Los Juzga un Tribunal, Los Condenamos Todos …Liliana-PaperGT29.pdf · 1 “Los Juzga un Tribunal,...

29
1 Los Juzga un Tribunal, Los Condenamos Todos: Memórias em conflito nos tribunais argentinos 1 Liliana Sanjurjo (UFSCar/UNICAMP/São Paulo) Resumo Há mais de três décadas, familiares de desaparecidos da ditadura militar argentina se engajam em ações políticas para exigir Justiça pelas violações aos direitos humanos cometidas durante a repressão. Com a anulação das leis de anistia em 2005, abriram-se os caminhos legais para a responsabilização penal. Desde então, as narrativas sobre o passado entraram definitivamente em cena (e em disputa) nos tribunais do país. Baseado em etnografia dos “julgamentos de delitos de lesa humanidade” na Argentina, o artigo analisa como vítimas, agentes do Estado acusados de violações e atores judiciais converteram os tribunais em lugar privilegiado para a afirmação de sentidos ao passado ditatorial. Conduzindo uma análise mais “encantada” da política e seu simbolismo (que considera a dimensão afetiva e existencial da ação humana), o intuito é problematizar como a cena judicial vem desempenhando-se como espaço de luta para a produção do saber e verdade sobre a ditadura na Argentina. Palavras-chave: Memória; Ditadura Militar; Direitos Humanos; Política Introdução “No vamos a negociar jamás una pena, una condena. Hace 12 años intentaron hacer la justicia transicional. Esto viene de Sudáfrica, que era que el torturador se siente junto al torturado para decir: “mira, me equivoqué, me dieron órdenes, te torturé, tenemos que olvidar.” Esa es la justicia de amnistía, de perdón y que viene acompañada también de la reconciliación. Tampoco no nos vamos a reconciliar. ¿Por qué tenemos que conciliarnos con el genocida y con el torturador? Que el torturador vaya a la cárcel, pague lo que tiene que pagar por este horror que cometió. Tiene que haber justicia. Y la justicia que decimos es cárcel común a todos los genocidas. La vida y la dignidad de nuestros hijos no se negocian.” 2 Há mais de três décadas, familiares de desaparecidos da ditadura militar argentina (1976-1983) se engajam em ações políticas para exigir “Memória, Verdade e Justiça” pelas violações cometidas durante a repressão 3 . A partir de 2005, com a 1 Trabalho apresentado na 29 a Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. O paper está baseado em etnografia realizada no âmbito de um projeto de doutoramento junto ao PPGAS/IFCH/UNICAMP, com financiamento da FAPESP. Ver Sanjurjo (2013). 2 Depoimento de Nora Cortiñas, integrante de Madres de Plaza de Mayo-Línea Fundadora, registrado em 2 de setembro de 2009 em Buenos Aires. 3 Familiares de Desaparecidos y Detenidos por Razones Políticas, Madres de Plaza de Mayo, Abuelas de Plaza de Mayo e H.I.J.O.S. (Hijos por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio) são

Transcript of Los Juzga un Tribunal, Los Condenamos Todos …Liliana-PaperGT29.pdf · 1 “Los Juzga un Tribunal,...

  • 1

    Los Juzga un Tribunal, Los Condenamos Todos:

    Memrias em conflito nos tribunais argentinos1

    Liliana Sanjurjo (UFSCar/UNICAMP/So Paulo)

    Resumo

    H mais de trs dcadas, familiares de desaparecidos da ditadura militar argentina se

    engajam em aes polticas para exigir Justia pelas violaes aos direitos humanos

    cometidas durante a represso. Com a anulao das leis de anistia em 2005, abriram-se

    os caminhos legais para a responsabilizao penal. Desde ento, as narrativas sobre o

    passado entraram definitivamente em cena (e em disputa) nos tribunais do pas. Baseado

    em etnografia dos julgamentos de delitos de lesa humanidade na Argentina, o artigo

    analisa como vtimas, agentes do Estado acusados de violaes e atores judiciais

    converteram os tribunais em lugar privilegiado para a afirmao de sentidos ao passado

    ditatorial. Conduzindo uma anlise mais encantada da poltica e seu simbolismo (que

    considera a dimenso afetiva e existencial da ao humana), o intuito problematizar

    como a cena judicial vem desempenhando-se como espao de luta para a produo do

    saber e verdade sobre a ditadura na Argentina.

    Palavras-chave: Memria; Ditadura Militar; Direitos Humanos; Poltica

    Introduo

    No vamos a negociar jams una pena, una condena. Hace 12 aos intentaron

    hacer la justicia transicional. Esto viene de Sudfrica, que era que el torturador

    se siente junto al torturado para decir: mira, me equivoqu, me dieron

    rdenes, te tortur, tenemos que olvidar. Esa es la justicia de amnista, de

    perdn y que viene acompaada tambin de la reconciliacin. Tampoco no nos

    vamos a reconciliar. Por qu tenemos que conciliarnos con el genocida y con

    el torturador? Que el torturador vaya a la crcel, pague lo que tiene que pagar

    por este horror que cometi. Tiene que haber justicia. Y la justicia que decimos

    es crcel comn a todos los genocidas. La vida y la dignidad de nuestros hijos

    no se negocian.2

    H mais de trs dcadas, familiares de desaparecidos da ditadura militar

    argentina (1976-1983) se engajam em aes polticas para exigir Memria, Verdade e

    Justia pelas violaes cometidas durante a represso3. A partir de 2005, com a

    1 Trabalho apresentado na 29a Reunio Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

    agosto de 2014, Natal/RN. O paper est baseado em etnografia realizada no mbito de um projeto de

    doutoramento junto ao PPGAS/IFCH/UNICAMP, com financiamento da FAPESP. Ver Sanjurjo (2013). 2 Depoimento de Nora Cortias, integrante de Madres de Plaza de Mayo-Lnea Fundadora, registrado em 2 de setembro de 2009 em Buenos Aires. 3 Familiares de Desaparecidos y Detenidos por Razones Polticas, Madres de Plaza de Mayo, Abuelas de

    Plaza de Mayo e H.I.J.O.S. (Hijos por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio) so

  • 2

    anulao das leis de anistia pela Corte Suprema de Justia, abriram-se os caminhos

    legais para a responsabilizao penal de agentes do Estado acusados de violaes aos

    direitos humanos. Desde ento, as narrativas sobre o passado de violncia entraram

    definitivamente em cena (e em disputa) nos tribunais do pas. Seguindo uma tendncia

    de crescente judicializao da poltica, processo observado em diversos outros

    contextos nacionais, os tribunais federais argentinos se transformaram em palco dos

    embates pelas memrias da ditadura no pas.

    Com base em etnografia realizada em audincias dos chamados julgamentos de

    delitos de lesa humanidade na Argentina, o meu objetivo neste artigo problematizar

    como familiares de desaparecidos polticos, sobreviventes da represso, atores judiciais

    e agentes do Estado acusados de violaes, por meio das narrativas que enunciam,

    converteram os tribunais em lugar privilegiado para a afirmao de sentidos ao passado

    ditatorial: em disputa esto os projetos polticos, as palavras, as condutas e a moral de

    vtimas e acusados, assim como em questo esto a legitimidade dos julgamentos e a

    validade dos princpios jurdicos aplicados. Conduzindo uma anlise mais encantada

    da poltica e seu simbolismo que considera a dimenso afetiva e existencial da ao

    humana (significados, emoes, o sagrado, moralidades) (Verdery, 1999)4 , o meu

    intuito analisar como a cena judicial vem desempenhando-se como espao de luta para

    a produo do saber e da verdade sobre a ditadura no espao nacional argentino.

    Entre a Verdade Jurdica e a Verdade Histrica

    Abertos os caminhos para a responsabilizao penal, o movimento de familiares

    de desaparecidos viu nos julgamentos orais e pblicos uma oportunidade nica para a

    determinao da Verdade sobre a represso. Iniciadas as audincias judiciais, tal

    considerao parece valer no apenas para sobreviventes e familiares das vtimas, mas

    tambm para acusados, advogados, procuradores e juzes. No presente nacional, a cena

    organizaes de direitos humanos integradas por familiares de desaparecidos da ditadura militar

    argentina, definidas como organizaes dos diretamente afetados pelo terrorismo de Estado. 4 Verdery (1996, 1999) prope ampliar o vis analtico da teoria da ao racional a fim de desenvolver

    uma anlise da poltica que considere a dimenso afetiva e existencial da ao humana. Tal abordagem

    permite ver a transformao poltica como algo alm de um processo tcnico, abarcando o campo dos

    significados, das emoes, do sagrado, das moralidades, do no racional. De uma perspectiva

    antropolgica, torna-se ainda pertinente analisar a poltica como categoria mica, revelando os sentidos que os sujeitos atribuem s experincias que eles mesmos entendem como polticas, assim como [...]

    examinar as relaes que indivduos e grupos estabelecem com a histria, com formas de agir e sentir

    identificadas com geraes anteriores, associadas a tradies (Neiburg, 1995, p. 121).

  • 3

    judicial vem desempenhando-se como locus central de produo do saber e da verdade

    sobre a ditadura. Pode-se assim dizer que, na primeira dcada do sculo XXI, o campo

    jurdico converteu-se na Argentina em um dos mais importantes espaos de luta pela

    afirmao de sentidos ao passado ditatorial.

    Para os familiares de desaparecidos, a funo simblica dos julgamentos

    transmitir memrias, bem como atribuir um sentido ao ocorrido. Agustn Cetrangollo,

    filho de desaparecido e militante de H.I.J.O.S., considera os julgamentos uma instncia

    de reparao para familiares e sobreviventes. Ressalta tambm que os julgamentos aos

    genocidas servem como um instrumento para julgar o modelo poltico, econmico e

    social implantado pelos militares. Portanto, mais do que determinar a pena e o

    castigo, o ritual do julgamento penal cumpriria o papel de difundir valores sociedade e

    de consolidar uma memria pblica sobre a ditadura. Da a importncia de publicizao

    dos mesmos e a necessidade de respeitar o carter pblico das audincias orais. Alm de

    impulsionar estas causas judiciais, o movimento de familiares de desaparecidos vem

    promovendo uma ampla campanha para a sua difuso.

