M Machado Rubina NovaOrtog -...

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ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DA CALHETA PATRIMÓNIO HISTÓRICO Maria Machado dos Santos ( 1890 – 1956 )* MARIA DOS SANTOS MACHADO nasceu na Vila da Calheta, na Ilha de S. Jorge (Açores), em 1890. Professora do Magistério Primário, cedo se destacou pelo seu empenhamento na luta contra a ignorância e o obscuranOsmo, fazendo do seu oQcio uma autênOca ferramenta de produção da consciência social do homem novo. Apostada na promoção cultural dos seus conterrâneos e em romper o encasulado conhecimento das gentes, maioritariamente prisioneiras da chaga do analfabeOsmo, Maria Machado funda, no isolamento oceânico da sua ilha, uma biblioteca para os alunos da Escola, aberta à restante comunidade. EsparOlhada pela pequenês do meio e aspirando a mais largos voos, ruma um dia ao ConOnente onde desembarca com a sua bagagem de métodos inovadores de ensino, baseados na “Escola AOva”. De pronto chamaria a atenção dos pedagogos fascistas (aquilo que se passava na Escola Primária nº 97 de Lisboa, onde fora colocada, consOtuía um “mau exemplo” para o pântano cultural onde se pretendia afundar o país) e a repressão não tardou. Uma professora, nascida na ilha de S. Jorge, tornouse um exemplo inapagável de resistência ao fascismo Em 1 de agosto de 1936, é deOda pela polícia políOca como perigosa aOvista contra a segurança do Estado Novo, dado Maria Machado ser professora de Português na Liga dos EsperanOstas Ocidentais, orga nização essa considerada como baluarte do P.C.P. e das Juventudes Comunistas Portuguesas. Assaltamlhe a residência, um quarto andar no 2 da Rua de dezembro em Lisboa, apreendemlhe exemplares do “Avante!” e acusam na de ser agitadora estudanOl e também de manter ligações com a Secção Portuguesa do Socorro Vermelho Internacional. É transferida a 7 de setembro para a cadeia das Mónicas e, a 12 de dezembro, resOtuída à liberdade. Mas Maria Machado, a Rubina para os seus camaradas, não era mulher que se inOmidasse perante a besOalidade policial e regressa à luta, dominada, como sempre, por uma constante preocupação pelos problemas sociais. Em maio de 1937 é autorizada a deslocarse aos seus Açores, sob apertada vigilância, dada a “a#vidade extremista e possíveis ligações aos presos ali (Açores) re#dos” (1). Na Europa agudizavamse as tensões. Eram os anos da guerra civil em Espanha. Mussolini e Hitler aprontavam as máquinas de guerra. A repressão aumentava em Portugal. Maria Machado, que se deslocara para Paris (1938), prosseguia a aOvidade revolucionária, exercendo tarefas junto do Comité da Frente Popular Portuguesa, e manOnha a ligação permanente com o Bloco Académico AnOfascista que atuava em Portugal. A Rubina mudara mais uma vez de cenário, mas conOnuava a luta, sempre irmanada com os seus camaradas no pensamento e na ação. De 1942 a 1945, Maria Machado está ligada às Opografias do “Avante!”. Também ela, tal como José Moreira, pensava que uma Opografia clandesOna era o coração da luta popular, e, nessa azáfama de garanOr a informação revolucionária ao seu povo, é presa pela segunda vez. Corria o ano de 1945, quando, a 7 de novembro, a Guarda Nacional Republicana promove uma rusga no lugar de Barqueiro, freguesia de Maçãs de D. Maria, em Alvaiázere, perseguindo os autores de um furto de fazendas. Por infortúnio, em Barqueiro funcionava à época, uma Opografia clandesOna do “Avante!”, e, cercada, Maria Machado mais não conseguiu que garanOr a fuga de dois camaradas e queimar documentação conspiraOva. Por ínvios caminhos, o Retrato à carvão de Maria Machado

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ESCOLA  BÁSICA  E  SECUNDÁRIA  DA  CALHETA

PATR IMÓN IO  H I S TÓR I CO

Maria  Machado  dos  Santos(  1890  –  1956  )*

  MARIA   DOS   SANTOS   MACHADO   nasceu   na  Vila  da  Calheta,  na  Ilha  de  S.  Jorge  (Açores),  em  1890.

