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Albert Hofmann: LSD - Minha Criana ProblemaPrefcio ...................................................................................................................................................2 1. Como o LSD se Originou ....................................................................................................................4 1.1. Primeiras Exploraes Qumicas ......................................................................................................4 1.2. Cravagem do Centeio (Ergot) ...........................................................................................................6 1.3. cido Lisrgico e Seus Derivados ....................................................................................................8 1.4. Descoberta de Efeitos Psquicos do LSD ........................................................................................10 1.5. Auto Experincia ............................................................................................................................10 2. LSD em Experincias com Animais e Pesquisa Biolgica ................................................................14 2.1. Quo Txico o LSD? ...................................................................................................................14 2.2. Propriedades Farmacolgicas do LSD ............................................................................................15 3. Modificaes qumicas do LSD .........................................................................................................17 4. Uso do LSD na Psiquiatria .................................................................................................................19 4.1. Primeira Auto-experincia de um Psiquiatra ..................................................................................19 4.2. Os Efeitos Psquicos do LSD ..........................................................................................................23 5. De Remdio a Inebriante ...................................................................................................................28 5.1. Uso No Medical do LSD ...............................................................................................................28 5.2. Sandoz Interrompe a Distribuio de LSD .....................................................................................30 5.3. Perigos das Experincias No Medicinais do LSD .........................................................................32 5.4. Reaes psicopatas ..........................................................................................................................32 5.5. LSD do mercado negro ...................................................................................................................34 5.6. O Caso do Dr. Leary .......................................................................................................................35 5.7. Encontro com Timothy Leary .........................................................................................................37 5.8. Viagens ao Universo da Alma ........................................................................................................38 5.9. Dana dos Espritos do Vento .........................................................................................................39 5.10. Plipos das Profundezas ...............................................................................................................40 5.11. A Experincia de LSD de um Pintor .............................................................................................41 5.12. Uma Alegre Cano do Ser ...........................................................................................................44 6. Os Parentes mexicanos do LSD .........................................................................................................47 6.1. O cogumelo Sagrado Teonanacatl ..................................................................................................47 6.2. Psilocybin e Psilocin .......................................................................................................................52 6.3. Uma Viagem ao Universo da Alma com Psilocybin ......................................................................53 6.4. Onde o Tempo Permanece Parado ..................................................................................................53 6.5. A Mgica "Glria Matutina" Ololiuhqui ........................................................................................54 6.6. procura da Planta Mgica "Ska Maria Pastora" no Territrio Mazatec ......................................58 6.7. Passeio Atravs de Sierra Mazateca ...............................................................................................58 6.8. Uma Cerimnia de Cogumelo ........................................................................................................63 7. Esplendor de Ernst Junger .................................................................................................................66 7.1. Ambivalncia no Uso de Drogas ....................................................................................................70 7.2. Uma Experincia com Psilocybin ...................................................................................................73 7.3. Outra Sesso de LSD ......................................................................................................................75 8. Encontro com Aldous Huxley ............................................................................................................77 9. Correspondncia com o Mdico-Poeta Walter Vogt .........................................................................80 10. Vrios Visitantes ..............................................................................................................................84 11. Experincia de LSD e Realidade .....................................................................................................87 11.1. Valiosas Realidades ......................................................................................................................87 11.2. Mistrio e Mito .............................................................................................................................89

Prefcio do AutorExistem experincias que a maioria de ns hesita em falar a respeito porque elas no combinam com a realidade cotidiana e desafiam uma explicao racional. Estas no so ocorrncias externas particulares, mas sim eventos de nossas vidas interiores que geralmente so refutados como invenes da imaginao e so excludos da nossa memria. De repente, a viso familiar de nossos ambientes transformada de um modo estranho, delicioso, ou alarmante: aparece para ns sob uma nova luz, assumindo um significado especial. Tal experincia pode ser rpida como a luz e passageira como uma respirao de ar, ou pode se imprimir profundamente em nossas mentes. Um encantamento deste tipo, que eu experimentei na infncia, permaneceu notavelmente vvido desde ento na minha memria. Aconteceu numa manh de maio - eu esqueci o ano - mas ainda posso apontar o lugar exato onde aconteceu, num caminho da floresta em Martinsberg perto de Baden, Sua. Enquanto eu passeava pelos frescos bosques verdejantes, cheios de canes de pssaros e iluminado pelo sol da manh, tudo de uma vez e cada coisa apareceu numa incomum luz clara. Isto era algo que eu simplesmente no tinha notado antes? Estava eu descobrindo, de repente, como de fato a floresta da primavera se parece? Brilhava com o esplendor mais bonito, falando ao corao, como se quisesse me cercar de sua majestade. Eu estava repleto de uma indescritvel sensao de alegria, identidade, e uma segurana repleta de felicidade. Eu no tenho nenhuma idia de quanto durou este encantamento. Mas me recordo da preocupao ansiosa que eu sentia enquanto a radiao ia lentamente se dissolvendo e eu nela caminhando: como pde uma viso, que era to real e convincente, to diretamente e profundamente sumir - como pde terminar to depressa? E como eu poderia contar para qualquer pessoa sobre isto, como minha alegria transbordante me compelia a fazer, j que eu sabia no haver palavras para descrever o que eu tinha visto? Parecia estranho que eu, uma criana, tinha visto algo to maravilhoso, algo que os adultos obviamente no percebem - porque eu nunca tinha os ouvido mencionarem algo semelhante. Enquanto eu era uma criana, experimentei vrios outros destes momentos de profunda euforia em minhas correrias pela floresta e pelo prado. Estas foram experincias que moldaram os principais esboos de minha viso do mundo e me convenceram da existncia de uma realidade milagrosa, poderosa, insondvel, que estava oculta da viso cotidiana. Naquele tempo, freqentemente ficava preocupado desejando saber se algum dia eu iria, como adulto, poder comunicar estas experincias; se eu teria uma chance para descrever minhas vises em poesias ou pinturas. Mas sabendo que eu no tinha o dom para ser um poeta ou artista, assumi que teria de manter estas experincias para mim mesmo, importantes como eram para mim. Inesperadamente, por uma rara casualidade, muito mais recentemente e j na meia idade, um vnculo foi estabelecido entre minha profisso e estas experincias visionrias da infncia. Porque eu quis aumentar meu conhecimento sobre a estrutura e essncia do assunto, tornei-me um qumico de pesquisa. Intrigado pelo mundo das plantas desde cedo na infncia, decidi me especializar na pesquisa dos componentes de plantas medicinais. No decorrer desta carreira fui conduzido s substncias psicoativas e causadoras de alucinao que, sob certas condies, podem evocar estados visionrios semelhantes s experincias espontneas justamente descritas. A mais importante destas substncias alucingenas veio a ser conhecida como LSD. Alucingenos, como combinaes ativas de interesse cientfico considervel, ganharam entrada na pesquisa medicinal, biologia e psiquiatria, e depois - especialmente o LSD - tambm obtiveram larga difuso na cultura das drogas. Estudando a literatura relacionada com meu trabalho, dei conta do grande significado universal da experincia visionria. Representa um papel dominante no s em misticismo e histria da 2

religio, mas tambm no processo criativo na arte, literatura e cincia. Recentes investigaes mostraram que muitas pessoas tambm tm experincias visionrias na vida diria. A maioria de ns, entretanto, no reconhece seu significado e valor. Experincias msticas, como essa que marcou minha infncia, aparentemente esto longe de serem raras. H hoje um esforo difundido em relao experincias msticas para inovaes visionrias, para uma realidade mais profunda, mais abrangente do que percebe a nossa conscincia racional cotidiana. Esto sendo feitos esforos para transcender nossa viso mundial materialista de vrios modos, no s pelos participantes de movimentos religiosos Orientais, mas tambm por psiquiatras profissionais que esto adotando tal experincia espiritual profunda como um princpio teraputico bsico. Eu compartilho da convico de muitos de meus contemporneos que a crise espiritual que penetra todas as esferas da sociedade industrial Ocidental s pode ser curada por uma mudana em nossa viso mundial. Ns teremos que trocar do materialismo, da convico dualista que as pessoas e o ambiente delas so duas coisa separadas, para uma nova conscincia de uma realidade toda abrangente que abraa o ego experimentado, uma realidade na qual as pessoas sentem a unicidade delas com natureza animada e o todo da criao. Tudo o que puder contribuir para uma tal alterao fundamental da nossa percepo da realidade deve demandar ento uma sria ateno. Em primeiro lugar entre tais aproximaes, esto os vrios mtodos de meditao, ou religiosos ou ainda num contexto secular que apontam para o aprofundamento da conscincia da realidade por via de uma experincia mstica total. Outro importante, mas ainda controverso, caminho para a esta mesma meta o uso das propriedades de alterao da conscincia por alucingenos psico-farmacuticos. O LSD encontra tal aplicao na medicina, ajudando os pacientes em psicanlise e psicoterapia a perceber os seus problemas no seu verdadeiro significado. A provocao deliberada de uma experincia mstica, particularmente por LSD e alucingenos relacionados, em contraste com experincias visionrias espontneas, envolvem perigos que no devem ser menosprezados. Mdicos tm que levar em conta os efeitos peculiares destas substncias, isto , sua habilidade para influenciar nossa conscincia, a essncia ntima do nosso ser. A histria do LSD, por exemplo, demonstra amplamente as conseqncias catastrficas que podem resultar quando seu efeito profundo mal utilizado e a substncia desviada para uma droga de prazer. So requeridas de antemo preparaes especiais internas e externas; com elas, uma experincia de LSD pode se tornar uma experincia significante. O uso errado e imprprio motivou que o LSD se tornasse o problema de minha criao. meu desejo neste livro dar um quadro completo do LSD, sua origem, seus efeitos e seus perigos, para proteger contra o abuso crescente do uso desta droga extraordinria. Espero enfatizar possveis usos do LSD que so compatveis com sua ao caracterstica. Acredito que, se as pessoas aprenderem a usar a capacidade do LSD de induzir vises sob condies satisfatrias, mais sabiamente em prticas mdicas ento, no futuro, junto com meditao, esta criana-problema poder vir a se tornar uma criana-maravilha. Albert Hofmann

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1. Como o LSD se Originou.No reino da observao cientfica, a sorte s concedida aos que esto preparados. Louis Pasteur Freqentemente eu ouo ou leio que o LSD foi descoberto atravs de um acidente. Isto verdadeiro somente em parte. Aconteceu que o LSD estava dentro de um programa de pesquisa sistemtico e o "acidente" no aconteceu at muito depois: quando o LSD j tinha cinco anos e eu decidi experimentar seus efeitos desconhecidos em meu prprio corpo, ou melhor, na minha prpria mente. Olhando para trs na minha carreira profissional para localizar os eventos influentes e decises que eventualmente guiaram meu trabalho para a sntese do LSD, eu percebo que o passo mais decisivo foi minha escolha de emprego quando conclu meus estudos de qumica. Se aquela deciso tivesse sido diferente, ento esta substncia, que se tornou conhecida no mundo todo, poderia nunca ter sido criada. Para contar a histria da origem de LSD, ento tambm tenho que mencionar brevemente minha carreira como qumico, desde que os dois desenvolvimentos so indissoluvelmente inter-relacionados. Na primavera de 1929, ao concluir meus estudos de qumica na Universidade de Zurique, eu me juntei ao laboratrio de pesquisa qumico-farmacutica da Companhia Sandoz na Basilia, como colega de trabalho do Professor Arthur Stoll, fundador e diretor do departamento farmacutico. Eu escolhi esta posio porque me propiciava a oportunidade de trabalhar com produtos naturais, considerando que as duas outras ofertas de trabalho, de firmas qumicas da Basilia, estavam envolvidas com trabalhos no campo da qumica sinttica.

