LUIZ STEFANO GIOVANNE LIMA D’ALBUQUERQUE MESQUITA …...Discutir o que é uma Constituição é...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
LUIZ STEFANO GIOVANNE LIMA D’ALBUQUERQUE MESQUITA DE MEDEIROS
BEZERRA
A CONSTITUIÇÃO E O POVO: UM ESTUDO SOBRE AS CONCEPÇÕES
CONSTITUCIONAIS E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL
NATAL
2018
LUIZ STEFANO GIOVANNE LIMA D’ALBUQUERQUE MESQUITA DE MEDEIROS
BEZERRA
A CONSTITUIÇÃO E O POVO: UM ESTUDO SOBRE AS CONCEPÇÕES
CONSTITUCIONAIS E A REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso submetido à
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Professor Me. Ângelo José Menezes
Silvino.
NATAL
2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA
Bezerra, Luiz Stefano Giovanne Lima D'albuquerque
Mesquita de Medeiros.
A Constituição e o povo: um estudo sobre as concepções
constitucionais e a representação social / Luiz Stefano Giovanne
Lima D'albuquerque Mesquita de Medeiros Bezerra. - 2018.
61f.: il.
Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Departamento de Direito. Natal, RN, 2018.
Orientador: Prof. Me. Angelo José Menezes Silvino.
1. Constituição - Monografia. 2. Representação social -
Monografia. 3. Direitos fundamentais - Monografia. I. Silvino,
Angelo José Menezes. II. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. III. Título.
RN/UF/Biblioteca Setorial do CCSA CDU 342:342.7
Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355
“Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era
sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas
a encarar com serenidade sua posição social e suas
relações recíprocas”.
Karl Marx
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a minha família, que nunca mediu esforços para me
proporcionar a melhor educação possível. Aos meus pais, que sempre me encheram de amor,
carinho e de todas as ferramentas possíveis para eu atingir meus objetivos. Minhas irmãs, que
sempre estiveram comigo durante toda a vida. À minha namorada, que esteve comigo me
apoiando durante todos os anos da graduação. Aos professores Ângelo Menezes e Carol
Coelho, que muito me ajudaram na elaboração deste trabalho. Aos amigos e colegas que
conheci e que me ajudaram na graduação, muito obrigado. Este trabalho culminará na
realização de um sonho de criança, o grau de Bacharel em Direito pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.
RESUMO
Uma Constituição não é somente um compilado de leis elaboradas por sua Assembleia
Constituinte. Mais do que isso, nela deverão estar presentes os anseios e desejos de um povo.
Além das palavras escritas por deputados e senadores, Direitos Fundamentais serão garantidos
e não somente estarão escriturados, deverão ser efetivados para todos os indivíduos. Desse
modo, o presente trabalho tem como objetivo demonstrar que a Constituição é uma forma de
representação social. Através da metodologia analítica, a pesquisa aqui realizada irá explorar
por meio da análise de diversas concepções constitucionais e em momento posterior explicitar
e demonstrar porque a Constituição, principalmente a Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, é um exemplo de representação social do povo. Utilizam-se como meio e
procedimentos técnicos para a coleta de informações material bibliográfico como livros, teses,
dissertações, artigos, com o intuito de fornecer dados atuais sobre o tema.
Palavras-chave: Constituição. Representação Social. Direitos Fundamentais.
ABSTRACT
A Constitution is not only a compilation of laws drafted by its Constituent Assembly. More
than that, the wishes and desires of a people must be present in it. In addition to the words
written by deputies and senators, Fundamental Rights will be guaranteed and not only be
written, they should be effective for all individuals. Therefore, the present work aims to
demonstrate that the Constitution is a form of social representation. Through an analytical
methodology, the research carried out here will explore, through the analysis of several
constitutional conceptions, and at a later time explain and demonstrate why the Constitution,
especially the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988, is an example of the
social representation of the people. Bibiliographic material such as books, theses, dissertations
and articles are used as means and technical procedures for the collection of information in
order to provide current data on the subject.
Keywords: Constitution. Social Representation. Fundamental Rights.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 9
2 A DINÂMICA DOS CLÁSSICOS E AS CONCEPÇÕES CONSTITUCIONAIS ...... 13
2.1 IMPORTÂNCIA E O CONTORNOS DOS CLÁSSICOS................................................ 13
2.2 FERDINAND LASSALLE: O VIÉS SOCIOLÓGICO..................................................... 14
2.3 HANS KELSEN: SOB O OLHAR DO POSITIVISMO JURÍDICO................................ 16
2.4 CARL SCHMITT: A CONCEPÇÃO DECISIONISTA DA CONSTITUIÇÃO............... 18
2.5 KARL LOEWENSTEIN: A DISPUTA PELO PODER POLÍTICO................................. 20
2.6 A CONCEPÇÃO DE CONSTITUIÇÃO NO ENTENDIMENTO DE PAULO
BONAVIDES...........................................................................................................................
21
2.7 A COMPREENSÃO DA CONSTITUIÇÃO DE ACORDO COM O
ENTENDIMENTO DE JJ GOMES CANOTILHO.................................................................
22
3 A CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS.................................................................................................................
26
3.1 VESTÍBULO: AS PALAVRAS E OS DIREITOS............................................................ 26
3.2 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS .............. 29
4 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: AS GERAÇÕES DOS
DIREITOS..............................................................................................................................
30
4.1 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO...................................................... 31
4.2 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA GERAÇÃO...................................................... 32
4.3 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA GERAÇÃO..................................................... 33
4.4 DIREITOS HUMANOS DE QUARTA GERAÇÃO ....................................................... 34
4.5 DIREITOS HUMANOS DE QUINTA GERAÇÃO ......................................................... 35
4.6 DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .................................................... 35
4.7 DIREITO DE NACIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .............................. 36
5 A CONSTITUIÇÃO COMO UMA REPRESENTAÇÃO SOCIAL .......................... 37
5.1A CONSTITUIÇÃO COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE UM POVO .................. 39
5.2 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E SUA REPRESENTATIVIDADE ........ 42
6 O TECIDO REPRESENTACIONAL DE UM POVO: SISTEMA DE
REPRESENTAÇÕES ELABORADAS ..............................................................................
44
7 DOS DIREITOS POLÍTICOS E DOS PARTIDOS
POLÍTICOS............................................................................................................................
46
8 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 48
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 51
ANEXO A – DOS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS OU TUTELA
CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES ........................................................................
53
ANEXO B – REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS .............................................................. 56
ANEXO C – CONCEITO DE REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS ................................. 59
ANEXO D – TÉCNICAS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ..................... 60
9
1 INTRODUÇÃO
Discutir o que é uma Constituição é uma tarefa que requer espanto admiração e
curiosidade, visto que uma Constituição não significa um simples amontoado de folhas de
papel e de letras pretas, de capítulos e artigos. Uma Constituição é uma fusão de
representações sociais e culturais de um povo, que são escrituradas na certeza de querer
harmonizar ideais, posições, convicções contraditórias, antagônicas, num determinado tempo
histórico. Por conseguinte, a Norma Fundamental que inaugura o sistema jurídico e político
são formas de ver, agir, fazer e sentir de um povo.
Desse modo, uma Constituição deve ser estudada não apenas por administradores do
Estado, governantes, legisladores, professores universitários, e sim por todos, pois deveriam
entendê-la e também interpretá-la para poder respeitá-la, visto que se deveria não só conhecer
e ler sua letra, mas também compreender seu espírito, seus significantes e significados e
igualmente os sentidos que estão escondidos por traz das suas palavras.
Assim, estudar o texto constitucional e discutir o conceito de Constituição é uma
tarefa contínua e requer dedicação, paixão e vocação. E é por esta razão que se convida o
leitor a estudá-la a partir do desvelamento de seu conceito, através da consulta aos clássicos
do estudo constitucional. Por isso, tem-se como problema central do trabalho o fato de uma
Constituição ser ou não uma representação social.
Este trabalho parte das seguintes hipóteses: a Constituição é uma maneira de
representação social e que, ainda sendo uma maneira de representar o povo, ela apresenta
lacunas, as quais não garantem que esse engajamento como o povo se dê de modo completo.
Para utilizar essas hipóteses, pretende-se desvelar as posturas clássicas dos
pensadores do campo do Direito Constitucional, em especial Lassalle, Kelsen, Loewenstein,
Carl Schmitt, Bonavides e Gomes Canotilho, no sentido de identificar a concepção de cada
um sobre o que é uma Constituição e apresentar diferentes construções teóricas reveladoras do
pensamento científico-filosófico, libertando a teoria do direito constitucional da ortopedia
interpretativa divulgada nos manuais. Além disso, questionar-se-á se a Constituição é ou não
uma representação social, se ela de fato é reflexo dos anseios da sociedade que nela existe, ou
se é apenas espelho dos ideais de quem a elaborou.
Assim, o presente trabalho tem como justificativa reforçar a discussão sobre
representação social, assunto tão pouco comentado no ambiente jurídico e que se mostra
relevante não somente nos bancos das faculdades de Direito mas também para toda a
sociedade brasileira.
10
Tem-se como objetivo geral demonstrar que a Constituição Federal de 1988 é uma
maneira de representação social do seu povo, ainda que não se mostre como uma
representação completa.
Já os objetivos específicos, serão demonstrados no decorrer do trabalho, inicialmente
entendendo como alguns autores clássicos compreendem as concepções constitucionais. Em
continuidade, seguir-se-á o caminho até que se apresente o porquê da Constituição ser uma
maneira de representação social.
A metodologia utilizada na pesquisa será a analítica. Nota-se que atualmente é
restrito o material acadêmico que trata do tema, principalmente no Direito, razão pela qual o
trabalho busca trazer um conhecimento para se familiarizar com o tema, vez que o assunto é
relativamente novo no ambiente jurídico brasileiro.
Quanto aos meios para coleta de informações, a metodologia empregada foi a revisão
de material bibliográfico, utilizando-se majoritariamente de livros, monografias, teses e
artigos, tentando trazer o que há de mais atualizado no assunto para a pesquisa.
Ademais, compreende-se a Constituição como uma escritura jurídica e política,
construída num determinado tempo histórico, sendo, portanto, produto e processo das
representações sociais de uma época; do ponto de vista da sua escritura, considera-se a
Constituição como a grande catedral do espírito de um povo, representado numa Assembleia
Nacional Constituinte cujo objetivo é elaborar este edifício político e jurídico.
Uma Constituição está dividida em títulos, compreendidos aqui como naves do
edifício catedral, capítulos metaforizados como os altares desta catedral política e jurídica
econômica, os nichos consubstanciados através das seções, o preâmbulo, que é o verdadeiro
pórtico de entrada, as ADCTs entendidas aqui como deambulatórios e as capelas radiais
construídas posteriormente são as emendas.
Nessa trilha escritural, necessário se faz buscar nos arquivos da cultura ocidental
filosófica e política as evocações dos antigos, delineadas nos fragmentos escolhidos do livro
de Simone Goyard Fabre (1999), que sintetiza qual é o sentido de uma Constituição e também
qual era o entendimento do saber filosófico sistematizado sobre o que é a lei e o que é uma
Constituição.
As Constituições são possuidoras também de princípios que são verdadeiras
estruturas de sustentação do edifício, sendo também as formas de saber estruturantes e
estruturadas. As Constituições possuem duas faces, imitando assim o antigo deus Janus, da
religião romana antiga. Trata-se de uma face jurídica e uma face política. A Constituição
11
possui também um núcleo duro formado por normas invioláveis e um núcleo periférico como
uma ordem aberta que vai se transformando dentro da dialética social.
Pode-se dizer, conforme José Afonso da Silva (2015, p.37) que as constituições
classificam-se em:
a) Quanto ao Conteúdo, em Materiais e Formais;
b) Quanto à Forma, em Escritas e Não Escritas;
c) Quanto ao modo de elaboração, em Dogmáticas e Históricas;
d) Quanto à Origem, em Populares (democráticas) e Outorgadas;
e) Quanto à Estabilidade, em Rígidas, Flexíveis e Semirrígidas.
Em sendo assim, a Constituição Material é concebida de forma ampla quando se
identifica com a organização total do Estado e com o regime político, sendo que no sentido
restrito aquela designa as normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não
num documento escrito que regulam a estrutura do Estado concomitantemente com a
sistematização de seus órgãos e os direitos fundamentais.
Já a Constituição Formal constitui-se na cristalização do Estado sob forma escrita,
consubstanciada em documento solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente
modificável por processos e formalidades especiais já estabelecidas anteriormente.
Denomina-se constituição escrita àquela que é codificada e sistematizada em um texto único,
sob as normas da razão e através de um órgão constituinte, que encerram as normas
fundamentais concernentes à estrutura do Estado, à organização dos poderes, seu exercício,
seus limites e seus direitos políticos, individuais, coletivos, econômicos e sociais.
Nessa proposta de reflexão e explicação metodológica, percebemos que a ciência
política, a teoria da Constituição se difunde entre um grupo de estudantes e mestres,
observaremos que as categorias de análise destas disciplinas e ciências servem para descrever
o que é liberdade, o que é escravidão, fraternidade, igualdade, exploração, o que é um estado
teocrático, feudal, liberal, democrático, o que é uma constituição cesarista, etc. Todo esse
aparato conceitual é inculcado, e está disposto para explicar problemas sociais, estádios de
uma sociedade, e desse modo os homens daquela sociedade passam a explicar, compreender
sua vida no mundo, seus dramas, a origem das misérias sociais, das instituições sociais, do
estado, da economia das doenças sociais, dos preconceitos, do racismo, da dominação
masculina.
