estava todo barbudo e não se queixava.

Chegou o famoso dia dos catorze anos. Quando Bela entrou no quarto, havia uma mu­ lher pálida, que só podia ser a tal bruxa. A mulher disse que tinha vindo trazer seu presente de aniversário – um antigo long­play. Disse para a menina colocar o disco para tocar. Ao fazer isso, Bela tocou o dedo na agulha e sentou no sofá. A bruxa foi embora, certa da profe­ cia concretizada. E começou a dar um sono na garota. Seus pais, o cachorro e o gato já dor­ miam profundamente. Bela desejou boa noite a todos, vestiu seu pijama e foi dormir também.

Cedo da manhã, Bela acordou e viu seus pais dormindo. Chamou e acordou­os. Sua mãe perguntou­lhe se já haviam dormido cem anos. Bela respondeu­lhe que o feitiço falhou, porque na hora H ela pôs o despertador. Seu roqueiro preferido acordou­a cantando rock bem junto de seu ouvido.

Bela foi para a escola. Ela e seu roqueiro viveram felizes para sempre.

Page 215: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

211

Anexo 3: Resumos de alguns contos de fadas clássicos, os quais os “novos contos de fadas” analisados

se referem, reescrevendo­os ou parodiando­os.

1. A Bela Adormecida Era uma vez, há muito tempo atrás, um rei e uma rainha que desejavam muito ter um

bebê. Então, quando finalmente foram abençoados com o nascimento de sua filha – a princesa Aurora, fizeram uma grande celebração em honra de sua chegada. Para batizar Aurora, vieram três fadas bondosas: Flora, Fauna e Primavera.

Cada uma das fadas presenteou a princesinha com um dom. Flora deu à Aurora o dom da beleza. Fauna deu à Aurora o dom do canto. Nesse momento, o palácio todo começou a escurecer, apareceram relâmpagos de chamas verdes e surgiu Malévola no meio de todos. Furiosa por não ter sido convidada a festa, ela anunciou que também gostaria de dar um pre­ sente à princesa. Mas, para o horror de todos, Malévola lançou um feitiço no bebê. Ela disse que antes do sol se pôr, no dia de seu décimo sexto aniversário, Aurora espetaria seu dedo no fuso de uma roca e morreria!

Todos ficaram apavorados com a maldição de Malévola. Por sorte, Primavera ainda não havia dado o seu presente. Então, ela disse que não podia tirar o feitiço, porém podia aju­ dar. A fada disse que se Aurora espetasse seu dedo num fuso, não morreria... mas que, sim­ plesmente, cairia num sono profundo, até ser despertada por um beijo de um amor verdadeiro.

Logo após, as fadas levaram Aurora embora para uma casinha no meio da floresta, on­ de ela cresceu. E o rei mandou queimar todas as rocas do reino. As três fadas bondosas man­ tiveram Aurora a salvo, escondida durante quase dezesseis anos, para que escapasse do feitiço de Malévola. Aurora não sabia que era uma princesa e nem que suas queridas tias eram, em realidade, fadas. Aurora nem sequer sabia seu nome verdadeiro, pois as fadas a chamavam de Rosa Silvestre.

No dia do seu décimo sexto aniversário, Rosa saiu para passear pelo bosque, cantando uma canção de um verdadeiro amor. Ela não percebeu que havia um jovem cavalgando pela floresta naquele dia e que, ouvindo sua canção, aproximou­se. Ela era muito tímida. Nunca havia falado com um estranho, mas, por algum motivo, sentiu que já o conhecia. Rosa e o jovem rapaz conversaram e dançaram juntos. Combinaram de se encontrarem mais tarde na casa de Rosa.

Quando Rosa chegou em casa, suas tias tinha feito um vestido e um bolo de aniversá­ rio para ela. Rosa ficou muito feliz e contou às tias que tinha acabado de conhecer um jovem

Page 216: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

212

com quem desejava casar­se. As fadas ficaram alarmadas com as novidades de Rosa e come­ çaram a contar­lhe a verdade: que ela era uma princesa, que estava na hora de voltar ao palá­ cio, conhecer seu pai e sua mãe – o rei e a rainha, e que, além disso, já estava comprometida para casar­se com um príncipe, escolhido pela família, desde seu nascimento. Rosa, que pas­ sou a ser Aurora de novo, começou a chorar.

Quando Aurora e as fadas chegaram ao palácio, deixaram­lhe só para que tivesse um tempo para si mesma. E, assim que as fadas saíram, uma incandescência a atraiu para uma das escadas misteriosas. Era Malévola, a bruxa que induziu Aurora para a roca e ordenou que ela tocasse no fuso. Aurora tocou, espetou seu dedo e instantaneamente caiu num sono profundo. Depois de ter cumprido sua maldição, Malévola voltou ao seu castelo no topo da montanha.

As fadas correram para ajudar Aurora, mas infelizmente era tarde demais. Elas sabiam que a única coisa capaz de despertar essa bela adormecida era um beijo de um amor verdadei­ ro, então decidiram buscar o jovem rapaz que Aurora conhecera no bosque. Enquanto isso, as fadas fizeram com que todas as pessoas do castelo e do reino adormecessem também, para fazer companhia à princesa. As fadas acabaram descobrindo que o amor de Aurora era, na verdade, o príncipe Felipe, aquele para o qual estava prometida em casamento.

Malévola também descobriu isso e capturou Felipe com planos de mantê­lo aprisiona­ do para sempre. Porém as três fadas bondosas o salvaram. Elas o armaram com o Escudo Má­ gico da Virtude e com a Espada da Verdade, dando­lhe o poder de dominar o mal.

Para evitar que Felipe chegasse até Aurora, Malévola fez crescer uma floresta de espi­ nhos ao redor do palácio da bela adormecida. Depois, decidida a derrotar o príncipe, trans­ formou­se num enorme dragão que cuspia fogo. Felipe derrotou a bruxa, entrou no palácio e com um doce beijo despertou a bela adormecida. Todos no reino também despertaram e cele­ braram a volta sã e salva de Aurora, e o dom precioso do verdadeiro amor. E viveram felizes para sempre.

Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter­ national Ltd., 2004. Imagem: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilustr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications International Ltd., 2004.

2. Branca de Neve e os Sete Anões Era uma vez uma princesa doce e gentil que se chamava Branca de Neve. Branca de

Page 217: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

213

Neve era uma jovem amável e encantadora que tinha os lábios vermelhos como uma rosa, os cabelos pretos como o ébano e a pele branca como a neve. Branca de Neve vivia com a sua madrasta, que era uma rainha malvada.

A rainha era muito vaidosa e tinha ciúmes da beleza da enteada, por isso a obrigava a vestir trapos e trabalhar, limpando o castelo como se fosse uma servente. Mesmo assim, Branca de Neve vivia alegre, sorrindo e cantando canções para se distrair.

Um dia, um príncipe passou pelo castelo e viu Branca de Neve cantando. Os dois se apaixonaram.

