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LUIZ FERNANDO RIGACCI VAZZOLÉR
TRAJETÓRIAS TECNOLÓGICAS E POLÍTICA SETORIAL: DESAFIOS PARA O
DESENVOLVIMENTO DO VEÍCULO FLEX FUEL NO BRASIL
CAMPINAS
2014
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NÚMERO: 315/2014
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
LUIZ FERNANDO RIGACCI VAZZOLÉR
“TRAJETÓRIAS TECNOLÓGICAS E POLÍTICA SETORIAL: DESAFIOS PARA
O DESENVOLVIMENTO DO VEÍCULO FLEX FUEL NO BRASIL”
ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA BEATRIZ MACHADO BONACELLI
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA AO INSTITUTO DE
GEOCIÊNCIAS DA UNICAMP PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE
EM POLÍTICA CIÊNTÍFICA E TECNOLÓGICA
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA
DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO LUIZ FERNANDO
RIGACCI VAZZOLÉR E ORIENTADO PELA PROFA. DRA.
MARIA BEATRIZ MACHADO BONACELLI
CAMPINAS
2014
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À família, a base.
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Agradecimentos
Um trabalho como esse pode parecer solitário ou independente, a escrita até pode
ser, mas o caminho para se chegar até o final guarda diferentes desafios, questões e
problemas que nos forçam a procurar aqueles que ou já trilharam um trajeto semelhante ou
que estão dispostos a ajudar esses aventureiros.
Assim, começo os agradecimentos pela Prof. Maria Beatriz Bonacelli, ou “Bia”,
orientadora desse trabalho em todos os momentos, com leituras sempre atentas e
comentários muito valiosos para o desenrolar desta dissertação.
Aos Profs. Francisco Nigro e Sérgio Queiroz pelas considerações e sugestões na
banca de qualificação. Também pelas informações e percepções passadas nas entrevistas
que embasaram nossa análise. Agradeço também aos Profs. Amilton Sinatora, Waldyr
Gallo e Rogério dos Santos pela disposição em nos receber para as demais entrevistas
realizadas durante o trabalho.
Agradeço aos professores dos DPCT, na figura do prof. André Furtado em cuja
disciplina de Energia, Inovação e Sustentabilidade saíram importantes contribuições sobre
para o presente estudo. Também as profas. Leda Gitahy e Cristina de Campos nas leituras
sempre atentas na disciplina de seminários e de História Social da Ciência e Tecnologia, ao
possibilitar trabalhos sobretudo na parte histórica. Ao prof. José Maria da Silveira do IE-
Unicamp pela a participação no projeto Bioen sob sua coordenação.
Também vale um muito obrigado especial ao Geopi, grupo que me acolhe desde
2008 (!), para a coordenação (Sergio, Adriana e Ana Maria), aos profs. Rui e Solange, além
daqueles que no dia-a-dia estão ou estiveram sempre dividindo as salas (Sonia, David,
Paula, Carol Rio, Luiza, Isabel, Cecilia, Camila, Fábio, Pedro, Taís, Jhonatan).
Aos colegas de turma do mestrado e do departamento (Jefferson, Jean, Mariane,
Camila; Monica, Joaquim Machado), além do IG em geral pela troca de ideias, conversas e
companhias sempre proveitosas. À secretaria de pós-graduação (Valdirene, Gorete e
Valdir) pelo pronto auxílio e ajuda nos mais diferentes temas da vida acadêmica, além da
Adriana secretária do departamento.
Do lado familiar aos pais, Luzia e Márcio, e aos irmãos, Ana Paula e Paulo (e agora
para a Priscila também), pelo apoio e força em todos os momentos.
Agradeço à Capes pelo auxílio financeiro para a realização deste trabalho.
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
TRAJETÓRIAS TECNOLÓGICAS E POLÍTICA SETORIAL: DESAFIOS PARA O
DESENVOLVIMENTO DO VEÍCULO FLEX FUEL NO BRASIL
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Luiz Fernando Rigacci Vazzolér
Os veículos flex fuel representam cerca de 90% da atual produção de carros de passeio no Brasil.
Historicamente a utilização de etanol como combustível automotivo remete ao início do século XX,
em grande escala à década de 1970 com a conformação do Proálcool e, após um período de
descrença, o etanol ressurgiu nos anos 2000 com a difusão da tecnologia flex. Este trabalho tem por
objetivo central analisar a constituição da tecnologia flex fuel no país e para isso se apoia nos
conceitos de paradigmas e trajetórias tecnológicas, os quais permitem compreender o processo
evolutivo dos automóveis, seus sistemas de alimentação de combustível e das diversas alternativas à
gasolina e ao motor de combustão interna. Ao lado disso, explora-se a história brasileira na
utilização de etanol, sobretudo no período recente a partir de entrevistas e, também, em análises de
dados sobre as atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação relacionadas à tecnologia flex
brasileira e seus desdobramentos, que estão representados em veículos de maior eficiência
energética e com menores índices de emissão de poluentes. Por fim, realiza-se uma análise crítica
do marco regulatório atual, o qual dá suporte às atividades do setor automobilístico brasileiro, e
indica-se possíveis ações de indução à melhoria da tecnologia flex fuel e do uso do etanol como
combustível no país. Uma das hipóteses que baseiam o trabalho de pesquisa aponta que a
instabilidade relativa do mercado de etanol e a falta de competição entre as montadoras (no que toca
o desenvolvimento de motores) limita a demanda tecnológica e provoca desestímulo à busca por
maior eficiência ou mesmo por mudanças mais substanciais da tecnologia flex fuel desenvolvida no
país. Conclui-se, dentre outros, que a atual legislação brasileira e o marco regulatório não se
apresentam como indutores para alterações substantivas à iniciativa do veículo flex fuel,
estimulando apenas melhorias incrementais sem tocar mais fortemente na concorrência da indústria,
não explorando as oportunidades abertas pela tecnologia flex fuel.
Palavras chaves: Etanol, Proálcool, Setor Automobilístico, Mudança Tecnológica, Motor à
Combustão
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UNIVERSITY OF CAMPINAS
INSTITUTE OF GEOSCIENCE
TECHNOLOGICAL TRAJECTORIES AND SECTORIAL POLICY:
CHALLENGES FOR THE DEVELOPMENT OF THE
BRAZILIAN FLEX FUEL VEHICLE
ABSTRACT
Masters Degree
Luiz Fernando Rigacci Vazzolér
Flex fuel vehicles represents nearly 90% of the current production of passenger cars in Brazil.
Historically the use of ethanol as an automotive fuel refers to the early twentieth century, in large-
scale at the 1970s with the beginning of Proálcool (Brazilian Ethanol Program), and after a
disrepute period, ethanol reemerged in the 2000s with the flex fuel technology. This work’s main
objective is to analyze the constitution of flex fuel technology in Brazil, for that is based on the
concepts of paradigms and technological trajectories, which allows one to understand the
evolutionary movement of developing vehicles, their fuel supply systems and the pursuit of gasoline
alternatives and of the internal combustion engine. Alongside this, it explores the brazilian history
in ethanol use, especially in the recent period, with interviews and also based on data analysis of
Research, Development and Innovation activities related to the flex fuel technology in Brazil, which
makes possible the development of more energy efficient vehicles and lower pollutants emissions.
Finally, it holds a critical analysis of the current brazilian legal framework, which supports the
activities of the brazilian automotive industry, and specifies different ways to induce broader
improvements to the use of ethanol as a fuel and the flex fuel technology in the country. One of the
hypotheses that based this research points out that the relative uncertainty of the ethanol market and
the lack of competition among automakers (concerning to the development of engines) constrains
the technological demand and discourages the pursuit of greater efficiency or even more substantial
changes on the brazilian flex fuel technology. In conclusion, among others, the current brazilian
legal framework is not presented as an inducer for substantive changes on the flex fuel vehicle,
encouraging only incremental improvements without leading to stronger competition in the
industry, not taking advantage from the opportunities offered by flex fuel technology.
Keyword: Ethanol, Proálcool, Automotive Industry, Technological Change, Internal Combustion
Engine
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Sumário
Introdução ............................................................................................................................... 1
1. Indústria Automobilística: histórico, desenvolvimento e trajetórias tecnológicas dos
motores à combustão interna .................................................................................................. 9
1.1. Paradigmas e Trajetórias Tecnológicas ................................................................... 9
1.2. O motor à combustão interna: a evolução do automóvel no século XX ................ 12
1.2.1. Dos pioneiros à produção em massa .............................................................. 13
1.2.2. O motor à combustão interna ......................................................................... 16
1.3. Antecedentes históricos da indústria automobilística no Brasil ............................ 21
1.3.1. 1920-1950: da indústria nascente ao álcool carburante ............................... 22
1.3.2. Anos 1950: a modernização da indústria e a pesquisa organizada em álcool
combustível .................................................................................................................... 26
1.3.3. Anos 1970: motores a álcool e seus desdobramentos .................................... 30
1.3.4. Século XXI: novas montadoras, novas tecnologias ........................................ 35
2. Ressurgimento do Etanol Automotivo no Brasil: desafios e estratégias recentes dos
veículos Flex Fuel ................................................................................................................ 39
2.1. O veículo flex fuel: evolução histórica e tecnológica............................................. 40
2.1.1. 2003: uma novidade no mercado automobilístico nacional .......................... 41
2.1.2. Tecnologia flex fuel: um autêntico processo de desenvolvimento tecnológico?
.........................................................................................................................44
2.2. Indústria Automobilística e Tecnologia Flex Fuel: avanços e desafios técnico-
econômicos da PD&I nacional.......................................................................................... 50
2.2.1. Desempenho Econômico das Atividades de Inovação - PINTEC/IBGE ........ 51
2.2.2. Grupos de Pesquisa ........................................................................................ 59
2.2.3. Proteção à Propriedade Intelectual no desenvolvimento da tecnologia flex
fuel 66
3. O Quadro Institucional: políticas públicas e seus efeitos sobre o veículo flex fuel
brasileiro ............................................................................................................................... 77
3.1. O motor à combustão interna sob pressão e as implicações sobre as trajetórias
tecnológicas da indústria automobilística ......................................................................... 78
3.1.1. Mudanças na matriz energética mundial ....................................................... 79
3.1.2. Diferentes cenários e alternativas para além da gasolina ............................. 83
xvi
3.2. O Quadro institucional voltado à indústria automobilística nacional .................... 89
3.2.1. Políticas públicas e a redução de emissões.................................................... 90
3.2.2. Evolução recente dos automóveis no Brasil: resultados do Proconve, PBEV e
Inovar-Auto ................................................................................................................... 94
3.2.3. Etanol e automóveis no Brasil: perspectivas e desenvolvimentos futuros ... 107
Conclusões .......................................................................................................................... 111
Bibliografia ......................................................................................................................... 115
Anexo 1 - Lista de Montadoras e as respectivas plantas produtivas, Brasil, 2014 ............. 123
Anexo 2 - Limites atuais estabelecidos pelo Proconve ...................................................... 125
xvii
Lista de Figuras
Figura 1.1 - Mecanismos de Propulsão para automóveis ..................................................... 16
Figura 1.2 - Esquema de funcionamento de um motor de ciclo Otto ................................... 19
Figura 1.3 - Evolução dos sistemas de alimentação de combustível e do uso de
combustíveis em larga escala, 1870-2014 ............................................................................ 20
Figura 1.4 - Municípios com unidades produtivas automobilísticas, Brasil, 2014 .............. 36
Figura 2.1 - Eventos sobre a indústria automobilística e a utilização de álcool combustível,
Brasil, 1900-2014 ................................................................................................................. 49
Figura 2.2 - Pedidos de Patente segundo o País do Depositante no INPI, Brasil, 2000-2011
.............................................................................................................................................. 69
Figura 2.3 - Relações entre Montadoras e Indústrias de Autopeças no desenvolvimento de
motores flex fuel ................................................................................................................... 75
Figura 3.1 - Fatores que compõem o sistema de transporte ................................................. 81
Figura 3.2 - Organização do Programa Japonês para Veículos Elétricos ............................. 86
xviii
xix
Lista de Gráficos
Gráfico 1.1 - Produção Mundial de Automóveis por continente, 1938-2010 ...................... 15
Gráfico 1.2 - Produção total de álcool combustível, Brasil, 1970-2012 .............................. 32
Gráfico 1.3 - Produção de automóveis por tipo de combustível, Brasil, 1970-1999............ 34
Gráfico 2.1 - Produção de automóveis por tipo de combustível, Brasil, 1970-2013............ 42
Gráfico 2.2 - Comparação das Taxas de Compressão por montadoras no Brasil ................ 47
Gráfico 2.3 - PINTEC - Investimento em Atividades Inovativas, Brasil, 1998-2011 .......... 52
Gráfico 2.4 - PINTEC - Investimento em Total Atividades Inovativas e em P&D Interna,
Brasil, 1998-2011 ................................................................................................................. 53
Gráfico 2.5 - Setor Automobilístico - Investimento em Atividades Inovativas e em P&D
Interna, Brasil, 1998-2011 .................................................................................................... 54
Gráfico 2.6 - Montadoras - Investimento em Atividades Inovativas e P&D Interna, Brasil,
2001-2011 ............................................................................................................................. 54
Gráfico 2.7 - PINTEC - Importância média das atividades inovativas, Brasil, 1998-2011 . 55
Gráfico 2.8 - Setor Automobilístico - Importância média das atividades inovativas, Brasil,
1998-2011 ............................................................................................................................. 56
Gráfico 2.9 - PINTEC - Abrangência da inovação de produtos e processos para as empresas
inovadoras, Brasil, 1998-2011 .............................................................................................. 57
Gráfico 2.10 - Setor Automobilístico - Abrangência da inovação de produtos e processos
para as empresas inovadoras do Brasil, 1998-2011 .............................................................. 57
Gráfico 2.11 - Número de Grupos de Pesquisa por Grande Área do Conhecimento,
DGP/CNPq, 2014 ................................................................................................................. 61
Gráfico 2.12 - Ano de Fundação dos Grupos de Pesquisa em Motores Automotivos,
DGP/CNPq, 2014 ................................................................................................................. 65
Gráfico 2.13 - Pedidos de Patente por Ano e Situação da Solicitação no INPI,
Brasil, 2000-2011 ................................................................................................................. 68
Gráfico 2.14 - Pedidos de Patente por Ano e Natureza Jurídica do Depositante no INPI,
Brasil, 2000-2011 ................................................................................................................. 71
Gráfico 3.1 - Fases do Proconve e Limite de Emissão de Poluentes, Brasil, 1988-2014 ..... 91
Gráfico 3.2 - Emissão de poluentes por queima de combustível no Brasil,
milhões de toneladas por ano, 1980-2014 ............................................................................ 94
Gráfico 3.3 - Emissão de CO2 por queima de combustível no Brasil,
milhões de toneladas por ano, 1980-2014 ............................................................................ 95
Gráfico 3.4 - Consumo médio dos veículos Subcompactos, Brasil, 2009-2014 .................. 97
Gráfico 3.5 - Total de modelos Subcompactos por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014
.............................................................................................................................................. 98
Gráfico 3.6 - Consumo médio dos veículos Compactos, Brasil, 2009-2014 ..................... 100
Gráfico 3.7 - Total de modelos Compactos por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014 .. 101
Gráfico 3.8 - Consumo médio dos veículos Médios, Brasil, 2009-2014............................ 103
Gráfico 3.9 - Total de modelos Médios por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014 ........ 104
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Gráfico 3.10 - Consumo médio dos veículos Grandes, Brasil, 2009-2014 ........................ 106
Gráfico 3.11 - Total de modelos Grandes por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014 ..... 106
xxi
Lista de Tabelas
Tabela 1.1 - Projetos aprovados pelo GEIA, Brasil, 1956-57 .............................................. 28
Tabela 2.1 - PINTEC - Universo de Empresas e Taxa de Inovação, Brasil, 1998-2011...... 52
Tabela 2.2 - PINTEC e Setor Automobilístico - Pessoal Ocupado nas Atividades Internas
de P&D, Brasil, 2000-2011 .................................................................................................. 58
Tabela 2.3 - Palavras-Chave e Número de Grupos de Pesquisa cadastrados no DGP/CNPq,
por palavra-chave, maio/2014 .............................................................................................. 60
Tabela 2.4 - Número de Grupos de Pesquisa por Unidade da Federação, DGP/CNPq, 2014
.............................................................................................................................................. 62
Tabela 2.5 - Número de Grupos por Instituição, DGP/CNPq, 2014 .................................... 62
Tabela 2.6 - Número de Grupos de Pesquisa, Pesquisadores e Estudantes em Motores
Automotivos por Grande Área do Conhecimento, DGP/CNPq, 2014 ................................. 63
Tabela 2.7 - Grupos de Pesquisa em Motores Automotivos por Unidade da Federação e
Instituição, DGP/CNPq, 2014 .............................................................................................. 64
Tabela 2.8 - Seleção de Empresas, País de Origem e Total de Pedidos de Patente
relacionadas aos motores flex fuel no INPI, Brasil, 2000-2011............................................ 71
Tabela 2.9 - Seleção de Empresas e Termos Principais de seus Pedidos de Patente no INPI,
Brasil, 2000-2010 ................................................................................................................. 73
Tabela 3.1 - Emissão de CO2 por queima de combustível em países selecionados,
em toneladas, 2010 ............................................................................................................... 79
Tabela 3.2 - Total de Modelos e Versões no Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular
por categoria, Brasil, 2009-2014 .......................................................................................... 92
Tabela 3.3 - Número de modelos e versões na categoria Subcompactos do PBEV,
Brasil, 2009-2014 ................................................................................................................. 97
Tabela 3.4 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Subcompactos do
PBEV, Brasil, 2013-2014 ..................................................................................................... 99
Tabela 3.5 - Número de modelos e versões na categoria Compactos do PBEV,
Brasil, 2009-2014 ............................................................................................................... 100
Tabela 3.6 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Compactos do
PBEV, Brasil, 2013-2014 ................................................................................................... 101
Tabela 3.7 - Número de modelos e versões na categoria Médios do PBEV, Brasil, 2009-
2014 .................................................................................................................................... 102
Tabela 3.8 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Médios do PBEV,
Brasil, 2013-2014 ............................................................................................................... 104
Tabela 3.9 - Número de modelos e versões na categoria Grandes do PBEV, Brasil, 2009-
2014 .................................................................................................................................... 105
Tabela 3.10 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Grandes do
PBEV, Brasil, 2013-2014 ................................................................................................... 107
Tabela 3.11 - Evolução do Consumo Médio de Combustível, PBEV 2009-2014, em % .. 109
xxii
1
Introdução
A indústria brasileira de automóveis sempre foi centro de diferentes políticas dos
mais diversos governos do país. Desde que foi entendida como setor mobilizador e
transmissor de efeitos de transbordamento para a economia em geral, a indústria
automobilística assumiu papel de protagonista no que diz respeito a políticas de comércio
exterior, de indução do mercado interno, políticas fiscais e de estímulo à produção e ao
consumo de bens duráveis; mais recentemente também vem sendo chamada para contribuir
para a redução de efeitos deletérios ao meio-ambiente (por meio de pressões de ordem
regulatória e legal) e sendo também objeto de políticas voltadas ao aumento do conteúdo
nacional e do adensamento da cadeia produtiva nacional, especialmente nos últimos
tempos, com programas de incentivo à indústria.
É fato também que o país está no centro das estratégias das empresas
automobilísticas internacionais desde meados do século XX - o Brasil foi um dos primeiros
a receber filiais da Ford e da Chevrolet já nos anos 20 - com grande reforço para a
ocupação do mercado interno a partir da metade dos anos 50, contribuindo fortemente para
a política de industrialização do país por meio da substituição de importações. Mais
recentemente, o país passou a receber atenção especial de outras montadoras (e
consequentemente, de outras empresas de autopeças), com a entrada em território nacional
de fábricas japonesas, francesas, chinesas e coreanas, frente ao mercado anteriormente
fechado para 4 ou5 montadoras tradicionais - e se transformando em plataforma de
desenvolvimento e execução de projetos mundiais de carros, motores e peças.
Além disso, o setor é protagonista de eventos importantes relativos ao uso de
combustíveis alternativos à gasolina - mesmo não sendo ele próprio o ator central das
descobertas e dos avanços técnico-científicos, o que reforça a ideia da sua importância na
economia em geral, dado que absorve inovações de vários ambientes -, e isso desde os anos
30, em ensaios e testes na Estação Experimental de Combustíveis e Minérios e na Escola
Politécnica, chegando ao ápice nos anos 70, com o Proálcool, cujo ciclo de vida foi muito
curto para tão grande iniciativa - viabilizar a utilização de álcool combustível em larga
escala -, mas voltando a ter um papel central com os veículos flex fuel nos anos 2000.
2
A introdução da tecnologia flex fuel é uma história rica a ser analisada, pois ao
mesmo tempo que remete aos tempos do Proálcool, aponta grandes diferenças,
especialmente quanto ao comportamento dos atores envolvidos - as empresas
automobilísticas (montadoras e autopeças), o governo e o consumidor, entre os mais
importantes. Isso porque, diferentemente do caso do carro a álcool, o veículo flex fuel foi
introduzido no mercado por meio da atuação das autopeças e montadoras; estratégia que em
um curto espaço de tempo foi absorvida pelas automobilísticas no geral e tornou-se
elemento de concorrência entre elas, com grandes desafios - superar os gargalos técnicos da
mistura álcool e gasolina (e tudo o que isso significa) e reduzir custos das descobertas e
inovações (o sensor capacitivo, capaz de permitir o reconhecimento do combustível ainda
no tanque - antes da queima - por exemplo, tinha um custo de cerca de US$ 100 nos anos
2000; mas esse sensor não é usado no Brasil, pois conseguiu-se uma solução mais
simplificada e barata, por conta da reprogramação da injeção eletrônica através dos dados
coletados pela sonda lambda). A partir daí, dá-se início a um processo que envolve
fortemente os consumidores, que aderem ao veículo flex, e o governo, que percebe uma
nova oportunidade de retomada de uma iniciativa que foi importante para o país, junto a um
setor de relevância para a economia nacional e que poderia alçar o país a um posto central
no que respeita a indústria automobilística - com uma nova tecnologia, baseada no uso de
um combustível substituto do petróleo.
Mas, como o carro flex fuel ganhou mercado novamente, depois dos sucessivos
desabastecimentos de álcool combustível no final da década de 1980? Uma possibilidade
está em entender que, segundo especialistas consultados, o flex fuel é um carro a álcool que
vem com um seguro - a possibilidade do uso de um combustível alternativo, no caso a
gasolina - caso não seja vantajoso economicamente o álcool. E a escolha do combustível é
feita na bomba, no momento do abastecimento no posto de serviço, à livre escolha do
usuário ou consumidor e sem nenhum requisito de mudanças manuais no motor por parte
do condutor. Com tal “seguro” ganhou a preferência dos automotores do país, fato visível
frente aos números apresentados, já que cerca de 90% dos veículos de passeio atualmente
produzidos. Junte-se a isso a existência da infraestrutura de distribuição e comercialização
do etanol já instalada no país.
3
Entretanto, essa troca ou confiança tem um limite. É verdade que é possível que as
vendas de veículos flex fuel continuem crescendo; porém, o álcool como combustível tem
ainda muito que avançar - não apenas do ponto de vista da eficiência técnica, mas também
como resultado das políticas do governo. No mínimo, elas têm que garantir que em três ou
quatro momentos do ano o álcool seja mais vantajoso que a gasolina - é o que tem se
tentado realizar nos últimos anos. Mas isso só não basta. As ações e sinalizações
governamentais têm que ir muito além destas vantagens pontuais e serem efetivas na forma
de apresentarem continuidade e consistência para consolidar toda a cadeia do álcool como
combustível, chegando na tecnologia e no veículo flex fuel.
Na verdade, o contexto mudou fortemente nos últimos 5 anos, saindo de um quadro
em que o Brasil despontava como um centro inovador no que respeita alternativas aos
combustíveis fósseis, frente aos veículos tradicionais, surgindo como um possível
exportador não apenas de etanol combustível, mas da própria tecnologia flex, passando para
um cenário de retração da oferta de etanol - aliás, passou-se a importá-lo, dado que sua
produção não acompanhou o forte aumento da venda de automóveis nos últimos três anos -,
dada a redução da produtividade dos canaviais (devido à queda da renovação destes, dentre
outros), de revisão das prioridades por conta das promessas do Pré-Sal e de uma
concorrência com o PNPB (Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel), da
redução dos alardes e mesmo da revisão dos estudos internacionais quanto aos desastres do
aquecimento global e das mudanças climáticas (postergando os investimentos e as
iniciativas de redução das emissões dos gases do efeito estufa), dentre outros.
Sai-se assim de um período de forte euforia em relação ao etanol combustível e à
tecnologia flex fuel, para um outro de cautela e mesmo desconfiança, num momento em que
uma das mais impactantes políticas do governo federal nos últimos tempos foi justamente o
estímulo à compra do automóvel - sonho de consumo dos brasileiros.
Pode-se salientar, assim, que vários foram e são os resultados alcançados pelas
intervenções e estratégias, públicas e privadas, positivas e negativas, como pode ser melhor
visto neste trabalho de pesquisa. Mas é perceptível, por sua vez, a dificuldade de se avançar
mais rapidamente para tecnologias de maior eficiência e menor consumo de combustíveis,
uma vez que o automóvel representa não apensas um bem de consumo, mas muitas vezes
status e objeto de desejo. Assim, questões estéticas ou tecnológicas (como GPS, painéis
4
integrados etc.) tendem a ter um peso importante no momento da escolha do automóvel,
geralmente maior que o consumo de combustíveis em si (ou seja, uma possível maior
eficiência fica em segundo plano para a maioria dos usuários, que consideram outros
aspectos também na hora da aquisição de um veículo, enquanto que a busca por maior
eficiência custa muito para a P&D das empresas).
O Inovar-Auto, iniciado em 2012 é uma das mais recentes e importantes políticas
para o setor, é um exemplo disso, dado que força um índice mínimo de nacionalização de
partes e peças, fato que gera a implantação compulsória de montadoras no país. Isso não
implica diretamente na geração de tecnologias nacionais, e pode forçar apenas a manufatura
no país, além do fato de não beneficiar a tecnologia flex fuel, igualando as melhorias dos
motores dedicados (gasolina ou álcool).
Esse cenário remete também à reflexão sobre o processo de “tropicalização” -
melhorias e adaptações do projeto original às condições do mercado brasileiro. Neste caso,
não há, propriamente, “tropicalização”, dado que o desenvolvimento da tecnologia flex fuel
é local; mas, por sua vez, tal tecnologia não apresenta uma ruptura frente ao projeto
“tradicional” do motor à combustão; em outras palavras, a tecnologia flex fuel foi
introduzida aos projetos já existentes. De todo modo, tal processo exige um importante
trabalho de engenharia, um desenvolvimento mesmo que mínimo, que vai além da
engenharia rotineira. Entretanto, as filiais das empresas multinacionais do setor ainda têm
dificuldades de aprovar seus projetos quando da “concorrência interna” com projetos de
outras filiais pelo mundo. Ou seja, a tecnologia flex fuel não ganhou ainda o mercado
internacional, mesmo porque não há no momento uma pressão maior por alterações na
matriz de combustível automotivo no mundo.
Junte-se a isso, o fato da capacitação nacional em relação à tecnologia e ao
conhecimento científico envolvidos na concepção do processo apresentar lacunas de várias
ordens, desde o reduzido número de grupos de pesquisa e centros de pesquisa atuantes nos
temas relacionados e a débil relação das empresas com as universidades e institutos de
pesquisa nacionais. Pode-se afirmar que a academia não estava preparada para o “projeto
flex fuel”; ou a competência técnico-científica foi colocada à prova no momento da
incorporação dos conhecimentos em um veículo automotivo, o qual tem que apresentar
ganhos de eficiência frente ao projeto existente.
5
Diante do exposto, o objetivo central desta pesquisa é o de levantar e analisar os
elementos que vêm contribuindo com o desenvolvimento da tecnologia flex fuel no país.
Acredita-se que a sua evolução pode ser discutida a partir da consideração de trade-offs que
delineiam a trajetória tecnológica do setor automotivo no país, como as atividades de
pesquisa e desenvolvimento, as estratégias das empresas, as políticas públicas voltadas à
promoção dos veículos flex fuel, as competências técnico-científicas existentes, o ambiente
legal e regulatório, com especial atenção ao período recente.
De forma a auxiliar, para traçar um perfil da indústria automobilística nacional e
resgatar as iniciativas, técnicas e políticas relacionadas ao uso de etanol no país, quatro
objetivos específicos foram traçados, a saber:
i. apresentar o histórico do desenvolvimento dos motores à combustão interna e da
indústria automobilística em geral;
ii. analisar a busca por tecnologias e combustíveis alternativos (notadamente à
gasolina), no Brasil e no mundo;
iii. analisar as políticas públicas de incentivo e regulatórias voltadas à indústria
automobilística e seu impacto sobre a eficiência energética e emissão de poluentes
por automóveis no país e em paralelos internacionais;
iv. levantar e analisar as competências técnico-científicas relacionadas ao motor flex
fuel no país, por meio dos grupos e dos programas de pesquisa e das atividades de
P&D, por meio da produção técnica (patentes), por meio das interações entre os
atores deste processo, relacionando com indicadores de inovação da indústria
automobilística nacional.
Além disso, duas perguntas se apresentam para auxiliar a investigação relativa às
condições de surgimento da tecnologia flex fuel no Brasil: qual a influência do
conhecimento gerado no período do Proálcool para a conformação da tecnologia flex
brasileira? E, qual a influência do marco regulatório atual para o avanço tecnológico dos
motores flex fuel?
As hipóteses que permeiam a pesquisa, e dizem respeito ao contexto nacional, são:
i. a tecnologia flex fuel reflete a concepção de avanço do conhecimento por meio do
desenrolar de trajetórias tecnológicas, que por sua vez encarnam a evolução de
trade-offs técnico-econômicos-institucionais - no caso, especialmente, entre
6
eficiência dos motores, desempenho dos automóveis, emissão de poluentes, entre
outros;
ii. nem a concorrência interna do setor nem o vigente marco regulatório dos
automóveis têm servido para estimular uma mudança mais profunda na tecnologia
flex fuel desenvolvida e empregada pelas montadoras e sistemistas no país, mesmo
com a constituição do Inovar-Auto
A dissertação está estruturada em três capítulos além desta introdução. No final
encontram-se as considerações finais, a bibliografia consultada e os anexos do trabalho de
pesquisa.
