Luiz Pedro - Histórico do Objeto

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    Captulo 1 Situando o objeto

    Este captulo vem apresentar o objeto desta pesquisa, sob um ponto de vistahistrico. Entende-se que de fundamental importncia situ-lo no tempo, e no sistemalingustico antes que se proceda anlise, pois, apesar de este tema no vir mais a serfocado, ele, frequentemente, ter relaes com os captulos vindouros.

    O captulo se inicia por uma descrio do sistema verbal indoeuropeu, comespecial ateno para as variaes temticas e aspectuais dos seus verbos. Ocomportamento morfossinttico dos mesmos e os valores semnticos ligados a cada umdos aspectos contribuem, conjuntamente, para o enfoque que aqui se d ao sufixoestativo.

    Passa-se, em seguida, a uma observao especfica do sufixo . Tenta -seentender o seu papel na flexo verbal indoeuropeia. Esse papel importante para oestudo do referido sufixo na lngua latina.

    Chega-se, ento, ao Latim e descrio da flexo latina, com ateno a suavariao aspectual, em comparao com um estgio anterior, primitivo. Do mesmomodo, passa-se a uma descrio aprofundada do sufixo (agora sim) estativo e de seufuncionamento no sistema verbal latino. Tambm oportuno discorrer de modo breve

    sobre o sufixo no latim vulgar e nas lnguas neolatinas. A descrio do sufixo contatambm com a amostragem de alguns exemplos de uso, retirados docorpus selecionado, acompanhados de uma breve descrio de seus usos, com foco natransitividade das oraes.

    Finalmente, o captulo se encerra com as dvidas e questes que motivaram essa pesquisa. Essas motivaes esto relacionadas tanto ao sistema do verbo latino quanto categorizao que feita do sufixo estativo.

    Dos itens a serem tratados nesta leitura inicial, considera-se que so bastanteimportantes os que versam acerca do sistema verbal latino e, principalmente, sobre oobjeto desta pesquisa nesse sistema. Tais informaes sero retomadas diversas vezesao longo da pesquisa, o que as torna fundamentalmente importantes para a suacompreenso.

    1.1 O Indoeuropeu, seu sistema verbal e o sufixo *

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    O que se convencionou chamar Indoeuropeu uma unidade lingusticaartificialmente reconstituda. Essa reconstituio vem sendo feita desde o final do sculoXVIII, a partir do contato de estudiosos europeus com o Snscrito. Ao longo do sculoseguinte, surgiram diversos estudos que mostravam como a maior parte das lnguas daEuropa, bem como diversas lnguas da sia Central e da Pennsula Indostnica eram, dealgum modo, parentes. As diversas semelhanas entre elas fizeram os lingistas concluirque houve, outrora, na pr-histria, uma nica lngua, que deu origem a todas as demais.

    Aps cerca de dois sculos de estudos diacrnicos, essa lngua continua fora dealcance, uma vez que no legou nenhum documento escrito. O que se sabe dela frutoda comparao entre as suas descendentes.

    As lnguas herdeiras do Indoeuropeu mantm, com relativa proximidade,caractersticas bsicas primordiais de seu sistema verbal ancestral. Essa afirmao ratificada por diversos traos, tais como a flexo modo-temporal, a flexo nmero- pessoal, a flexo de voz e a alternncia temtica aspectual (mesmoque em nvelmeramente morfofonmico).

    Mesmo assim, o sistema do verbo indoeuropeu era extremamente complexo.

    Todas as lnguas simplificaram-no no decorrer de seu desenvolvimento particular, ecada uma de sua maneira. (MEILLET, 1949, p.173 , traduo nossa). Esse fato mostra a

    complexidade de um idioma falado em pocas pr-histricas, que veio sendo falado pormilnios incontveis e sujeito aos processos de variedade, mudana e persistnciainerentes s lnguas naturais (cf. MARTELOTTA, 2011, p.27; CUNHA, OLIVEIRA &MARTELOTTA, 2003, p.73). Assim, em relao s lnguas primitivas de um modogeral, Os paleolinguistas no buscam mais descobrir uma quimrica primeira lngua,

    mas sim tentam entender a complexidade da multido de lnguas que j existiram

    (FISCHER, 2009, p.78).