Diz-se que a Constituição não escrita é aquela cujas normas não são desenhadas em
documento único e solene, entretanto, são consagradas através dos costumes, na
jurisprudência e nas convenções como é o caso da Constituição Inglesa.
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Chama-se de Constituição dogmática aquela sempre escrita, confeccionada por um
órgão constituinte que sistematiza os dogmas ou os ideais fundamentais da teoria política e do
direito dominante de uma época; e Constituição histórica, ou costumeira (não escrita), que
resulta de lenta formação histórica e do lento evoluir das tradições, dos fatos-sociais-políticos
que se cristalizam como normas fundamentais da organização de determinado Estado.
Já as Constituições populares são consubstanciadas de um órgão constituinte composto
de representantes do povo, eleitos para elaborar e estabelecer as mesmas. Temos como
exemplo as Cartas brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.
Enquanto as Constituições outorgadas são aquelas efetivadas sem a participação do
povo. São chamadas de cesaristas, pois são formadas por plebiscito popular sob um projeto
confeccionado por um imperador ou ditador, em que a participação do povo não é
democrática, pois visa ratificar a vontade do detentor do poder.
Nesta classificação geral têm-se as Constituições consideradas rígidas, que somente
são alteráveis mediante processos, solenidades e exigências especiais. Em contrapartida, as
Constituições do tipo flexíveis são aquelas que podem ser livremente modificadas pelo
legislador, segundo o mesmo sistema de elaboração das leis.
De modo geral, as Constituições não devem ser absolutas, elas são transformadas
diante da realidade social, pois elas não são somente instrumentos de ordem, mas de
progresso social.
13
2 A DINÂMICA DOS CLÁSSICOS E AS CONCEPÇÕES CONSTITUCIONAIS
2.1 IMPORTÂNCIA E CONTORNO DOS CLÁSSICOS
São as obras clássicas que tecem os fios dos saberes entre o passado, o presente e o
futuro, são as matrizes do saber. São obras que inauguram um campo, que revolucionam o
velho, que engravidam a consciência com pensamentos novos, com o que ainda vai acontecer
ou que trazem à tona aquilo que já está acontecendo. Desse modo, ler um clássico é
descortinar o mundo, é ampliar o imaginário e fazer um movimento em seus hormônios, é
desafiar o que já foi simbolizado e que pede para ser superado.
Nesse sentido, os clássicos:
São aqueles livros que chegaram até nós trazendo consigo as marcas das leituras que
precederam à nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas
que atravessaram, ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes, (...) um
clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos
sobre si, mas continuamente as repele para longe (...). Chama-se de clássico um livro
que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs
(...). “É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a
atualidade mais incompatível” (CALVINO, 1997, p. 14-16)
Não se poderiam deixar de ler as obras dos clássicos do Direito Constitucional e de
sua teoria, pois eles são o sustentáculo para que se possa falar em epistemologia do Direito
Constitucional. Estes autores ampliaram os horizontes do saber constitucional no sentido de
possibilitar uma interpretação no campo do Direito Constitucional e da existência de um
construto teórico-metodológico para o Direito Constitucional.
É através deles que se pode desvelar este campo (o discurso e a linguagem do direito
positivo), classificando, identificando categorias de análise, interpretando, nomeando,
discutindo, efetivando assim um fazer científico, um fazer de pesquisador no campo do
direito. Portanto, o primeiro passo na vocação de cientista é o da leitura e reflexão sobre as
letras dos clássicos.
Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se houve dizer estou relendo e
nunca estou lendo (...) dizem-se clássicos aqueles livros que constitui uma riqueza
para os que tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem
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se reserva à sorte de tê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-
los. (CALVINO, 1997, p.9-10)
Nenhuma construção teórica é obra do acaso, mas da lucidez de um pensador frente a
sua realidade social e histórica. Entretanto, a construção de uma teoria pode ser a partir da
visualização de um contexto histórico ou de seu final, pode surgir frente às contradições entre
o novo e o velho. Sendo assim, aqueles que conseguem vislumbrar a complexa relação entre
os humanos e sua época, dá-se o nome de clássicos.
Desse modo, Weffort, (1990, p.8) enuncia que “dizer que um pensador é clássico
significa dizer que suas ideias sobreviveram ao seu próprio tempo e, embora ressonância de
um passado distante é recebida por nós como parte constitutiva de nossa realidade”.
Por fim, os clássicos ajudarão a entender os contornos tomados pela Carta Brasileira
de 1988, expondo o que foi utilizado de cada referência aos clássicos, tentando cumprir o
papel de abalizadores na criação da Carta Magna do Brasil.
2.2 FERDINAND LASSALLE: O VIÉS SOCIOLÓGICO
Lassalle, em sua obra “Über die Verfassung” (Sobre a essência da Constituição),
explicita com bastante clareza os fundamentos sociológicos das constituições: os fatores reais
do poder. Para ele, trata-se de conjunto de forças vivas que atuam politicamente com base na
lei (Constituição), no sentido de preservar as instituições jurídicas vigentes.
Foi com base na categoria de análise “fatores reais de poder” que Lassalle estruturou
toda sua teoria sociológica da Constituição, pois denominou de fatores reais de poder ao
conjunto das forças vivas que atuam politicamente na sociedade.
Desse modo:
juntam-se estes fatores reais do poder, escrevemo-los em uma folha de papel, dá-se-
lhes expressão escrita e a partir desse momento, incorporados a um papel, não são
simples fatores reais do poder, mas sim verdadeiro direito, nas instituições jurídicas
e quem atentar contra eles atenta contra a lei e, por conseguinte, é punido. Não
desconheceis também o processo que se segue para transformar esses escritos em
fatores reais do poder, transformando-os desta maneira em fatores jurídicos
(LASSALE, 2005, p. 35)
15
Atuar politicamente numa sociedade significa agir com base na lei. Entretanto, lei em
Lassalle é o equilíbrio encontrado pelo relacionamento dinâmico entre os fatores reais de
poder. Desse modo, atuar com base na lei quer dizer a preservação do status dos fatores reais
efetivos, o que exprime a manutenção da Constituição efetiva à única possível e necessária.
Conforme Lassalle, representam os fatores reais do poder (já que ele analisa a situação
da Alemanha no século XIX): a monarquia, a aristocracia, a grande burguesia tutelada e os
banqueiros.
Apesar de nominar esses fatores reais de poder, para a Alemanha de sua época, não
se deve esquecer que Lassalle quis oferecer a ciencia do constitucionalismo uma
categoria de analise, uma categoria universal, ou seja, válida em toda e qualquer
sociedade e em todo e qualquer movimento histórico: a constituição é reflexo das
forças vivas em movimento continuo que agem em uma sociedade.
Lassale universaliza a problemática comum a todas as organizações, todas as
sociedades, cuja manutenção se dá através do equilíbrio das forças que nela atuam: a esse
equilíbrio Lassale chamou de Constituição.
Nessa perspectiva, convém escriturar um conceito de Constituição elaborado pelo
professor J. H. Meireles Teixeira quando ensinou que uma Constituição:
é a fonte imediata, fundamental do Direito Constitucional, síntese da organização
política e jurídica do Estado, repositório supremo das normas fundamentais dos
ordenamentos jurídicos entre as quais as assecuratórias das liberdades civis e
políticas, e as determinantes dos fins do Estado e dos limites postos à sua atividade
(TEIXEIRA, p. 265-266).
Já Lassalle, apresenta outro conceito de Constituição:
Essa é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais
do poder que regem um país (...). Uma Constituição real e efetiva a possuem e hão
de possuí-la sempre todos os países, pois é um erro julgarmos que a Constituição é
uma prerrogativa dos tempos modernos. Não é certo isso. Da mesma forma, e pela
mesma lei da necessidade que todo corpo tem uma constituição própria, boa ou má,
estruturada de uma ou de outra forma, todo país tem, necessariamente, uma
Constituição real e efetiva, pois não é possível imaginar uma nação onde não
existam os fatores reais do poder, quaisquer que eles sejam (...). (LASSALE, 2005,
p. 35)
16
Percebe-se que o supracitado autor trabalha a palavra Constituição no sentido
basicamente material, real, ou seja, naquele que representa efetivamente o laço realizado entre
os fatores reais de poder que agem numa dada época. Ou melhor, a Constituição aqui
explicada vem dizer a verdade da organização de uma determinada sociedade, aquela que
reflete as pulsões da articulação dos fatores reais efetivos do poder.
Lassale, com seu olhar macroscópico e microscópico, observa a tipologia das
constituições advindas do divórcio entre o Estado e a sociedade, em que a Constituição
exprime o lado jurídico do compromisso do poder com a liberdade, e a conexão Estado e
indivíduo.
Esta é a constituição folha de papel, citada pelo autor alemão, corresponde à
Constituição do Estado Liberal, é a ela que sarcasticamente Lassale se reportou no livro “O
que é uma constituição”.
Em Lassalle, pode-se identificar que o Direito é destituído de autonomia, ficando
assim, reduzido a ser um instrumento de disputa do poder – é apenas uma força para
manutenção do status quo, passando a ser a conveniência dos mais fortes no tecido social.
Os fatores reais de poder se organizam na plêiade das classes dominantes que
controlam a produção normativa em dada sociedade. Grupos que teriam desejos em
confeccionar normas jurídicas que beneficiassem suas aspirações.
Logo, a eficácia de uma Constituição na letra de Lassalle é a de ela estar em sincronia
e a serviço das classes dominantes e dos blocos históricos e com os fatores reais de poder,
atendendo a seus interesses, pois esta simetria se torna o requisito de sua obediência. A crítica
que se efetiva a Lassalle é a do desconhecimento da força normativa do texto constitucional, e
de que esta norma também é resultante das representações sociais e culturais do povo de uma
época.
2.3 HANS KELSEN: SOB O OLHAR DO POSITIVISMO JURÍDICO
No pensamento clássico jurídico, uma das teorias mais significativas é a letra do
austríaco Hans Kelsen (1881-1973). O supracitado autor vê a Constituição como sendo
“norma pura”, apresentando esta como puro dever-ser, sem qualquer fundamentação
sociológica, política ou filosófica. Kelsen veio mostrar que a ordem jurídica formaria uma
pirâmide normativa hierarquizada, na qual cada norma se fundamentaria em outra e a
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chamada norma fundamental seria aquela que legitimaria toda estrutura normativa, cujo
objeto da ciência do direito seria apenas o estudo da norma jurídica.
Segundo Kelsen:
A norma jurídica que regula a produção é a superior, a norma produzida segundo as
determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de
normas jurídicas ordenadas no mesmo plano[...] mas é uma construção escalonada
de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas [...]. A norma fundamental –
hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que
constitui a unidade desta interconexão criadora [...] A constituição representa o
escalão do direito positivo mais elevado [...] significa-se a norma positiva ou as
normas positivas através das quais é regulada a produção das normas jurídicas
gerais...(Kelsen, 1998, p.247).
A norma hipotética fundamental não dispõe de nenhum conteúdo. De acordo com
Kelsen, sua função é iniciar o mundo jurídico validando a Constituição. Esta vem a ser a liga
que consolida as normas infraconstitucionais, tendo a função estruturante do ordenamento
jurídico de modo racional e sistêmico, evitando contaminações que colocariam em risco sua
eficácia.
No pensamento de Kelsen, os elementos conceituais “ciência jurídica”, “direito” e
“Estado” se confundem, visto que:
O direito é um sistema de normas que atribuem sanções para aqueles que não
cumprirem o preceituado; Enquanto o Estado, tanto em seu livro “Teoria pura do
direito” quanto na obra “Teoria do direito e do Estado”, este é a fonte do direito e
pode ser sintetizado como um sistema de normas que prescrevem sanções de formas
ordenadas. Sem estas normas o Estado deixa de existir de forma organizada., visto
que a organização como fenômeno da rdenação de partes é aquilo que faz de uma
multidão um Estado1 (BOBBIO, p.46).
1 É louvável refletir sobre o que disse Norberto Bobbio (1991), em seus estudos sobre Hegel e sobre Direito
Sociedade civil e Estado: “O Estado pode representar-se como um conjunto de pedras encaixadas. Esse encaixe é
a constituição, que é um encadeamento racional das partes de uma única autoridade estatal. Mas a constituição é
somente o meio para formação do Estado, não é o seu fundamento: mas uma vez, como tudo aquilo que se refere
ao direito, é a forma, não substância”. Desse modo, o direito remete o indivíduo a alguma coisa que está além do
direito, ou seja, a política e, desse modo, através da política, vem à tona a força unificadora que faz partejar a
constituição. Portanto, o direito vem organizar e sistematizar como obra do espírito, o direito vem estabilizar a
força. A força é a pulsão que não passou pela domesticação, entretanto é a força que inaugura o direito e o
Estado.
18
2.4 CARL SCHMITT: A CONCEPÇÃO DECISIONISTA DA CONSTITUIÇÃO
Segundo Jorge Miranda, em seu livro “Teoria do Estado e da constituição”, a
concepção decisionista tem em Carl Schmitt o seu maior expoente, uma vez que é o
supracitado autor quem vai distinguir quatro conceitos básicos em relação à constituição:
“Schmitt distingue quatro conceitos básicos de constituição: um conceito absoluto (...) um
conceito relativo (...) um conceito positivo (...) e um conceito ideal (...)” (MIRANDA, 2002,
p. 343-344).
Desse modo, uma constituição é válida enquanto emana de um poder constituinte e
se estabelece por sua vontade. A constituição é uma decisão consciente que emana da unidade
política, através do titular do poder constituinte, (isto é, em uma democracia: do povo; em
uma monarquia: do monarca). Em sendo assim, a essência de uma constituição não reside
numa lei ou numa norma. Reside na decisão política do titular do poder constituinte.