    No decorrer do debate oral, ao mesmo tempo em que o desaparecimento forado

    ganha uma definio jurdica (crime de lesa humanidade), familiares, sobreviventes,

    procuradores e advogados buscam o reconhecimento social das vtimas do terrorismo de

    Estado. Por meio de seus testemunhos, procuram afirmar as identidades polticas dos

    desaparecidos (em contraposio ao que ocorreu durante o Julgamento s Juntas

    militares em 1985, quando as histrias de militncia foram intencionalmente omitidas).

    Essa novidade deve-se tanto a uma estratgia da acusao (como discutirei logo adiante)

    quanto a uma necessidade que familiares e sobreviventes possuem de valorizar as suas

    prprias trajetrias polticas, como tambm dos desaparecidos.

    Vale salientar que a poltica que envolve a mobilizao da figura dos detenidos-

    desaparecidos beneficiada por uma aura de santidade, que se presume que os mortos

    tenham, e pela re-sacralizao da ordem poltica que os mesmos sustentaram, como

    sugere Verdery (1999). Tal sacralizao aponta para uma qualidade particular dos

    mortos enquanto smbolos polticos: funcionam como catalisador de emoes no campo

    poltico, estabelecendo conexes com o sagrado. A sua auto-referencialidade mobiliza

    afetos preexistentes, evoca sentimentos de perdas pessoais ou a identificao com

    aspectos especficos da biografia da pessoa morta. No caso dos detenidos-

  • 4

    desaparecidos, essa qualidade potencializada por uma trajetria que os associa a idia

    de desaparecimento simblico, sofrimento e vitimizao.

    Nessa direo e retomando as proposies de Durkheim (1972) sobre a relao

    entre a moral e os sentimentos, Vianna (2005) argumenta que, no contexto das

    audincias judiciais, o reconhecimento do sofrimento do outro como algo capaz de

    motivar ou justificar uma ao revela tanto a produo de uma leitura do sujeito sobre si

    mesmo (colocada em termos morais), quanto organiza as formas pelas quais esse ato

    deveria ser lido por outros. Dessa perspectiva, os embates morais (ou entre moralidades)

    que ali se do devem ser compreendidos como enunciados socialmente demarcados pelo

    sentido moral das aes dos prprios agentes e daqueles com que esto postos em

    relao. Os sentimentos expressados (raiva, frustrao, angstia, tristeza, sofrimento),

    atravs de sua exposio e reflexo, constituem e compem moralidades, funcionando

    como armas para disputas e afirmao de memrias e verdades.

    Portanto, nos tribunais, as emoes cumprem um papel persuasivo e ttico

    (Bailey, 1993) na medida em que ajudam a legitimar ou deslegitimar aqueles que as

    expem. Como aponta Das (1995), a encenao das memrias e a dramatizao pblica

    do sofrimento privado no mbito jurdico impe sociedade a necessidade de

    reconhecer as mentes e os corpos das vtimas, ao passo que coloca em debate a questo

    da culpa e da responsabilizao. Desde que as sociedades contemporneas investiram o

    poder judicial de autoridade para pronunciar a Verdade, os tribunais tornaram-se um

    espao bastante apropriado para essa encenao.

    Segundo afirmam familiares e ativistas, seus testemunhos (filmados e

    documentados nas audincias) conformam um material valioso para a construo da

    memria coletiva. As sentenas judiciais atribuem legitimidade s suas memrias,

    permitindo que assim sejam reconhecidas socialmente. Alm disso, o espao do tribunal

    vem constituindo-se como lugar de homenagem s vtimas. Atos so organizados em

    frente aos tribunais, principalmente nos dias de incio ou trmino dos julgamentos.

    Alguns familiares comparecem assiduamente s audincias, pois entendem ser essa uma

    forma de tornar os desaparecidos presentes e de agradecer todos aqueles que aceitaram a

    dolorosa tarefa de prestar testemunho.

    As audincias judiciais funcionam, desta forma, como um ritual para a

    rememorao dos desaparecidos e para o reconhecimento de suas identidades polticas.

    Na ante-sala, aps longos anos, reencontros emocionados se produzem entre pessoas

  • 5

    que compartilharam a militncia poltica em anos ditatoriais. O pblico est integrado

    majoritariamente por familiares, sobreviventes, ativistas de direitos humanos e

    jornalistas. Tal como observou Arendt (2008a) em sua anlise sobre o julgamento de

    Eichmann em Jerusalm, a maior parte do pblico ali presente j conhece tudo o que h

    para saber e no precisa daquele julgamento para tirar suas prprias concluses sobre o

    que sucedeu no passado. Ainda assim, familiares e sobreviventes consideram o

    julgamento um ato simblico de reparao por crimes que, a partir do momento em que

    foram definidos pelas normativas internacionais como de natureza imprescritvel,

    impem como dever o ato de memria.

    Parece-me assim sugestiva a idia de analisar esses julgamentos como rituais na

    medida em que se constituem como [...] tipos especficos de eventos, mais

    formalizados e estereotipados e, portanto, mais suscetveis anlise porque j

    recortados em termos nativos [...] h uma ordem que os estruturam, um sentido de

    acontecimento cujo propsito coletivo, e uma percepo de que eles so diferentes

    (Peirano, 2001, p. 8). O drama do desaparecimento forado e da tortura reencenado

    narrativamente ao longo do testemunho judicial, podendo ser assim analisado como ato

    performativo (Turner, 1974 e 1985) com poder no apenas de argumentao, no

    sentido da organizao racionalizada dessa memria e de seu uso para um objetivo

    concreto, mas tambm de trazer ritualmente cena o j vivido, de modo que possa ser

    partilhado de forma alegrica tambm pelos demais presentes (Vianna, 2005, p. 37).

    Logo, nesses julgamentos-rituais, as disputas pelo reconhecimento de uma

    verdade jurdica sobre a ditadura revelam como o campo jurdico pode afetar as

    relaes de poder e ampliar as prticas sociais de memria. Em 2007, desde que as

    anistias haviam sido anuladas na Argentina5, era pronunciada a primeira sentena contra

    agentes do Estado responsveis pelo desaparecimento de pessoas durante a ditadura.

    Nela, o juiz Carlos Rozanski definiu a represso como um genocdio, deciso que foi

    considerada uma sentena histrica pelo movimento de familiares, que celebrou o fato

    do tribunal ter validado a sua prpria interpretao sobre o que ocorrera em anos

    ditatoriais: um genocdio perpetrado por razes polticas.

    Vale salientar que a questo de como tipificar o sucedido deve-se menos a um

    problema de variao da pena pois os responsveis j esto sendo condenados com a

    5 Para um histrico das leis, decretos, processos judiciais e anistias referentes aos fatos da ditadura na

    Argentina, ver Rafecas (2011), Slepoy (2011), Verbitsky (2011) e Yanzon (2011).

  • 6

    pena mxima permitida pelo ordenamento jurdico (a priso perptua) do que com a

    inteno de afirmar juridicamente que tais delitos foram cometidos num marco social

    especfico: o contexto dos massacres massivos e da utilizao de uma tecnologia de

    poder na qual a negao do outro encontra o seu ponto limite (o desaparecimento

    fsico e simblico da pessoa).

    Haveria assim por parte do movimento de familiares uma vontade de

    categorizao (genocdio, terrorismo de Estado), que se articula no campo jurdico com

    a idia de produo de um discurso de verdade. Diversos atores sociais encontram-se

    empenhados em introduzir a figura do genocdio nas resolues judiciais relacionadas

    aos crimes da ditadura, trazendo para o mbito judicial a referncia ao genocdio

    argentino tal como aparece na vida social. Alguns dos prprios atores judiciais

    coincidem com essa proposta:

    [] reconocer que en la Argentina tuvo lugar un genocidio es una necesidad

    tica y jurdica. Ello por cuanto hace la relacin inseparable del derecho y la

    verdad. [] en materia de juzgamiento de delitos de lesa humanidad, el

    reconocimiento de una verdad histrica, como las violaciones masivas a los

    derechos humanos, adquiere una importancia decisiva para la construccin de

    la memoria colectiva (Rozanski, 2011, p. 185).

    Em face da restrio dos grupos polticos da jurisprudncia internacional,

    alguns procuradores e advogados querelantes vm procurando argumentar que na

    Argentina ditatorial o Estado teria praticado o aniquilamento sistemtico de uma parte

    significativa do grupo nacional6. A represso no ocorrera de maneira indiscriminada,

    mas antes se dirigiu a um grupo social previamente definido, integrado por indivduos

    que, de alguma maneira, foram considerados um obstculo para a implantao do

    projeto poltico-econmico pretendido pela ditadura. Assim o fez, por exemplo, a

    advogada Mirta Mantaras, em setembro de 2009, em sua alegao na Causa I Cuerpo

    6 A Conveno para a Sano e Preveno do delito de Genocdio das Naes Unidas, aprovada em

    1948, excluiu de sua aplicao os grupos polticos, definindo o genocdio como: todo ato perpetrado

    com a inteno de destruir, total ou parcialmente, a um grupo nacional, tnico, racial ou religioso. Essa

    excluso seria questionada nos anos 1980 pelo Informe Whitaker, pelos escritos do juiz espanhol Baltazar

    Garzn acerca das ditaduras latino-americanas e pelas anlises sobre os tribunais penais internacionais

    para os genocdios nos Balcs e em Ruanda. A crtica dirigia-se incluso dos grupos polticos no marco da Conveno a fim de abarcar os massacres massivos cometidos contra grupos definidos em termos

    polticos. Para uma anlise sobre o Informe Whitaker e sobre os escritos de Baltazar Garzn, ver

    Feierstein (2007).

