Luiz Carlos Faria Da Silva - a Abordagem Filosofico-Antropologica Como Alternativa Para a...

145
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO TESE DE DOUTORADO A ABORDAGEM FILOSÓFICO-ANTROPOLÓGIA COMO ALTERNATIVA PARA A SUPERAÇÃO DAS LIMITAÇÕES CIENTÍFICO- FILOSÓFICAS DA RECENTE TEORIA EDUCACIONAL BRASILEIRA SOBRE O TEMA DA DISCIPLINA NA EDUCAÇÃO Autor: LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA Orientador: PROFº DR. HERMAS GONÇALVES ARANA Tese apresentada como exigência parcial para a obtenção do Título de DOUTOR em EDUCAÇÃO na Área de Concentração: História e Filosofia da Educação, à Comissão Julgadora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. COMISSÃO JULGADORA ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ CAMPINAS 2002

description

abordagem filosofico-antropologica

Transcript of Luiz Carlos Faria Da Silva - a Abordagem Filosofico-Antropologica Como Alternativa Para a...

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAO TESE DE DOUTORADO A ABORDAGEM FILOSFICO-ANTROPOLGIA COMO ALTERNATIVA PARA A SUPERAO DAS LIMITAES CIENTFICO-FILOSFICAS DA RECENTE TEORIA EDUCACIONAL BRASILEIRA SOBRE O TEMA DA DISCIPLINA NA EDUCAO Autor: LUIZ CARLOS FARIA DA SILVA Orientador: PROF DR. HERMAS GONALVES ARANA Tese apresentada como exigncia parcial para aobtenodoTtulodeDOUTORem EDUCAOnareadeConcentrao: Histria e Filosofia da Educao, Comisso JulgadoradaFaculdadedeEducaoda Universidade Estadual de Campinas. COMISSO JULGADORA ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ CAMPINAS 2002 by Luiz Carlos Faria da Silva, 2002. Catalogao na Publicao elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educao/UNICAMP Bibliotecrio: Gildenir Carolino Santos CRB-8/5447 Silva, Luiz Carlos Faria da. Si38a A abordagem filosfico-antropolgica como alternativa para a superao das limitaes cientfico-filosficas da recente teoria educacional brasileira sobre o tema da disciplina na educao / Luiz Carlos Faria da Silva. Campinas, SP: [s.n.], 2002.

Orientador: Hermas Gonalves Arana. Tese (doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educao.