Um conceito absoluto (a constituição como um todo unitário) pode significar uma
concreta maneira de ser, resultante de qualquer unidade política existente formando quatro
espécies:
a) A constituição representa a existência política e ordenação social de um Estado;
b) A constituição teria como significado o de estruturar a forma de governo de um Estado,
delineando a atuação do poder político na sociedade (portanto, a constituição significa uma
maneira especial de ordenação política e social. (SCHMITT, 2003, p. 30));
c) A constituição ancora o princípio do vir a ser e o dinamismo de uma unidade política, dos
fenômenos de uma continuidade com renovações. Aqui, se entende o Estado como algo em
transformação, onde surge sempre o novo. Desse modo, a constituição regulamenta o
processo político, abrindo espaço para que o ordenamento seja modificado por novas decisões
políticas;
d) A constituição em sentido absoluto pode significar uma regulação legal fundamental, um
sistema de normas supremas e últimas normas, sendo má normatização total da vida do
Estado, da lei fundamental, no sentido de uma unidade cerrada da lei. Aqui, a palavra
constituição designa uma unidade e totalidade (SCHMITT, 2003, p. 33). A constituição é
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individualizada como norma suprema do ordenamento, a lei das leis, a normatização
imperiosa de toda vida estatal.
Conforme Carl Schmitt (2003, p.63), a constituição é a lei fundamental ou uma norma
absolutamente inviolável que não pode ser nem reformada nem contaminada. Ou melhor, é a
lei fundamental ou princípio unitário da unidade política e da organização social. Em
particular, a constituição tem como princípio a organização estatal (os direitos fundamentais,
a divisão de poderes e, no caso das monarquias constitucionais, o chamado princípio
representativo).
Também deve-se analisar a Lex Mater sob a ótica formal, como constituição escrita,
em que aquelas normas que estão inseridas no seu texto se diferenciam das demais por
necessitarem de um procedimento mais difícil para sua modificação.
Vale destacar que as Constituições modernas trazem no seu seio a ideologia burguesa
que predominou no século XVIII. Essas constituições correspondem às garantias de liberdade
burguesa e o próprio direito à liberdade.
Desse modo, as constituições são: a) um sistema de garantias e da liberdade burguesa;
b) são possuidoras das chamadas divisões dos poderes, que é o conteúdo necessário e ideal de
uma constituição autêntica do liberalismo; c) documentos institucionais inscritos, sendo
portanto, um pacto instrumentalizado entre o príncipe, os estamentos sociais e os
representantes do povo; tornando-se assim uma constituição escrita e a expressão de uma
situação política (SCHMITT, 2003, p. 61). A análise da Constituição é feita sob o prisma de
sua sincronia com o desenvolvimento dos fatos sociais.
Segundo Schmitt (2003), a estrutura da constituição se formaria a partir de uma
decisão política, no modo como o poder iria se consolidar em uma sociedade. O direito, em
sua estrutura, não se alicerçaria em normas jurídicas ou numa pretensa norma hipotética
fundamental, elas seriam apenas negativas-ocupando-uma-posição-secundária-frente a uma
decisão política que formataria os elementos consubstanciais das normas.
Nesse caso, o campo jurídico ficará subordinado ao campo político, pois o arrimo de
uma constituição é a vontade política. O titular do poder constituinte é o responsável por
emitir a decisão política.
A constituição, nessa perspectiva, surge como ato do poder constituinte. É a decisão
consciente que a unidade política, através do titular do poder constituinte, dá a si própria e se
adapta por si própria. Desse modo, a essência da constituição não reside, pois, numa lei ou
numa norma; reside na decisão política do titular do poder constituinte (isto é, do povo em
uma democracia ou do monarca em uma monarquia).
20
2.5 KARL LOEWENSTEIN: A DISPUTA PELO PODER POLÍTICO
Jorge Miranda (2002) escreve que, de acordo com Karl Loewenstein, a análise
ontológica da concordância das normas constitucionais com a realidade do processo do poder;
mostrando que uma constituição é o que os detentores do poder dela fazem na prática,
dependendo esta do meio e das construções de poder no tecido social e político.
Para Loewenstein, a realidade ontológica da constituição não é senão a formalização
da situação do poder-dominação política que existe, beneficiando com exclusividade os
detentores da dominação.
Karl Loewenstein compreende a constituição como um instrumento de controle para a
disputa pelo poder-dominação do ponto de vista legal-racional-burocrático, delimitando as
relações ocasionadas entre os detentores e os destinatários desse processo político. Tem como
função primordial a limitação legal dos detentores do poder, com base na divisão
constitucional das competências, através dos limites expressos na doutrina europeia e norte-
americana.
Partindo desse pressuposto, Loewenstein inicia sua análise sobre as constituições com
fundamentação na sua concretude normativa, incidente no processo pela disputa do poder. Ela
seria avaliada mediante sua eficácia frente aos agentes e atores políticos, conseguindo reger
com parâmetros legais a busca pela hegemonia política na sociedade.
Nessa perspectiva, as Constituições dividem-se em:
a) Normativas: são aquelas efetivamente obedecidas pelos detentores das diretrizes
políticas e por todas as parcelas da população. Ela oferece o conjunto de normas para
estruturação dos órgãos políticos, regula a disputa partidária e outorga os direitos
fundamentais;
b) Nominais: não logram conformação pela realidade. Representam aqueles textos que, no
procedimento de sua formulação, desrespeitam a realidade fática, ou que pela dialética dos
fatos sociais, tornam o texto escrito obsoleto. Estas constituições se encontram em países com
pouca vivência democrática, onde a população vive num estado de analfabetismo, cujos
cidadãos não participam dos negócios políticos do Estado;
c) Semânticas: são aquelas que legitimam os detentores do poder político, mantendo o
status quo por tempo indeterminado.
21
Seria uma carta constitucional efetivada para servir aos detentores do poder, sem
escutar os anseios das demais classes sociais relegadas pelo governo. Constitui-se um
instrumento a serviço de legitimar e perpetuar o poder das elites que dirigem o país.
2.6 CONSTITUIÇÃO NO ENTENDIMENTO DE PAULO BONAVIDES
O construto teórico de Paulo Bonavides começou a ser sistematizado no momento
em que o Brasil atravessava os barcos da história, com transformações inevitáveis e a
necessidade de efetivar reflexões sobre a estrutura de suas instituições2.
Para Bonavides, do ponto de vista material, “a constituição é o conjunto de normas
pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade,
à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individual como sociais”
(BONAVIDES, 2012, p. 57).
Tem-se aqui a constituição política, isto é, uma das faces de uma constituição, ou
melhor, da constituição do Estado, escriturando o conteúdo básico necessário ao
funcionamento da instância política, considerando aqui a constituição como documento
2 Importa referenciar a teoria do poder constituinte escriturada por Paulo Bonavides, na qual este refere que “a
teoria do poder constituinte é basicamente uma teoria da legitimidade do poder. Surge quando uma nova forma
de poder, contida nos conceitos de soberania nacional e soberania popular, faz sua aparição histórica e
revolucionária em fins do século XVIII” (BONAVIDES, 2006, p. 141).
O poder constituinte pode ser classificado em poder constituinte originário ou de primeiro grau e poder
constituinte derivado, constituído ou de segundo grau. O poder constituinte originário estabelece a constituição
de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses da comunidade. De
acordo com Paulo Bonavides: “costuma-se distinguir o poder constituinte originário do poder constituinte
constituído ou derivado. O primeiro faz a constituição e não se prende a limites formais: é essencialmente
político ou, se quiserem, extrajurídico. O segundo se insere na Constituição, é órgão constitucional, conhece
limitações tácitas e expressas, e se define como poder primacialmente jurídico, que tem por objeto a reforma do
texto constitucional.” (BONAVIDES, 2013, p. 146). De acordo com dialética da história pode-se dizer que
existem duas formas básicas de parturição do poder constituinte originário: uma é através da Assembleia
Nacional Constituinte (convenção) e a outra é através de movimentos revolucionários (outorga). O poder
constituinte originário possui as seguintes características: caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e
incondicionado. O poder constituinte é inicial, pois sua obra, a Constituição, é o sustentáculo da ordem jurídica,
política e econômica; é ilimitado e autônomo, pois não está de modo algum limitado pelo direito anterior, não
tendo que respeitar os limites postos pelo direito positivo antecessor. Também não está sujeito a qualquer forma
pré-fixada para manifestar sua vontade; não tem ela que seguir qualquer procedimento determinado para realizar
sua obra de constitucionalização.
22
superestrutural político, numa postura dialética, enquanto numa postura compreensiva trata-se
da esfera política.
Para Paulo Bonavides, o conceito de constituição formal pode ser desvelado a partir
do seguinte entendimento:
As constituições não raro inserem matéria de aparência constitucional assim se
designa exclusivamente por haver sido introduzida na Constituição, enxertada no
seu corpo normativo e não porque se refira aos elementos básicos ou institucionais
da organização política (BONAVIDES, 2013, p. 81).
Nessa perspectiva, existe um conjunto de matérias que foram inseridas no texto
constitucional, mas que deveriam ser tratadas através de legislação ordinária. Entretanto,
foram inseridas na Constituição ou implantadas em seu corpo normativo para que tivessem o
gozo da garantia e do valor superior que é dado ao texto constitucional, quando esses
elementos não são básicos ou institucionais da ordem política.
2.7 A COMPREENSÃO DA CONSTITUIÇÃO DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO
DE JJ GOMES CANOTILHO
Conforme elaboração conceitual do teórico José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p.
888), “a Constituição é a norma das normas, a lei fundamental do Estado, o escalão normativo
superior de um ordenamento jurídico. Daí resulta uma pretensão de validade e de observância
como norma superior directamente vinculante em relação a todos os poderes públicos”.
Canotilho delineou uma teoria da constituição em que a mesma pode ser
compreendida como: a) a constituição como ordem-aberta, b) a constituição como ordem-
quadro.
Segundo o citado autor, a constituição é a ordem jurídica fundamental do Estado,
sendo também o estatuto jurídico-político. Desse modo, pode-se captar as dimensões
fundamentais de qualquer texto constitucional como: “pretensão de estabilidade na sua
qualidade de ordem jurídica fundamental ou de estatuto jurídico e pretensão de dinamicidade,
tendo em conta a necessidade de ela fornecer aberturas para as mudanças no seio do político”
(CANOTILHO, 2003, p. 1435).
23
Busca-se numa constituição a estabilidade política, mas também a mesma deve estar
aberta com relação à continuidade e à mudança. Desse modo, os textos constitucionais
procuram dar certeza, vinculabilidade e a calculabilidade necessária a qualquer ordem
jurídica, através de princípios e procedimentos socialmente institucionalizados.
O texto constitucional também vem contemplar procedimentos de mudança, no
sentido de captar a dinamicidade da vida política e social.
Canotilho também delineia uma constituição como ordem-quadro. Nesse sentido,
“para ser uma ordem aberta a constituição terá de ser também uma ordem-quadro, uma ordem
fundamental e não um código constitucional exaustivamente regulador” (CANOTILHO,
2003, p. 1436).
O mencionado autor também delimitará as funções clássicas da Constituição. Uma
das funções primordiais de uma lei constitucional continua a ser a da revelação normativa do
consenso fundamental de uma comunidade política, escriturada através de princípios
nucleares como o princípio democrático, o princípio republicano, o princípio da dignidade da
pessoa humana. Estes princípios, valores e ideias diretrizes, servem de padrões de conduta
política e jurídica nessa comunidade.
Seguindo a linha da razão, a Constituição confere legitimidade ao ordenamento
político segundo os princípios consagrados na constituição, da legitimação aos respectivos
titulares do poder político:
a constituição pertence também uma importantíssima função de legitimação do
poder. É a constituição que funda o poder, é a constituição que regula o exercício do
poder, é a constituição que limita o poder. Numa palavra: é a constituição que
justifica ou dá legitimação ao poder de mando, ou, para utilizarmos uma formulação
clássica, é a constituição que confere legitimação ao exercício da coação física
legítima” (CANOTILHO, 2003, p. 1440)
Já a função garantística é uma das principais funções da constituição. Os direitos
constitucionalmente garantidos e protegidos retratam a positivação jurídico-constitucional de
direitos e liberdades: “a constituição assume-se e é reconhecida como direito superior, como
lei superior, que vincula, em termos jurídicos, e não apenas políticos, os titulares do poder”
(CANOTILHO, 2003, 1440).
Dentre as principais funções da constituição inclui-se a de ela ser uma ordem jurídica
fundamental, uma ordem fundamental do Estado, sendo este concebido como complexo
24
institucional, é determinado e conformado a um modo de atuar pelo direito (Estado de
Direito) e em sendo assim, pelo direito escriturado na constituição.
Referenciando mais uma vez Canotilho:
a constituição é ainda uma ordem fundamental, outro sentido: no sentido de
constituir a pirâmide de um sistema normativo que nela encontra fundamento. Nesse
sentido, a constituição aspira como se viu, à natureza de norma das normas (...), pois
é ela que fixa o valor, a força e a eficácia das restantes normas do ordenamento
jurídico (das leis, dos tratados, dos regulamentos, das convenções colectivas de
trabalho, etc.). (CANOTILHO, 2003, p. 1441)
Dado seu status de ordem fundamental do Estado, é função da constituição criar os
órgãos constitucionais de soberania, definindo-lhes as competências e atribuições e o seu
cumprimento:
a constituição pertence definir os princípios estruturantes da organização do poder
político (...) é nesse sentido que se diz que a constituição dá forma ao estado através
da constitucionalização da forma de governo (governo parlamentar, governo
presidencialista, governo semi-presidencialista, etc)” (CANOTILHO, 2003, p.