  • 7

    del Ejrcito. O procurador Alejandro Alagia, que atuou na Causa ABO7, tambm se

    posicionaria a favor dessa definio (genocdio), argumentando que os fatos do processo

    (assassinatos em massa) no estavam previstos no cdigo penal. Por isso, a importncia

    desses julgamentos para fomentar a luta pelo sentido e para a atribuio de um

    significado verdadeiro ao sucedido.

    Embora nesses julgamentos existam diferenas entre os argumentos

    apresentados pelas acusaes, procuradores e advogados querelantes coincidem em

    caracterizar a represso como um plano sistemtico de tortura e extermnio, elaborado e

    executado pelo Estado contra um grupo social especfico, definido segundo critrios

    polticos. Tal caracterizao busca tanto defender a necessidade de contemplar os

    grupos polticos na figura do genocdio quanto afirmar um sentido particular ao

    sucedido. Da que uma das estratgias utilizadas atualmente pelas acusaes seja

    explicitar a identidade poltica das vtimas.

    No decorrer das audincias da Causa ABO, os advogados querelantes e o

    procurador pediram s testemunhas que falassem sobre a sua histria de militncia

    poltica (como tambm dos desaparecidos), tanto para qualificar os fatos da represso

    como um genocdio contra um grupo poltico quanto para defender os sobreviventes

    das perguntas dos advogados de defesa (que procuravam deslegitim-los moralmente

    denunciando suas atividades terroristas). Argumentavam que a ditadura militar havia

    perpetrado um plano sistemtico de extermnio contra seus inimigos (definidos

    politicamente) com o objetivo de reorganizar poltica e culturalmente a nao. Uma

    das advogadas utilizou o termo massacres administrativos, termo cunhado por Arendt

    (2008a e 2008b), para referir-se ao carter rotineiro e burocrtico do extermnio. Em sua

    alegao, proferida em novembro de 2010, o procurador Alagia selecionou alguns dos

    testemunhos para discorrer sobre as torturas infringidas contra os sequestrados. Tipicou

    essas condutas aberrantes como crimes de lesa humanidade e enfatizou a

    continuidade delitiva do desaparecimento forado (reiterando, com isso, a sua

    imprescritibilidade), mesmo argumento utilizado pelos procuradores Guillermo Friele e

    Felix Croux nas Causas Automotores Orletti e Vesubio, respectivamente.

    Mesmo que as acusaes busquem comprovar o carter massivo dos crimes que

    so objeto desses processos penais, a responsabilizao aparece de forma

    7 Tratava-se uma causa que investigou os crimes cometidos em trs centros clandestinos de deteno de

    Buenos Aires (Club Atltico, Banco e El Olimpo), que funcionaram como um circuito repressivo, sob

    controle do I Corpo do Exrcito, entre os anos de 1976 e 1979.

  • 8

    individualizada, assim como as causas so estruturadas pela somatria de delitos

    individuais (privao ilegtima da liberdade, tortura, homicdio, estupro, apropriao de

    menores) contra pessoas tambm particulares, uma vez que o crime de genocdio no

    encontra tipificao no cdigo penal argentino. Tendo isso em vista, uma parte dos

    procuradores e advogados querelantes requer a presena de uma norma que permita

    introduzir o genocdio no ordenamento jurdico. Defendem ainda que esses processos

    penais sejam organizados circuitos repressivos, tanto para racionalizar os julgamentos

    (evitando a abertura de inmeras causas individuais) quanto para evitar que as vtimas

    sejam convocadas a prestar infinitas declaraes testemunhais.

    Por outro lado, a advogada e militante de H.I.J.O.S., Ana Oberln, destacaria a

    complexidade destes processos penais devido quantidade de vtimas e acusados,

    questo do limite biolgico (acusados e testemunhas j falecidos ou com problemas

    de sade), bem como sua repercusso social. Existiria ainda uma enorme dificuldade

    em reunir provas trinta anos depois de transcorridos os eventos. O objeto da

    investigao consiste justamente em um sistema clandestino de represso, que se

    preocupou em manter suas operaes ilegais da forma mais secreta possvel, dispondo,

    para tanto, de uma srie de mecanismos para assegurar a impunidade dos responsveis

    vedao das vtimas, utilizao de codinomes por parte dos repressores, destruio e

    ocultamento de corpos, locais de deteno, arquivos e documentao.

    Por isso, cobra fora nesses processos penais a importncia dos arquivos

    vivos. So as memrias de familiares e sobreviventes que se constituem como a

    principal prova para a demonstrao de crimes cometidos na mais absoluta

    clandestinidade. Procuradores e advogados querelantes buscam salientar essa

    particularidade e, ao alegar sobre a dificuldade de recoleo de evidncias materiais,

    pedem aos juzes especial considerao pelos testemunhos das vtimas e seu

    reconhecimento como provas criminais legtimas. Procuram incorporar ao processo

    todo tipo de prova, tais como os arquivos da CONADEP8, livros de autocrtica de

    membros das foras repressivas, literatura de testemunho, material de imprensa e,

    quando possvel, o prprio corpo delito.

    Em suma, o que parece colocar-se nesses julgamentos to particulares a

    possibilidade de determinar a verdade jurdica em condies no convencionais de

    8 A Comisin Nacional sobre la Desaparicin de Personas (CONADEP) foi criada, em dezembro de

    1983, com o objetivo de reunir testemunho e documentos e redigir um informe final relatando as

    violaes cometidas durante a ditadura. Ver Conadep (2009).

  • 9

    exerccio das regras da prova. Na ausncia do flagrante delito ou de evidncias

    materiais, recorre-se ao inqurito, procedimento que convoca todos que podem, sob

    juramento, garantir que viram e que sabem. So os testemunhos daqueles considerados

    capazes de saber seja por sua sabedoria (testemunhas de conceito) seja por ter

    presenciado o acontecimento (testemunhas presenciais) que permitem determinar se

    algo realmente aconteceu. Ao converter-se num procedimento legtimo de autenticao

    e transmisso da verdade, o inqurito constitui-se como uma forma poltica de exerccio

    do poder9.

    Nos julgamentos de delitos de lesa humanidade na Argentina a enunciao da

    verdade deriva, sobretudo, de um conhecimento de ordem retrospectiva, pautado no

    testemunho, um saber produzido por meio do inqurito e da lembrana, o que revela o

    peso da memria das vtimas no processo de construo da verdade jurdica. Suas

    memrias sustentam a prtica jurdica, ao passo que produzem o saber sobre a ditadura.

    E se as audincias orais levam ritualizao do sucedido atravs das narrativas

    daqueles que sabem, que viram ou que viveram em carne prpria , o tribunal

    transforma-se em espao no apenas para a afirmao da verdade, mas tambm para o

    seu questionamento. Em disputa esto as palavras, as condutas e a moral de vtimas,

    acusados, procuradores e juzes, assim como em questo esto a legitimidade do prprio

    julgamento e a validade dos princpios jurdicos aplicados.

    Pela Memria, Verdade e Justia: testemunhos de sobreviventes

    Como na tragdia de dipo-Rei, a idia de que a testemunha, mediante a

    enunciao da verdade, pode vencer os poderosos e de que o povo, atravs do processo,

    conquista o direito de julgar quem o governa (Foucault, 1996), parece estar no centro

    das consideraes de sobreviventes e familiares de desaparecidos da ditadura argentina.

    O ato de testemunhar e de exigir Justia colocou-se como um dever, quando em tempos

    ditatoriais familiares saram a denunciar os sequestros e sobreviventes apareceram para

    narrar, em primeira pessoa, a experincia do horror vivida nos centros clandestinos de

    deteno. Como aponta Agamben (2008), se mrtir a palavra grega para testemunha,

    9 Como analisa Foucault (1996), as prticas judicirias estabelecem diversos procedimentos de pesquisa

    da verdade, que definem formas racionais da prova e da demonstrao (como produzir a verdade, em que condies, de que forma observar e quais regras aplicar). As prticas judicirias incluem ainda a arte

    de persuadir, [...] de convencer as pessoas da verdade do que se diz, de obter vitria para a verdade ou,

    ainda, pela verdade (Foucault, 1996, p. 54).

  • 10

    termo que deriva do verbo recordar, a vocao do sobrevivente no pode ser outra seno

    a da memria. Enquanto alguns se calam diante de uma lembrana que se sente

    insuportvel, outros percebem no encarceramento o centro de suas vidas, como coloca

    Primo Levi (1990). Estes ltimos consideram-se testemunhas de algo que os desautoriza

    esquecer e silenciar, pois so fatos com uma dimenso muito maior do que o da prpria

    existncia.

    Para muitos aparecidos-sobreviventes e familiares de desaparecidos da ditadura

    argentina, a memria converteu-se em um bem e um dever, ao passo que se lhes

    apresenta como uma necessidade jurdica, moral e poltica (Sarlo, 2007). Se as

    autoridades militares silenciavam, ocultavam ou negavam o ocorrido, as narrativas dos

    afetados impuseram-se como a matria-prima para a construo da memria sobre o

    passado ditatorial. Passadas mais de trs de dcadas de luta pela memria, suas vozes

    manifestam-se novamente como uma necessidade. Desta vez, seus testemunhos

    conformam a base das provas dos julgamentos penais e servem de fundamento para a

    determinao da verdade jurdica sobre a ditadura. O testemunho no tribunal

    transforma-se assim num ato para o reconhecimento das vtimas e de suas palavras.

    Alguns se apresentam como parte querelante e se dirigem espontaneamente ao tribunal,

    pois fizeram do testemunho e da demanda por Memria, Verdade e Justia um

    compromisso existencial e poltico. Outros comparecem receosos, com medo de sofrer

    represlias ou de ver suas condutas passadas submetidas a julgamento moral.10

    Graciela Daleo, uma sobrevivente da ESMA11

    que integra a Asociacin de Ex

    Detenidos-Desaparecidos, converteu a memria numa obrigao. Ex-militante da

    organizao Montoneros, ela trabalha para impulsionar as Causas de Direitos Humanos

    e vem testemunhando desde os anos 1980. Graciela afirma que a sua sobrevivncia se

    traduziu no compromisso de narrar o que viveu e defende a necessidade de reconhecer o

    lugar simblico das condenaes penais, assim como do Direito como um espao de

    luta poltica. Em seus testemunhos, Graciela empenha-se em desconstruir o estigma

    que, ainda hoje, pesa sobre os sobreviventes dos centros clandestinos de deteno

    argentinos.