O Capítulo 1 diz respeito ao surgimento da indústria dos automóveis na virada do
século XIX para o século XX, também resgata as diferentes tentativas realizadas para se
chegar ao automóvel como se conhece hoje; ao lado disso se explora a implantação da
indústria automobilística no Brasil e as diversas experiências com álcool combustível desde
a chegada dos primeiros automóveis no país. Ele está divido em três itens. O primeiro
apresenta os conceitos de paradigmas e trajetórias tecnológicas, com base em G. Dosi, dado
que eles trazem consigo a concepção de trade-offs, a qual é central para o entendimento da
evolução da indústria automobilística, em geral, e da tecnologia flex fuel, em especial,
considerando as diversas variáveis (técnico-científicas, econômicas, institucionais,
estratégicas, sociais) que influenciam a tomada de decisão e as mudanças em questão. O
segundo item analisa o surgimento da indústria automobilística e dos motores à combustão
interna, com o intuito de mostrar a evolução dos sistemas de alimentação de combustível
dos automóveis. Por fim, o terceiro e último tópico resgata a história da indústria
automotiva no Brasil, sua implantação e organização e as experiências para além da
gasolina no país, com a mistura álcool - gasolina já nos anos 30 e utilização de álcool em
grande escala com o Proálcool, descrevendo seu ápice e seu abandono até a introdução da
tecnologia flex fuel.
O Capítulo 2 tem como objetivo perfazer uma análise relativa à conformação da
tecnologia flex fuel no Brasil, além de montar um panorama sobre o desempenho
econômico do setor automobilístico e dos resultados nas atividades de pesquisa,
desenvolvimento e inovação tanto nas empresas quanto nas universidades e institutos de
pesquisa. Para isso está estruturado em dois itens: o primeiro discute a atuação das
7
montadoras e autopeças, além dos conteúdos tecnológicos produzidos no país, com base em
levantamento e análise de dados e em entrevistas realizadas junto a especialistas. Procurou-
se compreender, entre outros, o porquê da introdução do flex fuel no país. O segundo item,
cujo intuito de mapear as atividades de inovação no setor automobilístico brasileiro com
base em dados, procedeu a um importante levantamento de informações e dedica-se a uma
análise das atividades de PD&I do setor, a partir dos dados da Pesquisa de Inovação
(PINTEC/IBGE), da proteção da propriedade intelectual de ativos, resultantes dos trabalhos
em PD&I, a partir da análise das bases do Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI) e da organização da pesquisa acadêmica em etanol e motores automotivos a partir de
um amplo levantamento junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (DGP/CNPq).
Percebem-se discretos avanços nas atividades de PD&I no país, que poderiam ser
reforçadas com um marco regulatório de maior envergadura e que estimulasse diretamente
a utilização de etanol (tema do capítulo seguinte).
O Capítulo 3 está também divido em dois itens e tem como finalidade analisar o
lado institucional as políticas e programas voltados ao setor. Discute as mudanças recentes
na matriz energética mundial, bem como as pressões sobre os automóveis no intuito de
torná-los menos agressivos ao ambiente em geral. Assim, o primeiro item é dedicado à
análise das mudanças recentes na matriz energética mundial e aos avanços em tecnologia
para automóveis proporcionados por força de marcos regulatórios, como o catalisador de
três vias no EUA e o carro elétrico no Japão; nota-se avanços consideráveis na emissão de
poluentes pelo primeiro, e quanto ao segundo pode ser atribuída a introdução do carro
híbrido no mercado. O segundo item tem por fim analisar a legislação brasileira vigente,
além de apresentar os resultados decorrentes do atual marco legal, a partir das políticas
públicas impostas pelo Proconve (programa voltado para a redução de poluentes), Inovar-
Auto (decreto presidencial que visa o desenvolvimento de veículos com maior eficiência
energética) e PBEV (programa de etiquetagem veicular, o qual disponibiliza dados sobre
consumo, eficiência e emissão de poluentes por veículos automotores). Foram analisados os
resultados do Proconve e os dados do PBEV e nota-se uma evolução nos automóveis
brasileiros, através de menores índices de emissão de poluentes e relações de consumo mais
eficientes.
8
No surgimento da tecnologia flex, então, estão embutidos conhecimentos sobre os
pontos críticos para o desenvolvimento dos motores e dos sistemas de alimentação de
combustível que funcionem com etanol. De modo a responder a pergunta de pesquisa
proposta, é viável entender que o Brasil possui uma massa crítica mínima que sustente o
atual patamar da tecnologia; entretanto para ganhar densidade além da instalação dos
centros de P&D em biocombustíveis de montadoras e autopeças no país (que aos poucos
vem ocorrendo), necessita-se de um estímulo maior ao uso de etanol, tanto pelo lado da
produção sucroalcooleira quanto na parte automotiva com claros benefícios aos automóveis
que tenham por finalidade utilizar a tecnologia flex. Pode-se concluir, portanto, que a atual
legislação brasileira no caso, o Inovar-Auto, não tem proporcionado os estímulos
necessários ao setor no que respeita a possibilidade de alçá-lo à categoria de ator central nas
cadeias globais de produção, uma vez que melhorias recentes nos automóveis estão mais
relacionadas ao marco regulatório sobre a emissão de poluentes e CO2 do que à
concorrência de mercado e ao aproveitamento de oportunidades pelas empresas do setor,
também no que toca a tecnologia flex fuel.
9
1. Indústria Automobilística: histórico, desenvolvimento e
trajetórias tecnológicas dos motores à combustão interna
Para compreender o surgimento da indústria dos automóveis na virada do século
XIX para o século XX é válido realizar uma exposição do ambiente desta época e assim
compreender o elo entre a produção de veículos automotores a partir da IIa Revolução
Industrial. Também resgata-se diferentes tentativas realizadas para se chegar ao automóvel
como se conhece hoje; ao lado disso, explora-se a implantação da indústria automobilística
no Brasil e as diferentes experiências com álcool combustível desde a chegada dos
primeiros automóveis no país.
Este capítulo estrutura-se em três partes, o primeiro item apresenta os conceitos de
paradigmas e trajetórias tecnológicas, com base em G. Dosi, dado que eles trazem consigo
a concepção de trade-offs, os quais têm importante papel na interpretação dos eventos
históricos tanto da conformação da indústria automobilística quanto da tecnologia flex fuel.
O segundo item analisa o surgimento da indústria de automóveis em geral e dos motores à
combustão interna, com o intuito de mostrar a evolução dos sistemas de alimentação de
combustível dos automóveis. Por fim, o terceiro e último tópico resgata a história da
indústria automotiva no Brasil, sua implantação e organização e as experiências para além
da gasolina no país, desde o começo do século XX, passando pelo Proálcool até a difusão
da tecnologia flex.
1.1. Paradigmas e Trajetórias Tecnológicas
Estabelece-se como norte interpretativo desta dissertação o ferramental teórico de
Giovanni Dosi (1982) acerca de paradigmas e trajetórias tecnológicas. O autor procura
estabelecer um entendimento mais abrangente sobre os caminhos das mudanças técnicas e
dos determinantes da direção e da dinâmica das atividades inovativas; para isso propõe uma
interpretação que vai além dos arcabouços demand-pull e techonology-push1. Nesse
sentido, emerge a discussão sobre paradigmas tecnológicos e trajetórias tecnológicas, quais
1 Esses dois conceitos procuram estabelecer qual a “força motriz” dos movimentos e da direção das atividades
voltadas para inovação - o demand-pull credita primordialmente às forças de mercado, enquanto o
technology-push ao avanço tecnológico.
10
sejam, os padrões estabelecidos - geralmente por trade-offs e considerando trajetórias
naturais e a experiência de caminhos já percorridos - para a resolução de gargalos técnico-
produtivos e seus possíveis desdobramentos.
A resolução de problemas e gargalos nos processos de produção, além da
necessidade de novos produtos e de novos materiais são fonte, também, para estimular o
desenvolvimento de técnicas e tecnologias originais. Nesse sentido, tem-se as relações entre
ciência e tecnologia como uma via de duas mãos e não apenas a tecnologia como aplicação
do conhecimento científico anterior. Mas, o que se entende por tecnologia, então? E como
compreendê-la? Uma forma para interpretá-la está nas linhas abaixo.
“Uma das consequências mais enganosas de se pensar a tecnologia como
mera aplicação do conhecimento científico preexistente é que uma tal
perspectiva obscurece um ponto extremamente elementar: a tecnologia é, ela
própria, um corpo de conhecimentos a respeito de certas classes de eventos e
atividades. Não constitui meramente uma aplicação de conhecimentos trazidos
de uma outra esfera. Trata-se de um conhecimento de técnicas, métodos e
projetos que funcionam, e que funcionam de maneiras determinadas e com
consequências determinadas, mesmo quando não se possa explicar exatamente
por quê. Ela é, portanto, se preferirmos colocar dessa forma, não um tipo
fundamental de conhecimento, mas sim uma forma de conhecimento que gerou
durante milhares de anos uma certa taxa de progresso econômico”
(ROSENBERG, 1982, p.218).
A partir deste entendimento, Dosi (1982) deixa claro que o estado das tecnologias
inspira o seu desenvolvimento futuro e dá indícios dos caminhos a serem percorridos pelas
melhorias nos processos e produtos. Assim, inspirado em Thomas Kuhn2 e no conceito dos
paradigmas científicos, o autor propõe a construção teórica acerca dos paradigmas
tecnológicos. Basicamente define-se um paradigma tecnológico como um modelo e como
padrões para a solução de determinados problemas correlatos a uma dada tecnologia, com
base nas ciências e em outros desenvolvimentos materiais/tecnológicos. Um paradigma
2 Ver KUHN, T. (1962).
11
tecnológico, portanto, já contém uma série de escolhas capazes de revelar a direção e as
características a se perseguir ou evitar dentro deste universo de possibilidades.
Cada paradigma tecnológico suscita as direções da mudança técnica, isto é, dá
indícios dos caminhos a seguir para o desenvolvimento do objeto, do artefato, da
tecnologia. E com a mesma inspiração em T. Kuhn, mas neste momento amparando-se nos
períodos de “ciência normal”, G. Dosi sugere que cada paradigma tecnológico revela
possíveis trajetórias tecnológicas a serem buscadas. Assim, uma tecnologia dominante é
capaz de indicar os caminhos e as melhorias necessárias para o seu desenvolvimento.
Nesse sentido, um dado paradigma tecnológico carrega consigo uma série de
definições de métodos e de atividades de desenvolvimento tecnológico necessários dado o
estado da tecnologia. É interessante notar que as melhorias procuradas não devem excluir
desenvolvimentos passados; por exemplo, não se espera que um avanço que eleve o
rendimento de um motor cause maior desgaste de peças ou propensão a quebras.
Uma trajetória pode, então, em seu avanço, superar um gargalo produtivo ou
tecnológico e despontar no mercado, apresentando-se como um aproveitamento das
oportunidades tecnológicas junto com a atuação das pressões de seleção atuantes no
mercado (como um mecanismo seletor). Assim novos produtos podem influenciar
diretamente a criação de mercados, novas trajetórias dentro de um mesmo paradigma que
ganhem espaço e tornem-se dominantes. Uma constatação decorrente desta construção
teórica se faz como uma analogia em uma linha do tempo quanto à emergência de
tecnologias, sua fase de difusão e aceitação no mercado e, por fim, o período de
maturidade. Soma-se a esta discussão a influência do mercado e da regulação
governamental como direcionadores dos desenvolvimentos posteriores - acessórios ou
mesmo fundamentais - e os trade-offs relacionados (ou seja, escolhas por certas variáveis
em detrimento a outras na consideração de vários elementos e situações).
Este é um ponto de interesse do estudo para o caso da indústria automobilística,
devido à relação dos avanços em segurança e em eficiência, algumas vezes abrindo-se mão
do design ou do peso do veículo, e na redução das emissões de poluentes com o avanço do
marco regulatório ou mesmo com oportunidades de mercado, como os motores flex fuel.
Uma mostra que mesmo dentro de um paradigma tecnológico, como os automóveis (ao
lembrar do conjunto chassis de aço com motor de combustão interna), há espaço para
12
alterações, inclusive disruptivas. De toda forma, Queiroz (2006) salienta a importância das
inovações menores no sentido de se estabelecer trajetórias evolutivas para as inovações de
maior monta, além de dar suporte a resultados econômicos mais robustos de acordo com o
aperfeiçoamento dessas inovações maiores. Essas pequenas mudanças, se olhadas
isoladamente, podem não representar grandes ganhos ou melhorias; entretanto, os efeitos
secundários (o conjunto das mudanças) corroboram para o sucesso e ganhos de magnitude
e, por isso, elas não devem ser vistas como menos importantes.
A consideração da coevolução tecnológica e institucional é fundamental nesse caso,
dado que pressões de diferentes ordens e diversas fontes de conhecimento para as
atividades de PD&I ajudam a entender muito da dinâmica do processo e da própria história
da evolução tecnológica e dos mercados. Resumidamente, em conjunção às trajetórias
tecnológicas há a ocorrência de trajetórias institucionais, e entende-se que esses paralelos
compartilham do avanço simultâneo e constante dos diferentes aspectos que permeiam o
conhecimento, as tecnologias, os mercados (inclusive os institucionais) e as instituições
(FUCK e BONACELLI, 2009).
Os diferentes conceitos aqui brevemente apresentados, assentados na abordagem
evolucionista ou neo-schumpeteriana do progresso técnico, permitem compreender os
diversos caminhos percorridos para o desenvolvimento científico e tecnológico - não sem
concorrência, com acertos e erros de estratégias e percepções - o que afasta este arcabouço
conceitual da visão determinística tanto por conta da tecnologia, como das demandas do
mercado. Contando com o amparo conceitual deste arcabouço, prossegue-se com um olhar
mais atento às experiências internacionais que orientaram a evolução da indústria
automobilística, notadamente a busca para alternativas ao uso de gasolina.
1.2. O motor à combustão interna: a evolução do automóvel no século XX
A indústria automobilística em seu início organizou-se ao redor de diferentes
iniciativas que buscavam estabelecer um veículo paradigmático. Este subitem analisa o
avanço da produção de automóveis ao redor do globo e, na sequência, descreve as
características dos motores automotivos propriamente ditos.
13
1.2.1. Dos pioneiros à produção em massa
A indústria automobilística pode ser considerada um dos principais exemplos do
desenvolvimento de tecnologias de ponta e da alocação de insumos produtivos pelo
empresariado. Outros elementos empíricos que a torna interessante para estudo, e que vão
além da linha de montagem e suas esteiras, são a difusão dos motores de combustão
interna, a utilização de peças intercambiáveis e a facilidade de ocorrência dessa atividade,
ou seja, a estandardização das partes e dos processos, além de uma maior precisão na
transformação das matérias-primas em peças (sobretudo do aço - cujo custo diminuiu
consideravelmente no início do século XX), seja pelo aprendizado inerente ao processo ou
à aplicação de maquinários aperfeiçoados (SZMRECSÁNYI, 2000).
Na literatura neo-schumpeteriana, a mudança técnica e o processo de inovação
recebem atenção especial. Nelson (1990) preocupa-se com o entendimento das atividades
de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e como estas se coordenam. O laboratório de P&D,
seu modo de organização e sua forma de atuação, passam a ter um papel central para o
desenrolar do sistema produtivo capitalista, um movimento histórico iniciado em meio a IIa
Revolução Industrial, com a aplicação de conhecimentos científicos na resolução de
problemas da produção industrial.
É nessa linha que Szmrecsányi (2000) aponta que:
“Se as relações entre ciência, tecnologia e economia tornaram-se
finalmente visíveis no decorrer do século XIX, isto decorreu, em parte, da
transformação das ciências e das técnicas em atividades sociais autônomas e
diferenciadas, exercidas de maneira cada vez mais integrada e contínua por
agentes devidamente especializados - os cientistas e os engenheiros - cujas
funções passam a ser socialmente reconhecidas e remuneradas”
(SZMRECSÁNYI, 2000, p.171).
E não apenas por isso, a indústria automobilística pode ser considerada um dos
principais exemplos da aplicação de tecnologias de ponta e da alocação mais racional dos
insumos produtivos pelo empresariado - sejam eles tangíveis ou intangíveis - a partir dos
modelos taylorista e fordista da organização do trabalho e da produção capitalista.
Eckermann (2001) realiza uma periodização da indústria automobilística em 4
tempos, de acordo com a produção total de veículos, o tipo de tecnologia empregado na
14
produção, a especialização da mão-de-obra e a entrada e saída de atores no conjunto dos
fabricantes. A divisão proposta é i. 1885-1918 - a era pioneira e o amadurecimento; ii.
1919-1945 - o automóvel como um produto industrial; iii. 1946-1979 - o automóvel
produzido em massa; e iv. 1980-2000 - o automóvel como um bem de consumo. Essa
divisão temporal ajuda a compreender os condicionantes das trajetórias tecnológicas da
indústria automobilística, apontando a evolução dos automóveis e mesmo as questões da
organização da produção.
Realmente, a produção de automóveis possuía, até a década 1920, números ainda
discretos e por se configurar como um mercado nascente, com um número expressivo de
pequenas oficinas ou mesmo pequenas fábricas, conforma-se um período de grande
experimentação e de tentativas que vieram a dar base aos automóveis como eles se mantêm
até os dias de hoje. O período entre-guerras conforma, principalmente nos EUA, o
automóvel como um objeto industrial no sentido da produção deixar de ser artesanal para
ganhar escala; ainda assim muito se criou nesse intervalo - o número de fabricantes de
automóveis, por exemplo, passou da casa de 1500 empresas (MOWERY e ROSENBERG,
1998). Com isso, os mais diferentes casos de sucesso ou fracasso ocorreram, assim como
falências, fusões e aquisições, criação de conglomerados, estabelecimento de firmas
dedicadas a nichos de mercado etc. Até que nas décadas de 1950 e 1960 já se nota um
número de fabricantes automotivos mais restrito, capitaneado basicamente por grandes
grupos, cuja atuação passa a ter traços mais globalizados.
“In the immediate postwar years, the automotive industry of the Western
nations experienced phases of rebuilding and of satisfying pent-up demand. The
two decades between 1960 and 1980 are characterized by the weeding out of
competing firms, the rise of the Japanese auto industry, and the aftereffects of
two so-called energy crises of 1973-1974 and 1978-1979 on the automotive
industry and technology” (ECKERMANN, 2001, p.153).
Os anos 1970 guardam mudanças no que toca os combustíveis, com as crises do
petróleo, além da entrada das montadoras japonesas ao mercado norte-americano, que
levou às mudanças tanto na forma de se organizar a produção como no conjunto final
produzido. Tem-se a reestruturação das linhas de montagem da produção em massa com o
sistema de produção enxuta (ou flexível), que além de elevar o padrão de qualidade dos
15
veículos permitiu maior flexibilidade no que se produzir. Assim, um mesmo modelo de
automóvel pôde ganhar diferentes versões e acessórios na customização, de acordo com as
variações do mercado/cliente.
Mais recentemente, Kohler et al. (2009) apontam para a atuação das montadoras em
linhas alternativas, ou na abertura de novos horizontes, frente ao automóvel paradigmático
de Henry Ford, basicamente um motor de combustão interna de quatro tempos, movido à
gasolina sobre um chassis de aço. Neste contraponto, protótipos “verdes” são amplamente
testados e propagados pela mídia especializada e modelos “modernos”, híbridos ou mesmo
elétricos, por exemplo, chegam ao mercado gerando um maior apelo em vendas por serem
ambientalmente mais amigáveis.
O Gráfico 1.1, que segue, mostra a produção mundial de veículos em um recorte
geográfico-espacial, sendo assim possível notar a dinâmica da fabricação de automóveis,
que no pós-guerra se intensifica na Europa e a partir dos anos 1970 cresce de modo
consistente no continente asiático com as montadoras japonesas e passa por uma grande
expansão (ou por uma nova onda de produção em massa) a partir dos anos 2000 com a
entrada da China no mercado automobilístico mundial. O Bloco soviético, por sua vez,
perde ainda mais sua diminuta importância e a América Latina, mesmo com uma população
de importância no mundo (especialmente por conta do Brasil), figura de forma bastante
inexpressiva no que se refere à produção mundial de automóveis.
Gráfico 1.1 - Produção Mundial de Automóveis por continente, 1938-2010
Fontes: Eckerman (2001) e OICA (2000 e 2010)
0
10
20
30
40
50
60
70
1938 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Mil
hõ
es
América do Norte Europa Ásia Bloco Soviético América Latina
16
A partir deste panorama global, passa-se à discussão sobre os motores à combustão
interna, mostrando sua consolidação e a busca por iniciativas de se compor paradigmas
alternativos.
1.2.2. O motor à combustão interna
O início da indústria automobilística revela uma série de tentativas para se
estabelecer modelos funcionais de automóveis e, por isso, muito dos protótipos construídos
nos dias de hoje podem estabelecer paralelo com experiências do passado. Estes
movimentos acabaram por estabelecer um design dominante3 para os motores de
automóveis. A Figura 1.1, abaixo, ilustra possíveis mecanismos de propulsão para
automóveis, cujas iniciativas destacadas, exceto para a célula a combustível, possuem
experimentos que datam do primeiro quarto do século XX (em vermelho estão os
paradigmas tecnológicos e em verde as trajetórias tecnológicas).
Figura 1.1 - Mecanismos de Propulsão para automóveis
* Transição de paradigmas
Fonte: elaboração própria a partir de Mowery e Rosenberg(1998), MacLean e Lave (2003)
3
A emergência de um design dominante está diretamente relacionada com a mudança técnica, os direitos de
propriedade da tecnologia, além da preferência dos consumidores. Entretanto é um instrumental teórico
restrito para produções em série, ou melhor, para produtos que podem ser estandardizados. Mais detalhes
consultar Utterback e Suárez (1993).
Mecanismos de Propulsão
Vapor Combustão
Interna
Rotativo
Wankel
Turbina
Alternativo
Ciclo Otto
Ciclo Diesel
Elétrico Célula a
Combustível Híbrido*
17
Esse contexto mostra que a adoção dos motores de combustão interna em
automóveis não é um dado sem concorrência ou uma escolha ao acaso. No início, diferentes
tentativas buscaram se consolidar como dominantes. Este ambiente com diversas
possibilidades e soluções para o powertrain dos automóveis é ilustrado por Mowery e
Rosenberg (1998) na sequência.
“Na verdade, o importante papel dos Estados Unidos como primeiro grande
mercado de automóveis pode ter também contribuído para o triunfo do motor de
combustão interna sobre o vapor e a eletricidade, as fontes competidoras de
propulsão automotiva nos primórdios do século XX. O surgimento da
combustão interna como tecnologia de propulsão dominante não era, de modo
algum, um efeito previsível em 1900, quando 1681 automóveis movidos a vapor,
1575 carros elétricos e 936 automóveis utilizando gasolina como combustível
foram fabricados nos Estados Unidos (FLINK, 1970, p.234). Os automóveis
movidos à gasolina eram então ultrapassados em número por carros elétricos e a
vapor nos dados registrados em Nova York e Los Angeles no início de 1902. Já
em 1905, entretanto, o motor de combustão interna havia se tornado a tecnologia
de propulsão dominante na indústria automobilística dos EUA” (MOWERY e
ROSENBERG, 1998).
Mas, por que o motor a combustão interna foi o selecionado? Mais de um século
depois da difusão do Ford T, o paradigma tecnológico se mantém, mas poderia ser diferente
ao se elencar alternativas ao modelo dominante. Reforça-se a afirmação de que este não foi
um movimento sem concorrência e para entender o sucesso dos motores de ciclo Otto deve
ser realizada uma análise mais aprofundada sobre seu funcionamento, bem como quais são
as alternativas ao uso de gasolina como carburante principal da frota mundial de
automóveis.
Especificamente, o ano de 1885 marca a invenção do automóvel por Benz e
Daimler, este movido pelo motor de combustão interna implementado pelo engenheiro
alemão Nikolaus Otto em 1876. A fabricação em série foi iniciada no ano de 1908, nos
EUA, com o Ford modelo T. Vale destacar que tanto para Ford como para Otto era claro
que o combustível de melhor rendimento era o etanol. Porém, o uso em larga escala do
álcool carburante ainda não era competitivo, pois sua produção era limitada e o custo se
18
mostrava pouco atraente frente à gasolina4, derivada do petróleo. Mas, já estava lançada a
semente do que viria a se tornar uma real alternativa à gasolina no Brasil.
Ao olhar apenas o recorte do paradigma tecnológico dos motores à combustão
interna, dois ciclos termodinâmicos podem ser descritos: Otto e Diesel. Todos eles tratam
de motores endotérmicos, cuja finalidade é transformar a energia química dos combustíveis
em energia mecânica útil.
Resumidamente, os motores de ciclo Otto trabalham em ciclos de 4 tempos e a
ignição se dá por centelha; os motores de ciclo Diesel são caracterizados pela ignição por
compressão. Cada uma dessas trajetórias tecnológicas possui vantagens e fragilidades, e ao
focalizar questões como eficiência, durabilidade, custo e facilidade de manutenção os
motores de ciclo Otto tradicionais (quatro tempos) saíram em vantagem e tornaram-se o
paradigma do powertrain automotivo5 (GALLO, 2012; PENIDO FILHO 1980;
HEYWOOD, 1988).
O ciclo Otto é composto pelas fases de admissão, compressão, expansão/explosão e
escape. A Figura 1.2 ilustra cada uma dessas etapas. Na fase de admissão, o pistão inicia
um movimento de descida com a válvula de admissão aberta para permitir a entrada da
mistura de combustível e ar; terminada esta etapa inicia-se a compressão desta mistura, o
cilindro realiza um movimento de subida com ambas as válvulas fechadas e o terceiro
momento inicia-se com a centelha da vela que detona a mistura e faz com o cilindro se
movimente em direção ao ponto morto inferior; por fim, a fase de escape ocorre com a
subida do cilindro e a válvula de escape/descarga aberta para possibilitar a saída dos gases
resultantes da explosão.
4 Para mais detalhes sobre a escolha da gasolina frente ao álcool como combustível em automóveis conferir
Dimitri e Effland (2007). 5 Motores a diesel são tipicamente voltados à frota pesada no Brasil (em países europeus utiliza-se motores
diesel em carros de passeio, já em território nacional não se pode comercializar automóveis movidos a diesel
para uso no país - esta produção é voltada apenas para exportação); já os motores de ciclo Wankel têm uso
muito restrito, em pequenas produções e modelos com vendas restritas, e os casos mais conhecidos são
produzidos fora das fronteiras brasileiras; automóveis equipados com turbinas chegaram a ser introduzidos no
mercado nas décadas de 1960 e 1970 porém sem sucesso comercial.
19
Figura 1.2 - Esquema de funcionamento de um motor de ciclo Otto
Fonte: http://www.larousse.fr/encyclopedie/images/Cycle_dun_moteur_%C3%A0_quatre_temps/1003658
Independente do combustível utilizado, o funcionamento dos motores se dá pela
descrição acima; entretanto cada carburante possui características físico-químicas
específicas que podem ser melhor aproveitadas por meio de adaptações nas estruturas
mecânicas dos motores, basicamente em relação à taxa de compressão (relação entre o
ponto morto superior e o ponto morto inferior) e ao ponto de ignição (centelha da vela). Por
exemplo, motores dedicados ao uso de etanol utilizam uma maior taxa de compressão que
os dedicados à gasolina, e um dos desafios do motor flex fuel é com uma taxa de
compressão intermediária funcionar de modo eficiente com as mais diversas misturas de
etanol e gasolina. Esse aspecto será melhor discutido para o caso do Brasil e da tecnologia
flex. Um resumo histórico das tecnologias relacionadas ao sistema de alimentação de
combustível introduzidos no mercado em geral e seu respectivo período de adoção, além
dos carburantes utilizados no Brasil, está na Figura 1.3, na sequência.
20
Figura 1.3 - Evolução dos sistemas de alimentação de combustível e do uso de combustíveis em
larga escala, 1870-2014
Fonte: elaboração própria a partir de consultas às bases OMPI.
Por mais que diferentes possibilidades, desde trajetórias até paradigmas, para os
veículos e seus mecanismos de propulsão tenham sido testadas e que alguns nichos de
mercado tenham sido conformados, os motores à combustão interna representam um
paradigma robusto e capaz de incorporar melhorias que aumentam ainda mais o tempo de
vida útil da sua trajetória. É válido ressaltar que estes cinco sistemas de alimentação
mostrados acima foram ou estão embarcados nos motores de ciclo Otto, fato que reforça a
robustez desse paradigma tecnológico.
Um desafio colocado, portanto, é construir um motor cuja eficiência energética seja
relativamente alta para as diversas misturas entre etanol e gasolina. E, nesse sentido, o
motor flex fuel pode ser um fim em si mesmo, na direção em que a indefinição do
combustível a ser utilizado pelo carro a priori dificulta o desenvolvimento de um
powertrain de rendimento elevado. Isto não quer dizer que o carro flex não seja uma
solução satisfatória para os proprietários de automóveis. De toda forma, há um trade-off
entre desempenho e possibilidade de escolha entre dois combustíveis - ou seja, o
proprietário do carro não está preso a uma única alternativa de combustível e sujeito a
crises de desabastecimento como ocorridas nos anos 1980 com o álcool; entretanto, ao ter
1870
1874
1878
1882
1886
1890
1894
1898
1902
1906
1910
1914
1918
1922
1926
1930
1934
1938
1942
1946
1950
1954
1958
1962
1966
1970
1974
1978
1982
1986
1990
1994
1998
2002
2006
2010
2014
Carburador Injeção Mecânica Injeção Eletrônica Single-Point
Injeção Eletrônica Multi-Point Injeção Direta na Câmara Gasolina
Gasolina + Álcool Álcool Puro Flex Fuel
Co
mb
us
tíveis
S
iste
mas d
e
Ali
men
tação
21
essa possibilidade de escolha no ato do abastecimento, se abriu mão (até o momento) de
motores mais eficientes.
Na sequência, explora-se a história da indústria brasileira de automóveis, seu
surgimento e consolidação, bem como a experiência nacional no uso de álcool combustível.