1.Educao. 2. Disciplina. 3. Espontaneidade (Trao da personalidade). 4. Poder (Filosofia). 5. Antropologia filosfica I. Arana, Hermas Gonalves. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educao. III. Ttulo.02-016-BFE ... pois a verdade o bem da inteligncia e o bem a verdade da liberdade. Henrique Cludio de Lima Vaz. Dayane, Lucas e Jlia,minha esposa e filhos. vAGRADECIMENTOS Ameupai,FaustoDionsiodaSilva,inmemoriam,quesemtertrilhadoo caminhodaformaointelectualmaiselevada,infundiu-meogostopelodesenvolvimentoda intelignciaedarazoeaconscinciadequeimperativooesforoconstanteparao aperfeioamento moral. minhame,TherezinhaFariadaSilva,pelaconstnciasilenciosacomque cuidou de seus oito filhos, eu entre eles, protegendo-nos no perodo em que toda vida necessita de aconchego para vingar. AmeuspadrinhosdeBatismo,AlbinoRamos,inmemoriam,eCustdiaTaveira Ramos, pelos prestimosos e indispensveis auxlios no incio de minha vida de estudos. Dayane, minha esposa, por ter suportado minha dedicao quase exclusiva realizao desse trabalho por alguns anos. Ao CNPq, pelo apoio financeiro recebido. viRESUMO Este trabalho resultou de uma anlise da teoria educacional brasileira recente acerca do tema das relaesentredisciplinaeeducao,inclusiveaeducaoescolar.Eleteveinciocomum levantamento e classificao dos textos de domnio pblico que, pondo tal assunto em discusso, materializaram-se em dissertaes e teses defendidas nos principais programas brasileiros de ps-graduaoemEducao,emartigospublicadosnasprincipaisrevistaseducacionaisdoBrasile nos livros editados em territrio nacional, todos na ltima dcada do recm-terminado sculo XX. Ocritrioutilizadonessaclassificaofoiotipodeabordagemtericarealizadapelos especialistas ao elaborarem suas reflexes. Dois desses tipos foram identificados: o primeiro, no qualoseducadoresseaproximavamdotemadadisciplinapelaviadainterpretaopsicolgica do fenmeno educativo, transformava tal tema num problema em cujo equacionamento, inspirado napsicologiaeducacionalelaboradanombitodoescolanovismo,anoodeespontaneidade apareciacomoprincipalraiz,eportantocomoformaprincipaldesoluo.Osegundo,emque educadoresabordavamotemadadisciplinavisando-onaperspectivadeumainterpretao polticadofenmenoeducativo,transformavaomesmotemaemumproblemaemcujo equacionamento,influenciadopelaarqueogenealogiafoucaultiana,anoodepoderirrompia comoraizmaisimportante,eassim,comoseupontodedeslindamento.Emseguida,tendoem vistaaindicaodosfundamentoscientfico-filosficosdosdoistiposde aproximao do tema, bem como o exame crtico dos equacionamentos do problema no qual esses tipos de abordagem transformaramotema,procedeu-seaumaretomadacrticadoconceitodeepistemologia, realizando-se,simultaneamente,umadiscussosobreoquesignificafazerumaabordagem psicolgicatantoquantoumaabordagempolticadaeducao.Aretomadacrticadanoode epistemologiaeadiscussodosignificadodasabordagenspsicolgicaepolticadaeducao levaram-nosconclusodequeaoerigirasnoesdeespontaneidadeepoderemrazespelas quaissesolucionaoproblemadasrelaesentreeducaoedisciplinaarecenteteoria educacional brasileira constituiu uma injustificvel e inaceitvel reduo do fenmeno educativo, orasuadimensopsicolgica,orasuadimensopoltica.Eissocomtodasassuaspiores conseqncias.Surgiuentoodesafiodaproposiodeumaabordagemdotemadadisciplina cujaproblematizao,aomesmotempoemqueincorporasseoreconhecimentodasdimenses psicolgicaepolticadoproblemahumanoeeducacionaldadisciplinanegasse-ascomo definidorasdohumano, numa superao que s poderia produzir-se se o transformssemos num problemaemcujoequacionamentoaprincipalraizfosseacentralidadedodadohistricoda conscincia,valedizer,seabordssemosotemadadisciplinanostermosemqueofaza Antropologiafilosfica,queequacionaoproblemadahumanidadedohomemcomomediao subjetiva entre o homem como dado natural e o homem com expresso formal. Essa a tarefa que procuramos cumprir nesse trabalho, isto , propor e fundamentar uma tal abordagem do tema da disciplinaeoferecernovossubsdiosparaoenfrentamentodesseproblemaqueocupahojeum lugar to importante nas preocupaes de pais e educadores. Palavras-chaves:educao,disciplina,espontaneidade,poder,conscinciaeAntropologia filosfica. viiABSTRACT AnanalysisofrecenteducationaltheoryinBrazilontherelationshipbetweendisciplineand education,includingschooleducation,isprovided.Initiallyresearchcomprisedasurveyand classification of published texts on the above theme which has been discussed in dissertations and thesesinthemainpost-graduatecoursesinEducation,inscientificarticlesinstreamline educationalreviewsandinbookspublishedinBrazilinthe1990s.Classificationcriterion included the type of theoretical approach used by specialists in their reflections. Two approaches wereidentified.Inthefirstapproacheducatorsdealtwiththethemethroughthepsychological interpretationof the educational phenomenon and transformed it into a problem, whose solution lay in spontaneity, asinspired within thecontextof New School educational psychology. In the secondapproacheducatorsdiscussedthedisciplinethemewithintheperspectiveofapolitical interpretationoftheeducationalphenomenon.Theytransformeditintoaproblemwhose solution, influenced by Foucaults archogenealogy, was foregrounded in the concept of power as itsimportantbasis.Withinthescientificandphilosophicbasesoftheapproachesmentioned aboveandthecriticalanalysisofthesolutionswroughtbythetwoapproaches,the epistemological concept was investigated. At the same time a discussion ensued on the meaning ofapsychological and a political approach of education.The critical investigation on thesetwo itemsledtowardsthefollowingconclusion.Whentheconceptsofspontaneityandpowerare pinpointedasbasesforthesolutionoftheproblemoftherelationshipbetweeneducationand discipline,currentBrazilianeducationaltheoryboilsdowntoanunjustifiedandunacceptable containmentoftheeducationalphenomenoninitspsychologicalandpoliticaldimensions. Needless to say, the worst consequences might thus be heralded. A challenge arose with regard to anapproachonthethemeofdiscipline.Itsproblematizationwouldbetheacknowledgementof thepsychologicalandpoliticaldimensionsofthehumanandeducationalproblemofdiscipline and at the same time shunning these factors as humanly defining. A solution will occur when the mainbasisformsthecentralityofthehistoricaldatumoftheconscience.Inotherwords,the discipline theme may be dealt with as Philosophical Anthropology treats it, or rather, solving the problem of mans humanity as the subjective mediation between man as a natural datum and as a formal expression. This has been done in the current research: the proposal and the foregrounding of an approach of the discipline theme have been forwarded, while subsidies have been suggested for the solution of a problem which is the chief concern of parents and educators. Key words: education, discipline, spontaneity, power, conscience, Philosophical Anthropology. viiiSUMRIO INTRODUO ........................................................................................................................1 1A TEORIA EDUCACIONAL BRASILEIRA RECENTE SOBRE O TEMA DA DISCIPLINA NA EDUCAO: LEVANTAMENTO E CLASSIFICAO.........11 1.1 O trabalho inicial de pesquisa...........................................................................................11 1.2 Observaes acerca da escassez de trabalhos sobre o tema da disciplina ........................16 1.3 Classificao dos textos conforme a perspectiva terica pela qual o tema abordado....31 2SOBRE EPISTEMOLOGIA E EDUCAO: OS FUNDAMENTOS CIENTFICO-FILOSFICOS DA RECENTE TEORIA BRASILEIRA DAS RELAES ENTRE EDUCAO E DISCIPLINA.......................................................................................35 2.1 Sobre a Epistemologia e a Educao................................................................................35 2.2 A abordagem psicolgica da Educao ............................................................................45 2.2.1A sobrevalorizao da dimenso psicolgica da Educao e o culto do querer pessoal: espontaneidade .................................................................................................................57 2.3 A abordagem poltica da Educao ..................................................................................71 2.3.1A abordagem poltica da Educao e a indistino entre ao educacional e luta poltica: poder ...........................................................................................................88 3DISCIPLINA, EDUCAO E ANTROPOLOGIA FILOSFICA..........................101 3.1 Interdependncia entre a disciplina, a Educao e as questes da Antropologia filosfica. 101 3.2 Aspectos da conceptualizao e do itinerrio metodolgico da Antropologia filosficacomo elementos indispensveis ao equacionamento educativo do tema da disciplina ....104 3.3 Perspectivas abertas a partir de uma abordagem filosfico-antropolgica do tema educacional da disciplina .................................................................................................113 REFERNCIAS........................................................................................................................129ixLISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SMBOLOS ABU BBC BNDES CAPES CBNCCN CNPQ CNTE COMUT ENEM FAPESP GATT IBGE IBICT INEP IPPIA ISBN MCT OECD SAEB SCIELO UDEMO UNB UNCTAD WTO Association des Bibliophiles Universels The Britsh Broadcasting CorporationBanco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior Central Brasileira de Notcias Catlogo Coletivo Nacional de Publicaes Seriadas Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Confederao Nacional de Trabalhadores na Educao Programa de Comutao Bibliogrfica Exame Nacional do Ensino Mdio Fundao para o Aperfeioamento da Pesquisa do Estado de So Paulo Acordo Geral Sobre Tarifas e Comrcio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Instituto de Psiquiatria e Psicoterapia de Crianas e Adolescentes International Serial Book Number Ministrio da Cincia e TecnologiaOrganizao para a Cooperao Econmica e o Desenvolvimento Sistema de Avaliao da Educao Bsica Scientific Eletronic Library On Line Sindicato dos Especialistas em Educao do Estado de So Paulo Universidade de Braslia United Nations Conference for Trade and Development World Trade Organization 1 INTRODUO Umcuriosofenmenomanifesta-sehojenaeducaobrasileira.Trata-seda contradioentreasrepercussesprovocadaspelarecorrentepronnciadostermosticae disciplinaquandosetratadepensaroudiscutirasgrandesquestesdaeducaonacional.O primeirotemocondodeimantarasateneseosinteresses,deatrairumnmerocadavez maiordefreqentadoresspalestras,encontros,congressos,simpsiosdestinadosadebat-loe, enfim, de mobilizar favoravelmente as energias intelectuais. O segundo no se reveste do mesmo charme, no seduz tanto, e, pelo menos por enquanto, no gera o mesmo nmero de eventos que o primeiro. Se j comeou a fornecer ocasies para algumas iniciativas desse gnero, dificilmente nelasaparececomotemacentral,massimcomotemacomplementar.Oprimeiroeufnico, acroamtico, tem uma visibilidade edulcorada, mobiliza positivamente. O segundo cacofnico, soaacerbo,temumaaparnciaturva,soturna.Tambmmobilizaatenes.Contudo,crispaos espritos; mais do que os distende. Quearealidadeevocadanotermotica,afigure-seelacomoseafigurar, concentragrandeatenonosmeioseducacionais,deconstataoemprica.Oscartazes afixados nos corredores dos prdios que abrigam as inmeras faculdades ou centros de educao dasinstituiesdeensinosuperior,locaisdetrabalhodosdocentesdaeducaosuperior,do disso eloqente testemunho. E tambm aos docentes da educao bsica o tema no indiferente, comavariaodeque,entreestes,acuriosidademaisdifusaemenosintensa,enquantoentre 2 aqueles o interesse mais denso e mais vigoroso. De qualquer modo, entre educadores, o tema da tica tem sido muito inquietante e mobiliza cada vez mais a preocupao de quem ensina. Jquantodisciplina,conformeseconsidereesteouaquelegrupode educadores, os que atuam na educao bsica, ou os que atuam educao superior, deve-se levar emconsideraoqueelaengendradistintasreaes.Issoexpressaojogoentreamobilidadeda significaoeaestabilidadedosignificante.Otemadadisciplina,v-lo-emosnoprximo captulo, provoca, entre os educadores, uma distribuio muito mais divergente das preocupaes e interesses, um quadro deveras variado das inquietaes e curiosidades do que ocorre quanto ao termotica.Entreoutrascoisasporque,comotambmveremosaseguir,osepisdiosquedo causa discusso do tema da disciplina so, na educao bsica, muito mais intensos, recorrentes e dramticos do que o so na educao superior. Da, entre outras coisas, a repercusso mltipla, heterclita, divergente, e at mesmo assimtrica, provocada pela palavra disciplina dentre os que atuam na educao bsica, de um lado, e, de outro, dentre os que atuam na educao superior. Mesmoassim,naturalqueoseducadorescujaatividadeserestringe educaobsica,ounelaseconcentra,apelemaosdocentesdoensinosuperiorquandosentem necessidadedecompreendermaisprofundamente,dediscutirmaislongamente,tantootemada ticaquantootemadadisciplina.Afinal,trata-sedequalificadosespecialistas,que,atendendo aos chamados de seus pares, comparecem diante dos professores do ensino fundamental e mdio envoltosnaauraderespeitabilidadequeseusttuloslhesconferem.Enohmotivosparaque assimnoseja,poisdepraxeouvir-seatentamenteaquelescujosttuloschancelama competnciatericaaltamentedesenvolvidaeaperciaparaareflexo,emboraquantoaisso, deva-se apresentar um bemol. Ofatoque,secundandoumasemprelouvvelpreocupaocom aperfeioamentodascapacidadesehabilidadesprofissionais,vem-nosnosatingindo, ultimamente,umamarfraudulentadebuscadaqualidade.E,sobretudonombitodo aperfeioamento docente, o anseio por qualidade torna-se uma contrafao quando, por exemplo, produzumafebredetitulao,umaespciedecorridamassivaemassificanteps-graduao, como se nos orientssemos pelo af de, um dia, vivermos numa repblica de cientistas titulados. Semcontarqueoacicatedopadrodeavaliaodotipopubliqueoumorratemlevadoaum furoreditorialqueproduzmaiscalordoqueluz.Assim,aleituradasobrascujosprazosde 3 validade no expiram perde espao frente exigncia de atualizao que obriga-nos a pormo-nos emdiacomumaavalanchedepublicaes.Ademais,essademandadequalidade,porque meramenteideolgica,criaumaespciedemitoquefazdacompetnciaumapangiodaps-graduaotitulada,econtrapeatalmito,oengodo,senodavinculaoentreaausnciade ttulo e incompetncia, pelo menos da indissociabilidade entre a ausncia de ttulo e inpcia. Ora, nohprovanenhuma,enemmesmoumindciosequer,deque,porexemplo,uma alfabetizadora,zelosaemsuaprofisso,conscientediantedaincontornvelexignciade atualizaoprofissional,masquenoconfundeessanecessidadecomoimpulsoevanescentede adeso ao ltimo grito da moda pedaggica, com o oportunismo de quem est sempre nas cristas das ondas quefluem e refluem, cumpracom menos eficcia a tarefa de alta relevncia social da qualestincumbida,pelosimplesfatodenoserps-graduada.Etambmnohinconcusso argumento que estabelea vnculo obrigatrio entre competncia e posse de ttulo. Fazer tais observaes, tem os seus riscos. Quem assim procede abre o flanco a juzosquenelasbempoderiamverumaacrticadefesadoativismo,umavalorizaoingnua, canhestraouinfundada,dosaberquebrotadaprticaequenelaserobustece,umadefesada baixa produtividade. De qualquer modo, cabe aqui uma pergunta: onde se quer chegar quando se tornam cada vez mais comuns os casos concretos de mulheres isso importante porque elas so aesmagadoramaiorianaeducaobsicaqueascircunstnciasobrigama,tendofilhosainda pueris,enfrentarumaestafantejornadadetrabalho,porexemplo,nadireodeumaescola pblica com centenas de alunos e, noite, correr a dar aulas no curso superior de uma faculdade privada, e como se no bastasse, ter que se deslocar a outras cidades, durante os finais de semana, para seguir um curso de ps-graduao, premidas diante do risco de perder a chance de docncia noensinosuperior,indispensvelparaqueelasnoresvalemparaapenriaeconmica?Ou quando se generalizam os casos de professores e professoras do ensino bsico que se submetem a seguircursosintensivosnosfinaisdesemanaembuscadeumaespecializaoouummestrado quelhegarantirunstrocadosamaisdecorrentesdasubidadeumoudoisdegrausnoplanode cargosesalriose,ainda,quandoinmerosdoutoresprecisamigualmentesubmeter-seadar aulasnessescursos?Ondesequerchegarquandosemultiplicam,anomaispoder,os congressos,simpsioseencontros,paracujarealizaoformou-seummercadodevidamente preenchidoporempresasespecializadasempromoodeeventoseducacionaisnosquaisfica cadavezmaisdifcildistinguiramotivaocomercialdamotivaocientfica,frente 4 necessidadedeseformarumroldequalificaes,substitutocontemporneodovetusto curriculum vitae. Onde se quer chegar com a multiplicao de publicao de revistas e livros que, em grande parte, ficaro entregues critica roedora dos ratos?Masfeitastaisobservaes,quepintamalgunstraosimportantesdopanode fundodonossoquadroeducacional,equeobviamenteserelacionamcomotemadatica, voltemosquestodasrepercussesdiferentesprovocadaspelostermosticaedisciplinano meio educacional. Quantoaotemadatica,emprimeirolugar,assinalemosqueumtemada moda.Aborda-se-oediscute-se-o,hoje,atodahoraeemtodolugar.Oproblemaque,como ocorre com tudo que do mbito da moda, o tratamento superficial. Por uma srie de motivos. Masaquidevemos,paracumprimosonossointentodediscernirosmotivosdasdiferentes reaesfrenteaostermosticaedisciplina,ressaltarque,entreoutrascoisas,essa superficialidade aparece, por exemplo, mais do que numa aproximao, numa identificao entre tica e moral, tica e costume, que no distingue o costume como expresso do mbito no qual o homemumserhistrico-social,eportantonocircunscritodeterminaonaturalou necessidadetransientedaphysis,porumlado,docostumecomoexpressodombitoem que o homem um ser orientado ao finalismo da razo, que se manifesta na exigncia do dever ser, por intermdiodapossessodesimesmo,isto,davirtudecomohexis.Equandonosefazesta distinoabre-seaportaparaapostulaodairreconciliabilidadeabsolutaentrealiberdadena formadavontadesubjetivaealiberdadenaformadavontadeobjetiva,demodoaquea submissoleiafigure-secomoescravido,ealivreeespontneaexpressododesejoaparea comoautonomia,mesmoquandoaobedincialeiponhaohomemnaposseracionaldesi mesmo,sobaformadaexistnciapoltica,ealivreeespontneaexpressodavontadelanceo homemnadesmesura,aomododeumaexistncianaqual,porexemplo,emtermosdavida comum,aforaepoderseidentificamdissipando-seasdistinesentreaformalidade,a eficincia, a materialidade e a finalidade da ao humana. Ouento,observemosemsegundolugar,umsinaldessasuperficialidadena aceitaoacrticadapostuladaassimetriaabsolutaentreohomemeanatureza,entrenomose physis, de tal modo que o carter histrico-social da vida humana fica absolutamente identificado naculturacomombitoemqueohomemoconstrutor,ocultivadordesimesmo,medidade 5 todasascoisas,identificaoresultantedeumaconcepodaracionalidadecomomeraaptido lingstica.Assim,aspredicaespelasquais se afirma que ohomemhumaniza o mundo ficam sem nenhuma relao com o finalismo da razo que exprime a tica como a transcrio da physis napeculiaridadedapraxis,istonasaeshumanasenasestruturashistrico-sociais constitudasporessaaoedesconhecemoproblemarepresentadopelapostulaotantoda physis quanto do ethos como expresses do mesmo Ser.1 bvioqueessasquestesenvolvemdificuldadesdemasiadamentegrandes. Masdiferentementedoqueocorrecomapostulaodoprincpiodeidentidade,porexemplo, frenteaoqualsepodeverquesuaindemonstrabilidadedecorredeseucarterdeaxioma,a postulao da ausncia de fundamento para a lei, a formulao desse fundamento nos termos das idiasdeatribuio,repartio,conveninciaregrada,suaidentificaocontemporneacoma idia de produtividade discursiva, de eficcia tpica da fala, alm da crtica ao registro semntico dousoespecializadodotermonomoscomosignificantedacrena,comosignificantedo reconhecimentodoqueverdadeiro,defronta-secomumadificuldadequenogrande; incontornvel.Comefeito,senenhumfundamentohouverparaaaohumana,senoa conveno, por que no se poderia acordar que nada ser acordado? E se nada for acordado, no seramos todos tragados pela brutalidade da fora? No ficaramos na situao da gazela que no temcomoafirmarasuaexistnciaperantealeoaounacondiodarelvadeumaencosta impossibilitada de negociar com a lava incandescente que se precipita montanha abaixo procura do vale, outro destino que no o da calcinao? Em nome do que deveramos nos opor prtica daexcisoclitoridianaimpostasmeninasemritosdepassagem,largamentepraticadosna frica,particularmentenoQunia?Porquecondenarapedofiliaentretantasoutrasopesou modusfaciendidasexualidade?Porqueelatidaporviolaodeumindefeso!?Ora,masde ondevemquenosedeveoupodeviolarumindefeso,senenhumanormaexprimeoutracoisa seno uma conveno e por isso no vale universalmente? E,dopontodevistadeumaexploraoatentadoconceitodephysis,oque significacontrap-loabsolutamenteaonomos,emoperaocrticaquesetransformouno baluartetericodorelativismotico?Porquenegligenciaraproblematicidadecontidana