1.1 - Primeiras Exploraes QumicasMeu trabalho doutoral em Zurique, sob a responsabilidade do Professor Paul Karrer, j tinha me dado uma chance para prosseguir meu interesse na qumica vegetal e animal. Fazendo uso de suco gastrintestinal do caracol do vinhedo, eu realizei a degradao enzimtica da quitina, o material estrutural do qual as conchas, asas e garras de insetos, crustceos e outros animais inferiores so compostos. Eu pude derivar a estrutura qumica da quitina a partir da diviso de um produto, um acar contendo nitrognio, obtido por esta degradao. A quitina mostrou-se ser um anlogo da celulose, o material estrutural das plantas. Este importante resultado, obtido depois de somente trs meses de pesquisa, conduziu a uma tese doutoral classificada "com distino". Quando eu me uni a firma Sandoz, o nmero de pessoas do departamento qumico-farmacutico ainda era bastante modesto. Quatro qumicos com graus de doutorados trabalhavam em pesquisa e trs na produo. No laboratrio do professor Stoll eu achei o emprego que combinava completamente comigo como qumico de pesquisa. O objetivo que Professor Stoll tinha estabelecido para o seu laboratrio de pesquisa qumico-farmacutica era o de isolar os princpios ativos, isto , os componentes efetivos de plantas medicinais conhecidas para produzir elementos puros destas substncias. Isto particularmente importante no caso de plantas medicinais cujos princpios ativos so instveis, ou do qual a potncia est sujeita a uma grande variao, o que torna difcil uma dosagem exata. Mas, se o princpio ativo est disponvel na forma pura, fica possvel fabricar um preparado farmacutico estvel, exatamente quantificvel atravs do peso. Pensando nisto, o Professor Stoll havia resolvido estudar substncias de plantas de valor reconhecido como as substncias da dedaleira (Digitalis purpurea), cebola do mediterrneo (Scilla maritima) e cravagem do centeio (Claviceps purpurea ou Secale cornutum) os 4

quais, por possurem alta instabilidade e dosagens incertas, tinham sido pouco utilizados em medicamentos. Meus primeiros anos nos laboratrios da Sandoz foram quase que exclusivamente dedicados aos estudos dos princpios ativos da cebola do mediterrneo [Scilla maritima]. Dr. Walter Kreis, um dos colaboradores mais antigos do Professor Stoll, me envolveu neste campo de pesquisa. Os componentes mais importantes da cebola do mediterrneo j existiam na pura forma. Os agentes ativos deles, como tambm os da dedaleira lanosa (Digitalis lanata), tinham sido isolados e purificados principalmente pelo Dr. Kreis, com uma habilidade extraordinria. Os princpios ativos da cebola do mediterrneo pertencem ao grupo dos glicosdeos cardioativos (glicosdeo = substncia contendo acar) e servem, como fazem os da dedaleira, no tratamento da insuficincia cardaca. Os glicosdeos cardiotnicos so substncias extremamente ativas. Porque as doses teraputicas e as doses txicas so muito prximas, torna-se ento especialmente importante ter aqui uma dosagem exata, baseada em combinaes puras. No comeo de minhas investigaes, um preparado farmacutico com glicosdeos da Scilla j tinha sido introduzido em terapias pela Sandoz, porm a estrutura qumica destas combinaes ativas, com a exceo da poro de acar, permanecia altamente desconhecida. Minha contribuio principal para a pesquisa da Scilla, na qual eu participei com entusiasmo, foi elucidar a estrutura qumica do ncleo comum dos glicosdeos da Scilla e mostrar suas diferenas, por um lado, os glicosdeos da Digitalis e, por outro lado, a relao estrutural ntima deles com os princpios txicos isolados de glndulas da pele de sapos. Em 1935 estes estudos foram temporariamente interrompidos. Procurando um novo campo de pesquisa, eu pedi ao Professor Stoll que me deixasse continuar as investigaes nos alcalides da cravagem do centeio (ergot) que ele tinha comeado em 1917 e que tinha conduzido diretamente ao isolamento da ergotamina em 1918. A Ergotamina descoberta por Stoll foi o primeiro alcalide da cravagem do centeio obtido em forma qumica pura. Embora a ergotamina tenha tomado rapidamente um significativo lugar nas terapias (sob o nome comercial Gynergen) como um remdio hemosttico na obstetrcia e como um medicamento no tratamento da enxaqueca, a pesquisa qumica da cravagem do centeio nos laboratrios da Sandoz ficou relegada ao isolamento da ergotamina e determinao de sua frmula emprica. Enquanto isso, no comeo dos anos trinta, laboratrios americanos e ingleses tinham comeado a determinar a estrutura qumica dos alcalides da cravagem do centeio. Eles tambm tinham descoberto um novo alcalide da cravagem do centeio, solvel em gua, que poderia ser igualmente isolado da tintura-me alcolica da produo da ergotamina. Assim pensei que era tempo oportuno para que a Sandoz retomasse a pesquisa qumica dos alcalides da cravagem do centeio, a menos que quisssemos arriscar perder nosso papel principal num campo de pesquisa medicinal que j estava se tornando muito importante. O professor Stoll concedeu meu pedido com algumas recomendaes: "Tenho que o advertir das dificuldades que voc enfrentar trabalhando com alcalides da cravagem do centeio. Estas substncias so sumamente sensveis, facilmente decompostas, menos estveis do que qualquer uma das combinaes que voc j investigou no campo dos glicosdeos cardacos. Mas voc bem-vindo para tentar". E assim os botes foram apertados, eu achei e me ocupei de um campo de estudo que se tornaria a principal meta da minha carreira profissional. Nunca me esqueci da alegria criativa, da antecipao ansiosa que eu senti embarcando no estudo dos alcalides da cravagem do centeio, naquele momento, um campo relativamente obscuro de pesquisa.

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1.2 - Cravagem do Centeio (Ergot)Pode ser til aqui dar um pouco de informao de base sobre a prpria cravagem. Para informao adicional sobre a cravagem, os leitores devem se referir s monografias de G. Barger, "Ergot and Ergotism" (Gurney e Jackson, Londres, 1931) e A. Hofmann, "Die Mutterkornalkaloide" (F. Enke Verlag, Stuttgart, 1964). O primeiro uma apresentao clssica da histria da droga, enquanto o segundo enfatiza seus aspectos qumicos. produzido por um pequeno fungo (Claviceps purpurea) que cresce parasitamente no centeio e, em menor escala, em outras espcies de cereais e gramas selvagens. Ncleos infestados com este fungo desenvolvem cavilhas encurvadas (sclerotia) de cor marrom-claro para violeta-dourado que so empurradas para fora no lugar dos gros normais. Cravagem descrita botanicamente como "sclerotium", a forma que o fungo da cravagem toma no inverno. Cravagem do centeio (Secale cornutum) a variedade medicinalmente usada. Cravagem do centeio, mais que qualquer outra droga, tem uma histria fascinante, no curso da qual seu papel e significando foram invertidos: inicialmente taxada como um veneno, com o passar do tempo este conceito mudou para um depsito rico de valiosos remdios. A cravagem do centeio apareceu primeiramente numa fase da histria, no incio da Idade Mdia, como a causa das ecloses de envenenamento em massa que afetaram milhares de pessoas a cada vez. A enfermidade, cuja conexo com a cravagem do centeio ficou por muito tempo obscura, aparecia sob duas formas caractersticas: uma gangrenosa (ergotismus gangraenosus) e outra convulsiva (ergotismus convulsivus). Nomes populares para o ergotismo tais como "mal dos ardentes", "ignis sacer", "heiliges Feuer", ou "fogo de Santo Antonio" referem-se forma gangrenosa da doena. O santo protetor das vtimas do ergotismo era Santo Antonio e foi principalmente a Ordem de Santo Antonio que tratou estes pacientes. At tempos recentes, epidemias como as ecloses de envenenamento pela cravagem do centeio, foram registradas na maioria dos pases europeus, incluindo certas reas da Rssia. Com o progresso da agricultura e desde a revoluo industrial no dcimo stimo sculo, epidemias de ergotismo por causa de po contento cravagem do centeio tem diminudo consideravelmente. A ltima grande epidemia aconteceu em certas reas da Rssia meridional nos anos 1926-27. O envenenamento em massa na cidade francesa meridional de Pont Sainte Esprit no ano 1951, o qual muitos escritores atriburam ao po contendo cravagem do centeio, de fato no teve nada a ver com ergotismo. Este envenenando foi motivado por uma combinao de mercrio orgnico que foi utilizado para desinfetar sementes. A primeira meno ao uso medicinal da cravagem do centeio aparece como um ecblico (medicamento para precipitar o parto) e est no herbrio da cidade de Frankfurt, do mdico Adam Lonitzer, datado de 1582. Embora como Lonitzer declarou, a cravagem do centeio tenha sido usada desde tempos antigos por parteiras, no foi antes de 1808 que esta droga ganhou entrada na medicina acadmica, em virtude de um trabalho do mdico americano John Stearns, intitulado "Account of the Putvis Parturiens, a Remedy for Quickening Childbirth (Contabilidade do Putvis Parturiens, um Remdio para Acelerar o Parto)". O uso da cravagem do centeio como um ecblico, porm no teve durao. Logo os mdicos se deram conta do grande perigo para a criana, principalmente devido grande incerteza da dosagem que, quando muito alta, conduzia a espasmos uterinos. Dali em diante, o uso da cravagem do centeio na obstetrcia, foi limitado a parar hemorragia de ps-parto (sangramento aps o parto). 6