1.3. Antecedentes históricos da indústria automobilística no Brasil
Os primeiros automóveis chegaram em território brasileiro na virada do século XIX
para o XX, em um tempo que remete esses pioneiros aos anseios de modernidade da elite
nacional. Wolfe (2010) disserta sobre a expansão dos veículos automotores no país e
mostra que em São Paulo no ano de 1901 havia 5 carros, em 1903 eram 16 veículos e no
ano seguinte 84; também em 1904 é inaugurada a primeira concessionária automotiva. Em
paralelo, o Rio de Janeiro, então capital federal, em 1903 possuía 6 carros, no ano de 1905
chegava a 12 automóveis e em 1907 totalizava 99 veículos. Nesta época, observam-se
grandes reformas urbanas de modo a tornar as vias adaptadas ao uso de veículos
automotores.
E mesmo com a frota automotiva plenamente importada, os primeiros testes
envolvendo o álcool combustível tiveram seu início na primeira década do século XX, em
experiências pontuais que datam desde o ano de 1903, quando o então presidente da
República, Rodrigues Alves, lançou a Exposição Internacional de Aparelhos a Álcool no
Rio de Janeiro.
Nesse período ainda não é possível se referir a uma pesquisa institucionalizada ao
redor do uso de etanol combustível, mas notam-se iniciativas que viriam a se tornar
importantes nos anos posteriores no sentido de se utilizar uma matéria-prima nacional em
substituição aos importados derivados do petróleo, bem como atualmente na produção de
combustíveis verdes.
Na sequência, três subitens buscam explorar a história do setor no país: em um
primeiro plano elencam-se as atividades do começo do século XX até a década de 1950;
segue-se com a implantação da indústria automobilística brasileira e da pesquisa organizada
em álcool combustível entre os anos 1950 e 1970 e, por fim, o Proálcool e os motores
específicos para etanol nas décadas de 1970 e seguintes.
22
1.3.1. 1920-1950: da indústria nascente ao álcool carburante
As primeiras montadoras a se instalarem em território brasileiro o fizeram na década
de 1920, a saber Ford e Chevrolet. A primeira começou a importar o conhecido modelo “T”
em 1919 e passou a montá-lo na cidade de São Paulo no ano de 1921; já a Chevrolet
desembarcou no país em 1925 também em São Paulo e, posteriormente, em 1930 a fábrica
de São Caetano do Sul foi inaugurada. É necessário distinguir que neste momento os
veículos chegavam desmontados, mas as peças chegavam prontas em kits para serem
encaixados e colocados em pleno funcionamento. Esse sistema de trabalho ficou conhecido
como CKD (Completely Knock-Down).
Em termos de produção, o sistema CKD permitiu ganhos de escala, no âmbito de
um sistema fordista de produção, uma vez que esses kits, exportados pelas matrizes,
possibilitavam a instalação de plantas produtivas mais simples e que necessitassem de
menores investimentos, de modo a tornar o nascente mercado brasileiro atraente. Ainda
nesse sentido, é interessante notar que a Ford em 1924 produziu 24.250 unidades no Brasil,
marca que ficaria como recorde de produção da montadora até a década de 1960 com o
lançamento do modelo Corcel6.
É válido também ressaltar que o presidente Washington Luís corrobora com a
escolha do automóvel como meio de transporte principal para o país ao enfatizar a
necessidade de se abrir rodovias, e com a criação da Polícia Rodoviária Federal em 1928.
Tais fatos ajudam a montar o panorama da evolução dos transportes no Brasil, juntamente
com as montadoras recém chegadas (NASCIMENTO, 1976).
Ao lado disso, outra experiência ligada ao fordismo com controle das diferentes
etapas de produção e matérias-primas é a iniciativa de Henry Ford na floresta amazônica
com a produção de borracha natural para a fabricação de pneus e demais peças provenientes
do látex. Com o mito que a floresta seria capaz de altas produções se plantadas seringueiras
em condições de exploração comercial, Ford montou uma cidade floresta adentro;
entretanto não se sabia que a produção extensiva aumentaria o risco da disseminação de
pragas, fato que inviabilizou o projeto (GRANDIN, 2009).
6 Há uma importante quebra na montagem de veículos no pós-crise de 1929, também com a II
a Guerra
Mundial. Para mais detalhes consultar http://www.ford.com.br/sobre-a-ford/historia
23
De modo mais aprofundado no que toca o desenvolvimento da pesquisa,
desenvolvimento e inovação em atividades agrícolas, notam-se crescentes pesquisas ao
redor da cana-de-açúcar desde a virada do século XIX, com a atuação do então Imperial
Estação Agronômica de Campinas iniciada em 1887, com a instalação do Estação
Experimental de Combustíveis e Minérios (1921) e do Instituto do Açúcar e do Álcool em
1933, entre outras iniciativas e instituições7, bem como no surgimento de indústrias
dedicadas ao processamento industrial da cana, como a Dedini, fundada em 1920 em
Piracicaba. Apesar dessas instituições terem por finalidade principal a produção e
comercialização de açúcar, esse momento também se configura como suporte da fabricação
de álcool combustível e por isso são listadas algumas dessas iniciativas a seguir.
Mais especificamente sobre o Instituto Agronômico de Campinas, fundado sob a
forma da Imperial Estação Agronômica de Campinas, detinha como principal função
realizar pesquisas voltadas as doenças e pragas que atingiam a cultura do café, principal
produto agrícola da região na época. Entretanto outras culturas recebiam menor atenção
como algodão, e por fim, cana-de-açúcar cujas pesquisas se iniciaram em 1892 com as
atividades diretamente ligadas as pesquisas do diretor Dr. Franz Dafert (ALBUQUERQUE
et al., 1986a e 1986b).
Na Estação Experimental de Combustíveis e Minérios (EECM), sediada no Rio de
Janeiro e que deu origem ao Instituto Nacional de Tecnologia8, as investigações visavam a
utilização de álcool etílico como combustível automotivo. E já no ano de 1925 testes de
campo indicavam a viabilidade do uso de etanol em substituição da gasolina, nesta época a
preocupação para a substituição desta era a certeza que o petróleo esgotaria antes mesmo do
término do século XX, o que alardeou buscas por carburantes alternativos. Importantes
nomes desta época, com pesquisas sobre o então chamado álcool-motor9, são Eduardo
Sabino de Oliveira e Heraldo de Souza Mattos, tanto em testes de bancada quanto em
automóveis de passeio nos anos 20 e 30; bem como aos testes e ensaios realizados tanto na
Escola Politécnica da USP e no atual Instituto de Pesquisas Tecnológicas (MAGALHÃES,
1994).
7 Para mais detalhes sobre a história da pesquisa agrícola paulista e brasileira consultar Mendes (2009),
Salles-Filho et al. (2011). 8 Para mais detalhes consultar http://www.int.gov.br/int90anos/historia.html
9 Mistura entre gasolina e álcool anidro em qualquer proporção.
24
Nesse contexto, com o conhecimento de que era viável utilizar uma mistura entre
gasolina e álcool para fins carburantes, em 1931 o presidente Getúlio Vargas passou a
obrigar a adição de 5% de álcool anidro à gasolina, em consonância com algumas outras
iniciativas nordestinas, e mais antigas, que tornavam o álcool etílico o combustível
automotivo nacional como um decreto pernambucano de 1919. Nessa época, a produção de
álcool etílico estava ligada à uma nova utilização para o melaço, então um subproduto do
processo de produção do açúcar; esta iniciativa contribuiu para agregar valor à produção
canavieira (como hoje acontece com a palha e outros resíduos e a produção, dentre outros,
de bioenergia). Também, vale lembrar que a produção de cana-de-açúcar estava
concentrada no nordeste brasileiro e o açúcar, ao lado do café e do algodão, eram os três
principais produtos exportados pelo país (SZMRECSÁNYI, 1998).
O Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) foi criado em 1933 por Getúlio Vargas por
meio do decreto 22.879/193310
como uma continuidade das medidas já realizadas desde o
começo da década de 30 visando a defesa da produção de açúcar, e tinha por objetivo
equilibrar por meio de estímulos ou medidas de controle a produção de açúcar para os
mercados interno e voltados à exportação, a produção de álcool anidro para mistura na
gasolina, bem como garantir a produção, distribuição e comercialização de álcool-motor, ou
álcool carburante (hidratado). É interessante ressaltar que o decreto visava garantir o
funcionamento adequado dos automóveis, o rendimento e a conservação dos motores,
reforçando a necessidade e legitimando as pesquisas e ensaios anteriormente colocados.
Na outra ponta encontra-se a produção agroindustrial com o processamento da cana-
de-açúcar, e a década de 1920 emerge com uma maior participação de empresários sediados
no Brasil para a produção de bens de capital, nomeadamente a Dedini. Antes desta, os
engenhos modernos utilizavam em grande parte tecnologia francesa para a produção de
açúcar e álcool. Uma massa crítica voltada para produção e solução de gargalos na
agroindústria canavieira estava, portanto, montada no estado de São Paulo. Esta é uma
questão de grande importância, que viria nos anos posteriores a transformar o terreno
paulista no maior produtor de cana-de-açúcar e seus derivados no período pós-guerra, ao
10
O decreto completo pode ser conferido em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-
1949/D22789impressao.htm
25
desbancar a região nordeste brasileira até então a principal área de plantio e produção de
cana desde os tempos da colonização (SZMRECSÁNYI, 1988; SILVA, 2013).
Nos tempos da IIª Guerra Mundial, uma alternativa ao desabastecimento de
derivados do petróleo foi a adição de maiores quantidades de álcool à gasolina11
, cuja
mistura passou a 20% frente aos 5% anteriores, esta uma forma de atuação direta do IAA.
Com isso, maiores demandas por processamento industrial da cana-de-açúcar emergiram no
sudeste brasileiro, uma vez que o transporte marítimo foi em grande parte enfraquecido
pelo Estado de Guerra. Como o mercado consumidor situava-se amplamente no centro-sul
brasileiro, a Dedini foi capaz de ampliar a dominância da instalação de usinas em São
Paulo, cujo reflexo pode ser entendido com a criação da Codistil (acrônimo de Construtora
de Destilarias Dedini) no início da década de 1940, também em Piracicaba. Nessa mesma
linha do avanço da cana em território paulista, em 1950 na cidade de Sertãozinho, foi
fundada a Oficina Zanini, também uma fábrica de equipamentos pesados voltados
inicialmente para o processamento da cana (FISCHETTI e SILVA, 2008).
Nota-se a mudança no perfil da cultura canavieira, sobretudo com a alteração na
dinâmica de distribuição espacial e também em uma crescente atuação de instituições
públicas ao redor do álcool combustível, sejam de pesquisa ou regulação de mercado.
Assim, na virada da década de 1940 para 1950 começa a se conformar uma massa crítica
sobre alternativas ao petróleo, claramente dirigidas por políticas governamentais estaduais
ou federais, as quais suportaram diretamente a crescente frota automotiva brasileira.
Esse universo de iniciativas, seja em pesquisa, desenvolvimento ou inovações é o
início da organização que Furtado el al. (2011) vão chamar de sistema nacional de inovação
em cana-de-açúcar. Adiante está a organização da pesquisa em motores a álcool, com a
atuação do professor Urbano Ernesto Stumpf, ora na Escola de Engenharia de São Carlos
(1959-1964), ora na Universidade de Brasília (1965-1972) e, por fim, no Instituto de
Tecnologia Aeronáutica a partir de 72 até a década de 1990.
11
Outra alternativa encontrada foi o uso de gasogênio como combustível automotivo. Mais detalhes em
http://bestcars.uol.com.br/ct/gasogenio.htm
26
1.3.2. Anos 1950: a modernização da indústria e a pesquisa organizada em álcool
combustível
O período do governo Vargas, conhecido como Estado Novo, traz consigo uma
série de modificações na estrutura produtiva brasileira, com a criação de diversas
instituições cuja finalidade estava em dar subsídios e apoiar a modernização industrial
como o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) criado em 1938, a Companhia Siderúrgica
Nacional fundada em 1941, a Fábrica Nacional de Motores em 1942, a Companhia Vale do
Rio Doce de 1943, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco em 1945, e por fim, a
Petrobrás em 1953, como um desdobramento do CNP.
No que toca à produção canavieira, tem-se o deslocamento da cultura para a região
sudeste, e assim, o estado de São Paulo se consolida entre os anos 1950 e 1960 com as
maiores lavouras. Quanto às instituições de suporte, tem-se a criação da Cooperativa dos
Produtores de Açúcar e Álcool de São Paulo (Copersucar) no ano de 1959, cuja atuação
voltou-se para a modernização do setor sucroalcooleiro (MENDES, 2009). E mais à frente
com o Centro Tecnológico da Copersucar (atualmente Centro de Tecnologia Canavieira,
CTC) fundado em 1969 por um conjunto de usinas com objetivo de desenvolver variedades
de cana-de-açúcar mais produtivas e de melhor qualidade tanto para produção de açúcar
quanto para álcool12
.
Este período também marca a consolidação do mercado interno brasileiro e de uma
crescente independência internacional sob a ótica do sistema produtivo, no sentido de criar
um tecido industrial no país e não no de um isolamento do mercado global. Nesse sentido,
o plano de desenvolvimento nacional proposto por Juscelino Kubitschek, presidente
brasileiro entre 1956 e 1961, conhecido por Plano de Metas, buscou estabelecer prioridades
para a indústria e para a integração nacional; exemplos dessa época são a instalação da
indústria automobilística (com a produção de partes e peças e não apenas na montagem do
tipo CKD) e na construção da nova capital: Brasília. Portanto, a chave para os
desdobramentos que são apontados na sequência foi o planejamento por meio de políticas
para diferentes escalas de atuação.
Especificamente sobre o suporte dado à indústria automobilística no governo JK,
tem-se em 1956 a criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), cuja
12
Mais informações disponíveis em http://www.ctcanavieira.com.br/nossahistoria.html
27
finalidade era estabelecer as bases do funcionamento do setor e auxiliar na criação do
mercado nacional de veículos de passeio e pesados, ao forçar a nacionalização de grande
parcela dos componentes automotivos (SHAPIRO, 1994; SANTOS e BURITY, 2002).
Não era possível fechar o mercado às empresas estrangeiras uma vez que não havia
montadoras brasileiras efetivamente e, ao mesmo tempo, um anseio estava em produzir
bens de consumo em território brasileiro, dada a política de industrialização baseada na
substituição de importações. Na prática, coube às mudanças institucionais de estímulos
fiscais o papel de forçar crescentes percentuais de nacionalização das peças e componentes
dos automóveis para o estabelecimento de um conjunto de empresas do ramo no país.
E para que essa política de substituição de importações ocorresse de modo
satisfatório diferentes frentes de atuação sobre o setor automobilístico foram abertas, desde
a formação de mão-de-obra através de escolas técnicas, o estabelecimento de infraestruturas
tanto fabris quanto urbanas e o estímulo para a criação de mercados consumidores. Nesse
sentido, o carro de passeio se tornou um dos principais símbolos de modernidade do
governo JK e do ponto de vista produtivo a capacidade da indústria automobilística no
Brasil deu um importante salto em termos de robustez (SANTOS e BURITY, 2002).
O Brasil deixou de ser apenas um montador e ajustador de kits peças. Inicialmente
os carros aqui produzidos eram modelos já fora de linha no exterior, cujos ferramentais e
estampos usados13
foram remetidos ao país para colocar em funcionamento as plantas
produtivas locais, de modo a cumprir com o marco legal induzido por Plano de Metas. O
mercado automobilístico brasileiro sempre foi chamativo às montadoras e autopeças
estrangeiras, pelo tamanho e pelas oportunidades de ganho, inclusive por essa característica
de aceitação de modelos descontinuados cujo investimento para as montadoras se tornava
diminuto pelo fato do desenvolvimento do automóvel apresentar-se pronto de antemão. E,
assim, em um intervalo relativamente curto, entre 1956 e 1957, um total de 18 diferentes
projetos para produção de automóveis e veículos pesados foram aprovados pelo GEIA14
e
11 deles foram implementados nos anos subsequentes (SHAPIRO, 1994).
13
Alguns exemplos são o Aero Willys lançado em 1960 em território brasileiro que corresponde ao
fracassado Aero Wing americano de 1958; posteriormente o Ford Galaxie lançado em 1967 no Brasil, cuja
carroceria é a mesma do modelo americano fabricado até 1966. 14
A Romi-Isetta lançada em setembro de 1956 poderia ser considerada o primeiro automóvel fabricado no
Brasil, entretanto para o GEIA um automóvel tinha por características básicas ao menos duas portas, quatro
lugares e espaço para bagagem, assim o primeiro carro lançado no Brasil é o DKW Universal ou Vemaguet.
28
Assim, a década de 1950 marca a chegada de outras montadoras ao país, entre elas a
Willys-Overland em 1952, Volkswagen no ano de 1953, a Vemag15
com a produção do
DKW em 1956 e, nesse mesmo ano, a chegada da alemã Mercedes-Benz; em 1958 se
instalaram no Brasil a Simca, a Toyota e a Scania; já a International Harvest instalou-se em
1959. A Tabela 1.1, abaixo, revela os projetos aprovados pelo GEIA segundo a montadora
e a origem do capital. Nota-se que o capital brasileiro esteve presente ao menos na
instalação de cinco montadoras a partir de financiamentos públicos, por exemplo via
BNDE(S) (SANTOS e BURITY, 2002).
Tabela 1.1 - Projetos aprovados pelo GEIA, Brasil, 1956-57
Montadora Origem do Capital Projetos
Fábrica Nacional de Motores (FNM)
Brasil FNM (caminhão pesado) Alfa Romeo JK (carro de passeio)
Ford EUA F-600 (caminhão) F-350 (caminhão) F-100 (caminhonete)
General Motors (GM) EUA Chevrolet 6500 (caminhão) Chevrolet 3100 "Brasil" (caminhonete)
International Harvester EUA S-184 (caminhão pesado)
Mercedes-Benz 50% Brasil 50% Alemanha
L315 (caminhão pesado) L312/LP312 (caminhão) O312 (ônibus) 180B/180D (carros de passeio - não entraram em produção)
Simca 50% Brasil 50% França
Vedette (carro de passeio)
Scania Suécia Scania Vabis (caminhão pesado)
Toyota Japão Jeep
Vemag Brasil Vemaguet (utilitário) Candango (jeep) Belcar (carro de passeio)
Volkswagen Alemanha Fusca (carro de passeio) Kombi (utilitário)
Willys-Overland Brasil
Jeep Rural (utilitário) Dauphine (carro de passeio) Aero Willys (carro de passeio)
Fonte: elaboração própria a partir de Shapiro (1994) e Santos e Burity (2002).
Quanto à indústria de autopeças, observa-se uma implantação bastante semelhante
às montadoras (devido a reconhecida interdependência dessas empresas): em 1942 a atual
15
A fundação da VEMAG ocorreu em 1945, quando era uma autorizada da Studebaker e trabalhava de acordo
com o regime CKD (SANTOS e BURITY, 2002).
29
Delphi se instala em São Paulo e em 1954 chega ao país, inicialmente em Campinas, a
alemã Bosch16
.
Com a crescente frota automotiva brasileira, aumenta-se a demanda por
combustíveis e aquece-se a discussão sobre alternativas reais à importação de petróleo, cujo
principal receio estava em uma diminuição drástica da oferta, causada por um possível
esgotamento das reservas, além do efeito inflacionário que a importação de gasolina e
diesel provocavam na balança comercial (FURTADO, 1959). E nesse contexto mais uma
vez vislumbrou-se a utilização de etanol como o combustível nacional.
A plantação de cana-de-açúcar se deslocara para o estado de São Paulo,
majoritariamente, e esta proximidade com a maior parte da frota automotiva nacional ao
lado da inquietação de pesquisadores e acadêmicos sobre a utilização de álcool sem
misturas nos motores foram condicionantes para uma nova rodada de pesquisas em
alternativas aos carburantes derivados do petróleo.
Como uma forma de analisar essas atividades inovadoras ao redor do álcool
combustível no espaço paulista, recorre-se a Mansfield e Lee (1996), os quais realizaram
um estudo sobre distâncias geográficas e mudanças tecnológicas. Do ponto de vista teórico,
esses autores foram capazes de calcular que em uma distância de até 160 quilômetros (100
milhas, no original) de universidades e institutos de pesquisa consagrados ou de influência
no setor produtivo a ocorrência de interações para solucionar problemas de grande
especificidade ou em temas de ponta é consideravelmente maior.
Desse modo, se torna mais clara a compreensão sobre a localização de institutos de
pesquisa, universidades e empresas no estado de São Paulo, voltadas tanto para a produção
de álcool quanto para a construção e montagem de automóveis, ao focar em cidades como
Piracicaba, Campinas e São José dos Campos, esta última mais recente que as demais nesta
análise, porém com destaque para o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), fundado
no início dos anos 1950.
O ITA recebe atenção por desde seu início trabalhar de modo dedicado a questões
de motores, primeiramente aeronáuticos e com espaço crescente os automotivos. E o
destaque em pesquisas sobre combustíveis automotivos alternativos é dado ao engenheiro e
16
Posteriormente, chegam a italiana Magneti Marelli em 1978 (juntamente com a Fiat) e a japonesa Denso no
ano de 1980.
30
professor Urbano Ernesto Stump17
, que realizou pesquisas acerca de um motor inteiramente
desenvolvido para o uso de etanol e já neste período, sem pressões maiores como
aconteceriam nos anos 1970, orientou alunos em trabalhos e projetos que ajudassem no
desenvolvimento deste. Nascia nesta época, então, a metodologia científica e a pesquisa
sistematizada que levaria a um novo motor automotivo (FISCHETTI e SILVA, 2008).
As pesquisas e estudos supervisionados por Stumpf, mostravam que para um melhor
funcionamento dos motores abastecidos com álcool, estes deveriam trabalhar em
temperatura um pouco mais elevada, teria de haver mudança no diâmetro e na superfície
dos pistões, em regimes com maiores taxas de compressão, as peças que entram em contato
com etanol teriam de receber um banho diferenciado para não sofrerem corrosão, entre
outros fatores. Ou seja, era necessário produzir um novo motor, fabricado com materiais
diferentes e calibrado de modo distinto dos carros movidos à gasolina para o sucesso do
álcool combustível (JOSEPH JR., 2010; STUMPF, 1978). Assim chega-se a década de
1970, que representa uma inflexão no Brasil com a venda e utilização de etanol puro nos
motores da frota nacional.
Resumidamente, em um intervalo de 20 anos, o Brasil estabelece uma base
industrial, com destaque para o setor automobilístico e as políticas agressivas do governo
JK, a pesquisa em combustíveis e motores alternativos ao petróleo se intensifica e ganha
massa, embora ainda ficasse restrita ao contexto dos institutos de pesquisa e universidades,
e, na outra ponta a produção de cana-de-açúcar ganha em volume e se desloca em direção
aos centros consumidores maiores. A economia brasileira, nesse sentido, ganha em
robustez, mas em um curto espaço de tempo uma crise energética de escala mundial
acenderia uma importante discussão e movimentaria as atividades de pesquisa, e mesmo
produtivas, no sentido de ir além ao petróleo.
1.3.3. Anos 1970: motores a álcool e seus desdobramentos
Até o primeiro quarto da década de 1970, no Brasil, as questões que permeavam os
estímulos acerca do uso de etanol combustível estavam relacionadas à dependência externa
de petróleo e, por vezes, ao preço proibitivo da gasolina. Nesse contexto, o Programa
17
O engenheiro Stumpf após formado, foi professor na Escola de Engenharia de São Carlos, na Universidade
de Brasília e por fim, retorna ao ITA nos anos 1970. Maiores detalhes sobre os trabalhos realizados nesse
período estão em Fischetti e Silva (2008).
31
Nacional do Álcool (Proálcool ou PNA) surge em 1975, como resposta à crise do petróleo
ocorrida dois anos antes, em 1973. A gasolina, até então o combustível dominante da frota
de veículos leves no país, tornou-se um grande problema na matriz energética brasileira
pelo escalada nos custos de importação e de comercialização, desse modo o governo
brasileiro procurou diminuir a dependência externa de carburantes, o que em parte
materializou-se com o aprofundamento das pesquisas e com o desenvolvimento de um
mercado interno para o álcool combustível.
E, nesse sentido, vale uma reflexão a partir da experiência anterior brasileira em
alternativas à gasolina, como o caminho traçado pelo álcool combustível, que não deixava
de ser uma solução real ao problema colocado com a alta do petróleo. O acúmulo de
experiências e conhecimentos adquiridos desde os anos 1920, e sobretudo com o trabalho
de Stumpf e seus colaboradores desde nas décadas 1950 e 60, mostraram capazes de
transformar a frota veicular nacional em um curto espaço de tempo. O Brasil, nesse sentido,
é um pioneiro na utilização de carburantes alternativos à gasolina e o primeiro país a usar
etanol combustível em larga escala.
É interessante notar que nos quatro anos do intervalo entre 1975 e 1979, a produção
de etanol passou por um período de crescimento estimulado em parte por carros
transformados para transitar com álcool combustível e, em grande parte, por interferências
diretas do governo brasileiro como parte do PNA na substituição da gasolina. A produção
de álcool combustível se quadruplicou, inclusive ao ir além das metas traçadas. O decreto
76.593, que instituiu o Proálcool, previa:
“A produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da mandioca ou de
qualquer outro insumo será incentivada através da expansão da oferta de
matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produtividade agrícola, da
modernização e ampliação das destilarias existentes e da instalação de novas”
(BRASIL, 1975).
Portanto, tem-se um grande avanço da produção sucroalcooleira, em cuja base está
um conjunto de maiores produções oriundas de usinas mais modernas com processos que
resultaram em maior produtividade, na expansão das áreas plantadas e também a partir de
melhorias na própria cana-de-açúcar. O Gráfico 1.2, abaixo, ilustra a rápida resposta na
produção de álcool. O tracejado em verde no ano de 1975 representa a publicação do
32
Proálcool. Nota-se que em um período de 4 anos, até 1979, a produção de etanol cresceu
mais de quatro vezes desde a promulgação do PNA. Entretanto, a quebra de produção em
1985 colocou em xeque toda a trajetória anterior, que ganharia novo fôlego com a
introdução dos veículos flex fuel em 2003, indicado pelo traço laranja, ponto que é
analisado mais à frente.
Gráfico 1.2 - Produção total de álcool combustível, Brasil, 1970-2012
Fonte: elaboração própria a partir de IpeaDATA e da UnicaDATA
Uma constatação é que a produção de etanol sempre esteve diretamente vinculada à
indústria automobilística, no sentido que, em dois momentos de crescimento da fabricação
de veículos capazes de utilizar álcool como carburante, a produção sucroalcooleira
respondeu de modo rápido. Entretanto, nos momentos de preços favoráveis ao açúcar, a
queda na produção se dá de modo rápido e essa incerteza é um ponto fundamental até os
dias atuais para a utilização veicular dedicada e em larga escala - questões diretamente
ligadas ao rendimento econômico das unidades produtoras, dos limites para se reverter a
produção de álcool em açúcar (ou de açúcar em álcool) e, sobretudo, na minimização dos
riscos para os atores do setor. Questões que podem ser compreendidas tanto como um
paralelo da adição de 5% de álcool nos anos 1930, quanto nas tecnologias de segunda
geração mais recentes.
Do ponto de vista da infraestrutura de distribuição de álcool combustível, ela foi
colocada em prática por uma regulação governamental via CNP18
em 1979. Basicamente, a
distribuição de etanol pegou carona na logística já existente para gasolina; assim, o etanol
18
Resolução nº9/1979 do CNP. Disponível em
http://nxt.anp.gov.br/nxt/gateway.dll/leg/folder_resolucoes/resolucoes_cnp/1979/rcnp%209%20-
%201979.xml
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chegou aos postos de abastecimento por decisão do Estado brasileiro. Esta questão está
descrita na própria resolução nº9/1979 do CNP, em que compete dizer, “considerando o
sistema de abastecimento já implantado no País para a distribuição e revenda dos
combustíveis automotivos e a conveniência do seu aproveitado para operar com álcool
hidratado como combustível automotivo”.
A partir de 1975, uma prática que se tornou corrente era da transformação de
motores a gasolina para álcool, que buscava tornar o motor mais eficiente e econômico para
o novo combustível, uma vez que a mecânica desses automóveis não possuía comando
eletrônico e, portanto, necessitava de ajustes mais específicos que envolviam o desmonte do
motor e a calibração de diferentes partes para o trabalho com etanol puro. Exatamente nesse
ponto se ocorreu um processo fundamental para a consolidação do motor a álcool, segundo
um dos entrevistados para a presente pesquisa, devido à atuação de profissionais oriundos
de diferentes institutos de pesquisa estaduais e universidades, que se dedicaram a treinar e
orientar tecnicamente oficinas mecânicas e retíficas, as quais eram responsáveis pela
conversão dos motores à gasolina para álcool, até que os veículos saíssem de fábrica
dedicados para o combustível alternativo.
Os primeiros veículos comercializados com motores a álcool propriamente ditos
chegaram às concessionárias da Fiat no segundo semestre de 1979. Assim, o Fiat 147 é o
primeiro carro a álcool em linha do Brasil. E, já no começo da década de 80, as principais
montadoras presentes no mercado nacional, a saber Volkswagen, Chevrolet e Ford, além da
supracitada Fiat, tinham seus modelos equipados com motores desenhados primordialmente
para utilizar álcool combustível.
Com o mercado favorável, não só pelo preço dos combustíveis, mas também pela
menor carga tributária aplicada aos veículos a álcool, a difusão destes se deu de modo
rápido, até que em 1985/86 praticamente 80% dos veículos novos vendidos estavam
equipados com motores a álcool, movimento histórico que pode ser conferido no Gráfico 1.3
que segue.
34
Gráfico 1.3 - Produção de automóveis por tipo de combustível, Brasil, 1970-1999
Fonte: Anuário Estatístico Anfavea 2014
Uma expansão rápida, baseada em estímulos governamentais, e que passava uma
noção de autonomia do petróleo, teve uma vida curta. Num momento seguinte, no mercado
internacional, o preço do barril passa a recuar a níveis competitivos e, assim, arrefecesse a
trajetória do álcool combustível (BNDES e CGEE, 2008). No final da década de 1980,
acreditava-se na viabilidade do Proálcool com preços do barril do petróleo acima da casa
dos U$30,00 (SEROA DA MOTA e ROCHA FERREIRA, 1988).