A rainha tinha o costume de consultar seu espelho mágico, perguntando: “­ Espelho, espelho meu, há alguém mais bela do que eu?”. Seu espelho sempre dizia que ela era a mais bonita. Porém, certa vez, o espelho lhe respondeu que Branca de Neve era a mais linda do reino. A rainha se enfureceu e resolveu acabar com a vida da enteada. Chamou o caçador e ordenou­o que levasse Branca de Neve ao bosque e a matasse, trazendo o seu coração como prova de sua morte.

No bosque, o caçador não conseguiu obedecer às ordens da rainha malvada. Contou tudo a Branca de Neve e disse­lhe que fugisse. O caçador matou um animal e arrancou seu coração e levou­o a rainha como prova de seu serviço. Branca de Neve acabou refugiando­se numa casinha na floresta, onde moravam sete anões. Eles estavam trabalhando na mina de diamantes, e quando voltaram, encontraram Branca de Neve deitada, dormindo em suas ca­ mas, pois estava exausta, depois de ter feio uma faxina na casa deles. Eles se apresentaram e ficaram amigos. Os sete anões chamavam­se: Mestre, Feliz, Zangado, Dengoso, Soneca, At­ chim e Dunga. Branca de Neve contou sua história e eles concordaram que ela ficasse moran­ do com eles.

Depois, outra vez, a rainha consultou seu espelho mágico, e ele respondeu­lhe que Branca de Neve ainda era a mais bela, que não estava morta, mas que vivia no bosque com os sete anões.

A rainha, traída pelo caçador, disfarçou­se de velha vendedora de maçãs e foi até a ca­ sa dos anões, ofereceu uma maçã envenenada a Branca de Neve, que estava sozinha, e ela caiu adormecida no chão. Quando os anões retornaram da mina, encontraram Branca de Neve caída no chão, já sem tempo de salvá­la. Então, colocaram­na em um caixão de cristal aberto para poderem admirar a sua beleza e sempre iam visitá­la.

Certo dia, um príncipe passou por ali, aquele que tinha se apaixonado pela jovem; ele a achou tão linda dormindo, que não pôde evitar, e a beijou. Como por magia, Branca de Ne­ ve acordou. O primeiro beijo de amor verdadeiro rompeu o feitiço da malvada rainha. Os a­ nões ficaram muito felizes.

Branca de Neve e o príncipe despediram­se dos anões com carinho e saíram em seu cavalo branco. E viveram felizes para sempre.

Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter­ national Ltd., 2004. Imagem: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilustr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications International Ltd., 2004.

Page 218: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

214

3. Chapeuzinho Vermelho Era uma vez uma linda e adorável menina que morava com seus pais em uma aldeia

perto do bosque. Certa vez, ela ganhou uma capinha vermelha de veludo com capuz e passou a usá­la o tempo todo. Assim, passou a ser chamada por todos de Chapeuzinho Vermelho.

Um dia a mãe de Chapeuzinho Vermelho pediu à filha que fosse até a casa de sua avó, para visitá­la e levar­lhe alguns alimentos, já que a avó estava doente e deveria ficar alguns dias de cama. A mãe estava preocupada porque havia muito trabalho para fazer e não poderia sair de casa, mas queria notícias da saúde de sua mãe. Então, pediu para a filha fazer compa­ nhia a sua avó.

Então, a mãe de Chapeuzinho preparou uma cesta de alimentos para a filha levar a avó e orientou­a para seguir o caminho direitinho até a casa da avó, não conversando com nin­ guém, não fazendo paradas, cuidando o lobo (que aterrorizava a aldeia) e voltando logo para casa, antes de anoitecer. A avó morava do outro lado do bosque. O único problema do bosque era um lobo mau que andava assustando a vizinhança com seu apetite enorme. Chapeuzinho Vermelho despediu­se de sua mãe, dando­lhe um beijo e saiu levando a sua cesta.

O dia estava lindo, o céu estava claro e o sol brilhava. No caminho, Chapeuzinho viu umas flores e parou para apanhar algumas para levar a vovó. Depois, distraiu­se vendo os animais que estavam por ali e, quando percebeu, o sol já tinha andado bastante no céu. Cha­ peuzinho Vermelho pensou na mãe e ficou preocupada. Ela não ia gostar de saber que a filha tinha desobedecido suas instruções. A menina ficou aflita. Além disso, ela tinha as mãos e o rosto sujos e parou no riacho para lavá­los. Ela pensou que era melhor se apressar e recuperar o tempo perdido.

Chapeuzinho Vermelho retomou seu caminho apressadamente, foi quando o lobo apa­ receu e perguntou­lhe aonde ia tão depressa. A menina respondeu­lhe que ia à casa de sua avó que estava doente, levar­lhe aquela cesta de alimentos. O lobo ainda perguntou­lhe o que ha­ via na cesta e onde sua vovozinha morava. A menina respondeu tudo ao lobo, sem perceber quem ele era. O lobo sugeriu­lhe um caminho para que chegasse mais rápido à casa de sua avó. A menina agradeceu­lhe a ajuda e seguiu o caminho sugerido por ele.

Na verdade, o lobo enganou­a, dizendo para ela ir pelo caminho mais longo, para que ele pudesse ir pelo mais curto (ele sabia um atalho) e chegar antes da menina na casa da vo­ vozinha. Seu plano estava definido: primeiro comia a vovozinha, depois a netinha.

Quando o lobo chegou à casa da vovozinha, bateu à porta e disfarçou­se de netinha. A vovó mandou entrar, dizendo que a porta estava aberta. Ele entrou rapidamente e foi ao quar­ to. Antes que a vovó percebesse o que estava acontecendo, ele comeu a velhinha em uma só bocada. Depois, deitou­se em seu lugar, vestiu as roupas da vovó e ficou aguardando a chega­

Page 219: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

215

da de Chapeuzinho – fez seu jantar e estava esperando a sobremesa! Quando Chapeuzinho Vermelho chegou à casa da vovó, bateu à porta e o lobo, disfar­

çado de vovó, disse­lhe o mesmo que a vovó tinha dito para ele: que ela podia entrar, pois a porta estava aberta. Chapeuzinho entrou e foi direto para o quarto da avó. O quarto estava escuro, com as janelas fechadas. Chapeuzinho olhou para a vovó, estranhou sua aparência e disse:

­ Vovó, como seus olhos estão grandes! ­ É para te ver melhor, minha querida – respondeu o lobo. ­ Vovó, que orelhas enormes a senhora tem! ­ É para te escutar melhor, Chapeuzinho. ­ Vovó, como seus braços cresceram – disse a menina. ­ É para te abraçar melhor, minha netinha. ­ Vovó, por que a sua boca está tão grande? – perguntou Chapeuzinho assustada. ­ É para te comer – respondeu o lobo engolindo­a de uma vez. Dentro da barriga do lobo, a avó e a netinha se encontraram. As duas se abraçaram e

choraram. Um caçador que passava por ali achou que tinha algo estranho naquela casa. Então entrou e viu o lobo dormindo na cama da vovozinha, roncando bem alto. Abriu sua barriga e tirou a vovó e a menina de lá, ainda vivas. Depois encheu a barriga de pedras e costurou­a. Quando acordou, o lobo tentou fugir, mas com as pedras na barriga, acabou morrendo. Os três festejaram o fim do lobo.