No foi seno aps o reconhecimento da cravagem do centeio por vrios farmacopias durante a primeiro metade do dcimo nono sculo que foram dados os primeiros passos para isolar os princpios ativos da droga. Porm, de todos os investigadores que analisaram este problema durante os primeiros cem anos, nenhum teve sucesso identificando as substncias atuais responsveis pela atividade teraputica. Em 1907 os ingleses G. Barger e F. H. Carr foram os primeiros a isolar da cravagem do centeio uma preparao alcaloidal ativa que eles denominaram ergotoxina porque produzia mais propriedades txicas do que propriedades teraputicas. (Esta preparao no era homognea, mas, ao contrrio, era uma mistura de vrios alcalides como pude demonstrar trinta e cinco anos mais tarde). No obstante, o farmaclogo H. Dale descobriu que a ergotoxina, alm do efeito uterotnico, tambm tinha uma atividade antagnica na adrenalina, no sistema nervoso autnomo, que poderia conduzir os alcalides da cravagem do centeio ao uso teraputico. S com o isolamento da ergotamina por A. Stoll (como mencionado anteriormente) os alcalides da cravagem do centeio fizeram entrada e tiveram seu uso difundido em terapias. O incio da dcada de 30 trouxe uma nova era na pesquisa da cravagem do centeio. Comeam com a determinao da estrutura qumica dos alcalides da cravagem do centeio por laboratrios Americanos e Ingleses, como j mencionado anteriormente. Atravs da diviso qumica, W. A. Jacobs e L. C. Craig, ambos do Instituto Rockefeller de Nova Iorque, tiveram sucesso isolando e caracterizando o ncleo comum a todos os alcalides da cravagem do centeio. Eles denominaram a isto cido lisrgico. Ento veio um desenvolvimento maior, tanto para a qumica como para medicamentos: o isolamento do especfico princpio hemosttico uterotnico da cravagem do centeio que foi publicado simultaneamente e independentemente atravs de quatro instituies, inclusive os laboratrios da Sandoz. A substncia, um alcalide de estrutura comparativamente simples, foi denominada ergobasine (syn. ergometrine, ergonovine) por A. Stoll e E. Burckhardt. Pela degradao qumica da ergobasine, W. A. Jacobs e L. C. Craig obtiveram cido lisrgico e a propanolamina amino lcool como produtos desta diviso. Eu fixei como minha primeira meta, o problema de preparar este alcalide sinteticamente atravs da juno qumica dos componentes da ergobasine, cido lisrgico e propanolamina. O cido lisrgico necessrio para estes estudos teve que ser obtido por diviso qumica de algum outro alcalide da cravagem do centeio, de vez que ento s a ergotamina estava disponvel como um alcalide puro e j estava sendo produzida em quantidades de quilograma no departamento de produo farmacutica. Eu escolhi este alcalide como o material inicial para o meu trabalho e consegui obter 0,5 g de ergotamina das pessoas da produo da cravagem do centeio. Quando eu enviei o formulrio de requisio interna ao Professor Stoll para sua assinatura, ele apareceu em meu laboratrio e me repreendeu: "Se voc quer trabalhar com alcalides da cravagem do centeio, voc ter que se familiarizar com as tcnicas de micro-qumica. Eu no posso ter voc consumindo uma to grande quantidade da minha cara ergotamina nas suas experincias". O departamento de produo da cravagem do centeio, alm de usar cravagem do centeio de origem sua para obter a ergotamina, tambm tratava cravagem de centeio portuguesa que rendia um preparado alcaloidal amorfo que correspondia primeiro ergotoxina acima mencionada, produzida por Barger e Carr. Eu decidi usar este material menos caro para a preparao do cido lisrgico. O alcalide obtido do departamento de produo teve que ser purificado antes de fosse satisfatrio para a diviso a fim de obter o cido lisrgico. Observaes feitas durante o processo de purificao me levaram a pensar que a ergotoxina pudesse ser uma mistura de vrios alcalides, em lugar de um alcalide homogneo. Eu falarei depois da seqela de longo alcance destas observaes. Aqui tenho que divagar para descrever brevemente as condies tcnicas e de trabalho que prevaleciam naqueles dias. Estas observaes podem ser de interesse presente gerao de qumicos de pesquisa em indstrias que, de longe, esto acostumados a melhores condies. Ns ramos muito econmicos. Laboratrios individuais eram considerados uma rara extravagncia. Durante os primeiros seis anos de meu emprego na Sandoz, eu compartilhei um laboratrio com outros colegas. Ns, trs qumicos mais um assistente cada, trabalhvamos na mesma sala em trs campos 7

diferentes: Dr. Kreiss em glicosdeos cardacos; Dr. Wiedemann, que se uniu Sandoz praticamente no mesmo tempo que eu, trabalhava no pigmento da clorofila de folhas; e eu, em ltima instncia, em alcalides da cravagem do centeio. O laboratrio era equipado com duas coifas de fumaa (compartimentos providos com sadas), provendo exausto insuficiente atravs de chamas de gases. Quando ns pedimos que essas coifas fossem equipadas com ventiladores, nosso chefe recusou alegando que a ventilao atravs de chama de gs tinha sido suficiente no laboratrio de Willstatter. Durante os ltimos anos da Primeira Guerra Mundial, o Professor Stoll tinha sido assistente, em Berlim e Munich, do famoso qumico mundial, laureado com Nobel, Professor Richard Willstatter e com ele foram conduzidas as investigaes fundamentais da clorofila e a assimilao de dixido de carbono. Havia escassadamente uma discusso cientfica com o Professor Stoll na qual ele no mencionava seu venerado Professor Willstatter e seu trabalho no laboratrio de Willstatter. As tcnicas de trabalho disponveis aos qumicos no campo da qumica orgnica naquele tempo (comeo dos anos trinta) eram essencialmente iguais quelas empregadas por Justus von Liebig cem anos antes. O desenvolvimento mais importante alcanado desde ento foi a introduo da microanlise por B. Pregl que tornou possvel averiguar a composio elementar de um composto com apenas alguns miligramas de amostra, considerando que antes eram precisos alguns centigramas. Das outras tcnicas fsico-qumicas disposio do qumico hoje - tcnicas que mudaram seu modo de trabalho, tornando-o mais rpido e mais efetivo, criando completamente novas possibilidades, acima de tudo para a elucidao da estrutura - contudo nada disso existia naqueles dias. Para as investigaes dos glicosdeos da Scilla e os primeiros estudos no campo da cravagem do centeio, eu ainda usei a velha separao e tcnicas de purificao dos dias de Liebig: extrao fracionria, precipitao fracionria, cristalizao fracionria, e tal. A introduo da coluna de cromatografia, o primeiro passo importante nas tcnicas moderna de laboratrio, somente foi de grande valor para mim nas investigaes mais recentes. Para a determinao da estrutura, que hoje pode ser obtida rapidamente e elegantemente com a ajuda de mtodos espectroscpicos (UV, IR, NMR) e cristalografia por raio-X, ns tivemos que confiar, no primeiro estudo fundamental da cravagem do centeio, completamente nos velhos mtodos laboriosos de degradao qumica e derivatizao.

1.3 - cido lisrgico e Seus DerivadosO cido lisrgico provou ser uma substncia bastante instvel e sua recombinao com radicais bsicos impunham dificuldades. Na tcnica conhecida como Sntese de Curtius, eu finalmente achei um processo que provou ser til para combinar cido lisrgico com aminas. Com este mtodo eu produzi um grande nmero de compostos do cido lisrgico. Combinando cido lisrgico com propanolamina amino lcool, obtive uma combinao que era idntica ao alcalide natural ergobasine da cravagem do centeio. Com isso, a primeira sntese, quer dizer, a primeira produo artificial de um alcalide da cravagem do centeio foi realizada. Isto no s foi de interesse cientfico como a confirmao da estrutura qumica da ergobasine, mas tambm de significado prtico, porque ergobasine, especificamente o princpio hemosttico uterotnico, s est presente na cravagem do centeio em quantidades muito insignificantes. Com esta sntese, agora poderiam ser convertidos outros alcalides, que existem abundantemente na cravagem do centeio, em ergobasine que era valiosa na obstetrcia. Aps este primeiro sucesso no campo da cravagem do centeio, minhas investigaes prosseguiram adiante em duas frentes. Primeiro eu tentei melhorar as propriedades farmacolgicas da ergobasine por variaes de seu radical amino lcool. Meu colega, Dr. J. Peyer, e eu desenvolvemos um processo para a produo econmica da propanolamine e de outros amino lcool. Realmente, por substituio da propanolamine contida na ergobasine com o butanolamine amino lcool, foi obtido um princpio ativo que at mesmo ultrapassou o alcalide natural em suas propriedades teraputicas. Isto implicou em que a ergobasine fosse usada mundialmente em aplicao como um remdio hemosttico uterotnico 8

seguro, sob o nome comercial Methergine e hoje o principal medicamento para esta indicao na obstetrcia. Mais adiante eu empreguei meu procedimento sinttico para produzir novos compostos do cido lisrgico para os quais a atividade uterotnica no era proeminente, mas dos quais, baseado nas suas estruturas qumicas, poderiam ser esperados outros tipos de propriedades farmacolgicas interessantes. Em 1938 eu produzi a vigsima-quinta substncia desta srie de derivados do cido lisrgico: cido lisrgico diethylamide, abreviado LSD-25 (Lyserg-saure-diathylamid) para uso laboratorial. Eu tinha planejado a sntese desta combinao com a inteno de obter um estimulante circulatrio e respiratrio (um analptico). Poderiam ser esperadas tais propriedades estimulantes para o cido lisrgico diethylamide porque j mostrava semelhana de estrutura com a substncia qumica do analptico conhecido naquela ocasio, isto o cido nicotnico diethylamide (Coramine). Durante o teste do LSD-25 no departamento farmacolgico da Sandoz, cujo diretor era na ocasio o Professor Ernst Rothlin, foi estabelecido um forte efeito no tero. Sendo atribudo cerca de 70 por cento decorrentes da atividade da ergobasine. De passagem, o relatrio de pesquisa tambm notou que os animais experimentais ficaram inquietos durante o narcotismo. Porm a nova substncia no despertou nenhum interesse especial em nossos farmaclogos e mdicos; os testes foram ento descontinuados. Durante os prximos cinco anos nada mais foi ouvido falar da substncia LSD-25. Enquanto isso, meu trabalho no campo da cravagem do centeio tinha avanado em outras reas. Pela purificao da ergotoxine, o material inicial para o cido lisrgico, eu obtive, como j mencionado, a impresso de que esta preparao alcaloidal no era homognea, mas era realmente uma mistura de diferentes substncias. Esta dvida sobre a homogeneidade da ergotoxine foi reforada quando na sua hidrogenao foram obtidos dois produtos da hidrogenao distintamente diferentes, considerando que o homogneo alcalide ergotamine, sob as mesmas condies, rende s um nico produto da hidrogenao (hidrogenao = introduo de hidrognio). Sistemticas investigaes analticas estendidas da suposta mistura de ergotoxine conduziram, em ltima instncia, separao deste preparado alcaloidal em trs componentes homogneos. Um dos trs alcalides da ergotoxine, quimicamente homogneos, provou ser idntico a um alcalide isolado anteriormente no departamento de produo, que A. Stoll e E. Burckhardt tinham denominado ergocristine. Os outros dois alcalides eram ambos novos. O primeiro eu nomeei ergocornine; e para o segundo, o ltimo a ser isolado e que tinha permanecido escondido por muito tempo na tintura-me alcolica, escolhi o nome de ergokryptine (kryptos = escondido). Depois foi detectado que a ergokryptine acontece em duas formas ismeras que foram diferenciadas como alfa e beta-ergokryptine. A soluo do problema da ergotoxine no foi apenas cientificamente interessante, mas tambm teve grande significado prtico. Um valioso remdio surgiu disto. Os trs alcalides da ergotoxine hidrogenada que eu produzi no curso destas investigaes, dihydroergocristine, dihydroergokryptine e dihydroergocornine, medicinalmente exibiram propriedades teis durante os testes realizados pelo Professor Rothlin no departamento farmacolgico. Destas trs substncias, foi desenvolvido o preparado farmacutico Hydergine, um medicamento para melhoria da circulao perifrica e da funo cerebral no controle das desordens geritricas. Hydergine provou ser um remdio efetivo para estas indicaes na geriatria. Hoje o produto farmacutico mais importante da Sandoz. Dihydroergotamine, que eu igualmente produzi no curso destas investigaes, tambm encontrou aplicao em terapias como a investigao da circulao e medicamento para a estabilizao da presso sangunea, sob o nome comercial Dihydergot. Enquanto que hoje a pesquisa em projetos importantes quase sempre executada exclusivamente por um grupo de trabalho, as investigaes em alcalides da cravagem, descritas acima, foram executadas por uma s pessoa. At mesmo os passos qumicos adicionais na evoluo de preparados comerciais permaneceram em minhas mos, quero dizer, o preparo de quantidades maiores para as tentativas clnicas e, finalmente, a perfeio dos primeiros procedimentos para produo em massa da Methergine, Hydergine e Dihydergot. Este plano incluiu os controles analticos para o desenvolvimento da primeira forma comercial destes trs preparados: ampolas, solues lquidas e 9