O Proálcool se expandiu até meados da década de 1980; entretanto com o preço da
gasolina em queda somado à maior rentabilidade do açúcar, e com os sucessivos episódios
de desabastecimento de álcool combustível, a descrença da população com o projeto
aumentou. Na virada para os 1990 já havia se reestabelecido a gasolina como o principal
combustível automotivo do país. Até os anos 2000 praticamente se extinguiram os carros
novos a álcool no Brasil.
Essa quebra de produção do álcool em meados dos anos 80 ocorre em um período
no qual já se havia vencido diferentes gargalos tecnológicos, por exemplo, em questões que
permeiam a durabilidade e manutenção dos automóveis, com o emprego de novos materiais
em partes críticas, como válvulas, sede de válvulas, até nos tanques de combustíveis (ou
seja, sempre nas peças que entram em contato direto com os combustíveis). Uma
importante massa de aprendizado ocorreu neste período dentro das montadoras e autopeças.
-
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Gasolina Álcool
35
Ou seja, o revés que atingiu o carro a álcool não foi devido à inviabilidade dos motores e o
uso de combustível alternativo.
O início da década de 1990 também, marca o início da desregulamentação do setor
sucroalcooleiro, sobretudo com o fechamento do IAA. Assim, os produtos da cana-de-
açúcar passam a responder a diferentes órgãos do governo, o controle sobre o etanol passa a
ser feito pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, já o açúcar
fica sob as orientações do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ao álcool combustível incide também uma
modificação na estrutura de preços, dado que em 1998 libera-se o preço do álcool anidro e
no ano de 1999 o preço do álcool hidratado, até então regulados pelo Estado.
1.3.4. Século XXI: novas montadoras, novas tecnologias
Atualmente, estão sediadas em território brasileiro 11 montadoras de automóveis19
,
e todas elas possuem em seus portfólios modelos que contam com a tecnologia flex fuel
funcionando nos motores. A distribuição espacial das plantas produtivas pode ser conferida
na Figura 1.4 que segue (no Anexo 1 estão desmembradas as montadoras e suas respectivas
plantas produtivas). Historicamente, as plantas produtivas estavam instaladas no estado de
São Paulo e, da virada para os anos 2000 em diante, houve certa descentralização com a
inauguração de fábricas na Bahia, no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Goiás.
19
Algumas outras montadoras de automóveis, sobretudo do segmento de luxo, não possuem fábricas no Brasil
e também não comercializam veículos flex fuel. Por outro lado, este número é maior se somado às montadoras
de veículos comerciais leves, caminhões e ônibus (ANFAVEA, 2014).
36
Figura 1.4 - Municípios com unidades produtivas automobilísticas, Brasil, 2014
Fonte: elaboração própria a partir de Anfavea (2014)
Quanto ao volume monetário movimentado pela fabricação de automóveis, segundo
a Pesquisa Industrial Anual20
do IBGE, em 2011, o montante chegou a casa dos R$ 102
bilhões em vendas (e R$ 107 bilhões na produção), e este volume representou cerca de
5,5% do total dos produtos industriais vendidos no país. Se olhado o setor automobilístico,
esse volume monetário das vendas ultrapassa os R$ 225 bilhões (e R$243 bilhões na
produção), representando 12,9% das vendas do total industrial produzido.
Nessa linha, os investimentos do setor em atividades inovativas foram de R$ 6,7
bilhões, segundo os dados da Pesquisa de Inovação de 2011 (PINTEC, 2013). Este valor
desembolsado responde por 10,7% do total investido em ações para inovação.
Especificamente sobre P&D, o total gasto pelas empresas do ramo automotivo foi de R$3,3
bilhões (dos quais dois terços foram desembolsados por montadoras), equivalentes a 17%
20
Dados disponíveis em
ftp://ftp.ibge.gov.br/Industrias_Extrativas_e_de_Transformacao/Pesquisa_Industrial_Anual/Produto2011/Tab
ela1.pdf
37
do investido nessas atividades no Brasil. Deste modo, o setor automotivo é que mais
investe em atividades cuja finalidade é pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Do ponto de vista do comportamento das montadoras e autopeças, há nítidas
diferenças em termos de estratégia ligadas ao desenvolvimento de novos modelos ou
mesmo de novas tecnologias embarcadas, ao montante investido e à conformação de
centros especializados em atividades de P&D.
De acordo com os especialistas consultados, é possível realizar uma divisão
analítica das montadoras com plantas produtivas instaladas no país e seus respectivos
centros de P&D dividindo-as entre tradicionais e newcomers. As tradicionais seriam as
mais antigas em território brasileiro, a saber: Ford, Chevrolet, Volkswagen e Fiat; já as
newcomers dividem-se em dois grupos, francesas e asiáticas: as francesas são Citroën,
Peugeot e Renault, e as asiáticas Toyota e Honda, Hyundai e Kia. Nesse sentido, as
tradicionais possuem atividades de P&D há tempos, seguidos das newcomers francesas e,
por fim, das asiáticas Honda e Toyota que têm seus centros em fase de instalação. Hyundai
e Kia ainda têm atividades de pesquisa e desenvolvimento bastante discretas no Brasil.
Mesmo que as montadoras automotivas possuam atuação de nível mundial e
plataformas comuns ao redor do globo, algumas nuances alteram o comportamento de
determinados mercados, como o uso de etanol no Brasil. A característica tradicional do
mercado brasileiro é a adição de álcool à gasolina, que gera a necessidade de ajustes
mecânicos dos motores pelo álcool apresentar características físico-químicas que aceleram
o desgaste de peças desenhadas para o uso de gasolina apenas, como foi visto acima. Essas
soluções são razoavelmente bem conhecidas, devido à história brasileira no uso de álcool
combustível.
Por isso, o Brasil passou a sediar alguns centros de P&D automotivos voltados ao
uso de biocombustíveis (nomeadamente etanol e biodiesel) - por exemplo, Peugeot e
Renault - fato que também é válido para sistemistas - como os casos da Bosch, Magneti
Marelli e Mahle - e, também por ser um mercado atraente e garantido no que toca a esses
carburantes e ao tamanho do mercado interno. Além disso, o país já contava com uma
importante infraestrutura de distribuição e comercialização de álcool; portanto, o passo
adiante, com o flex fuel, não foi uma quebra, e sim uma continuidade. É interessante notar
38
que esses veículos passaram a receber vantagens tributárias, aos moldes que ocorriam com
os modelos anteriores ao álcool.
É válido reforçar o papel da indústria de autopeças e das sistemistas, pois a
tecnologia flex fuel está muito mais ligada à atuação delas em P&D, que dá origem a novos
produtos ou tecnologias que são aplicadas pelas montadoras. Nesse caso os fornecedores
têm papel fundamental no processo de inovação.
Este primeiro capítulo buscou realizar um panorama histórico do surgimento e
desenvolvimento dos automóveis, no mundo e sua entrada e consolidação no país, assim
como a utilização de álcool como combustível no Brasil, desde a chegada dos primeiros
automóveis, passando pelas experiências e tentativas de abastecer os veículos com o
derivado da cana-de-açúcar ainda de modo pontual, até chegar ao Proálcool e o ganho de
escala do combustível alternativo, experiência brasileira cujo episódio mais recente é a
introdução dos veículos flex fuel no mercado. De forma a continuar as análises e discussões,
prossegue-se com um resgate da história da tecnologia flex em si, além de um
posicionamento sobre a situação atual do setor automobilístico nacional, em termos de
desempenho econômico e com foco nas atividades de P&D privadas e públicas com vistas à
realização de melhorias na tecnologia flex fuel.
39
2. Ressurgimento do Etanol Automotivo no Brasil: desafios e
estratégias recentes dos veículos Flex Fuel
O presente capítulo tem por objetivo realizar uma análise sobre a conformação da
tecnologia flex fuel no Brasil, além de analisar o panorama do desempenho econômico do
setor automobilístico e dos resultados das atividades de pesquisa, desenvolvimento e
inovação (PD&I) tanto nas empresas quanto nas universidades e institutos de pesquisa no
país. Apresenta-se os movimentos iniciais em torno da iniciativa e da disseminação do
conceito flex fuel, que ao mesmo tempo que remete aos tempos do Proálcool, aponta
grandes diferenças, especialmente quanto ao comportamento dos atores envolvidos - as
empresas automobilísticas (montadoras e autopeças), o governo e o consumidor. Isso
porque, diferentemente do caso do carro a álcool, o veículo flex fuel foi introduzido no
mercado por meio da atuação das autopeças e montadoras, mas com grandes desafios -
superar os gargalos técnicos da mistura álcool e gasolina (e tudo o que isso significa) e
reduzir custos das descobertas e inovações (o sensor capacitivo, capaz de permitir o
reconhecimento do combustível antes da combustão tinha nos anos 2000 um custo de cerca
de US$ 100, que tornava seu uso restrito; no Brasil, ele continua a não ser utilizado uma
vez que encontrou-se uma solução mais simplificada e barata, por conta da reprogramação
da injeção eletrônica pelos dados captados através da sonda lambda). Por sua vez, o setor
público de pesquisa e desenvolvimento não estava preparado para enfrentar os desafios que
são exigidos quando o uso do conhecimento em estruturas já existentes, em que o novo tem
que se adequar ao antigo, com eficiência e garantindo retornos econômicos e ganhos de
posição nos mercados concorrenciais.
Para o desenvolvimento desta análise, esta parte da pesquisa está assentada em
levantamentos primários e secundários de dados. O levantamento primário diz respeito às
entrevistas realizadas com especialistas do setor automobilístico, cujo conhecimento e
trabalhos de pesquisa se estendem pelas distintas fases do processo de desenvolvimento dos
automóveis e motores. Já os dados secundários foram levantados junto à PINTEC entre os
anos 1998 e 2011, pesquisa de referência ou um survey sobre a inovação realizado pelo
IBGE. O foco maior da análise considera a indústria automobilística, também junto ao INPI
(Instituto Nacional da Propriedade Industrial), órgão brasileiro competente para análise e
40
concessão de direitos de propriedade intelectual (como patentes, marcas, desenhos
industriais e indicações geográficas), cujo foco esteve em um levantamento e análise de
patentes. Também foi realizado levantamento junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa do
CNPq, o qual reúne grupos de pesquisa acadêmicos brasileiros, reportando-se ao tema
veículos flex fuel.
Esses levantamentos de dados de diferentes ordens e assuntos visam cobrir um
maior espectro das atividades de PD&I no setor automobilístico, desde o investimento em
inovação, passando pela proteção da propriedade intelectual, alcançando o conjunto de
pesquisadores e grupos sediados em solo brasileiro e especializados na temática trabalhada
nesta dissertação. De modo mais pormenorizado, cada fonte de dado teve uma estratégia
para aquisição e análise das informações, as quais estão delimitadas na sequência deste
item.
O capítulo está estruturado em dois itens: o primeiro desenvolve uma análise sobre a
atuação das montadoras e autopeças, além dos conteúdos produzidos a partir da pesquisa
pública no país, com base nos dados e em entrevistas realizadas junto a especialistas; o
segundo item dedica-se aos dados secundários (é apresentada a metodologia adotada para a
realização de cada busca) e a respectiva análise dos dados coletados. Trabalha-se, assim,
com os resultados econômicos do setor e o investimento em PD&I a partir da Pesquisa de
Inovação (PINTEC/IBGE), bem como na proteção da propriedade intelectual de ativos com
consultas às bases do INPI e na organização da pesquisa acadêmica em etanol e motores
automotivos com os grupos de pesquisa cadastrados no DGP/CNPq.
2.1. O veículo flex fuel: evolução histórica e tecnológica
O início dos anos 2000 retratam um novo fôlego ao uso de álcool combustível no
Brasil, com a introdução no mercado automobilístico do primeiro modelo flex fuel. Este
item dedica-se a traçar um histórico desta tecnologia e as melhorias implantadas ao longo
do tempo; para isso utiliza-se os resultados de entrevistas realizadas além da análise do
funcionamento da tecnologia flex brasileira.
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas junto a especialistas no tema, para a
captação das percepções e experiências dos entrevistados, buscando uma compreensão mais
completa e abrangente do objeto em estudo. No total, realizou-se cinco entrevistas com
41
professores e pesquisadores de universidades públicas paulistas, parte deles com
experiências junto a montadoras e autopeças em projetos de desenvolvimento de produtos e
peças, parte com experiência no desenho de programas e projetos de pesquisa específicos
para etanol ou combustíveis alternativos, seja em órgãos de fomento à ciência e tecnologia
estaduais ou agências nacionais de regulação. Os entrevistados foram o Prof. Dr. Sérgio
Queiroz (DPCT/IG/Unicamp), o Prof. Dr. Amilton Sinatora (POLI/USP), Prof. Dr. Waldyr
Gallo (FEM/Unicamp), o Prof. Dr. Rogério G. dos Santos (FEM/Unicamp) e o Prof.
Francisco Nigro (POLI/USP). Essas entrevistas ocorreram nos primeiros meses de 2014.
As entrevistas versaram sobre quatro questões, a saber: gargalos técnico-científicos
para o aumento da eficiência dos motores flex fuel, experiências e competências brasileiras
para o desenvolvimento dessas tecnologias, interações das universidades com empresas, sua
efetividade e fragilidades, e por fim, mudanças recentes do marco regulatório com o
Inovar-Auto.
O item se divide em dois: o primeiro subitem tem por finalidade apresentar o
mercado criado com o lançamento da tecnologia flex no mercado nacional, além de uma
breve comparação com os Flex Fuel Vehicles norte-americanos; já o segundo trata das
nuances do funcionamento dos motores com os diferentes combustíveis ou misturas
possíveis à luz do marco conceitual levantado no início do trabalho.
2.1.1. 2003: uma novidade no mercado automobilístico nacional
Em março de 2003, uma nova etapa tem início, com a Volkswagen comercializando
o primeiro carro flex fuel no Brasil, com o Gol 1.6, dando novo fôlego à utilização de etanol
combustível. Ao olhar um dos problemas que causaram a desaceleração do Proálcool -
quais sejam, o aumento do preço do açúcar no mercado internacional, o recuo do barril do
petróleo e as decorrentes crises de desabastecimento de álcool combustível - a tecnologia
embarcada nos motores flex fuel soluciona o gargalo dos motores dedicados de modo
assertivo, ao possibilitar um funcionamento estável dos automóveis independentemente do
combustível, ou mistura, presente no tanque. Esse é um dos motivos da rápida difusão dos
modelos flex, como mostrado no Gráfico 2.1 abaixo. Guardada as devidas proporções da
escala de produção, a difusão dos carros a álcool e dos flex fuel tem uma curva inicial
bastante semelhante.
42
Gráfico 2.1 - Produção de automóveis por tipo de combustível, Brasil, 1970-2013
Fonte: Anuário Estatístico Anfavea 2014
Um paralelo com a tecnologia flex fuel brasileira são os flex fuel vehicles (FFV)
norte-americanos, surgidos entre a década de 1980 e 1990 e abastecidos prioritariamente
com uma mistura de 85% de álcool (primeiro metanol e posteriormente etanol) e 15% de
gasolina, conhecido atualmente por E85. Apesar de ser uma tecnologia mais antiga que a
nacional, a frota de FFVs é restrita (cerca de 10 milhões de veículos em uma frota superior
a 190 milhões de automóveis)21
e passa por importantes questões de distribuição do
combustível, dado que a infraestrutura de postos de abastecimento, por exemplo, não está
preparada para uma difusão maior desses automóveis.
Uma diferença básica da tecnologia flex fuel brasileira para os motores a álcool dos
anos 1980 está no sistema de alimentação de combustível. Os motores do Proálcool
contavam com carburadores, cujo controle de entrada de combustível é realizado de modo
mecânico (e em alguns casos uma combinação de mecânico e elétrico), enquanto que os
atuais motores flex contam com injeção eletrônica, cujo funcionamento básico está atrelado
a uma unidade eletrônica de controle (ECU) e aos softwares específicos de monitoramento
e ajustes do motor.
21
Dados do Departamento de Transportes dos Estados Unidos, disponíveis em
http://www.rita.dot.gov/bts/sites/rita.dot.gov.bts/files/publications/national_transportation_statistics/html/tabl
e_01_11.html
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Gasolina Álcool Flex Fuel
43
A tecnologia flex fuel brasileira está baseada na sonda que mede os gases
provenientes da queima dos combustíveis, conhecida por sonda lambda, cuja função é
medir a quantidade de oxigênio nos gases que passam pelos dutos de escape. Isso permite
que os ajustes eletrônicos ocorram de modo rápido e eficaz, proporcionando ao motor
funcionar mais próximo da curva ideal de consumo e rendimento, de acordo com a mistura
de combustível presente no tanque (GATTI, 2011; NASCIMENTO et al., 2009b). Tal
tecnologia é diferente dos FFVs americanos, que utilizam o sensor capacitivo, o qual
reconhece o combustível, ou a mistura, realizada na linha de alimentação antes da
combustão além da própria sonda lambda, esta tecnologia é mais avançada que a nacional e
aumenta a eficiência dos motores, mas com custos de introdução do sensor capacitivo ainda
elevados, tornando-se uma barreira ao mercado brasileiro.
A injeção eletrônica, desse modo, é capaz de adequar o regime de funcionamento do
motor em razão do acompanhamento de diferentes parâmetros e a partir de ajustes finos
(por exemplo, de temperatura, na mistura de combustível-ar, no ponto de ignição, etc.) que
resultam em melhores de desempenhos momentâneos e na redução das emissões de gases e
partículas poluentes. Este é um avanço que se difundiu no Brasil a partir da década de
1990, e junção desse novo aparato técnico nos motores com a experiência anterior com
álcool combustível se mostrou como um balão de ensaio perfeito para o desenrolar dos
veículos flex fuel nacionais (GATTI, 2011).
Como contexto e estopim para esse casamento acima sugerido, Nascimento et al.
(2009a) sugerem três condicionantes, descritos pelos próprios autores na sequência.
“A partir de então três fatos particularmente marcantes influenciaram a
intensificação do interesse no desenvolvimento da solução flex fuel. Em 1998, o
governo federal aprovou a Lei ‘Frota Verde’ que exigia a troca de toda a frota de
veículos oficiais para veículos a etanol em um prazo de cinco anos. Diversos
governos estaduais seguiram a mesma atuação com leis similares. Em 2000 foi
realizado pelo IPT (Instituto de Pesquisas tecnológicas - órgão estadual de
pesquisa e desenvolvimento) um seminário técnico voltado à tecnologia flex fuel
que reuniu todas as principais empresas do setor automotivo nacional e os
principais engenheiros dessas empresas para debates técnicos sobre a viabilidade
da solução flex fuel. Esse evento se tornou um marco na história da corrida
tecnológica do sistema flex fuel, pois houve muito compartilhamento de
44
conhecimento entre todos os presentes, inclusive com a demonstração de um
veículo GM-Omega 2.0 equipado com sistema flex fuel com sensor capacitivo
desenvolvido pela Bosch. Também por volta de 2000 o preço do etanol cai a
patamares mais viáveis para uso em grande escala como combustível nacional.
Esses três fatos deram o impulso definitivo para que as empresas do setor
automotivo intensificassem seus esforços de desenvolvimento da solução flex
fuel” (NASCIMENTO et al., 2009a, p.3).
Este momento, portanto, se mostrou bastante propício para a introdução e difusão
desta nova tecnologia em território brasileiro. De um lado, a iniciativa privada
(prioritariamente a indústria de autopeças e sistemistas) detinha a solução
técnica/tecnológica que tornava os veículos funcionais com os dois combustíveis (ou
mistura deles), com uma imagem positiva ao focar o flex fuel pela ótica ambiental. Do outro
lado, a academia tinha anseios de não se deixar esmorecer toda a dedicação em pesquisa e
no conhecimento acumulado, majoritariamente, desde década de 1970.
Nesse sentido, tem-se que a volta do etanol combustível com os automóveis flex fuel
em grande parte ocorreu por iniciativa privada, sem o estabelecimento de pressões de um
marco regulatório específico que forçassem um desenvolvimento tecnológico mais
aprofundado. Pode-se dizer, ainda, que a rápida difusão dos veículos flex está diretamente
relacionada à já citada infraestrutura disponível no que toca à distribuição e
comercialização de álcool, mas também no fato de corroborar com a ideia de que o não
aprisionamento ao combustível alternativo torna o veículo flex uma espécie de carro a
álcool com seguro e, assim, não há margem para desconfiança ou descrédito tanto do
automóvel quanto do combustível.
2.1.2. Tecnologia flex fuel: um autêntico processo de desenvolvimento tecnológico?
O desenvolvimento do veículo flex fuel pode ser considerado uma estratégia de
aproveitamento de oportunidades técnico-produtivas (à la Dosi), bem como da experiência
em álcool combustível anterior. Isso, mesmo com o fato da indústria automobilística no
Brasil apresentar largos traços de tradicionalismo, dado que os avanços tendem a ocorrer
em intervalos temporais de médio a longo prazos e em grande parte chegam ao mercado
45
como inovações incrementais22
, via pequenas melhorias que auxiliam no funcionamento da
máquina como um todo.
Historicamente, o Brasil não criou um motor a álcool nem mesmo durante o
Proálcool; este chegou ao mercado por uma série de adaptações dos motores à gasolina, em
mais um caso que se pode denominar de tropicalização - prática corrente no mercado
nacional, na qual as tecnologias desenvolvidas nas matrizes são adaptadas pelas filiais
brasileiras. Pode-se, na verdade, argumentar que no caso do veículo flex fuel não se trata
exatamente de um processo de tropicalização, dado que não se está importando a tecnologia
do exterior ou das matrizes das empresas do setor automobilístico, mas sim de um avanço
da engenharia automotiva nacional, a partir de um processo de desenvolvimento
tecnológico, no qual as atividades de PD&I são importantes. Não se trata de ruptura e a
base está mais assentada em atividades de Desenvolvimento e menos em atividades de
Pesquisa, mas de toda forma, é algo que vai além do trabalho rotineiro. Nesse caso, as
perguntas, os questionamentos, as barreiras e as oportunidades imprimem o avanço técnico-
científico das questões que envolvem a tecnologia flex.
Do ponto de vista dos projetos de motores, os produzidos para trabalhar com álcool
requerem uma construção mais robusta e reforçada; assim, são necessários materiais mais
resistentes, além de ajustes mecânicos que já são conhecidos, com o intuito de melhor
aproveitar o rendimento proporcionado pela utilização de etanol combustível. Nessa linha,
diferentes soluções podem ser empregadas para uma maior durabilidade do motor, sem
serem excludentes e por apresentarem viabilidade técnica, mas com restrições do ponto de
vista econômico pelo custo de adoção. Duas frentes de pesquisa estão ligadas aos
lubrificantes: óleos com menor viscosidade e novos materiais para a produção de válvulas e
sede de válvulas, bem como o redesenho desses componentes. São avanços e novas
posições que em última análise visam a aumentar a vida útil e o desempenho global dos
motores.
Igualmente, desgaste e dissipação de energia são pontos de interesse na pesquisa
sobre o consumo de energia, e os desafios que são colocados estão ligados a dificuldades do
trânsito em grandes cidades, quando o motor não é usado em plena carga, dadas as
22
Apesar da reversão deste quadro em alguns processos nos últimos anos, como demonstrado por Consoni
(2004) e Quintão (2008).
46
condições de mobilidade e de distâncias não grandes (o problema não está em casos de uso
de carros constantemente em estradas, mas sim no dia-a-dia de capitais - cujo tamanho da
frota é consideravelmente grande23
). Junta-se o fato de que os carros estão muito mais
robustos e pesados, o que influi fatalmente nos trade-offs quando se busca eficiência e
desempenho de uma nova tecnologia sem grandes alterações do design padrão da
manufatura. Assim temáticas de pesquisa que surgem vão na direção de diminuição do
atrito, cujo produto pode auxiliar na resolução dos dois problemas apontados. O espaço
para melhoria no rendimento global dos motores, e por tabela dos veículos, é
razoavelmente grande e tem-se uma noção bastante exata de onde focar atividades para este
fim.
Um desafio central no motor flex fuel é lidar com combustíveis que apresentam
diferentes características físico-químicas e, assim, necessitarem de ajustes distintos para o
pleno funcionamento, com um consumo de combustível aceitável e sem gerar acelerados
desgastes e defeitos na parte mecânica dos automóveis. Como mostrado anteriormente, um
motor de combustão interna possui duas características marcantes do ponto da energia: o
momento de geração e o posterior consumo de energia. Quanto ao consumo, afere-se o
trabalho útil e a perda da energia gerada sob forma de calor, ruído, vibrações etc. A redução
de perdas é central para melhorias na eficiência geral dos motores.
Do ponto de vista teórico, em motores de ciclo Otto uma maior eficiência energética
no ciclo termodinâmico está atrelada a maiores pressões de combustão e, portanto, à maior
resistência à detonação do combustível (octanagem), o que possibilita ao etanol maiores
eficiências energéticas. Já o consumo de combustível em km/litro depende, além da
eficiência energética, do poder calorífico do combustível e, nesse aspecto, o etanol, por
conter oxigênio em sua molécula, tem uma densidade energética menor (aproximadamente
1,42 litros de etanol hidratado para a mesma energia de 1 litro de gasolina C).
Em motores flex, o principal gargalo é como alterar a taxa de compressão efetiva
com os diferentes combustíveis para se obter um melhor desempenho específico quando se
23
Dois problemas emergem por esse tipo de utilização dos automóveis, o primeiro é conhecido por “ciclo
frio”, veículos que percorrem pequenas distâncias e assim não atingem a temperatura ideal de funcionamento
do motor, o que pode levar a formação de borra, espuma no óleo lubrificante, o que acelera o processo de
corrosão dos componentes mecânicos, o segundo é o “ciclo de marcha lenta”, veículos que passam a maior
parte do tempo em engarrafamentos e congestionamentos, assim mesmo com o motor na temperatura ideal
tem-se um maior desgaste por constantes trocas de marchas e a geração de problemas de lubrificação.
47
utiliza apenas um tipo de combustível. Assim, soluções sofisticadas, como cabeçotes com
ajuste variável ou o deslocamento de virabrequim, voltadas para um ajuste mais fino das
taxas de compressão, além do uso de turbocompressores, já foram testadas e são possíveis
de ingressarem no mercado como novos pacotes tecnológicos. Entretanto, a viabilidade
técnica esbarra no alto custo de adoção dessas novidades, cujo gasto se mostra proibitivo e,
portanto, economicamente inviável.
De modo resumido e para mostrar como esses detalhes são importantes ao
funcionamento mais adequado da tecnologia flex fuel brasileira quanto às taxas de
compressão e ao uso de gasolina e etanol, Nascimento et al. (2010) apresentam diferentes
tendências entre as montadoras, como no Gráfico 2.2, abaixo. Vale esclarecer que motores
com cilindradas unitárias maiores suportam menores taxas de compressão para
combustíveis de mesma octanagem.
Gráfico 2.2 - Comparação das Taxas de Compressão por montadoras no Brasil
Fonte: Nascimento et al. (2010).
Ao lado dessa discussão, e de modo não excludente, estão as possibilidades de se
redesenhar o sistema de admissão no intuito de aplicar a injeção de combustível
diretamente na câmara de combustão, técnica já utilizada em motores de alto desempenho
que diminui perdas e aumenta o rendimento, também, na aplicação de sistemas tipo
turbocharger, tecnologia que proporciona ganhos de eficiência e rendimento nos motores.
Segundo os especialistas consultados nesta última, para que se obtenha sucesso com sua
9
10
11
12
13
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VW GM Fiat Ford Renault PSA Honda Toyota Nissan
Otimizada para
Etanol
Otimizada para
Gasolina
Interme-diária
48
aplicação, necessita de motores mecanicamente mais robustos, caso dos projetos de motor
com 3 cilindros recém introduzidos no mercado nacional.
De todo modo, o ponto central está em que o desenvolvimento dos motores e de
diferentes mecanismos pode indicar os possíveis caminhos ou mesmo acelerar o processo
de mudança técnica. Uma questão de importância passa a ser, portanto, como realizar
atividades de PD&I mais focadas na tecnologia flex fuel, de modo a gerar melhorias
substanciais aos veículos produzidos e comercializados no país? Nota-se que o país passou
a sediar centros de P&D em biocombustíveis de grandes empresas, o que é um importante
indicador que há atenção nas atividades e no mercado automobilístico nacional. Os
diferentes levantamentos de dados realizados a seguir neste capítulo revelam que há
capacidade técnico-científica instalada no Brasil. Não há como negar um possível
descolamento das atividades industriais e da pesquisa acadêmica, mas mesmo assim se faz
necessário, novamente, enxergar o uso do etanol combustível como uma virtude e não
apenas uma maneira de se desvencilhar da utilização de gasolina na frota leve nacional.
Na sequência, a Figura 2.1, busca resumir a história tanto da indústria
automobilística, quanto da produção e utilização de álcool combustível no Brasil
delimitadas até este ponto do trabalho.
