Lopes

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Revista Brasileira de Educação 187 LOPES, Eliana Marta Teixeira, FARIA FILHO, Luciano Mendes VEIGA, Cynthia Greive. (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 2 a ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 606 p. O livro em referência, lançado ao ensejo das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil pelos portu- gueses, agora em 2 a edição onde são corrigidos os problemas ocorridos na editoração dos originais, apresenta um amplo painel da produção historiográfi- ca sobre educação cobrindo um largo le- que de temas e contemplando, de um modo ou de outro, os vários períodos atravessados pela educação na história de nosso país. A obra é constituída por 24 tex- tos. O primeiro, A civilização pela pa- lavra, de João Adolfo Hansen, tem, de fato, caráter inaugural, pois traça o quadro em que a Igreja se associou à Monarquia para, através da palavra, implantar na nova terra a civilização dos que dela se apossavam. Nesse pro- cesso desempenharam papel central os jesuítas não sendo, pois, por acaso que o sistema pedagógico expresso no ratio studiorum tenha como elemento cen- tral a retórica. O período colonial é ainda contemplado nos textos seguin- tes, Educação jesuítica no Brasil colo- nial, de José Maria de Paiva, e O semi- Notas de leitura nário de Olinda, de Gilberto Luiz Alves, dando conta, assim, das duas tendências pedagógicas que predomi- naram no referido período: a pedagogia jesuítica, que perdurou de 1549 a 1759, e a orientação pombalina que prevaleceu até praticamente o momen- to da independência. A escolha do se- minário de Olinda para tratar da fase pombalina me parece acertada porque, efetivamente, foi nessa instituição que se expressaram, de forma mais acaba- da, o significado e as potencialidades do iluminismo português à base do qual foram formuladas as reformas pombalinas da instrução pública. Os níveis, por assim dizer, clássi- cos, da organização dos sistemas de en- sino são contemplados explicitamente nos textos de Moysés Kuhlmann Júnior, Educando a infância brasileira, Luciano Mendes de Faria Filho, Instru- ção elementar no século XIX, Heloísa de O.S. Villela, O mestre-escola e a professora, Denice Bárbara Catani, Es- tudos de história da profissão docente, Jailson Alves dos Santos, A trajetória da educação profissional, e Luiz Antô- nio Cunha, Ensino superior e universi- dade no Brasil, os quais tratam, respec- tivamente, da educação infantil, do ensino fundamental, da formação de professores e da profissão docente, da educação profissional e do ensino supe- rior. Embora o ensino secundário não conte com um texto específico, ele não deixa de estar presente em diversos mo- mentos do livro, seja em textos que tra- tam das concepções pedagógicas, seja naqueles que se debruçam sobre as re- formas do ensino. Além dos graus que compõem a estrutura dos sistemas de ensino, o livro apresenta estudos que abordam tanto aspectos amplamente reconhecidos pela sua importância no conjunto do proces- so educativo como temas cuja relevân- cia se manifestou mais recentemente no contexto da renovação da historiografia educacional. Entre os primeiros se encontram os textos de Marta Maria Chagas de Carvalho, Reformas da instrução públi- ca, Clarice Nunes, (des)encantos da modernidade pedagógica, Marcus Vinicius da Cunha, A escola contra a família, Diana Gonçalves Vidal, Escola nova e processo educativo, Carlos Roberto Jamil Cury, A educação como desafio na ordem jurídica, e Rogério Fernandes, A instrução pública nas Cortes Gerais Portuguesas, tratando, este último, das posições assumidas so- bre educação pelos delegados brasilei- ros presentes nas Cortes Gerais Portu- guesas reunidas com o caráter de Congresso Constituinte em 1822. Entre os segundos estão os traba- lhos de Arilda Ines Miranda Ribeiro, Mulheres educadas na Colônia, Eliana Marta Teixeira Lopes, Conselhos de Bárbara Heliodora, Marly Gonçalves Bicalho Ritzkat, Preceptoras alemãs no Brasil, Constância Lima Duarte, A fic-

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Pedagogia

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  • Notas de leitura

    Revista Brasileira de Educao 187

    LOPES, Eliana Marta Teixeira,FARIA FILHO, Luciano MendesVEIGA, Cynthia Greive. (orgs.).500 anos de educao no Brasil.2a ed. Belo Horizonte: Autntica,2000. 606 p.

    O livro em referncia, lanado aoensejo das comemoraes dos 500 anosdo descobrimento do Brasil pelos portu-gueses, agora em 2a edio onde socorrigidos os problemas ocorridos naeditorao dos originais, apresenta umamplo painel da produo historiogrfi-ca sobre educao cobrindo um largo le-que de temas e contemplando, de ummodo ou de outro, os vrios perodosatravessados pela educao na histriade nosso pas.

    A obra constituda por 24 tex-tos. O primeiro, A civilizao pela pa-lavra, de Joo Adolfo Hansen, tem, defato, carter inaugural, pois traa oquadro em que a Igreja se associou Monarquia para, atravs da palavra,implantar na nova terra a civilizaodos que dela se apossavam. Nesse pro-cesso desempenharam papel central osjesutas no sendo, pois, por acaso queo sistema pedaggico expresso no ratiostudiorum tenha como elemento cen-tral a retrica. O perodo colonial ainda contemplado nos textos seguin-tes, Educao jesutica no Brasil colo-nial, de Jos Maria de Paiva, e O semi-

    Notas de leitura

    nrio de Olinda, de Gilberto LuizAlves, dando conta, assim, das duastendncias pedaggicas que predomi-naram no referido perodo: a pedagogiajesutica, que perdurou de 1549 a1759, e a orientao pombalina queprevaleceu at praticamente o momen-to da independncia. A escolha do se-minrio de Olinda para tratar da fasepombalina me parece acertada porque,efetivamente, foi nessa instituio quese expressaram, de forma mais acaba-da, o significado e as potencialidadesdo iluminismo portugus base doqual foram formuladas as reformaspombalinas da instruo pblica.

    Os nveis, por assim dizer, clssi-cos, da organizao dos sistemas de en-sino so contemplados explicitamentenos textos de Moyss Kuhlmann Jnior,Educando a infncia brasileira,Luciano Mendes de Faria Filho, Instru-o elementar no sculo XIX, Helosade O.S. Villela, O mestre-escola e aprofessora, Denice Brbara Catani, Es-tudos de histria da profisso docente,Jailson Alves dos Santos, A trajetriada educao profissional, e Luiz Ant-nio Cunha, Ensino superior e universi-dade no Brasil, os quais tratam, respec-tivamente, da educao infantil, doensino fundamental, da formao deprofessores e da profisso docente, daeducao profissional e do ensino supe-rior. Embora o ensino secundrio noconte com um texto especfico, ele nodeixa de estar presente em diversos mo-

    mentos do livro, seja em textos que tra-tam das concepes pedaggicas, sejanaqueles que se debruam sobre as re-formas do ensino.

    Alm dos graus que compem aestrutura dos sistemas de ensino, o livroapresenta estudos que abordam tantoaspectos amplamente reconhecidos pelasua importncia no conjunto do proces-so educativo como temas cuja relevn-cia se manifestou mais recentemente nocontexto da renovao da historiografiaeducacional.

    Entre os primeiros se encontramos textos de Marta Maria Chagas deCarvalho, Reformas da instruo pbli-ca, Clarice Nunes, (des)encantos damodernidade pedaggica, MarcusVinicius da Cunha, A escola contra afamlia, Diana Gonalves Vidal, Escolanova e processo educativo, CarlosRoberto Jamil Cury, A educao comodesafio na ordem jurdica, e RogrioFernandes, A instruo pblica nasCortes Gerais Portuguesas, tratando,este ltimo, das posies assumidas so-bre educao pelos delegados brasilei-ros presentes nas Cortes Gerais Portu-guesas reunidas com o carter deCongresso Constituinte em 1822.

    Entre os segundos esto os traba-lhos de Arilda Ines Miranda Ribeiro,Mulheres educadas na Colnia, ElianaMarta Teixeira Lopes, Conselhos deBrbara Heliodora, Marly GonalvesBicalho Ritzkat, Preceptoras alems noBrasil, Constncia Lima Duarte, A fic-

  • Notas de leitura

    188 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 N 14

    o didtica de Nsia Floresta, LuizAlberto Oliveira Gonalves, Negros eeducao no Brasil, Lcio Kreutz, Aeducao de imigrantes no Brasil,Cynthia Greive Veiga, Educao estti-ca para o povo, Guacira Lopes Louro,O cinema como pedagogia, e Jos Gon-alves Gondra, Medicina, higiene eeducao escolar.

    O fato de que os temas emergentesconstituam o conjunto mais numerosono o nico indicador do carter inova-dor da obra. Com efeito, tambm os te-mas de que tradicionalmente se ocupamos estudos de histria da educao sotratados, no livro, com novo enfoque,seja questionando explicitamente as ver-ses anteriores, seja abrindo caminhopara a compreenso de aspectos no pri-vilegiados naquelas verses.

    500 anos de educao no Brasil ,pois, uma obra de grande relevncia,pois torna acessvel aos professores dehistria da educao e aos educadores,de modo geral, um conjunto amplo de es-tudos oriundos de investigaes realiza-das nas universidades e nos centros depesquisa de nosso pas. Em tal condio,este livro expressa o significativo desen-volvimento da historiografia atual daeducao brasileira ao mesmo tempo emque d ao conhecimento do pblico al-guns dos importantes resultados j obti-dos. De posse desses resultados os pro-fessores podero elevar, tambm, aqualidade do ensino no apenas da hist-ria da educao mas das demais discipli-nas que, em larga medida, se baseiam noconhecimento histrico para o desenvol-vimento de seus contedos curriculares.

    Dermeval SavianiUniversidade Estadual de Campinas

    SAVIANI, Dermeval, LOMBARDI,Jos Claudinei, SANFELICE, JosLus (orgs.). Histria e histria daeducao: o debate terico-metodo-lgico atual. Campinas: AutoresAssociados: HISTEDBR, 1998.

    Redijo a presente nota de leiturasob o duplo impacto de ter lido e terouvido o livro. Explico: que o livroem referncia uma coletnea de textosapresentados durante o IV SeminrioNacional de Estudos e Pesquisas His-tria, Sociedade e Educao no Brasil,realizado em Campinas, em dezembrode 1997, ao qual assisti. Li o livro, ten-do antes participado do evento.

    O livro consta de uma Apresenta-o, pelos organizadores, uma Introdu-o e trs partes. Na Introduo,Dermeval Saviani (UNICAMP) lamentaque os historiadores, em geral, compoucas excees, no tenham se ocu-pado, com a desejvel acuidade, dasquestes epistemolgicas da histria(p. 9). Retomando Ciro Flamarion Car-doso, Saviani localiza nos paradigmasiluminista e ps-moderno os doisplos do atual embate terico-metodo-lgico nos domnios da histria.Posicionando-se no interior do primeiro,o autor situa no entusiasmo dos jo-vens investigadores da histria da edu-cao pelo segundo, e particularmentepor um dos seus principais nomes,Michel Foucault, parte das atuais difi-culdades na rea. Da a necessidade e aimportncia para a histria da educaode aprofundar o debate epistemolgico.

    A parte um, denominada Ques-tes terico-metodolgicas da histria,abre com o artigo em que EdgarSalvadori de Decca (UNICAMP) fazuma reviso de algumas das mais signi-ficativas propostas da histria comonarrativa, a comear por HaydenWhite e chegando a Edward P.Thompson. Para este ltimo, um mar-xista peculiar com quem de Decca ma-nifesta grande afinidade, a histria herdeira da narratividade. Segundo oautor, o retorno da narrativa alvissareiro para a histria, mas colocaproblemas que exigem ateno. O se-gundo artigo de Jos Carlos Reis(UFMG), que defende a tese de que aEscola dos Annales foi uma espcie derefgio para pesquisadores esgotados

    pelas duas grandes guerras mundiais epelas revolues que, em nome da aspi-rao ao progresso, marcaram a Europano sculo XX: em reao turbulncia,buscaram as permanncias, a longa du-rao, a histria quase imvel das es-truturas renitentes mudana. O tercei-ro artigo dessa primeira parte de JosPaulo Neto (UFRJ e PUC-SP), queaponta para a atualidade do pensamentode Marx na compreenso das leis fun-damentais que regem a economia e asociedade capitalista.

    A parte dois, Questes terico-metodolgicas da histria da educao,comea com um trabalho de Zeila deBrito Fabri Demartini (UNICAMP eUSP), que destaca as relaes entre ascincias sociais e a histria e a contri-buio da histria oral para a pesquisahistrica. Elomar Tambara (UFPel), aseguir, advoga uma posioecumnica contra uma histria da edu-cao feita em remendos. MirianJorge Warde (PUC-SP) defende a inser-o da histria da educao como umahistria de disciplina especfica eaponta a fecundidade da colaboraoentre as cincias sociais e a histria.Fecha esta parte a comunicao de ZaiaBrando (PUC-RJ), que, partindo deum trabalho de Ansio Teixeira sobre aeducao e a cincia, problematiza aidentidade do campo da histria da edu-cao e incorpora ao seu mbito, nummergulho disciplinar, contribuiesde nomes da histria cultural contempo-rnea, como Robert Darnton e CarloGinzburg.

    A parte trs, Questes relativas trajetria da pesquisa em histria daeducao no Brasil, abre com um artigode Jorge Nagle (UNESP), em que sonarrados os caminhos de investigao deseu clssico Educao e sociedade naPrimeira Repblica. A seguir, CarlosRoberto Jamil Cury (UFMG) mostra seuitinerrio desde a preocupao inicialcom uma viso macroestrutural que res-saltasse o contexto histrico e a crticasocial at seu encontro com a pesqui-