1441).
Nesse diapasão, a Constituição vem a ser a letra que consolida o poder de uma
determinada sociedade, e por isso, se consubstancia como instrumento ideológico nas mãos de
grupos e blocos históricos que sobem ao poder ou são hegemônicos durante um tempo,
deixando de ser um sujeito para os sujeitos para ser uma ferramenta-instrumento de poder.
Buscou-se analisar a tessitura do conceito de constituição sob vários prismas, em
prima facie, destacou-se Lassale, para quem a constituição é formatada a partir de um núcleo
basilar: os fatores reais de poder. Enquanto para Kelsen, jurista do “Círculo de Viena”, a
constituição é a norma hipotética fundamental, norma básica. Para Schmitt, a constituição
advém de uma decisão política. Por outro lado, na concepção de Karl Loewenstein, a
constituição é concebida como uma representação de controle para disputa pelo poder,
podendo ser cumprida por aqueles que fazem a condução e a direção da política, sendo,
portanto, legitimadora da continuidade do status quo das elites que possuem o poder.
Em relação aos conceitos de J. J. Gomes Canotilho e Paulo Bonavides, os mesmos
situam-se entre o pensamento democrático-liberal e democrático-social, sem deixar de serem
25
fiéis seguidores dos candelabros do positivismo jurídico. Tais conceitos servirão de guia para
o desenvolvimento do trabalho, dando amparo teórico e servindo como base para uma
reflexão crítica sobre a Constituição do Brasil de 1988.
26
3 A CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
3.1 VESTÍBULO: AS PALAVRAS E OS DIREITOS
Uma constituição não é apenas um conjunto de páginas cruzadas de alto a baixo por
letras, palavras, frases, títulos, capítulos, sessões, vírgulas, artigos. Ela é a norma inaugural do
Estado e do sistema jurídico-político, o tecido de uma coletividade. Portanto, ela não deve ser
apenas interpretada, deve ser vista com o olhar da vertigem, com o juízo crítico reflexivo,
capaz despertar espanto, curiosidade e investigação.
Uma Constituição é um destino, é o retrato da história comunitária de um povo, é o ser
de uma geração, que apesar da diversidade está envolto pelos laços dos indivíduos receptivos
e homogêneos.
Uma Constituição é um mundo comum, uma comunidade, fundada num engajamento
comum, realizando-se no destino e no sentido do sujeito do desejo e do sujeito dos direitos
para que todos possam ser partícipes dos mesmos direitos e garantias.
Uma Constituição é uma carta de direitos, - estes conquistados ao longo das lutas de
classes. Desse modo, ela contém na sua estrutura os significantes dos direitos conquistados ao
longo do fazer da história da humanidade, em uma luta contínua entre dominadores e
dominados. Em sendo assim, a constituição é a escrita do ser pensante e do ser desejante ou
melhor, do sujeito do direito que é o sujeito do desejo.
Desse modo, a Constituição é a guardiã dos direitos e garantias fundamentais, visto
que os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, e as garantias são os
instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos, ou que os repara,
caso venham a ser violados.
Dentro das reflexões postas nesta escritura, só existe Constituição se ela norteia os
direitos dos homens, os direitos com relação à democracia e a paz. Se a democracia não é
ainda vivenciada, é pelo fato de ter em seu caminho classes dirigentes que mesmo inseridas
no campo da democracia impedem a esta de incorporar novos direitos. Portanto, continua-se a
possuir adversários na busca pelos direitos e estes não são mais adversários da casta religiosa,
ou da casta política ou da casta econômica.
Têm-se hoje adversários fruto do progresso tecnológico. Assim, há de se lutar para que
os direitos de primeira, segunda, terceira e quarta geração sejam passados para o ato, não
ficando estes apenas no texto constitucional como letras mortas. Enfim, há também se de lutar
por novos direitos, como o de ter um ambiente saudável e contra as ameaças que colocam a
27
vida em perigo, direito à segurança, direito ao trabalho, direito ao casamento entre pessoas do
mesmo sexo, direito à adoção de filhos das parcerias homoafetivas, direito ao desejo, direito à
saúde e direito à educação.
Em conseguinte, a Constituição de 1988 classifica o gênero direitos e garantias
fundamentais em cinco espécies: Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (Capítulo I – art.
5º), Direitos Sociais (Capítulo II – art. 6º e 193), Direitos da nacionalidade (Capítulo III – art.
12), Direitos Políticos (Capítulo IV – art. 14 a 17), Partidos Políticos (Capítulo V). São eles:
direitos são dispositivos declaratórios que imprimem existência ao direito
reconhecido. Por sua vez, as garantias podem ser compreendidas como elementos
assecuratórios, ou seja; são dispositivos que asseguram o exercício dos direitos e, ao
mesmo tempo, limitam os poderes do Estado (CHIMENTI, CAPEZ, ROSA,
SANTOS, 2006, p.55).
Os direitos e garantias são frutos de conquistas, de lutas travadas entre aqueles que
sempre possuíram direitos e aqueles que estavam à margem dos direitos, visto que a luta pelos
direitos é a luta do ser-aí, do ser no mundo, é fruto do engajamento comum do ser pela mesma
coisa.
Dessa forma, podemos, à luz do espírito, classificar os direitos consagrados na
Constituição de forma explícita em três tipologias:
I – Direitos cujo objeto imediato é a liberdade:
a) De Locomoção – art. 5º, XV e LXVIII;
b) De Pensamento (A liberdade de consciência, de ensino, de expressão) art. 5º,
IV, IV, VII, VIII, IX;
c) De Reunião – art. 5º, XVI;
d) De associação – art. 5º, XVII a XXI;
e) De Profissão – art. 5º, XIII;
f) De Ação – art. 5º, II;
g) De Liberdade Sindical – art. 8º;
h) Direito de Greve – art. 9º.
II – Direitos cujo objeto imediato é a segurança:
a) Dos Direitos subjetivos em geral – art. 5º, XXXVI;
b) Em matéria Penal – art. 5º, XXXVII a LXVII;
c) Do Domicílio – art. 5º, XI.
28
III – Direitos cujo objeto é a propriedade:
a) Em geral – art. 5º, XXII;
b) Propriedade artística, literária, científica – art. 5º, XXVII a XXIX;
c) Hereditária – art. 5º, XXX e XXXI.
A Constituição é uma declaração de direitos, tanto individuais como coletivos,
postulando também os direitos sociais, que desde 1934 já se achavam inseridos na ordem
econômica e social. Compreende-se que a constituição de 1988 inclui as liberdades públicas
clássicas e também confere especial ênfase aos direitos concernentes a matéria penal, o direito
de informação e a defesa do consumidor.
Desse modo, José Afonso da Silva (2015) elenca um painel de liberdades extraídas do
texto constitucional como - liberdade de expressão coletiva - Liberdade de reunião, liberdade
de associação - liberdade da pessoa física (Liberdade de locomoção, de circulação) -
Liberdade de pensamento, liberdade de opinião, liberdade de religião, liberdade de
informação, liberdade artística - Liberdade de ação profissional (livre escolha e de exercício
de trabalho, ofício e profissão) - Liberdade de conteúdo econômico e social (liberdade
econômica, livre iniciativa, liberdade de comércio, liberdade ou autonomia contratual,
liberdade de ensino e liberdade de trabalho) - Liberdade de informação em geral, liberdade de
informação jornalística. Na liberdade religiosa, encontramos a liberdade de crença, liberdade
de culto, liberdade de organização religiosa, liberdade de escolha de religião, liberdade de
mudar de religião, liberdade de descrença, liberdade de ser ateu.
Uma outra paisagem constitucional está no que diz respeito ao direito à igualdade, que
constitui a catedral da democracia, visto não admitir privilégios e distinções que as
monarquias absolutistas e as repúblicas liberais consagravam.
Estar-se-á em busca da igualdade, pois vivemos numa sociedade em que as
hiperburguesias, as classes dominantes, cada vez mais produzem um oceano de
desigualdades, misérias e perversões, a ponto de efetivarem a tessitura de um novo
feudalismo.
Entretanto, a Constituição de 1988 arquiteta um mosaico em defesa da igualdade
como: igualdade perante a Lei; igualdade de homens e mulheres; igualdade jurisdicional;
igualdade sem distinção de qualquer natureza; e igualdade sem distinção de origem, cor e
raça; igualdade sem distinção de trabalho; igualdade sem distinção de credo religioso;
igualdade sem distinção de convicções filosóficas ou políticas.
No campo das garantias constitucionais individuais, o artigo 5º, XXXV consagra o
direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo sendo também
29
escriturado no artigo quinto o direito ao devido processo legal, à segurança das relações
jurídicas, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Com relação à segurança, a norma constitucional também postula no artigo quinto a
segurança do domicílio, a segurança das comunicações pessoais, a segurança em matéria
penal e a segurança tributária.
Esta última segurança, em especial, realiza-se nas garantias consubstanciadas no art.
150 da CF/1988: (a) de que nenhum tributo será exigido nem aumentado senão em virtude de
lei (inc.I); princípio da legalidade tributária; (b) de que não se instituirá tratamento desigual
entre contribuintes (inc. II); (c) de quem nenhum tributo será cobrado em relação a fatos
geradores ocorridos antes do início da vigência da Lei que os houver instituído ou aumentado,
nem no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou (inc. III); de que não haverá tributo com efeito confiscatório (inc. IV).
3.2 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
De acordo com Chimenti (2006), os direitos e garantias fundamentais possuem caráter
histórico. Nasceram no ceio das lutas de classes, principalmente com o desenvolvimento do
cristianismo, passando pelas diversas Revoluções como a Francesa e a Russa, A Primavera
dos Povos, até chegar aos tempos atuais.
Já a Universalidade abarcaria os direitos que possuem como destinatários todos os
seres humanos que são o ser-aí, o ser com o outro, o ser pensante, ser desejante, ser para o
cuidado.
De acordo com a limitabilidade, os direitos fundamentais não são absolutos
(relatividade), existindo, no caso concreto, confronto e conflito de interesses, cabendo a
solução aos interpretes ou magistrados, buscando a máxima observância dos direitos
fundamentais envolvidos.
Ainda poderiam os direitos e garantias serem exercidos cumulativamente, porém sem
serem renunciáveis, além de serem inalienáveis e imprescritíveis.
30
4 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: AS GERAÇÕES DOS DIREITOS
Karel Vasak (1997) pioneiramente classifica os direitos em gerações, visto serem estes
frutos das lutas de classes. Nessa perspectiva:
o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições
democráticas, e, ao mesmo tempo, a paz é o pressuposto necessário para a proteção
efetiva dos direitos do homem em cada estado e no sistema internacional (...)
estamos cada vez mais convencidos de que o ideal da paz perpétua só pode ser
perseguido através de uma democratização progressiva do sistema internacional e
que essa democratização não pode estar separada da gradual e cada vez mais efetiva
proteção dos direitos do homem e acima de cada um dos Estados (BOBBIO, 2004,
p. 223).
Sendo assim, os direitos do homem foram tecidos num caminho de lutas dialéticas, na
tessitura do espírito e da matéria ao longo de uma jornada de modos de produção que tiveram
em seu seio as raízes da escravidão, da servidão e de todo tipo de exploração e perversão.
Instaurados a partir do momento que surgiu a propriedade privada e concomitantemente com
a instalação da escravidão.
Desse modo, tanto Rousseau como Hegel, Marx e Nietzsche reconhecem na
escravidão a morada para toda sorte de perversão, exploração e dominação. Entretanto, os
sobrecitados pensadores, de modos diversos, abrem caminhos para que o homem busque por
seus direitos.
Rousseau defende o direito à democracia, de modo universal. Marx propõe a
solidariedade e a união de todos, na busca de uma igualdade real substancial. Nietzsche clama
pelo direito à autonomia, ao desejo e ao instinto, que ficaram encarcerados em uma razão
metafísica, platônica e escolástica. E Hegel adverte ao homem pela busca do direito de
construir um Estado ético, cujo propósito é a superação dos interesses individuais presentes
no campo da família e das relações econômico-materiais.
Destarte, esboçaram-se as raízes filosóficas da luta pelos direitos, cuja passagem para
o ato faz classificá-los em gerações, visto que atualmente pode-se referir:
direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo
movimento histórico: sem direitos do homem, reconhecidos e efetivamente
protegidos não existe democracia, sem democracia não existem as condições
mínimas para a solução pacífica dos conflitos que surgem entre os indivíduos, entre
31
grupos w entre as grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendecialmente
autocráticas, que são os Estados, apesar de serem democráticas com os próprios
cidadãos. (BOBBIO, 2004, 223).
4.1 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO
Os direitos da primeira geração, conforme Paulo Bonavides (2006), foram os
primeiros a constar no instrumento normativo constitucional. Portanto, são os direitos civis e
políticos que correspondem, na luta histórica (compreendida aqui como luta de classes e como
sendo a história da humanidade uma sucessão de modos de produção) ao momento inaugural
do constitucionalismo do Ocidente.
Os direitos de primeira geração, ou direitos da liberdade, têm por titular o indivíduo,
ser no mundo, ser com o outro, ser-aí. São direitos oponíveis ao Estado, traduzem-se como
faculdades ou atributos da pessoa, são direitos de resistência ou de oposição face ao aparelho
estatal.