    Entretanto, necessrio delimitar um foco neste item, portanto a lnguaindoeuropeia ser considerada como uma lngua, e as reflexes sobre seu passado maisremoto no sero retomadas, apesar de serem interessantssimas aos estudoslingsticos. Assim, faz-se oportuno retomar a descrio dessa lngua primitiva,atentando agora para seu sistema verbal.

    O verbo indoeuropeu era baseado em um tema, que poderia ser primitivo ouderivado, e j possua diversos processos de composio de novos temas verbais. A esse

    tema se acrescentavam desinncias sufixais, que exprimiam noes de tempo (passadoou presente, no havia futuro), modo (indicativo, subjuntivo, optativo e imperativo),

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    nmero (singular, dual e plural), pessoa (primeira, segunda e terceira) e voz (ativa oumdia, no havia passiva). Esse comportamento morfolgico, de modo geral, no todiferente daquele dos sistemas verbais de suas lnguas herdeiras. A principal diferenaest, no nas desinncias, mas nos temas verbais.

    Cada tema possua o valor principal do sistema verbal o aspecto. Dubois et al.(2006, p. 73) definem-no comouma categoria gramatical que exprime a representaoque o falante faz do processo expresso pelo verbo [...], i. e., a representao de suadurao, do seu desenvolvimento ou do seu acabamento... . Segundo Monteil (1974, p.264, traduo nossa), o aspecto uma referncia ao prprio processo que envolve aao verbal. Voltando a Dubois et al. (op. cit.), o aspecto situa o processo em relao enunciao e o tempo o faz em relao ao enunciado. Desse modo, sob tal vissemntico, tempo e aspecto podem coexistir em uma lngua. No Indoeuropeu, os doiscoexistiam tambm morfologicamente: o aspecto era expresso pelos radicais (temas)verbais e o tempo o era por meio de desinncias.

    O aspecto o mais importante trao verbal. A partir de cada tema, construam-seas flexes relativas s demais categorias verbais, j mencionadas. Esses temas possuamrelativa independncia uns dos outros, i. e., cada aspecto possua seus prprios processos de composio de temas.

    Para explicar melhor essa caracterstica, oportuno olhar com atenopara cada um dos aspectos indoeuropeus:

    1 Um aspecto dinmico e progressivo, correspondente ao tema chamadopresente, caracterizado no ativo por um vocalismo pleno radical de timbre , e por desinncias primrias; 2 um aspecto esttico e atingido, correspondente aotema chamado perfeito caracterizado originalmente por um vocalismo radical

    pleno de timbre e uma srie especfica de desinncias. Um redobro no -obrigatrio se unia muito frequentemente a essas caractersticas; 3 enfim, umaspecto zero, nem dinmico nem esttico, nem progressivo nem alcanado,correspondente a um tema chamado aoristo, caracterizado pelo vocalismoradical reduzido e completado por desinncias secundrias. (MONTEL, op. cit., p. 267, traduo nossa)

    Esses trs aspectos se mantiveram na lngua grega. Observe, no verbo a seguir, como oradical do verbo varia de acordo com o aspecto verbal, tal como explicado acima; avogal base do radical (vocalismo) varia de acordo com o aspecto, e cada um deles temsuas prprias desinncias (o presente tem desinncias primrias, o perfeito tem uma

    srie de desinncias especficas e o aoristo tem desinncias secundrias). O radical doverbo est em negrito e o vocalismo est sublinhado. importante lembrar tambm que,

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    em Grego, os tempos pretritos secundrios, i. e., aqueles formados a partir de outrostempos primitivos recebem um aumento prefixal em () chamado aumento verbal.Curiosamente, o aoristo tambm recebe esse aumento.

    (peith o) eu persuado (presente) (ppoith a) eu persuadi (perfeito) (pith on) eu persuadi (aoristo)

    O verbo tomado como exemplo mostra com clareza o padro flexional bsico detemas aspectuais indoeuropeus. E bsico porque existem outros processos, quase todosinflexionais, que servem para formar temas de presente, de perfeito e de aoristo, entre osquais destacam-se uma formao com a adio de um s (que se tornou a mais produtivaem Grego), e tambm aquela sobre a qual este texto se debrua: aquela com a adio deum .