Chapeuzinho Vermelho abraçou sua avó, voltou para casa e prometeu nunca mais de­ sobedecer a sua mãe.

Resumo baseado no livro: GRISOLIA, Dulcy. Chapeuzinho Vermelho. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilus­ trações de Carlos Edgar Herrero. São Paulo: FTD, 2000. (Coleção contos clássicos) Imagem: GRISOLIA. Dulcy. Chapeuzinho Vermelho. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de Carlos Edgar Herrero. São Paulo: FTD, 2000.

4. Cinderela Era uma vez uma menina chamada Cinderela que vivia com seu pai, pois sua mãe era

falecida. Certo dia, seu pai resolveu casar­se novamente, pois pensava que Cinderela precisa­ va de uma mãe. Então, casou­se com uma viúva que tinha duas filhas. No início a madrasta era bem querida com Cinderela, mas depois que se casou com seu pai, passou a destratá­la. Depois que ele morreu então as coisas pioraram ainda mais!

Cinderela amava sonhar, pois tinha uma vida muito difícil. Desde que seu pai morrera,

Page 220: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

216

a sua madrasta cruel e suas filhas malvadas, Anastácia e Drizela, tratavam­na como uma ser­ vente. Cinderela trabalhava o dia inteiro até anoitecer. Por isso, seus sonhos davam­lhe forças para seguir adiante.

Um dia, enquanto Cinderela varria o chão da casa, um mensageiro real bateu na porta. Ele trouxe um convite para o baile no castelo. O rei queria casar seu filho, então decidiu con­ vidar todas as donzelas do reino para o baile, com a esperança de encontrar uma esposa para o príncipe.

Cinderela queria muito ir ao baile, mas sua madrasta lhe deu uma lista imensa de tare­ fas a serem realizadas. A madrasta sabia que Cinderela jamais poderia terminar seu trabalho a tempo.

Os amiguinhos de Cinderela, os ratinhos e passarinhos, ajudaram­na no serviço e ainda arrumaram­lhe um de seus vestidos velhos com fitas e laços, deixando­o novo. Porém, quando chegou a hora de irem ao baile, e quando a madrasta e suas filhas viram Cinderela tão elegan­ te, foram puxando seu vestido, até rasgá­lo aos farrapos. Cinderela saiu correndo para o jar­ dim aos prantos.

De repente a fada madrinha de Cinderela apareceu. Com sua varinha de condão, a fada madrinha ia transformando: uma abóbora em uma bela carruagem, os ratinhos em cavalos, o cavalo em chofer e o cachorro em servente. Transformou, ainda, os trapos de Cinderela em um deslumbrante vestido de baile e deu­lhe delicados sapatinhos de vidro. Antes de Cinderela partir para o baile, a fada madrinha avisou­lhe que quando batesse o último badalo da meia­ noite, o encanto terminaria, e tudo voltaria a ser como antes.

Quando Cinderela chegou ao baile, o príncipe a notou imediatamente. Foi até ela e a convidou para dançar. Ela não sabia que ele era o príncipe, mas apaixonou­se por ele. Os dois dançaram juntos a noite toda. E quando o relógio começou a bater, Cinderela lembrou do avi­ so da fada madrinha, e saiu correndo em disparada. Enquanto fugia, Cinderela perdeu um de seus pequeninos sapatos de vidro na escada e o príncipe o pegou.

No dia seguinte, o rei declarou que a jovem dama que fosse dona do sapato se casaria com o príncipe. O grande duque levou o sapato a todas as casas do reino para que até a última donzela pudesse calçá­lo.

Quando o duque chegou à casa de Cinderela, suas irmãs fizeram de tudo para calçarem o sapato, mas seus pés eram grandes demais. A madrasta não queria que Cinderela tivesse a chance de provar o sapato e fez com que ele tropeçasse, quebrando o sapatinho em mil peda­ ços. Nesse exato momento, Cinderela tirou do bolso do seu avental o outro sapatinho de vi­ dro, calçou­o e, deste modo, revelou que ela era a misteriosa jovem com quem o príncipe dançou a noite toda no baile.

Cinderela e o príncipe casaram­se e viveram felizes para sempre. Para Cinderela era um sonho que virou realidade!

Resumo baseado no livro: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilstr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications Inter­ national Ltd., 2004. Imagem: DISNEY, Walt. Tesouro Musical Mágico: princesas, felizes para sempre. Adaptação Brenda Ritter e revisão Bianca Moura. Ilustr. The Disney Storybook Artists. Illinois/Londres: Publications International Ltd., 2004.

Page 221: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

217

5. João e Maria Era uma vez um lenhador, pobre, que gostava muito dos seus filhos, João e Maria.

Depois que a mãe das crianças morreu, ele se casou novamente, mas sua segunda mulher não era nem um pouco apegada às crianças. Os quatro moravam numa casinha perto da floresta e passavam muitas dificuldades e, muitas vezes, não tinham o que comer.

Uma noite, o lenhador conversava com a mulher sobre seus problemas, quando ela fa­ lou para, no dia seguinte, eles levarem as crianças na floresta, num lugar bem distante, e dei­ xá­los lá, com um pedaço de pão para cada um. O homem horrorizou­se com a idéia de aban­ donar os filhos, mas acabou sendo convencido pela insistência da mulher, que disse que assim eles poderiam ser encontrados por alguém com melhores condições de criá­los. Porém, João e Maria ouviram a conversa. Maria começou a chorar e João disse­lhe que não se preocupasse, pois ele iria dar um jeito. Então, quando todos foram dormir, João saiu e começou a andar ao redor da casa, catando várias pedrinhas brilhantes. Ele encheu seu bolso delas, voltou para seu quarto e disse a Maria que não se preocupasse, pois eles não iriam se perder.

No outro dia, o pai estava triste. A madrasta chamou os dois irmãos e deu um pedaço de pão a cada um, dizendo­lhe que todos iriam sair para catar lenha na floresta. Maria guardou os dois pães em seu avental, porque os bolsos de João estavam cheios de pedrinhas. Enquanto andavam, seu irmão parava e deixava algumas pedrinhas pelo caminho. O pai estranhou as paradas do menino e questionou­o. João respondeu­lhe que estava acenando ao seu gatinho. A madrasta achou aquilo uma tolice do menino.

Quando chegaram ao local escolhido pela madrasta, os quatro juntaram lenha para fa­ zer uma fogueira. Depois o casal se despediu, dizendo que iriam cortar árvores mais longe e que era para os irmãos ficarem ali quietos; caso sentissem fome, que comessem o pão. E o casal foi embora.

Durante um tempo, João e Maria ouviram o ruído do machado, mas depois que come­ ram, o cansaço e o calor do fogo fizeram com que adormecessem. Ao acordar, Maria come­ çou a chorar, pois já estava escuro. João acalmou a irmã, dizendo que assim que a luz da lua começasse a brilhar, eles iriam voltar. E assim foi feito; guiados pelas pedras brilhantes que refletiam a luz da lua, os irmãos acharam o caminho de casa.