Conforme Bulos (2007, p.403): “a primeira geração surgida no final do século XVII
inaugura-se com o florescimento dos direitos e garantias individuais clássicas, as quais
encontravam na limitação do poder estatal seu embasamento”. Nessa fase, prestigiavam-se
cognominadas prestações negativas, as quais geravam um dever de não fazer por parte do
Estado, com vistas à preservação do direito à vida, à liberdade de locomoção, à expressão, à
religião, à associação, etc.
Os direitos de primeira geração são aqueles que estão alicerçados na liberdade civil e
política. São direitos resultantes do pensamento filosófico que dominou o século das luzes.
Nesse sentido: “A liberdade é a essência da proteção dada ao indivíduo, de forma abstrata que
a merece apenas por pertencer ao gênero humano e estar socialmente integrado” (CHIMENTI,
CAPEZ, ROSA, SANTOS, 2006, p.47).
Compreendemos que estes direitos dizem respeito às liberdades públicas e também aos
direitos políticos, direitos civis e políticos que traduzem o valor de liberdade.
De acordo com Lenza:
Alguns documentos históricos são marcantes para a configuração e emergência do
que os autores chamam de direitos humanos de primeira geração (séculos XVII,
XVIII e XIX): (1) Magna Carta de 1215, assinada pelo rei João Sem Terra; (2) Paz
Westfália (1648); (3) Hábeas Corpus Act (1679); (4) Bill of Rights (1688); (5)
32
Declarações, seja a Americana (1776), ou a Francesa (1789). (LENZA, 2006, p.
526)
Desse modo, o direito à liberdade é a célula geradora e ramificadora de todos os tipos
de liberdade desejadas pelo homem, na busca da paz e harmonia social.
4.2 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA GERAÇÃO
Os Direitos de Segunda Geração dominam o século XX, sendo, portanto, os direitos
sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades. Eles se
germinaram na ancoragem do princípio da igualdade, do qual não se podem separar. Tais
direitos têm na igualdade o seu fundamento, e sua efetivação deu-se a partir do século XX,
passando a ser escriturados nas Constituições e de forma mais fundamentada desde a Segunda
Guerra Mundial.
Conforme Chimenti:
Os direitos fundamentais de segunda geração – ou direitos sociais – impõem ao
Estado o fornecimento de prestações destinadas ao cumprimento da igualdade e
redução dos problemas sociais (...) A Aplicabilidade direta e imediata dos direitos
sociais é recente, dando ao indivíduo direito subjetivo de exigir do Estado prestações
positivas, como, por exemplo, o direito subjetivo de assistência à saúde (direitos de
todos e dever do Estado, conforme dispõe o art. 196 da CF), independentemente de
regulamentação por norma infraconstitucional. (CHIMENTI, et al, 2006, p. 47)
Concebe-se que o momento histórico que impulsionou estes direitos foi a Revolução
Industrial Europeia, a partir do século XIX, em virtude das péssimas condições de trabalho,
miséria e exploração, possibilitando assim a busca por direitos através dos movimentos
cartistas na Inglaterra e a comuna de Paris (1848), na busca de reivindicações trabalhistas e
normas de assistência social.
O alvorecer do século XX é marcado pelas grandes guerras mundiais e pela fixação de
direitos sociais. Evidencia-se a escrituração dos direitos sociais em documentos como a
Constituição de Weimar de 1919 (Alemanha) e o Tratado de Versalhes de 1919.
Compreende-se que os direitos humanos de segunda geração privilegiam os direitos
sociais, culturais e econômicos, correspondentes aos direitos de igualdade.
Conforme os ensinamentos de Bulos:
33
a Segunda Geração advinda logo após a Primeira Grande Guerra, compreende os
direitos sociais, econômicos e culturais, os quais visam assegurar o bem estar e a
igualdade, impondo ao Estado uma prestação positiva, no sentido de fazer algo de
natureza social em favor do homem. (BULOS, 2007, p. 403)
Aqui se encontram os direitos relacionados ao trabalho, ao seguro social, à
subsistência digna do homem, ao amparo à doença e à velhice.
Conclui-se que os referidos direitos têm como matriz germinativa e disseminadora a
igualdade entre todos os seres humanos.
4.3 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA GERAÇÃO
Sobre os Direitos de Terceira Geração, é necessário refletir sobre o que Paulo
Bonavides retoma da teoria de Karel Vasak, que identificou cinco direitos da fraternidade,
como: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito à comunicação.
Outro ângulo de verificação do direito de Terceira Geração é a solidariedade e também
o direito ao desenvolvimento. Desse modo, os países que se desenvolveram devem
comprometer-se em ajudar aqueles que estão deficitários.
Segundo Bulos (2007, 403) os direitos da Terceira Geração ou de Novíssima
Dimensão:
têm sido incorporados nos ordenamentos constitucionais positivos e vigentes de todo
mundo, como nas constituições do Chile, (artigo 19§ 8), da Coréia (art. 35, I) e do
Brasil (art. 225). Os direitos difusos em geral, como o meio ambiente equilibrado, a
vida saudável e pacífica, o progresso, a autodeterminação dos povos, o avanço da
tecnologia, são alguns dos itens componentes do vasto catálogo dos direitos de
solidariedade, prescritos nos textos constitucionais hodiernos, e que constituem a
Terceira Geração dos Direitos Humanos Fundamentais. (BULOS, 2007, p. 403)
Estão fundamentados na fraternidade e na solidariedade e fazem parte os direitos
coletivos e difusos que para serem objetivados têm como pressuposto a cooperação entre os
povos.
34
Estes direitos estão acima da proteção individual. Encaram a proteção do corpo social,
do homem com ser-aí, como ser com os outros, ser da dignidade. Nestes direitos, estão
inclusos a proteção ao meio ambiente, ao progresso, à paz e ao patrimônio comum da
humanidade.
Referenciando Lenza (2006, p.526), os direitos humanos de terceira geração são
“marcados pela alteração da sociedade, por profundas mudanças na comunidade internacional
(sociedade de massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), as relações
econômico-sociais se alteram profundamente”.
Os direitos de terceira geração estão em conexão com novos problemas que afetam o
ser no mundo, como a preocupação com a preservação ambiental e os direitos dos
consumidores, visto que o homem é um ser com os outros, inserido em uma coletividade,
passando a ter direitos de solidariedade.
4.4 DIREITOS HUMANOS DE QUARTA GERAÇÃO
Os direitos da quarta geração originam-se da globalização e do Estado neoliberal (da
ideologia neoliberal). Incluem o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo. Compreende-se que, mediante o avanço da globalização econômica, vieram novas
formas de escravagismo e a concretização de uma massa de excluídos do sistema capitalista
neoliberal. É contra essa reengenharia do Estado neoliberal, fundada por uma nova classe
feudal do século XXI, é contra os fins das liberdades que os direitos da Quarta Geração
tomam fôlego.
Portanto, os Direitos de Quarta Geração são direitos dos povos, são os direitos sociais
das minorias, direitos econômicos, direitos coletivos, direitos relativos à informática
(softwares), biociências, eutanásia, alimentos transgênicos, sucessão dos filhos gerados por
inseminação artificial e direito relacionados à engenharia genética (BULOS, 2007).
Conforme Bonavides:
são Direitos da Quarta Geração o direito à democracia, o direito à informação e o
direito ao pluralismo. Deles dependem a concretização da sociedade aberta do futuro
(...) Desse modo, há de ser também uma democracia isenta já das contaminações da
mídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e
unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo isso, obviamente, se a
informação e o pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores
da democracia (...). (BONAVIDES, 2006, p. 571)
35
Compreende-se que estes direitos advêm da sociedade globalizada e neoliberal, que
amplia vantagens materiais e intelectuais, entretanto, expõem os indivíduos à exploração e
dominação por parte de outros povos.
De acordo com as orientações de Norberto Bobbio, a supracitada geração de direitos
advém dos avanços na área da engenharia genética, que coloca em risco a existência, através
da manipulação do patrimônio genético.
4.5 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUINTA GERAÇÃO
Estes direitos são evocados a partir das crises existentes na sociedade capitalista, das
manifestações objetivas face às ditaduras do século XX e das crises da economia neoliberal,
do início do século XXI. São eles, portanto, os direitos que se manifestam na ousadia de
rompimento com a ideologia e modelo estrutural do liberalismo, tornando possível uma
sociedade socialista, fundada na justiça substancial, contraposta à justiça formal do
capitalismo liberal. Trata-se do direito à existência digna, em que possa reinar o cuidado com
o outro e a autonomia do sujeito existente, isto é, o ser-aí.
4.6 DIREITO SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Os direitos sociais são direitos decorrentes da história das lutas de classes. História em
que os excluídos e explorados da sociedade capitalista lutaram para conseguir um lugar de
destaque, em um Estado que, mesmo sendo o Bureau dos negócios da ordem burguesa,
passou a ter um modelo de Estado de Bem-Estar, resultado da luta contra o liberalismo.
Com a revolução industrial e a ampliação do capitalismo, o trabalho passou a ser visto
como mercadoria, sujeita às leis do mercado, e a mão de obra sem trabalho, sujeita à lei da
oferta e da procura. Crianças e mulheres passaram a fazer parte do mercado de trabalho como
mão de obra sem proteção legal, e mesmo aqueles que já estavam inseridos nesse mercado
não possuíam amparo legal, isto é, proteção estatal.
Considerando as lutas travadas pelos trabalhadores da época, as teorias científicas de
Karl Marx mostraram novos horizontes de expectativas para os trabalhadores e a
possibilidade de justiça social.
36
Neste diapasão, a Constituição de 1988 traz em seu texto os direitos sociais alinhados
no artigo 6° com uma escritura mais universal, e no artigo 7° os direitos subjetivos dos
trabalhadores, decorrentes ou não de uma relação de emprego.
Desse modo, o artigo 7° da CF/88 demonstra que esta é uma Constituição do
trabalhador, visando proteger a relação de emprego contra as despedidas arbitrárias, ou sem
justa causa, garantindo indenização compensatória, sendo fruto de importantes conquistas dos
trabalhadores, nas lutas travadas contra as explorações, as desigualdades, as perversões do
capital. Nesse contexto, a Constituição de 1988 expressa a proteção ao trabalhador, como uma
das tarefas do Estado Democrático de Direito, comprometido com a justiça social.
Atrelada aos artigos 6°e 7°da Constituição de 1988 está a Consolidação Das Leis Do
Trabalho (CLT), como diploma legal infraconstitucional que disciplina a relação de emprego
em todas as suas matizes.
4.7 DIREITO DE NACIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A nacionalidade é a liga-vínculo-laço jurídico e político que une o indivíduo a um
determinado Estado, tornando este indivíduo componente do povo e da dimensão pessoal
deste Estado, sujeitando-o a deveres e obrigações, e capacitando-o a exigir proteção e
segurança.
Pontes de Miranda (1983) ensina que a nacionalidade é um conceito jurídico e político
de direito público interno e faz da pessoa um dos sujeitos inseridos na dimensão pessoal do
Estado. Em sendo assim, “nacional é o brasileiro nato ou naturalizado, ou seja, aquele que se
vincula, por nascimento ou naturalização, ao território brasileiro. Cidadão é termo que
qualifica o nacional no gozo dos direitos políticos” (CHIMENTI, et al, 2006, p.152-153).
A Constituição de 1988, no artigo 12, delineia todos os ícones legais racionais da
nacionalidade e no artigo 13, os símbolos da república e o idioma oficial que é a língua
portuguesa.
37
5 A CONSTITUIÇÃO COMO UMA REPRESENTAÇÃO SOCIAL
A Constituição é uma representação social de um determinado povo, sendo, portanto,
produto e processo. Como processo ela é fruto de diversos momentos, tendo seu início no
momento em que o povo escolhe seus representes para uma assembleia nacional constituinte.
Isto é, o povo escolhe seus delegados para representa-los na elaboração do documento
fundador do Estado, do direito e do sistema político de um povo.
A Constituição inaugura o sistema político jurídico social e econômico, como
superestrutura, sendo a representação de um povo em um tempo histórico. Desse modo, a
Carta Magna não representa classes sociais, pois este conceito existe apenas nos manuais. Na
verdade, existe o cruzamento de vários campos com atores, e estes atores constroem
representações sociais, coletivas e culturais em um determinado momento histórico.
Uma Constituição representa as formas de sentir, de pensar, de dizer, agir, o habitus
incorporado, a maneira de fazer estruturada e estruturante de um povo com relação à política,
Estado, direitos e economia deste mesmo povo representado.
Sendo uma Constituição produto destas formas de agir, pensar, sentir, delineando
modos de fazer consubstanciados através de princípios, conceitos, sistemas, microssistemas,
da positivação de representações sociais sobre educação, política, tributação, direitos,
garantias, processos legislativos, ela é a escrita positivada de como os sujeitos se representam
nestes campos.
Como todas as representações sociais, a Constituição possui um núcleo periférico que
e dialeticamente transformado de acordo com as mudanças que ocorrem no espaço social, em
seus campos e nos constantes movimentos de seus atores.
O núcleo duro não pode ser objeto de emendas, pois é o alicerce estruturante e
estruturado do Estado, dos direitos e dos poderes. Enquanto o núcleo periférico acompanha as
mutações do contexto social e da base econômica (do modo de produção da existência).
Uma Constituição, escrita ou não escrita, é a própria representação social das formas
de agir, pensar, sentir, do fazer inconsciente e consciente, com lacunas, omissões (deixadas
pelos constituintes), com ideologias, inaugurando e delineando o Estado, a dominação, poder,
a política e o sistema jurídico e econômico de um povo em um determinado momento
histórico.