    Quanto ao valor aspectual dessas variaes, talvez seja fcil distinguir o presentedos outros dois aspectos, o que no se aplicaria distino do perfeito e do aoristo.Designando o perfeito uma ao concluda, esttica, ele se diferencia do aoristo por estedesignar um passado apenas, sem a noo de acabamento.

    Essas breves reflexes sobre o aspecto verbal sero de grande importncia paraeste trabalho. Do mesmo modo, o aspecto ser abordado especificamente no Latim,mais a diante.

    O item a ser abordado aqui o sufixo * . No nvel mais concreto, essemorfema originado de um ditongo eH1 indoeuropeia1 (cf. MONTEIL, 1974, p. 292),que no seu vocalismo pleno2 se altera, na passagem ao latim, paraum . A noo desse processo mostra o quo antigo esse sufixo nas lnguas indoeuropeias. Em grego, a

    evoluo fontica tambm resultou em (). O sufixo era um dos processos de formao de temas de aoristo, ligando-se a

    uma raiz verbal que, geralmente, aparecia com vocalismo radical reduzido. De acordo

    1 O fonema H1 faz parte de uma sria de sons, chamados soantes laringais H1, H2 e H3, segundo aproposta aqui utilizada. Essas soantes no se conservaram em quase todas as lnguas indoeuropeias (ogrupo Anatlio a nica exceo).

    2 O Indoeuropeu no possui vogais, mas sim um vocalismo, que consiste em um timbre alternante

    //. Esse vocalismo era a base das razes indoeuropeias, que so, originalmente, monossilbicas, etambm se manifestam nos diversos morfemas dessa lngua. Assim, o referido ditongo podia semanifestar de trs formas: eH 1, oH1 e H1. Os fonemas referentes a I, U e A so de origem sonntica.

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    com Chantraine (1984, p. 161), os aoristos formados pelo eram aoristos intransitivos.A associao de um valor estativo a um tema de aoristo se dava, provavelmente, paradesignar uma ao verbal que atingiu determinado estado. Da a ocorrncia dessesufixo nos temas de aoristo. importante notar que ele no ocorria nos outros temasaspectuais.

    vlido recorrer novamente lngua grega, pois ela manteve o aoristo, e osufixo que entrava n a sua formao se sistematizou como sufixo formador deaoristos intransitivos. Da, na formao da voz passiva3, ele ganhou certa produtividadee se estendeu aos demais aspectos, sendo encontrado, portanto, no Grego Clssico, emoutros temas, especialmente no perfeito e no futuro (para um estudo especfico datrajetria do sufixo no Grego Antigo, ver CHANTRAINE, 1984).

    Enfim, o aspecto aoristo suscita, ainda, uma srie de reflexes. De acordo comBenveniste (apud MONTEIL, op. cit. p. 265), morfologicamente, o aoristo teria tidouma origem nominal, bem como uma incorporao tardia, em relao aos outros dois.Esse pensamento pode explicar a relao entre os verbos estativos latinos edeterminados compostos substantivos e adjetivos.

    Este breve estudo sobre o verbo indoeuropeu e sobre o sufixo est longe deexplicar a complexidade desse sistema. No entanto, alguns pontos so de fundamental

    importncia para o estudo do mesmo morfema na lngua latina. Os tpicos a seremlembrados so: as alternncias aspectuais e como o aspecto era importante para aconjugao indoeuropeia; a relao do sufixo com os temas de aoristo. Esse dois tpicosajudaro a compreender o estado latino das coisas.

    1.2 O sistema verbal do Latim e o sufixo

    A principal mudana que o verbo latino mostra em relao ao seu antepassado na oposio aspectual. A lngua latina possui uma oposio fundamental entre um presente e um perfeito (infectum e perfectum , respectivamente). No h aoristo, eleapenas deixou vestgios morfolgicos em alguns temas de perfectum , chamados perfeitos aorsticos (cf. ERNOUT, 2002, p. 197; FARIA, 1958, p. 235). Tambm no

    3 A voz passiva, tanto em Grego quanto em Latim, era feita de um modo bastante peculiar: era uma vozpassiva desinencial, i. e., desinncias nmero pessoais prprias de voz passiva se ligavam ao verbo.

