LÍNGUA FRANCA NO BRASIL: INGLÊS, GLOBÊS OU INGLÊS BRASILEIRO? · 2018. 8. 31. · Língua...

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Hudson Marques Silva Graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - FAFICA (2006). Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino da Língua Inglesa pela Faculdade Frassinetti do Recife - FAFIRE (2008). Professor de Língua Portugesa, Inglesa e suas Literaturas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE - Campus Belo Jar- dim. E-mail: [email protected] LÍNGUA FRANCA NO BRASIL: INGLÊS, GLOBÊS OU INGLÊS BRASILEIRO? R ESUMO A BSTRACT Este trabalho propõe uma reflexão acerca dos motivos que levaram o inglês a se tornar uma língua mundial, as rela- ções entre inglês e globês (Globish) como língua franca, as variedades do inglês no mundo, além de apresentar alguns exem- plos da variedade do inglês falado no Brasil (inglês brasileiro). Concluímos que uma língua torna-se mundial pelo poder (mili- tar, econômico, científico, cultural etc.) das pessoas que a falam. Todavia, assim como com qualquer outra língua, o inglês tem apresentado características (fonológicas, lexicais e gramaticais) que variam de acordo com cada região. Portanto, não existe um modelo uniforme de língua franca, mas variedades dela, que no Brasil chamaremos de inglês brasileiro como língua fran- ca. Palavras-Chave: Língua mundial. Inglês. Globês. This work proposes a reflection on the reasons that turned English a world language, the relationships between English and Globish as a lingua franca, the varieties of the English in the world, besides presenting some examples of Brazilian spoken English variety (Brazilian English). It is concluded that a language becomes a world language due to the (military, economic, scientific, cultural etc.) power of people who speak it. However, as any other language, English has presented its (phonologi- cal, lexical and grammatical) varieties which accord to each region. Therefore, there is not a singular model of lingua franca, but varieties of it, which in Brazil will be called Brazilian English as a lingua franca. Keywords: Worldwide language. English. Globish.

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Hudson Marques SilvaGraduado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru - FAFICA (2006). Especialista em LinguísticaAplicada ao Ensino da Língua Inglesa pela Faculdade Frassinetti do Recife - FAFIRE (2008). Professor de Língua Portugesa,Inglesa e suas Literaturas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE - Campus Belo Jar-dim.E-mail: [email protected]

LÍNGUA FRANCA NO BRASIL: INGLÊS, GLOBÊS OU INGLÊS BRASILEIRO?

R E S U M O

A B S T R A C T

Este trabalho propõe uma reflexão acerca dos motivos que levaram o inglês a se tornar uma língua mundial, as rela-ções entre inglês e globês (Globish) como língua franca, as variedades do inglês no mundo, além de apresentar alguns exem-plos da variedade do inglês falado no Brasil (inglês brasileiro). Concluímos que uma língua torna-se mundial pelo poder (mili-tar, econômico, científico, cultural etc.) das pessoas que a falam. Todavia, assim como com qualquer outra língua, o inglês temapresentado características (fonológicas, lexicais e gramaticais) que variam de acordo com cada região. Portanto, não existeum modelo uniforme de língua franca, mas variedades dela, que no Brasil chamaremos de inglês brasileiro como língua fran-ca.

Palavras-Chave: Língua mundial. Inglês. Globês.

This work proposes a reflection on the reasons that turned English a world language, the relationships between English andGlobish as a lingua franca, the varieties of the English in the world, besides presenting some examples of Brazilian spokenEnglish variety (Brazilian English). It is concluded that a language becomes a world language due to the (military, economic,scientific, cultural etc.) power of people who speak it. However, as any other language, English has presented its (phonologi-cal, lexical and grammatical) varieties which accord to each region. Therefore, there is not a singular model of lingua franca,but varieties of it, which in Brazil will be called Brazilian English as a lingua franca.

Keywords: Worldwide language. English. Globish.

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Língua franca no brasil: inglês, globês ou inglês brasileiro?