1HenriqueCludiodeLimaVaz.EscritosdefilosofiaII:ticaecultura.2.ed.SoPaulo:Loyola,1993,p.11. Coleo Filosofia, n.8. 6 evoluoconceitualdosdoistermos,desdeHerclito,passandoporPlatoeAristteles,pelos esticos, pelo neoplatonismo, pela escolstica, at chegar-se modernidade, que abre a porta paraoconfinamentodoethosnafabricaoenatcnica,operaoqueseaprofundano aambarcamento da Cincia pela tecnologia e na preeminncia do econmico sobre o poltico?Enoentantoessasduasposies,aquelaqueidentificaticaecostumesem distinguirasacepesdiferenciadasdanoodecostumeeaquelaquecortaqualquerligao entrephysisenomos2,estonabasedasformulaesexplicitadasnasdiscussesatuaissobre tica.Maisdoqueisso,elasinspiram,cadavezmais,aaoemnossasociedade,desdequea modernidadecartesianaabriuaestradaparaumatematizaodaaocalcadanaautonomiado sujeitoenoestranhamentoentreextensoepensamento,estradaquelevouaumaevoluodas idias que permitiu a postulao do inconsciente como condicionante da ao na Psicanlise, que Freudquerestritamentecientfica,demoliodaaxiologiapresentenapreeminnciadosfatos sobreosvalores,comooqueragenealogianietzscheana,aoencerramentodohomememsua imanncia histrica, que Marx desvenda com o concurso do conceito de ideologia. DesdequeeladeixoudeserconduzidanosInstitutosdeFilosofiaCinciase Artesdasantigasuniversidades,sobhegemoniadaFilosofia,pararealizar-senosCentrose FaculdadesdeEducao,sobahegemoniadasCinciasHumanas,aformaodoseducadores passouasubstituirotratamentodessasquestesrelativasaohumananostermosemqueos filsofos as elaboraram ao longo da histria do pensamento, pela sua abordagem e discusso nos termosemqueasCinciasHumanaspassaramafaz-lo.Ocorreque,sobretudoapartirda segundametadedosculoXX,asCinciasHumanassofreramoimpactodastransformaes pelasquaisosaberpassou,comoadventodaFsicacontempornea,comachamadacrisedos fundamentosnasMatemticasecomaemergnciadenovosfenmenossociaisrelacionadosao extraordinrio progresso material do ps-guerra baseado em aplicaes tecnolgicas dos avanos cientficos,sobretudonareadacomunicao.Sabe-sequeoresultadoprincipaldessas transformaes foi o aprofundamento, em termos irresistveis, das crticas s idias de sistema de razes, de teleologia histrica, de evoluo progressiva, de certeza, de determinismo, por fim, de verdade.Almdissono ps-guerra inicia-seum empalme de todasas outras dimenses da vida,

2SobreasnoesdenomosephysisconsultarEncyclopdiePhilosophiqueUniverselle,v.II.LesNotions Philosophiques Dictionnaire. Tome 2. Paris, 1998, p.1764 e 1948. 7 pelasuadimensoeconmica,processoquechegaraoparoxismonopensamentonicoque exprimeosinteressesmundializadosdocapital.Nosemrazoqueaessetempocomea-sea conceber a educao como capital humano. Essas transformaes no mbito da Cincia repercutiram nas Cincias Humanas detalmodoqueadissoluodossustentculosdacertezacientficaespelhou-seno desenvolvimentodaEpistemologia.Oscientistassociaispassaramaserosfilsofosdassuas cincias,isto,passaramnosaprocurarproduzirsaberessobreesteouaquelesetorda realidade, sobre este ou aquele objeto, mas tambm a discutir as circunstncias mais favorveis constituio dos saberes em seu campo de conhecimento tendo por referncia o solapamento das basesdasconcepesdeterministasdaCincia.Notardouachegarentoahoraemque,ao olhar de todos os cientistas, o que se apresentou foi uma colcha de retalhos, um caleidoscpio, e a total impossibilidade de um princpio de unificao que desse inteligibilidade ao todo. Nessecontexto,aEducao,quepassouamodular-sepelasCinciasSociais, abandonoudefinitivamenteapreocupaocomasfinalidades,poisnohcomodecidirsobrea superioridade de um fim perante outro, e foi tomada pela preocupao com os meios e a gesto. Foi nesse contexto que os educadores, que no mais tm uma formao referenciada na Filosofia, oumelhorquetmumaformaoreferenciadanasfilosofiasemqueascinciasse transformaram, desistiram do projeto de uma Cincia da Educao e se renderam s Cincias da Educao. Foi nesse contexto que os educadores abandonaram toda e qualquer preocupao com as finalidades de sua ao e se entregaram ao conhecimento das tcnicas de gesto e dos mtodos capazes de garantir-lhes mais eficcia e maior rendimento no ensino, ou luta pela conquista de umprmiodessasfundaesprivadasqueestimulamacompetioentreasescolascomo instrumentodamelhoriadaeducaonacional.Foinessecontextoqueoseducadores abandonarampaulatinamenteosensoderesponsabilidadeparacomatransformaodomundo, pensada num horizonte histrico distendido no tempo sua frente e pouco a pouco vm-se, cada vezmais,dedicando-seaoaumentodaprodutividadeedafuncionalidadedademocracianos espaossociaisrestritosemqueatuam,recauchutandooconceitodecidadaniaapontodenele vermosincludo,desdeoesforoparasalvaromico-leo-douradodaextino,passandopela atitude de no jogar papel no cho, at a doao de um quilo de alimento para saciar, na noite de Natal, uma fome que se representar no Ano Novo, no Carnaval, na Pscoa, e assim por diante. 8 Esse o cenrio em que a preocupao, no com a tica, mas com as ticas, se generalizaentreoseducadores.Etambmocenrioemqueiniciativaspedaggicas diversificadas,restritasabordagemdeumproblemalocalizadoaqui,outroali,todaselas procurando por em foco a tica, por mais celebradas que sejam, por mais prmios do Unicef que conquistem, no conseguem conter a marcha da ignorncia, a escalada da alienao ou o avano daviolncia.Arenitnciacomqueessesproblemascontinuamaocorreraparece,ento,nos episdiosdeindisciplina,deinsubordinao,derebeldiarecalcitranteeautodestrutiva,de indiferena e apatia. E a que irrompe o tema da disciplina. Masadisciplina,rebarbativa.Elalembraordem,unidade,determinismo, previsibilidade,obedincia.Oproblemaque,acabamosdever,essesnossostempossoos temposdaindeterminao,daimprevisibilidade,dasorientaesprobabilsticas,dapluralidade, das autonomias, das subjetividades. Isso o que sempre ouvem, dos seus pares titulados, os que atuamnaeducaobsica.Eelestendemaaceitarumtalequacionamento.Eaceitandotal equacionamentodeveriamadotar,noquedizrespeitoaotemadadisciplina,posicionamento analogamentecrtico.Umposicionamentoquevituperasseasintenesdisciplinarese disciplinadorastoencontradiasnasregulaesdotempoenaorganizaodosespaos escolares. Um posicionamento que tentasse reler, por outra tica, num contexto de contrapoderes liberadoreseeducativos,osgestoseaesderebeldia,tofacilmenteclassificadospelosque exercem suas profisses nas escolas, como indisciplina e violncia. Ou ento, um posicionamento que ressaltasse a inutilidade e a ineficcia pedaggica de procedimentos de imposio externa de uma ordem sem significao e valorizasse a idia de autonomia, frente a de heteronomia, a idia de construo democrtica do ordenamento das interaes no ambiente escolar, frente idia de um ordenamento autocrtico, burocrtico, sem significao real, desse mesmo ordenamento. Mas no isso o que ocorre. Oquetemhavidoentreosdocentesdoensinofundamentalemdioo recrudescimentodainquietaoperanteamultiplicaodeepisdiosqueso,sim,classificados comoindisciplina.Eumsinaldissoafcilcirculao,entreesseseducadores,deumanoo cujaorigemestnaMatemticaenaGeografia,transpostaparaaEducaosemumaclara explicitaodoseusentidoesemumajustificativadalegitimidadecientfico-filosficadessa transposio.Trata-sedanoodelimite,amaisnovacandidataagazuano campoeducacional quando o assunto disciplina. 9 Estasituao,deretomadadointeressepelatica,derecrudescimentodas inquietaesfrenteaosepisdiosdeindisciplinaeviolncia,numcontextodeassimetriasnas atitudesdoseducadoresfrenteaosdoistemas,conformeseconsidereeducadoresdoensino fundamental e mdio, de um lado, e, de outro, desenha o pano de fundo desse trabalho. Ele parte daconstataodequeotratamentodotemadadisciplinacarecedeproblematizaofilosfica entrens.Acarnciadessaproblematizaoserevelanobaixonmerodetrabalhos especializadossobreotema,comparadocomograudeimportnciacomqueelesemanifesta hoje na sociedade brasileira. Isso indica que ele ainda no mobiliza as atenes dos especialistas na proporo de sua importncia, levando-se em considerao suas manifestaes no cotidiano da realidade brasileira nos ltimos dez anos do sculo passado - encerrado h pouco menos de dois anos - embora esse tema obsede os educadores do ensino fundamental e mdio. O motivo pelo qual optamos por esse perodo est na caracterizao poltica da dcadade90paraoBrasil.Osanos90foram,paraasociedadebrasileira,operododa consolidaodavignciaformaldeumaexperinciademocrticaque,aps21anosderegime ditatorial,terminounoanode1985.Logoaps,tivemos,em1988,apromulgaodeuma Constituio.Em1990iniciou-seomandatodoprimeiroPresidenteeleitopelo votopopular no pas em quase 30 anos. Foi o perodo em que comeamos a testar o equvoco ou o acerto da tese de que nossas mazelas encontrariam remdio na experincia da democracia. No que diz respeito Educaofoioperodoemquecomearamasefrustrarasexpectativasdeque,coma redemocratizao,queseiniciaraem1985,ajuventudeseriamaisconscienteeresponderias possibilidadesampliadasdeparticipaodemocrtica.Comosesabe,essasexpectativasforam frustradas,poisdelparactem-seaprofundadooproblemadaapatia,dodesinteressepela poltica, ainda que alguns interpretem que o nmero de jovens com idade entre 16 e 18 anos que acorreramJustiaEleitoralparasehabilitaremaovotosejasinaldointeressejuvenilpela poltica. Oobjetivodotrabalhoproduzirumaalternativadeabordagemdotemada disciplina em educao que constitua uma problematizao filosfica do mesmo. Com efeito, os poucostrabalhosdedicadosaessetemanoperodopornsestudado,abordam-no,ouporsua dimensopsicolgica,ouporsuadimensopoltica.Esseobjetivoalcanadoemtrs movimentosrealizadosemtrscaptulos.Noprimeirodamosaconheceroresultadodeum levantamentodasobraspublicadas,noBrasildosanos90,sobreotemadadisciplina.Tal 10 levantamentoenvolveudissertaesetesesdedoutoramento,artigospublicadosemrevistas especializadas e livros e termina com uma classificao desse material pela qual se mostra que a teoriaeducacionalbrasileirarecentesobreotemadadisciplinanaeducaoelaborou-se predominantementeemtornodedoispadres.Um,no quala abordagem do temaprivilegia sua dimensopsicolgica,utilizacomorefernciaasconcepeseducacionaisforjadasnocampo tericodoescolanovismoeerigeanoodeespontaneidadeemcategoria.Outro,noquala abordagemdotemaprivilegiasuadimensopoltica,trabalhacomorepertrioconceitualda arqueogenealogiafoucaultianaeerigeanoodepoderemcategoria.Nosegundoexaminamos osfundamentoscientfico-filosficosdasrefernciastericasqueforneceramasbasesparatais abordagens. Isso nos leva constatao da precariedade desses fundamentos e demonstrao de queaconsideraodosaspectospsicolgicoepolticonosuficienteparaconduzirauma problematizao filosfica do tema. Destarte, com relao a esse tema, foi necessrio propor uma abordagemquefossecapazdecumprirorequisitodaproblematizaofilosfica.Otrabalhose encerra,ento,comademonstraodequeopassotericonecessrioproblematizao filosfica do tema das relaes entre disciplina educao exige a considerao do dado histrico-antropolgico da conscincia nos termos em que o elabora a Antropologia filosfica j que: 1 O tema da disciplina , para todos os efeitos, um tema educacional. 2AEducaoumaatividadeexclusivamentehumana,e,portanto,sua compreenso demanda a compreenso do que o homem. 3 O homem se distingue de todos os outros seres no s como vida consciente masprincipalmentecomoconscinciahumanadavida,demodoqueo determinante para a compreenso do homem a compreenso do fenmeno da conscincia. 4Acompreensodohomemcomovidaconscienteecomoconscincia humana da vida tarefa da Antropologia filosfica. 5Assim,adisciplinaumadeterminaoeducativadavidahumana consciente e, como tal, sua problematizao filosfica s pode ser feita nos termos da Antropologia filosfica, cuja tarefa responder o que o homem como ser vivo e consciente da vida. 11 CAPTULO 1 A TEORIA EDUCACIONAL BRASILEIRA RECENTE SOBRE O TEMA DA DISCIPLINA NA EDUCAO: LEVANTAMENTO E CLASSIFICAO 1.1O TRABALHO INICIAL DE PESQUISA Tendoemvistaasmilharesdeeditorasespalhadaspelopaseonmerode livrosanualmentepublicadosentrens,considerando-seonmeroderevistasespecializadas vinculadasprincipalmenteainstituiesdeensinosuperiorepesquisaelevando-seemcontaas milhares de dissertaes e teses j defendidas por brasileiros, no Brasil e no exterior, o universo dapesquisabibliogrficaplanejada,mesmorestringindo-seaocampodotemadadisciplinana educao, afigura-se extenso. primeira vista, lidar com esse conjunto de um to grande nmero deelementos,porsis,jrepresentariadificuldadenonegligencivel.Almdisso,embora estejamoscaminhandoabonspassosparaasuperaodesseproblema,noexatamente confortvelelhanoocaminhoqueseapresentaaquemprecisarealizarumapesquisa bibliogrficaamplanoBrasil.Asdificuldadessedistinguemconformeaspublicaesse materializememlivros,artigosemrevistasespecializadas,dissertaesdemestradooutesesde doutoramento. Quanto aos livros, j que no Brasil o decreto lei 1825, de 1907, obriga os editores 12 adepositaremnaBibliotecaNacionalumexemplardecadaobraeditadanopas,eaindaque saibamosquehumintervaloentresuachegadabibliotecaesuaefetivaentradanoacervo, intervaloexigidopeloprocessamentotcnicodeseusdados,eradeseesperarquease encontrassem, sobre essetema da disciplina na educao, inmeros deles, mesmo considerando-sequeo levantamento cobre somente a ltima dcada do sculo que h pouco terminou. No , porm,oqueocorre,emboraatualmente,comacrescenteprofissionalizaodaatividadede ediolivreiraeaformaodeummercadoeditorialrazoavelmentedesenvolvido,as principais editoras,quepublicamasobrasdemaiorrelevncia,nodeixemderealizarodepsito.Se, entretanto,aquantidadedeobrasnoacervonoespelhar,comabsolutafidelidade,o nmerode obraseditadasnoBrasil,ela,indubitavelmente,representaroquedemaisimportantese publicou e publica no Brasil, inclusive sobre o tema da disciplina na educao.Ter essas informaes, no , porm, a coisa mais importante para aqueles que, residindolongedoRiodeJaneiro,cidadenaqualsesituaaBibliotecaNacional,deveriam realizargrandesdeslocamentosparatercontatocomseuacervo.Ora,brevementeessenoser maisumobstculo.Primeiroporqueabibliotecapossuiumstioeletrniconaredemundialde computadores.3Segundoporquecrescenteadiversificaodeinformaesbibliogrficas disponveis nas pginas desse stio, sendo inclusive possvel realizar levantamentos bibliogrficos e solicitao de cpias distncia. Naturalmente h restries a cpias. Mas j se pode acessar distncia, via rede mundial de computadores, o contedo integral de vrias obras, ainda que aqui estejamos, pelo menos atualmente, muito aqum de algo como a ABES, Agence Bibliographique del'EnseignementSuperieur,quedacessoaoSUDOC,SystmeUniversitairede Documentation, ou do projeto Gallica, da Biblioteca Nacional da Frana, do Projeto Gutemberg e daABU,AssociationdesBibliophilesUniversels,ouainda,doOxfordTextArchive.4Por ltimo,observemosqueaBibliotecaNacionalpedisposiodopblico,umcatlogode