    Assim, no Grego, o verbo tem sua voz passiva em (peith/ peithomai - persuado/ soupersuadido ou obedeo); no Latim, um verbo capio tem sua voz passiva em capior (capturo/ soucapturado).

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    Latim, a categoria de tempo ganha uma maior importncia at criao de um tempofuturo. Sobre tal categoria, possvel que o Latim se situe em um momento de transioda categoria principal da flexo verbal, entre o aspecto e o tempo. Na lngua portuguesa,os temas verbais perdem seu carter aspectual, deixando vestgios morfolgicosimprodutivos de temas aspectuais (nos verbos ditos irregulares).

    Quanto categorizao dos verbos latinos, importante lembrar que a nossalngua portuguesa tem, tradicionalmente, seus verbos divididos em categorias chamadasconjugaes (primeira, segunda e terceira), de acordo com a vogal temtica pr-desinencial que se mostra clara nos infinitivos. No Latim, o critrio de categorizaodos verbos pelas gramticas o mesmo, de modo que a conjugao dos verbos latinosse apresenta dividida de acordo com o seguinte arranjo didtico:

    1 conjugao, formada pela vogal temtica , como amo, as, re, ui, tum 2 conjugao, formada pela vogal temtica , como habeo, es, re, ui, itum 3 conjugao, formada pela vogal temtica , como facio, is, re, feci, factum 4 conjugao, formada pela vogal temtica , como seruio, is, re, ui, tum (amar, ter, fazer e servir, respectivamente)

    H ainda um grupo de verbos nos quais as desinncias se ligam diretamente aoradical, sem a presena de uma vogal temtica, sendo assim chamados de atemticos.So colocados parte do arranjo das quatro conjugaes. um grupo reduzido, mas deverbos bastante importantes para a Lngua Latina:

    sum, es, esse, fui, (ser) fero, fers, ferre, tuli, latum (levar, trazer)

    uolo, uis, uelle, uolui, (querer)

    importante lembrar que a notao do verbo em Latim diferente daquela feitaem Portugus. Os verbos latinos so encabeados pela forma de P1 do presente ativo doindicativo, seguida por P2 do mesmo tempo, modo e voz.

    A terceira forma apresentada aquela de infinitivo, que mostra a vogal temticausada na separao dos grupos; a quarta forma a do chamado perfectum , que o tema

    que ser usado como base de todos os tempos perfeitos (em oposio aos tempos perfeitos). Essa forma causa problemas e merece estudos prprios, uma vez que, quando

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    existe, frequentemente no apresenta a mesma vogal pr-desinencial doinfectum (temados tempos imperfeitos).

    A quinta forma apresentada a do chamado supino, que d origem ao particpio perfeito dos verbos latinos.

    Esses quatro grupos so resultados de uma relativamente complexa srie de processos de formao (talvez uma feliz coincidncia) que fez com que aquelas

    quatro vogais estivessem ligadas entre a raiz e as desinncias. Existe um pequenonmero de verbos que no possuem essa vogal temtica, comouolo , uis , uelle ,uolui ,(sem supino) ou sum , es, esse , fui, (sem supino) (querer e ser, respectivamente) :so os chamados verbos atemticos.

    As limitaes desse arranjo j eram notadas por Ernesto Faria em 1958:

    Resta-nos agora apenas tratar da diviso clssica dos verbos latinos emquatro conjugaes. Alis, esta diviso inteiramente falha, no s porno se poder aplicar em geral s formas do perfectum , como tambm,mesmo no que diz respeito aoinfectum , por reunir verbos comcaractersticas diversas. (p.240)

    compreensvel que o arranjo em quatro conjugaes seja mais favorvel aos

    alunos que esto aprendendo Latim. No entanto, para estudos mais aprofundados, interessante levar em conta os processos de formao dos temas aspectuais. Assimcomo essa necessidade j de conhecimento dos gramticos, muitos deles j sedebruaram sobre esses processos. Como o objeto desta pesquisa um desses processos, eles sero explanados, de forma resumida, a seguir, com base na descrio dePierre Monteil (1974).

    Em primeiro lugar, deve-se lembrar que, os processos de formao dos temasaspectuais indoeuropeus tinham certa independncia uns dos outros (ver p. 3). Talindependncia de processos se mantm na maioria das formaes latinas. Levando emconta essa independncia, necessrio distinguir os processos de formao de temas deinfectum e os de perfectum 4.