A Constituição delineia como programa as formas de fazer, pensar, da economia, da
política e do poder. As formas de agir, pensar, fazer, no campo da tributação, dos orçamentos,
38
das finanças, da educação, cultura, saúde, trabalho, propriedade e direitos e garantias,
conquistadas por um povo em um determinado momento da história.
Numa Constituição se encontra o elenco de direitos conquistados, direitos individuais,
coletivos, de todas as gerações de direitos, os que já foram consolidados na vida cotidiana e os
que apesar de expressos na norma não foram ainda consolidados.
Existem direitos e obrigações apenas elencados, ou que estão em vias de sua
objetivação, existem direitos latentes, assim como lacunas de direitos e hiâncias, que serão
preenchidas com a interpretação, assim como existe representações conservadoras, obsoletas,
ultrapassadas, ideologias diferentes que buscam uma harmonia. Desse modo, nem todos os
direitos representados foram objetivados, mas somente ancorados pela Carta Magna e estão à
espera da passagem para o ato.
Uma Constituição representa as formas de sentir e pensar, o modo como alguns
homens se relacionam na produção material da existência, não somente representações do
espírito, mas da forma como os homens constroem a vida, as transformam e as representam.
Mais uma vez reafirma-se que uma Constituição é produto e processo destas representações.
Como produto das representações, é um programa legítimo e legal daqueles que
conduzem, governam e são governados, são representações das práticas políticas, do que
existe na vida material nos núcleos políticos, nos currais eleitorais, nos diversos campos, nas
diferentes representações da dominação, do poder-saber e do saber poder.
Uma Constituição, escrita ou não, é a basílica dos programas que dominam uma
determinada época. Ela possui nichos, altares, naves centrais, laterais, pórticos onde estão
escrituradas as ideias de uma época, as ideias antagônicas e as ideias contraditórias numa
representação harmônica.
Uma constituição é um rosário de microprogramas e macroprogramas políticos,
jurídicos, tributários, assim como é o altar para guardar o sistema econômico que domina a
vida material e o lugar para fantasmagorias, ideologias centrais e dominantes, mas é também
o nicho das ideologias periféricas que advém de outros campos e atores sociais e ainda o
palco da luta por direitos.
Numa Constituição encontramos várias representações, várias ideologias, tanto as
dominantes como as dominadas, as que determinam o direito e a propriedade, assim como as
ideias que apenas são ancoradas sem serem realmente objetivadas.
Existem as representações recém-construídas, que foram ancoradas e que se realizam
na prática dos direitos cotidianos, assim como existem representações promessas, que
dificilmente serão cumpridas, em face do contexto social que o Brasil está submerso.
39
Desse modo, para serem acreditadas, as representações de uma Constituição têm que
expressar a vida e os diversos campos da vida, da existência. Tem que ser lida, interpretada.
Não basta ser um conjunto de representações objetivadas escritas, tem que ser vivida, sentida,
acreditada, respeitada e defendida.
5.1 A CONSTITUIÇÃO COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE UM POVO
De acordo com Moscovici (1990, p.248) “O teatro da sociedade se torna mais
emocionante quando percebemos em cena atores em carne e osso, que expressam seus
sentimentos, tecem suas intrigas e, o que é o máximo, acreditam representar todos os seres”.
Em sendo assim, não existe teatro maior que o teatro denominado de Assembleia
Nacional Constituinte, formada pelos atores sociais, isto é, Deputados e Senadores eleitos
pelo povo. Atores de um espelho embaçado que remexem céus e terras, que arrastaram
multidões em comícios e passeatas, que acreditam representar o povo e que representam o
povo formalmente. Tais atores aprenderam nos compêndios de direito e de filosofia política
que são a voz do povo, porque escutaram alguém lhes dizer que são figuras ligadas ao povo.
São estes atores que reunidos em Assembleia Nacional Constituinte elaboram,
escrevem, criam uma Constituição. Estes atores estão inseridos num campo do poder, e este
campo é o espaço e o local em que se manifesta o habitus do político, efetivando tomadas de
posições, ações, consagrando assim um fazer político.
Desse modo, a Constituição de um país é uma representação social, pois é produto e
processo daquele momento histórico, das formas de pensar e agir, sentir, fazer, conscientes ou
não.
Como processo de uma representação social, este tem início na convocação do povo
para votar e escolher seus representantes para a Assembleia Nacional Constituinte, que vai
tecer através de debates, propostas, comissões, emendas, votações, lutas ideológicas e
antagonismos a escritura que será harmonizada e aprovada.
Como produto, a Constituição é um texto escrito, sistemático, votado, legitimado pelo
poder decisionista da Assembleia Nacional Constituinte. A Constituição é a representação
social que funda o Estado, a superestrutura política, jurídica (o direito) e positiva, o modelo
econômico estruturante.
Toda representação social é ancorada e objetivada. As Constituições passam pelos
processos de ancoragem e objetivação. Portanto, na objetivação “o verbo se faz carne,
acreditando que a uma palavra deva corresponder a uma realidade, os conteúdos mentais dos
40
indivíduos, suas ideias aparecem como uma substância ou como uma força autônoma”
(MOSCOVICI 1992, p.272).
Desse modo, o Estado, a dignidade da pessoa humana e a divisão de poderes, tornam-
se carne, passam a ter existência além da escrita no texto da constituição.
Enquanto a ancoragem “é reconhecida pela penetração de uma representação entre as
que já existem, ela se torna assim para todos um meio de interpretar, de classificar, de como
são nomeadas” MOSCOVICI (1990, p. 272), de modo que a constituição sistematiza,
classifica, categoriza e elenca princípios, tornando-se um painel com títulos, capítulos,
incisos, parágrafos, sessões, emendas, artigos, normas de eficácia absoluta, contida, limitada,
plena, programáticas, exauridas.
Nessa balada, pode-se dizer que a carta constitucional é um cosmos de representações
pois, ela é um filtro da consciência dos representantes do povo, de atores sociais, de agentes
sociais, advinda dos diversos campos em diversas lutas, ações, que tem disposições objetivas
e possibilidades objetivas para que os projetos provoquem revoluções e sejam aprovados, de
possibilidades de espaços dos possíveis, visto que “Tudo que as faz agir, preencher uma
função, e os relaciona obedece a uma representação dominante”. MOSCOVICI (1990, p. 272)
De forma que as ciências políticas, os manuais, tratados, passam a ser fontes, discursos
da ciência, discurso dos mestres, discurso da universidade, autoridade (direito positivo),
agindo como modelo, passando a ensinar, inculcar, ditar as regras sobre aquilo que se deve
acreditar, ou não, sobre aquilo que deve ser ou não ser, passando a conduzir e a preservar
valores sobre o poder, a política e o Estado.
Estas prescrições produzem, criam habitus, que são incorporados na mente como
estruturas estruturantes que começam a funcionar como estruturas estruturadas, gerando
obediência, devoção, dever, obrigação, direito. Desse modo, “qualquer que seja o conteúdo de
uma representação ele se torna social desde que preencha, através de sua ancoragem em uma
parte do meio, as tarefas que a sociedade requer dele…” MOSCOVICI (1990, p.273).
A Constituição de um Estado é uma rede de representações sociais sobre o poder, de
direitos de primeira, segunda, terceira e quarta geração, de obrigações e deveres para com o
Estado, de direitos individuais, coletivos, sociais.
Uma Constituição é um cosmos de normas sobre o poder, a dominação, a tributação,
sobre a família e a educação, é um corpo vivo de representações individuais e coletivas, é um
constructo, produto e processo, pois está em movimento e estes são expressos através de
processos legislativos, dominados pelos fatores reais de poder (processos legislativos
41
sociológicos) ou por esquemas positivados e cumpridos racionalmente, consubstanciados
através de emendas.
Uma Constituição é uma representação social de um povo, construída a partir das
formas de conhecimento prático ou do senso comum e do conhecimento acadêmico vindo
com células de diversos campos (o campo da economia, do Estado, da política, da religião),
motor de transformações teóricas e epistemológicas.
Portanto, cada cidadão é um sujeito social, é um ator social, podendo ser agente, é o
sujeito que vota e é votado, inscrito em uma situação social, cultural, definida, possuidor de
uma história pessoal e social, é um arquivo consciente e inconsciente de saberes e práticas,
não é uma ilha, não é um indivíduo isolado, mas está ancorado a um grupo de pertença ou de
afiliação. Desse modo, possuem representações estruturadas e estruturantes do que é poder,
política, direitos, obrigações, cidadania, miséria.
Nessa perspectiva, todos os integrantes de uma Assembleia Nacional Constituinte são
os atores e agentes que processam uma rede de representações. São entidades sociais e,
consequentemente, símbolos vivos dos grupos que eles representam, de forma que em cada
Deputado, e em cada Senador está contido o grupo no indivíduo. É no seu habitus de político
que estão ancoradas a teia de significantes sociais, conscientes e inconscientes, sobre qual é o
objeto de uma Assembleia Nacional Constituinte ou Congresso Constituinte: o de elaborar
uma Constituição e fundar um Estado.
A Constituição é uma representação social pois, ela expressa as formas de saber de um
povo, representado com relação aos direitos, aos poderes do estado, a economia, a tributação.
Ela é a simbolização, a construção das relações de poder saber e saber poder aceitas e
legitimadas pelo povo, com funções, eficácia social, política, jurídica e ideológica.
Convém buscar a conceituação de Jodelet citada por Celso Pereira de Sá (1996, p.46):
“Em primeiro lugar, considera que uma representação social é uma forma de saber prático que
liga um sujeito a um objeto.”.
A Constituição de um país esta ligando o sujeito do direito ao direito do sujeito, isto é,
ela é representada como primeiro escalão de direitos de um povo, ou seja, aqueles para quem
a Constituição se constitui como representação social fundante.
Como representação social, a Constituição encontra-se em uma relação de
simbolização (esta no seu lugar) e de significantes. É um rosário de significantes que está
direcionada a uma pessoa, a um sujeito do direito. Desse modo, há um elenco de
representações sobre a constituição: por um lado, uma constituição é retrato do Estado, Carta
Magna, norma fundamental, diploma, norma primeira; por outro lado, a Constituição é uma
42
construção, é uma expressão de sujeitos do direito, sociais, coletivos, dentro do pertencimento
e do agir sobre o mundo político.
5.2 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 E SUA REPRESENTATIVIDADE
Tendo como enfoque, nesse momento, a Constituição Brasileira de 1988, percebe-se
que apesar de ser uma representação da sociedade e de suas aspirações, convém analisar que
ela não consegue abraçar o povo de uma maneira completa.
Ainda que tenha sido elaborada por representantes do povo, por deputados federais e
senadores, muitas vezes não se leva em conta que algumas pessoas apenas votaram em um
desses políticos sem avaliar se realmente eles representariam as suas necessidades, os seus
desejos. Se levarmos em consideração que pessoas vendem seus votos por tijolos, alimentos,
dentaduras, óculos, pequenas quantidades de dinheiro, perceberemos o quão deturpada é a
chegada de um parlamentar até o poder e o quão perigoso isso pode ser.
Entre um universo de lacunas que existem na Constituição de 1988, uma delas é a
proibição de greve e sindicalização do militar, presente no art. 142, §3º, IV, da CRFB/88.
Apesar da tentativa de se justificar uma possível nova insurgência dos militares, visto que o
país em 1988 estava destituindo uma ditadura militar que era vigente até então, o direito a
greve é uma garantia fundamental de todos os trabalhadores.
A partir do artigo de Bruno Cesar Gonçalves Teixeira (2002), pode-se extrair o
entendimento do Ministro Carlos Mário da Silva Velloso que:
“Os militares das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros, forças auxiliares e
reservas do Exército (C. F., art. 144, § 6º), não podem fazer greve. É que,
conjuntamente com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia
Ferroviária Federal e as Polícias Civis se responsabilizam, diretamente, pela
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, cada
uma dessas instituições agindo no campo próprio de atuação. Registrei que, tal como
acontece com as Forças Armadas, as Polícias e os Corpos de Bombeiros Militares
são organizados com base na hierarquia e disciplina (CF/88, artigos 42 e 142).
Homens que portam armas, se não estiverem submetidos à disciplina e à hierarquia,
viram bandos armados. As armas a eles confiadas para a manutenção da ordem
pública e da incolumidade das pessoas passam a ser fonte de insegurança. Anotei
que houve quem afirmasse que o direito de greve estaria assegurado aos militares
estaduais como um direito fundamental. Que nos perdoem, mas esse achismo
jurídico chega a ser “chutanismo” irresponsável. A Constituição não assegura aos
militares estaduais o direito de greve. Ao contrário, veda expressamente.”
(VELLOSO, apud TEIXEIRA, Bruno 2012, p. 21).
Ora, considerar que o sindicalismo de movimentos militares geraria uma criação de
bandos armados é conjecturar o futuro, trabalho de profissionais com dons de adivinhação e
43
não de Juízes. A própria Carta Magna contraria o que ela afirma, ao explicitar que o direito a
greve e sindicalização é um direito fundamental, mas em se tratando de determinadas classes
profissionais, como os militares, o entendimento é diferenciado. Se na prática a teoria é outra,
é porque a teoria está errada e deve-se buscar uma solução, uma nova teoria que satisfaça o
que está sendo vivenciado na realidade.
Observa-se que o direito a segurança social e o direito à greve entram em choque, mas
um direito não deve ser prejudicado em virtude de outro, de modo que é possível lutar pelas
desigualdades, ainda mais se tratando de um serviço tão perigoso, como o policial, por
exemplo. É muito conveniente para o Estado pagar uma remuneração reduzida para alguém se
arriscar nas ruas e não permitir que aquele profissional lute por melhores condições de
trabalho.