49
Figura 2.1 - Eventos sobre a indústria automobilística e a utilização de álcool combustível, Brasil, 1900-2014
Fonte: elaboração própria a partir de Bastin (2010), Fischetti e Silva (2008), Furtado et al. (2011), Shapiro (1994) e Rico et al. (2010)
• 1903 - Exposição Internacional de Aparelhos a Álcool
1900
• 1919 - Governo pernambucano declara o etanol com “Combustível Nacional”
• 1919 - Instalação da Ford
1910
• 1921 - Criação da Estação Experimental de Combustíveis e Minérios
• 1922 - Fundação da Dedini
• 1925 - Instalação da Chevrolet
1920
• 1931 - Criação da Comissão de Estudos do Álcool Motor
• 1931 - Adição obrigatória de 5% de álcool na gasolina
• 1933 - Criação do Instituto do Açúcar e Álcool (IAA)
• 1938 - Criação do Conselho Nacional do Petróleo
1930
• 1941 - Adição de 20% de álcool anidro à gasolina (Estado de Guerra)
• 1942 - Criação da Fábrica Nacional de Motores
• 1942 - Instalação da Delphi
• 1943 - Fundação da Codistil
• 1945 - Instalação da Vemag
1940
• 1951 - Prof. Urbano E. Stumpf inicia estudos sobre álcool combustível na Escola de Engenharia de São Carlos
• 1952 - Instalação da Willys-Overland
• 1953 - Instalação da Volkswagen
• 1954 - Instalação da Bosch
• 1956 - Criação do GEIA - Grupo Executivo da Indústria Automobilística
• 1956 - Venda do primeiro carro fabricado no Brasil pela DKW-Vemag
• 1956 - Instalação da Mercedes-Benz
• 1958 - Instalação da Simca, Toyota e Scania
• 1959 - Criação da Copersucar
• 1959 - Instalação da International Harvest
1950
• 1967 - Instalação da Chrysler
• 1969 - Criação do CTC
• Leis de Incentivo a Produção e Expansão da cultura canavieira
1960
• 1973 - Instalação da FIAT
• 1973 - Criação da EMBRAPA
• 1975 - Criação do Proálcool
• 1978 - Instalação da Magneti Marelli
• 1979 - Comercialização do primeiro veículo com motor a álcool pela FIAT
1970
• 1980 - Instalação da Denso
• 1986 - Mais de 90% dos automóveis produzidos foram com motor a álcool
• 1986 - Criação do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve)
1980
• 1993 - Bosch lança a tecnologia Flex Fuel
• 1997 - Instalação da divisão de automóveis da Honda
• 1998 - Instalação da Mitsubishi e Renault
• 1999 - Magneti Marelli desenvolve a tecnologia SFS (Software Flexfuel Sensor)
1990
• 2000 - Instalação da Citroen
• 2001 - Instalação da Nissan e Peugeot
• 2003 - Comercializado o primeiro automóvel Flex Fuel no Brasil pela Volkswagen
• 2007 - Instalação da Hyundai
• 2008 - Criação do Programa Brasileira de Etiquetagem Veicular (PBVE) pelo Inmetro
2000
• 2012 - Entra em vigor o Inovar-Auto, decreto presidencial que visa aumentar a eficiência energética dos automóveis até 2016
2010
50
Nota-se que tratar de álcool etílico como combustível não é novidade nenhuma no
país, uma vez no início do século XX já se buscava trabalhá-lo como carburante nos poucos
veículos que existiam no território nacional. Nesse sentido, então, muito já foi pesquisado e
aprendido para uma utilização mais eficiente e racional do derivado da cana-de-açúcar, mas
mesmo assim há melhoras latentes a serem realizadas, sobretudo na parte mecânica dos
automóveis.
Este primeiro item buscou realizar um panorama da tecnologia flex fuel, que traz
consigo mais de seis décadas de trabalho sistemático ao redor da utilização de álcool
combustível no Brasil. De forma a continuar o estudo prossegue-se com a situação atual do
setor automobilístico nacional, em termos de desempenho econômico e com foco nas
atividades de PD&I privadas e públicas que proporcionam melhorias na tecnologia ora
estudada.
2.2. Indústria Automobilística e Tecnologia Flex Fuel: avanços e desafios
técnico-econômicos da PD&I nacional
Este item tem por finalidade mapear os investimentos privados nas atividades de
PD&I, bem como as competências e os recursos humanos ligados às atividades acadêmicas
brasileiras, além da proteção de produções tecnológicas. Para isso, foram levantados dados
em diversas bases. Primeiramente junto à PINTEC entre os anos 1998 e 2011, que se
coloca como uma pesquisa de referência ou um survey sobre a inovação na indústria
brasileira, o foco maior da análise considera a indústria automobilística; também no
Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, que reúne grupos de pesquisa acadêmicos
brasileiros, também considerando o tema sobre veículos flex fuel; por fim e com destaque
maior na análise dos resultados e nas estratégias de proteção e atuação no mercado
nacional, um levantamento de pedidos de patentes depositados junto ao INPI, órgão
brasileiro competente para análise e concessão de direitos de propriedade intelectual.
Esses levantamentos de dados de diferentes ordens e assuntos visam cobrir um
maior espectro das atividades de PD&I no setor automobilístico, desde o investimento em
inovação, passando pela proteção da propriedade intelectual, alcançando o conjunto de
pesquisadores e grupos sediados em solo brasileiro e especializados na temática trabalhada
51
nesta dissertação. De modo mais pormenorizado cada fonte de dado teve uma estratégia
para aquisição de informações, as quais estão delimitadas na sequência deste item.
Para isso o item está estruturado em três subitens: inicia-se com um panorama dos
dispêndios e organização geral da PD&I a partir da PINTEC, passa-se para a composição
da pesquisa acadêmica em álcool combustível e motores automotivos no país e, ao final,
analisa-se a proteção de tecnologias com um levantamento de pedidos de patente no Brasil.
2.2.1. Desempenho Econômico das Atividades de Inovação - PINTEC/IBGE
Como forma de acompanhar o processo de inovação no setor automobilístico
recorreu-se à Pesquisa de Inovação24
, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(PINTEC/IBGE). Os dados estão disponíveis em 5 diferentes edições da pesquisa que
analisam o período entre os anos de 1998 a 2011.
Esta pesquisa é um survey da inovação no Brasil e tem por objetivo construir
indicadores setoriais específicos para as atividades de inovação das empresas sediadas no
país, além de focar fatores influentes no comportamento das tais atividades e nas estratégias
adotadas para este fim; também busca mostrar os incentivos e os obstáculos porque passam
esses atores no desenrolar do processo da inovação25
.
Para o contexto analisado, o foco está em quatro indicadores, a saber, i. dispêndio
total e do setor automobilístico em atividades de PD&I, ii. tipos de atividade e grau de
importância para o processo de inovação, iii. grau de novidade dos produtos e processos
inovadores e iv. nível de escolaridade e pessoal ocupado nas atividades com finalidade de
inovação. Essa seleção foi realizada com base nos trabalhos presentes em Negri & Salerno
(2005) e Consoni (2004) e tem por finalidade realizar um panorama geral da inovação no
setor automobilístico e não exatamente análises pormenorizadas com os mais diferentes os
dados disponíveis para o setor no survey supracitado.
De modo inicial à análise das atividades inovadoras nas empresas, a Tabela 2.1
abaixo mostra a evolução geral da PINTEC com o universo de empresas, o total de firmas
inovadoras e a taxa geral de inovação para os triênios referidos em cada edição da pesquisa.
24
As duas primeiras edições (2000 e 2003) recebiam o nome de Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica,
as edições de 2005 e 2008 passaram a ser Pesquisa de Inovação Tecnológica e a partir da última edição (2011)
o título se tornou Pesquisa de Inovação. 25
Mais informações disponíveis em http://www.pintec.ibge.gov.br/
52
Tabela 2.1 - PINTEC - Universo de Empresas e Taxa de Inovação, Brasil, 1998-2011
Triênio Universo de empresas
investigadas
Total de empresas
inovadoras
Taxa de
Inovação
1998-2000 72005 22698 31,5
2001-2003 84262 28036 33,3
2003-2005 91054 30378 33,4
2006-2008 100496 38299 38,1
2009-2011 128699 45950 35,7
Fonte: PINTEC/IBGE
Na PINTEC o setor automobilístico está agregado sob a classificação de “fabricação
de veículos automotores, reboques e carrocerias”, na pesquisa mais recente (2011) o setor
está subdivido em três atividades, a saber “fabricação de automóveis, caminhonetas e
utilitários, caminhões e ônibus”, “fabricação de cabines, carrocerias, reboques e
recondicionamento de motores” e, por fim, “fabricação de peças e acessórios para
veículos”. Assim, para as análises abaixo o foco maior está no agregado do setor, uma vez
que as demais subdivisões nem sempre estão presentes nos dados do survey para todo o
período estudado.
O investimento total em atividades inovativas alcançou, em 2011, a casa de R$ 64,9
bilhões e o setor automobilístico respondeu por mais de 10% do total. Parte fundamental
desse desembolso, praticamente três quartos, tem origem nas empresas montadoras. É
interessante notar no Gráfico 2.3, abaixo, que o montante correspondente ao setor
permaneceu estável nas últimas três pesquisas, enquanto o valor total praticamente dobrou.
Gráfico 2.3 - PINTEC - Investimento em Atividades Inovativas, Brasil, 1998-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
0
10
20
30
40
50
60
70
1998-2000 2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
R$ B
ilh
õe
s
Total
Setor Automobilístico
Fabricação de automóveis, caminhonetas, utilitários, caminhões e ônibus
53
Especificamente sobre as atividades internas de P&D, houve um ganho de
importância no período analisado. No ano 2000, a participação relativa estava na casa dos
17% do total investido em inovação, enquanto que em 2011 essa relação subiu para a casa
dos 30%. Um salto de R$3,7 bi em 2000 para R$20 bi em 2011, como mostrado no Gráfico
2.4 abaixo. Vale lembrar que este critério (atividades internas de P&D) está longe de ser o
mais importante quando se trata das atividades voltadas à inovação no conjunto das
empresas analisadas pelas diferentes PINTECs.
Gráfico 2.4 - PINTEC - Investimento em Total Atividades Inovativas e em P&D Interna,
Brasil, 1998-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
De modo geral, a taxa de inovação do setor automobilístico para a última edição da
PINTEC foi de 29,1. Se isoladas as montadoras automotivas, esse valor cresce e atinge a
casa dos 75,0. A discrepância entre os valores se dá pelo fato do universo de empresas
montadoras ser bastante restrito (total de 36 empresas), enquanto o universo das autopeças
é amplo (2.836 empresas), o que gera um forte viés no contexto de análise.
Um olhar mais atento sobre o setor automotivo revela um ritmo de crescimento mais
lento, inclusive com decréscimo na última edição da Pintec no desembolso em atividade
inovativas. Entretanto, houve uma realocação dos gastos e uma importância ainda maior
nas atividades de P&D interna é notada, com uma participação relativa crescente de 12,5%
em 2000 para 50% no ano de 2011, transformado em valores, o salto é de R$472 milhões
em 2000 para R$3,3 bi em 2011, ilustrado no Gráfico 2.5.
0
10
20
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1998-2000 2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
R$
Bil
hõ
es
Atividades Inovativas P&D Interna
54
Gráfico 2.5 - Setor Automobilístico - Investimento em Atividades Inovativas e em P&D
Interna, Brasil, 1998-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
Quanto ao investimento das montadoras, o gasto em atividade de inovação e a
participação das atividades internas de P&D podem ser conferidos no Gráfico 2.6, que
segue. O comportamento anteriormente sugerido, de maior importância da P&D interna
para o setor, está diretamente ligado a tais atividades, uma vez que a participação das
montadoras em relação ao total do setor automobilístico é bastante próxima dos três
quartos.
Gráfico 2.6 - Montadoras - Investimento em Atividades Inovativas e P&D Interna, Brasil,
2001-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
Um outro aspecto analisado é a importância das diferentes atividades que compõem
o processo de PD&I. Os dados permitem a divisão em 8 categorias, desde as atividades de
0
1
2
3
4
5
6
7
8
1998-2000 2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
R$
Bil
hõ
es
Atividades Inovativas P&D Interna
0
1
2
3
4
5
6
2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
R$ B
ilh
õe
s
Atividades Inovativas P&D Interna
55
P&D tanto internas quanto externas, a aquisição de conhecimento, o treinamento de
pessoal, a compra de novas máquinas e equipamentos, uso de novos softwares, a realização
de projetos industriais, além da introdução no mercado de novos produtos ou tecnologias. A
importância de cada uma delas pode ser conferida nos Gráfico 2.7 e Gráfico 2.8 que
seguem.
Gráfico 2.7 - PINTEC - Importância média das atividades inovativas, Brasil, 1998-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
Nota-se que para o universo das empresas inovadoras, a ênfase em atividades
inovativas está principalmente na aquisição de máquinas e equipamentos, seguida do
treinamento de pessoal e aquisição de softwares. É interessante notar que mesmo com um
desembolso relativo à quase um terço do total, a P&D interna é apenas a sexta colocada
dentro das atividades elencadas, como chamou-se atenção acima.
Esse quadro é ligeiramente diferente para o setor automobilístico (Gráfico 2.8), uma
vez que, mesmo mantendo a aquisição de máquinas e equipamentos e o treinamento de
pessoal como as atividades inovativas mais importantes, a P&D interna ganha destaque e é
a terceira atividade mais importante como fundo inovador para as empresas automotivas.
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3
Software
Projeto Industrial
Introdução no Mercado
Treinamento
Máquinas e Equipamentos
Aquisição de Conhecimento
P&D Externa
P&D Interna
1998-2000 2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
56
Além delas, a P&D externa e os projetos industrias têm importância acima da média entre
as empresas pesquisadas.
Gráfico 2.8 - Setor Automobilístico - Importância média das atividades inovativas, Brasil,
1998-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
Em geral, o que é preocupante nesta constatação é que o processo de inovação está
apoiado em sua maior parte em atividades que não às dedicadas à P&D, o que sugere que a
universidade e os institutos de pesquisa precisam situar-se de modo mais presente junto aos
atores privados. Entretanto, o inverso é mais verdadeiro ainda, ou seja, a empresa buscar
nas universidades e nos institutos de pesquisa base de apoio para a realização de atividades
“mais nobres” quanto à inovação. Porém, isso só será realidade se a inovação interessar às
empresas - não apenas às automobilísticas, mas ao conjunto de empresas no país
Quanto ao grau de abrangência da inovação (a partir da análise de uma pergunta:
“seu produto e/ou processo é novo para quem?”), o quadro em geral no país é muito
desolador, como pode ser visto no Gráfico 2.9 e pois nota-se que majoritariamente eles são
“novos para a empresa”. Isso demonstra que as empresas no país trabalham num nível
mediano de complexidade tecnológica e que muitas vezes a inovação já está disseminada
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3
Software
Projeto Industrial
Introdução no Mercado
Treinamento
Máquinas e Equipamentos
Aquisição de Conhecimento
P&D Externa
P&D Interna
1998-2000 2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
57
no mercado (local ou mundial) e a empresa é a última a introduzir a inovação - entretanto,
isso é considerado “inovação” pelo Manual de Oslo.
Gráfico 2.9 - PINTEC - Abrangência da inovação de produtos e processos para as empresas
inovadoras, Brasil, 1998-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
Guardada as devidas proporções de escala o Gráfico 2.10 mostra o grau de
novidades para as empresas do setor automobilístico, que apresentam comportamento
muito parecido com o universo das empresas inovadoras brasileiras levantadas pela
PINTEC, cuja ênfase está na introdução de processos novos para as empresas, seguidos de
produtos novos para as mesmas, para apenas depois chegarem em produtos novos para o
mercado nacional e, por fim, em novos processos para o mercado brasileiro.
Gráfico 2.10 - Setor Automobilístico - Abrangência da inovação de produtos e processos para
as empresas inovadoras do Brasil, 1998-2011
Fonte: PINTEC/IBGE
- 10 000 20 000 30 000 40 000
Novo para Empresa
Novo para o mercado nacional
Novo para Empresa
Novo para o mercado nacional
Pro
du
toP
roce
sso
1998-2000 2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
- 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Novo para Empresa
Novo para o mercado nacional
Novo para Empresa
Novo para o mercado nacional
Pro
du
toP
roce
sso
1998-2000 2001-2003 2003-2005 2006-2008 2009-2011
58
Como forma de fechar esta radiografia das atividades inovativas no setor
automobilístico, observa-se o pessoal dedicado aos processos de P&D internos e as
respectivas qualificações. A Tabela 2.2 revela os valores e a evolução no período entre
2000 e 2011.
Tabela 2.2 - PINTEC e Setor Automobilístico - Pessoal Ocupado nas Atividades Internas de
P&D, Brasil, 2000-2011
Ano Empresas Nível superior Nível
médio Outros
Total Pós-graduados Graduados
2000 Total 20 114 2 953 17 161 14 893 6 460
Setor Automobilístico 2 013 221 1 793 1 308 399
2003
Total 21 795 3 121 18 674 12 306 4 422
Setor Automobilístico 3 206 273 2 934 1 232 615
Montadoras 2 357 191 2 166 443 424
2005
Total 49 354 11 283 38 071 24 082 10 508
Setor Automobilístico 4 258 387 3 871 1 552 720
Montadoras 3 158 264 2 894 777 531
2008
Total 45 278 10 318 34 960 19 279 8 479
Setor Automobilístico 5 223 366 4 857 1 816 1 178
Montadoras 3 521 220 3 301 784 594
2011
Total 71 474 11 046 60 428 23 172 8 643
Setor Automobilístico 9 332 568 8 764 1 980 1 643
Montadoras 6 281 443 5 838 918 1 050
Fonte: PINTEC/IBGE
O setor automobilístico respondeu por cerca de 12,5% do total de empregados
dedicados à P&D do universo da PINTEC 2011, relação que se mantém próxima aos 10%
nas demais edições da PINTEC. As montadoras representam cerca de dois terços do pessoal
ocupado nas atividades inovadoras para o setor.
Com esta exposição geral sobre o setor automobilístico a partir dos dados de
investimento em atividades inovativas, nota-se uma evolução lenta (com um crescimento
mais orgânico que estimulado, ponto que é melhor explorado no capítulo 3 com as políticas
públicas para o setor) tanto no valor total investido, como no tipo de atividade realizada e
nos recursos humanos envolvidos nessas iniciativas.
Sugere-se, com isso, que a tecnologia flex fuel não impactou em grande escala as
atividades de PD&I na indústria de automóveis, através destes dados não aparenta haver
ocorrido mudanças na dinâmica setorial de inovação, até mesmo pelas características
59
técnicas da tecnologia desenvolvida em território brasileiro de aproveitar partes e peças que
já eram aplicadas nos modelos comercializados.
Frente a esta discussão sobre as atividades de PD&I realizadas no setor
automobilístico brasileiro, desenvolve-se a análise sobre os grupos de pesquisa brasileiros
no assunto ora abordado.
2.2.2. Grupos de Pesquisa
Os grupos de pesquisa foram buscados a partir de uma estratégia baseada em
palavras-chave em consultas realizadas no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq
(DGP/CNPq). O Diretório é um inventário dos grupos de pesquisa brasileiros e
disponibiliza diversas informações, como os recursos humanos envolvidos nas atividades
técnico-científicas, as linhas de pesquisa e especializações contidas no universo acadêmico
nacional26
, dentre outras. Portanto, é uma forma de mapear a massa crítica presente nas
universidades e institutos de pesquisa nacionais27
.
Abaixo estão os termos utilizados na busca pelos grupos. Como forma de
estabelecer um panorama sobre a pesquisa brasileira foi realizada uma busca abrangente,
indo além daqueles que trabalham especificamente com motores de combustão interna e
pesquisa voltada ao setor automobilístico, como mostrado na Tabela 2.3. Entretanto, a
análise mais aprofundada está centrada nas palavras-chave destacadas, quais sejam:
indústria automobilística, automóveis, engenharia automotiva e motores de combustão
interna.
26
Mais informações disponíveis em http://lattes.cnpq.br/web/dgp/o-que-e 27
É necessária uma ponderação no sentido das limitações do universo contido no DGP/CNPq, uma vez que
não há obrigatoriedade do pesquisador participar de um grupo cadastrado na base, assim incorre-se em uma
questão de que a massa crítica pode ser maior que a por ora analisada.
60
Tabela 2.3 - Palavras-Chave e Número de Grupos de Pesquisa cadastrados no DGP/CNPq,
por palavra-chave, maio/2014
Palavra-Chave Número de Grupos
Biocombustíveis 247
Bioetanol 43
Cana-de-Açúcar 88
Etanol 152
Agroenergia 34
Indústria Automobilística 6
Automóveis 2
Engenharia Automotiva 2
Motores de Combustão Interna 19
Total Geral 458
Fonte: elaboração própria a parir de buscas ao DGP/CNPq
Ou seja, o universo de grupos que é analisado de forma mais pormenorizada está em
25 grupos descontada a sobreposição das buscas. Os termos voltados mais as questões
agrícolas e agroindustriais foram utilizados como forma de montar um panorama sobre a
produção e utilização de etanol combustível, estas não refletem diretamente a pesquisa em
motores e tecnologias do sistema flex fuel, por isso não entraram no estudo final.
Na busca mais ampla, cuja motivação esteve em dar um panorama sobre a pesquisa
ao redor da produção e utilização de etanol, as principais áreas do conhecimento
encontradas foram engenharias, ciências agrárias, ciências exatas e terra, além das ciências
biológicas, quadro que pode ser conferido no Gráfico 2.11 que segue.
61
Gráfico 2.11 - Número de Grupos de Pesquisa por Grande Área do Conhecimento,
DGP/CNPq, 2014
Fonte: elaboração própria a parir de buscas ao DGP/CNPq
A ênfase maior neste recorte está nas atividades de pesquisa que tocam às etapas
agrícola, ou de modo mais completo agroindustriais, cujos avanços tendem a ser mais
contundentes àqueles realizados especificamente na utilização de álcool como combustível,
notadamente nos motores flex fuel. Isso não quer dizer que as mudanças ocorridas nos
automóveis na última década sejam menos importantes, e sim que a quantidade de recursos
humanos dedicados ao desenvolvimento de melhorias é menor.
Nesse universo de análise estão presentes 24 das 27 unidades da federação
brasileiras, e os estados que apresentam as maiores concentrações de grupos de pesquisa
são em ordem decrescente, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande
do Sul. A distribuição dos grupos no território brasileiro pode ser conferida na Tabela 2.4
que segue.
0
20
40
60
80
100
120
140
Nú
me
ro d
e G
rup
os
62
Tabela 2.4 - Número de Grupos de Pesquisa por Unidade da Federação, DGP/CNPq, 2014
Unidade da Federação
Número de Grupos
Unidade da Federação
Número de Grupos
São Paulo 104 Mato Grosso do Sul 9
Minas Gerais 56 Rio Grande do Norte 9
Rio de Janeiro 49 Goiás 8
Paraná 46 Mato Grosso 7
Rio Grande do Sul 26 Alagoas 7
Bahia 21 Ceará 6
Santa Catarina 20 Amazonas 4
Pernambuco 19 Sergipe 4
Paraíba 16 Pará 4
Distrito Federal 13 Piauí 3
Tocantins 12 Espírito Santo 3
Maranhão 10 Amapá 2
Total Geral 458
Fonte: elaboração própria a parir de buscas ao DGP/CNPq
Do ponto de vista institucional, a USP é a instituição que abriga o maior número de
grupos totalizando 27, seguida da UNESP com 25 e UFRJ com 20. A Unicamp sedia 7
grupos e é a décima ao se montar um ranking geral. A Tabela 2.5 revela as instituições e o
número de grupos presentes na pesquisa realizada.
Tabela 2.5 - Número de Grupos por Instituição, DGP/CNPq, 2014
Instituição Total de Grupos
Número de
Grupos Total de
Instituições
USP 27 9 Grupos 2
UNESP 25 8 Grupos 4
UFRJ 20 7 Grupos 2
UFV 15 6 Grupos 5
UFRGS 13 5 Grupos 6
EMBRAPA 11 4 Grupos 11
UFPR 11 3 Grupos 17
UFSCAR 10 2 Grupos 24
UTFPR 10 1 Grupos 45
Total Geral 458
Fonte: elaboração própria a parir de buscas ao DGP/CNPq
63
2.2.2.1. Grupos de Pesquisa em Automóveis e Motores
Especificamente sobre o recorte dos 28 grupos de pesquisa que trabalham
diretamente com as temáticas de automóveis, motores de combustão interna e o uso de
etanol como combustível tem-se um claro predomínio da área das engenharias ao olhar
esses dados com a lente das grandes áreas do conhecimento, como mostrado na Tabela 2.6
abaixo.
Tabela 2.6 - Número de Grupos de Pesquisa, Pesquisadores e Estudantes em Motores
Automotivos por Grande Área do Conhecimento, DGP/CNPq, 2014
Grande Área Grupos Pesquisadores Estudantes
Engenharias 23 171 197
Ciências Agrárias 1 23 6
Ciências Exatas e da Terra 1 9 4
Ciências Humanas 1 7 0
Ciências da Saúde 1 5 1
Ciências Sociais Aplicadas 1 4 1
Total Geral 28 219 209
Fonte: elaboração própria a parir de buscas ao DGP/CNPq
Em termos de recursos humanos dedicados aos assuntos de utilização de álcool
como combustível a Tabela 2.6 também revela um total de 428 indivíduos, dos quais são
219 pesquisadores e 209 estudantes. Como seria de esperar a concentração está na área das
engenharias seguido das ciências agrárias, cujo foco do grupo está nos temas de energia e
agricultura.
Assim como no universo trabalhado a concentração territorial dos grupos dedicados
aos motores e álcool combustível está primordialmente nos estados de São Paulo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. A íntegra das unidades da federação e
das instituições que sediam conjuntos de pesquisadores pode ser conferida na Tabela 2.7
que segue.
64
Tabela 2.7 - Grupos de Pesquisa em Motores Automotivos por Unidade da Federação e
Instituição, DGP/CNPq, 2014
Estado e Instituição
Grupos Estado e
Instituição Grupos
SP 6 PR (continuação) 4
FEI 1 UNIOESTE 1
UFSCar 1 UTFPR 1
UNESP 1 UTP 1
UNICSUL 1 RS 2
USP 2 UCS 1
MG 5 UFSM 1
CEFET/MG 2 SC 2
UFSJ 1 IF/SC 1
UFU 1 UFSC 1
UNIFEI 1 CE 1
RJ 5 UFC 1
PUC-Rio 1 DF 1
UFF 1 UNB 1
UFRJ 2 PA 1
UFRRJ 1 UFPA 1
PR 4 PB 1
UFPR 1 UFCG 1
Total Geral 28
Fonte: elaboração própria a parir de buscas ao DGP/CNPq
Por fim, o tempo médio de fundação dos grupos de pesquisa em motores
automotivos é de 11 anos, sendo o mais antigo criado no ano de 1987 e os dois mais
recentes em 2012. O pico está em 2002, ano anterior ao lançamento dos veículos flex fuel
no mercado, entretanto pelas entrevistas realizadas não é possível estabelecer uma relação
causal direta entre esse acúmulo de pesquisadores com a introdução daqueles no mercado
automobilístico nacional, uma vez que P&D das autopeças e montadoras teve maior
importância no período demarcado.
65
Gráfico 2.12 - Ano de Fundação dos Grupos de Pesquisa em Motores Automotivos,
DGP/CNPq, 2014
Fonte: elaboração própria a parir de buscas ao DGP/CNPq
As temáticas pesquisadas pelos grupos de engenharia passam pelos seguintes
conteúdos, novos materiais, tribologia (ciência do atrito), termodinâmica e eficiência
energética. Nas demais áreas focam em assuntos como desenvolvimento e política
industrial, energia, agricultura e impactos ambientais, e também na organização das
relações de trabalho.
Mais uma vez salienta-se que esta análise está subordinada aos grupos e
pesquisadores cadastrados no DGP/CNPq e que fazer parte desta base não é obrigação dos
professores, pesquisadores e estudantes das universidades e institutos de pesquisa. Isto de
modo algum exclui o que foi explorado no capítulo anterior, que analisou a história da
pesquisa brasileira em álcool combustível datada do início do século XX. Importantes
grupos de pesquisa de institutos de pesquisa, como IPT e INT, não apareceram nos
resultados e possuem pessoal dedicado ao estudo de álcool combustível anterior ao
Proálcool. Também nota-se a ausência ou números discretos para universidades como USP,
Unicamp, FEI e Instituto Mauá de Tecnologia. Ou seja, há mais capacitação e competência
no país no caso em questão e que não estão explicitadas em bases de dados como a do
CNPq.
Com esta situação dos grupos dedicados à pesquisa em motores automotivos, e dos
possíveis atores a serem encontrados na busca por produções tecnológicas, prossegue-se ao
item dedicado às patentes.
0
1
2
3
4
5
6
7
Gru
po
s d
e P
es
qu
isa
66
2.2.3. Proteção à Propriedade Intelectual no desenvolvimento da tecnologia flex fuel
Para compreender a dimensão e a experiência brasileira no uso de etanol
combustível, realizou-se um exercício de monitoramento tecnológico, o qual é um meio de
se revelar os processos de desenvolvimento e de mudanças tecnológicas sem perder de vista
os arranjos institucionais formados no desenrolar de tais atividades. É uma metodologia que
permite conhecer, sistematizar e acompanhar o avanço técnico-científico em qualquer que
seja a temática estudada.
A análise das trajetórias tecnológicas dos veículos flex fuel está apoiada em um
exercício de monitoramento tecnológico cuja base foi desenvolvida por Silva, Zackiewick
& Bonacelli (2005). Este método possibilita a interpretação de uma série de dados a partir
de indicadores de estrutura (ano de depósito, localização geográfica do depositante), de
conteúdo (classificação internacional de patentes - IPC, palavras-chave) e de competências
(número de inventores por patente, publicações técnicas, entre outros), procurando
desvendar o papel dos atores, mas, especialmente, a trajetória de invenções e as possíveis
inovações correspondentes. Neste trabalho foram utilizados indicadores de estrutura e
conteúdo nas análises realizadas adiante.
Do ponto de vista prático, o exercício se divide em quatro etapas, a saber: i.
definição de palavras-chave a partir de uma revisão bibliográfica, ii. análise crítica dos
dados de modo a conferir se os resultados obtidos estão alinhados com o escopo do trabalho
(buscas genéricas ou demasiadamente específicas geram resultados enviesados), iii.
construção de indicadores e iv. estabelecimento das formas de comunicação mais
adequadas dos resultados obtidos (com gráficos, tabelas, mapas, etc.).
Como forma de mapear as produções tecnológicas protegidas no país acerca de
motores flex, realizou-se um exercício de monitoramento tecnológico a partir de busca de
pedidos de patente no Brasil. Patentes são fontes muito ricas de informação e bastante
confiáveis quanto ao delineamento de trajetórias tecnológicas, contribuindo para o
entendimento do processo de difusão das tecnologias; além disso podem ser consideradas
como proxy de atividades de inovação. Silveira et al. (2011) apontam ainda a importância
das patentes como indicadores de inovações incrementais junto a uma tecnologia
dominante, ou seja, o desenvolvimento de trajetórias dentro de um paradigma tecnológico.
67
É válido colocar que as patentes têm abrangência apenas dentro das fronteiras
nacionais; portanto, o caso trata de um exercício de busca por tecnologias protegidas no
país. Resumidamente, para que uma carta patente seja expedida, três requisitos básicos
devem ser respeitados, quais sejam: i. novidade - é necessário que o artefato seja
substancialmente diferente de objetos já patenteados, disponíveis no mercado ou fruto de
conhecimentos tradicionais ou publicados; ii. atividade inventiva - que não seja algo óbvio
para um técnico no assunto; e iii. aplicação industrial - que possa ser utilizado ou produzido
em diferentes ramos industriais (BRASIL, 1996).