3 Acesso Biblioteca Nacional na rede mundial de computadores .4 Esto em andamento hoje, no mundo inteiro, iniciativas para provimento de acesso livre e irrestrito aos textos das obras cientficas, filosficas e literrias mais importantes que a cultura humana produziu e registrou em papel durante a histria. Uma dessas iniciativas, a pioneira, foi de Michael Hart, em Illinois, nos EUA: o projeto Gutemberg. Seu endereo na rede mundial de computadores o seguinte . Outra, a francesa Association desBibliophilesUniverselsqueemjunhode2001contavacom283textos,de100distintosautores,acessvelno http://abu.cnam.fr.HtambmainiciativainglesadoTheOxfordTextArchive,com2500textoscuidadosamente selecionadosentreasmelhoresediesquecadaumdelesteve,acessvelno.Enfim,ho projetoGallica,daBibliothqueNacionaledeFrance,com80000documentos,no,cujo destaque est numa infinidade de dicionrios e peridicos. Quanto s discusses a respeito do futuro das bibliotecas de textos eletrnicos, da funo pedaggica que elas podem cumprir na difuso e democratizao do conhecimento, e dos problemas econmicos e comerciais ligados ao direito de cpia, h um dossier importantssimo no stio da cole NationaleSuprieuredesSciencesdelinformationetdeBibliothques,naFrana,cujoendereo . 13 editores brasileiros cujos dados permitem a localizao e o contato com cada um deles, inclusive dandoacessoaosstioseletrnicosdesseseditores,apartirdoprpriocatlogo,almdesries estatsticassobreapublicaodelivrosesobreaconcessoeobtenodeISBN,osistema internacional que padroniza a numerao do registro de edio dos livros. Quantosrevistasespecializadas,tambmaindahdificuldades.Contudo, algumasiniciativasgovernamentais,sobretudodoIBICT,InstitutoBrasileirodeInformaoem CinciaeTecnologia,rgodoMCI,MinistriodaCinciaeTecnologia,edaCapes, CoordenaodeAperfeioamentodePessoaldeNvelSuperior,rgodoMinistrioda Educao,nareadedivulgaodosresultadosdepesquisa,comeamadotaropasde instrumentoscapazesdefranquearoacessoaoconhecimentoproduzidoaquienoexterior, disponvel em publicaes cientficas de todo o mundo, em bases de dados que cobrem todas as reasdoconhecimentohumano,inclusivecompossibilidadedeidentificao,localizaoe leitura de resumos ou de textos integrais de artigos. o caso, por exemplo do portal Peridicos5, daCapes.igualmenteocasodostioeletrnicoqueoIBICTmantmnaredemundialde computadores.NelehumapginaquedacessobasededadosdoCCN,CatlogoColetivo NacionaldePublicaesSeriadas.Porseuintermdiopode-sesaber,porexemplo,quehno Brasil,emlnguaportuguesa,344revistasespecializadasemEducao,recuperveisnabasede dadospelodescritoreducao.Ademais,pode-seidentificarasbibliotecasqueguardamesteou aquelevolumedestaoudaquelarevista.Identificadaelocalizadaarevistanumabibliotecacujo catlogo esteja reunido no CCN e na qual esteja publicado este ou aquele artigo, pode-se solicitar, viaCOMUT,ProgramadeComutaoBibliogrfica,aoqualtmacessoatualmentesomenteas bibliotecasdaredefiliada,sejacomobibliotecasolicitante,sejacomobibliotecabase,masque brevemente estar disponvel a usurios domsticos, cpias xerogrficas do mesmo, ou ainda, nos casos em que as bibliotecas possuem recurso para tal, cpias eletrnicas do artigo procurado pelo consulente.6 H, entretanto, quanto a isso, dois problemas. Um se relaciona ao fato de que a base dedadosdoCCNnopermiteacessoaossumriosoundicesdasrevistasouaosresumosdos artigos nelas publicados; o CCN apenas um catlogo que rene catlogos de vrias bibliotecas

5 Acessvel no stio da CAPES na rede mundial de computadores em .6ARIELumprogramacomputacionalconcebidoparaatransmisso,entrebibliotecas,dedocumentosemmodo texto,inclusivecompostoscomimagensegrficos.Pormeiodelepode-seenviarerecebercpiasdigitalizadasde textos de bibliotecas em todo mundo, usando-se correio eletrnico. A Coordenao Geral de Bibliotecas da UNESP oferece,naredemundialdecomputadores,porintermdiodaEDUCLAD,umainstituioque atuaemeducao distncia, curso de uso do ARIEL. O endereo . 14 cominformaessobrecoleesderevistasdoacervodecadaumadessasbibliotecas.Nesse caso,aBibliotecaJoelMartins,daFaculdadedeEducaodaUnicamp,japresentadois recursos diferenciados extremamente importantes como o EDUBASE, Base de Dados de Artigos dePeridicosNacionaisemEducao,eoSumriosCorrentesdePeridicosOnline,criadose desenvolvidosporseusbibliotecrios.Nocasodosegundoabasededadosdacessoaos sumriosdetodasasrevistasassinadaspelabiblioteca,oquefacilitaeagiliza, consideravelmente, a identificao de artigos desse ou daquele assunto. Era de pouco valor, para ns, por exemplo, saber que em tal ou qual biblioteca havia o nmero tal ou qual de uma ou outra revista se no tnhamos informao sobre os artigos nele publicados. Paraaidentificaodeartigosporassuntoeautor,almdosSumriosedo portaldaCapesacimareferido7,conta-sehojecomalgunsinstrumentos.Umatradicional revista do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, intitulada Bibliografia brasileiradaEducao,porintermdiodaqualpode-seconhecerartigoselivrossobrea educaopublicadosporbrasileirosaquienoexterior,inclusive,nocasodosartigos,oresumo dotrabalho.Apublicaofoi,emborairregularmentenotempo,editadatradicionalmenteem papel,de1954a1991.Atualmentetemsomenteversoeletrnicadisponvelnumadaspginas dostiodoINEPnaredemundialdecomputadores.8Trata-sedeumainiciativadevalor incontestvelparaopesquisador.Infelizmenteelatevepublicaoirregularnoperodoemque eratradicionalmentedivulgadaemmeiofsico,istoempapel.Doravante,seelaconseguir realmente acompanhar as publicaes da rea de educao, provendo informaes completas, que permitam uma identificao rpida e fcil do contedodos artigos e livros sobre a educao, da lavra de brasileiros, dados a pblico no Brasil e no exterior, inclusive com acesso ao sumrio e bibliografia citada nos trabalhos, como o fazia em sua edio tradicional, prestar um servio de valor incontestvel, no s aos estudantes e pesquisadores, mas ao pas.Com efeito, quem estuda a teoria e a prtica educacional brasileiras, admitida a afirmaodequeasteorizaesimportantesarespeitodequalqueraspectodessareadosaber,

7 Os textos integrais dos artigos publicados em revistas, disponveis no portal Peridicos, so acessveis somente dos computadores cujos nmeros IP de identificao na rede mundial sejam cadastrados pela CAPES. Isso significa que ssepodeacess-losapartirdecomputadoresinstaladosnasuniversidades.Paraconsultabasededados,sem acesso s verses integrais dos textos, pode-se usar computadores domsticos; desde que se esteja em posse de senha obtida numa universidade credenciada.8 O endereo . 15 bem como asprticas educativas bem sucedidas, ou que suscitem interesse para alm do mbito emqueserealizaram,dificilmentedeixamdeserrelatadaseoferecidasaoexamedos especialistasque,paratal,valem-sedorecursodapublicaoemrevistasoulivros,poder informar-se com rapidez, comodidade, e, o que no menos importante, a baixo custo.Ainda para o fim de pesquisa dos artigos publicados em revistas especializadas, aSCIELO,ScientificEletronicLibraryOnLine9,umprojetodaFAPESP,Fundaoparao AperfeioamentodaPesquisadoEstadodeSoPaulo,dacessoaotextointegral-dentre artigosdetodasasreasdoconhecimento-dosqueforampublicadosnasmaisimportantes revistasbrasileirasespecializadasemEducao,comoaEducaoeSociedadeeCadernos Cedes, ambas do Cento de Estudos Educao e Sociedade, de Campinas, Estado de So Paulo, e aRevistadaFaculdadedeEducao,daFaculdadedeEducaodaUniversidadedeSo Paulo.Assim,vem-setornandomaisfcil,hmaisoumenosdoisanos,aidentificao, localizao e acesso a artigos publicados em revistas nacionais especializadas em Educao. Quantosdissertaesdemestradoetesesdedoutoramentoocorrealgo semelhante. H uma tendncia para que o acesso seja geral e irrestrito. O IBICT, no mesmo stio eletrnicoaoqualnosreferimosacima,possuiumabasededadoscomregistrossobreas dissertaesetesesdefendidasnosprincipaisprogramasbrasileirosdeps-graduaoem Educao.Abasededadosrenecemmilregistrosdedissertaeseteses,defendidaspor brasileiros,aquienoexterior,localizadasemcentoetrintaeoitobibliotecasdedezessetedas maiores e mais importantes instituies de ensino e pesquisa do pas. Encontram-se nessa base de dados,almdasinformaesrelativaslocalizaodotextoimpresso,nestaounaquela biblioteca,informaessobreaorientao,datadedefesa,etc.Ademais,nelatambmsetem acessoaoresumodecadaumadessasobras.Porltimo,vem-seformandoumatendncia,j consolidada nas grandes universidades brasileiras, exemplo do que j ocorre na Universidade de SoPaulo,naUniversidadeEstadualdeSoPaulo,naUniversidadedeCampinas,astrsno Estado de So Paulo, e na Universidade de Braslia, no estado de Gois, para o acesso irrestrito, via rede mundial de computadores, ao contedo integral das dissertaes e teses produzidas emseusprogramasdeps-graduao.Certamente,nocursodosprximosanos,antesquese