    10 O receio em testemunhar no seria infundado, sobretudo aps o desaparecimento de Jorge Julio Lpez.

    Lpez, que havia sobrevivido ao cativeiro durante a ditadura, desempenhava-se como uma das principais

    testemunhas de uma causa contra um repressor na cidade de La Plata. Ele voltaria a desaparecer em setembro de 2006; dessa vez, em pleno regime democrtico e definitivamente. 11 A Escuela Mecnica de la Armada (ESMA), localizada em Buenos Aires, foi um dos principais centros

    clandestinos de deteno da ditadura militar argentina.

  • 11

    El balurdo que nosotros cargamos sobre las espaldas tambin fue ste: si ests

    vivo por algo ser...; si conts el horror lo multiplics, si te lo calls, qu sos?,

    un servicio porque no lo decs?, y adems ests quitando la posibilidad de

    la construccin de la verdad y la lucha por la justicia. [] todas estas cosas

    confluyen en la cuestin de que el campo de concentracin era la muerte, de all

    slo poda salir la muerte, o sea, nadie (Daleo, 2001, p. 109).

    Cabe salientar que uma das vozes mais negadas durante as dcadas de 1980 e

    1990 na Argentina foi a dos sobreviventes. Em contraposio heroicidade e inocncia

    atribudas aos detenidos-desaparecidos que nunca regressaram, sobre essa minoria de

    aparecidos-sobreviventes recaiu o estigma de colaboradores, delatores, cmplices ou

    traidores, processo atrelado confuso de papis entre vtimas e algozes dentro dos

    centros clandestinos de deteno. Junto ao sentimento de culpa pela sobrevivncia (por

    algo ser sobreviveu), aos aparecidos restou o silncio. Enquanto os familiares podiam

    narrar e interpretar o que sucedera, aos sobreviventes s lhes era permitido relatar as

    vexaes corporais sofridas durante o cativeiro. Como forma de proteger o lugar de

    vtima to penosamente conquistado, no havia escuta possvel para qualquer referncia

    s suas trajetrias de militncia poltica (como tambm no havia para os detenidos-

    desaparecidos). Foi somente no final da dcada de 1990 que os sobreviventes

    comeariam a aparecer, expondo outras narrativas sobre o passado e afirmando o seu

    lugar enquanto representantes de uma gerao e de um projeto poltico que foi alvo da

    represso.

    A questo do colaboracionismo e da culpa revela-se como um tema clssico da

    literatura sobre os sobreviventes dos campos de extermnio nazistas, como aponta

    Agamben (2008). Primo Levi (1990), ele mesmo um sobrevivente, refletiu de maneira

    primorosa sobre a questo. O autor afirmaria que essa zona cinzenta, habitada pelos

    prisioneiros privilegiados ou prisioneiros-funcionrios, teria sido suficiente para

    confundir a necessidade dos internos de julgar, ao passo que era demonstrativa do

    processo de perda de autonomia do povo judeu, como ironizou Arendt (2008a). Essa

    atmosfera de confuso e de suspeita gerada entre os sequestrados aparece nos relatos de

    inmeros sobreviventes na Argentina, principalmente daqueles oriundos da ESMA.

    Com muita lucidez, alguns aparecidos procuram inverter esse processo de

    transferncia da culpa dos perpetradores para as vtimas. Ao mesmo tempo em que

    narram sobre o trato desumano que receberam no cativeiro, os sobreviventes querem

    demonstrar como jamais estiveram em condio de decidir (nem mesmo sobre a prpria

  • 12

    vida ou morte). E se foram propositalmente alocados nessa zona cinzenta da

    sobrevivncia foi para gerar suspeitas, propagar o terror12

    e impedir qualquer

    solidariedade entre os sequestrados: [...] compromet-los carreg-los de crimes,

    manch-los de sangue, exp-los tanto quanto possvel: assim contraem com os

    mandantes o vnculo da cumplicidade e no mais podem voltar atrs (Levi, 1990, p.

    21).

    Apesar de acusados, julgados e constantemente forados a justificar-se, so os

    sobreviventes (mais do que os familiares) que podem melhor contribuir para a

    reconstruo da face mais secreta da represso. Nas audincias judiciais, eles se

    esforam para transmitir o que viram e viveram nos centros clandestinos, mas tambm

    para conferir legitimidade s suas narrativas. Em sua declarao no Julgamento as

    Juntas Militares, Graciela Daleo quis enfatizar a enorme distncia existente entre

    repressores e sequestrados que, como forma de negociar a sobrevivncia, haviam

    desempenhado diversos tipos de tarefa no cativeiro.

    Em outubro de 2010, no mbito da Causa ESMA, a sobrevivente Mara Milesi

    iniciaria o seu relato identificando-se como uma ex militante da Juventud Peronista. Ela

    ento contou sobre a sua condio fsica e psquica durante o cativeiro, sobretudo

    quando viu seu filho (que tinha apenas quatro meses de vida) ser levado para uma das

    sesses de tortura. Disse que permaneceu isolada, vendada e algemada durante meses,

    at ser levada para trabalhar no subsolo da ESMA, onde cumpriria com muita culpa a

    tarefa de falsificar documentos. Procurando culpabiliz-la pela sobrevivncia, os

    advogados de defesa questionaram se ela saberia explicar por que havia sido liberada ou

    levada para trabalhar no escritrio de falsificao. De forma incisiva, Mara respondeu

    que no existira nenhuma lgica naquele lugar e que a inteno era enlouquecer,

    quebrar e romper com qualquer lao de confiana entre os prisioneiros. Mara

    finalizaria o seu depoimento afirmando que o seu testemunho significava uma dolorosa

    volta ao passado, mas que reconhecia a sua importncia para a luta por Justia.

    Vale aqui relevar, seguindo Pollak (2006), as particularidades do testemunho

    produzido no mbito judicial. Trata-se, em primeiro lugar, de um protocolo formalizado

    (nmero de ata, nmero do processo, data e hora de chegada da testemunha, seu nome,

    data de nascimento, profisso, etc.). Em segundo lugar, esses testemunhos somente

    12 Sobre a relao entre narrativa, violncia e dominao, Taussig (1983, 1995) afirma que as culturas do

    terror se nutrem do silncio, do rumor, da fantasia e do mistrio, ao passo que, paradoxalmente, o algoz

    precisa da vtima para produzir verdade, objetivando suas fantasias no discurso do outro.

  • 13

    podem acontecer aps a clssica frmula jurdica a testemunha jura que as

    declaraes ditas correspondem a verdade. A testemunha est, portanto, sujeita a

    penalizaes. Alm de submetidas a esse tipo de coao, o testemunho judicial

    encontra-se determinado pelo destinatrio que o solicitou e restrito a um nmero

    limitado de acontecimentos em resposta a perguntas precisas.

    Em uma das audincias da Causa ESMA, por exemplo, realizada em outubro de

    2010, ficou ntido o incmodo da sobrevivente Mara Adela Pastor quando foi lembrada

    pelo tribunal de que poderia ser penalizada em at dez anos de priso caso mentisse. Ela

    tambm se viu obrigada a responder se possua algum interesse especial sobre pessoas

    que eram parte do processo (vtimas ou acusados). Aps esse constrangimento inicial,

    ela foi submetida a um longo interrogatrio sobre as condies dela e de seu

    companheiro Jorge Caffati (ainda desaparecido) durante o cativeiro. Ao final de sua

    declarao, fez questo de afirmar que tinha sido uma militante popular peronista e

    que se sentia orgulhosa de ter lutado por justia social e liberdade.

    Observa-se assim como, no contexto do tribunal, o testemunho torna-se

    fragmentado tanto pelo procedimento judicial quanto pelas perguntas de advogados,

    procuradores e, eventualmente, juzes. Antes de tudo, o testemunho deve transformar-se

    na evidncia de um crime. Por isso, a testemunha tende a desaparecer atrs dos fatos do

    processo, j que se trata de estabelecer a verdade. Como analisa Pollak (2006), as

    declaraes levam assim a marca dos princpios da administrao da prova jurdica:

    limitao ao objeto do processo, eliminao de elementos considerados externos, de

    modo que se possa oferecer uma perspectiva justa e verdadeira sobre a realidade.

    O depoente deve assim conter suas emoes (mesmo diante das narraes mais

    dolorosas e privadas), ao passo que v a sua memria sob constante questionamento,

    quando no o v a sua prpria legitimidade como testemunha sobretudo os

    aparecidos-sobreviventes, considerados testemunhas suspeitas e politicamente

    interessadas.

    Durante as audincias da Causa ABO e Causa ESMA, no apenas advogados

    defensores, mas tambm o pblico de familiares e sobreviventes colocariam em questo

    a credibilidade e a moral das testemunhas. J as defesas, alm de demandarem a

    apresentao de evidncias materiais, exigiam dos sobreviventes que diferenciassem

    nitidamente os fatos que realmente haviam presenciado dos fatos que haviam

    reconstrudo atravs de fontes ou narraes alheias. Exigir que as testemunhas no

  • 14

    tivessem conversado entre si ou que suas memrias no tivessem sofrido com a

    influncia do tempo e dos relatos que leram e escutaram como procuraram alegar as

    defesas na Causa ABO seria como decretar a impossibilidade desses julgamentos.

    Passados mais de trinta anos dos eventos que so objeto desses processos penais,

    as vtimas se organizaram em coletivos para intercambiar, denunciar e produzir

    informao; contaram, escreveram e publicaram suas memrias, assim como se

    dispuseram a todo tipo de suporte que pudesse comportar suas memrias. Alm do

    mais, dificilmente suas declaraes poderiam limitar-se ao objeto dos processos ou

    gozar da devida iseno poltica, como estabelece a norma jurdica. Na medida em

    que as audincias orais e pblicas (atravs do ato de testemunhar) so concebidas como

    uma instncia de reparao para familiares e sobreviventes (conforme acordado entre

    afetados, executivo e judicirio), tornou-se inevitvel que as vtimas no transformem o

    seu dia de Corte numa ocasio para colocar (publicamente e diante dos acusados) suas

    consideraes sobre a poltica ou para afirmar no puderam nos quebrar, no nos

    derrotaram.