comprimidos. Meus ajudantes naquele momento incluam um assistente de laboratrio, um ajudante de laboratrio e mais tarde, em adio, um segundo assistente de laboratrio e um tcnico qumico.

1.4 - Descoberta de Efeitos Psquicos do LSDA soluo do problema da ergotoxine, descrito brevemente aqui, tinha conduzido a resultados frutferos e tinha aberto caminhos adicionais de pesquisa, mas eu ainda no podia esquecer o relativamente desinteressante LSD-25. Um pressentimento peculiar, o sentimento de que esta substncia pudesse possuir propriedades diferentes das que foram estabelecidas nas primeiras investigaes me induziram, cinco anos depois da primeira sntese, a produzir o LSD-25 uma vez mais, na forma de uma amostra que poderia ser dada ao departamento farmacolgico para testes adicionais. Isto era bastante incomum; substncias experimentais, como regra geral, estavam definitivamente fora do programa de pesquisa uma vez determinada a falta de interesses farmacolgicos. No obstante, na primavera de 1943, eu repeti a sntese do LSD-25. Como na primeira sntese, isto envolveu somente a produo de alguns centigramas da combinao. No passo final da sntese, durante a purificao e a cristalizao do cido lisrgico diethylamide na forma de um tartarato (sal de cido tartrico), eu tive que interromper meu trabalho por causa de sensaes incomuns. A seguinte descrio deste incidente vem do relatrio que na ocasio enviei ao Professor Stoll: Sexta-feira passada, 16 de abril de 1943, fui forado a interromper meu trabalho no laboratrio, no meio da tarde e retornei a minha casa afetado por uma inquietude notvel, combinada com uma leve vertigem. Em casa eu me deitei e afundei numa condio no desagradvel de um tipo de intoxicao, caracterizada pela uma imaginao extremamente estimulada. Num estado como que em sonho, com os olhos fechados, eu achei a luz do dia desagradavelmente brilhante, eu percebia um fluxo ininterrupto de quadros fantsticos, formas extraordinrias com um intenso caleidoscpico jogo de cores. Depois de umas duas horas esta condio diminuiu. Isto tudo foi uma experincia completamente notvel, tanto no seu sbito aparecimento quanto no seu curso extraordinrio. Parecia ter sido o resultado de uma influncia txica externa; eu imaginei uma conexo com a substncia com a qual eu tinha estado trabalhando na ocasio, o tartarato de cido lisrgico diethylamide. Mas isto conduziu a outra pergunta: como eu tinha conseguido absorver este material? Por causa da conhecida toxicidade das substncias da cravagem, eu mantinha sempre meticulosamente limpos os uniformes de trabalho. Possivelmente um pouco da soluo de LSD tinham entrado em contato com as pontas dos meus dedos durante a cristalizao e um trao da substncia foi absorvida pela pele. Se o LSD-25 realmente tivesse sido a causa desta experincia estranha, ento deveria ser uma substncia de potncia extraordinria. Parecia haver s um modo de se chegar ao fundo disto. Eu decidi por fazer uma auto-experincia. Exercendo uma precauo extrema, comecei a srie de experincias planejada com a menor quantidade que poderia ser esperado que produzisse um pouco de efeito e poderia ser considerada como atividade dos alcalides da cravagem conhecidos na ocasio: isto , 0,25 mg (mg = miligrama = um milionsimo de uma grama) de tartarato de cido lisrgico diethylamide. Abaixo est citado o registro desta experincia no meu dirio de laboratrio de 19 de abril de 1943.

1.5 - Auto-experincia4/19/43 16:20: 0,5 cc de 1/2 soluo aquosa de promil tartarato de diethylamide oralmente = 0,25 mg. de tartarato. Tomado diludo com aproximadamente 10 cc. de gua. Inspido. 10

17:00: Comeando uma vertigem, sentimento de ansiedade, de distores visuais, sintomas de paralisia, desejo de rir. Suplemento de 4/21: Fui para Casa atravs de bicicleta. Das 18:00 s 20:00 crise mais severa. (Veja relatrio especial). Aqui cessam as notas do meu dirio de laboratrio. Eu s pude escrever as ltimas palavras com um grande esforo. Agora j estava claro para mim que o LSD tinha sido a causa da notvel experincia da sexta-feira prvia, pelas percepes alteradas que eram do mesmo tipo de antes s que com uma intensidade muito maior. Eu tive que lutar para falar de forma inteligvel. Eu pedi para meu assistente de laboratrio, que estava ciente da minha auto-experincia, que me acompanhasse at minha casa. Ns fomos de bicicleta, nenhum automvel estava disponvel por causa das restries de seu uso durante a guerra. Uma vez em casa, minha condio comeou a assumir formas ameaadoras. Tudo em meu campo de viso oscilava e estava distorcido como se visto num espelho torto. Eu tambm tive a sensao de estar impossibilitado de sair do lugar. No obstante, meu assistente me falou depois que ns tnhamos viajado muito rapidamente. Felizmente ns chegamos em casa so e salvos e eu fui capaz de pedir para meu companheiro chamar nosso mdico de famlia e mesmo pedir leite aos vizinhos. Apesar da minha condio delirante, confusa, eu tive breves perodos de pensamento claro e efetivo e escolhi leite como um antdoto no especfico para o envenenamento. A vertigem e sensao de desmaio s vezes ficavam to fortes que eu j no podia ficar em p e tive que me deitar num sof. Meus ambientes tinham se transformado agora de modo terrificante. Tudo no quarto estava girado ao meu redor e os objetos mais familiares, as peas de moblia assumiam formas grotescas, ameaadoras. Elas estavam em contnuo movimento, animadas, como se dirigidas por uma inquietude interna. A vizinha, que eu reconheci parcamente, trouxe-me leite e, durante a noite, bebi mais de dois litros. Ela no era mais nenhuma Senhora R., mas sim uma bruxa malvola, insidiosa com uma mscara colorida. At pior que estas transformaes endiabradas do mundo exterior, eram as alteraes que eu percebia em mim, em meu prprio ser interno. Todo esforo na minha tentativa para pr um fim na desintegrao do mundo exterior e na dissoluo de meu ego, parecia ser um esforo desperdiado. Um demnio tinha me invadido, tinha tomado posse do meu corpo, mente, e alma. Saltei, gritei e tentei me livrar dele, entretanto afundei novamente e me deitei impotente no sof. A substncia, que eu tinha querido experimentar, tinha me derrotado. Era o demnio que desdenhosamente triunfava sobre minha vontade. Fui tomado pelo terrvel medo de ter ficado louco. Eu fui levado para um outro mundo, um outro lugar, um outro tempo. Meu corpo parecia estar sem sensaes, inanimado, estranho. Estaria eu morrendo? Esta era a transio? s vezes eu acreditava que estava fora do meu corpo e ento percebia claramente, como um observador externo, a completa tragdia da minha situao. Eu nem mesmo tinha tido a oportunidade de me despedir da minha famlia (minha esposa, com nossas trs crianas, tinha viajado naquele dia para visitar seus pais, em Lucerne). Entenderiam eles que eu no tinha experimentado irrefletidamente, irresponsavelmente, mas com uma precauo bastante extrema e isto era um resultado totalmente imprevisvel? Meu medo e desespero se intensificaram, no s porque uma famlia jovem poderia perder seu pai, mas tambm porque eu temia ter que deixar meu trabalho de pesquisa qumica inacabado no meio de um desenvolvimento frutfero, promissor. Outra reflexo que tomou forma foi uma idia cheia de ironia amarga: se eu fosse forado a deixar este mundo prematuramente, seria por causa deste cido lisrgico diethylamide que eu mesmo tinha trazido ao mundo. Antes que o doutor chegasse, o clmax da minha desesperada condio j tinha passado. Meu assistente de laboratrio o informou sobre minha auto-experincia porque eu no era ainda capaz de formular uma frase coerente. Ele, perplexo, balanou sua cabea depois de minhas tentativas para descrever o perigo mortal que ameaava meu corpo. Ele no pde descobrir nenhum sintoma anormal diferente das pupilas extremamente dilatadas. Pulso, presso sangunea e a respirao estavam totalmente normais. Ele no via nenhuma razo para prescrever qualquer medicamento. Ao invs disso 11

