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  • lNsvLANARGO DO INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADAISSN: 0872-6035 Dep. Legal: 79968/94 Tiragem: 1000 exemplares

    Fundada em 1944por

    Humberto Bettencourt, Rodrigo Rodrigues, Armando Crtes-Rodrigues,Jos Bruno Carreiro e Francisco Carreiro da Costa

    DirectorJos Estrela Rego

    SecretrioJoo Paulo Constncia

    Coordenao EditorialJos Lus Brando da Luz

    Jos Damio Rodrigues

    Conselho de RedacoJos Estrela Rego, Henrique de Aguiar Oliveira Rodrigues, Joo Paulo Constncia,

    ngelo Albergaria Pacheco, Jos Lus Brando da Luz e Jos Damio Rodrigues

    SUMRIO

    Promio

    Joo Bernardo O. RodriguesJos de Almeida Pavo Jr., Dr. Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues. Umapersonalidade a perpetuar 5Artur Teodoro de Matos, Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e as Saudades da Terra de Gaspar

    Frutuoso 9Margarida Vaz do Rego Machado, Joo Bemardo de Oliveira Rodrigues e a Msica. Elementos

    para o estudo da histria das instituies musicais em Ponta Delgada nos anos de 1922 a 1980 17Nestor de Sousa, Carta ao meu professor Joo Bemardo 33Sacuntala de Miranda, Com saudade 73Maria Clotilde de Aguiar O. Rodrigues Cymbron, Algumas notas biogrficas e esboo de um perfil 77

    Ruy Galvo de CarvalhoFernando Aires, Ruy Galvo de Carvalho 81Maria do Cu Fraga, De Ruy Galvo de Carvalho a Abd-el-Kader, um percurso de inquietude 87

    HistriaHenrique de Aguiar Oliveira Rodrigues, O Hospital da Misericrdia de Ponta Delgada 101Ricardo Madruga da Costa, Uma ideia de reforma para a ilha de S. Miguel em 1813: O projecto

    do capito-engenheiro Francisco Borges da Silva 177

    DocumentosAna Cristina Cardoso da Costa Gomes e Jos Manuel Correia Fernandes, Inventrio do

    "Esplio Sena Freitas" da Biblioteca Pblica e Arquivo Regional de Ponta Delgada 295Jos Maria lvares Cabral, Importncia dos estudos de cincias naturais nos Aores 337Miguel Soares Silva, Extractos dos assentos paroquiais da freguesia de Santo Antnio -

    - Casamentos: 1801-1910 363

    Capa: Carlos SousaFotomontagem a partir da fotografia da pgina 64,

    por gentileza de Nestor de SousaExecuo grfica: Coingra, Lda.

    As opinies expressas nos textos publicados so da responsabilidade dos Autores

  • evocao do primeiro centen-rio do nascimento dos Drs. Joo

    Bernardo de Oliveira Rodrigues eRuy Galvo de Carvalho nas pginasdeste nmero da Insulana no cum-pre apenas a mera formalidade dumaefemride, mas pretende ser, acimade tudo, o reconhecimento da estreitaligao que ambos tiveram quer aoInstituto Cultural de Ponta Delgada,de que foram membros muito acti-vos, quer vida social e cultural dacidade, na formao de vrias gera-es e no estudo da histria e da cul-tura dos Aores.

    Estes traos foram, alis, bem subli-nhados no elogio acadmico que o Pro-fessor Doutor Gustavo de Fraga pro-nunciou na sesso solene, realizada naUniversidade dos Aores, a 26 de Ju-lho de 1981, em que o Presidente daRepblica imps aos dois ilustres ao-rianos as insgnias da Comenda da Or-

    dem de Santiago da Espada. Recor-dando o magistrio destes seus antigosprofessores do ento Liceu Nacionalde Antero de Quental, Gustavo de Fra-ga lembrava a surpreendente capaci-dade do Dr. Joo Bernardo paraprender a ateno dos alunos, nasmais cativantes exposies histri-cas que ouvira em toda a sua vida, eenaltece o seu valioso contributo parao desenvolvimento dos estudos nasreas da msica, da genealogia e dahistria dos Aores. Na mesma ocasi-o, sublinhou no Dr. Ruy Galvo o seucontagiante entusiasmo ardente porAntero de Quental, pelo anterianismo,pelas grandes ideias tico-metafsicasque guiam a sociedade e os indiv-duos. Para alm da diferena das du-as personalidades e da linha de rumodas suas investigaes e interesses in-telectuais, a vida de ambos, afirmavaem jeito de sntese, inscreve-se sob o

    Insulana. rgo do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 59 (2003): 1-3

    PROMIO

    A

    Vol. 59 2003

    JOO BERNARDO DE OLIVEIRA RODRIGUESRUY GALVO DE CARVALHO

    1. CENTENRIO DO NASCIMENTO

    RGO DO INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA

  • 2 Promio

    trao comum do amor terra e da de-dicao vida do esprito.

    O presente volume, parcialmentededicado a estes dois vultos da cultu-ra aoriana, insere estudos que pode-ro trazer um importante contributopara o conhecimento da vida e daobra dos dois autores. Alguns delesconstituem mesmo um testemunhona primeira pessoa de quem, de per-to, com eles conviveu e por isso pdetransmitir-nos uma viso familiar domestre, do colega, do amigo, do ho-mem, do cidado e tambm do inves-tigador. assim o depoimento doProfessor Doutor Jos de AlmeidaPavo, Jr., dos ltimos trabalhos queescreveu pouco tempo antes de nosdeixar, em que apresenta a memriaviva do Dr. Joo Bernardo, em traosque desenham a personalidade rica efascinante, empreendedora e comuni-cativa do companheiro e animadorde viagens, concertos musicais, con-ferncias, que, com naturalidade,prendia, com o seu verbo fluente epleno de sonoridade, os que o ouvi-am com prazer e proveito. Tambm oMestre Nestor de Sousa se associa aesta homenagem, com um texto bemao seu timbre, em que a erudio sedeixa conduzir por uma esttica e umestilo prprios: a biografia do Dr. Jo-o Bernardo exemplarmente filtra-da pelas lembranas do meu sentir,que o Professor deixou no seu antigoaluno, articulando-se com a histriada cidade de Ponta Delgada e a suavida cultural nas centrias de Oito-centos e Novecentos. Seguem estamesma linha os trabalhos da Profes-

    sora Doutora Sacuntala de Miranda eda Dr. Clotilde Cymbron, em que aviso do Dr. Joo Bernardo devemuito memria de quem com eleconviveu com grande proximidade.Do Professor Doutor Artur Teodorode Matos, colhemos a faceta da eru-dio do historiador e da importanteobra a que o seu nome ficou indele-velmente ligado, a edio das Sauda-des da Terra do Doutor GasparFrutuoso. Encerra esta srie de con-tribuies o estudo da ProfessoraDoutora Margarida Vaz do Rego Ma-chado sobre o papel dinamizador doDr. Joo Bernardo frente do Con-servatrio Musical de Ponta Delga-da, numa investigao histrica emque o seu nome se mostra indissoci-vel desta importante instituio dacidade de Ponta Delgada. Igualmen-te, sobre o Dr. Ruy Galvo de Carva-lho, professor, poeta, aorianista eestudioso de Antero, inclumos doisexpressivos artigos, um do Dr. Fer-nando Aires, que nos recorda a ca-maradagem estimulante do professor,para alm do espao das aulas, na in-timidade de sua casa, e outro da Pro-fessora Doutora Maria do Cu Fraga,sobre a sua obra potica, em queapresenta uma feliz analtica existen-cial do tema da inquietude, que atra-vessa a poesia e a leitura que RuyGalvo fez da obra de Antero.

    Para alm da temtica principal, ovolume inclui ainda dois importantesestudos de investigao documental,um sobre a assistncia hospitalar emPonta Delgada, desde a que foi de-senvolvida, nos comeos do sculo

  • XVI, pela Santa Casa da Misericr-dia, at que nos dias de hoje tem lu-gar no Hospital do Divino EspritoSanto, da autoria do Dr. Henrique deAguiar. O outro trabalho, da autoriado Doutor Ricardo Madruga da Costa,contextualiza e submete a rigorosaanlise os projectos reformistas rela-tivos Ilha de S. Miguel, produzidosno incio do sculo XIX pelo capito--engenheiro Francisco Borges da Silva.

    Inclumos ainda a publicao doInventrio do "Esplio Sena Freitas",adquirido pela Biblioteca Pblica eArquivo Regional de Ponta Delgadaaos herdeiros do Conde de Almarjo.Finalmente, damos continuidade edio dos assentos paroquiais, im-portante contributo para a memriagenealgica local, publicando novacontribuio do professor MiguelSoares Silva.

    3Promio

    Os Coordenadores

  • meu conhecimento do Dr. JooBernardo de Oliveira Rodrigues da-

    ta do tempo em que fui seu aluno no en-to Liceu de Antero de Quental econtinuou j como colega na mesmaInstituio e ainda como Amigo, a quemvotei sempre a maior estima e igual ad-mirao.

    Como discpulo, remonta ao ano de1933, nas disciplinas de Portugus e deGeografia e Histria. A partir do ano se-guinte, o seu magistrio continuou ape-nas na segunda das disciplinas referidas,at ao fim do Curso Geral, terminandosomente com Geografia no chamadoCurso Complementar.

    Em 1943, estando eu j colocado de-finitivamente como docente, foi-me da-da a oportunidade de privar com elemais de perto.

    Era uma personalidade invulgar dota-da de uma inteligncia brilhante e deuma memria que se tornou proverbi-al, abarcando uma soma de conheci-mentos que ultrapassavam em muito asmatrias da sua especialidade. Espritoplurifacetado, manifesto na multiplicida-de de conhecimentos, desde a literaturas artes plsticas, e com especial pendor

    para a msica, que se constitua semprecomo uma faceta notvel no decurso dasua existncia.

    Como professor, o entusiasmo e o es-tilo de linguagem que imprimia s suaslies sobrepunham-se a todas as teoriase mtodos pedaggicos, ante o interessesuscitado entre os discpulos. Fora dasaulas convencionais, o seu talento deconversador exmio prendia a atenodos que o escutavam, transformando oassunto dum simples colquio numaverdadeira lio, sem qualquer propsitode exibicionismo.

    Durante toda a minha actividade do-cente no ensino secundrio, encontreisempre nele um excelente colaborador e,mais do que isso, um conselheiro pruden-te e sensato. Mereci sempre a sua incon-dicional confiana, facto que nos levou auma cooperao continuada, juntando acompanhia do Prof. Lcio de Mirandanas chamadas actividades circum-escola-res, nomeadamente nas rcitas dos alu-nos, em que se exibiram obras de autoresconsagrados, nacionais e estrangeiros,acrescentando ao nosso entusiasmo a co-laborao imprescindvel e verdadeira-mente notvel do seu irmo, Antnio

    DR. JOO BERNARDO DE OLIVEIRA RODRIGUES

    Uma personalidade a perpetuar

    Jos de Almeida Pavo Jr.

    O

    Insulana. rgo do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 59 (2003): 5-7

    JOO BERNARDO O. RODRIGUES

  • 6 Jos de Almeida Pavo Jr.

    Roberto de Oliveira Rodrigues, Mestrede teatro que estimula a descoberta deautnticas vocaes e, durante dez anos,fez escola no ento nosso primeiro esta-belecimento de ensino. Tudo isto sem oobjectivo de qualquer lucro que no fosseo interesse artstico e cultural.

    Uma faceta paralela do ensino ofi-cial da Histria da Geografia foi a dacultura musical, que nele ultrapassou asfronteiras dum vulgar amadorismo. Re-firo-me Academia Musical de PontaDelgada, convertida depois em Conser-vatrio Regional, hoje instituio oficia-lizada, graas soma de esforosdespendidos durante longos anos, movi-do pela esperana, sem desfalecimentos,de que um dia veria conseguido o seudesgnio. No foi ele o seu fundador. AAcademia nasceu em 1922, por mercdo esforo dum grupo de entusiastas, en-tre os quais se contava seu pai, o notvelestudioso, msico e investigador Rodri-go Rodrigues. Infelizmente, com vidaefmera nos primeiros tempos do seufuncionamento, ressurgiu muitos anosdepois (1946) com um novo grupo deinteressados, a que mais tarde me asso-ciei (1949). Sem desprimor para os pri-meiros instituidores, fora de dvidaque ao Dr. Joo Bernardo se ficaram adever os fundamentos slidos em queassentaria a Instituio, com os progres-sos da advenientes. Por esse motivo,por mais de uma vez advoguei publica-mente que o Conservatrio Regional dePonta Delgada adoptasse o seu nome co-mo o de seu patrono. Seria uma justia afazer sua memria.