  Professora   do   Magistério   Primário,   cedo   se  destacou   pelo   seu   empenhamento   na   luta  contra   a  ignorância   e   o   obscuranOsmo,  fazendo   do   seu   oQcio   uma  a u t ê n O c a   f e r r amen t a   d e  produção   da   consciência   social  do  homem  novo.

  Apostada   na   promoção  cultural  dos  seus  conterrâneos  e  em   romper   o   enca su l ado  conhec imento   das   gentes ,  maioritariamente   prisioneiras   da  chaga   do   analfabeOsmo,   Maria  Machado   funda,   no   isolamento  oceânico   da   sua   ilha,   uma  biblioteca   para   os   alunos   da  Esco la ,   aber ta   à   res tante  comunidade.   EsparOlhada   pela  pequenês  do  meio  e  aspirando  a  mais  largos  voos,  ruma  um  dia  ao  ConOnente   onde   desembarca  com   a  sua  bagagem  de  métodos  inovadores   de   ensino,   baseados  na  “Escola  AOva”.

  De  pronto  chamaria  a  atenção  dos  pedagogos  fascistas  (aquilo  que  se  passava  na  Escola  Primária  nº  97   de   Lisboa,   onde     fora   colocada,   consOtuía   um  “mau   exemplo”   para   o   pântano   cultural   onde   se  pretendia  afundar  o  país)  e  a    repressão  não  tardou.

Uma  professora,  nascida  na  ilha  de  S.  Jorge,tornou-­‐se  um  exemplo  inapagável  de  

resistência  ao  fascismo

  Em  1  de  agosto  de  1936,  é  deOda  pela  polícia  políOca  como  perigosa  aOvista  contra  a  segurança  do  Estado  Novo,  dado  Maria  Machado  ser  professora  de  Português  na  Liga  dos  EsperanOstas  Ocidentais,  orga-­‐

nização  essa  considerada  como   baluarte   do   P.C.P.  e  das  Juventudes  Comunistas  Portuguesas.

  Assaltam-­‐lhe   a   residência,   um   quarto   andar  no   nº   2   da   Rua   1º   de   dezembro   em   Lisboa,  apreendem-­‐lhe   exemplares  do   “Avante!”  e   acusam-­‐      -­‐na  de  ser    agitadora  estudanOl  e  também  de  manter  ligações   com   a   Secção   Portuguesa   do   Socorro  Vermelho   Internacional.   É   transferida   a   7   de  setembro   para   a   cadeia   das   Mónicas   e,   a   12   de  dezembro,   resOtuída   à   liberdade.   Mas   Maria  Machado,  a  Rubina  para  os  seus  camaradas,  não  era  mulher   que   se   inOmidasse   perante   a   besOalidade  policial   e   regressa   à   luta,   dominada,   como   sempre,  por   uma   constante   preocupação   pelos   problemas  sociais.

Em  maio  de  1937  é  autorizada  a  deslocar-­‐se  aos  seus   Açores,   sob   apertada   vigilância,   dada   a  

“a#vidade   extremista  e   possíveis  ligações   aos   presos   ali   (Açores)  re#dos”  (1).

Na   Europa   agudizavam-­‐se   as  tensões.  Eram  os  anos  da  guerra  civil   em   Espanha.   Mussolini   e  Hitler   aprontavam   as   máquinas  d e   g u e r r a .   A   r e p r e s s ã o  aumentava  em  Portugal.M a r i a   M a c h a d o ,   q u e   s e  deslocara   para   Paris   (1938),  p r o s s e g u i a   a   a O v i d a d e  revolucionária,  exercendo  tarefas  junto   do   Comité   da   Frente  Popular   Portuguesa,   e  manOnha  a   ligação   permanente   com   o  Bloco  Académico  AnOfascista  que  atuava   em   Portugal.   A   Rubina  mudara  mais  uma  vez  de  cenário,  mas   conOnuava   a   luta,   sempre  irmanada  com  os  seus  camaradas  

no  pensamento  e  na  ação.

  De  1942  a  1945,  Maria  Machado   está   ligada  às   Opografias  do   “Avante!”.   Também   ela,   tal   como  José  Moreira,  pensava  que  uma  Opografia  clandesOna  era  o   coração   da   luta  popular,   e,  nessa  azáfama  de  garanOr   a   informação   revolucionária  ao   seu   povo,  é  presa   pela   segunda   vez.   Corria   o   ano   de   1945,  quando,   a   7   de   novembro,   a   Guarda   Nacional  Republicana   promove   uma   rusga   no   lugar   de  Barqueiro,   freguesia   de   Maçãs   de   D.   Maria,   em  Alvaiázere,   perseguindo   os   autores   de   um   furto   de  fazendas.  Por   infortúnio,  em  Barqueiro   funcionava  à  época,   uma   Opografia   clandesOna   do   “Avante!”,   e,  cercada,   Maria   Machado   mais   não   conseguiu   que  garanOr   a   fuga   de   dois   camaradas   e   queimar  documentação   conspiraOva.   Por   ínvios   caminhos,   o  

Retrato  à  carvão  de  Maria  Machado

acaso   reentregou-­‐a   aos   esbirros  do   Estado   fascista.  Contudo,   Rubina  ainda   teve   tempo   de   escrever   um  breve  comunicado  ao  povo  do  lugarejo   que,  atónito  diante   das   movimentações   da   soldadesca,   só  posteriormente   tomou   conhecimento   do   que  ocorrera  naquela  casa.

Maria  Machado  escrevera-­‐lhes:

  “Povo  de  Barqueiro!  Senhores  da  Jus#ça!  Não  somos   gatunos.   Somos   comunistas.   Isto   aqui   é   a  #pografia   do   jornal   clandes#no   “Avante”,   órgão   do  meu   muito   querido   e   grande   par#do   Comunista  Português.  Se  a  liberdade  de  imprensa  não  fosse  uma  farsa,   esta   #pografia   não   precisava   de   ser  c l a n d e s # n a .   S e  houvesse   liberdade   de  i d e i a s ,   n ã o  p r e c i s á v amo s   d e  ocu l tar   os   nossos  nomes   de   patriotas  honrados.  O  “Avante!”  defende   os   interesses  do   povo   trabalhador  de  Portugal”.  (2)

  Enquanto   o  povo   lia  a  mensagem,  Maria   Machado   era  conduzida  ao  Depósito  de  Presos  de  Caxias,  aí  p e r m a n e c e n d o  encarcerada   até   8   de  agosto  de  1946,  altura  em  que  a  transferem  para  a  Penitenciária  de  Lisboa  e  posteriormente  para  as  Mónicas.  Nada  nem  ninguém  lhe  arrancaria  uma  palavra  comprometedora  sobre  o  seu  parOdo  e  sobre  os  seus  camaradas.

  Julgada  em  15  de  novembro  do  mesmo  ano,  no   2º   Juízo   Criminal   de   Lisboa,   é   condenada   a   22  meses   de  prisão   correcional,   sendo-­‐lhe   reOrados   os  direitos  políOcos  por  5  anos.

  Maria  Machado   regressa  à  liberdade   em   31  de   agosto   de   1947,   retomando   a   luta   sempre   com  redobradas   energias.   Voltará   às   masmorras  salazaristas   de   Caxias   uma   terceira   vez,   em   20   de  dezembro  de  1953  e,  pela  quarta  e  úlOma  vez,  em  14  de  abril  de  1954.

ConUnuava,  clandesUnamente,  a  dar  aulas  gratuitas  a  trabalhadores

  Já   sexagenária,   Maria   Machado,   que   fora  proibida   de   ensinar   e   que   Overa   de   recorrer   ao  serviço   domésOco   numa   casa   parOcular,   como  governanta,  conOnuava  clandesOnamente  a  dar  aulas  

gratuitas   a   trabalhadores,   apesar   da   apertada  vigilância  da  PIDE.

  Impossibilitada  de  trabalhar,  aquela  que  fora  uma  das  fundadoras  da   Liga  Portuguesa  para  a  Paz,  que  ensinara  a  ler  e  escrever  a  tantos  ferroviários  de  Campolide,   e   que   criara   bibliotecas   para   instruir   o  povo   trabalhador,   vivia   os   derradeiros   dias   da   sua  ex i s tênc ia   num   quarOnho   custeado   pe los  companheiros   de   luta,   bordando   tapetes   em   ponto  de  Arraiolos  para    sobreviver.

 Embora   desenvolvendo   a   aUvidade   políUca  

longe   da   ilha   que   a   viu   nascer,   Maria   Machado  nunca   esqueceu  as  suas   raízes,  tendo  oferecido  a  sua  biblioteca  parUcular  às   suas  gentes  e  cedido  o  

t e r r e n o   p a r a   a  c o n s t r u ç ã o   d a  Sociedade   da   União  Popular   da   Ribeira  Seca.

  Mas   Mar i a  Machado   era   uma  p e r s o n a l i d a d e  c o n d e n a d a .   O  fascismo   jamais   lhe  perdoaria   a   coragem  de  lutadora  comunista  a   quem   nunca   as  prisões   nem   a   idade  haviam   esmorecido   a  chama  revolucionária.

  Por   pressão  policial   é   despejada   desse   derradeiro   quarto.   Em  desespero,  aos  66  anos,  é  obrigada  a  palmilhar  becos  e   azinhagas   em   busca   de   refúgio   e   o   coração,   há  muito  doente,  atraiçoa-­‐a  em  plena  rua,  na  Amadora,  a  4  de  outubro  de  1956.

  A   Rubina  caíra  vencida  pela  doença,  mas  de  pé  perante  o   fascismo.   Ninguém   a   vergara!  Na   sua  lápide   tumular   os   seus   camaradas   e   o   ParOdo  Comunista  Português  gravaram  a  singela  mensagem:

  “Maria   Machado   —   a   açoreana,   educadora  de   operários,   obreira   do   “Avante!”,   vida   heroica   de  comunista  imolada  no  combate.”

  *Esta   breve   biografia   foi   elaborada   pelo   professor  Eduardo  Guimarães,  a  par#r  de   um  ar#go  publicado  no  Jornal  “O  Militante”,   Nº   179   de   07/89,   órgão   de   comunicação   social   do  Par#do  Comunista  Português._____________NOTAS:   (1)  Comissão  do  Livro  Negro  Sobre   o  Regime   Fascista   -­‐  presos  polí=cos  no  regime   fascista   II  1936  -­‐  1939,   [s.1.],   1982  -­‐  p.  446/450   (2)   COELHO,   José   Dias   -­‐   A   Resistência   em   Portugal,  Porto,  1974,  p.41

”Eu  sou  um  carácter  muito  sério  e  digno  e  gosto  de  situações   definidas   e   de   resoluções   corajosas,   até  da   parte   dos   meus   inimigos!   É   que   os   meus  inimigos  são  seres  humanos  e  até  a  própria  baixeza  dos   meus   inimigos   tortura   o   meu   ser   moral,   não  pela  contrariedade  ou  sofrimento  que  me  infligem,  mas   pela   observação   de   ignomínia   dos   meus  inimigos”

-­‐  Extracto  de  uma  carta  de  Maria  dos  Santos  Machado,  datada  de  1  de  Dezembro  de  1945  e   dirigida  ao  Capitão  João  da  Silva,  comandante  do  Forte  de  Caxias.