ele me levou para minha cama e ficou me vigiando. Lentamente eu voltei de um mundo misterioso, pouco conhecido e reassumindo a realidade cotidiana. O horror suavizou-se e deu lugar a um sentimento de muita felicidade e gratido, quanto mais normais as percepes e os pensamentos devolvidos, fiquei mais confiante de que o perigo da loucura tinha definitivamente passado. Agora, pouco a pouco, eu poderia comear a desfrutar as cores sem precedentes e os jogos de forma que persistiram por trs de meus olhos fechados. Imagens caleidoscpicas, fantsticas surgiram em mim, variando, alternando, abrindo e ento se fechando em crculos e espirais, explodindo em fontes coloridas, reorganizando e se cruzando em fluxos constantes. Era particularmente notvel como cada percepo acstica, como o som de uma maaneta de porta ou de um automvel passando, foi transformada em percepo ptica. Todo som gerava uma vvida imagem varivel, com sua prpria forma, consistncia e cor. Mais tarde, noite, minha esposa voltou de Lucerne. Algum a tinha informado, atravs de um telefonema, que eu estava sofrendo um desarranjo misterioso. Ela tinha voltado para casa imediatamente e tinha deixado para trs as crianas com os pais dela. At ento eu j tinha me recuperado suficientemente para lhe contar o que tinha me acontecido. Exausto, ento eu dormi para despertar na prxima e fresca manh com uma mente clara, embora ainda um pouco cansado fisicamente. Uma sensao de bem-estar e vida renovada flua por mim. O caf da manh teve um gosto delicioso e me deu um extraordinrio prazer. Quando depois eu fui ao jardim, no qual o sol brilhava depois de uma chuva da primavera, tudo brilhou e centelhou numa luz fresca. O mundo era como se tivesse sido recentemente criado. Todos meus juzos vibravam em uma condio mais alta de sensibilidade que persistiu durante o dia inteiro. Esta auto-experincia mostrou que o LSD-25 se comportara como uma substncia de propriedades psicoativas extraordinrias e com muita potncia. No havia no meu conhecimento, nenhuma outra substncia que provocasse tais efeitos psquicos profundos em tais doses extremamente baixas e que causassem tais mudanas dramticas na conscincia humana e na nossa experincia do mundo interior e exterior. O que parecia mais significante era que eu podia at mesmo lembrar-me da experincia de inebriao do LSD em todos os detalhes. Isto s poderia significar que a funo gravadora da conscincia no foi interrompida, at mesmo no clmax da experincia do LSD, apesar do desarranjo profundo da viso normal do mundo. Durante toda a experincia, eu tinha estado ciente, at mesmo atento, da participao em uma experincia, mas apesar deste reconhecimento da minha condio, no pude eu, com todo o esforo do meu querer, sacudir o mundo do LSD. Tudo foi experimentado como completamente real, como uma realidade alarmante; alarmante porque o quadro da outra, a familiar realidade cotidiana, ainda tinha sido completamente preservada na memria para comparao. Outro aspecto surpreendente do LSD foi sua habilidade de produzir um estado de longo alcance, poderoso de inebriao, sem deixar uma ressaca. Totalmente ao contrrio, no dia seguinte ao experimento do LSD eu mesmo me senti, como j descrevi, em excelente condio fsica e mental. Eu estava seguro que o LSD, uma combinao ativa nova com tais propriedades, teria que ter uso na farmacologia, na neurologia e especialmente na psiquiatria, e que atrairia o interesse dos especialistas envolvidos. Mas naquele momento eu no tive nenhuma percepo de que a nova substncia tambm viria a ser usada, alm da cincia mdica, como um inebriante no cenrio das drogas. Considerando que minha auto-experincia tinha revelado o LSD em seu terrificante e endiabrado aspecto, a ltima coisa que eu poderia ter esperado era que esta substncia pudesse mesmo achar aplicao como qualquer coisa se aproximando de uma droga de prazer. Eu, alm disso, no reconheci a conexo significante entre a inebriao do LSD e as experincias visionrias espontneas, at muito mais recente, depois de experincias adicionais que foram levadas a cabo com doses muito mais baixas e debaixo de condies diferentes. 12

No prximo dia eu escrevi ao Professor Stoll o relato acima mencionado, informando sobre minha experincia extraordinria com o LSD-25 e enviei uma cpia ao diretor do departamento farmacolgico, Professor Rothlin. Como esperado, a primeira reao foi de uma incrdula surpresa. Imediatamente uma chamada telefnica veio da administrao; o Professor Stoll perguntou: "Voc est certo que no cometeu nenhum engano de julgamento? A dose declarada est realmente correta?" Professor Rothlin tambm me chamou e fez a mesma pergunta. Eu estava certo deste ponto, porque tinha executado o peso e a dosagem com minhas prprias mos. Ainda que suas dvidas fossem at certo ponto justificadas, at ento nenhuma substncia conhecida tinha exibido o efeito psquico mais leve at mesmo em doses de frao de um miligrama. Uma combinao ativa de tal potncia parecia quase incrvel. O Professor Rothlin e dois de seus colegas foram os primeiros a repetir minha experincia, com s um tero da dose que eu tinha utilizado. Mas at mesmo naquele nvel, os efeitos ainda foram extremamente impressionantes e bastante fantsticos. Todas as dvidas sobre as declaraes do meu relatrio foram eliminadas.

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2. LSD em Experincias com Animais e Pesquisa BiolgicaDepois da descoberta de seus efeitos psquicos extraordinrios, a substncia LSD-25, que cinco anos antes tinha sido excluda de investigao adicional depois das primeiras experincias com animais, foi readmitida novamente na srie de preparaes experimentais. A maioria dos estudos fundamentais com animais foi executada pelo Dr. Aurlio Cerletti no departamento farmacolgico da Sandoz, coordenado pelo Professor Rothlin. Antes que uma nova substncia ativa possa ser investigada em testes clnicos sistemticos com seres humanos, devem ser determinados extensos dados de seus efeitos e de efeitos colaterais em testes farmacolgicos com animais. Estas experincias tm que analisar a assimilao e a eliminao da substncia particular nos organismos e, acima de tudo, sua tolerncia e relativa toxicidade. Somente os relatos mais importantes em experincias do LSD com animais e aqueles inteligveis s pessoas leigas sero vistos aqui. Em muito excederia o mbito deste livro se eu tentasse mencionar todos os resultados das vrias centenas de investigaes farmacolgicas que foram administradas no mundo inteiro em relao ao trabalho fundamental do LSD nos laboratrios da Sandoz. Experincias com animais revelam pouco sobre as alteraes mentais causadas pelo LSD porque efeitos psquicos raramente so determinveis em animais inferiores e at mesmo nos mais altamente desenvolvidos eles s podem ser estabelecidos at uma extenso limitada. O LSD produz seus efeitos, acima de tudo, na esfera das mais altas funes psquicas e intelectuais. ento compreensvel que s podem ser esperadas reaes especficas do LSD em animais superiores. No podem ser estabelecidas mudanas psquicas sutis em animais porque, mesmo que eles soubessem o que est acontecendo, o animal no pode nos dar a informao. Assim, s perturbaes psquicas relativamente grandes se expressam no comportamento alterado dos animais de pesquisa e se torna discernvel. Quantidades substancialmente maiores que as doses efetiva do LSD em seres humanos so ento necessrias, at mesmo em animais superiores como gatos, cachorros e macacos. Enquanto o rato sob a influncia do LSD s demonstra perturbaes motoras e alteraes no comportamento de higiene, no gato vemos, alm de sintomas vegetativos como eriar o cabelo (piloerection) e salivao, indicaes que apontam para a existncia de alucinaes. Os animais fitam ansiosamente o ar e, em vez de atacar o rato, o gato deixa-o ir embora ou at mesmo se levantar com medo dele. Uma pessoa tambm poderia concluir que o comportamento de cachorros que esto sob a influncia do LSD envolve alucinaes. Uma comunidade enjaulada de chimpanzs reage muito sensivelmente se um membro da tribo recebeu LSD. Embora nenhuma mudana aparea neste nico animal, a gaiola inteira entra em alvoroo porque o chimpanz do LSD j no observa as leis de sua ordem tribal hierrquica finamente coordenada. Do restante das espcies de animais nas quais o LSD foi testado, s os peixes de aqurio e aranhas merecem ser mencionados aqui. Nos peixes foram observadas posturas natatrias incomuns e nas aranhas, alteraes na construo da teia foram, aparentemente, produzidas atravs do LSD. Com doses otimizadas em valores muito baixos, as redes tinham at uma melhor proporo e foram construdas mais exatas do que o normal, porm com doses mais altas as redes estavam mal e rudimentarmente feitas.

2.1 Quo Txico o LSD?A toxicidade do LSD foi determinada em vrias espcies animais. Um padro para a toxicidade de uma substncia o LDso, ou a dose letal mdia, quer dizer, a dose com que 50 por cento dos animais tratados morrem. Em geral flutua amplamente de acordo com a espcie animal. Assim tambm acontece com o LSD. O LDso para o camundongo de 50-60 mgtkg i.v. (quer dizer, 50 a 60 milsimos de um grama de LSD por quilograma de peso do animal em injeo de uma soluo de LSD nas veias). No rato, o LDso cai para 16,5 mg/kg e em coelhos, para 0,3 mg/kg. Um elefante, ao qual foi dado 0,97 g de LSD, morreu depois de alguns minutos. Foi determinado que o peso deste animal fosse de cerca de 5.000 kg, o que correspondem a uma dose letal de 0,06 mg/kg (0,06 milsimos de 14

um grama por quilograma de peso do corpo). Porque isto envolveu s um nico caso, este valor no pode ser generalizado, mas ns podemos pelo menos deduzir disto que o maior animal da terra reage proporcionalmente muito mais sensivelmente em relao ao LSD, porque a dose letal em elefantes mostrou ser 1.000 vezes menor que a do rato. A maioria dos animais que receberam uma dose letal de LSD morreu devido parada respiratria. As diminutas doses que causam morte nas experincias animais podem dar a impresso que o LSD uma substncia muito txica. Porm, se a pessoa compara a dose letal em animais com a dose efetiva em seres humanos que de 0,0003-0,001 mg/kg (0,0003 a 0,001 milsimos de grama por quilograma de peso do corpo), isto mostra uma extraordinria baixa toxicidade para o LSD. S uns 300 a 600 apresentaram overdose de LSD, comparado dose letal em coelhos, ou arredondamente uns 50.000 - a 100.000 apresentaram overdose, em comparao toxicidade nos ratos, teriam resultados fatais em seres humanos. Estas comparaes de toxicidade relativa, para se estar seguro, somente so compreensveis como estimativas de ordens de magnitude; para a determinao do ndice teraputico (quer dizer, a relao entre a dose efetiva e a dose letal) s significante dentro de uma determinada espcie. Tal procedimento no possvel neste caso porque a dose letal do LSD para humanos no conhecida. Do meu conhecimento, ainda no houve qualquer vtima em conseqncia direta de envenenamento por LSD. Foram registrados numerosos episdios de conseqncias fatais atribudos realmente ingesto de LSD, mas estes eram acidentes, at mesmo suicdios que podem ser atribudos condio mentalmente desorientada pela intoxicao de LSD. O perigo do LSD repousa no na sua toxicidade, mas antes na imprevisibilidade de seus efeitos psquicos. Alguns anos atrs apareceram relatrios na literatura cientfica e tambm na imprensa especializada, alegando que danos para os cromossomos ou para o material gentico teriam sido causados por LSD. Porm estes efeitos foram observados s em alguns poucos casos individuais. Porm amplas investigaes subseqentes, com um nmero estatisticamente significante de casos, mostrou que no havia nenhuma conexo entre anomalias de cromossomos e medicamentos de LSD. O mesmo se aplica aos relatrios sobre deformidades fetais que supostamente teriam sido produzidas pelo LSD. Em experincias com animais realmente possvel induzir deformidades fetais por doses extremamente altas de LSD, que ficam bem acima das doses usadas em seres humanos. Mas sob tais condies, at mesmo substncias inocentes tambm produzem danos. Exames de casos individuais informados de deformidades fetais humanas revelaram, novamente, no haver nenhuma conexo entre o uso do LSD e tais danos. Se houvesse alguma tal conexo, isto teria h muito tempo chamado a ateno desde ento, pelos vrios milhes de pessoas que at agora j tomaram LSD.