Ao vê­los, o pai abraçou­lhes aliviado porque estavam juntos novamente. A madrasta não gostou e fingiu preocupação com os garotos, perguntando por onde estiveram, dizendo que estavam preocupados com o sumiço dos dois trapalhões. Depois, disse­lhes para irem dormir.

Algum tempo depois, como a família continuava passando necessidades, a situação se repetiu. O pai tentou convencer a madrasta a não abandonar as crianças, mas acabou cedendo à sua vontade. João ouviu tudo com Maria e pediu para ela se acalmar. À noite, quando foi

Page 222: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

218

sair para catar as pedrinhas, João foi surpreendido pela porta trancada. Voltou para o quarto e pensou que até o dia seguinte ele encontraria uma solução.

Pela manhã, a madrasta deu um pedaço de pão a cada um. Os quatro seguiram pela floresta e João ia deixando algumas migalhas de pão pelo caminho. Seu pai questionou­o o motivo de tantas paradas, e o menino respondeu­o que era para acenar para o seu pombinho. A madrasta considerou uma bobagem do menino.

Depois de muito andar, eles pararam num lugar totalmente desconhecido. Recolheram galhos secos para fazer uma fogueira. Antes de o casal partir, a madrasta falou para os meni­ nos ficarem ali, pois eles iriam cortar algumas árvores mais adiante. Disse ainda que o fogo estava aceso para aquecê­los. Portanto, se sentissem fome, que comessem o pão; se sentissem sono, que dormissem. Disse­lhes que, assim que terminassem o trabalho, voltariam para bus­ cá­los.

Como João tinha feito seu pão em migalhas, os dois dividiram o de Maria. Logo de­ pois, eles dormiram e quando acordaram estava escuro. Maria sentiu medo, mas João disse­ lhe que o luar iluminaria tudo e eles poderiam seguir a trilha de migalhas. Todavia João não contou com a fome dos passarinhos, que comeram todas as migalhas.

No dia seguinte, os dois tentaram encontrar o caminho de casa. Andaram muito por mais de um dia. Até que um dia, de repente, viram um pássaro branco no topo de uma árvore e resolveram segui­lo, quando encontraram uma casa feita de todos os tipos de doces. Como estavam famintos, correram em direção a casa e começaram a comer aquelas delícias. Nisso apareceu uma velha, perguntando sobre quem estava comendo a sua casa. Depois, notando que as crianças estavam famintas, convidou­as a entrar e ofereceu­lhes um lanche. Os dois nem acreditavam no que estava acontecendo­lhes. Eles puderam comer à vontade.

Depois do lanche, a senhora trancou João em uma gaiola e fez de Maria sua emprega­ da. As crianças ficaram sabendo que aquela velhinha era na verdade uma bruxa que comia criancinhas, principalmente, meninos. Ela não enxergava bem, mas tinha um faro ótimo e sabia quando havia um menino por perto. O pássaro branco tinha sido treinado pela bruxa para atrair criancinhas para sua casa. Lá, ela oferecia um lanche para as crianças e depois as devorava. A bruxa disse a Maria que ela deveria cozinhar e fazer todo o serviço de casa todos os dias, enquanto João ficaria preso na gaiola, até que engordasse, quando então poderia ser devorado por ela. Avisou­lhes que primeiro iria comer o menino e depois a sua irmã.

Os dias foram se passando e, enquanto João recebia bastante comida para engordar, Maria comia apenas pão e restos de comida. Todos os dias a bruxa ia ver se João já tinha en­ gordado. Como ela não enxergava bem, pedia para apalpar o dedo do menino para sentir se ele estava no ponto. Como João era muito esperto, em vez de colocar o dedo fora da gaiola, ele colocava um ossinho de galinha. A bruxa sempre reclamava que ele ainda estava muito magrinho. Não entendia como ele comia tanto e não engordava.

Depois de um tempo, a velha bruxa ficou irritada e resolveu comer o menino de qual­ quer jeito. E mandou Maria buscar água para pôr no caldeirão para ferver. Mandou, também, Maria acender o forno para pôr o pão para assar. Disse para Maria abrir a porta do forno e colocar a sua cabeça lá dentro para ver se estava bem quente. Então Maria, percebendo as más intenções da bruxa, que iria comer a menina, antes do menino, respondeu­lhe que não sabia fazer isso. A bruxa, muito irritada, foi mostrar à menina como fazer. Maria aproveitou a chan­ ce e empurrou a velha para dentro do forno e trancou a porta. Depois abriu a porta da gaiola, onde estava preso João. Antes de irem embora, as crianças revistaram os quartos e encontra­ ram um baú cheio de jóias e pedras preciosas.

Livres, os dois começaram a procurar o caminho de casa. Depois de andarem bastante, avistaram um rio e pediram a ajuda do pato para atravessarem. O pato atravessou uma criança de cada vez; quando os dois se encontraram novamente, na outra margem do rio, agradeceram a ajuda do pato e continuaram a caminhar. Depois de muito andar, chegaram a uma parte da

Page 223: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

219

floresta que eles conheciam bem e logo encontraram o caminho de volta. Assim que avistaram sua casa, gritaram por seu pai, que saiu correndo para abraçar os

filhos. Os três riram e choraram de emoção. O pai disse­lhes que tentou encontrá­los várias vezes, porque sofria muito sem eles. Contou­lhes que a madrasta tinha morrido e que, agora, podiam viver juntos e sem problemas. Nesse momento, as crianças mostraram o baú que ti­ nham trazido da casa da bruxa. Foi assim que a família pôde viver unida e feliz, sem mais dificuldades.

Resumo baseado no livro: GRISOLIA, Dulcy. João e Maria. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de Avelino Guedes. São Paulo: FTD, 2000. (Coleção contos clássicos) Imagem: GRISOLIA. Dulcy. João e Maria. Adaptação de texto Dulcy Grisolia; ilustrações de Avelino Guedes. São Paulo: FTD, 2000.

6. A pequena vendedora de fósforos Era uma vez uma menina muito pobre, que andava pelas ruas, vendendo caixinhas de

fósforos. Era o último dia do ano, véspera de Ano Novo, e estava terrivelmente frio! Estava nevando e logo iria escurecer.

A pequena vendedora de fósforos andava pelas ruas, com os pés descalços, com pou­ cas roupas e sem cachecol para proteger­lhe do frio. Ela tinha um par de chinelos que havia ganhado, mas como eram maiores que seus pés, ela acabou perdendo­os, ao correr entre os carros e carroças da rua. Sendo assim, a menininha andava com os pés descalços que estavam azuis de frio. Ela levava uma caixa de fósforos no seu velho avental e estava segurando uma caixa deles na sua mão. Seu dia tinha sido péssimo, pois ninguém havia comprado caixa de fósforos e, portanto, ela estava sem dinheiro, com muita fome e com muito frio.