9Essabibliotecacientficaeletrnicadacessobasededadosdepublicaesbrasileiras,chilenasecubanas.O endereo eletrnico . 16 complete a primeira dcada do atual sculo XXI, a tarefa de realizao de pesquisa bibliogrfica e do acesso informao cientfica no guardar mais nenhum dos obstculos e das dificuldades quesuarealizaoimpehojesobretudoseasdificuldadesrepresentadaspelaausnciadeum banco de dados unificado for vencida por iniciativa governamental. Por ltimo, todo o trabalho de pesquisa pode contar agora com um instrumento importante na iniciativa do Prossiga, um programa do MCT, Ministrio da Cincia e Tecnologia, CNPQ,ConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientficoeTecnolgico,eIBICT,Instituto BrasileirodeInformaoemCinciaeTecnologia,queofereceumasriedeservios, permanentemente atualizados, como informao sobre a realizao de buscas na rede mundial de computadores,sobrebibliotecasvirtuais,sobreproduocientficabrasileira10,almdetambm daracessoabasededadosTesesBrasileiras,doIBICT.Foramessesosinstrumentosporns operados nesse primeiro passo do trabalho. 1.2OBSERVAESACERCADAESCASSEZDETRABALHOSSOBREOTEMA DA DISCIPLINA Aotermodolevantamento,localizao,leituraeanlisedessemateriala primeira constatao toca ao fato de que, frente importncia do tema, ao que j nos referimos na introduo, e diante da precipitao generalizada de episdios a ele relacionados no dia-a-dia de paiseeducadores,envolvendofamliaseinstituiesescolares,envolvendoenfimasociedade, so escassos os trabalhos que o tm explicita e diretamente por objeto. Um levantamento na base CatlogodeLivros,nondicedeAssuntos,daBibliotecaNacional,atualizadoemdezembrode 2001,feitosobotermodisciplina,confirmaque,noacervodabibliotecahsomente18ttulos sobre esse tema, ou a ele relacionados. Ainda sobre o mesmo assunto parco o nmero de artigos

10 Endereo na rede mundial de computadores em . 17 publicadosnasprincipaisrevistasbrasileirasespecializadasemEducao,nopassandode algumas dezenas no perodo por ns estudado. A base de dados do projeto SCIELO, que rene os artigosdasRevistasdeEducaomaisimportantesdopas,registra,porexemplo,apenas6 artigos sobre o tema e seus congneres. A Bibliografia Brasileira da Educao, do INEP, registra 35. Esta tem o inconveniente de ainda ser pouco conhecida no formato eletrnico atual e de adota umasistemticapelaqualautoreeditorquesoresponsveispeloenvioeautorizaode divulgao ou cpia das obras. Isso chancela a suposio de que o acervo atual no corresponde totalidade dos artigos sobre o nosso tema, publicados em peridicos brasileiros especializados em Educao.Dequalquermodo,umafontedepesquisaimportanteerepresentativae, futuramente,indispensvel.Sobreadisciplina,hmuitosartigos,comentrios,reportagens, espalhadosportodotipoderevistanoBrasilinteiro.Todavia,suaesmagadoramaioriaserve apenascomosinaldamarmontantedeinteressepelotemaedocrescentedestaquequeele adquiriuhojeemnossasociedadeaopassoqueostentaescassaouinexistenteimportnciaem termos de reflexo filosfica ou cientfica. Quanto s dissertaes e teses, material que pelas suas caractersticasdeabordagemcientfico-filosficasistematizadareneaquintessnciada produocientficasobreotemanopas,abasededadosTesesBrasileiras,doIBICT,no registrasenoumadezenadedissertaesetesesdedicadasaseuexame,recuperadaspor assunto, com confirmao do levantamento tambm em janeiro de 2002. Destarte,aprimeiraobservaosobreolevantamentodizrespeitoexatamente ao fato de que a intensidade com que a discusso sobre o tema da disciplina vem-se impondo nas instituiesdeensino,oespaoqueelevemocupandonapreocupaodeprofessoresepais,a recorrncia com que ele se torna objeto de ateno dos meios de comunicao, no se espelha na realizao de pesquisas, na elaborao de dissertaes e teses, na publicao de artigos ou livros. Ocrescimentodavisibilidadedessetemanodeixadvidasarespeitodagravidadeeda intensidadecomqueelevemsemanifestando.Enoentantoeletemsidoalvodepreocupao explcitamaisentrenoespecialistasdoqueentreespecialistasemEducao.Asrevistasde informao de maior circulao nacional j lhe dedicaram vrias reportagens nos ltimos anos. A maioremissoradeTVbrasileiralevouaoarduasgrandesreportagenssobreele,tambmnos 18 ltimosanos.11Revistasdediscussoededivulgaodeexperinciaseducacionaisdeinteresse mais comercial que cientfico tambm vem-lhe dedicando muita ateno. Seessessinaisnoforemsuficientesparanosconvencerdisso,podemosnos lembrar de que cada um de ns ou j viveu ou j presenciou cenas patticas de pais constrangidos em lojas ou supermercados diante de crianas que impem suas vontades, muitas vezes dirigindo ascompras.Em2000,umgrupodemdicospediatrasdoInstitutodaCriana,umaclnica peditricaquerenevriosmdicos,nacidadedeMaring,Paran,promoveuumencontroe debate entre pais, educadores e a comunidade em geral, com a Doutora Amlia Theresa de Moura Vasconcellos,coordenadoraregionaldePsicoterapiadoIPPIA,InstitutodePsiquiatriae Psicoterapia de Crianas e Adolescentes, do Estado de So Paulo. O motivo pelo qual eles foram levadosarealizartalencontrodramtico:paisdecrianaspostassobseuscuidadosmdicos, segundo os pediatras do referido Instituto da Criana, vm perdendo a capacidade de conduzir a administraodemedicamentoseoordenamentodascondutaseatividadesinfantis,cuja exigncia tem em vista a preveno de enfermidades, a conservao da sade infantil, a conduo dostratamentosprescritospelosmdicos.Todossabemosque,eventoscomoesse,destinados discusso do que fazer na educao dos filhos, vm-se tornando ordinrios entre ns. Mas no Brasil, merc de nossa conhecida carncia no recolhimento, tratamento eproduodesriesestatsticasdedadosacercadenossarealidadescio-econmica,no quantificamososatoseepisdiosdavidasocial,nemmedimosavariaodesuaincidnciano nosso territrio, e nos diversos estratos sociais ao longo do tempo. E quando os quantificamos e medimos,osinteressesdemanutenodostatusquosoperfeitamentecapazesdeosomitirem, oudetrat-losestatisticamentedemodoaquesuadivulgao,maisdoqueocultararealidade, mistifique-a. Prova disso so os dados relativos expectativa de vida no Brasil, divulgados pelo IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, prximos aos dos pases mais desenvolvidos nomundo,enquantootempomdiorealdevidadapopulao,particularmenteapopulao jovem,negraemasculina,residentenasperiferiasdasgrandescidadesbrasileiras,ficalonge

11ARedeGlobodeTeleviso,porintermdiodoprogramaGloboReprter,doDepartamentodeJornalismoda emissora, realizou, nos ltimos anos, dois programas sobre o tema da disciplina na educao. O ltimo deles teve o ttulo Limites e foi levado ao ar em 22/06/2001. A Revista Veja, edio do dia 16/06/99, publicou uma reportagem especialsobreotema,evoltouaelenaediode13/10domesmoano.Outrasgrandesrevistasdecirculao nacional, como Isto e poca, tm feito o mesmo. 19 dessesndicesemuitomaisprximodotempomdiorealdevidadospasesouregies conflagrados, em guerra ou em descalabro econmico-social.UmaconsultaaoMinistriodaJustiaeaoMinistriodaEducao,ous SecretariasdeJustiaedeEducaodosEstados,ouaindasSecretariasdeEducaodos MunicpiosBrasileiros,comofitodesaberonmeroeatipificao,aincidnciadiscriminada por horrio de ocorrncia, o grau de incidncia geogrfica, o gnero, a idade e a condio scio-econmicaoueducacionaldosenvolvidos,ostecnicamentedenominadosdadosdevitimizao, noscasosdeconflitos,agresses,depredaesecrimescontraavida,opatrimnio,apessoa, ocorridosporexemplonoambienteescolar,envolvendoalunosprofessoresepais,est simplesmentedestinadaaofracasso.Osbrasileirosnotemosapenasvagasidias,impresses empricas, devidamente influenciadas pela parcialidade dos meios de comunicao, do que ocorre no nosso pas quanto a isso. O fato que a incivilidade e a violncia brutal aparecem por todos os lados.Eumescndalo,almdeumenigmaparaaCinciaPoltica,eumdesafioparaa AntropologiaSocial,mesmodepoisdeGilbertoFreyre,deSrgioBuarquedeHollanda,de RaimundoFaoro,deCelsoFurtado,ouCaioPradoJnior,paraficarmosemumalistarestrita dentre clebres intrpretes do Brasil, entender a reputao de que gozamos como um povo alegre, pacfico,ordeiroedequevigeumademocracianopas.Quantoans,ospesquisadorese professores universitrios, os acadmicos, to habituados s cautelas metodolgicas obrigatrias, sobretudos nas Cincias Humanas, prestamos pouca ateno a um efeito distorsivo que pode estar obnubilandonossavisodosfatosrelativosrelevnciadotema12dadisciplinaessuas manifestaes patolgicas. Geralmenteresidimosnaslocalidadesurbanasmaisbemprovidasdeservios pblicos,muitasvezesprotegidosporseguranaprivada.Nousamostransportepblico.No usamosserviospblicosdesade.Nossosfilhosnofreqentamasescolasderedepblica

12Duranteestetrabalhocuidar-se-emreconheceradiferenaentreumtemaeumproblema;particularmenteum problemafilosfico.Istoabsolutamentefundamentalparaodesenvolvimentodenossaargumentao,preocupada emressaltarque,dotemadisciplina,h,nasociedadebrasileira,hodiernamente,umaprecriatematizaoeuma insuficiente problematizao. A problematizao atinge apenas a configurao e expresso de algumas dimenses da realidadeevocadanapalavradisciplina.Amaioriadosespecialistas,porumlado,noaproblematiza filosoficamente, dela realizando, no mximo, um equacionamento em termos psicolgicos ou plticos. Com ela, por outro lado, os no especialistas mantm uma relao mistificada e folclrica, ao passo que a sociedade brasileira, em geral, vive-lhe as manifestaes num nvel apenas pr-compreensivo. Para os esclarecimentos a respeito das noes detema,problemaeproblemafilosficoconsultarosverbetesthmatisation,thmeeproblme,naEncyclopdie Philosophique Universelle, v.II. Les Notios Philosophiques. Tomo 2, pag. 2581- 2583 e 2049-2050, respectivamente. 20 estatal. Nosso trabalho realizado em localidades, em geral aprazveis, em regies urbanizadas e dotadasdetodososserviospblicos,emprdiosesalasque,emboravenhamsofrendo,nos ltimosanos,deterioraofrentecrisedefinanciamentodasUniversidadespblicasestatais brasileiras,sodotadosdetodasascondiesdesalubridade,e,muitasvezes,atdeconfortoe comodidade, alis como deve ser para que se trabalhe a contento. Nossa atividade profissional intermediadaporumcorpodefuncionriosque,pelomenosnotrabalho,temumpadrode condutasocialqueseespelhanonosso,oquemantmoambienteuniversitrioemsituao psicossocial favorvel, pelo baixo nvel de tenso nas relaes interpessoais, propiciado, por sua vez,entreoutrascoisas,pelopadrodeurbanidadenotrato,viaderegra,caractersticodo ambienteacadmico.Nossosalunos,sobretudoquandoestamosnasUniversidadespblicas, mesmo que no sejam todos oriundos de classes sociais nas quais vigora um padro de condies econmico-sociais no potencializador de tenses capazes de elevar o nvel de agressividade, em geralcomportam-se,noambienteuniversitrio,deacordocomopadrodeurbanidade caracterstico de uma instituio em que os procedimentos do debate mediado pela razosode praxe. Quando atuamos somente na ps-graduao, esta situao se apura ainda mais, pois a estepatamardaeducaosuperiorchega,comonatural,umaminoriadapopulao,minoriaem relaoqual,senopodemosdizernada,nemparaomais,nemparaomenos,deseupadro ticodeconduta,podemosclassificaropadrodecomportamentonotratointerpessoalcomo ameno, corts, e, em suma, favorvel produtiva consecuo de nosso trabalho. Assim, entre ns, a disciplina no adquire, em absoluto, carter de problema. Entre ns, a disciplina , no mximo, tematizada psicologicamente, e assim mesmo, com predominncia para sua dimenso intelectual; mas esse um outro aspecto da questo. Completamentediversa,eatcontrria,asituaodagrandemaioriado professoradoqueatuanoEnsinoBsicoeMdioexercendosuadocnciaouatividadetcnico-pedaggicanasEscolasdasredespblicasestataisespalhadasemtodooterritrionacional, sobretudo as localizadas nas periferias das grandes cidades. Dispensvel o emprego de qualquer mediaometodolgicaparaafirmar-seque,nasituaoconcretadaesmagadoramaioriadas unidadesescolaresconstituintesdoSistemaNacionaldeInstruoPblica,aprecariedadeea penriasoderegra.Desdeascondiesmateriaisdetrabalho,atascondiesscio-econmicas, passando-se pelas circunstncias psicossociais do exerccio do trabalho pedaggico, tantodedocentesquantodediscentes,etambmdopessoaldeapoiotcnicoeadministrativo, 21 muitas so as privaes, as faltas, de modo a no ser rara a impresso de que entre ns as coisas transformam-se em runas antes de terem sua edificaocompletada.13E aqui h um gravssimo problemacujoelementocentralestrelacionadocomobaixograudeconvicodemocrtica sobretudo da classe mdia brasileira. Sabe-seque,no Brasil,nuncativemos uma Educao Pblica verdadeiramente democrtica, isto , capaz de garantir a todo e qualquer cidado, a despeito de sua origem social, desuasposseseconmicas,desuaRaa,CredoouReligio,oacessoescolarizaoemnvel bsicoemdio,ascondiesnosdeentradamasdeseguimentointegraldosdoisnveisdo ensino, alm de capaz de afianar o nvel de qualidade necessrio para que nenhum cidado, por mais abastado que fosse, renunciasse a entregar-lhe seu filho, a no ser por motivos que em nada se relacionassem com o nvel de qualidade. Houve um tempo, principalmente entre os anos 40 e 60,emqueelafoideboaqualidade,nosendo,todavia,acessvelmaioria.Atualmenteela acessvelmaioria,mastempssimaqualidade,porqualquercritriodeaferiodessa qualidade. Por esses motivos, entre outros, pode-se dizer que o Estado brasileiro no se revelou, ainda, capaz de democratizar o ensino, estando distante da organizao de uma educao pblica democrtica de mbito nacional.14 E isso absolutamente injustificvel, sob todos os pontos de vista,inclusiveoeconmico,selevarmosemcontatantoaevoluoquantoaposioatualdo ProdutoInternoBrutobrasileiroecompararmosasituaodonossoSistemaNacionalde