44
6 O TECIDO REPRESENTACIONAL DE UM POVO: SISTEMA DE
REPRESENTAÇÕES ELABORADAS
A Constituição de um país é uma representação das formas de pensar sentir, dizer e
fazer, inscrita em um contexto ativo ao qual os sujeitos pertencem. Ela é conhecida pelos
sujeitos representantes que se apropriam da realidade e constroem o sistema de ideias e
valores, que se tornaram carne em sua história, história do povo.
Convém relembrar os ensinamentos do professor Moscovici, quando nos fala que as
representações sociais são sistemas, que operam em termos de associações, inclusões e
descriminações, caracterizando um sistema operacional ou cognitivo, enquanto um outro
sistema atua controlando, selecionando, verificando. Desse modo, uma constituição é um
metassistema, é uma representação social que classifica, indica, controla, inclui e exclui, é um
afresco de fios e teias do tecido representacional de um povo.
Neste diapasão, importa lembrar o conceito de representação social de JODELET
(1989, p.36): “é uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma
orientação prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum em um conjunto
social”.
Por esta perspectiva, uma constituição é um sistema que rege as relações dos
indivíduos com a natureza e com o meio social. É um sistema que determina um conjunto de
expectativas do povo, todas as formas de saber, é um conteúdo afetivo e simbólico, sobre um
fenômeno social relevante.
A Constituição de um povo representa as formas de saber, pensar e sentir de uma
época, fazendo escola, construindo saberes, cumprindo funções mandamentais, declaratórias,
prescrevendo e demonstrando, acrescentando e justificando as convicções ideológicas de um
momento histórico, criando e elaborando formas de justiça, poder, liberdade, igualdade,
estado e de cidadania.
E louvável dizer que na Constituição existem representações sociais que um dia foram
novas, mas que se cristalizaram, tornando-se culturais junto às novas representações que
cruzam-se e ministram-se.
Desse modo, a Constituição de um país é uma representação social, é uma construção
e expressão dos sujeitos. Nela está a disposição das disputas simbólicas de um povo, que está
representado pelos Senadores e Deputados, isto é, a representação de contextos e de campos
sociais diversos, que se atravessam de antagonismos, que harmonizam-se. Contextos nos
quais se desenvolveram o teatro das disputas simbólicas pela imposição de verdades de uma
45
época e de um tempo sobre justiça, liberdade, poderes, funções, tributos, direitos, garantias,
sobre o que é individual e o que é coletivo.
As representações sociais que tecem a Constituição são ressignificações de saberes
que a cultura confirmou e legitimou. São extratos de um mundo já informado por pingos de
saberes ou oceanos de saberes, de suas experiências antigas e atuais, através dos atores que
constroem as ressignificações das mesmas.
Basta examinar as novas ressignificações de soberania, Estado, Poder, Tributação,
Voto, Igualdade, Direitos, Deveres e imposições. Assim, as representações sociais, enquanto
produto e processo, são saberes, e são sistematicamente acordados e objetivados no palco do
teatro da política e do poder que é a Assembleia Nacional Constituinte.
Na Constituição pode-se enxergar sistemas de classificação e de percepção, que
constituem verdadeiras instituições sociais (legítimas), sob o modo de representações sociais
incorporadas e ressignificadas, como as diversas organizações político-administrativas,
jurídicas. Encontramos o trabalho de um poder constituinte que no processo das
representações teve a tarefa de classificar, de efetuar divisões produzidas por configurações
intelectuais multifacetadas, tornando a constituição uma mistura de representações
contraditórias de grupos diferentes que compõem a sociedade.
A Constituição representa as lutas de classes e suas representações, e o confronto
entre representações impostas que tem o poder de classificar como: a ordem econômica, a
ordem social, o sistema tributário e as representações construídas pela sociedade ao longo da
história. Desse modo, constituições como a Brasileira de 1824 e a de 1988 são mundos, em
termos de representação social, haja vista que retratam em seus textos, de maneira evidente,
os contextos sociais, políticos e econômicos de suas épocas, pelas mãos daqueles que as
escreveram.
46
7 DOS DIREITOS POLÍTICOS E DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Seguindo a linha da razão, convém escriturar sobre os direitos políticos e os partidos
políticos3:
[...] prerrogativas, atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos
no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla,
segundo a intensidade do gozo desses direitos. São o jus civitatis, os direitos cívicos,
que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na
formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito de vontade ou
efeitos, o direito de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar
suas opiniões sobre o governo do Estado. (BUENO, 1958, p. 459).
Os Direitos políticos e os partidos políticos não podem ser vistos apenas como bens
simbólicos, conquistados e assegurados pelo direito positivo. São bens que devem provocar
um movimento no ser, uma vertigem, uma busca, uma investigação, visto que a política e o
exercício da cidadania não podem ser tratados como carnaval, nem como um circo com as
mais fantásticas brincadeiras.
Um regime democrático exige para o seu funcionamento o conhecimento e o saber
político. Exige consciência do que é cidadania, do que são direitos, deveres e obrigações. Sem
este saber e sem esta consciência, o povo passa a viver numa conversa escura como presa fácil
das articulações, mobilizações e fantasmagorias, sob o controle que as elites dominantes
possuem da mídia (indústria cultural), que conduz o povo como gado, conforme suas
necessidades de domínio.
Desse modo um povo sem instrução política, sem o conhecimento do que é a
democracia, o liberalismo, a lutas de classes, o Estado, a dominação e suas diversas formas,
mesmo que utilizem a democracia como técnica de liberdade, podem ser manipulados por
classes que detém o poder dominante.
De acordo com o texto constitucional, os direitos políticos constituem um
desdobramento do princípio democrático inscrito no artigo 1º, parágrafo único, da CF/88, que
escritura: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou
diretamente, nos termos desta constituição” (CF/88. art. 1º).
3 BUENO, Pimenta. Direito Público Brasileiro e análise da constituição do império. Rio de Janeiro: Nova
Edição, 1958. p.459.
47
Complementamos o raciocínio dizendo que a soberania popular, de acordo com o
artigo 14 da Lei Magna, será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,
com valor igual para todos e conforme a legislação, mediante plebiscito, referendo ou
iniciativa popular.
Desse modo, os direitos políticos são: direito de sufrágio; alistabilidade (direito de
votar em eleições, plebiscitos e referendos); elegibilidade; iniciativa popular de lei; ação
popular; organização e participação em partidos políticos.
O Sufrágio é o núcleo central dos direitos políticos. É o âmago dos direitos políticos,
expressos através da capacidade de eleger e ser eleito através de dois aspectos, como a
capacidade eleitoral ativa (direito de votar – alistabilidade) e capacidade eleitoral passiva
(direito de ser votado – elegibilidade). Antes, se faz necessário explicitar o que é o referendo,
o plebiscito e a iniciativa popular.
O Plebiscito é a consulta popular pela qual os cidadãos demonstram ou decidem sua
posição sobre determinadas posições. Esta consulta prévia é feita aos cidadãos que estão no
gozo de seus direitos políticos acerca de matérias que posteriormente vão ser discutidas pelo
Congresso Nacional.
O Referendo objetiva-se através de uma consulta posterior sobre um ato
governamental para ratificá-lo, isto é, o eleitor aprova ou rejeita uma atitude governamental já
manifesta. O cidadão se manifestará para conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou
ainda para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva).
A iniciativa popular foi consagrada na constituição como um dos instrumentos do
poder soberano popular, podendo ser efetivada através da apresentação a Câmara dos
Deputados de projeto de Lei subscrito por no mínimo, um por cento do eleitorado da nação,
distribuído por pelo menos cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos
eleitores de cada um deles, de acordo com o § 2º, do art. 61 da Constituição de 1988.
48
8 CONCLUSÃO
Partiu-se da reflexão, no presente trabalho, de que a Constituição de 1988 exibe um
conceito de Estado que tem como estrutura a soberania popular, o pluralismo de expressão ou
das ideias, e uma ordem democrática, respeitando e dando garantias a efetivação das
liberdades fundamentais e dos direitos, visto ter como meta a efetivação de uma democracia
social, cultural, econômica, com um aprofundamento da participação do povo na busca pela
democracia.
O Direito à justiça advém não apenas do que está escriturado na folha da Constituição,
mas dos sentidos e do significado que o Estado Democrático de Direito possui, visto que sua
tarefa é a da superação das desigualdades sociais, regionais e a instauração de um regime
democrático com consciência, autonomia, no intuito de realizar a justiça social.
O Estado Democrático de Direito não pode ser apenas letras, frases, uma folha que
poderá ser rasgada. Ele deve existir na consciência das pessoas, ter sentido no saber das
pessoas, deve descer do altar da catedral. Mais do que isso, deve atender às necessidades da
população, não somente daqueles que escrituraram e planejaram suas linhas.
Outra vez mais, o Estado Democrático de Direito não pode ser objeto de conjecturas,
elucubrações dos mandarins da política e das academias, deve ser o portador da justiça social,
não deve ser um conceito protegido pelos guardiões da Constituição, deve ser um conceito
derramado entre os brasileiros, entre aqueles que nem sabem da existência deste Estado ou da
Constituição.
Portanto, o direito à justiça não pode ficar apenas na fantasmagoria dos Diplomas
legais ou nas Catedrais dos poderes legais racionais burocráticos, deve ser derramado como
um direito de todos.
O Estado Democrático de Direito inaugurado através da Constituição de 1988 tem
como princípios norteadores estruturantes: o princípio da constitucionalidade, visto que o
direito é tecido através da supremacia da Constituição; o princípio da democracia
representativa, participativa e pluralista, que garanta e dê eficácia aos direitos fundamentais;
os direitos sociais, individuais, coletivos, culturais, educacionais, à saúde; e o princípio da
igualdade, da divisão dos poderes, da legalidade, da segurança jurídica e o da justiça social,
visto que a justiça é uma grande metáfora e os homens a procuram desde a antiguidade e até
hoje ainda não a encontraram. Decerto devemos continuar buscando-a para que ela não seja
simbolizada apenas como mito ou uma grande ilusão.
49
Ainda que seja uma representação social do povo, a Constituição apresenta lacunas,
que não fazem essa significação ser completa. O direito de greve de militares, por exemplo, é
proibido pela Carta Maior. Isso só exemplifica que ela representa mais um determinado nicho
da sociedade, atendendo principalmente os interesses de quem a elaborou.
Assim, não somente compreende-se que a Constituição é uma modo de representação
social para o povo como também entende-se que o assunto merece maior destaque para
posteriores estudos sobre o tema, vez que se mostra muito relevante para a sociedade, para o
povo.
Cabe aos governantes aplicar o que se encontra no texto Constitucional, a fim de que
as palavras existentes na Carta Magna tenham validade para todos, para que a Constituição
seja, de fato, uma modalidade de conhecimento, que tem por função a elaboração de
comunicação efetiva entre os indivíduos.
Outra solução, hipoteticamente improvável, tendo em vista a atual conjectura que
permeia o país, seria a elaboração de uma nova Carta Constitucional, através de uma
Constituinte Exclusiva. Tal hipótese parece distante de acontecer, vez que os representantes
do povo, deputados federais e senadores, se encontram, no atual momento político que vive o
país, com poder suficiente até mesmo para retirar um Presidente do Poder em uma verdadeira
articulação política nefasta. Além disso, uma nova Constituição, por si só, não mudaria a
situação preocupante, vez que os mesmos políticos possivelmente seriam eleitos, mantendo a
situação como está. Além disso, são tempos de incerteza, em que princípios garantidores de
direitos presentes na CRFB/88 podem ser considerados interpretáveis por juízes do Supremo
Tribunal Federal, gerando uma insegurança jurídica cada vez maior e não garantindo que uma
mudança no texto constitucional seja de fato garantia de aplicação daquilo que foi reescrito.
Não se poderia deixar de refletir sobre a Constituição brasileira de 1988 que se
concretizou como democrática, nominal, unitária, eclética, analítica, formal, escrita e rígida.
Dessa forma, do ponto de vista da ideologia, a Constituição de 1988 é eclética, pois traz em
seu seio o código genético de diversas ideologias, bem como os interesses antagônicos que
acabaram por se conciliar na escritura do texto maior.
Pode-se igualmente verificar que quanto à essência, a letra da Carta de 1988 foi
pródiga ao colocar nos seus altares duas tipologias de democracia: a social e a liberal. Em
relação à democracia liberal, pode-se dizer que as liberdades públicas estão protegidas contra
o abuso de poder dos blocos históricos que passam a governar. Com relação à democracia
social, busca-se eliminar a pobreza e a miséria.
50
Quando é que se vai observar pelo menos vestígios desses dois modelos? Pode-se
confirmar, no cotidiano, que a democracia social não sai da letra, ou melhor, trata-se de uma
letra morta, pois a fome, a miséria remanescente da involução e do primitivismo está
disseminada, considerando que numa sociedade civilizada em que alguém morre pela fome, o
respeito ao ícone constitucional da dignidade da pessoa humana elencado pelo constituinte, no
artigo 1º, III, não passa de uma letra morta, pois o primeiro direito que o cidadão deve ter é o
de se alimentar.
Em relação à democracia liberal, esta vem sendo seriamente infectada pelas forças de
uma elite que sobe ao poder sem a ética da responsabilidade, sem a ética da convicção e sem a
ética da moralidade.