    Primeiramente, eis os processos de formao de temas de perfectum: No Indoeuropeu, a principal e mais primitiva marca de aspecto era o vocalismo

    do radical (ver p. 3). Essa marca continua no Latim, apesar de obscurecida pelas

    4

    Esses processos formam temas aspectuais, ou seja, as bases morfolgicas que sero utilizadas naflexo dos diversos tempos e modos verbais. importante, no entanto, assinalar o fato de que o Latimpossui, tambm, diversos processos sincrnicos de derivao sufixal, formadores de verbos.

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    mudanas fonticas. Essas formaes so chamadas formaes radicais, que

    comportam tanto verbos temticos quanto verbos atemticos5. Entre os temas de perfectum , figuram tambm verbos com um redobro de perfectum (que consiste na

    repetio da primeira slaba do radical), tais comotetigi , de tango (tocar) e pupugi , de pungo (pungir).

    Entre as formaes sufixais, existem os chamados perfeitos sigmticos, querecebem um sufixo s, tais comolexi, de lego (ler). Figuram tambm nas formaessufixais, aqueles temas formados por um sufixo u, comoamaui , de amo (amar); note-se que a formao em u se sistematizou como formadora de perfeitos no Latim Vulgare nas lnguas neolatinas (cf. VNNEN, 1967, p. 151).

    importante notar, ainda, que o perfectum latino absorveu a maior parte detemas de aoristo, e, em muitos casos, a forma aorstica suplantou a forma perfectiva.Alguns exemplos socepi , de capio (capturar) e feci , de facio (fazer). o perfeito comalongamento

    Processos de formao de temas de infectum:O grupo de formaes radicais inclui alguns exemplos de verbos que tambm

    levam um redobro verbal, que, no caso, consiste na repetio da consoante explosiva daraiz seguida do timbre vocalizado i. Alguns exemplos desses verbos so sum (ser);uolo

    (querer); fero (portar), como exemplos de formaes radicais sem redobro; sido < *si-sd-o (sentar-se); sisto < *si-sta-o (parar, manter-se), como exemplo de formao radicalcom redobro.

    Existe um grupo de verbos formados por aumentos, que c onsistem emelementos monolteres, que adicionam traos semnticos sutis. Dentre eles, destacam-se: a) um infixo nasal, que indica uma nuance determinada, i. e., um processo orientadoa uma realizao total e precisa, comotango (tocar); b) aumentos dentais, que parecem

    estar relacionados a presentes de valor determinado, como fendo (fender) eclaudo (fechar); um aumento s, que possua valor desiderativo, comoquaeso (buscar).

    Existem tambminfecta (plural de infectum ) formados por sufixos, de valormais claro e contundente: a) um sufixo sk-e/o , de valor iterativo/incoativo, como

    floresco (florescer); b) um sufixo eye/o, de valor factitivo, comomoneo (fazer pensar);

    5 Essa definio de vogal temtica se refere a fatos mais antigos: na conjugao indoeuropeia, havia

    certos verbos que possuam uma espcie de vogal de ligao entre o radical e as desinncia s. Essavogal alternava seu timbre conforme o fonema seguinte. No Latim, so pouqussimos (porm de usobastante freqente) os verbos que mantm esse tipo de flexo: sum (ser); uolo (querer); fero (portar)

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    um sufixo y-(e/o), chamado denominativo, que servia para formar temas novos a partirde temas antigos, comocuro (cuidar). Finalmente, h tambm o sufixo de estado

    Dentre os vrios tipos de derivao sufixal formadora de verbos em Latim,destacamos aqui os verbos estativos, formados pelo sufixo , pertencentes segundaconjugao. So verbos do tipoareo , caleo , frigeo (estar seco, estar quente, estar frio).

    Esses verbos so prototipicamente intransitivos, alis, o so desde o indoeuropeu(cf. CHANTRAINE, 1984, p.161). Por essa razo, o morfema estativo parece estardiretamente relacionado intransitividade verbal. Contudo, o Latim apresenta algunsusos transitivos desses verbos, especialmente com um restrito grupo de verbos, cujos principais representantes sohabeo e teneo (que, em sua origem, significam estarcontido), que no s perderam gradativamente seu uso estativo intransitivo original,como tambm passaram por processos bastante peculiares de mudana, desde aformao do Latim at a formao de suas descendentes.