As luzes brilhavam nas janelas, tudo ainda estava enfeitado com as luzes do Natal, e havia um aroma delicioso de comida por toda a rua. A menina sentou­se no chão e tentou se aquecer num canto entre duas casas. Ela estava frágil e não tinha coragem de voltar para casa. Iria apanhar, quando chegasse em casa, sem dinheiro. A família era muito pobre, morava nu­ ma casa muito humilde e passava necessidade.

Suas mãozinhas estavam quase inertes de tanto frio. Resolveu acender um fósforo para aquecer­se. E foi riscando­os um por um... Enquanto os acendia, via imagens de casas bonitas, mesas fartas, muita comida, viu­se até junto a uma mesa farta em frente a um pinheiro de Na­ tal. Depois, olhou para o céu e viu uma estrela caindo, formando um longo risco de fogo no céu. A menina pensou que alguém estava morrendo, pois lembrou de sua falecida avó, a única

Page 224: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

220

que fora bondosa com ela, que tinha lhe ensinado que quando se vê uma estrela cadente, isto significa que uma alma está indo para o céu.

A menina acendeu outro fósforo que fez um clarão enorme e ela viu sua avó. A meni­ na pediu para a avó levar­lhe junto. Sua avó levou a menininha nos braços e ambas voaram para longe com enorme alegria, cada vez mais alto, até que não havia mais frio, nem fome, nem sofrimento. Elas estavam no Paraíso.

No outro dia, cedinho da manhã, a menininha ainda estava sentada no canto entre as duas casas da rua. Suas bochechas estavam vermelhas e ela tinha um sorriso nos lábios... Ela estava morta, tinha congelado até morrer na véspera de Ano Novo. Os fósforos da caixinha estavam quase todos queimados ao seu lado.

Alguém que passou por ali pensou e comentou que a menina só quis se manter aqueci­ da... Mas o que ninguém soube foram as coisas lindas que ela tinha visto e imaginado, ou de que forma ela tinha entrado no Ano Novo com sua avó idosa.

Resumo baseado no livro: Um tesouro de contos de fadas. Ilustrações de Annie­Claude Martin. DS­MAX, 1994. Imagem: BAGNO, Marcos. Uma vida de contos de fadas: a história de Hans Christian Andersen. Ilustrações de Cris Eich. São Paulo: Ática, 2005.

Page 225: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

221

Anexo 4: Resumos das histórias dos escritores de contos de fadas:

1. Charles Perrault, 2. Irmãos Grimm e 3. Hans Christian Andersen.

Page 226: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

222

1. Char les Per rault (1628 – 1703)

Era uma vez Char les Per rault: vida e obra

Charles Perrault nasceu em Paris no dia 12 de janeiro de 1628. Era o quinto filho de um casal da alta burguesia. Ele abandonou o colégio na adolescência, depois de ter se desen­ tendido com um professor, e acabou completando seus estudos sozinho.

Aos 23 anos, começou a trabalhar como assessor do seu irmão mais velho, sendo cole­ tor de finanças da corte. Esse emprego lhe dava tempo livre para participar ativamente dos badalados salões literários parisienses, onde escritores e aristocratas se encontravam. Neste local, ele cercou­se de relações sociais importantes e conquistou notoriedade. Na luxuosa cor­ te de Luís XIV – o Rei Sol –, Perrault foi promovido a assessor do ministro Colbert, com ge­ nerosas gratificações e direito a aposentos no Palácio de Versailles, onde permaneceu por vinte anos.

O prestígio do cargo real favoreceu também o seu ingresso, aos 43 anos, na Academia Francesa, onde, ao lado de outros literatos, foi protagonista de uma longa disputa intelectual, batizada de Querela dos Antigos e Modernos. Os Antigos eram aqueles escritores que acredi­ tavam na superioridade da Antigüidade greco­romana sobre toda e qualquer produção france­ sa. Já os escritores Modernos defendiam que a obra dos autores da França não deixavam nada a dever aos clássicos de outros tempos.

Perrault liderava o grupo dos Modernos. Ele resolveu buscar nas raízes francesas his­ tórias que comprovassem o alto valor da cultura nacional. Foi assim que acabou encontrando os contos de fadas, chamados naquele tempo de “contos de velha” ou “contos da cegonha”, e que eram conhecidos apenas na boca do povo e em alguns livretos de cordel. Neste período, começavam também a ser descobertos pelas damas da corte, que os recitavam com pompa nos salões de Paris.

Naquela época, faltava, porém, alguém que transformasse essas histórias em boa lite­ ratura. Charles Perrault banhou os “contos de velha” no ouro de sua poesia e recriou­os ao escrever Contos da mamãe gansa. Com esta obra, acabou misturando a tradição popular com a cultura erudita de forma primorosa.

O autor e seu tempo...

Page 227: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

223

Na época de Perrault, o absolutismo francês estava no auge. O extravagante rei Luís XIV tinha tanto poder, que não era surpresa para ninguém ouvi­lo dizer: “O Estado sou eu”. (O Movimento Iluminista, que acreditava na razão e na liberdade, demoraria ainda algumas décadas para nascer e trazer luz ao pensamento europeu. A Revolução Francesa, só iria acon­ tecer quase um século depois.)

Ainda assim, algumas mudanças já mostravam transformações na sociedade francesa. A burguesia, que progressivamente acumulava riquezas e ascendia socialmente, acabava pro­ movendo, entre outras alterações, um novo modelo de educação infantil. Visto que, antes, as crianças não recebiam um tratamento especial da sociedade, que as via e as fazia se comportar como pequenos adultos, desde a maneira de se vestir até a de pensar. Os próprios Contos da mamãe gansa não eram especialmente destinados aos jovens leitores. Porém, graças aos enre­ dos fantasiosos e à aparente simplicidade do texto, acabaram fascinando as crianças, conside­ rados perfeitos na preparação dos filhos da burguesia (sobretudo das meninas) para o mundo adulto. Muitas das histórias serviram de modelos para o papel da mulher, da infância à matu­ ridade, e destacavam a importância do casamento e da constituição de uma família como o segredo para uma vida feliz. Perrault casou­se aos 44 anos e teve quatro filhos (três meninos e uma menina). Ele próprio admitia o caráter utilitário do livro na pregação da moral cristã e dos bons costumes.

Sobre a importância de sua obra: o que nos contam os contos de Per rault? Poeta da Academia Francesa, ele colocou no papel algumas narrativas tradicionais que

antes circulavam apenas oralmente entre o povo, ou seja, histórias que faziam parte da tradi­ ção oral popular. O trabalho de resgate destas histórias resultou em um livro, publicado em 1697, chamado Histórias ou contos do tempo passado com moralidades, mas ficou conhecido mesmo por seu subtítulo: Contos da mamãe gansa. Neste livro, as morais vinham em forma de poesias, que encerravam cada história.

Esta obra é considerada o ponto de partida da Literatura Infantil e vem sendo, desde então, recontada e adaptada de acordo com os valores de cada época. Nos séculos XIX e XX, os contos já tinham feições bem diferentes, pois tradutores, autores e editores, inspirados por ideais humanitários, suavizaram seus traços cruéis e fizeram tudo para tornar o final sempre feliz. Nos contos de Perrault, por exemplo, a Chapeuzinho Vermelho morre nas garras do lo­ bo; não há nenhum beijo na cena em que o príncipe encontra a Bela Adormecida e a história não termina aí...