13Dequalquermodo,h,entrens,algumaspesquisascujosdadosespelhamtaisformulaes.ocasodedois estudosintituladosRetratodaescolaI eRetrato da escolaII,planejadospela CNTE,ConfederaoNacional de Trabalhadores na Educao, e executados por rgo da UNB, no caso do primeiro, e pela prpria CNTE, no caso do segundo, respectivamente em 1999 e em 2001. O texto completo dos dois est a disposio no stio da CNTE na rede mundial de computadores em . Consultar tambm a pesquisa realizada pela UDEMO, Sindicato dos Especialistas em Educao do Estado de So Paulo, realizada em 2000 e publicada em janeiro de 2001. Textointegraldapesquisadisponvelem.Acessoem02jan.2002. Todavia,oindispensveltrabalhodecoletametdicaedeinterpretaosistematizadadedadosoudeconsultaa essesdadosnodevedispensarocontatoreal,contnuo,comaslocalidadesnasquaissedoensinoecomas circunstncias em que ele ocorre.14 Dermeval Saviani. A nova lei da educao: trajetria, limites e perspectivas. 3.ed. Campinas: Autores Associados, 1997, p.7. Faltando apenas trs anos para o incio do sculo XXI, um renomado estudioso da educao brasileira fez essegravssimodiagnstico,absolutamentecontrastantecomapropagandagovernamental,segundoaqualopas est passando por uma revoluo educacional, propaganda repetida em alto e bom som, pelos meios de comunicao, pelos formadores de opinio, e por muitos dos nossos pares acadmicos. Se assim, das duas uma: ou somos todos mentecaptos por dar prestgio acadmico a quem diz uma sandice, ou tem havido muito oportunismo e cinismo, dos meios de comunicao e de muitos dos nossos pares. 22 InstruoPblicacomasituaodosSistemasNacionaisdeInstruoPblicadepasescom nvel de produo de riqueza comparvel ao nosso.15

Compare-se, por exemplo, o estado fsico dos prdios escolares da rede privada deensino,comoestadofsicodosprdiosescolaresdaredepblicaestatal.Nemaconscincia daexistnciadediferenasconsiderveis,sefizermosoexamedetalquesitoseparadamente, comparando entre si os prdios escolares da rede privada e os prdios escolares da rede pblica, impediriaaconstataodeque,emborahajasituaesmuitodistintasentreescolasprivadas,a diferena entre a situao mdia caracterstica de uma e outra escandalosa. Essa situao seria, para qualquer esprito republicano, absoluta e definitivamente inaceitvel. Comparaessemelhantesrealizadas,porexemplo,nocampodoacessoa serviosmdicosdetratamentodeenfermidadesedeprevenocontradoenasoudoacesso justialevariamconstataodeescndalossemelhantes,emesmaconclusodeinexistncia do esprito republicano. Esse efeito distorsivo, ligado falta de esprito republicano, pelo qual se produz o esdrxulo julgamento segundo o qual, enquanto os efeitos das mazelas sociais no me atingem diretamenteelassodadasporinexistentes,explicaria,emparte,adesproporoentrea gravidade, intensidade e recorrncia de eventos classificveis como indisciplina, particularmente em suas manifestaes patolgicas na vida escolar, e o baixo nmero de estudos sobre o tema na literatura pedaggica atual. Ora, quem publica artigos e livros, quem escreve dissertaes e teses, notrabalha,emgeral,nasredespblicasestataisdaeducaobsicabrasileira.Asmaisdas

15Quantoaissoargumenta-se,comomodaentrens,combasenosmanuaisdoBancoMundial,queoBrasil destinaaofinanciamentodaeducaopblicaumaproporodoPIBcompatvelcomonveldegastosrealizados por pases que tm PIB semelhante ao nosso. E que a educao pblica nesses pases tem um quadro muito melhor. Daporque,aqui,oproblemanoseriaresolvidocomelevaodegastosmassimcomaumentodeeficinciana realizao dos dispndios. Em relao a isso estamos na mesma situao em que estvamos frente necessidade de seacabar coma escravido, na segundametade do sculo XIX. Havia acordo entre todos no que diz respeito sua abolio,masquantoaosmeios,osgrandeslderesdanao,aquelesqueestavamcomprometidoscoma "manutenodebonsfundamentosmacroeconmicos",fiadoresda"governabilidade",queriamummtodo gradual, responsvel, que no levasse a economia do pas ao colapso. Quanto data, conforme nos informa Rubens Ricupero emartigodaFolhadeS.Paulo,noCadernoDinheirode16/12/2001,apenasummembrodoConselhodeEstado, respondendo sondagem feita por D. Pedro 2, em 1867, ousou sup-la: Ah! Sim, a data... Quem sabe 1930? Seguindo esse mtodo compatvel com a "tica da responsabilidade poltica", quem sabe em 2065 teremos fechado essa chaga da inexistncia de uma educao pblica democrtica no pas? Em compensao, enquanto no temos dinheiro para organizarumaescolaemtempointegralcominstalaesdignaseprofessoresremuneradosdignamente,vamos galgando posies na comparao com outros pases, por exemplo, em nmero de proprietrios privados de avies a jato, em nmero de cidados na lista dos mais ricos do mundo, em rentabilidade dos bancos... 23 vezesexercesuasatividadesprofissionaisnaEducaoSuperior,comonatural,atporquese existeumarelaoentrenveldequalificaoenvelderemuneraonaturalquequemseja maisqualificadoassumaospostomaisbemremuneradosnaestruturaocupacionalenoh motivos para que seja diferente na Educao. Destarte, a descrio e caracterizao das condies devidaedetrabalhodospesquisadoreseespecialistasemEducaoexplicaria,emparte,no contextodafaltadeespritorepublicano,ofatodequeotemadadisciplinacontinueno mobilizando, na proporo que deveria, a julgar pela gravidade de suas manifestaes educativas, a ateno dos especialistas.Masaexplicaoparaofenmenodadesproporoentreaintensidadeea generalizaodasocorrnciasrelacionadasdisciplinaeobaixonmerodeestudosaele dedicadonoseresumeaoacimaexposto.Afirm-losignificariatambmafirmarqueepisdios de indisciplina seriam ausentes na educao escolar de crianas, adolescente e jovens das classes dominantes e dos setores de classe mdia que ainda dispem de recursos para pagar uma segunda vezpelaEducao/Instruodosfilhos.Eissonoocorredemodoalgum.Nessasescolas, episdiosdeindisciplinasotooumaisintensoserecorrentesdoquenasescolasdasredes pblicasestatais.Comduasdiferenas.Emprimeirolugar,oespaofsico,omobilirio,os recursosdidticoscomqueosalunospodemcontarnessasescolassomuitomaisamplos, diversificados e adequados s atividades escolares. Em geral essas escolas so arquitetonicamente maisbemconstrudasecontamcomequipamentosdiversoscomoquadrasdeesporte, laboratrios, salas de msica, eventualmente piscinas e vestirios, auditrios, campo de futebol, o quepermiteumamultiplicaoeumavariaodasatividadesqueproporcionammaior dinamismoaoprocessodeensinoeaprendizagemeumacanalizaomaisadequadado extravasamentodasenergiasinfanto-juvenis.Emsegundolugar,taisescolascontamgeralmente comumquadrodefuncionriosquevaidesdeseguranas,passandoporinspetoresepessoalde limpezaechegandoapessoaldeapoio,inclusivetcnico-pedaggico-comoorientadorese psiclogos-semfalarnosprofessoresmelhorqualificadosemaisidentificadoscomoprojeto pedaggicodaescola,quandonoporoutrosmotivos,pelomenospelofatodeque,emgeral, como organizaes privadas, as escolas tm uma cultura institucional, sobretudo as religiosas ou no lucrativas, capaz de galvanizar a ao daqueles que esto envolvidos em suas atividades, seja como aluno, seja como professor, seja como funcionrio. 24 Quemtemexperinciadoquesejaaamplaecomplexatarefadeplanejare implementarofuncionamentodeumaunidadeescolar,svezescommilhares,enormalmente comcentenasdealunosdevariadasfaixasetrias,sabedaimportnciadessesrecursose instrumentos para a realizao das atividades educacionais e, principalmente, sabe da importncia queamanutenodoasseio,dobomestadodeconservaodoprdioedosequipamentos,de umaculturaorganizacionalclaraefortementeexplicitada,dapresenaativaesolcitadeum corpodefuncionriosqualificadosebemtreinadostmnareduodasocasiesparaatritos, agresses,fraudes,burlas,etc.enaconstituiodeumadinmicadasrelaesinterpessoais capazdefavoreceoensinoeaaprendizagemeaptaconfiguraodeumquadroemqueos naturais conflitos sejam administrveis e mantidos sob controle. Nadadissoquer,entretanto,dizer,queepisdiosdeindisciplinanose manifestemcomgrandeintensidadenessemeio.Oqueocorrequenelehformasdistintasde episdios de indisciplina e estes no explodem caoticamente em todas as direes. Os professores dessasescolascertamentenotemempelasuaintegridadefsicaoupelaincolumidadedeseus automveis,guardadosnosestacionamentos.Estosemprecertosdequeencontraro,intacto,o material.Sopoupadosdassensaesdevulnerabilidade,deinseguranafsica,sejanointerior dasunidadesescolares,sejaquandosedeslocampelassuasadjacncias,antesedepoisdesuas jornadasdetrabalho,oquedemodoalgumacontececomaquelesquelecionamnasdezenasde milharesdeescolasdasredespblicasestataisdasperiferiasdasgrandescidades.Masnoso poupadosdatensopsicolgicaaqueestosubmetidos,cadavezmais,diantedaampliaodo espaodosdireitosqueachamadaEducaomodernaproduz,diantedodesvanecimentodas fronteiras entre adultos e crianas, entre pais e filhos, entre professores e alunos, o que os acaba submetendosatitudesderrisriasdessesmesmosalunos,quecadavezmais,inclusivecomo resultadodeconcepeseducacionaisquecultivamdogmascomoodequeoprofessormero coadjuvante do processo educacional, medida em que os educandos que devem construir seus conhecimentos,oucomooquediminuiuadistnciaentretrabalhoebrinquedo,entreestudoe diverso,entreescolaevida16,sovistospelosdiscentescomoumservialamais,talvezum poucomaisgraduadoqueasbabsouempregadasdomsticasquelhescarregamasmochilas, lhescozinhamacomida,lhesservemasrefeieselheslavamasroupas,ounomximocomo

16SobreissoveraanliserealizadaporHannahArendtemAcrisedaeducao.In:______.Entreopassadoeo futuro. So Paulo: Editora Perspectiva, 1972, p.229-233. Coleo Debates, n.64. 25 um companheiro de diverso, tanto mais que tantos tm cado no engodo de que diminuiro seus problemas se a todos envolverem numa aura de intimidade e se toda tarefa derem um ar solaz. Noestolivresdastensesresultantesdeumaavaliaodeseutrabalhocujodiapaso,cuja medida,crescentemente,asatisfaodocliente,categoriaemquevmsendotransformados alunosepais.Eacontrapartidadesseabastardamentodafunodocenteocrescimentodas manifestaes de desapreo e desdm frente aos professores, frente aos contedos das disciplinas, frente ao trabalho seriamente conduzido, frente a qualquer valor que no esteja sintonizado com o desejoinsaciveldecomprazimentonadissipaodasenergiasfsicasepsquicas,frentea qualquermediao,quenoproporcioneomaisrpidoacessoaofim,isto,frenteaqualquer instrumentodeaooudepensamentoquenoproduzaaconsecuoinstantneadoobjetivo visado,numprocessoemqueaidiadefinalidadeconsciente,detransitividade,de problematizao racional da adequao entre meio e fim tende a desaparecer, tangendo todos ao curral do instinto. Esseprocessotemenvenenadoasrelaeseducacionaisnoensinobsicoe ocorretantoemEscolasdaredeprivadaquantonasdaredepblicaestatal.Hpormduas distinesdecujorealce depende a compreenso clara doefeito de distoro a que estamos nos referindo.Aprimeiradizrespeitoaofatodequeemdiferentescenriosdaeducaobsicah diferentessintomatologiasdaindisciplina.Nocenriodaredepblica,deprecrioarranjodos meioserecursosmateriaisedeinstvelagenciamentodosrecursoshumanos,episdiosde indisciplinaexplodemruidosamenteeimpregnamoambiente,comaestticadaviolncia.No cenriodaredeprivada,emqueoarranjodosrecursosmateriais,tantoquantooagenciamento dosrecursoshumanos,muitomaisfavorvel,osepisdiosdeindisciplinasofiltradosou decantadosapontodenoferirosolhoseouvidosdomundoexternoouinternoescolae acabamescorrendopelosdesvosdasprpriasinstituiesemquesedoparaserem silenciosamente absorvidos. Por si s, esse fator relacionado s diferentes condies de meios e de recursos produzumasituaonaqualasocasieseasmotivaesdeconflitoeentrechoquereduzem-se consideravelmente.Sosnefelibatasouautistas,comoparecemseramaioriadenossas autoridades educacionais, e igualmente boa parte dos educadores, so incapazes de perceber que as estatsticas que eles divulgam, os relatrios que eles elaboram ou recebem e o contato que eles 26 tmcomarealidadenoespelhamasituaoconcretamentevividanodia-a-diadenossa Educaoescolarpblicaestatal.AlisapresenadeautoridadesemEscolasdaredepblica, para efeito meramente publicitrio uma ignomnia. Quem j trabalhou, em perodos longos, nas redes pblica e privada - e isso tem sido cada vez mais raro - tem a exata conscincia da diferena de circunstncia representada pela ocupaoregularmenteplanejadadotempoescolarepelaexistnciadeespaosadequados realizaodasatividades.Rarssimasvezesver-se-umaEscoladaredeprivadainiciaroano letivosem que seu quadro de professoresesteja completo. Rarssimas vezes ver-se- a atividade deEducaoFsicasersuspensapelaocorrnciadechuvas.Emnenhumaocasiover-se-uma Escoladaredeprivadanaqualosalunostenhamdificuldadedeacessoguaeabanheiros.E bastasomenteobomsensoparaverquetodasessassovariveisdasquaisdependea manuteno de um padro de interao necessrio convivncia social minimamente ajustada, e quearealizaodasatividadeseducacionaisemlocaisquecostumamreunirporvriashoras, centenas, s vezes milhares de crianas, adolescentes e jovens, longe dos olhares dos pais, exige umnaipederecursos,instrumentos,meiosepreparotcnicoprofissionaldealtograu,em condiesotimizadasdeao,que,senosoregranarededeEscolas privadas,no so a to precriosquantoosoemnossaredepblicaestataldeEscolas.Essepoisumdosmotivos pelosquaisosepisdiosdeindisciplinanoexplodemcruamentenaredeprivadadeensinoe assumemformasdemanifestaomenoschocantes,menosperceptveis.omotivopeloqual eles parecem - atente-se para o verbo - no ser graves na rede privada de ensino. Asegundadistinodizrespeitoaofatodequeasclassesdominantes,e tambm as classes mdias, resguardam ciosamente do olhar pblico, certos cantos e meandros de sua vida privada, enquanto movem-se para dar maior visibilidade possvel a outros. Assim que nasEscolasdasredesprivadas,gravidezesindesejadaseabortosemadolescentes,atosde depredao, como instalao de pequenos artefatos explosivos em banheiros, consumo de drogas, agresses, furtos, so tratados de acordo com o esprito de auto-preservao da imagem, seja a da pessoa envolvida, seja a da instituio. Ao contrrio, o carro novo do pai ou da me, as viagens, osaparelhosdetelefonecelularmaissofisticados,omaterialescolarmaiscolorido,reluzente, opulento, tudo isso ostentado como sinal de superioridade e de prosperidade econmica, rea da 27 vidaprivadaque,nessescasos,somantidaspermanentementedevassadas,anoserquandoa luz vem dos rgos da Receita Federal ou Estadual. Esses so alguns dos motivos pelos quais a disciplina no se transformou ainda numproblema,numobjetodereflexoimportanteparaospesquisadoresemEducao.As manifestaesdessefenmenoeocontatocomsuarealidadeestolongedesuasvistas.Sim, porque como j assinalamos, s escreve e defende dissertao e tese quem ultrapassou barreiras e chegoups-graduao.EquemtemttulodeMestreouDoutorraramenteatuanaEducao bsica,principalmentenasunidadesescolaresdaredepblicalocalizadasnasregiesinspitas das grandes cidades. No mximo atua em cargos de planejamento e administrao, mantendo-se, assim,longedasmanifestaesmaiscruaseruidosasdosepisdiosdeindisciplinaeviolncia escolares. No temos notcia, por exemplo, de sequer um docente, Mestre ou Doutor, lecionando nas sries iniciais do Ensino Fundamental, e insignificante o nmero dos que o fazem no Ensino Mdio, sobretudo em unidades escolares da rede pblica estatal e quanto mais naquelas unidades localizadas nas periferias das grandes cidades.Aesmagadoramaioriadosprofissionaisqualificadosnessenveltrabalhana EducaoSuperior,cujascircunstnciasecondiesacimadescritas,sobretudonasinstituies pblicas estatais, praticamente elimina a possibilidade de irrupo dos episdios relacionados ao temadadisciplinanaformaemqueelessemanifestamnaEducaoBsica.Taisepisdios raramentesemanifestam,naEducaoSuperior,sobamesmaformaemquesemanifestamna Educao Bsica.Eparaalmdessesmotivospelosquaisadisciplinanoaparececomo problema,ocorreumoutrofenmenopossivelmenteimplicadonessefato.Comaavassaladora hegemonia do dogma da virtude sacrossanta da competio no mercado, vem-se implantando no pas, desde 1990, um modelo de planejamento, organizao e gesto da Cincia, Tecnologia e da Educao Superior em que a principal virtude do pesquisador tende a ser, no sua qualificao ou a contribuio que seu trabalho possa trazer sociedade, mas a capacidade de identificar os temas cujo estudo tem maior probabilidade de financiamento, seu faro para identificar as reas em que a pesquisasermaisfacilmenteirrigadaporrecursosfinanceiros.Emplenavignciadaideologia do Estado mnimo, as reas de maior apelo mercadolgico no campo da Educao so hoje as de novas tecnologias de ensino, restritas basicamente ao ensino distncia e ao uso de computadores 28 emredenaeducao,porumlado,e,poroutro,aoquesecostumachamarhodiernamentede gestodaEducao,almdaEducaoambiental.Tudoqueserelacionadiscussodas finalidadesdaEducao,ousHumanidades,tendeaperderimportnciaesignificao,eisso aparece at na renovao dos programas dos cursos de Pedagogia e no enquadramento que a atual LeideDiretrizeseBasesdaEducaoNacionaldformaodeeducadoresnostermosdo chamado Curso Normal Superior. H,pois,umduploefeitodistorsivoexpressoemdoisdinamismos,ambos decorrentes da falta de esprito republicano que faz com que ns, que somos a elite intelectual do pas, no problematizemos o tema da disciplina. Porumlado,aqueledaaceitaodesseverdadeiroescndaloexpressonas condiesprecriasemiserveisdaEducaoBsicanacionaldagrandemaioriadapopulao brasileiranafaixade7a18anosdeidade,expressononossosilnciodiantedeumensinoem quecrianasejovenstmefetivamente3ou4horasdiriasdeatividades,nanossafaltade coragememreagirquandogovernantesseregozijamcomumaremuneraodeR$300,00em mdia,paraosprofessores,ouquandofingimosnoverqueaindignciamaterialdenossos professores do Ensino Fundamental transformou-se em indigncia intelectual. Poroutrolado,odaesquizofreniascio-poltica,caractersticadojulgamento segundo o qual, valendo mais a privacidade das classes economicamente superiores e das classes mdias,osproblemasdeinadaptaosocialdascrianas,adolescentesejovens,desseextrato social, ou de infraes por eles praticadas, so no mximo encaminhados para resoluo junto a orientadoreseducacionaisepsiclogos,outratadosnascatarsescoletivasdecultosreligiosos donovocristianismoderesultados,sejaelecatlico,protestanteouevanglico,demodoaque, paratodososefeitos,ousoabsolvidosounoexistem;e,valendomenosaprivacidadedesse contingenteimensodenoconsumidores,denocontribuintes,denocidados,de inimpregveis, de no-pessoas, para os quais a ideologia da moda julga ter concedido tudo que sepodeconcedersemabalarasadedosdadosmacro-econmicos,destinando-lhesaredede proteosocialdapropagandagovernamental,osproblemasdeinadaptaooudeinfraos normas praticados pelos que a ele pertencem so devidamente encaminhados ao Distrito Policial ouSOSCrianamaisprximo,ouentotratadospreventivamentenessesnovoshospitais scio-educacionais da moda organizados muitas vezes por jogadores de futebol e artistas globais, 29 ou pagodeiros, ou por iniciativas como o srdido, mas festejado, Criana-Esperana, tudo com a mximapublicidade,claro,paramelhoraraimagempblica,dapessoaouinstituioqueos promovem, no melhor estilo propagandstico. No primeiro caso, os daqueles enviados ao Distrito Policial,paraomrbidodeleitedejornalistas,cinegrafistas,reprteresetelespectadores lobotomizadospelaespetacularizaodanotcia.Nosegundocaso,odaquelestratados preventivamentenoschamadosprojetossociais,tonamodaultimamente,paraapromoo pessoaldequemospatrocinaeparaaincrementaodocalendriodeeventosdepremiao nesses tempos de voluntariado. Assimquetodos,tantososafortunadosquantoosdeserdadosdasorte, irmanam-senaanomiaemqueningumresponsvelpornada,ningumtemculpadenadae todosseabsolvemmutuamente,unssobadesculpadequesovtimasdasinjustiassociais, outrosporqueseningumrespeitanenhumaregra,nosoueuquevoufazeropapeldeCristo. Assimqueafaltaderepublicanismo,queestnaraizdosgrandeseprincipaisproblemasdo Brasil como pas e nao, est tambm na origem dessa distoro pela qual o tema da disciplina noconstituiumproblemaparaospesquisadoresdaEducaobrasileira,ajulgarpelareduzida quantidade de trabalhos investigativos dedicados a esse tema. Ora,sabe-sequeapalavrarepblicasignificaacoisapblicaeque,na Antigidade, essa coisa pblica designava o Estado. Sabe-se tambm que modernamente, embora empregada na mesma acepo de coisa pblica, embora mantendo o significante, mudou-se-lhe o significado.DesdeentoaidiadecoisapblicaseopeidiadosprivilgiosdaMonarquia tpicadoAntigoRegime,etendeaidentificar-seidiaburguesadeDemocracia.Assim,seu contedoagorarefere-seidiamodernaque,fundadanopressupostodeumadisponibilidade paraousodaRazo,presenteemtodososhomens,eportantonumaidentificaodetodosos homenscomoseresracionais,postulaaautonomiaindividual,aauto-determinaopessoal,a absolutaigualdadeformalperanteaLei,comofundamentosdaordemsocial,rejeitando,por absolutamenteinjustificveisluznaturaldaRazo,qualquertipodeprivilgioemfunodos quais se limite de antemo as possibilidades de pleno desenvolvimento de qualquer ser humano. O mecanismo psicossocial pelo qual no s se valoriza diferentemente, portanto anti-republicana eanti-democraticamente,aprivacidadedasclassesdominanteseaprivacidadedasclasses mdias, mas tambm se cria uma proteo especial vida privada dos indivduos pertencentes s 30 classesdominantes,franqueando-lhesaseleodosespaosetemposdesuaprivacidade acessvel ao grande pblico, para agregar-lhe valor e para realizar lucros nessa poca dourada do "realityshow",aomesmotempoemquesedevassaavidaprivadadosmiserveispelaseleo dosespaosetemposmaissrdidosebizarros,demodotambmaproduzirumaagregaode valor,squedessavezaosprodutostelevisivosdasredesdecomunicao,formadospor espetculosgrotescosenauseabundos,numamacabrasimbioseentreapenriadasvtimaseo fausto dos algozes, o mesmo mecanismo que opera para mimetizar os episdios de indisciplina entreoseducandosdasclassesdominantesemdiaecaricaturarosepisdiosdeindisciplina entreoseducandosdoscontingentesformadospelosmiserveis.omesmomecanismoque permiteaoconscientecidadoclassemdiadaZonaSulcarioca,oudaregiopaulistanados Jardins, trajar-se em branco publicamente, pela manh, nas passeatas e eventos do tipo Eu Sou da Paz, para, logo mais, noite, alimentar o crime e a violncia dos pobres com a frentica procura dassensaesmulticoresproporcionadaspelaalvuradeumavestedescartvelparaoesprito (leia-se cocana). o mesmo mecanismo que nos permite ignorar o escndalo da inexistncia de uma Educao Pblica democrtica no pas. Essesmecanismos,nascidosdaausnciadaverdadeiraatitudedemocrticae republicanaquepostulaaigualdadedetodosperanteaLei,engendrados,sejanaaceitaoda decretaoaprioridadanaoscio-econmicadeimensoscontingentespopulacionaisnessa pocadohorroreconmico,parausaraexpressodeVivianeForrester17,sejanoconformismo peranteadestinaoantecipadadessalegiodepriasaolimbodaeconomiainformalou deambulao por precrios campos de refugiados e infectas periferias do mundo, tomados por realismonessestemposdefimdahistria,formamamolduradoseguintequadroemquese manifestaanoproblematizaodogravetemadadisciplinanaeducaobrasileira:oqueno fazpartedaminhavidasocialeprofissionalnoexiste,anosercomocenasdiantedasquais qualquerumseconsternaparanutrirumaveleidadedeboaconscincia.Eoquenaminhavida social e profissional e familiar no se manifesta cruamente e a olhos nus, tambm no existe, no carecendopoisdeinvestigao.Oupior,passaaserinvestigadonostermosdosnovos paradigmasqueredesenhamoquadrodediscussodachamadaquestodemocrticanomundo