    O sufixo estativo aparece no Latim apenas nos temas de infectum , o que, porum lado, morfologicamente, constitui uma grande inovao (cf. MONTEIL, 1974, p.293), uma vez que esse morfema era usado para formar temas de aoristo. No entanto,semanticamente, o seu uso nos tempos deinfectum se configura como a permanncia deuma ideia de prolongamento do referido estado no tempo.

    Tardiamente, a partir do Latim Vulgar, muitos verbos formados pelo sufixo ,devido a alteraes fonticas, acabam por se confundirem com verbos de outros paradigmas (em geral re e re ). No entanto, a composio do sufixo estativo com osufixo incoativo sc apresentou certa produtividade, como os pares floreo / floresco ;doleo /dolesco (estar florido/florescer; estar doendo/comear a doer) (cf. VNNEN,1967, p. 144-5).

    Aps esta descrio do percurso histrico do objeto, oportuno observar algunsexemplos de uso dos verbos estativos nos textos arcaicos latinos, que compem ocorpus desta pesquisa:

    (1)- ...madeo metu . (Mostellaria, v. 395)-... estou molhado de medo

    (2)

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    - Post se derisum dolet (Mostellaria, v.10)- Aps ter sido zombado, ele sofre

    Os dois primeiros exemplos mostram usos bastante prototpicos dos verbos deestado, de acordo com o esquema que este trabalho estabelece como prototpico (queser explicado no captulo seguinte). Segundo uma anlise j empreendida sobre essasamostras mais prototpicas (BARBOSA, 2014), observou-se que essas sentenasapresentam baixssima transitividade (de acordo com os parmetros de Hopper &Thompson, 1980).

    So oraes com apenas um participante, no tm cinese nem pontualidade, seussujeitos no so agentes e no possuem inteno sobre o verbo, e o aspecto das oraes imperfectivo. Todos esses fatores apontam para intransitividade verbal.

    (3)- At te Iuppiter /Dique omnes perdant! Oboluisti alium (Mostellaria, v.39)- Mas que Jpiter e todos os deuses te destruam! Fedeste a alho!

    A frase 3 mostra um uso mais afastado do prottipo. Ela j apresenta dois

    participantes: um sujeito e um complemento. Seria possvel, talvez, inferir que, essecomplemento dotado de uma ideia circunstancial de comparao, e que no seconfigurasse como sofredor da transferncia de ao. Formalmente, no entanto, umcomplemento do verbo, em acusativo. Outra diferena marcante o fato de o verboestar no aspecto perfectivo, o que confere maior transitividade orao, no entanto, essamudana aspectual no inclui o sufixo na forma o do perfeito (v. p. 8).

    (4)- nam muliones mulos clitellarioshabent , at ego habeo homines clitellarios . (Mostellaria, v. 781)- Pois os arrieiros tm machos de carga,mas eu tenho homens de carga

    O quarto excerto bastante afastado do prottipo, pois no apenas tem um

    objeto, mas tambm tem um sujeito intencional e agentivo, alm de cinese e pontualidade. Como j foi dito, os verboshabeo e teneo tm trajetrias bastante

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    peculiares. Os textos arcaicos j mostram usos muito distantes do prottipo de verbo deestado. Incluem amostras que se aproximam at mesmo dos usos como auxiliar:

    (5)- Satis iam dictum habeo . (Persa, v. 214)- J tenho dito o suficiente

    A orao 5, por si s, suscitaria muitas questes. Formalmente, o verbo tem umcomplemento, contudo o sintagma formado por esses dois elementos se assemelha bastante a uma locuo verbal de tempo passado; essa possibilidade reforada pelaorigem verbal do complemento um particpio. No entanto, aqui, mais adequadoobservar apenas como essa construo se afasta do uso prototpico.

    Esses foram alguns exemplos de verbos estativos em textos arcaicos.Certamente, um levantamento das ocorrncias e uma descrio mais apurada tero umespao prprio, entre os captulos seguintes, aps a definio do aparato terico e dos procedimentos metodolgicos das anlises.