    Todavia, as actividades de Joo Ber-nardo de Oliveira Rodrigues no se que-

    dariam por aqui, porquanto, por entre amultiplicidade de preocupaes, entre asquais se inclua uma vida social muitointensa, ainda disps de tempo paracompletar as genealogias sobre S. Mi-guel e Santa Maria, deixadas por seupai, imprimindo-lhes uma forma narrati-va que as tornava mais acessveis com-preenso do pblico interessado.

    A ele se deve ainda a publicao de-finitiva e completa da restante obra docronista quinhentista Gaspar Fructuoso,recheada de elucidativos prefcios e no-tas, para o que lhe foi concedida, duran-te um ano, pelo Ministrio da EducaoNacional e por incumbncia cometidadapelo Instituto Cultural de Ponta Delgada(a cuja Direco presidiu mais tarde), aequivalncia a bolseiro.

    As palestras e conferncias sobre osmais variados assuntos de que dispunhaa sua bagagem cultural dariam um gros-so volume para publicao. pesar,pois, que todo aquele saber acumuladono encontrasse uma expresso escritamais completa, de acordo com aqueleadgio latino, segundo o qual verba vo-lant, scripta manent.

    H quem diga e nisso estamos deacordo, por experincia prpria queuma viagem pode constituir-se num tes-te para aferir a verdadeira amizade. Naverdade, por mais de uma vez a minhamulher e a mim foi proporcionado o su-mo prazer de termos como companhia oDr. Joo Bernardo em viagens feitas aoestrangeiro. De entre as mais gratas re-cordaes que delas guardamos, con-tam-se o agrado e o proveito culturalexperimentados nas nossas visitas s lo-calidades e monumentos mais importan-

  • tes e muitos foram onde nos foi ofe-recida a oportunidade de apreciarmos oseu saber seguro, que, dentro de certasreas, se sobrepunha frequentemente aomanifesto pelos guias especializados,que nos acompanhavam e lhe no pou-pavam louvores e admirao. Para almdisso, os seus conselhos e pareceres so-bre o que, nas aludidas visitas, mereciamaior relevo, eram bem demonstrativosdo seu gosto requintado e do seu sensoartstico insupervel. Isto na considera-o dos monumentos, como nos espect-culos de teatro, de pera e de bailado,dentro de um esprito de unanimidadeem que todos participvamos.

    *

    J dissemos do nosso pesar por toilustre e rica personalidade no nos terdeixado uma obra escrita que demons-trasse todos os seus predicados intelec-tuais e artsticos. Que, ao menos, estebreve apontamento sirva de estmulo pa-ra que algum, mais capacitado do quens, lhe preste a grande homenagem quese impe para a sua consagrao.

    Ponta Delgada, Junho de 2003

    7Dr. Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues - Uma personalidade a perpetuar

  • ecordar Joo Bernardo de OliveiraRodrigues no centenrio do seu nas-

    cimento , para ns, foroso lig-lo aGaspar Frutuoso e s suas Saudades daTerra. Conhecemo-lo pessoalmente e pe-la primeira vez, s em Setembro de 1976,quando ingressmos no ento InstitutoUniversitrio dos Aores. No tivemos oprivilgio de ser seu aluno, nem sequerde privar muito de perto com ele. Fran-cisco Carreiro da Costa ento professorde Histria dos Aores no Instituto Uni-versitrio encarregou-se de nos apre-sentar. Sempre que nos encontrvamosfalvamos, com mais ou menos demora,trocvamos publicaes e, j em Lisboa,chegmos a correspondermo-nos.

    Presena assdua nas iniciativas cultu-rais e actos oficiais e acadmicos da Uni-versidade, tinha sempre um gesto deapreo e estmulo para com os organiza-dores e para quem a usasse da palavra.Todavia, ao longo dos vrios anos, pela,leituras dos seus escritos e at pelos mui-tos dilogos que estabelecemos, pudemo--nos aperceber da sua vasta cultura e,muito particularmente, do profundo co-

    nhecimento da histria aoriana e das su-as fontes. Mas no s. ntegro de carc-ter, tolerante mas firme nas suasconvices, generoso, fazia do dever,mas tambm da amizade, cdigos de vi-da. Modesto, ao ponto de assumir para sitarefas secundrias e menos apetecidas,sacrificava-se, se necessrio, para serviros outros. E, tudo isto, com a simplicida-de e a alegria que todos lhe conhecemos.

    Ao saber adquirido e ao gosto pelamsica, juntou a arte de saber comunicar,pela escrita e pela oralidade. Julgamos,porm, que o sentimento de gratido, dosaorianos sobretudo, vai ainda mais lon-ge: que o seu esprito empreendedor, osaber e a simplicidade evidenciados nassuas vrias dcadas de vida, a sua juven-tude, o rigor e a tolerncia, a circunstn-cia e o companheirismo constituem exem-plo de vida que, decerto, muitos de nsgostaramos de assumir.

    Joo Bernardo de Oliveira Rodriguesfoi bem o exemplo do Mestre, do Investi-gador, do Obreiro, do Colega e do Ami-go. Este o nosso testemunho e home-nagem, no centenrio do seu nascimento.

    JOO BERNARDO DE OLIVEIRA RODRIGUES

    E AS SAUDADES DA TERRA DE GASPAR FRUTUOSO

    Artur Teodoro de Matos

    R

    Insulana. rgo do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 59 (2003): 9-16

  • 10 Artur Teodoro de Matos

    *

    Mas, para ns, evocar a obra de JooBernardo de Oliveira Rodrigues , emprimeiro lugar, recordar e enaltecer o va-liosssimo contributo que deu divulga-o de Saudades da Terra de GasparFrutuoso, monumento imperecvel queergueu histria dos arquiplagos doAtlntico Norte, como as denominouem conferncia proferida no Salo Nobreda Cmara Municipal de Ponta Delgada,por altura do aniversrio dos 450 anos doseu nascimento1. Mas tambm pelos ino-vadores e esclarecidos estudos que fezpreceder cada um dos Livros em que estdividida a obra. Estes, bem como as ano-taes, muito contriburam para um me-lhor conhecimento do seu autor e parauma mais perfeita inteleco de vriosdos assuntos nela desenvolvidos.

    Tambm nesses escritos teve ensejode justificar as suas opes a nvel detranscrio. E no se julgue fcil a tarefa,no s porque Joo Bernardo Rodriguesteve o privilgio de poder utilizar o origi-nal, como, sobretudo, por se tratar deuma obra que conheceu vrias caligrafi-as. O prprio Gaspar Frutuoso ora escre-veu texto corrido, ora intercalou em c-pia de outrem, embora da sua autoria.

    Comecemos, ento, pelo tipo de edio.Recorde-se que o Instituto Cultural

    de Ponta Delgada, ao assumir a respon-sabilidade de editar toda a obra de Gas-par Frutuoso, agora com transcrio

    pelo original, depositado na BibliotecaPblica desde 1950, comeou pela pu-blicao do Livro V, com um valioso es-tudo de Almeida Pavo colega amigoque nos deixou h pouco e cuja memriaaqui recordo com muita admirao e sau-dade e pelo VI, ambos consideradosinditos ou quase2.

    Escrevia Joo Bernardo Oliveira Rodri-gues, nas Palavras Prvias ao Livro VI:

    Parecer estranho que ao publicar-seuma crnica do sculo XVI se no respei-te o texto tal como saiu das mos do cro-nista, no que se prende com a ortografia ea pontuao, em obedincia rigorosa ob-servncia dos cnones que a cincia diplo-mtica impe. Mas a direco doInstituto Cultural assim o determinara,por se tratar de uma obra que no interes-sa s a eruditos, porquanto em vrios sec-tores da populao destas ilhas ine-quvoco o gosto que hoje despertam os as-suntos histricos. Da ter optado por umaedio, que denomina de cultura acess-vel e convidativa, embora estritamenterespeitadora do texto no que se refere avocabulrio e a sntese3. No foi tarefafcil, como se queixa Joo Bernardo Ro-drigues. E utilizando a ortografia oficial,e modificando a pontuao sempre quedisso no resultasse deturpamento da ideia() adoptou-se o critrio de reproduzir osvocbulos nas formas e variantes com queso enunciados E, conclua o autor: dili-genciei proceder com aquele escrpulo erigor que nunca so demais em historio-

    1 Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues, No 450Aniversrio do nascimento de Gaspar Frutuoso, Ponta Delgada, Cmara

    Municipal, 1974, p.16.2 G. Frutuoso, Saudades da Terra, L. VI, edio de Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues, P. Delgada, I. Cultural, 1963, p.v. 3 Id., ibid., L. VI, p. IX.

  • grafia e devem ser timbre de quem se pro-pe pr em letra de forma os escritos deoutrem4. No teria sido essa a nossa op-o, por se tratar da primeira transcriofeita pelo original. O prprio Dr. JooBernardo Rodrigues confessar-nos-ia,mais tarde, o seu arrependimento por estaescolha, aquando da edio do EspelhoCristalino em Jardim de Vrias Flores, deFrei Diogo da Chagas, mas acrescentandoque j no se sentia com foras para em-preender uma edio diplomtica. E nin-gum melhor do que ele a poderia terfeito. Diga-se, porm, que a edio comtexto actualizado que empreendeu , a to-dos os ttulos, notvel. E no cremos que apretendida abrangncia da populao inte-ressada na sua leitura o justificasse. queteria ficado transcrito para sempre o ma-nuscrito de Gaspar Frutuoso. A partir daedio diplomtica outras, de ortografiamais ou menos actualizada, poderiam se-guir-se-lhe. E se muito louvvel a recen-te reedio desta obra empreendida poriniciativa do Instituto Cultural de PontaDelgada e que tive a honra e o gosto deapresentar nos Paos do Concelho da Ri-beira Grande continua a faltar uma edi-o diplomtica feita de acordo com asmodernas normas de transcrio que, res-peitando o texto, no se limite a transporpara letra de imprensa a manuscrita, numasubjugao quase ridcula e que, por isso,no beneficia historiadores nem linguistas.

    Repare-se, contudo, que at para essaedio diplomtica Joo Bernardo Rodri-

    gues deixou preciosas achegas, na medidaem que e pela primeira vez, assinale-se conseguiu identificar a autoria das diver-sas caligrafias existentes no original, aca-bando, uma vez por todas, com as infun-dadas suspeitas levantadas pelo MorgadoJoo dArruda e depois corroboradas porJoo de Simas de que o autgrafo doDoutor Gaspar Frutuoso est muito vicia-do por aditamentos, entrelinhas e adultera-es feitas por mo estranha5. Ernesto doCanto j o havia tentado fazer, identifican-do os entrelinhados de Frutuoso socor-rendo-se dos Apontamentos para asSaudades do Cu, que desapareceriam ede que apenas restam, e em letra muitoapagada, apenas doze folhas6.

    Joo Bernardo de Oliveira Rodriguespde identificar algumas caligrafias, pelocotejo das do autgrafo de Frutuoso, comos termos do registo paroquial da Matrizda Ribeira Grande, lavrados pela sua moe pela de outros padres, quando vigriodessa parquia durante mais de um quartode sculo. A, escreve o nosso homenage-ado: figura frequentes vezes o seu incon-fundvel cursivo, traado despreocu-padamente e sem qualquer inteno de fa-zer caligrafia esmerada, em tudo extrema-mente semelhante ao que usou em todosos livros da sua obra, para lanamento dasreferidas corrigendas e aditamentos7.

    Tambm atravs do confronto de ca-ligrafias nas citadas fontes, Oliveira Ro-drigues conseguiu reconhecer o copistaque escreveu todo o Livro VI, como os

    11Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e as Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso

    4 Id., ibid., L. VI, p. X.5 Ernesto do Canto, cit por J. B de Oliveira Rodrigues in Id., ibid., L. VI, p. XVI.6 J. B. O. Rodrigues, ob. cit. p. XVII.7 J. B. O. Rodrigues, ob. cit., p. XVIII.