    Se em 1985, no Julgamento as Juntas Militares, os sobreviventes precisaram

    ocultar suas identidades polticas ou explicar porque haviam sido sequestrados (e

    tambm sobrevivido), a partir de 2005, os tribunais converteram-se em momento

    privilegiado para a afirmao de suas militncias polticas13

    . Cabe problematizar ento

    as condies que fazem possvel o testemunho, assim como revelar as coaes

    estruturais que esto na origem do silncio, como sugere Pollak (2006). Enquanto nos

    anos 1980 os sobreviventes estavam sujeitos ao processamento penal por aes

    terroristas, e sobre eles recaa a responsabilizao pelo massacre e o estigma de

    colaboradores, atualmente reconhece-se, em grande medida, o seu lugar como

    militantes de uma causa justa e a importncia de seus relatos para a construo da

    memria.

    Os testemunhos de familiares e sobreviventes nesses julgamentos traduzem a

    vontade dos mesmos de tornar pblica a palavra, ao passo que revelam um contexto que

    os autoriza a expressar suas militncias por meio de narrativas centradas em certos

    personagens e acontecimentos. Suas memrias se vem, desta forma, dotadas de uma

    esfera de interesse ampliada, interesse que varia de acordo com a notoriedade da pessoa

    13 Para uma discusso sobre a despolitizao do relato sobre a ditadura durante o julgamento s Juntas

    militares, ver Crenzel (2008), Feld (2002) e Jelin (2008).

  • 15

    e da sua valorizao enquanto testemunha legtima e impoluta. Tal processo revela

    ainda um contexto de grande desprestgio daqueles que participaram da represso ou

    que procuram justific-la.

    Nas audincias judiciais, algumas vtimas so consideradas testemunhas

    exemplares, tais como as lideranas do movimento de familiares de desaparecidos ou os

    sobreviventes que puderam alcanar um observatrio privilegiado dentro dos centros

    clandestinos (sem que com isso perdessem o seu atributo de vtima impoluta).

    Principalmente os testemunhos daqueles que foram destacados militantes polticos

    gozam de um interesse especial por parte do pblico e das acusaes, no s porque

    disporiam de ferramentas para interpretar politicamente o que viram, mas tambm

    porque (como ex-combatentes) vem no testemunho um ato de guerra contra o

    fascismo e a injustia, a favor da memria.

    Assim ocorreu durante a declarao de Jaime Dri, sobrevivente da ESMA e um

    conhecido militante peronista da organizao Montoneros. A sua notoriedade deve-se

    tanto ao fato de ser o nico sequestrado da ESMA que conseguiu fugir (e sobreviver

    fuga) quanto ao fato de sua histria ter se transformado num dos mais clebres

    romances de testemunho do contexto ps-ditatorial argentino14

    . Dri viria especialmente

    do Mxico (pas onde reside desde que se exilou) para declarar na Causa ESMA em

    dezembro de 2010, num dia em que a platia era visivelmente mais numerosa do que o

    habitual. Ele encerraria o seu testemunho demandando a Verdade sobre o destino de

    cada um dos detenidos-desaparecidos e proferindo um discurso inflamado sobre o papel

    da juventude no proceso poltico de liberacin.

    Fica patente como a poltica ocupa o centro das consideraes de vtimas e

    acusados nesses julgamentos. O conflito poltico passado se v reatualizado e

    ritualizado nos tribunais argentinos por meio das memrias daqueles que se enfrentaram

    em tempos ditatoriais. Enquanto sobreviventes e familiares de desaparecidos buscam

    destacar a qualidade moral das vtimas do terrorismo de Estado e afirmar um sentido

    ao sucedido (genocdio por razes polticas, terrorismo de Estado), os imputados

    tambm usam o seu dia de Corte para reivindicar uma Memria Completa e ressaltar

    o valor de seus combatentes nessa guerra travada pelo bem maior da nao. Desta

    forma, os rus buscam oferecer uma memria alternativa sobre a ditadura, justificar suas

    aes, ao passo que colocam em questo os processos penais em curso.

    14 Trata-se do livro Recuerdos de la Muerte de Miguel Bonasso (1984).

  • 16

    Por uma Memria Completa: a narrativa militar

    H tempos as autoridades militares argentinas vm servindo-se de duas

    categorias, que desempenham papel proeminente na jurisprudncia dos julgamentos de

    criminosos de guerra, para justificar moralmente a represso ditatorial. Seriam elas as

    noes de Atos de Estado e Atos por Ordens Superiores. Como coloca Arendt

    (2008b), a noo de Atos de Estado fundamenta-se na proposio de que, em

    circunstncias extraordinrias, governos soberanos podem ser forados a fazer uso de

    meios criminosos diante de uma situao na qual a sua sobrevivncia se v ameaada

    (seria o equivalente ao crime que o indivduo comete em legtima defesa).

    Desde os anos 1980, os militares argentinos apelaram para o argumento do mal

    menor ou do mal necessrio para defender o atuado. Entre dois males (baixas na

    populao civil ou a vitria da subverso), coube ao Estado optar pelo mal menor

    (baixas e derrotar a subverso) para garantir o futuro da nao. Desta forma, os

    implicados na represso discorrem sobre suas aes atrelando a noo de Atos de

    Estado a um discurso que afirma a existncia de uma guerra travada contra o inimigo

    subversivo, que colocara em risco a continuidade do verdadeiro ser nacional. Nas

    narrativas castrenses, a ditadura ento definida em termos de guerra anti-subversiva,

    luta contra a subverso/terrorismo, guerra no convencional, guerra anti-

    revolucionria, guerra fratricida, guerra interna. Pautados numa retrica que combina

    o discurso da guerra dicotomia amigo-inimigo, os militares procuram reivindicar o

    atuado e justificar a represso.

    Assim o fez o capito da Marinha Jorge Acosta, no contexto de sua alegao na

    Causa ESMA, em outubro de 2011. Acosta usaria o seu direito defesa para afirmar

    publicamente uma verso alternativa sobre o passado. Recorrendo aos escritos de Che

    Guevava, de organizaes armadas argentinas e aos testemunhos brindados pelas

    vtimas durante o julgamento, ele se apresentou como um combatente de uma

    guerra interna travada contra o beligerante inimigo subversivo. Afinado com o

    projeto poltico do Processo de Reorganizao Nacional, como foi auto-proclamado

    o governo militar, orgulhava-se de ter participado de uma guerra levada a cabo pelo

  • 17

    bem da nao, mas tambm em nome de Deus e da filosofia ocidental e crist

    contra o atesmo marxista15

    .

    Em dezembro de 2010, no dia do pronunciamento da sentena de um julgamento

    em Crdoba, o ex-ditador Jorge Rafael Videla tambm faria uso de seu direito ltima

    palavra para reivindicar o atuado. Videla defendeu a legalidade do emprego das Foras

    Armadas para combater e exterminar o terrorismo subversivo no marco de uma

    guerra interna iniciada pelas organizaes terroristas. Segundo ele, o atuado

    estaria previsto legalmente no Plano de Capacidades Internas e no Cdigo de Justia

    Militar. Para o ex-ditador, tratou-se de uma guerra justa em defesa da Ptria, porm

    uma guerra irregular cujo signo distintivo teria sido a impreciso. Nessa mesma

    ocasio, Videla assumiu suas responsabilidades castrenses e defendeu, diante do

    povo argentino e das Foras Armadas, a honra da vitria na guerra interna. Disse

    ainda lamentar as mortes, as seqelas que deixam toda guerra e deplorar a

    especulao do sofrimento alheio atravs do uso escuso de alguns da bandeira dos

    Direitos Humanos.16

    Como demonstram as alegaes de Videla, uma parte da corporao militar no

    nega que seus quadros possam ter sido responsveis por atos atrozes durante a

    represso, mas os justificam como sequelas, erros, excessos, impreciso ou equvocos

    (fatos supostamente inevitveis s guerras) cometidos no contexto de uma ao

    legtima. Os militares no foram sdicos ou criminosos, tal como as vtimas e a

    acusao procuram afirmar nos tribunais (e fora deles), mas oficiais empenhados numa

    ao histrica e grandiosa em nome da nao argentina.

    Enquanto os implicados na represso se voltam para o argumento de Atos de

    Estado e da guerra e suas sequelas para justificar o atuado, tambm recorrem noo

    de Atos por Ordens Superiores. Videla alegaria a inocncia de seus subordinados,

    militares que teriam se limitado a cumprir ordens ajustadas Doutrina ento vigente,

    argumento repetido inmeras vezes pelos prprios oficiais subalternos nas audincias

    judiciais: como bons e fiis soldados, cumpriram as ordens que lhes haviam sido

    determinadas por seus superiores e pelas normativas de ento (Constituio Nacional e

    15 Declarao de Jorge Eduardo Acosta durante audincia da Causa ESMA, em 20 de outubro de 2011, no

    Tribunal Federal de Buenos Aires. Acosta (condinome Tigre) integrou o Grupo de Tarea 33.2 da

    ESMA. 16 Jorge Rafael Videla, em 21 de dezembro de 2010, em julgamento na cidade de Crdoba. Tratava-se de

    uma causa penal que investigara o fusilamento de 31 presos polticos na Unidad Penitenciaria No. 1 de

    Crdoba.

  • 18

    regulamentos militares), embora admitam a dificuldade de tirar concluses vlidas

    sobre a legalidade ou a ilegalidade dos procedimentos.17

    Em contrapartida, as

    acusaes buscam refutar o argumento da Obedincia Devida, alegando que nenhum ser

    humano estaria moralmente autorizado a executar uma ordem claramente criminosa. Os

    advogados querelantes na Causa ABO, por exemplo, recorreram ao testemunho de um

    jovem guarda, que declarara que sempre soubera que se tratava de uma situao ilegal

    e desumana.