    1.3 Dvidas e questes relativas aos verbos estativos

    Aps esta introduo ao sufixo estativo , a primeira dvida que surge comoclassificar a mudana que ocorre entre o estado indoeuropeu e o estado latino. NoIndoeuropeu, tal morfema se configurava como um sufixo flexional, mas, em Latim, parece ter se tornado um sufixo derivacional, i. e., formador de novos verbos.

    No seria apropriado tratar esses dois estados e possveis categorizaes deforma binria e oposta. Mais interessante seria colocar o objeto em umcontinuum , que

    se localiza entre a derivao e a flexo. No presente trabalho, essecontinuum ratificado pela independncia dos temas aspectuais indoeurpeus. Por essa caracterstica,no h segurana para dizer que um nico verbo possui diferentes aspectos6. Assim, a

    6 O Latim manteve, em alguns verbos, essa clareza da independncia dos temas. O melhor exemplotalvez seja o verbo sum, es, esse, fui (ser), cujos temas de infectum e perfectum (es - e fu -,respectivamente) tem origens totalmente distintas, como se fossem dois verbos diferentes, que se

    fundiram na passagem ao Latim. Outros exemplos dessa independncia so os inmeros verbos que notm perfectum , como tumeo (estar inchado) e alguns outros que, em oposio, no possuem perfectum ,como memini (lembrar-se).

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    questo passa a ser como localizar o objeto nocontinuum ; observar as marcas que o puxam para um lado ou para outro.

    Talvez seja at mesmo impossvel analisar uma mudana envolvendo o sufixoestativo, mas, seguramente, h uma diferena entre esse morfema no Latim e naslnguas neolatinas. Na nossa lngua portuguesa, por exemplo, se alguns verbos aindamantm o valor de estado (como doer) este no se d mais por causa de sua vogaltemtica. A partir de um momento e durante um certo tempo, os falantes do Latim (outalvez j de suas herdeiras) foram deixando de analisar esse morfema como um sufixoformador de verbos, e ele passou a figurar como mero morfofonema utilizado paraagrupar os verbos semelhantes.

    Essa reflexo nos leva prxima questo, que definir o lugar da categorizaode vogal temtica na conjuga o verbal latina. Existem duas categorias chamadas devogal temtica: uma que se aplica a fatos mais antigos e outra que se aplica a fatosmais novos. No entanto, esta ltima parece ser pouco precisa, pois designa, na verdadesufixos diversos, com seus valores semnticos claros e com influncias morfossintticasem toda a sentena. Assim, necessrio que os estudos sobre a gramtica latina tenhamem mente a complexidade desses simples morfemas, quando da conjugao verbal.

    Essas duas questes se desdobram nos objetivos, que tero, mais adiante, seu

    espao. Elas tambm sero amparadas pelo arcabouo terico da Lingustica Centradano Uso, que ser descrito nos captulos seguintes. Este trabalho no tem a pretenso deresponder a essas questes, mas contribuir com as reflexes vindouras acerca da lngualatina.

    1.4 Resumo do captulo

    Este captulo foi iniciado com uma breve reflexo sobre as oringens maisremotas da lngua indoeuropeia, ponto de partida para as presentes observaes. Emseguida, o primeiro item descreveu o sistema verbal indoeuropeu, com especial ateno para as variaes aspectuais. importante lembrar que a importncia do aspecto paraesse sistema de grande valia para a compreenso neste estudo.

    Em seguida, o segundo item fez uma breve descrio do sistema verbal doLatim, com foco nos processos de formao dos temas aspectuais. Um desses processos

    a sufixao com o sufixo estativo . O item versou sobre o funcionamento dessemorfema no sistema verbal latino e mostrou alguns exemplos, que fazem parte do

  • 7/24/2019 Luiz Pedro - Histrico do Objeto

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    corpus . importante lembrar sua presena apenas nos temas deinfectum ecaractersticas das sentenas construdas com os verbos estativos.

    O terceiro item exps, brevemente, as duas principais questes que motivaramesta investigao. Essas questes, bem como diversos assuntos deste captulo, queforam marcados, sero imprescindveis para o desenvolvimento deste texto. Enfim, o prximo captulo uma preparao para as anlises.