2.2 Propriedades farmacolgicas do LSDO LSD facilmente e completamente absorvido pela rea do trato gastrintestinal. ento desnecessrio injetar LSD, exceto em casos de propsitos especiais. Experincias em ratos, com LSD associado radioatividade, estabeleceram que o LSD injetado intravenosamente desapareceu, at o menor vestgio, muito rapidamente da circulao sangnea e foi distribudo ao longo do organismo. Inesperadamente, a mais baixa concentrao achada no crebro. Concentra-se em certos centros do meio do crebro que representam um papel na regulagem da emoo. Tais achados do indicaes sobre a localizao de certas funes psquicas no crebro. A concentrao de LSD nos vrios rgos atinge o mximo estimado em 10 a 15 minutos depois da injeo, ento cai novamente rapidamente. O intestino delgado, no qual a concentrao atinge o mximo dentro de duas horas, constitui uma exceo. A eliminao do LSD administrada a maior parte (at uns 80 por cento) pelos intestinos, pelo fgado e blis. Somente 1 a 10 por cento do produto eliminado contm LSD inalterado; o remanescente composto de vrios produtos transformados. Como os efeitos psquicos do LSD persistem at mesmo depois que ele j no possa mais ser detectado no organismo, ns temos que assumir que o LSD no ativo como tal, mas isto aponta mais propriamente para certos mecanismos bioqumicos e neurofisiolgicos, e tambm para 15

mecanismos psquicos que provocam a condio inebriante e continuam mesmo na ausncia do princpio ativo. O LSD estimula os centros do sistema nervoso simptico no meio do crebro o que conduz a dilatao das pupilas, ao aumento da temperatura do corpo, e subida do nvel de acar no sangue. A atividade uterino-constritora do LSD j foi mencionada. Uma propriedade farmacolgica especialmente interessante do LSD, descoberta por J. H. Gaddum na Inglaterra, seu efeito bloqueador de serotonina. Serotonina uma substncia parecida com hormnio, ocorrendo naturalmente em vrios rgos de animais de sangue quente. Concentrando-se no meio do crebro, representa um importante papel na propagao de impulsos em certos nervos e ento na bioqumica de funes psquicas. O rompimento do funcionamento natural da serotonina pelo LSD, foi durante algum tempo considerado uma explicao de seus efeitos psquicos. Todavia foi logo demonstrado que tambm certos derivados do LSD (compostos no qual a estrutura qumica do LSD ligeiramente modificada), que no exibiam nenhuma propriedade alucingena, inibiam os efeitos da serotonina da mesma maneira forte ou ainda mais fortemente que o LSD inalterado. O efeito bloqueador de serotonina do LSD no suficiente para explicar suas propriedades alucingenas. O LSD tambm influencia funes neurofisiolgicas que so conectadas com a dopamina que, como a serotonina, uma substncia parecida com hormnio, ocorrendo naturalmente. A maioria dos centros do crebro receptivos para a dopamina ativada pelo LSD, enquanto os outros so deprimidos. Como ainda ns no conhecemos os mecanismos bioqumicos pelos quais o LSD mostra seus efeitos psquicos, investigaes das interaes do LSD com fatores do crebro como a serotonina e a dopamina, porm, so exemplos de como o LSD pode servir como uma ferramenta na pesquisa do crebro, no estudo dos processos bioqumicos que esto por baixo das funes psquicas.

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3. Modificaes qumicas do LSDQuando um novo tipo de composto ativo descoberto durante a pesquisa de substncias qumicafarmacuticas, seja pelo isolamento de uma droga de uma planta ou de um rgo animal ou pela produo sinttica como no caso do LSD, ento o qumico tenta, atravs de alteraes na sua estrutura molecular, produzir novas combinaes com atividades semelhantes, talvez melhoradas ou com outras propriedades ativas valiosas. Ns chamamos a este processo de uma modificao qumica do tipo de substncia ativa. De aproximadamente 20.000 novos produtos que so produzidos anualmente nos laboratrios de pesquisa de substncias farmacutico-qumicas do mundo, a maioria esmagadora de produtos resultantes da modificao da proporcionalidade de poucos componentes ativos. A descoberta de um tipo realmente novo de substncia ativa - novo com respeito estrutura da substncia qumica e do efeito farmacolgico - um raro golpe de sorte. Em seguida a descoberta dos efeitos psquicos do LSD, foi designada dois outros colaboradores para me ajudar a empreender as modificaes qumicas do LSD numa base mais ampla e em investigaes adicionais no campo dos alcalides da cravagem. O trabalho na estrutura qumica dos alcalides da cravagem do tipo peptdeo, que compreende tambm o grupo da ergotamina e dos alcalides da ergotoxina, continuou com o Dr. Theodor Petrzilka. Trabalhando com o Dr. Franz Troxler produzi um grande nmero de modificaes qumicas do LSD e tentamos ganhar conhecimentos adicionais na estrutura do cido lisrgico para o qual os investigadores americanos j tinham proposto uma frmula estrutural. Em 1949 ns tivemos sucesso corrigindo esta frmula e especificando a estrutura deste ncleo vlida para todos os alcalides da cravagem, e claro, incluindo o LSD. As investigaes dos alcalides peptdeos da cravagem conduziram s frmulas estruturais completas destas substncias as quais publicamos em 1951. Sua exatido foi confirmada pela sntese total da ergotamina que foi realizada dez anos depois em colaborao com dois colaboradores mais jovens: Dr. Albert J. Frey e Dr. Hans Ott. Outro colaborador, Dr. Paul A. Stadler, foi, em grande parte, o responsvel pelo desenvolvimento desta sntese num processo praticvel em escala industrial. A produo sinttica de alcalides peptdeos da cravagem que usam cido lisrgico obtido de culturas especiais do fungo da cravagem em tanques tem grande importncia econmica. Este procedimento usado para produzir a matria prima para os medicamentos Hydergine e Dihydergot. Ento ns retornamos s modificaes qumicas do LSD. Desde 1945 foram produzidos muitos derivados do LSD em colaborao com o Dr. Troxler, mas nenhum provou ser mais alucinogenicamente ativo do que o LSD. Realmente, os parentes muito mais prximos se provaram essencialmente menos ativo neste respeito. H quatro possibilidades diferentes de arranjo espacial dos tomos na molcula do LSD. Eles so diferenciados em linguagem tcnica pelo prefixo iso e as letras D e L. Alm do LSD que mais corretamente designado como cido D-lisrgico diethylamide que eu tambm produzi e igualmente testei em auto-experincia, as trs outras formas espaciais diferentes, isto cido D-isolisrgico dietilamida (iso-LSD), cido L-lisrgico dietilamida (L-LSD), e cido L-isolisrgico dietilamida (Liso-LSD). As ltimas trs formas de LSD no mostraram nenhum efeito psquico at uma dose de 0,5 mg, que corresponde a 20 vezes a quantidade de uma dose de LSD distintamente ativa. Uma substncia bastante relacionada ao LSD, o cido lisrgico monoetilamido (LAE-23), no qual um grupo etil substitudo por um tomo de hidrognio no resduo dietilamido de LSD, provou ser cerca de dez vezes menos psicoativo que o LSD. O efeito alucingeno desta substncia tambm qualitativamente diferente: caracterizado por um componente narctico. Este efeito narctico ainda mais pronunciado no amido cido lisrgico (LA-111) no qual ambos os grupos etil do LSD foram deslocados atravs de tomos de hidrognio. Estes efeitos, que estabeleci em comparativos nas autoexperincias com o LA-111 e LAE-32, foram confirmados atravs de investigaes clnicas subseqentes.

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Quinze anos depois ns encontramos o amido cido lisrgico, que tinha sido produzido sinteticamente como resultado daquelas investigaes, como um princpio ativo de ocorrncia natural na droga mgica mexicana chamada ololiuhqui. Num prximo captulo darei mais detalhes desta inesperada descoberta. Certos resultados da modificao qumica do LSD provaram ser valorosas para a pesquisa medicinal; foram achados derivados de LSD que eram s fracamente ou mesmo no alucingeno, em vez disto eles exibiam outros efeitos do LSD numa extenso ainda maior. Tal como um efeito do LSD o seu efeito bloqueante no neurotransmissor de serotonina (referir-se ao previamente j discutido sobre as propriedades farmacolgicas do LSD). Como serotonina desempenha um papel em processos alrgicoinflamatrios e tambm na gerao de enxaqueca, uma substncia especfica bloqueadora da serotonina era de grande significado para a pesquisa medicinal. Ns procuramos ento sistematicamente um derivado do LSD sem efeitos alucingenos, mas com a possvel atividade bloqueadora da serotonina mais elevada. A primeira substncia ativa parecida foi achada no bromoLSD que se tornou conhecido na pesquisa medicinal-biolgica sob a designao BOL-148. No curso de nossas investigaes em antagonistas de serotonina, o Dr. Troxler produziu ento combinaes ainda mais fortes e mais especificamente ativas. Os mais ativos entraram no mercado medicinal como um medicamento para o tratamento da enxaqueca, sob a marca registrada "Deseril" ou, em pases de lngua inglesa, "Sansert".

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4. Uso do LSD na PsiquiatriaLogo depois que o LSD foi experimentado em animais, foi feita a primeira investigao sistemtica da substncia em seres humanos, na clnica psiquitrica da Universidade de Zurique. Werner A. Stoll, M.D. (filho do Professor Arthur Stoll), conduziu esta pesquisa e publicou seus resultados em 1947 no "Schweizer Archiv und fur Neurologie und Psychiatrie", sob o ttulo "Lysergsaure-diathylamid, ein Phantastikum aus der Mutterkorngruppe" [cido lisrgico diethylamide, um fantstico do grupo da cravagem]. Os testes envolveram objetos de pesquisa saudveis e tambm pacientes esquizofrnicos. A dosagem, substancialmente abaixo da minha primeira auto-experincia que foi feita com 0,25 mg tartarato de LSD, importou s de 0,02 a 0,13 mg. O estado emocional durante a inebriao do LSD foi aqui predominantemente eufrico, considerando que em minha experincia o humor estava marcado por efeitos colaterais srios que so resultados de overdose e, claro que, do medo de um resultado incerto. Esta publicao fundamental, que deu uma descrio cientfica de todas as caractersticas bsicas da inebriao do LSD, classificou o novo princpio ativo como um fantstico. Porm a questo da aplicao teraputica do LSD permaneceu sem resposta. Por outro lado, o relatrio enfatizou a atividade extraordinariamente alta do LSD, que corresponde atividade motivada por traos de substncias [N.T. quantidades nfimas] que ocorrem naturalmente no organismo e que so com certeza consideradas como responsveis pelas desordens mentais. Outro assunto discutido nesta primeira publicao foi a possvel aplicao do LSD como uma ferramenta de pesquisa na psiquiatria devido a sua tremenda atividade psquica.

4.1. Primeira auto-experincia por um PsiquiatraNo seu artigo, W. A. Stoll tambm deu uma descrio detalhada da sua prpria experincia com o LSD. Desde que esta foi a primeira auto-experincia publicada por um psiquiatra e que tambm descreve muitas caractersticas especficas da inebriao do LSD, interessante citar extensivamente este relatrio. Eu agradeo calorosamente o autor pela amvel permisso para republicar este extrato. s 8 horas tomei 60 mcg (0,06 miligramas) de LSD. Uns 20 minutos mais tarde, apareceram os primeiros sintomas: peso nos membros, sintomas de ataques leves (i.e., confusos, sem coordenao). Seguiu-se uma fase subjetivamente muito desagradvel de males generalizados em paralelo com a queda da presso sangunea registrada pelos examinadores. Uma certa euforia ento comeou, entretanto me pareceu mais fraca do que a que eu experimentara numa vez anterior. A ataxia aumentou e eu comecei a "navegar" ao redor do quarto a largos passos. Eu me sentia um pouco melhor, mas ficava contente em permanecer deitado. Posteriormente o quarto foi escurecido (experincia escura); seguiu-se uma experincia sem precedentes, de uma intensidade inimaginvel, que continuou aumentando em fora. Isto foi caracterizado por uma profuso incrvel de alucinaes pticas que apareciam e desapareciam com grande velocidade, constituindo incontveis novas imagens. Eu vi uma profuso de crculos, vrtices, fascas, chuveiros, cruzes e espirais em constante e contnuo fluxo. As imagens pareciam fluir em mim predominantemente do centro do campo visual ou da mais baixa extremidade esquerda. Quando um quadro aparecia no meio, o restante do campo de viso estava simultaneamente cheio com um grande nmero de vises semelhantes. Tudo era colorido: brilhante, vermelho luminoso, amarelo e verde predominaram.

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Eu nunca consegui me demorar em qualquer quadro. Quando o supervisor da experincia enfatizou minhas grandes fantasias, a riqueza de minhas declaraes, s pude reagir com um simptico sorriso. De fato, eu sabia que no podia reter, muito menos descrever, mais que uma frao dos quadros. Tinha que me esforar para dar uma descrio. Condies como "fogos de artifcio" ou "caleidoscpio" eram pobres e inadequadas. Eu sentia que tinha que submergir cada vez mais profundamente neste mundo estranho e fascinante para permitir que sua exuberncia, sua riqueza inimaginvel, trabalhassem em mim. No princpio, as alucinaes eram elementares: raios, feixes de raios, anis, vrtices, laadas, sprays, nuvens, etc. Ento vises altamente organizadas tambm apareceram: arcos, filas de arcos, um mar de telhados, paisagens de deserto, terraos, fogos bruxelantes, cus estrelados de um esplendor incrvel. As imagens originais, mais simples, continuavam no meio destas alucinaes altamente organizadas. Eu me lembro particularmente das seguintes imagens: Uma sucesso de construes muito altas, abbodas gticas, um coro infinito do qual eu no podia ver as partes mais baixas. Uma paisagem de arranha-cus, quadros rememorativos da entrada para um porto de Nova Iorque; prdios cambaleavam uns atrs e ao lado de outros com inumerveis filas de janelas. Novamente faltavam as fundaes. Um sistema de mastros e cordas que me fizeram lembrar da reproduo de uma pintura vista no dia anterior (dentro de uma barraca de circo). Um cu do anoitecer de um inimaginvel azul plido sobre os telhados escuros de uma cidade espanhola. Eu tive um peculiar sentimento de antecipao, estava cheio de alegria e decididamente pronto para aventura. Todas de uma vez, as estrelas chamejaram, acumularamse e viraram uma densa chuva de estrelas e fascas que flua para mim. A cidade e o cu tinham desaparecido. Eu estava num jardim, via um vermelho brilhante, amarelo, e luzes verdes caindo num trabalho escuro de trelia, uma indescritvel e encantadora experincia. Era significante que todas as imagens consistiam em incontveis repeties dos mesmos elementos: muitas fascas, muitos crculos, muitos arcos, muitas janelas, muitos fogos, etc. eu nunca via imagens isoladas, mas sempre duplicaes da mesma imagem, que eternamente se repetia. Eu me sentia unificado com todos os romanticistas e sonhadores, com os pensamentos de E. T. A. Hoffmann, vi o turbilho de Poe (embora na ocasio que eu li Poe, sua descrio me pareceu exagerada). Freqentemente eu parecia me levantar ao pinculo da experincia artstica; eu luxuriava nas cores do altar de Isenheim e conheci a euforia e a exultao de uma viso artstica. Tambm devo ter falado novamente e novamente de arte moderna; eu pensava em quadros abstratos e parecia entender tudo de uma vez. Ento novamente, havia impresses de uma pobreza extrema, tanto nas suas formas quanto nas suas combinaes de cor. Os mais vulgares ornamentos de luminria modernos e baratos e travesseiros de sof entraram na minha mente. O ritmo do pensamento ficou acelerado. Mas eu tinha a sensao que o supervisor da experincia ainda poderia manter meu ritmo. Claro que eu sabia intelectualmente que eu o estava apressando. No princpio eu tinha as descries rapidamente sob controle. Com o ritmo crescendo freneticamente, ficou impossvel refletir um pensamento at seu fim. Eu devo ter apenas s comeado muitas frases. Quando eu tentei me restringir a assuntos especficos, a experincia se revelou mais um fracasso. Minha mente enfocava at mesmo, num certo sentido, imagens contraditrias: arranha-cus em vez de uma igreja, um grande deserto em vez de uma montanha. 20

Eu assumi que tinha estimado com preciso o decorrer do tempo, mas no levei o assunto muito seriamente. Tais perguntas nem de leve no me interessavam. O estado de minha mente era conscientemente eufrico. Eu desfrutei esta condio, estava sereno e tomei o mais ativo interesse pela experincia. De vez em quando eu abria meus olhos. A fraca luz vermelha parecia misteriosa, muito mais que antes. O atarefado supervisor que estava anotando a pesquisa me pareceu estar muito distante. Freqentemente tive sensaes completamente peculiares: acreditei que minhas mos estavam presas em algum corpo distante, mas no estava certo de que era eu mesmo. Depois do trmino da primeira experincia escura, passeei um pouco no quarto, estava inseguro de minhas pernas, e novamente me sentia menos bem. Senti frio e fiquei grato que o supervisor da pesquisa me cobriu com uma manta. Eu me sentia desleixado, barbudo e sujo. O quarto parecia estranho e amplo. Depois me agachei num tamborete alto, pensando o tempo todo que eu estava l como um pssaro no poleiro. O supervisor enfatizou minha prpria aparncia miservel. Ele parecia notavelmente gracioso. Eu tinha mos pequenas, finamente formadas. Quando as lavei, isto estava acontecendo longe de mim, em algum lugar abaixo e direita. Se elas eram as minhas prprias mos era questionvel, mas totalmente sem importncia. Na paisagem do lado de fora, bem conhecida para mim, muitas coisas pareciam ter mudado. Alm das alucinaes, eu tambm podia ver agora a realidade. Mais tarde isto j no mais possvel, embora eu permanecesse ciente que aquela realidade era ao contrrio. Um barraco e a garagem que se encontrava diante dele esquerda, de repente se transformou em uma paisagem de runas, quebrada em pedaos. Eu vi destroos de paredes e vigas projetando-se, inspiradas indubitavelmente pela memria dos eventos de guerra nesta regio. Num campo uniforme e extenso continuei vendo figuras que eu tentei gravar, mas no pude adquirir mais nenhum detalhe alm de toscos esboos. Eu vi uma ornamentao escultural extremamente rica, numa metamorfose constante, num fluxo contnuo. Fizeram-me lembrar de toda cultura estrangeira possvel, vi motivos mexicanos, ndios. Entre um gradil de pequenas vigas e gavinhas parecendo um pouco uma caricatura, dolos, mscaras, de repente estranhamente misturadas com desenhos infantis de pessoas. A durao foi mais curta quando comparada com a da experincia escura. Agora a euforia tinha desaparecido. Eu fiquei deprimido, especialmente durante a segunda experincia escura que se seguiu. Considerando que durante a primeira experincia escura, as alucinaes tinham se alternado com grande rapidez em cores brilhantes e luminosas, agora prevalecia o azul, o violeta, e o verde escuro. O movimento das imagens maiores era mais lento, mais moderado, mais quieto, embora at mesmo estes eram compostos de pontos elementares finamente "chuviscando" que fluam e giravam bastante depressa. Durante a primeira experincia escura, uma comoo freqentemente tinha se intrometido em mim; agora, freqentemente ficava distintamente longe de mim, no centro do quadro onde aparecia uma boca chupando. Eu vi grutas com eroses fantsticas e estalactites que me faziam lembrar do livro de criana "Im Wunderreiche des Bergkonigs" [No maravilhoso reino do rei monts]. Serenos sistemas de arcos rosados em cima. No lado direito, de repente apareceu uma fila de telhados de abrigos; eu pensei no trajeto noturno para casa durante o servio militar. Significativamente ele envolveu um passeio para casa: no havia h muito tempo nada parecido com uma partida ou amor por aventura. Eu me sentia protegido, envolvido pelo sentimento materno, estava em paz. As alucinaes j no eram excitantes, mas ao contrrio, eram moderadas e estavam se atenuando. Pouco depois tive a sensao de possuir a mesma fora maternal. Eu percebi uma inclinao, um desejo para ajudar e me comportei ento de 21

uma exagerada maneira sentimental e sem valor onde ticas mdicas esto envolvidas. Eu percebi isto e pude parar. Mas o estado mental depressivo permaneceu. Eu tentava ver imagens luminosas e jubilosas novamente e novamente. Mas sem proveito; somente emergiam padres azuis e verdes escuros. Eu desejei imaginar um fogo luminoso como o da primeira experincia escura. E vi fogos; porm, eles eram fogos sacrificatrios no meio sombrio de uma fortaleza num brejo distante, outonal. Uma vez eu consegui ver o brilho de uma multido ascendente de fascas, mas a meia altura elas se transformaram num grupo de silenciosas manchas mveis do rabo de um pavo. Durante a experincia eu fiquei muito impressionado do meu estado mental e o tipo de alucinaes harmonizadas to constantemente e ininterruptamente. Durante a segunda experincia escura eu observei os rudos casuais e tambm aqueles rudos intencionalmente produzidos pelo supervisor da experincia. Eles provocavam simultneas mudanas nas impresses pticas (synesthesia). Da mesma maneira, pressionando-se o globo ocular produzia-se alteraes nas percepes visuais. Ao final da segunda experincia escura, comecei a assistir fantasias sexuais que eram, todavia, totalmente ausentes. De nenhuma maneira eu podia experimentar desejo sexual. Eu quis imaginar uma cena de uma mulher; s uma escultura crua primitiva-moderna apareceu. Parecia completamente anti-ertica e suas formas foram substitudas imediatamente por agitados crculos e laos. Depois da segunda experincia escura eu me senti dormente e fisicamente indisposto. Eu suei e estava exausto. Fiquei grato por no ter que ir at a lanchonete para uma refeio. O assistente de laboratrio que nos trouxe a comida me pareceu pequeno e distante, da mesma delicadeza notvel como o supervisor da experincia. Em algum momento por volta das 3:00 da tarde eu me senti bem, de forma que o supervisor pde retornar ao seu trabalho. Com algum esforo eu prprio consegui tomar notas. Eu me sentei mesa, queria ler, mas no podia me concentrar. s vezes eu me sentia como uma forma de um quadro surrealista cujos membros no esto conectados com o corpo, mas ao contrrio, foi pintado em algum lugar perto de.... Eu estava deprimido e pensando com interesse na possibilidade de suicdio. Com algum horror eu temi que aqueles tais pensamentos me eram notavelmente familiares. Parecia singularmente patente que uma pessoa deprimida cometesse suicdio.... noite, quando j estava em casa, novamente fiquei eufrico e transbordante com as experincias da manh. Eu tinha experimentado coisas inesperadas, impressionantes. Parecia para mim que uma grande poca da minha vida tinha sido comprimida em algumas horas. Eu fiquei tentado a repetir a experincia. No prximo dia eu estava descuidado de meu pensamento e conduta, tinha grandes dificuldades em me concentrar, estava aptico.... Este estado, ligeiramente parecido como uma condio de sonho, persistiu durante a tarde. Eu tinha grandes dificuldades em focalizar, de qualquer modo organizado, um problema simples. Eu sentia um cansao geral crescente, uma conscincia crescente que estava retornando agora para a realidade cotidiana. O segundo dia depois da experincia trouxe um estado irresoluto.... Moderado, mas uma depresso distinta foi experimentada durante toda a semana seguinte, um sentimento que claramente s poderia ser relacionado indiretamente a LSD.

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4.2. Os Efeitos Psquicos do LSDO quadro da atividade do LSD, obtido destas primeiras investigaes, no era novo para a cincia. Ele coincidia amplamente com a viso comumente conhecida da mescalina, um alcalide que j tinha sido investigado, em grande parte, por volta do incio da virada do sculo. Mescalina um componente psicoativo extrado de um cacto mexicano chamado Lophophora williamsii (syn. Anhalonium lewinii). Este cacto era usado por ndios americanos desde tempos pr-colombianos. Ainda hoje usado como uma droga sagrada em cerimnias religiosas. Na sua monografia Fantstica (Verlag Georg Stilke, Berlim, 1924), L. Lewin descreveu amplamente a histria desta droga, chamada peyot pelos astecas. O alcalide da mescalina foi isolado do cacto por A. Heffter em 1896, e em 1919 foi elucidada sua estrutura qumica e foi produzido sinteticamente por E. Spath. Foi o primeiro alucingeno ou phantasticum (como este tipo de combinao ativa foi descrito por Lewin) a ficar disponvel como uma substncia pura, permitindo o estudo de mudanas quimicamente induzidas nas percepes sensoriais, iluses mentais (alucinaes) e alteraes do estado de conscincia. Nos anos vinte, experimentaes complementares com a mescalina foram feitas em animais e seres humanos, tudo amplamente descrito por K. Beringer em seu livro Der Meskalinrausch (Verlag Julius Springer, Berlim, 1927). Porque estas investigaes no indicaram qualquer aplicao da mescalina em medicamentos, o interesse por esta substncia ativa declinou. Com a descoberta do LSD, a pesquisa de alucingenos recebeu um novo impulso. A novidade do LSD em oposio mescalina era sua alta atividade que ficava numa diferente ordem de magnitude. A dose ativa da mescalina, cerca de 0,2 a 0,5 g, comparvel a 0,00002 a 0,0001 g de LSD; em outras palavras, o LSD umas 5.000 a 10.000 vezes mais ativo que a mescalina. A posio sem igual do LSD entre os psico-farmacuticos no devida somente sua alta atividade num sentido quantitativo. A substncia tambm tem significado qualitativo: manifesta um alto nvel de especificidade, quer dizer, uma atividade especificamente apontada psique humana. Pode ser assumido ento que o LSD afeta os centros de controle mais altos das funes psquicas e intelectuais. Os efeitos psquicos do LSD, produzido por tais quantidades mnimas de material, so to significantes e tambm to multiformes para serem explicados por alteraes txicas das funes do crebro. Se o LSD s agisse por um efeito txico no crebro, ento as experincias com LSD seriam completamente psicopatolgicas, resultando sem qualquer interesse psicolgico ou psiquitrico. Pelo contrrio, ele se parece com as alteraes da condutividade dos nervos e influncia na atividade das conexes dos nervos (synapses), que foram experimentalmente demonstrados e que representam um papel importante. Isto poderia significar que uma influncia est sendo inserida no sistema extremamente complexo das conexes-cruzadas e synapses entre os muitos bilhes de clulas do crebro, o sistema do qual dependem as mais altas funes psquicas e intelectuais. Esta seria uma rea promissora para explorar na procura de uma explicao da eficcia radical do LSD. A natureza da atividade do LSD poderia conduzir a numerosas possibilidades de usos medicinalpsiquitricos, como os estudos bsicos de W. A. Stoll j tinham mostrado. A Sandoz ento disponibilizou a nova substncia ativa para institutos de pesquisa e mdicos, como uma droga experimental, dando-lhe o nome de comercial de Delysid (D-Lysergsaure-diathylamid), o qual eu havia proposto. O prospecto impresso adiante reproduzido descreve possveis aplicaes deste grupo e cita as precaues necessrias.

Delysid (LSD 25) tartarato dietilamido de cido D-lisrgico Tabletes cobertos de acar contendo 0,025 mg. (25 microg.), Ampolas de 1 ml, contendo 0,1 mg (100 microg.), para administrao oral. A soluo tambm pode ser injetada s.c. ou i.v. O efeito idntico ao da administrao oral mas atua mais rapidamente. 23

PROPRIEDADES A administrao de doses muito pequenas de Delysid (1/2-2 microg. /kg. do peso do corpo) resulta em efeitos de perturbaes transitrias, alucinaes, despersonalizao, revivncia de recordaes reprimidas, e sintomas neurovegetativos moderados. O efeito comea depois de 30 a 90 minutos e geralmente dura de 5 a 12 horas. Porm intermitentes perturbaes dos sentimentos podem persistir ocasionalmente durante vrios dias. MTODO DE ADMINISTRAO Para administrao oral, o contedo de 1 ampola de Delysid diludo numa soluo de 1% de cido tartrico, com gua destilada ou gua de torneira sem halognio. A absoro da soluo um pouco mais rpida e mais constante que a dos tabletes. Ampolas que no foram abertas, que ficaram protegidos contra a luz e foram armazenados num lugar fresco, so estveis por um perodo ilimitado. Ampolas que foram abertas ou foram diludas em solues, retm sua efetividade durante 1 a 2 dias, se armazenadas em um refrigerador. INDICAES E DOSAGEM a) Psicoterapia analtica, para trazer tona e liberar material reprimido e prover relaxamento mental, particularmente em estados de ansiedade e neuroses obsessivas. A dose inicial 25 microg. (1/4 de um ampola ou 1 tablete). Esta dose aumentada a cada tratamento atravs de 25 microg. at a dose tima ser encontrada (normalmente entre 50 e 200 microg.). Os tratamentos individuais so melhores se dados em intervalos de uma semana. b) Estudos experimentais na natureza das psicoses: O prprio psiquiatra tomando Delysid, pode ganhar um conhecimento do mundo de idias e sensaes dos pacientes mentais. Delysid tambm pode ser usado para induzir modelo de psicoses de curta durao em objetos normais, facilitado assim estudos na patognese de doenas mentais. Em objetos normais, doses de 25 a 75 microg. geralmente so suficientes para produzir uma psicose alucinatria (em uma mdia 1 microg. /kg. peso do corpo). Em certas formas de psicose e em alcoolismo crnico, doses mais elevadas podem ser necessrias (2 a 4 microg. /kg. peso do corpo). PRECAUES Condies mentais patolgicas podem ser intensificadas pelo Delysid. Precauo particular necessria em objetos com tendncia suicida e nos casos onde um desenvolvimento psicopata parece iminente. A responsabilidade psico-afetiva e a tendncia para cometer atos impulsivos ocasionalmente podem durar alguns dias. Delysid s deve ser administrado sob rgida superviso mdica. A superviso no dever ser descontinuada at que os efeitos da droga tenham cessado completamente. ANTDOTO Os efeitos mentais de Delysid podem ser revertidos rapidamente pela administrao i.m. de 50 mg. chlorpromazine. Literatura disponvel por pedido. SANDOZ LTD, BASILIA, SUA. 24

O uso do LSD em psicoterapia analtica est baseado principalmente nos seguintes efeitos psquicos. Na inebriao pelo LSD, a viso usual do cotidiano sofre uma transformao profundamente assentada e desintegrao. Conectado a isto h uma perda ou mesmo a suspenso da barreira Eu-Voc. Pacientes que esto atolados sob um ciclo de problemas egocntricos podem assim serem ajudados a se liberarem de suas fixaes e do isolamento. O resultado pode ser uma concordncia melhorada com o doutor e uma maior suscetibilidade para a influncia psicoterpica. O aumento da sugestabilidade sob a influncia do LSD trabalha para a mesma meta. Outra significante e psicoterapeuticamente valiosa caracterstica da inebriao do LSD a tendncia de que contedos de experincias anteriores, por muito tempo esquecidos ou suprimidos, aparecerem novamente na conscincia. Eventos traumticos que so buscados em psicanlise podem ento ficar acessveis ao tratamento psicoterpico. Numerosas folhas clnicas contam experincias, at mesmo da infncia mais remota, que foram vividamente recordadas durante psicanlise sob a influncia do LSD. Isto no envolve uma memria ordinria, no uma reminiscncia, mas sim uma verdadeira revivncia, como citado pelo psiquiatra francs Jean Delay. O LSD no age como um verdadeiro medicamento; to somente representa o papel de uma droga de ajuda no contexto do tratamento psicanaltico e psicoterpico e serve para canalizar o tratamento mais efetivamente e encurtar sua durao. Pode cumprir esta funo de dois modos particulares. Em um procedimento desenvolvido em clnicas europias e denominado terapia psicoltica, so administradas doses moderadamente fortes do LSD em vrias sesses sucessivas em intervalos regulares. Subseqentemente s experincias do LSD existem trabalhos parte, em discusses de grupo e em terapias de expresso desenhando e pintando. O termo terapia psicoltica foi cunhado por Ronald A. Sandison, terapeuta ingls, de orientao Jungiana e um pioneiro da pesquisa clnica do LSD. A raiz -lysis ou -lytic significa a dissolu&atillde;o da tenso ou conflitos na psique humana. Em um segundo procedimento, que o tratamento praticado nos Estados Unidos, uma nica dose muito alta de LSD (0,3 a 0,6 mg) administrada depois de correspondente intensi