    Ao mesmo tempo em que o argumento de Atos de Estado, Atos por Ordens

    Superiores e a retrica da guerra e seus excessos servem de fundamento para as

    defesas, os imputados procuram questionar a Memria difundida pelo movimento de

    direitos humanos e validada pelo Estado. No mbito da Causa ESMA, em outubro de

    2011, o clebre capito da Marinha Alfredo Astiz afirmaria que as sequelas da guerra

    haviam sido ressuscitadas pelos ilegtimos querelantes, pelo governo Kirchner e

    por grupos fundamentalistas movidos pelo dio, ressentimento, intolerncia e

    vingana18

    . Jorge Acosta denunciaria a presena dessa memria cega, aglutinante e

    parcial que, segundo ele, fomentaria a diviso e a desunio da Ptria. Se antes seus

    inimigos foram terroristas subversivos, hoje eram o governo nacional e os

    ativistas de direitos humanos, grupos que estariam empenhados numa ofensiva

    contra as Foras Armadas, promovendo uma campanha revanchista motivada pelo

    dio e pela vingana. Se antes a guerra foi travada no campo militar, atualmente a

    guerra estava sendo deflagrada no campo psicolgico atravs dos direitos humanos,

    da justia, da educao, da cultura e da memria.

    O ex-ditador Videla tambm afirmaria essa derrota no campo poltico-

    ideolgico. Segundo ele, os militantes teriam se mimetizado na sociedade como

    paladinos da defesa dos direitos humanos a fim de instaurar um regime marxista

    que prescreve a Constituio Nacional, Constituio que, segundo ele, guarda luto

    pela Repblica desaparecida. O ex-ditador definiu a si mesmo como um preso

    poltico e aos julgamentos de delitos de lesa humanidade como uma situao de

    terrorismo judicial. Encerrou a sua fala dizendo que no pretendia alegar a sua

    17 Declarao de Jorge Acosta, durante audincia da Causa ESMA, em 20 de outubro de 2011, no

    Tribunal Federal de Buenos Aires. 18 Declarao de Alfredo Ignacio Astiz, durante audincia da Causa ESMA, em 14 de outubro de 2011, no Tribunal Federal de Buenos Aires. Astiz ganharia notoriedade aps se infiltrar no movimento de Madres

    de Plaza de Mayo, sendo o principal responsvel pelo desaparecimento de um grupo de madres e freiras

    francesas em dezembro de 1977.

  • 19

    defesa, mas aceitar aquela injusta condenao como mais um ato a servio de Deus,

    da Ptria e da Concrdia Nacional.

    Para os acusados, o enfrentamento passado entre a conspirao marxista

    subversiva e as Foras Armadas se converteu, no presente, numa batalha entre os

    deformadores da Verdade e aqueles que pretendem desmascar-los. Por isso,

    decidiram oferecer sociedade uma Memria Completa. Enquanto dentro dos

    tribunais alguns rus optam por fazer uso de seu direito defesa para expor a sua

    prpria interpretao sobre o sucedido, nas ruas, as associaes que renem familiares e

    amigos das vtimas do terrorismo/da subverso tambm procuram tornar legtima a

    sua memria sobre a ditadura.

    A AFyAPPA e a AfaVitA19

    coletivos liderados por mulheres (em geral,

    esposas de agentes do Estado implicados na represso) reivindicam direitos e o

    reconhecimento de outras vtimas por razes polticas que no as do terrorismo de

    Estado: as vtimas da violncia cometida pela guerrilha ou pelo terrorismo

    subversivo. Com os lemas Memria Completa e Justia Completa, denunciam as

    aes das organizaes armadas (esto tambin pas), pedem igualdade perante a Lei

    (para ellos no existen los derechos humanos), demandam que os crimes da guerrilha

    sejam categorizados como delitos de lesa humanidade, ao passo que exigem o direito

    reparao econmica. Como analisa Salvi (2008 e 2010), tais grupos possuem uma

    retrica e uma performance semelhante utilizada (e consagrada) pelas organizaes de

    familiares de desaparecidos. Alm de mobilizarem a figura da vtima, apelam aos

    laos de parentesco, s metforas de sangue (la sangre derramada por el terror) e s

    narrativas do sofrimento e do luto. Invertendo o repertrio poltico dos familiares de

    desaparecidos e forjando uma memria especular e reativa, estes outros familiares se

    dizem portadores de uma verdade silenciada e empenham-se na luta contra a

    deformao, a manipulao e a propaganda.

    Essas organizaes reivindicam assim o estatuto de presos polticos para seus

    familiares processados pela Justia, falam em terrorismo jurdico e mortos em

    cativeiro (em referncia aos militares que faleceram respondendo a processo), ao passo

    que questionam a legitimidade dos julgamentos de delitos de lesa humanidade.

    Consideram-se vtimas de uma Justia que, segundo elas, ignora os fundamentos da

    19 Asociacin de Familiares y Amigos de Presos Polticos Argentinos e Asociacin de Familiares y

    Amigos de Vctimas del Terrorismo en Argentina, respectivamente.

  • 20

    legalidade e que se guia por um poder escuso conduzido em nome dos direitos

    humanos. Clamam pela construo de uma Memria Completa e por um Nunca

    Mais livre de perspectivas ideolgicas para que as vtimas da guerrilha possam ser

    includas no relato oficial sobre o passado.20

    Enquanto do lado de fora dos tribunais esses grupos questionam a legitimidade

    dos processos penais, do lado de dentro os rus procuram atacar a legalidade dos

    procedimentos jurdicos aplicados. Alegam ter seus direitos desrespeitados por serem

    condenados por crimes que no estariam previstos no cdigo penal no momento dos

    fatos (violao do princpio de retroatividade da lei), ou porque continuam detidos

    mesmo quando no poderiam (pela idade avanada ou devido aos prazos de priso

    preventiva expirados). Assim argumentou o capito Acosta na Causa ESMA que, alm

    do mais, manifestou estar convencido do dever de tornar pblica a sua verdade com

    minscula.

    Em sua alegao na Causa ESMA, Alfredo Astiz apelou a diversos qualificativos

    para definir o julgamento falso julgamento, ato ilegtimo, simulao/pardia de

    julgamento , questionou o papel desempenhado pela ilegtima procuradoria e

    ressaltou que, como ato de protesto, preferira prescindir de seu direito defesa. Videla

    tambm renunciaria seu direito defesa, argumentando que conclura ser mais

    produtivo que seus advogados se dedicassem a deixar registrado para a histria todas

    as irregularidades cometidas nesses julgamentos; julgamentos que mais lhe parecia um

    circo, uma pardia de julgamento sem justia e sem direito.

    Alm de colocar em questo a legalidade dos julgamentos, alguns acusados e

    suas defesas indagam sobre a moral das vtimas-testemunhas, atacando o seu valor

    probatrio (esto politicamente comprometidas) e alegam inconsistncia das provas

    criminais. Por isso, a insistncia das defesas em revelar as identidades polticas das

    vtimas (eram todos guerrilheiros). Logo, se os sobreviventes e familiares de

    desaparecidos conformaram um amplo repertrio para se referirem aos acusados

    (genocidas, perpetradores, repressores, assassinos, torturadores, nazistas, fascistas,

    psicopatas, dementes, covardes, imorais, pervertidos), os rus tambm procuram

    desqualificar as vtimas, acusando-as de subversivos, terroristas, deliquentes-

    subversivos.

    20 Discurso de Mara Ceclia Pando, presidente da AFyAPPA, em ato realizado em Buenos Aires no ano

    de 2009.

  • 21

    Durante a sua alegao na Causa ESMA, por exemplo, Alfredo Astiz ressaltou

    como os ilegtimos querelantes haviam apelado de forma desnecessria ao projetar

    as fotografias de crianas dos terroristas para causar um efeito emocional. Salientou

    ainda como absurdas as afirmaes de que os terroristas eram juventude militante e

    idealista que lutavam por uma sociedade mais igualitria. Astiz mencionaria crimes

    e ataques da guerrilha a fim de tornar verossmil o argumento da guerra, para

    questionar moralmente o lugar de vtima ocupado pelos ex-terroristas, bem como

    para desacreditar seus falsos e imaginrios testemunhos. Jorge Acosta apelou para o

    tema do colaboracionismo, colocando em dvida a identidade dos sobreviventes como

    agentes de inteligncia da Marinha. Para Acosta, as testemunhas necessrias eram

    antes de tudo portadoras de relatos falsos e mentirosos, assim como as acusaes

    representavam uma grande falcia forjada a partir das narrativas de ex-terroristas.

    Ainda assim, guiado por suas convices de cristo apostlico romano, considerava-

    se no dever de enunciar naquele tribunal a sua prpria Verdade.

    Submetidos condenao penal e moral, no resta alternativa aos acusados do

    que apresentar outra verso sobre o sucedido. O dever de testemunhar se expressa ento

    como uma oportunidade para afirmar a Verdade a fim de que a Histria possa um dia

    restitu-los ao seu devido lugar: sero lembrados como soldados que lutaram para

    salvar a nao do terrorismo. Pouco antes de seu falecimento e como um dos

    representantes mais emblemticos da ditadura, Videla parecia haver tomado para si essa

    obrigao. Em suas ltimas declaraes, o ex-ditador esboaria alguma crtica ao

    acionar repressivo, mas ela no se dirigia propriamente ao atuado. No plano militar,

    Videla continuava afirmando-se vitorioso: aniquilaram a subverso e reorganizaram

    a nao. A crtica se referia ao que denominou de sequelas, erros da guerra contra

    a subverso ou de derrota no plano poltico. Entre as sequelas estariam as

    condenaes e crticas sociais s Foras Armadas e o tema dos detenidos-

    desaparecidos.