  • 12 Artur Teodoro de Matos

    captulos referentes a Tristo Vaz da Vei-ga e o que, com numerao de XXX, seintitula Dos filhos e filhas que teve oprimeiro Capito do Funchal, Joo Gon-alves Zarco, constantes do Livro II.Trata-se do Padre Simo Tavares, bene-ficiado da Matriz da Ribeira Grande,que, a partir de 1587, lavrou numerosostermos do respectivo registo paroquial.

    O convencimento da autenticidade doautgrafo que transcreveu foi ao ponto deproceder anlise das marcas de gua efiligranas do papel utilizado por este co-pista, verificando serem diferentes. Con-clui ainda Oliveira Rodrigues tratar-se decadernos de formato desigual que na obraforam introduzidos, com o manifestopropsito de substituir outros, que convi-nha passar a limpo, o que, provavelmen-te, o cronista j no pde fazer com a suaprpria mo, devido sua avanada ida-de. E continua Oliveira Rodrigues: ser-amos levados a admitir a tentativa defraude ou intencional atentado autenti-cidade do texto, se a provar o contrrio lno estivessem as numerosas correcese aditamentos com que Frutuoso pelo seupunho, procurou at ao fim da vida limaresta obra, numa constante preocupaode aperfeioamento, quer corrigindo-a naforma, quer rectificando ou actualizandoa informao8.

    Ainda sobre as folhas em falta no ma-nuscrito e objecto de concluses precipi-tadas e inadequadas, Oliveira Rodrigues,com a ponderao, argcia e sabedoria

    que se lhe reconhece, esclarece ao quesupomos, em definitivo o assunto: asfolhas que se perderam teriam sido arran-cadas por ele mesmo [Gaspar Frutuoso],com o fim de as substituir, como o fezem tantas partes da obra, e a doena e amorte, sobrevindo-lhe inesperadas, nopermitiram reparar a falha9. Em abonoda sua opinio, lembra o falecimentoquase repentino de Frutuoso, j que nodia da morte celebrou missa, como ates-tam Agostinho de Montalverne e AntnioCordeiro e se intui pelo termo de bito,onde se declara no ter feito testamentopor Nosso Senhor o chamar depressa eno ter tempo10. Alis, como refere, oseu precrio estado de sade, atestadopor Antnio Cordeiro, pode t-lo inibi-do de proceder substituio daquelasfolhas desaparecidas, as quais, separadasno manuscrito, facilmente se extraviarampor incria dos que tiveram o encargo dedar destino aos seus papis11. J quanto parte final do Livro VI e que correspon-de tambm ao termo do cdice, que seencontra deteriorado em certos pontos,impossibilitando a reconstituio do tex-to, a situao ser diferente. A e acer-tadamente esclarece Oliveira Rodriguesque houve destruio causada pelo tem-po e pela falta de cautela em preservarconvenientemente as ltimas folhas domanuscrito, que, segundo consta, foi ma-nuseado por curiosos de genealogia, en-quanto esteve na posse dos jesutas12.

    8 Id., ibid., p. XV.9 Id., ibid., p. XXII.10 Id., ibid., p. XXII.11 Id., ibid., p. XXII.12 Id., ibid., p. XXII.

  • *

    Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues, sem dvida, o historiador que maisprofundamente se pronunciou sobre aobra de Gaspar Frutuoso e que a ela le-gou riqussimos contributos. Se a sua bi-ografia havia j sido elaborada porRodrigo Rodrigues, em estudo ainda hojemuito vlido, a ele se deve a anlise his-trica e at literria de toda a obra frutuo-siana. Mas tambm nesta anlisehistrico-literria que Oliveira Rodriguesse revela, para alm do palegrafo ex-mio, o historiador objectivo, rigoroso,perspicaz e bem fundamentado, a par deuma escrita elegante e bem talhada, ca-paz de motivar o leitor para a prosa deFrutuoso, seno mesmo introduzi-lo nela.No a resumindo ou sequer sumariando,louva-lhe a prosa, enaltece-lhe os seuspredicados de historiador e at de natura-lista e de etngrafo13.

    Ao descrever o Livro VI respeitantes Ilhas de Baixo (o termo de Frutuo-so e somos insuspeitos por pertencermosa uma delas) escreve Oliveira Rodrigues:nele [Livro VI] Frutuoso pe prova assuas notveis qualidades literrias, bempatentes exemplifica por exemplo, nocaptulo que trata da cidade de Angra, deum colorido e pitoresco fora do vulgar,que o colocam, sem favor, ao lado dosbons escritores do seu tempo.

    E continua: O mesmo se poderafirmar do que escreve sobre os alevan-

    tamentos de D. Antnio, Prior do Cra-to, e a estadia deste infeliz monarca naTerceira, pginas que se lem num cres-cendo constante de curiosidade, com talvigor atravs delas se sente o entusias-mo patritico dos seus habitantes e sevive o entrechoque de sentimentos e pai-xes que agitaram a Ilha herica nessapoca lamentavelmente acabrunhantepara a nossa Histria14.

    Para alm de enaltecer os dotes lite-rrios de Frutuoso, soube tambm des-cobrir nele um autntico homem doRenascimento, no enciclopedismo dasua cultura, espelhada p. e. nas descri-es topogrficas das diferentes ilhas,to cheias de pormenor, ou na sua pos-tura de cronista meticuloso e observa-dor atento dos fenmenos danatureza15. Oliveira Rodrigues classifi-ca-o mesmo como ndice concludentede homem do Renascimento, j quea variedade dos assuntos tratados e aobservao dos fenmenos da naturezaconstituam um testemunho irrecusveldas mltiplas tendncias do seu espritoe da cultura que o informava16.

    Alis, reala com base, sobretudo, noLivro V, to bem estudado por AlmeidaPavo, a modernidade do seu esprito,familiarizado com as correntes literriasque, ento revolucionavam a PennsulaIbrica, integrando-a no grande movi-mento humanstico da Renascena17.

    Tambm no deixou despercebido oreconhecimento que Frutuoso fez do g-

    13Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e as Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso

    13 Id., ibid., p. XXVI-XXVII.14 Id., ibid., pp. XXVI-XXVII. 15 Id., ibid., p. XXVII.16 J. B. de O. Rodrigues, No 450Aniversrio do nascimento de Gaspar Frutuoso, p.16.17 Id., ibid., p. 16

  • 14 Artur Teodoro de Matos

    nio de Cames, a quem chama de enge-nhosssimo e gravssimo poeta, home-nageando-o at com um soneto que com-ps para o captulo XXV da Histriados dois Amigos e que, segundo Joo deSimas, constitui uma das rarssimas pro-vas de admirao dos contemporneospelo cantos de Os Lusadas18.

    Quanto fidelidade dos seus relatos,apontada elogiosamente pelos bigrafosfrutuosianos, Oliveira Rodrigues, no seescorando apenas neles, comparou a in-formao que Frutuoso transmite sobre osjesutas na Terceira, com a valiosssimadocumentao reunida pelo Padre Fran-cisco Rodrigues na sua monumental His-tria da Companhia de Jesus naAssistncia de Portugal. A igual conclu-so chegou ao notar o estreito paralelismoentre a descrio da conquista do arquip-lago pelo marqus de Santa Cruz com asque Ernesto do Canto publicou no Arqui-vo dos Aores. E verificou serem to se-melhantes que quase se convence de queFrutuoso as aproveitou tal como vieramda mo da testemunha que as redigiu19.

    Outro tema a que Joo Bernardo Oli-veira Rodrigues no quis furtar-se naintroduo que fez ao Livro VI dasSaudades da Terra foi a do por vezesapregoado afecto de Gaspar Frutuoso aofilipismo. E escreve: inegvel queao lermos com nimo desprevenido asSaudades da Terra, nos deixamos facil-mente impressionar pela complacncia

    com que o cronista parece ter aceitado ousurpador, por cuja realeza no apresentaa menor sombra de antipatia ou m von-tade () chegando mesmo a consider-locomo legitimista20.

    Para Oliveira Rodrigues, Frutuoso re-vela-se o historiador imparcial e justoe, ao mesmo tempo, avisado e cautelo-so, qualidades j expressas por RodrigoRodrigues na Notcia Biogrfica queacompanhou a edio centenria dasSaudades da Terra21. Com invulgar dis-cernimento, perspiccia e ajustada meto-dologia, o autor rene para depois des-montar toda a prosa frutuosiana sobreesta melindrosa questo. Porque, teste-munha ocular de muitos [dos aconteci-mentos] que decerto feriram a suasensibilidade de patriota escreve di-ligencia relat-los imparcialmente: man-tendo sempre respeitoso acatamento daordem estabelecida por Filipe II. Mas,acrescenta: jamais se deixa arrastar pordiatribes ou palavras acerbas e acrimoni-osas contra a faco contrria22.

    Sustenta-se na leitura dos passos ondeGaspar Frutuoso alude amarguradamen-te s infelicidades que desabaram sobre opas em 1580, ficando-se com a impres-so alis justificada que o seu fili-pismo, mais aparente do que real, nosignificou indiferena pelos destinos daptria, que quereria ver livre e indepen-dente, como at a, se razes de ordemponderosa para a sua qualidade de padre

    18 Id., ibid., p. 1619 J. B. O. Rodrigues in Gaspar Frutuoso, Livro VI, p. XXVII.20 Id., L. VI, p. XXIX.21 Livro III, ed. de 1922, p. XLIX, cit. por J. B. O. Rodrigues, ob. cit., p. XXVII.22 Livro VI, p. XXVIII.

  • o no forassem a uma tal atitude23.Como bem notou o nosso homenagea-

    do, o assunto reveste-se de especial me-lindre, at porque, como assinala: aofazer histria sem documentos, fcilresvalar para o campo da fico ou dafantasia. E aponta a maior dificuldade:Penetrar no fundo da conscincia de umhomem, que s conhecemos atravs daobra que escreveu e nela no se deixourevelar inteiramente, descobrir-lhe o se-gredo que, com prudncia, procurou ocul-tar sobre matria de tamanha gravidade,como era o pleito que dividia os portu-gueses, constitui operao de extrema de-licadeza, que apenas consente presunes,mais ou menos verosmeis, e estas, mes-mo uma vez aceites, s depuradas pelo ri-gor da crtica24. Mas Joo Bernardo deOliveira Rodrigues vislumbra no retratoque Frutuoso faz de D. Antnio pincela-das de simpatia, as quais to natural-mente lhe brotam da pena que, semdificuldade assevera reconhece seremsinceras25. E em iguais cores pinta algunsdos seus partidrios, sobretudo D. Violan-te do Canto, a celebrada dama terceiren-se, como a denomina. Se, na chegada deD. Antnio Terceira e a recepo quelhe fizeram os habitantes, anotou OliveiraRodrigues a singeleza peculiar de Fru-tuoso, prescrutou-lhe tambm uma malvelada vibrao patritica, reparandoque o vigrio ribeiragrandense jamais fezeco das calnias com que os inimigos do

    pretendente mordiam na reputao dosseus adeptos, s quais nem sequer escapa-ram as freiras do mosteiro da Esperanada cidade de Angra, cuja devoo pelosreis no conhecia limites26.

    Escalpelizando a narrativa de Frutuososobre este tema, Oliveira Rodrigues reco-nhece-lhe, muito justamente, invulgariseno, no lhe descortinando qualquersintoma de mal contida hostilidade contraos patriotas que, com indomvel bravura,fizeram da ilha Terceira o ltimo reduto daindependncia nacional27.

    Mas o problema da pretensa afeiofilipina no se queda por aqui. Os seusdefensores invocam o facto de, no LivroII, Frutuoso exaltar Tristo Vaz da Veiga,o famigerado defensor da fortaleza deS. Julio da Barra que, com armas e ba-gagens, intempestivamente e com a mai-or facilidade se passou para o campoinimigo vindo a ser recompensado como governo militar da Madeira e a capita-nia de Machico. Mas tais captulos, comoexplica, no fizeram parte do corpo pri-mitivo da obra, mas foram includos jdepois de o livro estar escrito e ordenado,como se prova pelo papel, que de mar-ca diferente do usado pelo cronista, pelaletra, que no a deste e por outros evi-dentes vestgios, como rasuras e emendasna numerao dos captulos, substituiodos cadernos arrancados, cpia das pgi-nas visivelmente destrudas e evidentedesacordo nas datas que l vm mencio-nadas, algumas delas corrigidas com o

    15Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e as Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso

    23 Ibid., p. XXVIII.24 Ibid., p. XXVIII.25 Ibid., p. XXIX.26 Ibid., pp.XXIX-XXX.27 Ibid., pp. XXIX-XXX.

  • 16 Artur Teodoro de Matos

    manifesto intuito de iludir o leitor. ParaJoo Bernardo Rodrigues, tudo isto pa-rece demonstrativo de que aps a conclu-so do livro houve, embora com consen-timento do autor, o claro propsito de ne-le introduzir fora, o panegrico de umhomem que, por sentir a conscinciamolestada viu a possibilidade de, nasSaudades da Terra, se engrandecer e apa-gar o seu mau procedimento. E at por-que Frutuoso ao tratar dos capites deMachico parte que do seu punho nem sequer lhe referir o nome, quandoem 1582 j ele sucedera ao conde de Vi-mioso, atrs referido na capitania dailha28.