Nos últimos anos, o estudo da língua inglesa

tem angariado considerável visibilidade, passando a

fazer parte do cotidiano de estudantes no Brasil e no

mundo, pois esse idioma tem representado,

sobretudo com a globalização, um instrumento de

comunicação mundial. Muitos países já o adotam

como primeira língua estrangeira, ao mesmo tempo

em que ele é utilizado como língua franca na

produção de trabalhos científ icos e na

comercialização internacional.

Por essa e outras razões, a grande maioria das

escolas públicas e privadas brasileiras adota o inglês,

na educação básica, como língua estrangeira

moderna, cabendo ainda ressaltar que o número de

cursos de idiomas instalados no país vem crescendo

em ritmo acelerado face às novas exigências do

mercado nacional.

Partindo de uma perspectiva crítica,

estudiosos das ciências humanas como a sociologia,

a antropologia, a história, entre outras, tendem a

levantar questionamentos (bastante pertinentes)

quanto às vantagens e desvantagens trazidas pela

inserção da língua inglesa no cotidiano de países

culturalmente distintos. Esse fenômeno pode ser

encarado como uma imposição (ou invasão)

político-cultural dos países que possuem o inglês

como língua nativa, o que pode acarretar na

padronização de práticas culturais tidas como

modelos ideais (etnocentrismo) a serem seguidos em

detrimento das variedades culturais de cada povo.

Por outro lado, do ponto de vista da

linguística, tal fenômeno é visto como um processo

que vem ocorrendo com as línguas ao longo da

história. O grego representou a língua da

globalização cultural helênica na antiguidade, o latim

foi utilizado como língua de comunicação

internacional durante o domínio do império romano

e da igreja católica na idade média, o francês já foi

uma língua internacional, chegando ao seu ponto

máximo no século XVII, período em que era a língua

utilizada em quase toda a Europa.

Diferentemente da tradição gramatical, que

tem a língua como algo estático, a lingüística a encara

como um instrumento comunicativo dinâmico,

portanto, volátil. Nessa ótica, o processo de

mundialização pelo qual determinada língua pode

p a s s a r d e ve s e r v i s t o n o â m b i t o d a

internacionalização de um instrumento capaz de

facilitar as inter-relações entre diversos povos. Com

efeito, não se considera a noção de língua “certa” e

“errada”, uma vez que não devem existir hierarquias,

em que um idioma (ou uma variedade dele) é

considerado melhor, mais correto ou mais bonito do

que o outro.

A partir dessas premissas, este trabalho discute

sobre as possíveis razões que levaram a língua inglesa

a se tornar uma língua mundial, representando a

língua mais utilizada em eventos internacionais, bem

como na internet. Para tanto, serão levados em

consideração fatores lingüísticos e históricos. Em

seguida, serão propostas reflexões e definições sobre

as relações entre o inglês e o globês (Globish) como

línguas francas, as variedades da língua inglesa no

mundo e serão apresentados alguns exemplos

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(fonológicos, lexicais e gramaticais) da variedade do

inglês brasileiro.

O termo língua mundial é empregado neste

trabalho para caracterizar um idioma falado por uma

grande quantidade de pessoas em todo o mundo que

o utiliza como um meio de efetiva comunicação

internacional, o que faz com que seja adotado como

primeira língua estrangeira a ser ensinada nas escolas.

Nessa perspectiva, a língua inglesa tem se adequado a

essa definição, uma vez que “[...] aproximadamente

um quarto da população mundial é capaz de se

comunicar em um nível eficaz do inglês.”

(CRYSTAL, 2006, p. 425, tradução nossa). Esse

dado constata que nunca uma língua foi falada por

tantas pessoas como tem ocorrido com o inglês nos

últimos tempos.