    Assim como o ex-presidente de fato, outros acusados sentem-se politicamente

    derrotados, mas no arrependidos. Tampouco se sentem culpados moralmente, apenas o

    foram penalmente (o que so coisas bastante distintas). Se nos anos 1980 prevaleceu um

    discurso de teor negacionista (no h desaparecidos), no decorrer da histria das lutas

    pelas memrias da ditadura na Argentina, e diante do crescente processo de legitimao

  • 22

    das vozes dos afetados, os militares se vem impelidos a ressignificar suas narrativas

    sobre a represso a fim de que elas possam ter ainda algum sentido social.

    Consideraes finais

    Las vctimas y los victimarios, somos parte de una

    misma humanidad, colegas en un mismo esfuerzo

    por demostrar la existencia de las ideologas, los

    sentimientos, los herosmos, las religiones, las

    obsesiones. (TIMERMAN, 2000, p. 132).

    As narrativas sobre a represso enunciadas nas audincias dos julgamentos de

    delitos de lesa humanidade colocam em tela como o mbito jurdico encontra-se, no

    contexto argentino, integrado ao campo de luta pela afirmao de sentidos ao passado

    ditatorial. Tendo isso em vista e pautada nas reflexes de Foucault (1996) sobre a

    relao entre a verdade e as formas jurdicas, analisei essas narrativas (esses fatos de

    discurso) que emergem na cena judicial [...] como jogos (games), jogos estratgicos,

    de ao e reao, de pergunta e de resposta, de dominao e de esquiva, como tambm

    de luta. (Foucault, 1996, p. 9)21

    .

    Alm do mais, servindo-me das contribuies da antropologia para a anlise das

    prticas jurdicas, voltei-me explorao dos problemas, processos e acontecimentos

    referentes aos conflitos protagonizados pelas leis, pelos tribunais e pelos grupos sociais

    que colocam suas demandam em termos de Justia (Tiscornia e Pita, 2005). Logo,

    compreendendo o Direito como uma forma de ao poltica e procurando desvendar

    seu significado e os sentidos que cria e impe, a nfase da anlise recaiu na investigao

    da enunciao das leis e dos problemas que colocam, assim como das categorias do

    pensamento que pautam os procedimentos jurdicos (justia, liberdade, direitos e

    legalidade) a fim de verificar como os mesmos incidem na vida social22

    .

    Para as vtimas, os julgamentos de delitos de lesa humanidade na Argentina

    representam uma resposta do Estado s suas histricas demandas por Memria,

    Verdade e Justia. Ao mesmo tempo em que reconhecem o lugar simblico das

    21 Em seu clssico estudo sobre o processo judicial entre os barotse na antiga Rodsia, Gluckman (1967)

    j buscava traar as relaes entre poder e prticas jurdicas, voltando-se para a anlise dos modos de

    controle social nas sociedades tribais. 22 Para Geertz (1997) a representao jurdica seria uma maneira particular de imaginar a realidade, uma representao que , por princpio, normativa. O interesse de Geertz reside em entender como grupos

    humanos atribuem sentido aquilo que fazem (de forma prtica, moral, expressiva, jurdica), colocando

    seus atos em estruturas mais amplas de significao.

  • 23

    condenaes penais como instncia de reparao e para a consolidao de uma

    Verdade e de uma memria pblica sobre a ditadura, a demanda por Justia dirige-se

    tambm condenao social e moral tanto das violaes cometidas quanto dos

    perpetradores, demanda que se expressa no lema de H.I.J.O.S.: Los Juzga un Tribunal,

    Los Condenamos Todos!. Logo, mais do que a relevncia da validao da verdade de

    seus testemunhos e relatos no mbito jurdico que h muito tempo so de

    conhecimento pblico e que j no podem ser negados , tambm cobra importncia

    [...] as motivaes e as justificaes: por que voc fez isso? Voc se dava conta de que

    cometia um delito? (Levi, 1990, p. 11). A questo moral colocada refere-se funo

    do juzo humano (Arendt, 2008a).

    Como aponta Agamben (2008), as categorias jurdicas esto carregadas de

    sentido moral e religioso: culpa, responsabilidade, inocncia, julgamento, absolvio.

    Por isso, nos julgamentos de delitos de lesa humanidade na Argentina ganha relevo a

    existncia de um embate entre moralidades, embate que coloca em questo tanto as

    intenes e condies nos quais tais atos foram realizados (atos traduzidos em termos de

    violaes aos direitos humanos), quanto evidenciam as divergncias entre as medidas

    legais adotadas nesses processos judiciais e outra ordem de regulaes (os regulamentos

    e a doutrina militar vigente durante os anos ditatoriais, por exemplo).

    Torna-se ento pertinente refletir, seguindo Vianna (2005), sobre a linguagem

    moral que atravessa os direitos (que se expressa em expedientes de disputa e

    representao), buscando assim uma compreenso circunstanciada da moral como

    linguagem em uso produo, veiculao e embate de significados , mas sobretudo

    como objeto de luta. Nessa direo, a minha inteno neste ensaio foi demonstrar as

    dinmicas entre representaes sobre o passado ditatorial, entre agentes sociais (vtimas,

    acusados e atores judiciais) que produzem e se apropriam de representaes e

    moralidades como parte de suas estratgias para a afirmao de memrias e verdades no

    contexto das audincias judiciais. Tais narrativas testemunhais, destinadas a realizao

    da Justia, evocam memrias e histrias passadas, bem como demarcam categorias de

    acusao e de moralidades.

    Por isso, parecem-me sugestivas as reflexes propostas por uma antropologia

    poltica da moralidade, tal como colocada por Fassin (2008 e 2013), para explorar

    como vtimas e acusados entendem ideolgica e emocionalmente a distino entre o

    bem e o mal a fim de desvendar o sentido que palavras e atos possuem para os agentes

  • 24

    sociais, por um lado, e para compreender a formao de sujeitos engajados em aes

    que so justificadas no terreno moral, por outro. Ficou patente como, nos testemunhos

    brindados nas audincias judiciais etnografadas, a expresso das emoes

    (ressentimento, rancor, amargura, raiva, frustrao e indignao) representa uma

    resposta a distintas situaes, que so experimentadas e vividas por vtimas e acusados

    como uma injria ou uma injustia.

    O ressentimento experimentado pelas vtimas se expressa como uma reao a

    um passado de violncia e opresso. As vtimas no desejam vingana, mas demandam

    reconhecimento e Justia, enquanto se recusam a esquecer e perdoar: Por qu

    tenemos que conciliarnos con el genocida y con el torturador? Tiene que haber justicia.

    Y la justicia que decimos es crcel comn a todos los genocidas. Em contraposio

    queles que argumentam que o passado deve ser deixado para trs, a memria cumpre a

    funo de tornar o crime uma realidade moral. O imperativo de Memria, Verdade e

    Justia representa ento uma forma de resistncia, sobretudo num contexto em que o

    esquecimento e a reconciliao parecem consensuais (a anistia e a expiao como

    paradigmas universais e a empatia e o perdo como virtudes pessoais). Para as vtimas,

    a aceitao desse consenso implicaria abandonar potenciais procedimentos legais, alm

    de supor a possibilidade unilateral de perdo (j que os acusados no expressam sinais

    de arrependimento). Sendo assim, o que as vtimas da ditadura na Argentina demandam

    a Verdade sobre as circunstncias e razes da morte de seus familiares, alm de uma

    justa retribuio aos criminosos e a defesa de uma forma especfica de dignidade, tal

    como afirmam Madres de Plaza de Mayo: La vida y la dignidad de nuestros hijos no

    se negocian.

    J os acusados ressentem-se diante de uma situao na qual a sua posio social

    (agentes do Estado que atuaram na represso) gera frustrao e repdio social. Os rus

    expressam assim o seu descontentamento em relao poltica de Memria, Verdade e

    Justia posta em marcha, incitando a sua animosidade e rancor contra certos

    segmentos da populao (movimento de direitos humanos, governo nacional, membros

    do judicirio). Alm do mais, o dilema moral que enfrentam, por terem feito uso de

    meios escusos para derrotar o inimigo subversivo, resulta de uma discrepncia entre

    expectativas e realidade em termos das representaes hericas de seu papel social

    (salvadores da ptria), como tambm da racionalizao moral de suas aes (uma

    guerra levada a cabo pelo bem maior da nao).

  • 25

    Aps dcadas de lutas pelas memrias da ditadura, as violaes aos direitos

    humanos (como colocam as vtimas) ou os excessos (conforme afirmam os acusados)

    cometidos por razes polticas dificilmente encontram respaldo social. Por meio de um

    discurso que combina narrativa humanitria (direitos humanos) e naturalizao dos

    afetos e do parentesco, o movimento de familiares de desaparecidos abriu os caminhos

    institucionais, cientficos e legais para a afirmao da Verdade sobre a ditadura23

    . Os

    laos de sangue com as vtimas da represso garantiram capital social, bem como um

    lugar de transcendncia moral aos familiares de desaparecidos, consagrando-os como

    portadores da Verdade sobre a ditadura. Determinados campos do saber cientfico

    (especialmente a gentica e a antropologia forense) contriburam para legitimar suas

    narrativas. O sangue contido nos corpos dos familiares converteu-se na prova material

    da represso: bancos de sangue (como o do Equipo Argentino de Antropologa Forense

    e o Banco Nacional de Datos Genticos) oferecem a matria para comprovar delitos,

    determinar a identidade de bebs apropriados e identificar os restos dos desaparecidos.

    A legitimidade das vozes dos afetados imbui-se assim de atributos comumente

    associados ao campo jurdico e cientfico (objetividade, neutralidade, veracidade,

    legalidade), fazendo prevalecer suas memrias sobre o passado de represso e os

    sentidos que os mesmos atribuem noo de direitos humanos. A luta dos familiares

    por Justia e Responsabilizao, assim como o apelo que possui a afirmao de uma

    verdade jurdica sobre o passado so, desse modo, cruciais para a consolidao de

    uma memria pblica da ditadura na Argentina. Trabalhos acadmicos, sentenas

    judiciais, evidncias materiais (corpos, sangue, edificaes, documentos) e os

    testemunhos daqueles que sofreram em carne prpria constituem-se como formas de

    saber e formas de verdade; antes de tudo, so modos de representao (capazes de

    produzir efeitos na vida social) que, ao adquirem o estatuto de Verdade, do contorno e

    sentido memria do ocorrido.

    23 Verdery (1996) sugere problematizar os sentidos atribudos a noes como democracia, direitos

    humanos, sociedade civil, enfatizando um vis analtico que se afaste das tendncias tericas mais

    normativas com o intuito de explorar como essas noes (enquanto smbolos polticos) podem ser apropriadas e significadas contextualmente. Para anlises que versam sobre o debate antropolgico entre

    relativismo cultural e a formulao de uma noo universal de Direitos Humanos, ver Messer (1993) e

    Rapport & Overing (2000).

  • 26

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AGAMBEN, Giorgio. 2008 O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo

    Sacer III), So Paulo, Boitempo Editorial.

    ARENDT, Hannah. 2008a Eichmann em Jerusalm: um relato sobre a banalidade do

    mal, So Paulo, Companhia das Letras.

    ARENDT, Hannah. 2008b Responsabilidade e Julgamento, So Paulo, Companhia das

    Letras.

    BAILEY, Frederick George. 1993 The tactical uses of passion: an essay on power,

    reason and reality, Ithaca, Cornell University Press.

    BONASSO, Miguel. 1984 Recuerdo de la Muerte, Buenos Aires, Bruguera Editorial.

    BOURDIEU, Pierre. 2003 O Poder Simblico, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 6a

    edio.

    CONADEP. 2009 Nunca Ms. Informe de la Comisin Nacional sobre la Desaparicin

    de Personas, Buenos Aires, Eudeba, 8a edio.

    CRENZEL, Emilio. 2008 La Historia Poltica del Nunca Ms. La Memoria de los

    Desaparecidos en la Argentina, Buenos Aires, Siglo Veintiuno Editores.

    DALEO, Graciela. 2001 Nosotros, adems, somos testigos, Milenio, Buenos Aires,

    vol. 5: 106-117.

    DAS, Veena. 1995 Critical Events. An Anthropological Perspective on Contemporary

    India, New Dheli/Oxford, Oxford University Press.

    DURKHEIM, mile. 1972 mile Durkheim: selected writings, Cambridge, Cambridge

    University Press.

    FASSIN, Didier. 2008 Beyond good and evil? Questioning the anthropological

    discomfort with morals, Anthropological Theory, vol. 8, no. 4: 333-344.

    FASSIN, Didier. 2013 On Resentment and Ressentiment: The Politics and Ethics of

    Moral Emotions, Current Anthropology, Chicago, vol. 54, no. 3: 249-267.

    FEIERSTEIN, Daniel. 2007 El genocidio como prctica social: Entre el nazismo y la

    experiencia argentina, Buenos Aires, Fondo de Cultura Econmica.

    FELD, Claudia. 2002 Del Estrado a la Pantalla: Las Imgenes Del Juicio a los Ex

    Comandantes e Argentina, Madrid, Siglo XXI de Espaa Editores.

    FOUCAULT, Michel. 1996 A Verdade e as Formas Jurdicas, Rio de Janeiro, Nau

    Editora.

  • 27

    FOUCAULT, Michel. 2008 Vigiar e Punir: Histria da Violncia nas Prises,

    Petrpolis, Vozes, 35a edio.

    GEERTZ, Clifford. 1997 O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa,

    in GEERTZ, C., Saber Local: Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa,

    Petrpolis, Vozes Editora, pp. 249-356.

    GLUCKMAN, Max. 1967 The Judicial Process Among The Barotse of Northern

    Rhodesia, Manchester, Manchester University Press, 2a edio.

    GLUCKMAN, Max. 2010 A anlise situacional social na Zululndia moderna, in

    FELDMAN-BIANCO, B. (org.), Antropologia das Sociedades Contemporneas, So

    Paulo, Editora UNESP, pp. 237-364.

    JELIN, Elizabeth. 2008 La justicia despus del juicio: legados y desafos en la

    Argentina postdictatorial, in FICO, C.; FERREIRA, M.M.; QUADRAT, S. (orgs.),

    Ditadura e Democracia na Amrica Latina: Balano Histrico e Perspectivas, Rio de

    Janeiro, Editora FGV, pp. 341-360.

    LEVI, Primo. 1990 Os afogados e os sobreviventes. Os delitos, as penas, os castigos, as

    impunidades, So Paulo, Paz e Terra.

    MAUSS, Marcel. 2001 A expresso obrigatria dos sentimentos, in MAUSS, M.,

    Ensaios de Sociologia, So Paulo, Editora Perspectiva, 2a edio, pp. 325-338.

    MESSER, Ellen. 1993 Anthropology and Human Rights, Annual Review of

    Anthropology, Palo Alto, vol. 22: 221-249.

    NEIBURG, Federico. 1995 Politizao e Universidade na Argentina. Novos Estudos

    CEBRAP, So Paulo, vol. 53: 119-135.

    PEIRANO, Mariza. 2001 Rituais como estratgia analtica e abordagem etnogrfica;

    A anlise antropolgica de rituais, in PEIRANO, M. (org.), O Dito e o Feito: Ensaios

    de Antropologia dos Rituais, Rio de Janeiro, Relume e Dumar, pp. 7-42.

    POLLAK, Michael. 1989 Memria, Esquecimento e Silencio, Estudos Histricos,

    Rio de Janeiro, vol. 2, no. 3: 3-15.

    POLLAK, Michael. 2006 El Testimonio, in POLLAK, M., Memoria, olvido, silencio:

    la produccin social de identidades frente a situaciones lmite, La Plata, Ediciones Al

    Margen, pp. 53-112.

    RAFECAS, Daniel. 2011 La reapertura de los procesos judiciales por crmenes contra

    la humanidad en la Argentina, in ANDREOZZI, G. (org.), Juicios por Crimenes de

    Lesa Humanidad en Argentina, Buenos Aires, Atuel, pp. 155-176.

    RAPPORT, Nigel & OVERING, Joanna. 2000 Human Rights, in RAPPORT, N. &

    OVERING, J. (eds.), Social and Cultural Anthropology: The Key Concepts, London &

    New York, Routledge Taylor and Francis Group, pp. 167-172.

  • 28

    ROZANSKI, Carlos. 2011 Delitos de lesa humanidad y genocidio, origen y sentido de

    las prohibiciones, in ANDREOZZI, G. (org.), Juicios por Crimenes de Lesa

    Humanidad en Argentina, Buenos Aires, Atuel, pp. 177-198.

    SALVI, Valentina. 2008 Nem Burocratas, Nem Cruzados: militares argentinos -

    memrias castrenses sobre a represso. Campinas, tese (doutorado), UNICAMP, pp.

    225.

    SALVI, Valentina. 2010 Entre el olvido y la victimizacin: transformaciones en la

    narrativa sobre la reconciliacin nacional, in PAGLIANI, L. (org.), La sociedad

    argentina hoy frente a los aos 70, Buenos Aires, Eudeba, pp. 113-142.

    SANJURJO, Liliana Lopes. 2013 Sangue, Identidade e Verdade: memrias sobre o

    passado ditatorial na Argentina. Campinas, tese (doutorado), UNICAMP, pp. 336.

    SARLO, Beatriz. 2007 Tempo Passado: cultura da memria e guinada subjetiva, So

    Paulo/Belo Horizonte, Companhia das Letras/Editora UFMG.

    SLEPOY, Carlos. 2011 Impunidad y justicia universal en relacin com crmenes

    lesivos para la humanidad. Los juicios en Espaa, in ANDREOZZI, G. (org.), Juicios

    por Crimenes de Lesa Humanidad en Argentina, Buenos Aires, Atuel, pp. 101-118.

    TAUSSIG, Michael. 1983 Cultura do Terror, Espao da Morte na Amaznia,

    Religio & Sociedade, Rio de Janeiro, vol. 10: 49-64.

    TAUSSIG, Michael. 1995 Xamanismo, Colonialismo e o Homem Selvagem, Rio de

    Janeiro, Paz e Terra.

    TIMERMAN, Jacobo. 2000 Preso sin nombre, Celda sin nmero, Buenos Aires,

    Ediciones De La Flor.

    TISCORNIA, Sofia & PITA, Mara Victoria. 2005 Presentacin, in TISCORNIA, S.

    & PITA, M.V. (orgs.), Derechos Humanos, Tribunales y Policas en Argentina y Brasil:

    Estudios de Antropologa Jurdica, Buenos Aires, Antropofagia, pp. 7-9.

    TURNER, Victor. 1974 O Processo Ritual: estrutura e anti-estrutura, Petrpolis,

    Editora Vozes.

    TURNER, Victor. 1985 Drama, Fields and Metaphors: Symbolic Action in Human

    Society, Ithaca/London, Cornell University Press.

    VERBITSKY, Horacio. 2011 Entre olvido y memoria, in ANDREOZZI G. (coord.),

    Juicios por Crimenes de Lesa Humanidad en Argentina, Buenos Aires, Atuel, pp. 33-

    42.

    VERDERY, Katherine. 1996 What Was Socialism, And What Comes Next?,

    Princeton/New Jersey, Princeton University Press.

  • 29

    VERDERY, Katherine. 1999 The Political Lives of Dead Bodies: reburial and

    postsocialist change, New York, Columbia University Press.

    VIANNA, Adriana. 2005 Direitos, Moralidades e Desigualdades: consideraes a

    partir de processos de guarda de crianas, in LIMA, R.K. (org.), Antropologia e

    Direitos Humanos 3, Niteri, Editora da Universidade Federal Fluminense, pp. 13-68.

    YANZON, Rodolfo. 2011 Los juicios desde el fin de la dictadura hasta hoy, in

    ANDREOZZI G. (coord.), Juicios por Crimenes de Lesa Humanidad en Argentina,

    Buenos Aires, Atuel, pp. 137-154.