Parece até que o Brasil está num estágio evoluído das casas grandes e das senzalas de
Gilberto Freyre (2005), sendo que o poder da tradição foi substituído apenas pelo poder
político, e em vez de senzalas têm-se os currais eleitorais; no lugar das casas grandes, ficaram
os passos municipais, e o povo continua sendo adestrado não mais pelos ventos da religião,
mas pelo consumo, conforme disse Aldous Huxley (1982). Desse modo, os homens cordiais
ficam cada vez mais dóceis e submetidos à moral dos dominantes.
51
REFERÊNCIAS
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 33. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p.398.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 50ª edição. Global Editora. 2005.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 11. ed. São Paulo:
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HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
JODELET, Denise. Representações Sociais: em domínio em expansão. In Les
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LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. 2ed. Rio de Janeiro: Líber Jus, 1990, p.
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52
LASSALLE, Ferdinand. O que é uma constituição. 2 ed. Campinas-São Paulo: Editora
Minelli, 2005, p. 80.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Método, 2016.
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MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.
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MORAIS, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.994.
RAMOS, Paulo Roberto Batista Barbosa. Discurso jurídico e prática política: contribuição
à análise do direito a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Florianópolis: Editora
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SÁ, Celso Pereira. Psicologia social da memória: sobre memórias históricas e memórias
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[online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2012. p. 46-57. ISBN: 978-
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TEIXEIRA, Bruno Cesar Gonçalves. Inconstitucionalidade da greve dos militares
estaduais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 109, fev 2013. Disponível em:
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VASAK, Karel. A 30-Year Struggle. UNESCO Courier, 1977, p. 29.
WEFFORT, Francisco. Apresentação. In: os clássicos da política. São Paulo: Ática, 1990. p.
216.
53
ANEXO A – DOS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS OU TUTELA
CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES
Tutelas constitucionais das
liberdades
Características e aplicação
Habeas corpus:
Art. 5º LXVIII – conceder-se-á
habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder.
Cabe contra ato ilegal de autoridade. Mas, por exceção, tem-se
admitido a impetração também contra arbitrariedades de
particulares quando evidente o constrangimento ilegal – a
exemplo de interação forçada de pessoa em casa de saúde
mental.
Espécies de habeas corpus:
a) Preventivo: visa evitar a ocorrência de uma violação a
liberdade (se concedido expede-se um salvo-conduto);
b) Liberatório: objetiva a cessação da efetiva coação ao direito
de ir e vir.
Em sendo assim a liberdade de locomoção engloba quatro
situações:
I) Direito de acesso e ingresso no território nacional;
II) Direito de saída do território nacional;
III) Direito de permanência no território nacional;
IV) Direito de deslocamento dentro do território nacional.
Mandado de segurança: Art. 5º
LXIX – conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito
líquido e certo, não amparado por
habeas corpus ou habeas data,
quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público.
Natureza jurídica e cabimento: o mandado de segurança é uma
ação legal racional constitucional, de natureza civil, cujo
objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou
avançado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública
ou agente de pessoa jurídicas no exercício de atribuições do
poder público (é uma verdadeira ação constitucional).
OBS.: O Ministério Público pode, quando for o caso, impetrar
mandado de segurança em nome próprio, ou em nome
daqueles cujos interesses, por força da função que exercem,
cumpre-lhe defender.
Mandado de injunção:
Art. 5º LXXI – conceder-se-á
mandado de injunção sempre que a
falta de norma regulamentadora
torne inviável o exercício dos
Competência para julgamento de mandado de injunção:
A Constituição brasileira além de tratar do mandado de
injunção no artigo 5º, LXXI, a ele se refere nos arts. 102, I, q,
e 105, I, h.
As referências dizem respeito à determinação de competência
54
direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à
cidadania.
para julgamento pelo Supremo Tribunal Federal e pelo
Superior Tribunal de Justiça, dependendo da autoridade ou do
órgão que se tenha omitido na elaboração da norma
regulamentadora do direito ou liberdade.
Ação popular:
Art 5º LXXIII – qualquer cidadão é
parte legítima para propor ação
popular (...).
De acordo com Hely Lopes Meirelles, ação popular: “É o meio
constitucional posto a disposição de qualquer cidadão para
obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a
estes equiparados-ilegais e lesivos do patrimônio federal,
estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades
paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros
públicos”.
A ação popular constitui uma das formas de exercício da
soberania popular (CF, art. 1º e 14), pela qual nesta hipótese
permite-se ao povo, diretamente, exercer a função
fiscalizatória do poder público, com base no princípio da
legalidade dos atos administrativos e na teoria de que a res
pública (república) é patrimônio do povo. A ação pode ser
preventiva ou repressiva (ajuizamento da ação buscando o
ressarcimento do dano causado).
Habeas data:
Art. 5º LXXII - conceder-se-á
habeas data:
Habeas data: Lei nº 9.507, de 12-
11-1997.
a) Para assegurar o conhecimento
de informações relativas à pessoa
do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de
entidades governamentais ou de
caráter público;
b) Para a retificação de dados,
quando não se prefira fazê-lo por
processo sigiloso, judicial ou
administrativo.
Habeas data é uma ação legal racional constitucional, de
caráter civil, conteúdo e rito sumário, que tem por objeto a
proteção do direito liquido e certo do impetrante em conhecer
todas as informações e registros relativos à sua pessoa e
constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao
público, para eventual retificação de seus dados pessoais.
Mandado de segurança coletivo:
Art. 5º LXX – o mandado de
Diretrizes jurisprudenciais que vêm restringindo este instituto:
a) Mandado de segurança coletivo impetrado por sindicato de
55
segurança coletivo pode ser
impetrado por:
a) Partido político com
representação no Congresso
Nacional;
b) Organização sindical, entidade de
classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há
pelo menos um ano, em defesa dos
interesses de seus membros ou
associados.
classe deve vir acompanhado da relação de associados para a
delimitação pessoal da sentença;
b) A via coletiva não impede a individual, com ela não
estabelecendo relação de litispendência, de forma que o
impetrante pode utilizar-se da via individual, mesmo tendo
sido utilizado a via coletiva;
c) Mandado de segurança coletivo não se presta a defesa de
direito particular do associado.
OBS.: O universo do mandado de segurança coletivo é,
portanto, o dos associados, dentro dos limites da associação.
Art. 5º XXXIV – Direito de petição
e obtenção de certidões:
São a todos assegurados,
independentemente do pagamento
de taxas:
a) O direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de
poder;
b) a obtenção de certidões em
repartições públicas, para defesa de
direitos e esclarecimento de
situações de interesse pessoal.
A legitimidade ativa e passiva: a Constituição Federal assegura
a qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira o
direito de apresentar reclamações aos poderes públicos,
legislativos executivo e judiciário, bem como ao ministério
público, contra ilegalidade ou abuso de poder.
O fim legal racional do direito de petição é dar-se notícia do
fato ilegal ou abusivo ao poder público, para que providencie
as medidas adequadas.
56
ANEXO B – REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
REMÉDIO CONCEITO COMPETÊNCIA OBJETIVO HISTÓRICO
Direito de
Petição (Art. 5º,
XXXIV, a,
CF/88).
O direito que
pertence a uma
pessoa de invocar
a atenção dos
poderes públicos
sobre uma questão
ou uma situação.
O pedido pode ser
feito por qualquer
pessoa, física ou
jurídica, nacional
ou estrangeira.
Dar-se notícia do
fato ilegal ou abusivo
ao Poder Público,
para que providencie
as medidas
adequadas.
Nasceu na
Inglaterra durante
a Idade Média.
Consolidando-se
com a Revolução
de 1689 e a
Declaração dos
Direitos.
Direito de
Certidão (art. 5º,
XXXIV, b,
CF/88).
Visa à defesa de
direitos e
esclarecimento de
situações de
interesse pessoal,
independentemen-
te do pagamento
de taxas.
O pedido pode ser
feito por qualquer
cidadão.
Solicitar o
esclarecimento de
situações já
ocorridas.
Nasceu na
Inglaterra por
meio do right of
petition e
consolidou-se
com o Bill of
Rights de 1689.
Habeas Corpus
(art. 5º LXVIII,
CF/88)
Visa à defesa do
direito de
liberdade de
locomoção,
podendo este ser
preventivo.
O pedido pode ser
feito por qualquer
pessoa, em nome
próprio ou alheio.
A liberdade de
locomoção.
Sua origem
remonta ao
Direito Romano.
Mandado de
Segurança (art.
5º LXIX, CF/88).
Visa proteger
direito líquido e
certo, não
protegido por
habeas corpus ou
habeas data.
O pedido pode ser
feito tanto por
pessoa física
quanto jurídica,
nacional ou
estrangeira, que
seja titular de um
Proteção de um
direito líquido e
certo, não amparado
por habeas corpus ou
habeas data.
Inspiraram-se no
juízo de amparo
do direito
mexicano e nos
writ do direito
norte-americano.
57
direito líquido e
certo vedado ou
ameaçado.
Mandado de
Segurança
Coletivo (art. 5º
LXX, CF/88).
Visa proteger
direito líquido e
certo coletivo, não
protegido por
habeas corpus ou
habeas data.
O pedido pode ser
feito por uma
coletividade de
pessoas que
requeiram a
viabilidade de um
direito líquido e
certo.
Proteção de um
direito líquido e
certo, não amparado
por habeas corpus ou
habeas data.
Provém do
mandado de
segurança
individual, com a
única diferença de
não poder ser
exclusivo.
Mandado de
Injunção (art. 5º
LXXI, CF/88).
Traz a viabilidade
dos direitos e
liberdade que
faltem normas
especifica.
O pedido pode ser
feito por qualquer
cidadão.
Visa suprir a falta de
norma
regulamentadora que
torne eficaz um
direito garantido
constitucionalmente.
No writ of
injuction do
direito norte-
americano.
Habeas Data
(art. 5º LXXII,
CF/88)
Visa assegurar o
conhecimento de
informação
relativas à pessoa.
O pedido pode ser
feito por pessoa
física ou jurídica,
brasileira ou
estrangeira.
Assegura o
conhecimento à
informação.
Origem remota na
legislação
ordinária nos
Estados Unidos
em 1974.
Ação Popular
(art. 5º LXXIII,
CF/88)
Visa anular ato
lesivo ao
patrimônio
público,
moralidade
administrativa,
meio ambiente,
patrimônio
histórico e cultural
e entidade que o
Estado seja
O pedido pode ser
feito por qualquer
cidadão.
Anula ato lesivo ao
patrimônio público,
moralidade
administrativa, meio
ambiente, patrimônio
histórico e cultural e
entidade que o
Estado seja
participante.
Origem remota no
Direito Romano.
58
participante.
59
ANEXO C – CONCEITO DE REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
Remédios
Constitucionais
Garantias
Constitucionais
Ações
Constitucionais
Writs
Constitucionais
Instrumentos
de Tutela das
Liberdades
No sentido de que
corrigem atos
viciados,
impugnando-os, se
for o caso, de sorte
a restaurar a saúde
da liberdade
pública lesionada
ou ameaçada de
lesão.
Com base na
ideia de que
visam assegurar
o gozo de
direitos violados
ou em vias de
violação,
limitando os atos
públicos e
privados.
Enquanto meio de
provocar a
atuação do Poder
Judiciário.
Na acepção de
quem consagram
ordens a ser
cumpridas pelos
Poderes
Públicos.
Meios
constitucionais
postos a dispor
dos indivíduos
e das
coletividades
para provocar a
intervenção das
autoridades
competentes.
60
ANEXO D – TÉCNICAS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Técnicas de interpretação
constitucional
São ferramentas que objetivam descobrir os significados,
conexões de sentido.
Técnica da máxima
efetividade
Técnica da eficiência: seu escopo é imprimir eficácia social ou
efetividade às normas constitucionais, entrando-lhes o maior
conteúdo possível, principalmente em matérias de direitos
fundamentais.
Técnica da forma
normativa da constituição
Quando duas ou mais interpretação possíveis surgirem, deve-se
priorizar a que assegura maior eficácia, aplicabilidade e
estabilidade às normas constitucionais.
Técnica da concretização
constitucional
Delimitando o espaço normativo deixado pelo legislador
constitucional; construção de uma solução para resolver o
problema concreto.
Técnica da conformidade
ou justeza constitucional
Interpretação das leis em conformidade com a constituição.
Principio da prevalência da constituição.
Técnica da unidade
hierárquico-normativa da
constituição
Busca o todo constitucional, não a análise de preceitos isolados.
Técnica integrativa Raciocínio crítico e global da constituição para dela extrair
verdadeira finalidade.
Cuidado: a letra mata, mas o espírito vivifica.
Interpretar as constituições com uma visão de conjunto
(percepção global e captação do sentido).
Técnica da concordância
prática ou da harmonização
Tem como meta coordenar, harmonizar, combinar bens
constitucionais conflitantes, evitando o total sacrifício de um em
relação aos outros. É um canon da concretização constitucional.
Técnica da ponderação de
valores ou interesses
É o recurso colocado ao dispor do interprete para que ele avalie
qual o bem constitucional que deve prevalecer perante situações
de conflito.
Técnica da optimização de
princípios
Permite ao intérprete extrair o que existe de melhor na
substância das disposições constitucionais.
Tornar ótimos os conteúdos princípios, ampliando, reduzindo,
61
harmonizando, compatibilizando os interesses em disputa.
Técnica da filtragem
constitucional
Toda ordem jurídica deve ser apreendida e lida sob a lente da
constituição.
Combater o cancro da institucionalidade das leis e dos atos
normativos, extirpando excesso de condutas alheias ao fiel
alcance dos preceitos constitucionais.
Interpretar e reinterpretar os institutos dos diversos ramos do
direito a luz da carta maior.