Para esse estudo foram pesquisadas patentes relacionadas à tecnologia flex fuel a
partir do ano 2000, recorrendo-se ao levantamento de informações de montadoras e
empresas do ramo das autopeças junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI), órgão responsável pela análise das solicitações e a expedição de cartas patente no
Brasil. A estratégia de busca englobou pedidos de patentes que possuam em seu título uma
combinação das palavras-chave: [motor ou combustão] e [identificação ou combustível ou
gerenciamento ou injeção] e NOT [diesel] - nos títulos dos depositados.
No total foram encontrados 489 processos, dos quais 276 estão em período de
análise (depósitos), 160 pedidos de patente arquivados (ou seja, não cumpriram os três
requisitos básicos) e 53 cartas patente expedidas. O número de pedidos de patente ao longo
desses anos está ilustrado no Gráfico 2.13, que segue. A queda que ocorre entre os anos de
2010 e 2011 pode ser inicialmente explicada pelo período de sigilo, que faz parte dos
tramites da concessão de patentes e que pode se estender por até dois anos após a data de
deposito do pedido.
68
Gráfico 2.13 - Pedidos de Patente por Ano e Situação da Solicitação no INPI,
Brasil, 2000-2011 Fonte: elaboração própria a partir de consultas ao INPI
Por se tratar de uma tecnologia que ganhou espaço no mercado, seria de se esperar
que o número se apresentasse com uma curva ascendente a partir de 2003, entretanto a
mesma morosidade vista tanto no investimento em PD&I com a PINTEC e no pessoal
dedicado à pesquisa é notado neste levantamento.
Os processos analisados provêm de 29 diferentes países e cerca de 90% do total dos
pedidos são de não-residentes no Brasil. A título de comparação, no montante global de
depósitos feitos no INPI, os pedidos de não-residentes estão ao redor de 70% no período
estudado28
. Esse aspecto será mais bem discutido abaixo.
Os países que mais solicitações realizaram foram os Estados Unidos (116 pedidos),
seguido de Alemanha (99 pedidos) e Japão (66 pedidos). O Brasil aparece em quarto lugar,
com 44 depósitos entre 2000 e 2010. A Figura 2.2, abaixo, destaca os países e o número de
pedidos de patente no INPI.
28
Dados disponíveis em http://www.inpi.gov.br/images/docs/patentesdepositadas_1998_2011.pdf, acessado
em 12 de junho de 2013.
0
10
20
30
40
50
60
70
Pe
did
os
de
Pa
ten
te
Arquivado Depósito Patente
69
Figura 2.2 - Pedidos de Patente segundo o País do Depositante no INPI, Brasil, 2000-2011
Fonte: elaboração própria a partir de consultas ao INPI
O primeiro aspecto que chama fortemente a atenção em relação à radiografia dos
pedidos de patentes na tecnologia flex fuel é quanto ao maior número de não-residentes
como detentores de pedidos de proteção de invenção no país frente a residentes.
É verdade que esse quadro segue o panorama geral de pedidos e concessões de
patentes de invenção no país e é verdade também que um panorama como esse é atípico em
países mais desenvolvidos, nos quais os residentes, geralmente, apresentam maior número
de solicitações e obtêm mais patentes que os não-residentes nos escritórios ou institutos
nacionais.
Isso se agrava em se tratando de segmento tão caro ao país, o uso de etanol
combustível, no qual, como visto acima, o país detém conhecimento deste o início do
século passado; tanto no que respeita a produção agrícola - baseada na cana-de-açúcar -
como no que respeita o desenvolvimento de motores flex.
Assim, a radiografia dos pedidos de patente no Brasil apontando para uma maior
atuação de não-residentes, sugere que o país, ao invés de estar à frente do desenvolvimento
tecnológico relacionado aos veículos flex fuel, funciona como um grande laboratório para
experimentos em etanol para companhias não nacionais. Talvez a vantagem que o país
pudesse ter quanto ao uso de álcool combustível em motores automotivos tenha sido diluída
nos anos mais recentes, com a difusão dos conhecimentos anteriormente gerados.
70
Ao categorizar os depositantes, há três grupos a partir da ótica da natureza das
instituições: empresas, pessoas físicas e universidades/institutos públicos de pesquisa.
Cerca de 90% dos pedidos de patente são provenientes de empresas privadas e de suas
atividades de P&D, outros quase 10% são majoritariamente de pessoas físicas (e
brasileiras) e a menor parte cabe a universidades e institutos públicos de pesquisa. Sobre
estes últimos, pedidos de patente que sejam provenientes de universidades e institutos
públicos de pesquisa totalizam apenas 5 processos: um de instituições brasileiras
(Unicamp), três de instituições americanas (North Carolina State University; University of
Texas; Pennsylvania's Commonwealth System of Higher Education) e um de instituições
francesas (Centre National de la Recherche Scientifique; Universite Claude Bernard Lyon
1). Ou seja, quando há participação de atores pertencentes a academia na atividade de
patenteamento estes são prioritariamente estrangeiros.
Especificamente sobre os 44 pedidos de patente de brasileiros, 13 processos foram
depositados por empresas, principalmente multinacionais de autopeças com filiais no
Brasil; 30 processos, a maior parte dos depósitos nacionais, são provenientes de pessoas
físicas e apenas 1 processo está diretamente ligado a atividades realizadas em universidades
públicas brasileiras. Esse quadro aponta para o fato dos depósitos de patentes serem
realizados por pessoas que não devem estar ligadas institucionalmente aos principais atores
envolvidos com o desenvolvimento de motores flex fuel no país (empresas, universidades e
institutos de pesquisas), baixando ainda mais as expectativas quanto à pertinência destes
conhecimentos virem a ser internalizados nos processos de produção da indústria e,
portanto, virarem inovação. O Gráfico 2.14, abaixo, apresenta esse contexto.
71
Gráfico 2.14 - Pedidos de Patente por Ano e Natureza Jurídica do Depositante no INPI,
Brasil, 2000-2011
Fonte: elaboração própria a partir de consultas ao INPI
Para uma análise mais detalhada, uma amostra de empresas foi selecionada por sua
relevância no setor automobilístico nacional e pelo número de pedidos de patente. A Tabela
2.8, abaixo, revela quais são.
Tabela 2.8 - Seleção de Empresas, País de Origem e Total de Pedidos de Patente
relacionadas aos motores flex fuel no INPI, Brasil, 2000-2011 Montadoras País de Origem N Autopeças País de Origem N
Honda Japão 27 Robert Bosch Alemanha 64
Toyota Japão 14 Magneti Marelli Itália 30
Renault França 6 Denso Japão 8
Scania Suécia 5 Delphi EUA 5
Volvo Suécia 4 MAHLE Alemanha 4
General Motors EUA 4 Mann+Hummel Alemanha 2
Volkswagen Alemanha 2 Honeywell EUA 1
Peugeot-Citroën França 1
Fonte: elaboração própria a partir de consultas às bases do INPI
Diferentes atores e diversas estratégias compõem as condições de contorno do
desenvolvimento dos motores flex fuel no Brasil. As montadoras mais antigas instaladas no
país (Volkswagen, Fiat, General Motors e Ford), quando possuem pedidos de patente em
motores flex, apresentam números menores frente às empresas automotivas japonesas, de
inserção mais recente no mercado nacional. Pode-se supor que estas possuem estratégias
mais agressivas no que toca às atividades de P&D de seus motores. Entretanto, este fato
pode indicar, pelo contrário, uma estratégia de defesa para uma tecnologia por eles
desconhecida e pouco explorada fora das fronteiras brasileiras, o que resulta num número
0
10
20
30
40
50
60
70
Pe
did
os
de
Pa
ten
te
Empresa Pessoa Física Universidade / IPP
72
mais alto de patentes frente a empresas instaladas há mais tempo no país e que, muitas
vezes, trabalham mais com avanços incrementais.
As empresas de autopeças, por sua vez, possuem dinâmicas distintas, de acordo com
seus principais produtos. Bosch, Magneti Marelli, Delphi e Denso desenvolvem tecnologias
de controle, reconhecimento e injeção de combustíveis nos motores, que podem ser
consideradas o coração do funcionamento dos flex fuel, enquanto Mahle, Mann+Hummel e
Honeywell desenvolvem peças específicas, filtros de combustíveis e dispositivos para
controle de emissões, ou seja, são produtos e estratégias diferentes. Considera-se, portanto,
que a tecnologia flex fuel se apresenta como um desenvolvimento mais induzido pelos
fornecedores (autopeças e sistemistas) que pelas montadoras.
Outro aspecto bastante interessante de ser apontado é que há duas estratégias de
desenvolvimento dos veículos flex fuel: uma capitaneada por montadoras automotivas e
suas próprias equipes de pesquisa e desenvolvimento, e outra que revela relações entre as
empresas de autopeças e montadoras. Tal contexto foi analisado por Gatti (2010) e
Nascimento et al. (2012), que realizaram estudos mais amplos sobre as interações entre
montadoras e autopeças29
e, a partir das entrevistas e da pesquisa de campo, construíram as
trajetórias dos motores flex fuel, possibilitando maiores elementos para o levantamento de
patentes pelo presente trabalho.
Com o intuito de melhor compreender essas relações, de interdependência ou de
independência, entre as montadoras e as empresas de autopeças no que toca ao
desenvolvimento da tecnologia flex fuel, foi realizada uma contagem de palavras nos títulos
dos pedidos de patentes nas empresas acima citadas. Tal método permite comparar as
temáticas das produções tecnológicas de acordo com a proximidade dos termos
encontrados. Termos semelhantes ou mesmo idênticos sugerem uma mesma trajetória no
desenvolvimento tecnológico, enquanto que termos díspares revelam diferentes abordagens
para o processo. Também esse levantamento permite afirmar as diferentes estratégias e
interesses dos diversos atores envolvidos com os veículos flex instalados no país. A Tabela
2.9, abaixo, compara a atuação das diferentes empresas por meio dos termos mais comuns
em seus pedidos de patente.
29
Entre as empresas entrevistadas estão Bosch, Magneti Marelli e Delphi; Volkswagen e General Motors;
Anfavea e Unica.
73
Tabela 2.9 - Seleção de Empresas e Termos Principais de seus Pedidos de Patente no INPI,
Brasil, 2000-2010
Empresa Ramo Termos Principais
Bosch AP Controle, válvula, aquecimento, determinação, alimentação
Magneti Marelli AP Controle, mistura, adaptativo, estimar, alimentação
Denso AP Controle, alimentação, controlador, verificação
Delphi AP Aquecimento, injetor, eficiência
Mahle AP Filtro, alimentação
Mann+Hummel AP Filtragem, suprimento, separação
Honeywell AP Remoção, regeneração, emissões, prolongar
Honda M Controle, relação, múltiplos combustíveis
Toyota M Controle, determinação, ignição, razão, identificação
Renault M Ignição, adaptação, diagnóstico, etanol
Scania M Injeção, transferência, alimentação
Volvo M Relação, combinado
GM M Partida, preaquecer
Volkswagen M Qualidade, combustíveis distintos
Peugeot-Citroën M Etanol, partida, alimentação
Nota: AP - autopeças; M - montadoras
Fonte: elaboração própria a partir de consultas às bases do INPI
A partir dessa análise, nota-se que as tecnologias patenteadas pelas montadoras
japonesas se aproximam bastante daquelas protegidas pelas empresas autopeças. Assim,
enquanto as montadoras mais antigas no país subcontratam as empresas de autopeças para a
realização da P&D voltadas às tecnologias dos motores flex fuel (software e sensor), as
montadoras japonesas se preocupam em realizar o desenvolvimento tecnológico
internamente. Comportamento o qual pode ser considerado mais fechado devido a sua
inserção mais tardia no mercado brasileiro, além disso existem diferentes atores das
indústrias autopeças tradicionalmente ligadas à Toyota e Honda que se estabeleceram
apenas mais recentemente no país, como o caso da Denso.
Assim, nota-se que as montadoras mais tradicionais (Volkswagen, Ford, Fiat e GM)
preocupam-se com problemas mais específicos, como a partida a frio e o preaquecimento
do combustível, este último uma forma de tornar os motores mais eficientes do ponto de
vista energético. Entretanto, como mostrado anteriormente, parte dessas questões já haviam
sido levantadas nos anos 70 durante o Proálcool. Nesse sentido o desenvolvimento
tecnológico automotivo ainda não sanou problemas apontados pelo prof. Urbano E. Stumpf
nas pesquisas realizadas no ITA e diretamente ligadas aos primeiros motores
especificamente desenhados para a utilização de etanol como carburante (STUMPF, 1978).
74
Os dados levantados não permitem o desenho de uma rede de cooperação clássica30
entre institutos de pesquisa, universidades e empresas, nem mesmo cooperação entre
empresas na investigação por patentes depositadas em conjunto. Esse fato pode apontar que
as parcerias formadas respondem majoritariamente por movimentos de desenvolvimento
em demandas específicas.
Essa constatação é preocupante, dado que nota-se baixos números e resultados em
atividades de desenvolvimento técnico-científico relacionado à tecnologia flex fuel, em um
país que se coloca como líder na difusão de carros flex. Portanto, reforça-se a necessidade
de um marco regulatório que dê valor ao uso de etanol frente à gasolina, no intuito de
desenvolver pesquisas de ponta e recursos humanos em temáticas claramente de interesse
nacional.
Uma possibilidade para explicar o baixo número de patentes relacionadas com
pesquisas públicas é que essas iniciativas ainda são recentes e seus resultados, se já
depositados como patentes, estejam dentro do período de sigilo. Entretanto depositar
grande esperança apenas em pesquisa, sem estimular uma maior ligação entre atores
públicos e privados, pode incorrer na permanência do quadro mostrado neste momento.
Como sugerido pelos termos mais comuns no título das patentes (Tabela 2.9) e
apoiado no trabalho de Gatti (2010), é possível esquematizar as estratégias de
desenvolvimento dos veículos flex fuel a partir da Figura 2.3, abaixo.
30
Para um exemplo de redes de cooperação em motores a álcool, ver Vazzoler, Bonacelli & Carneiro (2012).
75
Figura 2.3 - Relações entre Montadoras e Indústrias de Autopeças no desenvolvimento de
motores flex fuel
Fonte: elaboração própria a partir de Gatti (2010) e consultas ao INPI
A Figura 2.3 acima destaca, por um lado a interação entre as empresas de autopeças
com as montadoras mais antigas no Brasil, estas possuem relacionamentos mais antigos que
a tecnologia flex fuel, aparentando um alto grau de confiança entre as partes e que as
montadoras apostam que as empresas contratadas vão responder adequadamente as
demandas por novas tecnologias em motores flex - dado que se trata de empresas de
autopeças que já possuíam experiências anteriores com etanol.
Enquanto, as montadoras japonesas se colocam mais reticentes em contratar
terceiros já estabelecidos no país - mesmo empresas de autopeças desse calibre - não
abrindo mão de realizar as atividades de P&D para motores flex fuel com seus parceiros
tradicionais e mais novos para o mercado nacional. A não ser em casos específicos como o
Honda Fit (em uma aplicação experimental da tecnologia flex fuel desenvolvida pela Bosch,
segundo GATTI, 2010).
O mesmo autor, em seu levantamento sobre o desenvolvimento tecnológico dos
motores flex fuel em três autopeças (Bosch, Magnetti Marelli e Delphi), mostra o
movimento entre essas empresas no que toca ao pessoal qualificado e na troca de
informações. Resumidamente tem-se um grupo pequeno de profissionais capacitados no
76
tema, os quais podem ser mapeados ao longo do tempo através das diferentes empresas
porque passam. Os dados da PINTEC sugerem uma quantidade razoável de pessoal
ocupado em atividades de PD&I no setor, entretanto é válido ponderar que a tecnologia flex
fuel é um subsistema dentro de um objeto muito mais complexo que são os automóveis.
De modo crítico, o mapeamento dos investimentos em PD&I, a busca de patentes e
a interpretação realizada desses dados pouco se aproximam do desenvolvimento
tecnológico futuro esperado pelos especialistas entrevistados, no sentido da implantação de
sistemas de injeção direta e de turbocompressor. Tem-se que as proteções da propriedade
industrial levantadas referem-se aos produtos ou tecnologias já introduzidas no mercado e
não possibilitam uma análise prospectiva que esteja em consonância com as novidades
vislumbradas a partir dos levantamentos primários. Pode-se, portanto, considerar que está-
se aquém da fronteira tecnológica, um risco quando se olha o país como precursor na
utilização de álcool combustível em larga escala, qualidade e eficiência.
A análise do surgimento e da evolução da tecnologia flex fuel no país, baseada em
entrevistas e inúmeras informações e dados, procurou integrar diversos aspectos relativos
ao tema central desta pesquisa: o engajamento dos diferentes atores no processo, os
inúmeros gargalos técnicos e as formas encontradas para a superação deles - baseadas em
trade-offs e, portanto, constituindo as trajetórias tecnológicas do setor, as estratégias das
empresas e o posicionamento dos centros de pesquisa de universidades e institutos de
pesquisa, assim como as oportunidades técnico-econômicas estabelecidas pelas montadores
e autopeças do setor, o papel da proteção do conhecimento e dos avanços tecnológicos,
dentre outros. Entretanto, faltam elementos importantes para que a análise seja mais
completa: o contexto institucional, ou seja, aquele voltado ao posicionamento do Estado
brasileiro e do governo frente a todo o processo, notadamente a partir da constituição de um
marco regulatório nacional e de programas e políticas, que, acredita-se, poderiam ser mais
eficientes na consolidação da tecnologia flex fuel no país. Este é o assunto central do
próximo capítulo.
77
3. O Quadro Institucional: políticas públicas e seus efeitos
sobre o veículo flex fuel brasileiro
Pressões de diversas ordens atingem as atividades do setor automobilístico e as
formas de se direcionar o desenvolvimento tecnológico vão além da concorrência entre as
empresas montadoras e autopeças e suas respectivas atividades voltadas à inovação. A
abordagem neo-schumpeteriana do progresso técnico desenvolve uma concepção sobre o
tema, a partir da consideração de diferentes elementos que influenciam o processo de
evolução e, especialmente, de inovação técnico-científica. A partir da importância relativa
de diferentes elementos, procura-se entender a dinâmica do progresso técnico-científico e
econômico de um setor ou uma atividade econômica, considerando, entre outros, o peso da
inovação, o potencial e a importância da apropriação dos resultados das pesquisas e dos
investimentos, o comportamento do consumidor por determinados produtos e métodos, o
arcabouço do quadro legal e regulatório, entre outros elementos. Procura-se, assim entender
a dinâmica e os caminhos do progresso técnico e da inovação por meio dos trade-offs entre
esses elementos e a conformação das trajetórias técnico-econômicas que vão se desenhando
por caminhos mais ou menos perceptíveis, imbricados em um paradigma tecnológico.
Assim, ora se revelam avanços relacionados às estratégias privadas e ao
aproveitamento de oportunidades técnico-econômicas, ora pelo arcabouço legal e
programas governamentais de estímulo ou proibição de determinadas ações ou iniciativa,
ora ainda pela aprovação ou rejeição do mercado a novidades. De toda forma, as
movimentações institucionais só surtirão efeito caso sejam capazes de alterar a dinâmica
das empresas, rompendo inércias, abrindo oportunidades e/ou limitando estratégias e
projetos.
Kohler et al. (2009), por exemplo, colocam que as “empresas somente irão investir
em tecnologias de menor impacto ambiental e de maior custo caso haja um mercado que
lhes paguem um prêmio por esses produtos mais limpos (p.232)”, por outro lado elas
investirão em tecnologias desse porte por obrigação, via marco regulatório, por exemplo.
Uma ponderação necessária para relacionar esta literatura com o caso dos veículos flex fuel
brasileiros é que estes não são um nicho de mercado como os carros elétricos puros ou
mesmo os híbridos; portanto, o ganho extraordinário acaba por ser achatado, porém,
78
necessário (a tecnologia flex fuel não seria aplicada no Brasil caso houvesse um aumento
expressivo no valor dos automóveis - por exemplo, com a adoção do sensor capacitivo).
Além disso, questões que preocupam os autores tocam na criação de mercado e escala de
produção, as quais não se aplicam nessa análise pelo fato dos veículos brasileiros
comercializados serem mais de 90% flex fuel.
Mas mesmo assim, a tecnologia flex fuel no Brasil se coloca atualmente como
central para o mercado interno, mesmo que na prática o combustível mais utilizado no
momento seja majoritariamente gasolina, no sentido que até montadoras de veículos de
luxo31
têm desenvolvido e lançado modelos equipados com essa característica.
Após este preâmbulo, o Capítulo 3 está dimensionado em dois itens. O primeiro é
dedicado ao estudo das mudanças recentes na matriz energética mundial e nos avanços em
tecnologia proporcionados por esforços através de marcos regulatórios de casos
selecionados - dos EUA e o catalisador de três vias e do Japão e o carro elétrico. Tais
exemplos são emblemáticos da importância da pressão de quadros institucionais para a
evolução dos diferentes projetos. O segundo item tem por finalidade analisar a legislação
brasileira vigente e os resultados que são possíveis de se mensurar por meio de dados até o
momento; trata-se do Proconve (programa voltado para a redução de poluentes), do Inovar-
Auto (decreto presidencial que visa o desenvolvimento de veículos com maior eficiência
energética) e do PBEV (programa de etiquetagem veicular, o qual disponibiliza dados sobre
consumo, eficiência e emissão de poluentes por veículos automotores). Foi realizada uma
extensa análise de dados com base no PBEV, cujos resultados revelam melhorias nas
relações de consumo e na redução das emissões de poluentes.
3.1. O motor à combustão interna sob pressão e as implicações sobre as
trajetórias tecnológicas da indústria automobilística
Esse item procura destacar as preocupações com poluição, o consumo de
combustíveis, bem como fontes de energia que não o petróleo em relação às iniciativas
relacionadas com os automóveis. Inicia-se com uma discussão sobre matriz energética,
31
No início de 2014, a BMW lançou o primeiro veículo flex fuel turbo no Brasil. Espera-se que em 2015, a
Audi e a Mercedes-Benz desembarquem aqui com modelos também equipados com essas tecnologias. Mais
informações disponíveis em: http://quatrorodas.abril.com.br/carros/testes/bmw-320i-activeflex-774586.shtml
79
passa pela busca de novas fontes de energia sobretudo nos EUA e discute-se a queima de
combustíveis para transporte. A segunda parte dedica-se a discutir um panorama sobre
paradigmas alternativos aos motores de combustão interna e ao final faz-se uma análise das
experiências japonesa e norte-americana com os veículos elétricos e de baixa emissão de
poluentes.
3.1.1. Mudanças na matriz energética mundial
Como visto anteriormente, junto ao consumo de combustíveis, decorre a emissão de
poluentes e de CO2. Abaixo, na Tabela 3.1, encontra-se um recorte dos dados da Agência
Internacional de Energia para o ano de 2010 (IEA, 2012). Sob o ponto de vista do total de
emissões, o Brasil situa-se como o 15° país mais poluidor e nota-se que a maior parcela da
queima brasileira de combustíveis está ligada aos transportes, um quadro diferente dos
outros países por possuir fontes de energia elétrica “limpas”.
Tabela 3.1 - Emissão de CO2 por queima de combustível em países selecionados,
em toneladas, 2010
País Prod. Energia
Elétrica e Aquecimento
Ind. Transforma-
ção e Construção
Outros usos
industriais
Trans- porte
Modal Rodovi
ário
Outros Setores
Uso Resi-
dencial
Total de Emissões
de CO2
Alemanha 326,9 116,0 26,3 145,5 141,0 146,9 101,0 761,6
China 3 576,9 2 333,4 275,5 513,6 400,9 559,2 303,1 7 258,5
Estados Unidos
2 309,7 587,1 262,0 1 621,7 1400,5 588,2 321,7 5 368,6
Japão 463,5 249,8 44,0 222,7 201,1 163,1 60,8 1 143,1
Brasil 44,7 114,0 25,1 166,0 148,2 37,7 17,0 387,7
Total 12480,6 6186,4 1570,8 6755,8 4972,1 3282,6 1880,4 30276,1
Fonte: IEA - CO₂ Emissions from Fuel Combustion (2012)
Ao focar apenas a queima de combustíveis ligada aos transportes, o país sobe para a
6ª posição e esta situação corrobora com a ênfase dada ao transporte por rodovias (seja de
cargas ou individual).
Esse quadro seria mais defasado caso não houvesse conhecimento brasileiro em
etanol combustível, que se inicia por razões diversas à pressão ambiental, no início do
século XX com experiências por um combustível “nacional” e, na década de 1970 com o
Proálcool quando o álcool foi visto como uma saída viável à dependência externa de
combustíveis (STUMPF, 1978).
80
Por outro lado, esse quadro mostra um desafio a ser repensado quanto ao consumo
de combustível e a utilização de automóveis como principal meio de transporte. O tamanho
e peso dos veículos, os trajetos realizados, são questões de importância quando se coloca no
horizonte a durabilidade e confiabilidade dos motores. O tráfego das grandes cidades é um
complicador, pelo fato do regime do motor trabalhar fora da curva ideal;
congestionamentos podem levar à lubrificação deficitária e assim facilitar a formação de
borra e espuma no óleo lubrificante; outro problema é a temperatura do motor, que em
trajetos curtos fica abaixo do ideal e em trânsito pesado vai além do necessário. Questões já
conhecidas e com soluções técnicas razoavelmente simples disponíveis há tempo pela via
do mercado.
Em uma visão macro desta questão de urbanização, de veículos para transporte
individual e de uso de combustíveis, o desafio transpassa a otimização dos motores flex
fuel, no sentido de repensar o modal de transporte escolhido ao longo dos séculos XX e
XXI 32
. Na linha em que Newman e Kenworthy (1999) sugerem para o estudo dos fatores
que compõem o sistema de transporte de modo geral, conforme colocado na Figura 3.1,
abaixo.
32
Para uma discussão mais abrangente sobre a difusão do automóvel e mudanças no espaço urbano norte-
americano, sugere-se Weiner (2008); para críticas ao sistema de transporte individual, sugere-se Newman
(1999) e Vasconcellos (2012).
81
Figura 3.1 - Fatores que compõem o sistema de transporte
Fonte: elaboração própria a partir de Newman e Kenworthy (1999)
Assim, é válido repensar esse quadro geral sobre transportes, que possui os
automóveis como um dos pilares do sistema. Uma via está ligada às leis e normas que
regulam a produção industrial e, nesse sentido, nos dias atuais a indústria automotiva
brasileira é alvo de um marco legal de maior envergadura, que procura estimular o
desenvolvimento tecnológico em termos de segurança e de maior eficiência energética, com
o chamado Inovar-Auto. Entretanto, para analisar o uso de álcool combustível é necessário
compreender o contexto energético mais geral, tanto brasileiro como mundial.
Sobre a matriz energética global, mesmo com o arrefecimento da temática sobre
mudanças climáticas globais e sobre fontes alternativas de energia, nos últimos 5 anos
houve mudanças consideráveis. A principal delas toca à massificação do uso de gás de
xisto33
(shale gas) nos Estados Unidos em um prazo razoavelmente curto, dado que no
início dos anos 2000 menos de 1% do uso de gás natural nos EUA tinha como fonte o xisto
e que em 2010 essa relação passou dos 20%; projeções da US Energy Information 33
O gás de xisto não é um combustível automotivo significativo, mas por ser um substituto dos derivados do
petróleo que são usados para geração de energia elétrica, permite uma maior produção e a manutenção dos
preços da gasolina sem o aumento do consumo do óleo bruto.
Modal
e
Combustíveis
Tecnológicos
Eficiência dos veículos
Tipo de combustível
Econômicos
Custos
Margem de Lucro
Infraestrutura
Meio de Transporte (individual ou coletivo)
Disponibilidade e Qualidade dos
Serviços
Meio Urbano
Malha viária
Densidade populacional
Relação Centro-Periferia
82
Administration mostram uma tendência de se chegar a casa dos 50% até o ano de 2040
(EIA, 2013; STEVENS, 2012).
Ao lado disso, ocorreram importantes avanços quanto ao etanol de segunda geração,
com a intensificação das ações em PD&I e o sucesso de plantas pilotos, que levaram a
instalação de usinas com essa tecnologia, sobretudo nos EUA; em linhas gerais, com elas
são possíveis aumentos na produção de combustíveis sem o crescimento das áreas de
plantio (PODKAMINER et al. 2012, HERTEL et al., 2013). E as pesquisas norte-
americanas podem vir a ter reflexo direto sobre a experiência nacional na produção de
etanol da cana-de-açúcar, dado que, uma vez concretizados, esses novos processos poderão
ser capazes de reduzir as vantagens competitivas brasileiras construídas desde os anos 70
mais profundamente.
O panorama brasileiro ao redor do etanol até 2008 se mostrava bastante positivo; o
mercado do combustível fora retomado com o veículo flex fuel após um longo período de
declínio desde o final dos anos 1980, havia uma expectativa de que o etanol se tornaria uma
commodity, além do país se apresentar como o maior produtor e um expoente no avanço
tecnológico da produção de etanol de primeira geração. Contudo, o cenário de crise
econômica mundial, a crescente exportação de açúcar e avanços na exploração do Pré-Sal
levaram a um desinteresse pelo combustível da cana. Em um curto espaço de tempo nota-se
uma mudança, negativa, do setor sucroalcooleiro nacional, caracterizado por baixos
investimentos em novas tecnologias de produção agrícola e agroindustrial, não renovação
dos canaviais (e portanto, queda da produtividade agrícola), desestimuladas também por
políticas governamentais de manutenção do baixo preço da gasolina, apesar de sucessivas
altas do petróleo no mercado internacional.
Mas, mesmo com esse contexto desfavorável, algumas incertezas deixam
transpassar perspectivas para retomada do etanol: primeiro com a recuperação da economia
global e uma maior atenção às atividades do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas34), já que os cenários sobre mudanças no clima colocam uma
possibilidade crescente para a retomada de P&D relacionada aos combustíveis alternativos;
segundo pelo espaço ganho com o estabelecimento das tecnologias em escala produtiva
relacionadas à segunda geração de etanol; e por fim, por dúvidas quanto à sustentabilidade
34
Para mais detalhes consultar http://www.ipcc.ch/
83
do gás de xisto no sentido da instabilidade dos preços, do conhecimento deficitário sobre o
comportamento das jazidas (e o decorrente rápido esgotamento de poços), bem como pelo
desconhecimento de riscos ao meio ambiente no longo prazo (inclusive sobre a quantidade
de CO2 oriunda dos processos de exploração e utilização do gás).