    Todavia, importa tambm ter presenteas alianas que D. Antnio fez na Europacom coroas onde o protestantismo estavatriunfante e que em nada se coadunavamcom os interesses da Igreja Catlica deque Filipe II era, ao tempo, o mais ardo-so paladino. Certamente, como comentaOliveira Rodrigues, no foram do desco-nhecimento de Frutuoso os manejos po-lticos de D. Antnio, os quais consi-deraria defensveis dentro do campo daindependncia nacional, mas susceptveisde discusso seno de discordncia,acrescentaramos quando entrevistosatravs do prisma da segurana do catoli-cismo29. Lembremos, como o fez o nosso

    homenageado, que figuras insuspeitas daCompanhia de Jesus ou prelados comoD. Frei Bartolomeu dos Mrtires e D. Je-rnimo Osrio se colocaram ao lado dorei espanhol.

    *

    E conclumos:As introdues que Joo Bernardo de

    Oliveira Rodrigues elaborou para cadaum dos livros de Saudades da Terra,mais do que introduzir o leitor na leiturado texto de Frutuoso, constituem estu-dos de aprofundado rigor histrico e so-bretudo de crtica interna e externa. Maso autor vai ainda mais longe, enrique-cendo a prosa frutuosiana com proble-mticas ora levantadas por autores an-teriores, ora por ele prprio, discutindo--os com profundidade e rigor, quase exausto.

    Joo Bernardo de Oliveira Rodri-gues, alm do mrito de ter divulgado aobra de Frutuoso, deixou-a profunda-mente mais rica. S por isso se maisno houvesse, e h era merecedor danossa gratido e do nosso profundo res-peito e admirao. que quem quiserestudar Frutuoso, no poder deixar deestudar Joo Bernardo de Oliveira Ro-drigues.

    28 Ibid., p. XXXII.29 Ibid., p. XXXIII.

  • Bravo! Bravo!urante a minha infncia e juventudeouvi muitas vezes estas palavras

    proferidas pelo Dr. Joo Bernardo deOliveira Rodrigues, aps a audio deum bom concerto. Hoje, fao minhas assuas palavras, mas dirigindo-as ao pr-prio Dr. Joo Bernardo.

    Aps ter sido contactada pelo Institu-to Cultural de Ponta Delgada, para cola-borar neste nmero comemorativo e,tentando manter uma imparcialidadeprpria da minha formao acadmica(o que poderia ser um tanto difcil, vistoque convivi de perto com o Dr. JooBernardo, como aluna do Conservatrio,para no falar da grande amizade que afamlia de minha me tinha por Ele), ini-ciei uma investigao documental1 sobreas actividades musicais realizadas emPonta Delgada, durante pouco mais de

    50 anos do sculo XX (1922 a 1980) e, aconcluso a que cheguei, foi de que amaior parte delas, tiveram a iniciativa oupassaram pela aco do Dr. Joo Bernar-do de Oliveira Rodrigues.

    Falar da relao do nosso homenage-ado com a msica falar da AcademiaMusical de Ponta Delgada, da sua activi-dade, da sua passagem a Conservatriode Ponta Delgada e finalmente do actualConservatrio. Todos estes passos e porconseguinte a maioria das manifestaesmusicais efectuadas entre 1940 e 1992deveram-se ao entusiasmo e dedicaodo Dr. Joo Bernardo de Oliveira Rodri-gues e, evidentemente, a um grupo demelmanos micaelenses, que deram oseu melhor em prol da difuso e educa-o do gosto musical na nossa Ilha.

    Como aprendiz de historiadora quesou, que melhor contributo poderia eu

    JOO BERNARDO DE OLIVEIRA RODRIGUES E A MSICA

    Elementos para o estudo da histria das instituies musicais

    em Ponta Delgada nos anos de 1922 a 1980*

    Margarida Vaz do Rego Machado

    D

    Insulana. rgo do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 59 (2003): 17-32

    * Gostaria de expressar os meus agradecimentos aos apoios dados pela Professora S. D. Maria Teresa de Oliveira

    Rodrigues, funcionria do Conservatrio Maria Helena Cosme Cardoso da Silva e ao Conselho Executivo do

    Conservatrio de Ponta Delgada, todas as facilidades que me deram nas consultas dos Livros de Actas da antiga Academia

    Musical e Conservatrio Regional de Ponta Delgada.1 Toda a investigao centrou-se na consulta dos Livros de Actas da Assembleia-Geral da Academia Musical de Ponta

    Delgada, da Direco da Academia Musical e do Conselho Administrativo do Conservatrio Regional de Ponta Delgada.

  • 18 Margarida Vaz do Rego Machado

    dar seno escrever a histria destas insti-tuies e suas actividades? o que pas-sarei a fazer.

    A fundao da Academia Musical dePonta Delgada remonta ao dia 25 de Ou-tubro de 1922, quando um grupo de ami-gos da msica se reuniu para aprovaremos estatutos da futura associao2. A aber-tura foi feita pelo presidente da Assem-bleia-geral, Dr. Humberto de Medeiros eCmara, sendo a direco da AcademiaMusical composta pelos seguintes ele-mentos: Anbal Bettencourt Barbosa (pre-sidente), Rodrigo Rodrigues, Dr. Antniode Medeiros Franco, Padre Lus AugustoPacheco e Theotnio da Silveira Moniz.

    Nos estatutos aprovados e logo noseu Artigo II, ficava bem explicito osobjectivos da associao:

    1- Instituir e manter cursos de fun-cionamento regular em que sejaministrado gratuitamente ou medi-ante nfimo preo de matrcula oensino musical, tanto em classe decanto como na execuo de instru-mentos de arte.

    2- Divulgar por todos os meios ogosto e o culto da msica na ilhade S. Miguel (...), em todas as ca-madas sociais, especialmente pelaorganizao de certames e con-certos ou pela promoo de confe-rncias sobre assuntos deinteresse musical.3

    Foram, estas, as grandes linhas de ru-mo da Academia Musical, seguidas eapoiadas por todas as direces que diri-giram a associao. Da que, na primeirasesso, reunida na primeira rua de S. Ca-tarina em Ponta Delgada, se tenha discu-tido e aprovado o incio, em Janeiro de1923, dos cursos de solfejo, canto coral,piano, violino e violoncelo. Como aAcademia no tinha local prprio paraleccionar as suas aulas, a Escola Prim-ria Superior, alojada no Convento daGraa, cedia-lhe uma das suas salas4.

    Cumprindo os seus estatutos de apoi-ar neste ensino os mais desfavorecidos,decidiram, tambm, que se concederia amatrcula gratuita a 12 alunos (6 de cadasexo), fixando-se em 50$00 o montanteda propina anual para os filhos dos sci-os e 100$00 para os outros. A idade m-nima de ingresso foi marcada para os 10anos, salientando-se a necessidade dosalunos mostrarem, durante o ano lectivo,um bom aproveitamento e boa conduta,para serem readmitidos no ano seguinte.

    Aos professores, Etelvina Morais Pe-reira; Sara Afonso; Joo Baptista Rodri-gues; Padre Lus Augusto Pacheco,foram confiados os primeiros cursos depiano, violino, violoncelo, solfejo e can-to Coral respectivamente.

    O xito destes primeiros cursos (73alunos em Janeiro de 1923) foi tal que,no ano lectivo seguinte, se desdobraram

    2 Segundo Almeida Pavo a data da aprovao dos Estatutos seria a acima referida, in, Comemorando os 25 anos do

    Conservatrio Regional de Ponta Delgada, in Revista Insulana, Ponta Delgada, 1989, vol. XLV, p.112.Todavia, a primeira

    Acta da Direco, onde foram lidos e aprovados os estatutos, realizou-se em 2 de Dezembro de 1922, in Livro de Actas da

    Direco da Academia Musical, fol.1.3 Estatutos da Sociedade Artstica Academia Musical, Livro de Actas da Direco da Academia Musical, vol. I, fols. 1 e 2.4 Interessante notar que, actualmente, o Conservatrio de Ponta Delgada ocupa as instalaes remodeladas do antigo

    Convento da Graa.

  • as aulas de piano e violino, entrando pa-ra a equipa dos professores a Sr. D. Ma-ria Meunier da Silva.

    As actividades da Academia prosse-guiram a bom ritmo e, em Julho de 1925,foi realizada a primeira audio de alu-nos no Teatro Micaelense, sendo estamuito aplaudida. O dinamismo da profes-sora Sara Afonso fez-se sentir na organi-zao de uma orquestra juvenil chefiadapelo Dr. Lcio de Miranda e acompanha-da ao piano pelo Dr. Joo Bernardo queassim iniciava a sua aco na AcademiaMusical5. Em todos os concertos efectua-dos na Biblioteca do Liceu, o Dr. JooBernardo intervinha, quer na organiza-o, quer escrevendo textos.

    Todos estes cursos e actividades, queeram custeados pelas cotas dos scios(15$00 anuais), pelas matrculas e porpequenos subsdios no fixos da JuntaGeral do Distrito de Ponta Delgada, C-mara Municipal de Ponta Delgada, Ban-co Micaelense e Caixa de GrmioMicaelense, foram mantidos sem inter-rupo at 1928.

    Todavia, a Academia debatia-se comum problema, que foi constante em todaa sua existncia - a falta de um espaoprprio para dar aulas - o que levou, em1928, ao encerramento de seus cursos.

    Mas o gosto dos seus associados pelamsica e sua divulgao levou a que, em1931, novamente numa sala emprestada,agora pela Santa Casa da Misericrdia dePonta Delgada, se reunisse a Assembleia--Geral, sob a presidncia de Humberto

    Bettencourt de Medeiros e Cmara, paradeliberar sobre a reabertura das aulas daAcademia Musical. A reorganizao doscursos, sob proposta apresentada peloprofessor Antnio Raposo, que se com-prometia a assumir gratuitamente o ensi-no do solfejo e violino, foi aprovada, masapenas conseguiu manter-se por dezoitomeses consecutivos, tendo terminado nofinal de 1933.

    Seguiu-se um longo interregno, duran-te o qual a Academia no teve qualquermanifestao de vida a no ser a reuniodas suas assembleias-gerais para aprova-rem as contas e elegerem os corpos diri-gentes6. Foi precisamente numa destasassembleias, em 21 de Junho de 1941, queencontramos o Dr. Joo Bernardo de Oli-veira Rodrigues nomeado pela primeiravez para a direco da Assembleia-geral7.Quatro anos depois, face renncia detrs membros da direco da Academia,foi nomeado e aceite para este cargo direc-tivo o Dr. Joo Bernardo, coadjuvado peloDr. Lcio de Miranda (secretrio), JosSoares de Albergaria (tesoureiro), LicnioCosta e o Tenente Jos Dias como vogais.

    Foi o incio de uma nova fase daAcademia, cheia de grande dinamismo,onde esteve bem patente o entusiasmo, adedicao e o grande labor do Dr. JooBernardo, que ir permanecer na direc-o das actividades musicais micaelen-ses durante 35 anos, ou seja, at datada oficializao do actual Conservatrio.

    Reabriram-se a leccionao dos vrioscursos, organizaram-se seres musicais,

    19Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e a msica

    5 Joo Bernardo O. Rodrigues, Homenagem ao Dr. Lcio de Miranda, in Insulana, vol. XLV, 1989, p.130.6 Livro de Actas da Assembleia Geral da Academia Musical, fols. 4 a 7 2/v.7 Livro de Actas da Assembleia-Geral da Academia Musical, 21 de Junho de 1941, fol. 6.

  • 20 Margarida Vaz do Rego Machado

    concertos, conferncias, representaesteatrais, sesses de arte no Ateneu Co-mercial e no Sindicato dos empregadosdo Comrcio, numa luta contnua contraa apatia cultural que reinava no pblicomicaelense e onde se sentia o cunho bempresente do presidente da Academia.

    desta altura, mais precisamente emAbril de 1949, que chegou AcademiaMusical uma proposta, entregue por in-termdio do Bureau de Turismo, do actorJoo Villaret para realizar dois recitais depoesia. A direco ps mos obra e jun-tamente com o Instituto Cultural de Pon-ta Delgada conseguiu que os recitais serealizassem em Outubro deste mesmoano. No ano seguinte novo recital de poe-sia desta vez por Carlos Wallenstein.

    Tinham-se incendiado o velho teatroe o salo Ideal, tornando-se o ginsio doLiceu a sala cultural por excelncia, as-sim como o Emissor Regional, que tam-bm passou a ser um rgo de difusoda msica feita pela Academia Musical,sendo programados concertos e palestrasradiofnicas pelos seus professores edirigentes (nomeadamente palestras pro-feridas pelo Dr. Joo Bernardo).

    Faltava verba para as vrias activida-des? Angariavam-se novos scios e pe-dia-se um subsdio Junta Geral que, napresidncia do Sr. Eng. Pedro Cymbron,passou a ser regular assim como sejuntaria mais tarde um subsdio da Fun-dao Gulbenkian (1965 a 1977), desti-nado tanto ao ensino como realizaode concertos.

    Faltava dinheiro para pagar um novopiano? Procedia-se a uma subscrio en-tre os scios 8.

    Faltavam professores? Recrutavam--se novos professores idneos e de reco-nhecido mrito. Foi neste sentido queem 1948 se convidou a pianista Margari-da Magalhes de Sousa para vir leccio-nar na Academia, integrando-se os seusalunos nesta instituio.

    Sentia-se que a direco precisava demais elementos para um melhor funcio-namento? Convocou-se uma Assembleia--Geral extraordinria onde foi proposta aalterao do Artigo 15 dos Estatutos.Aprovada a alterao, a Direco seriaagora composta por sete elementos: umpresidente, um vice-presidente, um secre-trio, um tesoureiro e trs vogais. E parano perder tempo, nesta mesma reunioforam eleitos para ocuparem os dois no-vos lugares o Dr. Jos de Almeida Pavo,Jnior e o Sr Antnio Roberto de Olivei-ra Rodrigues9, ficando a direco com-posta pelos seguintes elementos: Dr. JooBernardo de Oliveira Rodrigues (presi-dente), Dr. Lcio de Miranda (vice-presi-dente), Dr. Jos de Almeida Pavo(secretrio), Jos Soares de Albergaria(tesoureiro), Licnio Costa, Tenente Fran-cisco Jos Dias e Antnio Oliveira Rodri-gues (vogais), sendo eleitos suplentes osSenhores: Eng. Lus de Athade Motta,Teotnio da Silveira Moniz, Dr. AntnioAugusto Riley da Mota, Jos MachadoRaposo de Medeiros e Tefilo da CostaBenevides.

    8 Em 1949, faltava pagar 1200$00 para acabar de pagar o novo piano que tinha custado 42500$00, Livro de Actas da

    Assembleia-Geral, Acta de23 de Janeiro de 1949, fol.9 /2v.9 Livro 2 de Actas da Assembleia-Geral, Acta de 23 de Janeiro de 1949, fols. 8/2v e 9.

  • Mas o problema crnico a falta desala de aulas prprias continuava. Foipedido Junta Geral uma ou mais salasdo Museu, sediado no velho convento deSanto Andr, mas foram algumas salasdo Liceu de Ponta Delgada, que resolve-ram o problema at 1954, altura em quefoi possvel arrendar um imvel na rua daMisericrdia e onde a Academia se insta-lou at ser convertida em Conservatrio.

    A falta de professores preocupava aDireco e vrias diligncias foram feitasatravs do Emissor Nacional; pelo debu-tado Eng. Pedro Cymbron Borges deSousa, que em Lisboa, contactou o direc-tor do Conservatrio Nacional Dr. IvoCruz e pelo Tenente Jos Dias que, na ca-pital, tratou pessoalmente do assunto10.Aps vrias indicaes, nomeadamentede dois professores de Viena, que no vi-eram por falta de verbas, chegaram a S.Miguel os professores Joaquim Bernardodo Nascimento (violoncelista) e EduardoMendes (violinista).

    A aco destes professores foi vastapois, para alm de leccionarem na Acade-mia Musical, comprometiam-se a formarum Trio com o Professor Licnio Costa,substitudo depois pela pianista Margari-da Magalhes de Sousa, afim de efectua-rem concertos e audies radiofnicas.Na verdade, a Academia acordara com oEmissor Regional a realizao de 4 audi-es mensais de 30 minutos ou 3 de 40minutos, contra o pagamento de um sub-sdio 300$00 por sesso11. Foi o incio deuma vasta e longa colaborao entre os

    professores da Academia e o Emissor Re-gional, no podendo deixar de fazer refe-rncia especial professora MargaridaMagalhes de Sousa, que sempre se mos-trou disposta a levar aos ouvintes a suaarte musical.

    A aco educativa e cultural da Aca-demia, incentivada pelo seu presidente,continuava e as manifestaes artsticasfaziam-se sentir com vrios concertosonde msicos profissionais se juntavama amadores para darem maior brilho aossaraus quase mensais da Academia. Cri-aram-se o Grupo Coral da Academia as-sim como a sua Orquestra e fundou-se oGrupo Dramtico, sendo convidado o Sr.Antnio Roberto de Oliveira Rodriguespara a sua direco .

    Em 1948, perdeu-se a colaborao doprofessor Eduardo Mendes, que retomarao seu lugar na Orquestra Sinfnica doEmissor Nacional, mas ganhou-se a cola-borao da recm-diplomada do Conser-vatrio Nacional, a pianista MargaridaMagalhes de Sousa, que viria a tornar-seum dos elementos mais importantes daAcademia e mais tarde do ConservatrioRegional de Ponta Delgada, como docen-te e concertista.

    Para substituir Eduardo Mendes che-gou a S. Miguel o violinista espanholEmlio Perez, seguido de mais dois pro-fessores italianos Crio de Luisi, violon-celista, e Tito Ricardi, violinista.

    O dinamismo da direco, nomeada-mente do seu presidente, ultrapassava omeio cultural micaelense e, em Junho de

    21Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e a msica

    10 Livro de Actas da Direco da Academia Musical de Ponta Delgada, Actas de Maro de 1946, fol 21; de 15 de

    Novembro de 1946, fol.21/2v; de 27 de Fevereiro de 1947 11 Livro de Actas da Direco da Academia Musical de Ponta Delgada, Acta de 2 de Maio de 1947, fol.23.

  • 22 Margarida Vaz do Rego Machado

    1947, chegou, atravs do Dr. AugustoArruda, uma proposta do Crculo deCultura Musical com sede em Lisboa,para que a Academia se constitusse emdelegao daquela associao, de modoa que fosse mais fcil contratar artistasnacionais e estrangeiros para virem darconcertos aos scios em Ponta Delgada.

    A ideia era bem vinda, at porque aDireco apercebia-se da necessidade devariar os programas dos seus saraus mu-sicais e principalmente de seus concer-tos. Todavia a situao financeira daAcademia e a falta de um bom piano decauda fez adiar a deciso para uma po-ca mais oportuna12.

    O interesse do Crculo de CulturaMusical era grande, o que mostra a qua-lidade dos dirigentes da Academia e, emOutubro do mesmo ano, esta associaoescrevia propondo direco da Acade-mia a compra de um piano Bechstein,pelo preo de 40000$00. Aps avaliaoda proposta e depois de ter a certeza deque a Junta Geral do Distrito subsidiariacom 20000$00, a direco deliberou acompra do piano, responsabilizando-seos seus membros pelo levantamentobancrio dos restantes 20000$00.

    Face insistncia do Crculo de Cul-tura Musical em abrir uma delegao emS. Miguel, a direco foi ainda de parecerpara que se criasse a referida delegao,mas autnoma da Academia. Esta teriauma relao privilegiada com o Crculo ede imediato indicou-se o Dr. Riley daMotta como futuro presidente. Foi aindadurante estas conversaes, que se orga-nizou a vinda da cantora Leonor Viana da

    Mota acompanhada pelo violinista Ant-nio David e pela pianista Catarina Heins(1950), da cantora Margarida Abreu Sot-to-Maior (1951), sendo da responsabili-dade da Academia o pagamento dapassagem e a organizao dos concertos,ficando a hospedagem sob responsabili-dade da Sociedade Terra Nostra.

    A programao dos concertos torna-ra-se febril, mas as dificuldades financei-ras da Academia rumavam em sentidoinverso. Era preciso arranjar mais dinhei-ro e o Dr. Joo Bernardo, com o apoiodos outros membros da direco, fez umaexposio ao Presidente da Junta Geraldo Distrito, tentando sensibilizar este or-ganismo no sentido de aumentar o mon-tante do seu j tradicional subsdio.

    Na verdade a direco via no crculoCultural de Msica uma maneira de di-namizar e melhorar os nveis dos seusconcertos, mas isto acarretava encargosno compatveis com a sua situao fi-nanceira. Recusando-se a aumentar ascotas, pois assim violaria um dos prin-cipais objectivos da Academia - divul-gar por todas as classes sociais o gostopela msica, o seu Presidente equacio-nava trs hipteses:

    Manter o status quo no que diz res-peito ao ensino e corpo docente, crian-do simultaneamente a delegao doCrculo Musical

    Reduzir o corpo docente ficando ape-nas com os professores de solfejo e pia-no (as disciplinas com mais alunos),criando a delegao do crculo.

    Suspender at melhores dias as acti-vidades docentes e circunscrever a aco

    12 Livro de Actas da Direco da Academia Musical, Acta de 6 de Junho de 1947, fol.24

  • da Academia aos aspectos exclusiva-mente culturais como delegao do Cr-culo, limitando-se a organizar concertos.

    Segundo o Dr. Joo Bernardo era fun-damental que a primeira hiptese vingas-se, pois a educao artstica no podialimitar-se a uma cultura passiva, mas sseria exequvel se a Junta Geral aumentas-se o seu subsdio para 80000$0013. Apsvrias conversaes, o Presidente daquelaInstituio comunicou, que no oramentodesta Instituio para o ano de 1952, tinhasido includo um subsdio Academia de100 contos. Animados por esta deciso adireco mandou um dos seus membros, oSr. Antnio Roberto de Oliveira Rodri-gues, a Lisboa para entabular conversa-es com o Crculo de Cultural Musical,tendo ficado marcada a inaugurao dafutura delegao, em Janeiro de 1952,com dois concertos de Cmara realizadosno Teatro Micaelense, concertos estesabertos ao pblico em geral e com uma re-duo de 50% no preo dos bilhetes paraos scios da Academia.14.

    Ainda nesta dcada de cinquenta, umaoutra associao musical nacional, mani-festou desejo de se juntar Academia pa-ra alargar a sua aco cultural. Foi ela aSociedade Pr-Arte15 que, juntamentecom o Crculo de Cultura Musical e maistarde com a Sociedade de Concertos deLisboa (1965), trouxeram a S. Miguel nadcada de sessenta e setenta vrios artis-tas estrangeiros e nacionais.

    A segunda vinda do professor Eduar-do Mendes em 1953, voltou a dinamizar

    os conjuntos musicais, tendo este pro-posto a criao de um sexteto (1 e 2violinos, 1 viola, 1 violoncelo, 1 contra-baixo e 1 piano) formado por professo-res e por elementos escolhidos entre osmelhores do meio micaelense, os quaisreceberiam uma gratificao mensal pe-la prestao regular dos seus serviosnos ensaios e nos concertos. A par desteconjunto, manter-se-ia um grupo orques-tral maior, a ttulo acidental. Em Julhode 1954, sob a gerncia do mesmo pro-fessor, reuniram-se no Teatro Micaelen-se, cerca de 30 executantes entreamadores e profissionais, para tocarempela primeira vez um concerto para pia-no e orquestra, sendo solista a pianistaMargarida Magalhes.

    Apesar desta orquestra ser constitudapor uma maioria de msicos amadores,ela conseguiu atrair a vinda de grandesartistas que, aproveitando o seu acompa-nhamento, se deslocaram a S. Miguel pa-ra a realizarem concertos, como foi ocaso da pianista Elsa Klebanowsky (Con-certo de Mozart), e do grande violinistaportugus Vasco Barbosa que tocou umconcerto de Paganini.

    Em 1959 o grupo coral da Academiacolaborou no Festival de Primavera, or-ganizado pela Cmara Municipal dePonta Delgada e contribui com a quantiade 5000$00, para a vinda do grupo coralda Faculdade de Letras da Universidadede Coimbra, que actuou no Coliseu e Te-atro Micaelenses e Teatros de Vila Fran-ca do Campo e da Ribeira Grande.

    23Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e a msica

    13 Livro de Actas da Direco da Academia Musical, Acta de 18 de Outubro de 1947, fol51/2v a 53/2v.14 Livro de Actas da Direco da Academia Musical, Acta de5 de Janeiro de 1952.15 Livro de Actas da Direco da Academia Musical, Acta de 31 de Julho de 1954, fol. 60.

  • 24 Margarida Vaz do Rego Machado

    Tendo sempre presente o seu lemade difundir ao mximo e por todas ascamadas sociais o gosto pela msica,ainda neste ano de 1959 foi ensaiadoum concurso Distrital de Filarmnicas.Apesar, da boa vontade, no correu damelhor maneira e a concluso foi deque aquele tinha sido ineficaz e compoucas possibilidades de se repetir numfuturo prximo16.

    Entramos num perodo brilhante daactividade da Academia com tardesmensais na Biblioteca do Liceu, onde interpretao musical se juntavam pe-quenas palestras explicativas sobre aspocas, escolas e compositores das pe-as executadas, como por exemplo umasesso dedicada exclusivamente ao com-positor Csar Franc com comentriosproferidos pelo Dr. Joo Bernardo e ses-ses de msica gravada com coment-rios e notas do musiclogo Joo deFreitas Branco, organizadas com a cola-borao do alferes Melo Antunes noConvento de S. Andr e na Biblioteca doLiceu de Ponta Delgada17. Para melhorcumprir o objectivo, sempre presente, daassociao de popularizar a arte musical,alargaram-se os espectculos ao Sindica-to dos Empregados do Comrcio.

    Os concertos com artistas nacionais eestrangeiros no ficaram esquecidos eno Teatro Micaelense ouviram-se as pia-nistas Elsa Klebanowsky, Maria Filome-na Campos, o violinista Vasco Barbosaacompanhado de sua irm Grazi Barbo-sa, a Tuna Acadmica de Coimbra entre

    outros. Com a colaborao da Pr-Artevieram os concertistas Nina MarquesPereira e Maria Fernanda Melo.

    De salientar ainda nesta fase, a actua-o do grupo Teatral, brilhantemente ori-entado por Antnio Roberto de OliveiraRodrigues, que muito contribuiu para di-versificar a actividade da Academia, le-vando-se cena peas como Zaragueta,auto Camoniano El-Rei-Seleuco, a com-dia Corao Manda, de Francisco Crois-set, a comdia de Molire o Avarento,Apolo de Jean Girardoux entre outros18.

    Aquando da vinda do Presidente daRepblica Craveiro Lopes ao Arquipla-go, a Academia foi convidada para parti-cipar na homenagem feita peloGovernador do Distrito de Ponta Delga-da, com a rcita do Auto do EspritoSanto de Armando Cortes Rodrigues e,ainda, com a actuao da sua Orquestra,Grupo Coral e colaborao especial dosprofessores Margarida Magalhes eEduardo Mendes.

    A dcada de 1960 foi deveras excep-cional no s na organizao de concer-tos, como na dinamizao e oficializaodo ensino musical.

    O nmero de concertos dados por ar-tistas vindos de fora e, sobretudo, o altonvel das suas execues, ultrapassou emmuito o que se esperava. Se olharmosapndice junto no final deste texto, veri-ficamos nmeros totais de concertos paraos anos de: 1962 - 3, 1963 1; 1964 4;1965 6; 1966 10; 1967 7; 1968 9;1969 10; 1970 3; 1971 8; 1972 6;

    16 Livro 2 da Assembleia-Geral, Acta de 15 de Abril de 1959, fol. 79.17 Livro 2 de Actas da Assembleia-Geral, Acta de 31 de Julho de 1958.18 Almeida Pavo, Comemoraes dos 25 anos do Conservatrio Regional, in Insulana, vol. XLV, 1989, p.117.

  • 1973 6; 1974 3; 1975 4; 1076 2;1977 2. Nmeros extraordinrios parauma regio perifrica e numa poca ondeas comunicaes ainda no eram as quetemos hoje. Todos foram organizados pe-la Academia e, depois de 1964, pelo Con-servatrio de Ponta Delgada, com acolaborao da Sociedade de Concertos,Crculo de Cultura Musical, dirigida pelaSenhora Marquesa de Cadaval e pela se-nhora D. Lili Bensade, da Pr-Arte pre-sidida pelo Sr. Jos de OliveiraRodrigues, coadjuvado pela Sr. Condes-sa de Caminha e pela Sr. D. Eduarda Fa-ria e Maia, da Juventude MusicalPortuguesa e apoiados por um subsdioda Gulbenkian que, desde 1965, se jun-tou ao tradicional e fundamental subsdioda Junta Geral do Distrito de Ponta Del-gada. Valeu-nos tambm a nossa posiogeo-estratgica, pois a localizao nomeio do Atlntico atraa muitos dos artis-tas, que viajavam entre a Europa e os Es-tados Unidos da Amrica e vice-versa.Muitos foram aqueles que pararam emSanta Maria e depois se deslocaram aS. Miguel, mas tambm muitos foram osque viram os seus pedidos serem recusa-dos por falta de verbas. Ainda nestesapoios vinda de artistas de fora quesalientar as viagens feitas pelos carrega-dores Aorianos.

    Foram, sem dvida, muitos destes ar-tistas, que formaram muito do gosto mu-sical da juventude da minha gerao.No posso deixar de referir, o empenhocom que o Dr. Joo Bernardo tinha dever os concertos com ouvintes jovens,

    convidando sempre alunos do ensino se-cundrio para tais concertos19. Recordocom saudade os brilhantes bailados daGulbenkian que pela primeira vez aquiestiveram, os admirveis concertos deNella Maissa, Sequeira Costa, AdrianoJordo, Varela-Cid, Richard Castellvi,Caio Pagano e, em especial, Nikita Ma-galoff com o seu concerto em 1966 todopreenchido de peas de Chopin e Listz,assim como o de Souleima Stravinsky,filho do clebre compositor Igor Stra-vinsky, talvez os principais responsveispela minha paixo por estes trs compo-sitores. Mas ao recordar todos estes con-certos no me vem memria apenas asmsicas e os msicos, a figura do Dr.Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues es-t sempre presente, no tivesse sido eleum dos principais impulsionadores e or-ganizadores destas actividades musicaisde alto nvel.

    Na verdade a grandeza e o nvel dosconcertos mostram bem como a acoda Academia tinha dado bons frutos. Porum lado demonstravam o dinamismo dasua direco em constantes contactoscom as sociedades de Arte Musical maisconceituadas do nosso Pas, por outro asenchentes do Teatro Micaelense mostra-vam um pblico exigente e atento aoque se fazia.

    Mas o Dr. Joo Bernardo queria maispara o ensino da msica e a ideia de ofi-cializar os cursos da Academia Musicalgerminava na sua mente desde 1953, al-tura em que exps a sua proposta, naqual se indicava que seria necessrio

    25Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e a msica

    19 Almeida Pavo, Jr., Comemoraes dos 25 anos do Conservatrio Regional, in Insulana, Ponta Delgada, 1989, vol.

    XLV, p.111.

  • 26 Margarida Vaz do Rego Machado

    uma sede prpria, secretaria e desloca-es de professores para se efectuaremos exames. Quanto aos programas seri-am feitos de acordo com os do Conser-vatrio Nacional20.

    Era uma aposta arrojada, mas que deuseus frutos quando, em 1964, a AcademiaMusical de Ponta Delgada se transformouem Conservatrio Regional de Ponta Del-gada. No entretanto, continuou-se a for-mar os alunos (trs deles, Maria ManuelaCunha de Mendona, Maria Ftima Vas-concelos e mais tarde Maria Teresa Ro-drigues, foram fazer exames aoConservatrio de Lisboa obtendo altasclassificaes), e professores, como foi ocaso de Bolsas de estudo dadas profes-sora Margarida Magalhes para ir aperfei-oar a sua tcnica de pianista em Siena.

    O ensino tornava-se cada vez maisexigente e, o Dr. Joo Bernardo Rodri-gues, sentindo a necessidade de umaavaliao constante da actividade do en-sino da Academia, iniciou conversaescom o director do Conservatrio de Lis-boa, Dr Ivo Cruz, com vista a oficiali-zar o ensino da Academia, chegando concluso que para isso se concretizar omelhor seria que aquela se convertesseem Conservatrio.

    Pondo as mos obra, o Dr. JooBernardo, liderando uma comisso orga-nizadora21, elaborou os novos estatutosassim como o plano de estudos da novaassociao, pondo-os votao na As-

    sembleia-Geral da Academia, que osaprovou na reunio do dia 21 de Janeirode 1964. No seu artigo 1. definia-se oConservatrio como:

    1- Uma instituio de tipo associati-vo e de carcter particular, comsede em Ponta Delgada. Tem porfins: ministrar o ensino das disci-plinas que fazem parte do planooficial dos cursos gerias e superi-ores do Conservatrio Nacional,habilitando os seus alunos paraos exames oficiais e proporcio-nando-lhes ainda o ensino de dis-ciplinas de plano prpriosuperiormente autorizado.

    2- Promover a divulgao artstica,atravs de concertos, audiesescolares, tardes culturais e pa-lestras versando assuntos liter-rios, artes plsticas, histria daMsica, etc., para o que poderaceitar a colaborao de outrasorganizaes tendentes a atingira mesma finalidade.

    Ainda na mesma sesso foi aprova-do, que os scios da Academia passari-am automaticamente para scios doConservatrio, no excluindo a hiptesede se angariar novos scios. Quanto aosbens daquela instituio passariam inte-gralmente para o futuro ConservatrioRegional.

    Os corpos directivos, passavam a serconstitudos por um Conselho Geral e

    20 Livro de Actas da direco da Academia Musical de Ponta Delgada, Acta de 19 de Dezembro de 1953, fol. 59/2v.21 Esta comisso foi composta pelos membros da Direco da Academia: Joo Bernardo d Oliveira Rodrigues, Antnio

    Roberto d Oliveira Rodrigues, Lus dAthayde Motta, Jos de Almeida Pavo Jr., Leonardo Morais Mota, Carlos Eduardo

    Agnelo Borges e Augusto de Oliveira Cymbron Borges de Sousa, Livro de Actas do Conservatrio Regional de Ponta

    Delgada, Estatutos e Planos de estudo do Conservatrio Regional de Ponta Delgada, fols. 2 a 8./2v.

  • por um Conselho Administrativo, caben-do a este ltimo toda a administrao doconservatrio e a nomeao de uma di-rectora, que seria recrutada entre os pro-fessores que tivessem o Curso Superiorde Msica.

    Os planos de estudos, bastante arro-jados e completos (na altura nem todasas disciplinas foram leccionadas, tendo--se dado preferncia quelas que faziamparte obrigatria dos cursos gerais demsica), foram elaborados segundo oplano oficial das disciplinas dos cursosde solfejo, canto, piano, rgo, instru-mentos de sopro e de cordas, composi-o, histria da musica, portugus,italiano, arte de dizer, arte de representare, segundo um plano prprio, os de ini-ciao musical, solfejo elementar, com-plementar, anlise musical.

    Aps terem sido aprovados pela Ins-peco do Ensino Superior do EnsinoParticular e pelo Ministrio da Educa-o, em 12 de Maio de 1964, foi eleito oConcelho Administrativo, formado pelosDr. Joo Bernardo de Oliveira Rodri-gues, Antnio Roberto dOliveira Rodri-gues, Carlos Eduardo Agnelo Borges,Augusto Cymbron B. Sousa, sendo oDr. Joo Bernardo eleito seu presidentepor aclamao22.

    Novas metas se propunham agora aoConselho Administrativo, que iniciou deseguida a contratao de novos profes-sores (nomeadamente as professorasManuela Cunha de Mendona e FtimaVasconcelos), renovou os contratos das

    antigas professoras da Academia, MariaMargarida Magalhes de Sousa e MariaTeresa de Oliveira Rodrigues, e admitiuduas funcionrias para a secretaria, Mar-garida Labescat e Odete Machado. Era,tambm da sua competncia, nomear oDirector do Conservatrio, tendo sidoindigitada para o cargo, a professora Te-resa Oliveira Rodrigues.

    As aulas iniciaram-se em 15 de Ou-tubro de 1964, com cem alunos, ficandomais alguns espera da chegada de duasnovas professores a cantora Martha Am-stad e a professora de ballet MafaldaLencastre. No incio de Janeiro da 1965,iniciou-se a leccionao das disciplinasde canto e canto coral, com a cantora su-a Martha Amsthad, que elevou em altograu o nvel da tcnica e das vozes dosalunos do conservatrio. No fim desteprimeiro ano lectivo, o Conselho Admi-nistrativo foi de parecer que se contra-tasse uma professora de Histria deMsica e Acstica, o que veio a aconte-cer com a professora Maria de Lurdeslvares Ribeiro.

    Em Julho de 1966, um passo impor-tante foi dado no ensino da msica mi-caelense: realizaram-se pela primeiravez exames de nvel nacional, com umjri composto por professores do Con-servatrio de Lisboa, nomeadamente oseu director o Dr. Ivo Cruz, obtendo osalunos altas qualificaes, situao estaque se repetiria pelos anos seguintes.

    Com tantos resultados brilhantes osalunos foram crescendo ano aps ano,

    27Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e a msica

    22Livro de Actas do Conselho Geral do Conservatrio Regional de Ponta Delgada, Acta de 4 de Julho de 1964. Este

    Conselho Administrativo s foi aprovado oficialmente em 19 de Janeiro de 1965, e a sua tomada de posse oficial em 20 de

    Fevereiro de 1965.

  • 28 Margarida Vaz do Rego Machado

    sendo contratados novos professores:em 1966 o pianista Francs RichardCastellvi e em 1968 a professora Cre-milde Macedo. Em 1969 o Conservat-rio muda-se da Rua dos Mercadorespara a rua Carvalho Arajo.

    Para alm de toda as actividades cul-turais e musicais de que j falamos ante-riormente, podemos ainda realar, numaperspectiva pedaggica, as audies dosalunos, que eram obrigatrias no fim decada ano lectivo, sendo de destacar pelasua inovao a audio da Sinfonia dosBrinquedos de Hayden, realizada em Ju-nho de 1967 e a criao de um concursode piano anual pela pianista inglesa Da-me Ruth Railton que, tendo vindo a S.Miguel como turista, ficara impressiona-da com o trabalho do Conservatrio,premiando-o com a instituio de umprmio com o seu nome, idntico a ou-tros dois que tinha institudo em Ingla-terra e na Polnia. Este prmio permitiuque, os seus vencedores, fizessem algu-mas visitas de estudo a Londres e fos-sem premiados com partituras dasmelhores edies, no muito fceis deencontrar na altura. Aces de formaoe cursos ministrados pelo professor Ja-ques Chapuis, demonstravam bem o em-penho de actualizao de todos oscomponentes do Conservatrio.

    As palestras continuavam, e o contri-buto do Dr. Joo Bernardo como confe-rencista esteve sempre presente como,por exemplo, nas sesses comemorati-vas do primeiro centenrio de Franciscode Lacerda( 1969) ou nos dos 150 anosde Beethoven (1977).

    Em 1971, comeou-se a falar a nvelnacional em reformas para o ensino ar-

    tstico, ficando alguns conservatrios,como o de Braga ou o de Lisboa, em ex-perincias piloto, propostas pelo minis-trio de Veiga Simo. Foi dentro destaconjuntura, que o Dr. Joo Bernardo,sempre atento s inovaes, rumou aBraga e a Lisboa afim de conversar comvrias entidades ligadas ao processo dareforma do ensino artstico, acertando apassagem do nosso Conservatrio, a re-gime de experincia pedaggica.

    O aumento constante de alunos e ospoucos recursos financeiros do Conser-vatrio no permitiam alargamentos e, oD Joo Bernardo, aproveitou a vinda doMinistro Veiga Simo a S. Miguel paraexpor o caso, conseguindo na altura umsubsdio de 300 contos. Mas a convicoera de que, subsdios provisrios, noeram soluo e o Dr. Joo Bernardo co-meou a ponderar e a discutir com osoutros membros a possibilidade do Con-servatrio passar a ensino do estado. Es-ta ideia foi ganhando consistncia, faces modificaes poltico-sociais que seoperavam no nosso Pas, aps a revolu-o do 25 de Abril de 1974. Tornava-secada vez mais difcil suster o conserva-trio apenas com os subsdios, at por-que urgia equiparar os vencimentos dosprofessores e funcionrios aos dos esta-belecimentos de ensino oficial e a nicaalternativa era a passagem ao funciona-lismo pblico, visto que, a hiptese dese aumentar grandemente as propinasdos alunos, tinha sido rejeitada, na me-dida em que ia contra todos os princ-pios por onde se tinham regido, desde afundao da Academia Musical.

    Assim ainda em 1976, com a autori-zao do Conselho Geral, iniciaram-se

  • conversaes com o recm-eleito Go-verno Regional dos Aores, que no seuprograma propunha mesmo estender oensino da msica oficial s outras cida-des do Arquiplago, tendo ido mesmouma professora do Conservatrio, a pia-nista Natlia dos Santos Silva, a Angrado Herosmo apresentar a experincia doConservatrio Academia Musical da-quela cidade. As conversaes prosse-guiram com dilogos entre o Dr. JooBernardo, as duas professoras respons-veis, as pianistas Maria Teresa de Oli-veira Rodrigues e Natlia dos SantosSilva e a Secretaria Regional do Ensinoe sua Direco da Cultura.

    Os scios do Conservatrio, incenti-vados pelo seu presidente, perceberamque chegara o momento de viragem e, anica maneira de continuar vivo o esp-rito da Academia Musical e de todosaqueles que pugnavam pela difuso eensino da msica, era a sua passagem aensino oficial. O velho ConservatrioRegional de Ponta Delgada deixou deexistir mas, em seu lugar, nascia o Con-servatrio Regional dos Aores, comtrs seces: Ponta Delgada, Angra doHerosmo e Horta. Entre 1978 e1980,foi criada uma comisso instaladora e fi-nalmente o Decreto de Lei de 13 deMaro de 1980, criava oficialmente oConservatrio Regional dos Aores, de-

    pendente da Secretaria Regional da Edu-cao e Cultura. O mesmo decreto deter-minava que, entre outros objectivos, seministrava o ensino da msica a nvelparalelo ao dos ensinos preparatrio esecundrio, dando aos seus alunos for-mao artstica de base, com carcterprofissionalizante e preparando-os parao ingresso no ensino superior do respec-tivo ramo. A criao de cursos livres, acriao de seces de dana e o apoio sbandas, grupos corais e outras activida-des de cultura popular no domnio damsica eram outros dos objectivos pro-postos.

    Foram 35 anos de empenho e servi-os dedicados msica, aos micaelensese a uma obra meritria que ainda hoje dfrutos. Basta olhar volta e constatar-mos que a maioria dos professores demsica do ensino bsico ou secundrioforam alunos do velho Conservatrio as-sim como o foram alguns dos prpriosprofessores do agora Conservatrio dePonta Delgada.

    Perante este percurso de uma vidacheia de msica, de vontade, empenho eamor a uma causa meritria, s me resta,como ex-aluna do Conservatrio eamante de msica, aplaudir e com umasaudade infinita repetir:

    Bravo!

    29Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e a msica

  • 30 Margarida Vaz do Rego Machado

    ANEXO

    MAPA DAS ACTIVIDADES MUSICAIS23

    Ano Concertista Organizao/apoios

    1962 Renata Von SchaKensoff (cantora), M. Magalhes (piano) Academia Musical

    1962 Trio vocal Mozart de Washington Academia Musical

    1962 M Helena Matos Silva Pr-Arte/Academia Musical.

    1963 Banda da Fora Area Americana Consulado Americano/Academia.

    1964 Sequeira Costa (pianista) Academia Musical

    1964 Eric Eidrieck (pianista) Academia Musical

    1964 Orq. Cmara da Gulbenkian- dir.Voegelin, integrado nos Gulbenkian/ Academia MusicalFestivais de Msica da Gulbenkian

    1964 Banda da Fora Area Americana Consulado Americano/ Academia

    1965 M Emlia L. Valle (pianista), M Amlia Abreu (cantora) Pr-Arte/Conservatrio de P. D.

    1965 Jack Glatzer (violinista) Margarida Magalhes(pianista) Conservatrio de P. D. *

    1965 Nelson Freire (pianista) Soc. Concertos de Lisboa/Conservatrio P. D.

    1965 Grupo Experimental de Bailado Gulbenkian/ Conservatrio

    1965 Trio de Lisboa Conservatrio de P. D.*

    1965 Ana Maria Albors (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1966 Jack Glatzer (violinista), M Lurdes Ribeiro Conservatrio de P. D.*

    1966 Nella Maissa (pianista) Soc. Concertos de Lisboa/Conservatrio P. D.

    1966 Ricardo Requejo (pianista) Conservatrio de P. D/Crculode Cultura Musical

    1966 Claire Bernard (violinista), Jean Fassina (pianista) Crculo de Cultura Musical/Conservatrio de P. D.

    1966 Semana de Musica Portuguesa Juventude Musical P. D./Conservatrio P. D.

    1966 M Tereza X. Paiva (pianista), Jos O. Lopes (cantor) Pr-Arte / Conservatrio P.D.

    1966 Grupo Coral Misto da Base Area da Lajes Consulado Americano/Conservatrio

    1966 Nikita Magaloff (pianista) Soc. Conc.Lisb./ Cons. P. D.

    1966 Richard Castellvi (pianista) Conservatrio*

    1967 Robert Jzidon Soc. Conc. Lis/Cons. P. D.

    23 Esta lista foi feita com base na consulta dos Livros de Actas da Assembleia-Geral e Direco da Academia Musical,

    do Conselho Geral e do Conselho Administrativo do Conservatrio Regional de Ponta Delgada.

    * O nome do Conservatrio aparece sozinho, porque nos documentos no est explcito se foram tambm apoiados pelas

    outras Instituies.

  • 1967 Duo Vasco (cantor) e Grazie Barbosa (pianista) Pr-Arte/ Conservatrio P. D.

    1967 Sequeira Costa (pianista) Soc. Conc. Lisb./Cons. P. D.

    1967 Rafael Orosco (pianista) Crculo Cultura Musical/Conservatrio de P. D.

    1967 Grupo Gulbenkian de Bailado Gulbenkian/ Conservatrio P.D.

    1967 Caio Pagano (pianista) Conservatrio de P. D. *.

    1967 Alberto Portugheis (pianista) Conservatrio de P. D. *.

    1968 Jack Glatzer (violinista) Margarida Magalhes (pianista) Conservatrio de P. D. *

    1968 Adriano Jordo (pianista) Conservatrio de P. D *.

    1968 Ricardo Requejo (pianista) Conservatrio de P. D. *

    1968 Simone (violinista)e Francoise Pierrot (pianista) Conservatrio de P. D. *

    1968 Angeles Presutto (pianista) Pr-Arte/ Conservatrio P.D.

    1968 Helena M. S e Costa Crculo de Cultura Musical/ Conservatrio

    1968 Comemorao Centenrio do Nascimento de Viana da Mota Emissor Regional/Conservatrio P. D.

    1968 5 espetculos do Festival de Msica Com o Grupo de Gulbenkian/ Conservatrio de P. D.Bailado da Gulbenkian

    1968 Antnio David (violinista) e Katharina Heinz (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1969 Alberto Portugheis (pianista) Conservatrio P. D.*

    1969 Richard Castellvi Conservatrio de P. D.*

    1969 Adriano Jordo (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1969 Dominique Merlet (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1969 Joseph Bopp (flautista), Elena Panagotova (pianista) Conservatrio P. D.*

    1969 Homenagem a Francisco de Lacerda Conservatrio P. D./Juventude Musical de P. D.

    1969 2 Concertos Orquestra de Cmara de Gulbenkian Conservatrio P. D./ Gulbenkian

    1969 M. Roustcheva (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1969 Robert Soetens (violinista) Conservatrio de P. D.*