No que diz respeito aos motivos que levaram o

inglês a alcançar essa posição, uma opinião um tanto

desatenta, mas que tem sido frequentemente

difundida, é a de que se trata de uma língua fácil,

simples – por apresentar poucas flexões (variações

nas terminações das palavras). Como se sabe, o

inglês não apresenta desinências para adjetivos,

artigos, pronomes demonstrativos, entre outras

palavras, concordarem em gênero e número com os

substantivos (concordância nominal), pois tais

palavras permanecem invariáveis. As flexões verbais

1 POR QUE O INGLÊS TORNOU-SE UMA

LÍNGUA MUNDIAL?

1

também se mostram bastante reduzidas, chegando a

apresentar apenas uma forma para todos os sujeitos

em alguns tempos verbais, o que supostamente

levaria falantes de outras línguas a aprendê-la com

rapidez e facilidade.

Todavia, a língua latina, diferentemente do

inglês, possui uma enorme quantidade de flexões nas

palavras. Em latim, além da enorme variedade de

flexões verbais, que concordam com cada sujeito, os

substantivos e os adjetivos recebem diferentes

desinências de acordo com sua função na frase, isto

é, para indicar se é um sujeito, um objeto direto, um

objeto indireto, um adjunto, e assim por diante.

Contudo, o latim já foi uma língua mundial, como

destaca Barros (2005):

Se isso é verdadeiro, que razão teria levado

uma língua tão “complexa” quanto o latim a alcançar

tamanha repercussão? Esse questionamento

remete-nos às palavras do lingüista britânico David

Crystal (2005, p. 23) que diz: “Uma língua se torna

[...] o latim começa a espalhar-sepor toda a Europa dominadapelos romanos para se tornar alíngua da cultura cristã noOcidente. O latim era a línguaoficial da Igreja CatólicaRomana, da literatura e dasciências. O pensamento dosgrandes cérebros da Idade Médiaoperou por séculos em latim efixou-se em obras escritas nalíngua latina. Todas as obrasimportantes da Filosofia e daCiência, entre 800 e 1700, emtodo o Ocidente, foram escritasem latim.

1Original: “[...] approximately one in four of the world's population are now capable of communicating to a useful level in English.”

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mundial por uma razão apenas – o poder das pessoas

que a falam.” Isto é, assim como o grego, o latim e o

francês um dia já foram línguas mundiais, o inglês

angariou tais dimensões pelo poder – militar,

econômico, científico, cultural etc. – que esses povos

atingiram.

Além das colonizações, que levaram o inglês

como primeira língua a países como a Nova

Zelândia, a África do Sul, alguns países do Caribe, a

Austrália e a uma variedade de outros territórios; a

globalização (comercial, cultural e tecnológica) fez

com que muitos países utilizassem esse idioma como

meio de comunicação internacional.

O grande primeiro passo para o inglês tornar-

se uma língua mundial foi a Revolução Industrial

ocorrida na Inglaterra no século XVIII, quando o

inglês era a língua usada pelos criadores dessa

revolução e por todos os envolvidos no trabalho que,

mais tarde, seria proliferado em outros países. Em

seguida, houve a forte ascensão econômica

(capitalista) e cultural (música, cinema, TV, entre

outros) dos Estados Unidos da América, a partir do

final do século XIX e durante o século XX. Como

exemplo disso, Crystal (2006, p. 430) sublinha que:2

Quando em 1877 Thomas A.Edison projetou a vitrola, aprimeira máquina que podiatanto gravar quanto reproduzirsom, as primeiras palavras aserem gravadas foram 'WhatGod hath wrought', [...] Todas asgrandes gravadoras de música

popular tiveram origens dalíngua inglesa, começando com aempresa americana Columbia(de 1898). (tradução nossa).

Portanto, uma língua não se torna mundial

simplesmente por ser considerada adquirível com

facilidade, mas pelas relações de poder impostas

pelos povos que a falam, o que faz da língua,

também, um sinal de imperialismo. Entretanto,

assim como se sabe que o latim foi se modificando

estrutura e fonologicamente com o passar do tempo,

apresentando tamanha variedade que deu origem a

outras línguas – as línguas neolatinas: o francês, o

espanhol, o italiano e o português –, a língua inglesa,

por sua vez, também tem apresentado características

peculiares variáveis de acordo com cada região,

como será discutido nas seções seguintes.

Com o intuito de facilitar a comunicação

internacional, foram muitas as tentativas (frustradas)

de tornar o esperanto (língua artificial criada pelo

filólogo Ludwik Lejzer Zamenhof em 1887) a língua

franca do século XX. Entretanto, por relações de

poder, como visto na seção anterior, foi o inglês que

acabou recebendo essa função. A expressão língua

franca é utilizada para se referir a “[...] uma língua

para a comunicação rotineira entre (grupos de)

pessoas que possuem línguas maternas diferentes.”

2 INGLÊS OU GLOBÊS COMO LÍNGUA

FRANCA?

2Original: “When in 1877 Thomas A. Edison devised the phonograph, the first machine that could both record and reproduce

sound, the first words to be recorded were 'What God hath wrought', […]All the major recording companies in popular music hadEnglish-language origins, beginning with the US firm Columbia (from 1898).”

Língua franca no brasil: inglês, globês ou inglês brasileiro?

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(CARTER; NUNAN, 2005, p. 223, tradução nossa) .

Essa definição também é corroborada por Jenkins

(2006, p. 160, tradução nossa) .: “[…] em seu aspecto

mais legítimo, o inglês como língua franca é definido

como uma língua usada para a comunicação apenas

entre falantes de línguas diferentes.”

Uma questão que surge é: a língua inglesa,

utilizada por tantos falantes estrangeiros como

língua franca seria uniforme, ou seja, tratar-se-ia de

uma mesma língua? Trabalhando nos Estados

Unidos, o francês Jean-Paul Nerrière percebeu que,

ao se comunicar com falantes não-nativos da língua

inglesa, conseguia estabelecer uma melhor

comunicação do que com os próprios nativos, uma

vez que a variedade linguística falada por eles

diferenciava-se do inglês-nativo (tanto na pronúncia

quanto na estrutura). A partir de então, Nerrière

notou que a língua que falavam não era o inglês (tal

qual o falado pelos nativos), mas uma outra língua

parecida, a qual ele chamou de globês ( ). Essa

terminologia ( , que vem de globo, global) é

usada para identificar a variedade do inglês falada

por estrangeiros para a comunicação global. Suas

principais características são: a) a comunicação

através das 1500 palavras mais freqüentes da língua

inglesa e b) uma pronúncia baseada na

inteligibilidade (conseguir entender e ser entendido),

e não na perfeição (GRZEGA, 2006).

As idéias de Nerrière são divulgadas em seu

livro (ainda sem

3

4

Globish

Globish

Don't speak English, parlez Globish

t r adução em por tuguês ) ou pe lo s i t e

, nos quais ele sugere

o globês como língua franca. Nessa proposta, o

vocabulário apresenta-se um tanto limitado,

havendo substituições de expressões como

(o filho do meu irmão) no lugar de

(meu sobrinho),

(aquela coisa com a qual lavamos as mãos) no

lugar de (torneira) e assim por diante. Esse seria

um caminho para realizar a comunicação, mesmo

que o falante não retenha um vocabulário vasto ou

específico.

De qualquer modo, assim como a língua

inglesa tendeu a se modificar entre os falantes

estrangeiros, formando, assim, uma outra língua (o

globês), o mesmo fenômeno deve ocorrer com esta,

pois a tentativa de uma língua universal uniforme

parece ser sempre frustrada, já que as línguas, como

veremos a seguir, variam de acordo com as

necessidades de cada região.

Um fenômeno que comumente ocorre com

qualquer língua ao longo do tempo é chamado de

. Trata-se das diferenças que

surgem tanto na pronúncia quanto na estrutura de

uma língua, a qual varia de acordo com cada

comunidade lingüística. Esse fenômeno acontece

porque “As palavras novas tendem com freqüência a

the son of

my brother my

nephew that thing where we wash the

hands

faucet

variedade linguística

3 VARIEDADES DO INGLÊS NO MUNDO

http://www.jpn-globish.com/

3Original: “[…] a language for routine communication between (groups of) people who have different L1s.”