A discussão vai além desse contexto macroenergético, uma vez que os veículos
automotores são um complexo à parte. Assim, na sequência analisa-se especificamente a
utilização de combustíveis em automóveis e algumas alternativas ao uso de gasolina já
realizadas em veículos.
3.1.2. Diferentes cenários e alternativas para além da gasolina
Diferentes powertrains e diversas misturas já foram testadas como possíveis
carburantes ou mecanismos de propulsão; exemplos passam por veículos híbridos, elétricos,
movidos à célula de combustível/hidrogênio (como mostrado na Figura 1.1 anteriormente),
os quais se colocam como alternativas ao uso de gasolina. Estas se enquadram como formas
de focar novidades, a busca por atividades tecnológicas extraordinárias com a capacidade
de gerar resultados e levar a mudanças no paradigma atual dos motores automotivos.
Assim, procede-se a um olhar mais detalhado sobre as vantagens e desvantagens de cada
uma dessas alternativas levantadas, a partir do estudo de MacLean e Lave (2003) e Schafer
et al. (2006).
Veículos híbridos caracterizam-se por unirem uma unidade de geração de energia a
um sistema de armazenamento de energia. Tipicamente agregam um motor de combustão
interna a grandes baterias que alimentam propulsores elétricos. Recupera-se parte da
energia gerada pelo motor em freadas para utilizar em momentos em que o consumo de
energia do carro está menor, parado em um semáforo, por exemplo. E por esta
característica de agregar partes de diferentes paradigmas tecnológicos, coloca-se como um
modelo de transição entre os motores de combustão interna e os carros elétricos puros.
Os carros elétricos puros, por sua vez, são construídos com base em motores
elétricos que utilizam a energia armazenada em baterias para gerar tração mecânica capaz
de movimentar os automóveis. Em termos de eficiência energética, esse paradigma
apresenta-se como uma solução muito à frente dos motores de combustão interna, uma vez
que a perda em calor chega a apenas 10% (enquanto nos motores de combustão interna
84
passa dos 50%). Entretanto, há dois importantes entraves para a difusão dos veículos
elétricos: as fontes geradoras de energia e as baterias de armazenamento de eletricidade.
Quanto às fontes primárias de energia, o que pode ocorrer é a transferência da emissão de
GEE para a geração ao invés da liberação via queima de combustíveis por automóveis;
quanto às baterias, diferentes trajetórias já foram exploradas (como íon-lítio e níquel metal-
hidreto), mas questões como o peso, custo, durabilidade e descarte ainda são gargalos
técnico-produtivos que carecem de soluções duradouras, segundo Schafer et al. (2006).
Na prática, os carros elétricos representam apenas um nicho de mercado, tal qual os
carros esportivos. As estimativas da frota elétrica mundial saltaram de 180 mil carros em
2012 para quase 400 mil veículos em 2013, entretanto esses valores ainda ficam abaixo da
casa 0,1% do total de automóveis ao redor do globo. Os estudos prospectivos de longo
prazo falam em uma frota de 20 milhões de veículos até o ano de 2020, que representaria
2% da frota global (IEA, 2013). É uma solução técnica e funcional, ainda longe de ser uma
rival aos motores à combustão interna no curto prazo, sem contar ainda com os veículos
híbridos que fariam essa transição entre os paradigmas.
Por fim, a célula a combustível pode ser considerada uma tecnologia promissora
para a substituição dos motores de combustão interna, pelo seu potencial de emissão zero
de poluentes. Sua estrutura básica de funcionamento é de um conjunto de células
eletroquímicas (cada uma composta por ânodo, cátodo e o um eletrólito). Diferentemente
das baterias dos veículos elétricos, que são fechadas, a alimentação das células a
combustível é aberta. Desse modo, diferentes combustíveis podem dar origem à geração de
energia e nesse ponto é que se explora o potencial de emissão zero de poluentes,
dependendo do combustível utilizado, pois mesmo a gasolina pode ser utilizada como fonte
energética. Mas se os veículos elétricos ainda estão longe como uma solução em larga
escala, a célula a combustível por si só necessita de mais tempo e dedicação em P&D para
se mostrarem reais alternativas, a não ser que esta tecnologia seja absorvida como um
sistema acoplado aos motores e veículos tradicionais.
Sobre a robustez do paradigma dos veículos com motores de combustão interna e
sua capacidade de absorver melhorias em diferentes sistemas, explora-se o trabalho de
Kohler et al. (2009), que apesar de uma crescente preocupação ambiental já nos anos 1970,
as montadoras norte-americanas procuravam introduzir no mercado modelos mais seguros,
85
confortáveis e com maior performance. Vale ressaltar que houve ganho de eficiência nos
automóveis e que esta foi uma resposta à regulação do governo estadunidense, mas que foi
camuflada pela escala de produção dos automóveis. O efeito colateral ocorrido foi que
menores consumos de combustível por um único automóvel levaram a um crescimento não
antes esperado da frota.
Em 1963, o governo norte-americano estabeleceu o Clean Air Act35
(revisada em
1967, 1970, 1977 e 1990) que trata diretamente do uso de automóveis e do limite de
emissões de carbono por motores de combustão interna. Nesse contexto se insere a
iniciativa dos Zero-Emissions Vehicles (ZEV), estabelecido em 1990, como forma de
controlar a emissão de carbono; assim a utilização de automóveis nos grandes centros
tornou-se um problema delicado. Essas medidas adotadas no estado da Califórnia,
sobretudo a partir da demanda pelos ZEVs, se mostram influentes nas decisões tomadas em
outros lugares ao redor do globo acerca de automóveis e emissão de poluentes.
Quanto à questão entre marco legal e mudança técnica, Lee et al. (2010) realizaram
um estudo sobre a influência do marco regulatório norte-americano e o avanço tecnológico
no controle de emissões de poluentes por automóveis via patentes e publicações técnicas.
Após um exame detalhado do material levantado, os autores concluem que o marco
regulatório mais específico foi capaz de viabilizar não só a introdução de tecnologias
voltadas para menores emissões de gases poluentes, mas no desenvolvimento de sistemas
em controle de emissões mais eficientes. E, assim, torna-se claro que os avanços mais
contundentes da indústria automobilística norte-americana a partir de meados dos anos
1960 foram estimulados por políticas públicas.
Outro exemplo, que data dos anos 1970 e pode ser compreendido como um paralelo
ao Proálcool é o dos carros elétricos no Japão o qual se inicia como um programa de
desenvolvimento liderado pelo governo local. E, por isso, desmembra-se esta experiência
de modo mais pormenorizado.
Ahman (2006) realiza um estudo abrangente sobre a experiência japonesa, iniciado
em 1971 o programa sobre veículos elétricos no Japão constituiu-se como um programa de
longo prazo, e suas metas foram revisadas com o passar do tempo e adequadas aos
problemas enfrentados durante o desenvolvimento. A coordenação cabia ao Ministério da
35
O conteúdo desta lei pode ser consultado em http://www.epa.gov/air/caa/index.html
86
Indústria e Comércio Internacional (MITI), além deste o Ministério dos Transportes e a
Agência para o Meio Ambiente detinham papéis importantes nessa construção institucional,
a Figura 3.2 ilustra a organização desses atores.
Figura 3.2 - Organização do Programa Japonês para Veículos Elétricos
Fonte: elaboração própria a partir de Ahman (2006)
Nesse contexto, o MITI trabalhou como um regente, uma espécie de conselheiro
que buscava estabelecer parcerias informais e não contratos ou obrigações, aparentemente
por se tratar de uma alternativa e não dos veículos dominantes no mercado automotivo.
Entretanto com a estabilidade do preço do petróleo o programa perdeu seu dinamismo
inicial até meados dos anos 70.
Como forma de reverter este quadro, o MITI intensificou sua atuação por meio de
três frentes de apoio: às atividades de P&D, à criação da infraestrutura para utilização e
recarga dos carros, e via subsídios e encomendas públicas de veículos elétricos ao visar a
criação de um nicho de mercado para estes.
É interessante notar que a política japonesa nesse período não focava estritamente o
apoio à P&D, mas estendia o financiamento na sequência das diferentes fases do processo
de desenvolvimento, da P&D aos testes de campo e projetos pilotos, até a introdução no
mercado e a tentativa de se difundir o carro elétrico.
Mesmo assim, até os anos 1990, a difusão desses veículos mostrou-se baixa e
despertou pouco interesse às empresas do ramo automotivo japonês. Um ponto de inflexão
foi a medida californiana do ZEV que, ao aumentar o mercado dos carros elétricos
87
estimulou as montadoras a acelerarem o desenvolvimento de seus modelos de baixa
emissão.
Especificamente sobre as três frentes de apoio acima citadas (P&D e demonstração,
infraestrutura e criação de mercado), segue um olhar mais aprofundado dos instrumentos de
política utilizados pelo governo japonês.
No que toca à P&D e demonstração, inicialmente foi criado um programa entre o
governo e as indústrias com a finalidade de se desenvolver um carro elétrico a bateria. O
intuito dessa aproximação era criar um consórcio voltado à P&D e um ambiente com
diferentes atores - indústrias de diferentes setores, universidades e institutos públicos de
pesquisa, além do próprio governo - norteados pelo MITI. Nesse sentido, as atividades
eram definidas pelo governo através de financiamentos específicos que induziam as
atividades de P&D e a interação entre os atores.
Dessas interfaces entre firmas ocorreu a criação de externalidades positivas, como
uma sólida base de conhecimento e spillovers de tecnologias, bem como a criação de novas
empresas de base tecnológica.
Após 1995 foram criados programas específicos para o desenvolvimento de carros
elétricos com célula de combustível e carros híbridos, ambos estavam fora do objetivo
inicial traçado pelo MITI. O carro híbrido, por sua vez, se mostrava como uma alternativa
de introdução imediata no mercado, já a célula de combustível era vista como uma
tecnologia portadora de futuro, nascente.
Quanto aos projetos voltados à infraestrutura, o montante de recursos destinado foi
o menor das três frentes, uma vez que os veículos elétricos deixaram de ser carros de
demonstração ou projetos pilotos para se difundirem em meados dos anos 1990. Nesta
época projetos de maior envergadura como o ECO-Station Project de 1993, que visava
construir 2.000 postos de recarga até a entrada dos anos 2000, passaram a ser realizados.
Por fim, ao focalizar a atuação do governo japonês nos mecanismos de difusão e
criação de mercados, no período inicial foram utilizadas ferramentas de redução de
impostos, leasing voltado a empresas que se dedicavam à coleta de dados, estudos de
viabilidade e para o estabelecimento de subsídios aos governos locais. Na década de 1990,
o governo japonês instituiu que 10% da frota pública deveria ser composta por veículos
elétricos (independente da tecnologia de propulsão) e houve uma mudança quanto à
88
realização dos leasings com o Programa de Incentivo à Compra de Veículos Elétricos à
Bateria (BPEV Purchasing Incentive Program de 1996): o governo passou a subsidiar 50%
o valor que ultrapassasse o preço de um veículo elétrico em relação ao seu similar com
motores à combustão interna tradicionais.
A experiência japonesa difere do Proálcool, pois não se tratava de um combustível
líquido alternativo aos derivados do petróleo (álcool x gasolina), mas também se mostrava
idealmente como uma quebra de paradigma em relação aos combustíveis fósseis. Essas
histórias descritas revelam diferentes situações que forçaram o desenvolvimento de novas
tecnologias, bem como o uso de fontes alternativas ao uso de gasolina.
Nesse sentido, ambos são programas baseados em estímulos governamentais para o
desenvolvimento de alternativas ao combustível e aos veículos tradicionais. Os dois
apresentaram resultados satisfatórios, mas uma ponderação é que o uso de álcool em larga
escala se tornaria viável por ser mais próximo da realidade da gasolina e não prescindia de
grandes investimentos para sua difusão. Assim, pode-se dizer que o Proálcool tem
resultados mais concretos que o veículo elétrico japonês quando se olha a frota decorrente
de cada um dos programas. Por outro lado, pode-se dizer que os veículos híbridos são
frutos dessa investida japonesa em carros elétricos puros, aliada as inciativas
governamentais da Califórnia.
O estímulo governamental, portanto, via programas especiais ou mesmo por marcos
regulatórios mais restritivos é um importante fator para o desenvolvimento de tecnologias
para os automóveis (Proálcool) ou mesmo veículos com sistemas inteiramente novos (carro
elétrico japonês).
Com o ferramental teórico das trajetórias tecnológicas em mente, além dos paralelos
internacionais em termos de políticas em tecnologias, veículos e combustíveis alternativos,
prossegue-se para um estudo mais pormenorizado de como os avanços políticos e
tecnológicos em termos de redução de poluentes, eficiência energética e consumo
ocorreram no Brasil.
89
3.2. O Quadro institucional voltado à indústria automobilística nacional
É válida uma ponderação, com base em Gallo (2012) e Nigro e Szwarc (2010), que
nos anos do Proálcool a menor liberação de gases poluentes pelo uso de etanol se fazia
evidente pela relação entre combustível e emissão de poluentes; mas com a introdução dos
catalisadores de três vias, a emissão, a partir dos anos 1990 de gases poluentes, é muito
semelhante independentemente do combustível (gasolina, etanol ou gás natural); a grande
vantagem ambiental do etanol de cana-de-açúcar está na menor emissão de gás de efeito
estufa (GEE) de origem fóssil (com uma redução estimada entre 60% e 90% quando
comparado à gasolina).
Desse modo, construir uma alternativa forte frente ao petróleo é uma tarefa
complexa e que demanda esforço. E o Brasil apontou que é possível substituir a gasolina
em larga escala a partir da década de 1970, com as produções tanto de etanol como de
motores a álcool. Entretanto, os veículos flex fuel brasileiros não são uma decorrência direta
dos modelos a álcool, dado que as tecnologias empregadas são distintas. Dos carburadores
para a injeção eletrônica à introdução de comandos eletrônicos, entre outras inovações,
pode-se dizer que as novas tecnologias empregadas revelam avanços.
Desta forma, do ponto de vista de emissão de poluentes, um motor utilizando etanol,
por mais ineficiente que este seja, libera uma carga muito menor de GEE do que um motor
abastecido com gasolina bem calibrado e de alta eficiência energética. Isso leva à reflexão
sobre quais caminhos a se percorrer no intuito de se estimular o avanço tecnológico, não
apenas tendo em mente a eficiência energética e a emissão de GEE, mas considerando-se o
limite da técnica (ou mecânica) dentro de cada projeto de motor e, certamente, o contexto
da indústria automobilística nacional, com tudo o que ela representa, como tratado até aqui.
Esse item está dividido em três partes: o primeiro trata da legislação relativa ao setor
automobilístico sobre a emissão de poluentes e o estímulo por veículos mais eficientes do
ponto de vista do consumo de energia; na sequência são analisados os dados relativos ao
esforço decorrente das restrições colocadas pelo marco legal, e ao final, tem-se
considerações sobre o futuro próximo da tecnologia flex fuel nacional com base nos dados
levantados e nas entrevistas realizadas ao longo do trabalho.
90
3.2.1. Políticas públicas e a redução de emissões
Com o intuito de reduzir a quantidade de poluentes emitidos pela utilização de
veículos automotores, foi estabelecido, em 1986, pelo Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores
(Proconve). O Programa passou a regular a quantidade máxima de poluentes gerada pelos
automóveis e foram limitados os seguintes gases: monóxido de carbono (CO), óxidos de
nitrogênio (NOX), hidrocarbonetos não queimados (NMHC), aldeídos, além de material
particulado. Nota-se que o CO2 não está nesta seleção pelo seguinte fato: o CO2 gerado
representa a oxidação completa do carbono; quando isso não ocorre haveria formação dos
demais gases anteriormente descritos, os quais são poluentes e tóxicos. Uma vez que o gás
carbônico está diretamente ligado à queima do combustível, as soluções encontradas para
menores emissões de CO2 são ou uma maior eficiência energética ou com o chamado
downsizing dos motores e dos carros, ou seja, veículos menores (em tamanho e potência) e
com melhor rendimento energético, mais adaptados ao uso urbano e de curta distâncias, por
exemplo (GALLO, 2012).
Mais especificamente, o Proconve foi ajustado ao longo do tempo, 6 diferentes
versões já foram realizadas e estima-se que a redução de poluentes com relação ao início do
programa tenha ultrapassado a casa dos 95%36
, como uma forma constante de estimular o
desenvolvimento de tecnologias que diminuam o impacto ao ambiente, mesmo que isso
tenha forçado a internalização de tecnologia desenvolvidas e utilizadas em outros países
primeiramente. Por exemplo, o uso de catalisadores se inicia nos EUA quase 10 anos antes
que no Brasil, e este só ocorreu por uma legislação restritiva, como o caso da Califórnia. E
nesse sentido, nota-se a adoção dos catalisadores de três vias no Brasil e um esforço maior
no sentido de reduzir a emissão de poluentes locais. As fases do Proconve e o limite de
emissões em cada uma delas para cada um dos poluentes já citados estão no Gráfico 3.1
que segue.
36
Mais informações e detalhes disponíveis em:
http://www.mma.gov.br/estruturas/163/_arquivos/ibama_cap_163.pdf
91
Gráfico 3.1 - Fases do Proconve e Limite de Emissão de Poluentes, Brasil, 1988-2014
Fonte: MMA (2011)
Nota-se, assim, que em termos de emissão de poluentes o avanço nos automóveis
pode ser considerado bastante efetivo. Outra forma de colocar em evidência essa questão é
que a partir de 2008 o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro)
passou a mensurar a eficiência energética dos automóveis populares a partir do Programa
Brasileira de Etiquetagem Veicular (PBVE), um “selo Procel” para veículos, por meio da
aplicação de questionários com as maiores montadoras no Brasil e de testes práticos com os
modelos selecionados pelas montadoras. Considera-se este um instrumento de política
efetivo, capaz de induzir melhoras na eficiência energética dos automóveis e de introduzir
tecnologias melhoradas nos veículos comercializados no país (BASTIN et al., 2010). Além
disso, serviu como trampolim para o estabelecimento de um novo marco regulatório,
específico para os veículos automotores.
O PBEV não é uma obrigação imposta às montadoras, seu funcionamento se dá por
adesão das empresas. Entretanto nota-se que o escopo do programa teve um crescimento
rápido mesmo em um curto espaço de tempo, cujo estímulo mais marcante ocorreu em
2012, pois uma forma para a montadora fazer parte do Inovar-Auto é ter os modelos e suas
respectivas versões avaliadas nessa sistemática. Assim, quando se analisa o número de
modelos e versões incluídos nas diferentes versões do PBEV tem-se o início com 54
0
5
10
15
20
25
30
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
L1 L2 L3 L4 L5 L6
g/K
m
CO NOx NMHC
92
modelos e versões em 2009 até chegar em um universo de 540 em 2014. A Tabela 3.2
abaixo procura mostrar essa evolução.
Tabela 3.2 - Total de Modelos e Versões no Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular por
categoria, Brasil, 2009-2014
Categorias 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Subcompacto 18 12 20 31 38 40
Compacto 25 17 17 62 84 108
Médio 7 13 11 34 63 94
Grande 3 12 17 29 111 75
Outras 1 13 18 49 152 223
Total 54 67 83 205 448 540
Fonte: PBEV - Inmetro
Em 2012, o governo federal, por meio do decreto presidencial 7.819/2012, instituiu
o Programa Inovar-Auto37
, nomeadamente Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica
e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, que busca desenvolver
tecnologias em território nacional para a obtenção de veículos com maior qualidade e
segurança, bem como motores que apresentem melhores eficiência do ponto de vista
energético.
Especificamente no que toca os motores, respeita-se as características de cada
montadora e de seus respectivos modelos, dado que a melhora é relativa ao modelo
comercializado no ano de promulgação do decreto. É um estímulo que atinge todos os
veículos por igual e não dá vantagens, em princípio, para nenhuma empresa e se aplica aos
modelos à gasolina ou flex fuel; o salto qualitativo necessário para atingir a meta e seu
respectivo bônus de menor carga tributária é uma melhora em 10% da eficiência dos
automóveis em relação aos modelos comercializados em 2011, ano que serve como linha de
base para a comparação e o traçado das metas para melhorias.
Para que uma montadora participe do Inovar-Auto e obtenha as vantagens fiscais é
necessário que esta cumpra diferentes requisitos, dentre os quais ter fábrica e atividades
produtivas no país (ou ao menos um projeto de instalação fabril em andamento), além da
necessidade de cumprir ao menos duas das três ações enunciadas na sequência, i. pesquisa e
37
Decreto 7.819 de 3 de outubro de 2012, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/Decreto/D7819.htm
93
desenvolvimento, ii. engenharia, tecnologia industrial básica e capacitação de fornecedores,
e iii. adesão ao Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular.
Considera-se como atividades de P&D i. pesquisa básica dirigida; ii. pesquisa
aplicada; iii. desenvolvimento experimental; e iv. serviços de apoio técnico. Como
engenharia, tecnologia industrial básica e capacitação de fornecedores: i.
desenvolvimento de engenharia; ii. tecnologia industrial básica; iii. treinamento de pessoal
de PD&I; iv. desenvolvimento de produtos; v. construção de laboratórios; vi.
desenvolvimento de ferramental e moldes, e vii. capacitação de fornecedores. Essas
atividades podem ser realizadas internamente ou por contratação de fornecedores ou via
contratação de universidades, institutos de pesquisa, empresa especializada ou mesmo com
inventores independentes; essas ações também podem ser em parte cobertas com recursos
do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Especialistas críticos ao Programa apontam que, conceitualmente, não é complexo
diferenciar as atividades de PD&I frente às de engenharia rotineira; entretanto a prática
pode enviesar os resultados no sentido de dar um maior peso a atividades cuja efetividade
não seja tão grande; assim, o marco regulatório poderia ter focado, e ao longo do tempo ter
fortalecido, ações cuja finalidade estivessem ligadas ao uso de combustíveis alternativos,
especialmente a tecnologia flex fuel. Um risco neste ponto está em se conferir os avanços da
PD&I frente ao que foi declarado para o programa e para o fisco.
Entretanto, uma questão controversa está em estimular, ao mesmo tempo, o
desenvolvimento de motores tanto à gasolina quanto flex fuel; essa preocupação ocorre pelo
fato dos motores dedicados a um único combustível terem uma maior facilidade para
ganhos de funcionamento e eficiência. Se não houvesse pressões, inicialmente pela
academia e também pelos consumidores, prioritariamente os motores dedicados
(basicamente a gasolina) receberiam maior atenção para o desenvolvimento tecnológico -
um risco presente sempre que se trata do avanço do uso de álcool combustível (ou de
qualquer alternativa ao petróleo). As estratégias de atuação das montadoras respeitam uma
lógica global e tendem a padronizar seus modelos e tecnologias embarcadas.
94
3.2.2. Evolução recente dos automóveis no Brasil: resultados do Proconve, PBEV e
Inovar-Auto
Tomando em consideração os programas discutidos acima, foi realizada uma análise
das informações que transpasse o resultado dessas alterações e desenvolvimentos tanto na
política quanto nos subsistemas, partes e peças para os veículos comercializados no Brasil.
Inicialmente são descritos os dados sobre emissão total de poluentes no Brasil, como forma
de revelar os avanços decorrentes do Proconve, e na sequência são tratadas as informações
sobre o PBEV tanto em consumo de combustíveis, eficiência energética e emissão de
poluentes de acordo com as categorias de veículos explicadas a seguir.
Os resultados do Proconve, com suas metas cada vez mais restritivas, estão
demonstrados no Gráfico 3.2 na sequência. Nota-se que são dados que versam sobre a
emissão total de cada poluente (CO, NOx e NMHC), além de CO2, para os anos contidos no
intervalo de 1980 a 2014.
Gráfico 3.2 - Emissão de poluentes por queima de combustível no Brasil,
milhões de toneladas por ano, 1980-2014
Nota: até o ano de 2009 os valores são reais, a partir de 2010 são dados estimados.
Fonte: MMA (2011)
No caso dos poluentes, a queda é considerável e marcante mesmo com um aumento
expressivo da frota automotiva nacional no período. Fruto do par formado pelos avanços do
marco regulatório e das mudanças tecnológicas, este pode ser um indicador de evolução das
0
1
2
3
4
5
Mil
hõ
es
de
To
ne
lad
as
CO NOx NMHC
95
tecnologias embarcadas nos veículos e dos caminhos traçados pelas trajetórias tecnológicas
cuja finalidade está em reduzir a emissão de gases poluentes.
Já para CO2 a questão é distinta e duas ponderações são necessárias para entender o
Gráfico 3.3 abaixo, que apresenta curvas ascendentes. Primeiro, há uma diferença básica
nas emissões cuja origem está na queima da gasolina e no etanol: o gás carbônico
proveniente do derivado do petróleo é chamado de CO2 fóssil, pois antes da queima ele não
era parte do ciclo curto de carbono, diferente do caso do CO2 do etanol que é
constantemente reabsorvido pela fotossíntese da cana-de-açúcar. Portanto, apesar de haver
emissão do gás no escapamento, seu efeito é diminuto para o sistema em geral. O segundo
ponto toca à utilização dos catalisadores de três vias cuja função passa por transformar os 3
gases poluentes supracitados em gás carbônico, que apesar de poder gerar efeitos como o
aquecimento global não é tóxico como os anteriores. Assim, o aumento das emissões de
CO2, representado fundamentalmente pelo uso de etanol combustível, não representa uma
piora da qualidade do ar nos grandes centros ou de efeitos negativos para o meio-ambiente.
Gráfico 3.3 - Emissão de CO2 por queima de combustível no Brasil,
milhões de toneladas por ano, 1980-2014
Nota: até o ano de 2009 os valores foram coletados, a partir de 2010 são dados estimados.
Fonte: MMA (2011)
De modo mais específico, foram tratadas as informações sobre o consumo de
combustível, emissão de poluentes e eficiência energética dos veículos flex fuel e dedicados
a partir dos dados provenientes do PBEV, disponíveis para os anos entre 2009 e 2014.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Mil
hõ
es
de
To
ne
lad
as
Gasolina A (CO2 fóssil) Etanol Hidratado (CO2 não-fóssil) Total
96
Basicamente, foram selecionadas quatro categorias de veículos de passeio, quais sejam: i.
subcompactos, ii. compactos, iii. médios e, iv. grandes. Essas categorias são estabelecidas a
partir do tamanho (área total da carroceria do veículo) e pela possível utilização dos
automóveis38
, de modo muito semelhante ao que ocorre nas avaliações veiculares realizadas
nos EUA e na Europa. Como informação adicional, a edição de 2014 do PBEV trabalha
com um total de 12 categorias além das quatro anteriores (as únicas a estarem presentes em
todas as demais edições), a saber: extra grande, carga derivado, comercial, fora de estrada,
minivan, utilitário esportivo compacto, utilitário esportivo grande e esportivo.
As variáveis selecionadas para comparação tocam ao consumo de combustível, a
eficiência energética e, por fim, a emissão de poluentes. A análise a seguir leva em
consideração a média de cada categoria quanto ao consumo de combustível (além do
comportamento dos veículos nos diferentes usos - cidade ou estrada), também, a eficiência
global dos modelos pode ser conferida por meio do consolidado das notas do PBEV, as
quais variam entre de A até E, onde A são os modelos mais eficientes e E os menos
eficientes. Por fim, a emissão de poluentes e gases de efeito estufa, medida em g/Km, dados
restritos aos anos de 2013 e 2014 uma vez que anteriormente a coleta destes não fazia parte
do PBEV39.
3.2.2.1. Veículos Subcompactos
Os veículos subcompactos, também conhecidos como a categoria de carros de
entrada, caracterizam-se por seu tamanho reduzido (área total do veículo de até 6,5 m²) e
carroceria do tipo hatch enquadram-se nessa categoria modelos como o Fiat Uno, Ford Ka,
Volkswagen up! e Nissan March. A ênfase desses veículos está nos motores de 1.0 litros
(1000 cc) flex fuel. A Tabela 3.3 abaixo revela quantos modelos e versões participaram nas
diferentes edições do PBEV.
38
Para mais informações e detalhes, consultar a portaria nº 377 de 29 de setembro de 2011 do Inmetro,
disponível em: http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC001739.pdf 39
Entende-se que para uma análise pormenorizada das classes, mais variáveis deveriam ser analisadas, como
peso, potência, formato da carroceria, procedência dos modelos, tecnologias embarcadas etc.. Entretanto essas
informações, quando disponíveis, são individualizadas. Assim, essa é uma aproximação do contexto geral
sobre consumo e eficiência dos veículos comercializados no país.
97
Tabela 3.3 - Número de modelos e versões na categoria Subcompactos do PBEV,
Brasil, 2009-2014
Ano 1.0 1.3 - 1.6
Total geral Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
2009 7 4 7
18
2010 8 2 1 1 12
2011 13 2 4 1 20
2012 25
6
31
2013 25 4 8 1 38
2014 30 4 5 1 40
Total geral 108 16 31 4 159
Fonte: PBEV - Inmetro
Ao olhar o comportamento pelo consumo dos veículos nas duas classes de motores,
nota-se, através do Gráfico 3.4 abaixo, que para os anos entre 2009 e 2012 a tendência é de
um melhor rendimento para os veículos dedicados; entretanto nos anos mais recentes essa
tendência é igualada pelos automóveis equipados com tecnologia flex fuel, o que dá indícios
de que esta tecnologia recebeu atenção especial em seu desenvolvimento por parte das
montadoras e autopeças.
Gráfico 3.4 - Consumo médio dos veículos Subcompactos, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
0
2
4
6
8
10
12
14
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Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Etanol Gasolina Etanol Gasolina
Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
1.0 1.3 - 1.6
Km
/L
2009 2010 2011 2012 2013 2014
98
De forma análoga, a partir do Gráfico 3.5 nota-se um crescimento no número dos
veículos flex fuel com melhores notas finais no PBEV frente aos dedicados ao uso de
gasolina nas edições mais recentes do programa. Evolução que fica patente com o fato de
que 70% dos modelos subcompactos equipados com motores de 1.0 litros na edição de
2014 receberem nota A no selo.
Gráfico 3.5 - Total de modelos Subcompactos por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
Em termos das emissões de poluentes e gases de efeito estufa os veículos
subcompactos apresentam, em geral, melhorias entre os anos 2013 e 2014 tanto para os
equipados com motores flex fuel quanto para os dedicados à gasolina, como mostrado na
Tabela 3.4 abaixo.