Hoje, seus contos continuam motivando a discussão de valores (como a honestidade, a perseverança, a prudência, etc.) e são admirados pelo seu proveito pedagógico. Mas, sobretu­ do, os contos de Charles Perrault formam uma obra de incomparável riqueza imaginativa, um documento histórico que atesta o talento desse homem, que não apenas abriu as portas para a Literatura Infantil, como também permaneceu como um de seus maiores representantes.

Fonte: ALMEIDA, Fernanda Lopes de. Contos de Perrault. Ilustrações de Elisabeth Teixeira. São Paulo: Ática, 2005. p. 4­7

Page 228: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

224

2. Irmãos Gr imm: Jacob Gr imm (1785 – 1863) e Wilhelm Gr imm (1786 – 1859)

Era uma vez os Irmãos Gr imm: vida e obra

Jacob nasceu em 1875 e seu irmão Wilhelm nasceu um ano depois. Nasceram em Ha­ nau, no estado de Hesse (Alemanha). Estudaram em Marburgo e, de 1808 a 1829, trabalharam em Kassel.

O pai deles era advogado e faleceu quando ainda eram crianças. A mãe decidiu que os dois seguiriam os passos do pai – o que fizeram com o auxílio financeiro de uma tia, e fre­ qüentaram a universidade em Kassel, onde ambos formaram­se com sucesso em Direito. Já que não tinham recursos para se estabelecerem como advogados e precisavam sustentar a mãe, aceitaram o que lhes foi oferecido. Jacob tornou­se assistente de um famoso especialista em lei romana, com quem aprendeu a pesquisar e desenvolveu o amor por esta. Jacob tornou­ se um dos grandes homens de seu tempo – não em matérias de lei, mas em filologia (o estudo da linguagem). Os dois irmãos eram fascinados por este estudo e seus interesses eram bem abrangentes e profundos; para eles a filologia não era só o estudo das palavras, mas também da História, da Alemanha, da Idade Média, das Letras Clássicas e da Raça Humana.

Logo Jacob e Wilhelm conseguiram ocupações que lhes permitiram dedicarem­se a seus interesses pessoais, dando início a um tratado sobre a língua germânica. Desenvolveram uma teoria que ficou universalmente conhecida como a Lei dos Grimm. Sob certo aspecto, Jacob foi melhor estudioso, Wilhelm, melhor escritor, mas trabalhavam juntos em tal colabo­ ração que é quase impossível distinguir suas contribuições. Por dez anos dedicaram­se à Gramática Germânica; depois se enfronharam na mitologia de sua gente com o mesmo afin­ co, determinados em estabelecer algo comparável aos mitos nórdicos e eslavos, já bastante divulgados. Foi esta tarefa que concedeu ao mundo os contos de fadas, os quais foram coleta­ dos como parte da evidência necessária desse trabalho mais amplo.

Estes contos passavam oralmente das mães aos filhos, ninguém sabia há quantas gera­ ções, sem jamais haverem tido as formas de suas histórias fixadas pela escrita. Assim, por exemplo, uma família de lenhadores ou carvoeiros que vivesse há séculos nas densas florestas poderia relatá­las de modo bem diferente de uma outra família que houvesse sempre vivido em regiões de céu aberto ou nas fazendas dos vales.

Jacob e Wilhelm ouviram esses contos na infância, porém, agora, os examinavam com outros olhos, olhos críticos, e com esperança de que iluminassem a história, as crenças e os costumes da longa sucessão de camponeses alemães que haviam concedido a essas histórias suas formas finais. Os irmãos valorizavam as histórias por seu material folclórico, sendo, por­ tanto, essencial que fossem obtidas tantas versões de cada história quantas possíveis, e que

Page 229: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

225

cada uma fosse registrada com absoluta fidelidade ao relato feito pelos camponeses em suas choupanas.

Os irmãos trabalhavam nos relatos com a precisão e o método característicos de seu povo, tomando uma frase aqui, uma palavra ali, como testemunhos de lendas e mitos esqueci­ dos. Para eles, os gnomos, as fadas, os gigantes, os duendes das minas e os duendes amigos dos homens eram parte de um passado esquecido.

Os Grimm demonstraram através de suas personalidades a meticulosidade e a soleni­ dade típicas dos germânicos: pouco senso de humor e uma certa tendência para o romântico.

O primeiro volume de Kindermärchen foi publicado em 1812, o segundo em 1815 (a­ no da batalha de Waterloo) – os famosos livros de contos de fadas dos irmãos Grimm. É es­ tranho imaginar esses dois irmãos obstinadamente prosseguindo as suas pesquisas sobre o folclore germânico durante os conturbados anos das guerras napoleônicas, que tão diretamen­ te afetaram seu solo nativo.

Nesse período, na Inglaterra, os contos de fadas haviam tido suas existências pratica­ mente eliminadas pela sisudez inglesa. Eram classificados de injuriosas tolices, capazes de perturbar as crianças; e teve início uma época de contos moralizantes e fatos de interesse em formatos digeríveis. Provavelmente, a seriedade com a qual os irmãos Grimm haviam coleta­ do os contos tenha ajudado a torná­los mais aceitáveis na Inglaterra, abrindo assim, mais uma vez, os portões das terras das fadas às crianças inglesas.

Logo que completaram a Teoria da Mitologia Germânica (levaram treze anos), os ir­ mãos tiveram a tarefa de produzirem um Dicionário da Língua Alemã, mas ambos faleceram antes de terminá­lo.

Sobre a importância de sua obra: o que nos contam os contos dos irmãos Gr imm? Jacob e Wilhelm Grimm foram eruditos alemães, estudiosos de literatura, de filologia,

e autores das mais célebres e clássicas histórias para crianças em todos os tempos. Os dois irmãos foram professores na Universidade de Göttingen e se destacaram em

seu tempo como grandes estudiosos da língua alemã. Duas das grandes realizações dos irmãos foram a Deutsches Grammatik (Gramática Alemã) e o fato de terem iniciado o importante Deutsches Wörterbuch (Dicionário da Língua Alemã), cujos vários volumes foram finalmente completados por um estudioso em 1961.

Jacob é considerado um dos maiores estudiosos da Alemanha e o legítimo fundador dos estudos científicos da língua alemã e de sua literatura medieval, mas foram efetivamente os dois volumes de Kinder und Hausmärchen (Contos das Crianças e do Lar) e o paciente trabalho de pesquisa dos dois irmãos que os imortalizaram.