Original: “[...] in its purest form, ELF is defined as contact language used only among non-mother tongue speakers”.4

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ser usadas dentro da comunidade local, exatamente

porque elas dizem respeito a noções distintas ali.”

(CRYSTAL, 2005, p. 38). Cada região possui

palavras específicas para nomear plantas, animais,

comidas, costumes, política, esportes, dentre outros

elementos que são próprios da cultura local. Nessa

perspectiva, “O termo idioma designa com muita

precisão a língua como algo que reflete os traços

próprios de uma comunidade (o grego idioma já

tinha o sentido de 'costume especial').”

(SAUSSURE, 2006, p. 221).

Com efeito, não poderia ser diferente com a

língua inglesa. Mesmo sendo legítima a observação

de Narrière segundo a qual a língua falada por ele e

seus interlocutores estrangeiros não era o inglês dos

nativos, essa variedade – que ele chamou de globês

( ) – também não se apresenta de modo

uniforme. A partir daí, pode-se dizer que não existe o

inglês ou o globês como língua franca, mas ou

. “O que acontece quando um grande número

de pessoas adota o inglês em um país? Elas

desenvolvem um inglês próprio. Existem agora

muitas variedades novas de inglês falado se

desenvolvendo ao redor do mundo, em países como

Índia, Cingapura e Gana.” (CRYSTAL, 2005, p. 35).

Portanto, a língua inglesa não é mais o idioma

da Inglaterra ou dos Estados Unidos, uma vez que

“Quanto mais uma língua se torna nacional, depois

internacional e por fim global, mais ela cessa de ser

propriedade dos que a originaram.” (CRYSTAL,

2005, p. 56). Assim, o inglês tornou-se uma língua

franca (léxica e gramaticalmente variável) que

Globish

ingleses

globeses

pertence a todo o mundo. Nesse aspecto, a língua

não deveria ser encarada como um meio de

dominação ou imposição dos países hegemônicos,

mas, sobretudo, como um instrumento dinâmico

que pode facilitar a comunicação e relações entre os

países, inclusive de línguas distintas. Dentro de um

ponto de vista lingüístico, trata-se de um processo

natural que ocorre e sempre ocorrerá com qualquer

língua ao longo da história.

No que tange às variedades do inglês, Crystal

(2008) nos traz alguns exemplos de como as

variedades locais do inglês podem influenciar na sua

compreensão. No inglês da África do Sul, é natural

uma frase como “ ”

(O caminhão teve que parar no sinal vermelho), em

que foram utilizadas as palavras no lugar de

(caminhão) e no lugar de (sinal,

semáforo), que são mais comuns em outras

variedades do inglês. Milhares de palavras como

essas são apresentadas no

(Oxford) de Jean e William Branford.

Para compreender uma frase como “

” (O relógio dele

estava mais para do que para )

faz-se necessário conhecer um pouco sobre Londres

e saber que é uma rua onde os relógios

são mais baratos e, provavelmente, falsificados,

enquanto trata-se de um centro de

compras muito caro.

Tais fenômenos ocorrem em qualquer

variedade do inglês no mundo. Por isso que “Os

professores e seus alunos, muitos já concordam,

The bakkie had to stop at a red robot

bakkie

truck robot trafficlight

Dictionary of South African

English

His watch

was more Petticoat Lane than Bond Street

Petticoat Lane Bond Street

Petticoat Lane

Bond Street

Língua franca no brasil: inglês, globês ou inglês brasileiro?

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precisam aprender não (uma variedade do) inglês,

mas ingleses, suas semelhanças e diferenças,

questões ligadas à inteligibilidade, o forte elo entre

língua e identidade, e assim por diante.” (JENKINS,

2006, p. 173, tradução nossa) .

O linguista Carl James (1988) chamou de

(brasilianismos) – a maneira como a

língua portuguesa interfere no inglês falado no Brasil

(também chamado de interlíngua), ou seja, as

peculiaridades que caracterizam a variedade do

inglês brasileiro causadas pela interferência

fonológica e estrutural da língua portuguesa. A

maioria dos exemplos que serão apresentados foi

extraída dos resultados da pesquisa desse autor e

estão divididos em:

: tendência de substituir os sons de vogais

puras como em (/ i p/) por (/ p/),

(/pu l/) por (/pul/), (/p t/) por (/pet/) e

assim sucessivamente. Substituição de sons nos

ditongos como em (/he r/) por (/hi /) e

(/f r/) por (/fi /). A palatização, que confunde o

som de palavras como (/d r/) por (/d r/)

e (/ti z/) por (/t i z/), além da

nasalização das vogais antes de ' ' e ' ' como em

(/h um/), que é pronunciada /h m/ e

(/f un/), pronunciada /f n/.

5

4 O INGLÊS BRASILEIRO

:

:

:

:

: :

Brazilianisms

Fonologia

sheep ship pool

pull pat pet

hair he fear

fee

dear jeer

tease cheese

m n home

phone

∫ ∫

I

I

I I

æ

Z

ů

ů

ů ů

ů ů

ů ů

Vocabulário

college

expert library

parents

rob steal

as like as if till until by as far as

Gramática The study of

(the) English language is hard

I want (to) go now

the'

to'

Niteroi is (more) cleaner than Rio

more

er cleaner We changed

(of) place quickly

of

changed

What would have Adam thought?

Will be my wife chosen by my

family?

have be

Adam my wife

: o emprego de falsos cognatos (palavras

aparentemente semelhantes, mas diferentes no

significado) como (faculdade) por colégio,

(especialista) por esperto, (biblioteca)

por livraria, (pais) por parentes etc. A

polissemia divergente faz com que o inglês possa ter

duas ou três palavras com o mesmo significado ou

com significados diferentes enquanto o português

possui somente uma como em / (roubar);

/ / (como); / / / (até) e assim

por diante.

: omissões de termos como em

(O estudo da língua inglesa

é difícil) e (Eu quero ir agora), nas

quais o artigo definido ' e a partícula de infinitivo

' são omitidos. Há também a redundância, como

nas frases (Niteroi é

mais limpa que o Rio), em que o comparativo de

superioridade ' ' não precisaria ser utilizado por já

se encontrar na desinência ' ' em ' ' e

(Nós mudamos de lugar

rapidamente), em que a preposição ' ' já está

implícita no verbo ' '. Troca na ordem das

palavras como em (O

que Adam teria pensado?) e

(Minha esposa será escolhida por minha

família?) nas quais os verbos ' ' e ' ' deveriam

aparecer após os sujeitos ' ' e ' '.

Essas foram apenas algumas características

5Original: “Teachers and their learners, it is widely agreed, need to learn not (a variety of) English, but about Englishes, theirsimilarities and differences, issues involved in intelligibility, the strong link between language and identity, and so on.”

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do inglês brasileiro, que consiste na língua franca que

está sendo utilizada no Brasil. No que se refere aos

aspectos fonológicos, o linguista Luiz Paulo da

Moita Lopes (2006, p. 130) acredita que

Partindo dessa perspectiva, os falantes e

estudantes do inglês brasileiro deveriam ter como

principal objetivo o aprendizado da leitura e escrita

(inglês instrumental), pois o autor completa que:

“[...] os únicos exames formais de LE, em nível de

graduação e pós-graduação, envolvem nada mais que

o domínio de habilidades de leitura.” (LOPES, 2006,

p. 131). De certo modo, a observação de Moita

Lopes é verdadeira, porém, esse cenário certamente

será modificado, tendo em vista a rápida propagação

das variedades do inglês como língua franca em

torno do mundo. Em um futuro breve, o inglês

brasileiro provavelmente será mais utilizado no

âmbito oral. Por isso, não se deve abandonar o

desenvolvimento das várias habilidades da língua

(leitura, escrita, fala, audição, diferenças culturais,

variedades linguísticas, dentre outras).