    1970 Zuleika Barbosa (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1970 Srgio Varela Cid (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1970 Caio Pagano (pianista), Albon Rosenfeld (violinista) Conservatrio de P. D.*

    1971 Edmund Stepniak (violinista), Richard Castellvi (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1971 L. Wright (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1971 Jean-Paul Sevilla (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1971 Kolman Dobs (pianista) Juventude Musical/Conservatrio

    1971 Helena Pina Manique, Hugo Casaes (cantores) Cmara municipal de P. D./S:N:I:T/

    Orq, de Cmara, regncia Antnio Vitorino de Almeida Conservatrio

    1971 Robert Soetens (violinista), Margarida Magalhes (pianista) Conservatrio de P. D.*

    31Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues e a msica

  • 32 Margarida Vaz do Rego Machado

    1971 Srgio Varela Cid (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1971 Theodor Lettvin (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1971 Prefecto Garcia Charnet Conservatrio de P. D.*

    1972 Trio de piano e dois violoncelos Juventude Musical/Conservatrio

    1972 Duo de piano e violoncelo Conservatrio de P. D.*

    1972 Leslie Wright (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1972 Saulima Stravinsky Conservatrio de P. D.*

    1972 Margarida Magalhes (pianista) Juventude Musical/Conservatrio de P. D.e Filomena de Oliveira (diseuse)

    1972 C. Ruppert (violinista), D. Leito Cruz (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1973 Hermilo Novelo (violinista), Margarida Magalhes (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1973 Daniell Arpajou (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1973 2 concertos do pianista Sequeira Costa Juventude Musical/Conservatrio

    1973 Gerard Poulet (violinista), Margarida Magalhes (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1973 Alice Ater (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1974 Moss Sequera (violinista), Madeleine Virlageux-Heuriet Conservatrio de P. D.*

    1974 Margarida Magalhes de Sousa (pianista) Conservatrio de P. D.*

    1974 George Zukerman (fagotista) Conservatrio de P. D.*

    1975 M Amlia Abreu (cantora), Margarida Magalhes (pian.) Conservatrio de P. D.*

    1975 Paul Roberts (pianista) Conservatrio/D. Ruth Railton

    1975 Comemoraes Maurice Ravel.duo piano Margarida Conservatrio de P. D.*Magalhes e Tereza Oliveira Rodrigues

    1975 Jack Glatzer e Margarida Magalhes Conservatrio de P. D.*

    1976 Maria Jos Morais (pianista) Conservatrio de P. D*

    1976 A. Presutto da Gama (pianista) Conservatrio de P. D*

    1977 Orquestra de Cmara de Gulbenkian Conservatrio/S. R. E. C.*

    1977 Adriano Jordo (pianista), homenagem a Debussy Concerto oferecido por Adriano Jordoao Conservatrio em sinal de gratidoao Dr. J. Bernardo

  • embra-se, certamente, meu Profes-sor, da quinhentista rua que foi de

    morada do licenciado Manuel Garcia,sculos atrs e mais simplificadamentedita do Mestre Garcia ou s do Garcia.

    Sem que fosse anulada essa multissecu-lar denominao, o vulgo oitocentista an-dou de a dizer Rua do Frade. E assimcontinuou a ser chamada ainda na dcadade 1940, mesmo tendo, de anos atrs, pla-ca afixada com outro nome, tornado oficial Rua do Conselheiro Hintze Ribeiro ,por deliberao da Cmara Municipal nasua sesso de 14/3/1895, na qual tambmfoi determinado que o espao que prolongaa Praa do velho burgo at aos Paos doConcelho at meados daquele sculoXIX local de mercado de hortalias, por is-so conhecido por praa velha tivesseo nome de Largo de Joo Franco.

    Estes novos topnimos foram preitosde homenagem celebrativa do decretoautonmico de 2 de Maro: ao conterr-neo nascido na dita Rua do Garcia ento Presidente do Ministrio Regene-rador de 1893 at Fevereiro de 97; e aoque era seu Ministro do Reino.

    Homenagens baratinhas, nesse finis-secular oitocentismo monrquico cartista

    de acumuladas crises econmico-finan-ceiras, de fragilidade poltica recheada deintrigas e corrupes nos bastidores dopoder, que foram alimento de agitaosocial emparelhadas de conceitos aindamais restritivos da cidadania, impostospelos dois governantes: Hintze Ribeiro,em 28/3/1895; Joo Franco, em 21 deMaio do ano seguinte. Alargados os di-reitos populares pelo Ministrio Progres-sista, no poder em 1899, Hintze Ribeiro,outra vez Presidente do Conselho de Mi-nistros, em 8/8/1901 reincidiria nas limi-taes dos cidados. Eram passadospoucos dias da visita rgia aos Aores, deque por dever de ofcio fizera parte coma esposa Joana Chaves tambm mica-elense , concluda com a estada deuma semana em S. Miguel e partida dePonta Delgada a 11 de Julho daquele ano.

    Comear esta carta que lhe dirijo, pe-lo itinerrio toponmico da Rua do Gar-cia, recurso, meu Professor, aepisdios e no muitos, de um passadofamiliar que lhe respeita.

    Na casa que teve o n. 10 e j noexiste como era houve tempo em quenos baixos o hebreu Jos Azulay teve a

    CARTA AO MEU PROFESSOR JOO BERNARDO

    Nestor de Sousa

    L

    Insulana. rgo do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 59 (2003): 33-72

  • 34 Nestor de Sousa

    sua loja de fazendas. Fora ele um dos se-te fundadores e compradores por es-critura de 21/12/1836 do edifcio n.16 da Rua do Brum ento tambmconhecida por Rua do Andr das Boce-tas em cujo interior foi organizada aSinagoga Sahar Achamain Portas doCu , templo de que em 1975 fui oprimeiro a dar notcia, em artigo publi-cado no Correio dos Aores sob o ttuloA Sinagoga de Ponta Delgada. Sabiaque existia? Era chamada de conscin-cia e apelo para que aquele monumentoda histria local j sem culto fosseprotegido da destruio que o ameaavae a cujo interior levei vrias visitas deestudo, com o generoso apoio explicati-vo do hebreu Elias Sebag.

    Mas no desse artigo, nem do pl-gio com que depois houve quem dele seadornasse, que aqui importa.

    Em 30/7/1855, do atrs referido n.10 da Rua do Garcia saiu um adolescen-te de casa de seus pais a caminho do ex-tinto convento dos gracianos, onde emexguas e escuras instalaes o padremestre Joo Jos do Amaral organizara,trs anos antes, o Liceu Nacional dePonta Delgada.

    Com outros cinco jovens submeteu-seaos exames das 1. e 2. disciplinas Latim e Latinidade do curso geral se-cundrio. Na presidncia do jri, o entoreitor Antnio Augusto da Mota Frazo,docente de Oratria, Potica e LiteraturaClssica (5.), cumulativamente com oensino de Geografia, Histria e Cronolo-gia, a 6. cadeira, tal como se dizia. Entreos examinadores, Joaquim Manuel Fer-nandes Braga pai do futuro primeiroPresidente (provisrio) do governo da

    Repblica e segundo eleito, aps a renn-cia do faialense Manuel de Arriaga.

    Natural de Braga, chegara a PontaDelgada em tempo da reaccionria reale-za miguelista, de que era oficial subalter-no de artilharia apoiante. Com a vitriaconstitucional, Santa Maria foi-lhe terrade deportao e casamento. A amnistiaconcedida levou-o algum tempo Tercei-ra e, finalmente, de novo cidade micae-lense, onde aos 43 anos de idade e jvivo de Maria Jos da Cmara Albu-querque deu aos filhos a madrasta Joa-quina Molfim Pereira, da freguesia de S.Jos, de que os enteados sofreram o maufeitio e que o pequeno Tefilo deu conta.

    Viver modesto de professor primrioparticular, com o incio do liceu, em1852, conheceu a pequena melhoria deuma espcie de cursus honorum: do-cente interino e secretrio at situaode efectivo de Matemtica (3. cadeira),com passagem pelo cargo de reitor e ainerente funo de Comissrio dos Estu-dos, at que em Abril de 1870 se finoude derrame cerebral.

    Dos seis examinandos daquele dia de1855, apenas um beneficiou de distino nemine discrepante. Ao jovem daRua do Garcia e demais companheiros ojri aplicou a aprovao elementar desimpliciter.

    Homnimo do pai, chamava-se ele Jo-o Bernardo Rodrigues. O snior, julgoter sido amador de flautim e participanteda Banda da Sociedade Filarmnica. Cri-ada em 1844, por iniciativa do chapeleiroAntnio Pedro Seixas, continental radica-do na cidade, dificuldades financeiras le-varam-na extino, em Agosto de 1852,ano em que aquele seu bisav paterno,

  • agora msico da Banda Estmulo, inte-grou a orquestra que acompanhou a pe-ra Hayd a primeira cantada em PontaDelgada e no Teatro S. Sebastio regi-da pelo violoncelista italiano Cesare Ca-sella. A msica fora composta pelaesposa, cantora lrica e protagonista des-sa experincia com amadores locais, cujolibreto, em verso, foi escrito em portu-gus pelo jovem lisboeta Lus Filipe Lei-te, entre ns durante anos, at queregressou definitivamente capital.

    Apresentada como Tragdia Lrica,essa iniciativa do ento jovem italiano te-ve estreia a 10/5/1852 e a ltima das cin-co rcitas na noite de 8 de Julho. Paraalm da soprano senhora Casella, trspersonagens masculinos, a um dos quais conde de Morcelf Guilherme Pe-reira Rangel emprestou a sua voz de bar-tono. Era a figura-motor das desventurasde Edmond Dants, que depois da fugade masmorra do fantasmtico castelo deIf surgir metamorfoseado no vingador eriqussimo conde de Monte Cristo, inter-pretado pela voz de tenor do anafado An-tnio Francisco de Miranda.

    Rangel viera de Lisboa na dcada de1840 e em Ponta Delgada dedicava-se aoensino particular de piano e de canto, so-bretudo a meninas da sociedade elegante,e foi o responsvel pela Sociedade deMsica e Canto, outra das efmerasagremiaes que a cidade conheceu e ti-veram lembrana da aco de Castilho eda sua Sociedade dos Amigos das Letrase Artes, por este fundada em 1849.

    Em contrapartida, no ensino secundriooficial portugus, que se pretendeu actuali-zar com a criao setembrista dos liceus,no cabia o ensino da msica nem das ou-

    tras artes. No caso da arte dos sons, foi aRepblica que introduziu o tmido contra-balano da disciplina de Canto Coral, quea reforma salazarenga de 1948 reduziu noprograma curricular. pecha velha quecontinua a nos apoucar a educao da ju-ventude, que a mim mais se afigura instru-o de pequeno recorte visando o homofaber e no o homo sapiens.

    Por isso se compreende que o JooBernardo Rodrigues Jr., seu av, senhordoutor, tivesse de buscar fora aprendiza-gem musical. Mas no foi com o j co-nhecido Rangel nem com o conterrneodeste, Antnio Maria Eduardo Fuschini,que de Lisboa havia vindo tambm comoprofessor de piano e, na cidade, casoucom Maria ngela, irm do macrbio An-tnio Jos de Vasconcelos. Deste, cedovivo do parto de que nasceu Artur Fus-chini, criado pela famlia materna, tam-bm no foi, pelo seu regresso capital,onde contraiu segundas npcias de quenasceu o futuro Conselheiro e Ministro deEstado Honorrio do mesmo apelido, por-que em fins de Maro de 1856 participoucom Alexandre Madureira Cirne no duetode flauta e piano da pera Niobe.

    Mas to pouco com o jovem austracoscar Pfeifer, que entre ns estanciou deJulho de 1853 a Maio de 55 ano dos re-feridos exames de Latim e Latinidade e,depois, de Setembro de 1856 a Abril de1858 e teve residncia na Rua dos Capas.

    Pianista e compositor nomeada-mente de variaes e arranjos para pianode temas operticos , rfo de pai desde1845 e filho de me que ocupou a viuvezem andanas por terras distantes mes-mo as de exticas civilizaes e passa-gem por S. Miguel em curta visita ao

    35Carta ao meu Professor Joo Bernardo

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    filho, o vienense foi apreciado animadorde Ponta Delgada como executante a soloou de parceria com amadores locais de ou-tros instrumentos, em espectculos dram-tico-musicais no teatro S. Sebastio,concerto na Sala da Biblioteca Pblica eem seres de alguns notveis da cidade.M