17 Viviane Forrester. Lhorreur conomique. Paris: ditions Fayard, 1997. 31 daglobalizao,dosupostodesaparecimentodoEstado-nao,datransformaodaPolticaem espetculo, da desconstruo dos padres de julgamento da racionalidade moderna, racionalidade modernaque,alis,constituiapr-histriadeumpensamentoquehojecedetentaodo cinismo,aoapelodovazio,edeixacomoalternativaorefgionadissidncia.18assimque novosenquadramentosaparecem,deslocandotodaadiscussoparaombitodasubjetividade mistificada: questo de gnero, problema das minorias raciais, opo sexual, ao afirmativa, etc. 1.3CLASSIFICAODOSTEXTOSCONFORMEAPERSPECTIVATERICA PELA QUAL O TEMA ABORDADO Asegundaobservaosobreoconjuntodetextoslevantadosnapesquisadiz respeitopossibilidadedeumaclassificaoquantoaoroldeidiasoudeproposiesqueele traz ao debate sobre o tema da disciplina. Aqueles que se defrontam, ou j se defrontaram, com as tarefasdaEducao,emperodosmaisoumenoslongosdedocncianaEducaoBsica,e aquelesquetmformaopedaggicasuperior,semdificuldadesreconhecero,nessasidiase proposies,asidiasquevmorientandoaprticaeducativaquandoseconcretizamos episdiosquefazemoseducadoresselembraremdotemadadisciplina.Eaprimeiramarca dessas idias a da recusa e a de uma certa anatematizao da realidade qual o termo disciplina fazreferncia.Diramosqueelaspertencemaumalinhagemdepensamentoquevemse formando de longa data e se expressando em todas as reas da Educao, indo da Aprendizagem, Avaliao e Didtica, at o problema da Administrao, das Polticas Educacionais, das Relaes SociaisnaEscola,eenquadrando-senaquiloqueSuchodolski19chamoudePedagogiada Existncia. Uma Pedagogia que, em suas expresses contemporneas, naturaliza, historiciza, ou culturaliza o existir humano, e, conseqentemente, a Educao, reduzindo pura imanncia, e aprisionando na intransitividade, a discusso educacional, inclusive sobre a disciplina.

18FrmulausadaporJeanCluzelemconfernciapronunciadaem19denovembrode2001nasessoanualda Acadmie des Sciences Morales et Politiques da Frana. 19Suchodolski,Bogdan.Apedagogiaeasgrandescorrentesfilosficas:pedagogiadaessnciaepedagogiada existncia. 3.ed. Trad. Liliana Rombert Soeiro. Lisboa: Editora Livros Horizonte, 1984. 32 Assimque,nasdissertaeseteses,artigoselivros,asfontesbibliogrficas citadas,ainspiraoterica,orepertrioconceitualempregado,concentram-sedetalmodono mbito de certas expresses dessa Pedagogia da Existncia que se cria um outro efeito distorsivo, com outra grave repercusso quanto ao tema da disciplina. Aqui o efeito distorsivo da ordem da racionalidadeexplicativapostaemfuncionamentopeloseducadores.Ora,tendoopensamento educacionalemgeralsidoaprisionadonaimannciapelaconsagraodasexpresses contemporneasdaPedagogiadaExistnciaepelatotaleavassaladoradeslegitimaodas PedagogiasdaEssncia,tomadasindistintamentepormetafsicas,anti-cientficas,autoritrias, opressivas,ateoriaeducacionalsobreotemadadisciplinaficouencerradaemdoiscmodos dessa morada imanentista-existencialista: aquele que d acesso ao fenmeno educacional pela via da abordagem de seus aspectos psicolgicos, com privilgio para a modelagem da ao educativa e do tema da disciplina nos termos da Biologia, tal qual se realiza no mbito daquilo que veio a se chamardeEscolaNova,particularmentedaPsicologiaGentica20,eaquelequedacessoao fenmenoeducativopelaviadaabordagemdeseuscontedoserepercussessociaiscom privilgioparaamodelagemdopensamentoeducacionaledadiscussosobreadisciplinanos termos da teoria poltica, particularmente da reflexo ps-estruturalista foucaultiana. Hentretantoumproblema.Aconfusonaelaboraodessateoriaena conduo metodolgica dessa reflexo to grande, o abando de toda perspectiva transcendente e transcendental - tanto na acepo que se refere abertura do homem para a realidade ilimitada do Ser, quanto no sentido kantiano moderno - presente nas Pedagogias da Essncia, to temerrio, toaodado,quelevamdissoluodotemadadisciplinaeimpossibilidadedo reconhecimento de seu carter problemtico, de tal modo que, se pelo primeiro efeito distorsivo, ligadoausnciadeumaatituderepublicana,simplesmenteoproblemadadisciplina,como tal, no existe, aqui ele tratado por uma mera disfuno e efeito da ao educativa, que no levaria em conta a livre e espontnea manifestao das vontades, ou que se materializaria como inteno disciplinardaproduodeordenamentostpicosemomentneos,sempremerecedoresde

20VeremosadiantecomoaBiologiaumarefernciaimportanteparaapsicologiaeducacionaldapedagogia moderna,masporenquantoimportanteobservarquedurantesuaviagemaoBrasil,em1949,Piagetdemonstrou descontentamentocomofatodetantotersidointerrogadosobreEducaoetopoucosobreBiologiae Epistemologia. Sobre esse fato consultar o livro de M. S. Vasconcelos. A difuso das idias de Piaget no Brasil. So Paulo: Editora Casa do Psiclogo, 1996. 33 questionamentoedeconfrontaoumavezquetodoordenamentoexistencial,provisrioe imanente. O longo e meticuloso contato com os textos dessa recente teorizao brasileira sobre o tema da disciplina permitiu-nos, ento, classific-los em dois grupos: um primeiro grupo, em que o tema da disciplina abordado pela dimenso psicolgica da questo educacional e em cujaabordagemprivilegia-seanoodeespontaneidade,quesetransformaemcategoria.Um segundogrupo,noqualessemesmotemaabordadopeladimensopolticadaquesto educacionaleemcujaabordagemprivilegia-seanoodepoderdemodoaque,nessecaso,a noo de poder que se transforma em categoria. Vejamos ento, dados os comentrios acima, os fundamentoscientficosefilosficosdessasperspectivastericaspelasquaisamaioriados educadoresquesedebruousobreessetema,noBrasilrecente,trataotemadadisciplinana Educao. 34 35 CAPTULO 2 SOBRE EPISTEMOLOGIA E EDUCAO: OS FUNDAMENTOS CIENTFICO-FILOSFICOS DA RECENTE TEORIA BRASILEIRA DAS RELAES ENTRE EDUCAO E DISCIPLINA 2.1SOBRE A EPISTEMOLOGIA E A EDUCAO Nocaptuloanterior,informamo-nosdasteoriasbrasileirasrecentescujas elaboraesprocuramcompreendereexplicaradinmicadasrelaesentreEducaoe disciplina em diversas circunstncias dos processos educacionais. Como, entretanto, este trabalho no se esgota em sua dimenso descritiva passaremos agora a examinar tais teorias com o fito de explicitar seu equacionamento cientfico-filosfico. Isto quer dizer, muito direta e simplesmente, que agora analisaremos as referncias cientficas e filosficas a partir das quais essas teorias, aos discorreremsobreareferidadinmica,tentam,nosomenteapreend-laintelectualmente,mas tambmpropor,sugerir,ouinspirar,prticasscio-educacionaisadequadasaoenfrentamento dosobstculosinterpostosporsuasmanifestaesrealizaodasdiversasfinalidades educativas. 36 Ousualseriadenominarestaoperaoporintermdiodoadjetivo epistemolgicoe,jnottulodocaptulo,falaremrefernciasoubasesepistemolgicasdas teorias que sero objeto de nosso estudo. Todavia, a renncia ao emprego de tal locuo significa a opo pela abordagem frontal e direta de uma dificuldade caracterstica nas situaes em que a elaserecorre,dificuldadequederivadapluralidadesemnticadosubstantivoprpriosingular Epistemologia, ao qual se refere o adjetivo plural epistemolgicas, formador da referida locuo. Pretende-se,assim,evitarousovago,impreciso,dotermoepistemologia,dadoque,mesmono mbito de seu emprego tcnico em Cincia e Filosofia, no se est sempre livre dessa dificuldade. Paratermosumaidiadadimensovultosadasdificuldadespoderamos comearpelasignificaoatribudaaoadjetivoepistemolgico(a)nombitolexicaldanossa lnguaportuguesa.QuantoEpistemologia,daqualprovmosadjetivosepistemolgicoe epistemolgica, o Novo dicionrio da lngua portuguesa, de Aurlio Buarque de Holanda, registra sua origem no grego epistme e, depois de identificar epistme Cincia, assim a define: [Do gr. epistme, cincia, + - o - + - log (o)- + - ia.] S.f. Filos. Estudo crtico dos princpios, hipteses e resultados das cincias j constitudas, e que visa a determinar os fundamentos lgicos, o valor e oalcanceobjetivodelas;teoriadacincia.[Teoriadoconhecimentoemetodologia(...).].21 Embora seja esta uma definio lexical, h nela uma expresso de contedo e uma delimitao de sig