Os dois tinham um desejo em comum: reunir toda a tradição oral alemã. Para tanto, não se basearam em informações retiradas de documentos escritos, e sim em relatos colhidos entre os camponeses. Apesar de eruditos, respeitáveis pesquisadores do idioma alemão, a ce­ lebridade mundial dos irmãos Grimm se deve ao conjunto de histórias que eles criaram, reco­ lheram na tradição popular e fixaram em texto. O mérito destas histórias é que elas funcionam e fascinam em todas as línguas e culturas, como têm feito há quase duzentos anos. “A Bela Adormecida”, “O Príncipe Sapo”, “A Gata Borralheira” e “Branca de Neve” são algumas das histórias recolhidas pelos irmãos Grimm e publicadas no livro Kinder­und Hausmärchen (Contos Infantis e do Lar), que, ainda hoje, é a mais conhecida coletânea de contos populares do mundo.

Fontes: BRAZ, Júlio Emílio. João e Maria. Recontado por Júlio Emílio Brz. Ilustrações de Salma Dansa. São Paulo: FTD, 2003. (Coleção as bruxas de Grimm) GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Tradução de Zaida Maldonado. A bela adormecida e outras histórias. v.1. Porto Alegre: L&PM, 2001. (Coleção L&PM Poccket)

Page 230: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

226

GRIMM, JACOB; GRIMM, Wilhelm. Tradução de Zaida Maldonado. O príncipe sapo e outras histórias. v.2. Porto Alegre: L&PM, 2002. (Coleção L&PM Poccket)

3. Hans Chr istian Andersen (1805 – 1875)

Era uma vez Hans Christian Andersen: vida e obra

Hans Christian Andersen nasceu no dia 2 de abril de 1805, em Odense, uma pequena cidade da Dinamarca. O pai dele era sapateiro e a mãe era lavadeira. Sua família era muito pobre. Eles eram tão pobres que todos viviam num único cômodo. A mãe, às vezes, precisava mendigar para conseguir alguma coisa para a família comer. Talvez por essa razão, para es­ quecer a pobreza, é que Andersen se deixava levar pelos sonhos; tudo para ele tinha uma ma­ gia escondida.

Andersen teve uma infância solitária. Ele não brincava com outros meninos, porque sempre zombavam de suas pernas compridas e de suas histórias esquisitas. Então, ele preferia ficar sozinho, lendo livros ou brincando com seu teatro de bonecos. Quando era menino, ado­ rava inventar histórias. Ficava horas a fio no minúsculo quintal da casa dele, com o avental da mãe sobre a cabeça para se abrigar do sol. Inventava peças de teatro para seus bonecos e até construiu um teatro de brinquedo para eles.

Um dos momentos mais importantes da vida de Andersen foi quando ele assistiu sua primeira peça teatral de verdade, aos 7 anos, no teatro de Odense. Ele não tinha dinheiro para pagar o ingresso e, então, fez amizade com o porteiro do teatro para deixá­lo entrar sem que ninguém percebesse. Eles fizeram um trato: o porteiro deixava Andersen entrar e lhe dava os programas das peças em troca da ajuda do menino na limpeza do teatro. Com aqueles pro­ gramas, Andersen inventava diálogos e peças inteiras para os personagens. Assim, a idéia de

Page 231: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

227

se tornar um grande artista de palco ficou tão forte no espírito do menino que ele não conse­ guia pensar em outra coisa. Sendo assim, aos 14 anos, ele decidiu partir sozinho para a capital do país, Copenhague, para tentar realizar seu grande sonho.

Então, com 14 anos, a bordo de um navio, Andersen foi tentar a vida na capital da Di­ namarca. Ele usava roupas velhas que pertenceram ao seu pai. Levava pouco dinheiro e toda a sua bagagem era uma trouxa de roupas surradas. O pai de Hans Christian tinha morrido três anos antes, com apenas 33 anos de idade. Em razão disso, a vida da família, que já era difícil, ficou ainda pior. A mãe tinha que trabalhar muito para garantir sozinha a sobrevivência deles. Naquela época, um garoto de 14 anos, principalmente nas famílias muito pobres, já era consi­ derado adulto e já tinha que começar a pensar em trabalho.

Quando chegou à capital, o jovem passou por uma série de frustrações e dificuldades. Ninguém queria dar­lhe emprego. No Teatro Real de Copenhague, o gerente disse que ele era magro demais e muito desajeitado para ser ator. As pessoas achavam­no estranho, que ele não era bom da cabeça e até zombavam do garoto esquisito, que usava um chapéu largo, camisa frouxa e botas enormes. Andersen alugou um quartinho minúsculo numa pensão do bairro mais pobre da cidade. Como não conseguia emprego, o pouco dinheiro que tinha levado aca­ bou­se logo. Ele não tinha como se manter na capital nem como voltar para sua cidade natal.

Apesar de todas as dificuldades, Andersen não queria abandonar o sonho de se tornar um artista famoso. Sendo assim, durante os três primeiros anos em que passou em Copenha­ gue, sua vida foi extremamente dura. Não tinha como comprar roupas novas que pudessem acompanhar seu crescimento. Durante todo esse período, ele viveu miseravelmente, passando frio e fome. Sobreviveu porque as pessoas, de algum modo, se comoviam com sua história e pressentiam que ele tinha um talento especial e, por isso, ajudavam­lhe com dinheiro.

Aos 17 anos, Andersen tinha tentado chegar aos palcos por três caminhos: como can­ tor, como dançarino e como autor. Mas todas as pessoas que se interessaram por ele insistiam em lhe dizer que só conseguiria desenvolver seus talentos se procurasse recuperar o tempo perdido fora da escola.

Teimoso, escreveu uma nova peça e apresentou o texto a algumas pessoas, entre elas Jonas Collin, que era Diretor do Teatro Real de Copenhague – um homem muito poderoso, que tinha ótimas relações com a família real e era conhecido como um homem rico, austero e modesto, mas que costumava ajudar as pessoas com dificuldades. Jonas Collin achou a peça de Andersen “inútil para o palco”, no entanto, decidiu conceder a Andersen uma bolsa de es­ tudos para freqüentar uma escola primária, pois também acreditava que Andersen jamais seria alguém na vida se não recebesse uma boa educação. A escola ficava no interior da Dinamarca, num lugar chamado Slagelse. Este foi um dos períodos mais difíceis e sofridos de toda a vida de Andersen.

Com 17 anos, o rapaz sensível e delicado, teve que freqüentar a mesma sala de aula com garotos bem menores do que ele. Andersen ainda teve que suportar por cinco anos o pro­ fessor Meisling (muito talentoso, mas temido e odiado pelos alunos, era seu professor na es­ cola), pois precisou viver na mesma casa com o professor, sua mulher e seus filhos pequenos, de quem tinha de cuidar como se fosse um serviçal da família.

Por fim, o próprio Collin, que o colocou naquela situação com as melhores intenções, teve pena dele e permitiu que ele saísse da casa do terrível mestre e retornasse a Copenhague, onde começou a ter aulas particulares, sempre com a ajuda de Collin, sendo que mais tarde foi estudar na universidade.

Collin praticamente adotou Andersen, trazendo­o para o convívio de sua própria casa, e ele se tornou grande amigo dos filhos de seu protetor. A partir daí, a vida se tornou muito mais agradável, porque pela primeira vez Andersen tinha uma família de verdade. Ele morava num pequeno apartamento, sozinho, mas freqüentemente aparecia na casa dos Collin.