[...] só uma pequena minoria dapopulação terá a chance de usari n g l ê s c o m o m e i o d ecomunicação oral tanto dentrocomo fora do país. Além disso,não há empregos (de intérpretes,recepcionistas etc.) suficientesno mercado brasileiro para osquais o desempenho emhabilidades orais em LE sejanecessário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho propôs uma reflexão sobre a

língua inglesa e suas variedades como língua franca.

Verificamos que o poder (militar, político,

econômico, cultural, entre outros) imposto pelos

povos representa um fator decisivo para a utilização

de um idioma como língua mundial. Esse fato tem

ocorrido com a língua inglesa, que, em princípio,

representava a língua dos Estados Unidos e da

Inglaterra, mas que, com a sua vasta utilização e

variedades ao redor do mundo, deixa de pertencer

àqueles que a originaram. Um exemplo disso é que o

número de não-nativos falantes do inglês no mundo

é maior que dos próprios nativos.

Embora haja uma crítica (fundamentada)

contra a “imposição” do inglês como língua franca,

representando um sinal do imperialismo, a

lingüística mostra que há uma tendência natural na

modificação das línguas, a qual afetará (e já tem

afetado) o inglês de tal forma que dará origem a

outras línguas. Esse mesmo fenômeno ocorreu com

várias outras línguas como o sânscrito, o latim,

línguas germânicas (das tribos Angle e Saxon que

originaram o próprio inglês) etc.

Constatamos que o inglês utilizado como

língua franca por falantes estrangeiros do mundo

inteiro não é o inglês-nativo nem o globês, como

sugeriu Narrière, mas variedades da língua inglesa

que atendem às necessidades próprias de cada região,

oferecendo um léxico específico para elementos

culturais locais e uma pronúncia influenciada pela

língua materna de cada comunidade. Essas

variedades são como espécies de dialetos locais que

Língua franca no brasil: inglês, globês ou inglês brasileiro?

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certamente tornar-se-ão tão distintos entre si que

deixarão de ser entendidos.

Portanto, apresentamos a variedade do inglês

falado no Brasil, à qual chamamos de inglês

brasileiro. Defendemos a idéia de que o principal

foco da língua consiste na comunicação. Sendo

assim, o inglês brasileiro deve ser baseado na

inteligibilidade (conseguir entender e ser entendido)

e não na reprodução fiel de padrões americanos ou

ingleses. Muitas escolas de idiomas oferecem cursos

de inglês com o equivocado slogan de que lá se

ensina inglês americano ou britânico, quando de fato

o que se aprende é o inglês brasileiro, uma vez que até

o inglês falado nos Estados Unidos e na Grã-

bretanha apresenta uma enorme variedade

fonológica, lexical e estrutural. Nessa perspectiva,

os falantes e estudantes do inglês brasileiro deveriam

se concentrar na utilização de um inglês brasileiro

eficaz, que seja capaz de se inter-relacionar com

falantes de todo o mundo, atentando para as

diferenças socioculturais e estabelecendo um melhor

entendimento para a construção de um mundo

melhor para todos.

BARROS, Carmen Dolores Branco do Rego.. Rio de Janeiro: PUC,

2 0 0 5 . D i s p o n í v e l e m :<http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-bin/PRG_0599.EXE/7211_3.PDF?NrOcoSis=20572&CdLinPrg=pt> Acesso em: 06 Set. 2008.

CARTER, Ronald; NUNAN, David. (Eds.)

REFERÊNCIAS

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TheCambridge guide to teaching English to

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A revolução da linguagem

A history of the Englishlanguage

Local Englishes

Globish and basic globalEnglish (BGE)

What's wrong with BrazilianEnglish?

Current perspectives onteaching world Englishes and English as alingua franca

Oficina delingüística aplicada

Curso de lingüísticageral

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