0
5
10
15
20
25
A B C D E A B C D E A B C D E A B C D E
Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
1.0 1.3 - 1.6
To
tal d
e M
od
elo
s
2009 2010 2011 2012 2013 2014
99
Tabela 3.4 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Subcompactos do
PBEV, Brasil, 2013-2014
Classe de
Motor Combustível Ano NMHC CO NOx
CO2fóssil - Etanol
CO2 fóssil - Gasolina
1.0
Flex Fuel 2013 0,0268 0,3864 0,0484 0,0000 99,4800
2014 0,0247 0,3258 0,0482 0,0000 98,2000
Gasolina 2013 0,0205 0,1795 0,0398 n/a 98,7500
2014 0,0243 0,2580 0,0288 n/a 98,7500
1.3 - 1.6
Flex Fuel 2013 0,0261 0,4029 0,0386 0,0000 109,1250
2014 0,0226 0,3980 0,0412 0,0000 112,8000
Gasolina 2013 0,0350 0,4780 0,0570 n/a 136,0000
2014 0,0260 0,1140 0,0540 n/a 109,0000
Fonte: PBEV - Inmetro
Lembrando que o PBEV não é uma obrigação, há montadoras que não são
participantes do programa; de todo modo qualquer veículo novo comercializado no Brasil
tem de seguir os padrões de emissão estipulados pelo Proconve. Essa evolução notada
acima reflete prioritariamente variações da quantidade de veículos avaliada de um ano para
outro (maior quantidade de veículos 1.0 flex fuel e decréscimo para os 1.3-1.6 dedicados à
gasolina) e não de modo direto uma adoção em escala de novas tecnologias para modelos já
comercializados e constantes nas demais edições do PBEV, uma vez que estes dados estão
disponíveis apenas para os dois anos do Programa.
3.2.2.2. Veículos Compactos
Os veículos compactos caracterizam-se pelo tamanho pequeno (ligeiramente maior
que os subcompactos, com área total da carroceria entre 6,5 e 7,0 m²) e em sua maioria
apresentam-se por modelos com carroceria do tipo hatch. Enquadram-se nessa divisão
modelos como o Volkswagen Gol, Ford Fiesta, Fiat Punto, Honda Fit, Renault Sandero,
Peugeot 208, entre outros.
A ênfase desses veículos está nos motores de entre 1.3 e 1.6 litros flex fuel, por mais
que alguns modelos apresentem versões equipadas com motor 1.0 com um preço mais
atrativo ao mercado. A Tabela 3.5 abaixo revela quantos modelos e versões participaram nas
100
diferentes edições do PBEV. Nota-se que os modelos dedicados à gasolina são importados
e com mercado restrito, uma das possíveis causas da não utilização da tecnologia flex.
Tabela 3.5 - Número de modelos e versões na categoria Compactos do PBEV,
Brasil, 2009-2014
Ano 1.0 1.3 - 1.6
Total Geral Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
2009 6
18
24
2010 4
11
15
2011 6
11
17
2012 16
45 1 62
2013 18
63 3 84
2014 25
78 5 108
Total Geral 75 0 226 9 310
Fonte: PBEV - Inmetro
Em termos de consumo de combustível, o Gráfico 3.6 revela uma tendência geral na
melhora da relação de quilômetros por litro. Nota-se também que nesta categoria a questão
de consumo, por si mesma, não é uma condição primordial para o consumidor, dado que
aceita-se gastar ligeiramente mais combustível em troca de um rendimento maior do
veículo, melhores retomadas e aceleração, por exemplo. Uma questão que começa ganhar
força e se apresenta de maneira mais profunda nas demais categorias acima desta é o
conforto.
Gráfico 3.6 - Consumo médio dos veículos Compactos, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Cidade Estrada Cidade Estrada Cidade Estrada Cidade Estrada Cidade Estrada
Etanol Gasolina Etanol Gasolina
Flex Fuel Flex Fuel Gasolina
1.0 1.3 - 1.6
Km
/L
2009 2010 2011 2012 2013 2014
101
Quanto à eficiência global, para essa classe de automóveis, os dados do PBEV
(Gráfico 3.7) revelam que os modelos variam primordialmente entre as notas A e B para os
anos mais recentes, as melhores notas dentre as cinco possíveis. Da mesma forma que nos
subcompactos, os modelos com motor 1.0 apresentam notas finais mais elevadas, cuja
maioria se estabelece no grupo A.
Gráfico 3.7 - Total de modelos Compactos por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
Quanto às emissões no escapamento, notam-se ligeiras mudanças tanto em termos
de discretas melhorias quanto levemente maiores emissões de poluentes. Na Tabela 3.6 na
sequência, nota-se que na faixa que contém mais modelos na categoria dos compactos,
referente aos veículos entre 1.3 e 1.6 cilindradas flex fuel, estão os maiores avanços na
diminuição da emissão gases poluentes no escapamento.
Tabela 3.6 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Compactos do PBEV,
Brasil, 2013-2014
Classe de Motor
Combustível Ano NMHC CO NOx CO2fóssil - Etanol
CO2 fóssil - Gasolina
1.0 Flex Fuel 2013 0,0223 0,3426 0,0307 0,0000 105,3333
2014 0,0256 0,3672 0,0308 0,0000 103,2800
1.3 - 1.6
Flex Fuel 2013 0,0252 0,3972 0,0336 0,0000 112,8095
2014 0,0212 0,3974 0,0334 0,0000 111,8718
Gasolina 2013 0,0213 0,4400 0,0423 n/a 121,6667
2014 0,0260 0,3128 0,0378 n/a 111,4000
Fonte: PBEV - Inmetro
0
5
10
15
20
25
30
35
A B C D E A B C D E A B C D E
Flex Fuel Flex Fuel Gasolina
1.0 1.3 - 1.6
To
tal d
e M
od
elo
s
2009 2010 2011 2012 2013 2014
102
Uma observação necessária é que essas taxas estão por vezes abaixo do teto
estabelecido pela regulação brasileira; com os limites atuais do Proconve40
, ao menos 50%
abaixo do estabelecido pela norma nacional. Assim essas pequenas variações de um ano
para outro podem não refletir um avanço anterior já estabelecido.
3.2.2.3. Veículos Médios
A categoria dos carros médios é composta por modelos como o Volkswagen
Voyage, Honda City, Hyundai i30 e Renault Logan; o predomínio está em modelos cuja
carroceria é sedan (área total do veículo entre 7,0 e 8,0 m²). Novamente, nesta categoria os
motores são em sua maioria entre 1.3 e 1.6 litros; como forma de transformar alguns
modelos mais atrativos pela via do preço final utiliza-se motores 1.0; quando a questão se
desloca para o quesito desempenho, os motores crescem para 1.8 e 2.0 L cujo desempenho
em força e velocidade é superior aos demais. Esses veículos são em sua maioria
importados. A Tabela 3.7 mostra o número de veículos e seus respectivos tamanhos de
motor e combustível utilizado.
Tabela 3.7 - Número de modelos e versões na categoria Médios do PBEV, Brasil, 2009-2014
Ano 1.0 1.3 - 1.6 1.8 - 2.0
Total Geral Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
2009 1
3
3
7
2010 3
7 2 1
13
2011 2
7 2
11
2012 5
29
34
2013 10
32 8
13 63
2014 10
42 6
36 94
Total Geral 31 0 120 18 4 49 222
Fonte: PBEV - Inmetro
Sobre os avanços de tecnologia e melhoria dos motores com foco no consumo de
combustível, a categoria dos médios não apresenta grandes saltos ou mesmo melhorias no
período estudado; tal estabilidade pode ser notada no Gráfico 3.8 que segue. Os ganhos
apresentados basicamente estão relacionados ao uso desses veículos em trechos de cidade,
40
A tabela de referência está no Anexo 2 e também no link http://www.ibama.gov.br/areas-tematicas-
qa/programa-proconve
103
cuja ganho de autonomia está é cerca de 4,5%; entretanto para o uso em estradas o
rendimento dos motores cai entre 3% e 4% para os motores entre 1.3 e 1.6L.
Gráfico 3.8 - Consumo médio dos veículos Médios, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
Essa melhoria mais lenta também se reflete no fato da nota B no PBEV ser
prevalecente na categoria dos médios, sobretudo nos que saem de fábrica equipados com
motores entre 1.3 e 1.6L flex fuel, principais modelos na categoria (Gráfico 3.9, abaixo). Tal
fato pode revelar espaço para melhorias no que toca à eficiência energética dos veículos
que compõem essa classe, apesar deste fator não ser preponderante pela via específica do
consumidor que utiliza esta classe de automóveis.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Cidade Estrada Cidade Estrada Cidade Estrada Cidade Estrada Cidade Estrada
Etanol Gasolina Etanol Gasolina
Flex Fuel Flex Fuel Gasolina
1.0 1.3 - 1.6
Km
/L
2009 2010 2011 2012 2013 2014
104
Gráfico 3.9 - Total de modelos Médios por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
A emissão de poluentes e gases do efeito estufa pelos veículos médios está na
Tabela 3.8 que segue. Em relação aos modelos subcompactos e compactos nota-se que há
uma maior concentração de poluentes, cenário que é fruto do tipo de veículo (maior e mais
pesado que os anteriores). Mesmo assim, há uma melhora geral dos modelos de 2013 para o
ano seguinte.
Tabela 3.8 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Médios do PBEV,
Brasil, 2013-2014
Classe de Motor
Combustível Ano NMHC CO NOx CO2fóssil - Etanol
CO2 fóssil - Gasolina
1.0 Flex Fuel 2013 0,0316 0,3764 0,0253 0,0000 104,8000
2014 0,0290 0,3950 0,0270 0,0000 105,4000
1.3-1.6
Flex Fuel 2013 0,0308 0,3438 0,0322 0,0000 112,3750
2014 0,0273 0,3750 0,0363 0,0000 113,4524
Gasolina 2013 0,0366 0,3541 0,0433 n/a 125,6250
2014 0,0208 0,2922 0,0530 n/a 111,6667
1.8-2.0 Gasolina 2013 0,0283 0,3568 0,0389 n/a 142,4615
2014 0,0211 0,1122 0,0263 n/a 162,1389
Fonte: PBEV - Inmetro
Destacam-se as menores emissões dos veículos com motores 1.8 até 2.0 litros por
um motivo: prioritariamente esses modelos são importados e se enquadram no mercado
voltado ao luxo; assim, por suas características modernas revelam que ganhos em termos de
0
5
10
15
20
25
A B C D E A B C D E A B C D E
Flex Fuel Flex Fuel Gasolina
1.0 1.3 - 1.6
To
tal d
e M
de
los
2009 2010 2011 2012 2013 2014
105
controle de poluentes já estão presentes no horizonte da indústria automobilística e que sua
incorporação e difusão nos veículos mais básicos no país é uma questão de estímulos e
regulação.
3.2.2.4. Veículos Grandes
Os carros que compõem a categoria dos grandes veículos em sua maioria são sedans
(com tamanho total da carroceria entre 8,0 e 8,5 m²); exemplos de modelos enquadrados
nesta classe são Ford Fusion, Honda Civic, Toyota Corolla e Volkswagen Jetta. A maior
parte desses veículos está equipada com motores flex fuel entre 1.8 e 2.0 litros, embora a
quantidade dedicada ao uso de gasolina seja mais expressiva que nas categorias anteriores.
A Tabela 3.9 revela a quantidade de modelos por ano e tamanho dos motores. Mais uma
vez, os modelos dedicados à gasolina em sua maioria são modelos importados, cujo foco
está no desempenho e na tradição dessas marcas.
Tabela 3.9 - Número de modelos e versões na categoria Grandes do PBEV, Brasil, 2009-2014
Ano 1.4 - 1.6 1.8 - 2.0 > 2.0 Total
Geral Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
2009
1
2 3
2010 2 3 4 2
1 12
2011 3 2 8 2
2 17
2012 4 11 12
2 29
2013 14 18 35 21
23 111
2014 10 10 36 18
1 75
Total Geral 33 45 95 43 0 31 247
Fonte: PBEV - Inmetro
Em termos de consumo, esta categoria é a que representa as menores relações em
Km/L, notadamente pelas características físicas desses automóveis ao serem maiores em
tamanho e peso, além de contarem com motores de maior tamanho. Também, é uma
categoria que contém modelos importados, que possuem diferentes tecnologias
embarcadas. Mesmo assim, nota-se que o desempenho em consumo dos veículos flex fuel é
superior do ponto de vista da economia de combustível aos modelos dedicados ao uso de
gasolina, fato que pode ser visto com mais detalhes no Gráfico 3.10 na sequência.
106
Gráfico 3.10 - Consumo médio dos veículos Grandes, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
Ao relativizar o consumo com outras variáveis para o cálculo da eficiência
energética dos veículos, nota-se que os modelos com motores maiores apresentam melhores
notas finais no PBEV. Vê-se no Gráfico 3.11 que dentro da classe dos grandes nas edições
mais recentes do programa de etiquetagem, o destaque para os veículos flex fuel está nas
médias A, além do fato de não haver nenhum modelo com etiqueta E; entretanto para os
dedicados à gasolina o resultado é inverso, com mais valores E no universo avaliado.
Gráfico 3.11 - Total de modelos Grandes por nota final no PBEV, Brasil, 2009-2014
Fonte: PBEV - Inmetro
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Cid
ad
e
Estr
ad
a
Etanol Gasolina
Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
1.4 - 1.6 1.8 - 2.0
Km
/L
2009 2010 2011 2012 2013 2014
0
5
10
15
20
25
A B C D E A B C D E A B C D E A B C D E
Flex Fuel Gasolina Flex Fuel Gasolina
1.4 - 1.6 1.8 - 2.0
To
tal d
e M
od
elo
s
2009 2010 2011 2012 2013 2014
107
Sobre os gases gerados com a utilização dos automóveis da categoria grandes, tem-
se uma tendência geral de melhora nas emissões de gases estufa e poluentes, como
mostrado na Tabela 3.10 abaixo.
Tabela 3.10 - Média de emissões de poluentes e gases estufa na categoria Grandes do PBEV,
Brasil, 2013-2014
Classe de Motor
Combustível Ano NMHC CO NOx CO2fóssil - Etanol
CO2 fóssil - Gasolina
1.4-1.6
Flex Fuel 2013 0,0294 0,5043 0,0296 0,0000 122,0714
2014 0,0295 0,4706 0,0233 0,0000 121,3000
Gasolina 2013 0,0252 0,2359 0,0318 n/a 132,5000
2014 0,0201 0,1430 0,0319 n/a 137,3000
1.8-2.0
Flex Fuel 2013 0,0234 0,3486 0,0268 0,0000 125,1714
2014 0,0219 0,4101 0,0227 0,0000 122,8889
Gasolina 2013 0,0298 0,3500 0,0227 n/a 153,3333
2014 0,0314 0,3848 0,0305 n/a 148,8889
>2.0 Gasolina 2013 0,0108 0,2698 0,0239 n/a 188,0870
2014 0,0100 0,1180 0,0100 n/a 129,0000
Fonte: PBEV - Inmetro
Assim como na categoria dos médios, os veículos equipados com motores maiores
(neste caso além dos 2.0 litros) apresentam emissões mais baixas em decorrência da
utilização de tecnologias mais avançadas e eficientes para mitigar os gases poluentes
gerados com a utilização de combustíveis fósseis.
Em geral, o que os dados mostram para as quatro categorias de automóveis é que
ocorreram melhoras tanto no consumo, quanto na eficiência energética e na emissão de
gases estufa e poluentes. Mesmo tendo em mente que o fato de ser mais fácil desenvolver
um motor dedicado, os veículos flex fuel demonstram uma melhor relação de consumo
Km/L para os subcompactos e compactos. Essa comparação pode estar enviesada por causa
do baixo número de veículos à gasolina, mas de toda forma é um fato considerável e a ser
levado em consideração na formulação de políticas específicas ao setor
3.2.3. Etanol e automóveis no Brasil: perspectivas e desenvolvimentos futuros
Grandes avanços técnicos e econômicos do uso de etanol combustível foram obtidos
a partir do desenvolvimento de novas variedades de culturas agrícolas (especialmente de
108
cana-de-açúcar), da introdução de inovações no processamento da matéria-prima (nas
usinas) e na produção de bens de capital deste setor (máquinas em geral), como visto e
discutido acima. Por sua vez, o desenvolvimento de motores automotivos foi um dos
campos em que pode-se apontar que houve mais inovações incrementais do que inovações
que dessem conta da importância do setor, fortemente realizadas por empresas
multinacionais - seja de autopeças, sejam montadoras.
As atividades de PD&I voltadas aos motores automotivos se mostram como o elo
mais frágil neste complexo de atividades, ou seja, as tecnologias voltadas à produção de
etanol, sejam agrícolas ou industriais, avançaram mais rapidamente que as primeiras.
Um exemplo disso encontra-se no Programa de Bioenergia da Fundação de Ampara
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Bioen/Fapesp). O Bioen estrutura-se em 5 linhas de
pesquisa, a saber: i. biomassa para bioenergia, ii. processo de fabricação de
biocombustíveis, iii. biorefinarias e alcoolquímica, iv. aplicações do etanol para motores
automotivos, e v. pesquisa sobre impactos sócio-econômicos, ambientais, e uso da terra. A
pesquisa direcionada para motores trabalha em cinco sub-linhas: i. ajuste da taxa de
compressão dos motores, ii. partida a frio, iii. novas configurações para motores, iv.
controle de emissões, e v. desenvolvimento de etanol com propriedades físico-químicas
adequadas a motores de ciclo Diesel. Em termos do número de projetos esta é a linha com o
menor número de apoios à pesquisa com apenas dois até o momento, depois de seis anos de
Programa. Uma ponderação necessária é que o programa financia pesquisa,
prioritariamente; os motores especificamente estariam melhor descritos nas etapas de
desenvolvimento.
Apesar da relevância do tema e da preocupação com as tecnologias relacionadas ao
uso de etanol, o baixo estímulo a essas atividades pode influenciar negativamente todos os
processos à montante, no sentido que motores pouco eficientes apresentam consumo mais
elevado de combustível e assim os ganhos agroindustriais anteriores acabam por ser
subutilizados. Assim, é necessário um marco regulatório que respeite as diferentes
características dos combustíveis e ajustes necessários para o funcionamento adequado, e
que dê de forma explícita vantagens ao uso de etanol.
Uma questão crítica está na concorrência. O Inovar-Auto, em sua construção,
manteve o mercado nacional protegido de veículos similares ao redor do globo por questões
109
de qualidade e restrições a modelos cujo apelo está exclusivamente no baixo custo de
aquisição. Entretanto, bloqueia o lado oposto também, o da introdução de tecnologias
inclusive mais avançadas. É válido lembrar da experiência norte-americana em automóveis
flex fuel e das diferentes nuances nas tecnologias adotadas para a identificação do
combustível presente no tanque (sensor capacitivo e sonda lambda) em relação aos veículos
produzidos no Brasil (sonda lambda).
Os avanços tecnológicos recentes podem ser vistos pela via do consumo de
combustíveis e estão na Erro! Autoreferência de indicador não válida., abaixo, a qual revela
uma melhora mais acentuada dos veículos flex fuel frente aos dedicados à gasolina quando
calculada a média anual para o período estudado a partir dos dados do PBEV. Esta
evolução tem de ser vista com algumas ressalvas para os modelos médios e grandes, uma
vez que modelos importados ou mesmo de alto valor estão presentes no cálculo. De toda
forma, são valores importantes em termos de comparação e servem como uma noção geral.
Tabela 3.11 - Evolução do Consumo Médio de Combustível, PBEV 2009-2014, em %
Classe de Motor
Combustível Subcompacto Compacto Médio Grande
1.0 Flex Fuel 1,74% 1,59% 0,60% -
Gasolina 0,05% - - -
1.3-1.6 Flex Fuel 1,16% 0,85% 0,08% 0,92%
Gasolina 1,39% -0,87% 0,17% 0,81%
Fonte: PBEV - Inmetro
Entretanto, o excesso de proteção do mercado automobilístico nacional
proporcionado pelo marco regulatório atual pode incorrer em um risco do país ficar a
reboque do exterior em uma tecnologia que ele se colocou como first mover. Um paralelo
disso não está muito longe e é a produção do etanol tanto na primeira quanto na segunda
geração, cujo principal ator hoje em termos de inovações em produtos e processos são os
EUA.
Com a introdução de novos motores, sobretudo dos três cilindros nos automóveis
comercializados, o Brasil tem uma importante chance de protagonizar o desenvolvimento
de tecnologias de alto desempenho para o etanol, inclusive com a introdução de turbo-
compressores e de injeção direta na câmara, cujas tecnologias são tidas como importantes
saltos em um futuro próximo pelos especialistas ouvidos no decorrer do trabalho.
110
Salienta-se, com base na experiência internacional, a necessidade de um arcabouço
regulatório abrangente que estimule o desenvolvimento tecnológico, com metas ousadas e
de longo prazo, uma vez que diferentes oportunidades surgem ao longo do
desenvolvimento das trajetórias traçadas. Um exemplo disso está no carro elétrico japonês,
cuja meta inicial estava no desenvolvimento dos carros elétricos puros; entretanto o fruto
mais promissor está nos veículos híbridos, que em grande parte decorreram deste
desenvolvimento anterior.
111
Conclusões
Retoma-se aqui as perguntas colocadas no início do trabalho e confere-se a
pertinência das hipóteses delimitadas. Também, espera-se colaborar com algumas reflexões
sobre o contexto tanto das atividades de PD&I quanto legal que influenciam as trajetórias
dos veículos flex fuel no país.
A partir do arcabouço conceitual evolucionista, sobre trajetórias tecnológicas, nota-
se ser possível compreender a experiência brasileira em álcool combustível como um
processo evolutivo, cujo início se dá no começo do século XX, após a instalação da
indústria nacional, passando pelo Proálcool nos anos 1970 e, por fim, alcançando os anos
2000 com a difusão da tecnologia flex.
A primeira pergunta a ser respondida com este trabalho é qual a influência do
conhecimento gerado no período do Proálcool para a conformação da tecnologia flex
brasileira? No início, resgatou-se que o investimento na tecnologia flex fuel não ocorreu ao
acaso no Brasil, no sentido dessa importante história em P&D em álcool combustível, que
se fez como uma evidente base frutífera para tentativas que dessem continuidade, ou
modernizassem competências já adquiridas. Nesse sentido, então, um conhecimento dos
pontos críticos para o desenvolvimento dos motores e dos sistemas de alimentação de
combustível que funcionassem com etanol já fazia parte da realidade da indústria
automobilística nacional. De modo mais recente, a instalação de centros de P&D em
biocombustíveis de montadoras e autopeças no país é uma mostra que o Brasil se
consolidou como uma referência mundial para a utilização de etanol. Portanto, é viável
compreender que o país possui uma base técnica mínima que sustenta o desenvolvimento
tecnológico voltado aos motores flex fuel. É válido, também, destacar que a tecnologia flex
fuel é um desenvolvimento mais próximo das autopeças e sistemistas que das montadoras;
portanto podemos considerá-la como induzida pelos fornecedores.
Quanto às duas hipóteses que permearam a pesquisa, as quais dizem respeito mais
especificamente ao contexto nacional, têm-se as considerações estão desmembradas de
modo particularizado.
A primeira hipótese foi trabalhada no sentido que a tecnologia flex fuel reflete a
concepção de avanço do conhecimento por meio do desenrolar de trajetórias tecnológicas,
112
que por sua vez encarnam a evolução de trade-offs, especialmente, entre eficiência dos
motores, desempenho dos automóveis e emissão de poluentes. Para compreendê-la,
portanto, pode-se resgatar a difusão do automóvel, como ele é produzido até os dias atuais
(chassis de aço ligado a um motor de combustão interna) e as melhorias introduzidas ao
longo do tempo, como a injeção eletrônica, o catalisador de três vias, e inclusive a
tecnologia flex fuel.
Também é válido compreender os avanços institucionais e seus resultados, e assim
nomeia-se especificamente o Proconve e o PBEV, haja vista os resultados demonstrados na
parte final da presente pesquisa com base nos dados de ambos programas, que revelam
melhores indicadores de consumo e menores índices de emissão de poluentes por
automóvel. Confirma-se o avanço tanto da técnica ou das tecnologias adotadas quanto do
conhecimento de novos materiais ou design de componentes. Desse modo, esta primeira
proposição pode ser confirmada.
Especificamente sobre a segunda hipótese, que nem a concorrência interna do setor
nem o vigente marco regulatório aos automóveis tem servido para estimular uma mudança
mais profunda na tecnologia flex fuel desenvolvida e empregada pelas montadoras e
sistemistas no país, mesmo com a constituição do Inovar-Auto, nota-se uma aderência
considerável com os dados levantados e analisados, do mesmo modo com os resultados das
entrevistas realizadas.
Os dados da PINTEC revelam uma estagnação dos investimentos em PD&I no
setor, bem como as buscas ao DGP/CNPq mostraram um universo restrito de pesquisadores
e mesmo de grupos no tema. A produção tecnológica, medida via pedidos de patente no
INPI, sofreu muito pouca variação no período estudado, transparecendo que o fato da
tecnologia flex fuel ser funcional acaba por conter os avanços mais contundentes que já
poderiam ter ocorrido. O Inovar-Auto, nesse sentido, não representou uma ruptura com as
atividades que já eram descritas pelas montadoras e autopeças, ou seja, a tecnologia flex
não modificou a dinâmica da inovação no setor automobilístico brasileiro. Portanto, a
segunda hipótese também foi verificada como correta frente aos dados e percepções
coletadas e analisadas durante a pesquisa.
Por fim, responde-se a segunda e última pergunta colocada sobre qual a influência
do marco regulatório atual para o avanço tecnológico dos motores flex fuel, conclui-se que
113
o Inovar-Auto vai ao encontro da prática das montadoras e autopeças, uma vez que
melhorias nas relações de consumo e na emissão de poluentes já faziam parte das agendas
das montadoras e autopeças através da pressão do marco regulatório e em menor grau pela
via do mercado e da concorrência (introdução de novos modelos, motores etc.). Houve
melhorias em consumo, eficiência e emissão de poluentes nos automóveis concomitantes à
introdução dos veículos flex fuel no mercado, não que estes avanços sejam breakthroughs,
mas não se pode negligenciá-los. Entretanto, poder-se-ia esperar resultados de maior
robustez em termos de consumo e eficiência, caso o Inovar-Auto ousasse criar metas com
foco no longo prazo ou que essas fossem ampliadas no decorrer do tempo, assim como tem
sucedido com a diminuição forçada na emissão de poluentes através do Proconve. Sem uma
agenda efetiva, que aponte que as empresas têm chances de transformar medidas
coercitivas em oportunidades de negócio, dificilmente o país venha a lograr êxito no avanço
e na modernização da indústria automotiva via tecnologias voltadas ao flex fuel e ao etanol
combustível.
114
115
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Anexo 1 - Lista de Montadoras e as respectivas plantas produtivas,
Brasil, 2014 Em itálico estão as unidades presentes na Figura 1.4.
Montadora Unidade Produto
Fiat
Betim - MG Automóveis, comerciais leves
Betim - MG Motores
Campo Largo - PR Motores
Ford
Camaçari - BA Automóveis, comerciais leves
Horizonte - CE Comerciais Leves (Troller)
São Bernardo do Campo - SP Automóveis, comerciais leves, caminhões
Taubaté - SP Componentes, motores, transmissões
Tatuí - SP Campo de provas
General Motors
São Caetano do Sul - SP Automóveis, comerciais leves
São José dos Campos - SP
Automóveis, comerciais leves, CKD para exportação, motores, transmissões, estamparia, injeção e pintura de peças plásticas
Mogi das Cruzes - SP Componentes estampados
Gravataí - RS Automóveis
Indaiatuba - SP Campo de provas (Cruz Alta)
Sorocaba - SP Centro Logístico Chevrolet
Porto de Suape - PE Centro Logístico de Distribuição de Veículos
Joinville - SC Motores, cabeçotes
Honda Sumaré - SP Automóveis
Hyundai Piracicaba - SP Automóveis
Mitsubishi Catalão - GO Automóveis e comerciais leves
Nissan
São José dos Pinhais - PR Automóveis, comerciais leves
Jundiaí - SP Centro de Treinamento
São Paulo - SP Regional de vendas
Resende - RJ Armazém de peças
Peugeot Citroën
Porto Real - RJ Automóveis, comerciais leves
Porto Real - RJ Motores
Renault
São José dos Pinhais - PR Automóveis
São José dos Pinhais - PR Motores
São José dos Pinhais - PR Comerciais leves
São Paulo - SP Renault Design América Latina
Toyota
São Bernardo do Campo - SP Autopeças
Indaiatuba - SP Automóveis
Guaíba - RS Centro de distribuição de veículos
Sorocaba - SP Automóveis
Vitória - ES Centro de distribuição de veículos
Votorantim - SP Centro de distribuição de peças
Volkswagen
São Bernardo do Campo - SP Automóveis, comerciais leves
Taubaté - SP Automóveis
São Carlos - SP Motores
São José dos Pinhais - PR Automóveis
Fonte: Anuário Estatístico Anfavea (2014)
124
125
Anexo 2 - Limites atuais estabelecidos pelo Proconve
Poluentes Limites
Fase L-6(1)
Monóxido de Carbono (CO em g/km) 1,30
Hidrocarbonetos (HC em g/km) 0,30(2)
Hidrocarbonetos Não-Metano (NMHC em g/km) 0,05
Óxidos de Nitrogênio (NOx em g/km) 0,08
Material Particulado(4)
(MP em g/km) 0,025
Aldeídos(3)
(CHO g/km) 0,02
Emissão Evaporativa (g/ensaio) 1,5(6)
ou 2,0(5)(6)
Emissão de Gás no Cárter nula (1) Em 2014 -> para todos os novos lançamentos
A partir de 2015 -> para todos os veículos comercializados
(2) Aplicável somente a veículos movidos a GNV;
(3) Aplicável somente a veículos movidos a gasolina ou etanol;
(4) Aplicável somente a veículos movidos a óleo diesel;
(5) Aplicável aos ensaios realizados em câmera selada de volume variável
(6) Aplicado a todos os veículos a partir de 1º/1/2012
Fonte: http://www.ibama.gov.br/areas-tematicas-qa/programa-proconve