Page 232: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

228

Foi nessa época que Andersen começou a ficar conhecido como escritor. Nesse perío­ do, Andersen usava todo momento livre para escrever. Teve seu primeiro livro publicado aos 24 anos e vendeu bem. Em seguida, uma de suas peças foi encenada no maior teatro da cida­ de. Ele começou a ganhar seu próprio dinheiro.

No verão de 1829, quando já tinha ganhado dinheiro suficiente par fazer uma viagem, Andersen fez uma longa viagem pela Dinamarca. Certo dia, quando passava na casa de um amigo, conheceu uma linda moça chamada Riborg Voigt. Hans Christian se apaixonou pedi­ damente por ela. Os dois passearam juntos algumas vezes e ele até escreveu alguns poemas para ela. Mas o romance foi breve, pois ela casou­se com outro, deixando Hans Christian mui­ to magoado.

Depois disso, Hans Christian Andersen teve outros amores, mas nunca se casou, nunca teve filhos, apesar de gostar muito de crianças e de escrever histórias para elas.

Até aqui, Andersen só tinha escrito livros para adultos. Depois foi viajar para conhecer outros países da Europa (conheceu entre outras cidades, Paris e Roma). Quando retornou das viagens, ele voltou para a Dinamarca e alugou um pequeno apartamento aconchegante, onde morava sozinho. Ele já estava próximo dos 30 anos de idade e sua vida de miséria e pobreza tinha ficado para trás. Ele já era famoso em toda a Europa. Mas ele tinha vontade de ser real­ mente original no que fazia, de criar um tipo novo de literatura, alguma coisa diferente. Surgi­ ram os contos de fadas...

Antes dele, Charles Perrault e os irmãos Grimm publicaram contos que as pessoas já conheciam de ouvir contar, mas Hans Christian Andersen foi o primeiro escritor a produzir contos de fadas originais, nascidos de sua própria imaginação. Para escrever alguns deles, é verdade que ele se inspirou em lendas tradicionais do folclore dinamarquês, coisa que ele ou­ viu da boca de mulheres velhas, ainda quando era menino. Mesmo assim, os personagens, as tramas, a linguagem, tudo foi criação dele.

O primeiro livro de contos, publicado em 1835, tinha quatro histórias: “O isqueiro mágico”, “Nicolau Grande e Nicolau Pequeno”, “As flores da pequena Ida” e “A Princesa e o grão de ervilha”. As crianças logo se apaixonaram pelas histórias de Andersen. Suas histórias eram cheias de coisas mágicas e de personagens fantásticos. Por outro lado, teve gente que achou as histórias muito cruéis e violentas para as crianças. E outras que as consideravam mal­escritas. Mas ele não se importou com este tipo de comentário e seguiu escrevendo. E foi assim que ele conseguiu realizar o seu sonho de menino pobre: tornar­se famoso, respeitado e conhecido no mundo todo. Ele sempre guardou as lembranças e os sentimentos de sua vida de criança infeliz e soube usá­los na hora de escrever seus contos. A literatura tornou sua grande razão de viver. Outra paixão era viajar. As viagens alimentavam a sua imaginação e repercutia no que escrevia.

Em 1840, aos 35 anos, Andersen partiu novamente para uma grande e longa aventura. Viajou pela Itália, Grécia, Istambul, Turquia...

No verão de 1844, Andersen passou alguns dias com o rei e a rainha da Dinamarca. Sua literatura tinha conquistado não só o público em geral, mas também a nobreza de diversos países. Logo depois dessa temporada com os reis da Dinamarca, ele viajou pela Alemanha.

Em 1847, Andersen fez sua primeira visita à Inglaterra e à Escócia, países onde seus livros estavam se tornando populares. Em Londres, Andersen foi convidado a festas, jantares e bailes quase todo dia, pois todos queriam conhecê­lo. Mas ele mesmo queria conhecer uma pessoa especial: o grande romancista inglês Charles Dickens, de quem era grande admirador. Os dois conheceram­se num jantar e tornaram­se bons amigos.

Em dezembro de 1867, o povo de Odense fez uma cerimônia especial em honra de Hans Christian Andersen. Ele tinha se tornado o filho mais ilustre da cidade. Foi realizada uma grande festa. Naquele dia ele estava com uma terrível dor de dente e teve de cancelar vários discursos.

Page 233: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

229

No dia 4 de agosto de 1875, Hans Christian Andersen morreu, enquanto dormia. Na Dinamarca, há uma estátua de Andersen que o povo ergueu para homenagear o

maior contador de histórias de todos os tempos. No porto de Copenhague, tem uma estátua da Sereiazinha, um dos personagens mais famosos de Andersen.

Sobre a importância de sua obra: o que nos contam os contos de Hans Christian Ander­ sen?

Hans Christian Andersen deixou uma valiosa obra, que inclui poesias, peças de teatro, autobiografias, diários de viagem e, é claro, contos de fadas. Neste gênero escreveu 168 histó­ rias. Muitas delas são referências a passagens de sua vida, especialmente os anos de pobreza.

Nenhum outro autor teve um papel tão marcante na memória das crianças como esse escritor dinamarquês. Sua importância é tamanha que, na data de seu aniversário, é comemo­ rado também o Dia Mundial do Livro Infantil.

Andersen foi um menino pobre cercado de terríveis dificuldades. Com o passar do tempo, ele mostrou como pôde combatê­las usando a determinação e o talento. Assim, seguiu para um final triunfante, tornando­se um dos escritores mais lidos no mundo inteiro.

Algumas histórias: “O Rouxinol”, “O Patinho Feio”, “Nicolau Grande e Nicolau Pe­ queno”, “A Sereiazinha”, “As roupas novas do Imperador”, “O soldadinho de chumbo”, “A pastora e o limpador de chaminé”, “Tommelise” (“Polegarzinha”), entre outras.

Fontes: BAGNO, Marcos. Uma vida de contos de fadas: a história de Hans Christian Andersen. Ilustrações de Cris Eich. São Paulo: Ática, 2005. (Série Clara Luz) FRANÇA, Mary; FRANÇA, Eliardo. Contos de Andersen (Coleção). São Paulo: Ática.

Page 234: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

230

Anexo 5: Sinopses de alguns filmes de “novos contos de fadas”: Shrek1 (2001), Branca de Neve – O Filme (2001), Shrek 2 (2004), A Nova Cinderela (2004), Deu a louca na Chapeuzinho (2005), Shrek 3 (2007), Deu a Louca na Cinderela (2007), Encantada (2007).

Page 235: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

231

Page 236: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

232

Page 237: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

233

Page 238: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

234

Page 239: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

235

Page 240: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

236

Page 241: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

237

Page 242: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

238

Page 243: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

239

Page 244: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

240

Page 245: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

241

Anexo 6: Reportagem da Revista Veja: “O patinho agora é gay – cresce nos Estados Unidos a publica­

ção de livros infantis com personagens homossexuais”.

Page 246: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 247: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp059572.pdf · Milhares de livros grátis para download. 2 ... porque , com a história do principezinho, aprendi que “só se vê bem

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo