MANEIRAS DE PESQUISAR NO COTIDIANO: CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA ... · PDF filedeseja...

download MANEIRAS DE PESQUISAR NO COTIDIANO: CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA ... · PDF filedeseja utilizar a teoria do ator-rede em sua tese de Douto- ... eles sempre modificam os objetivos que ...

If you can't read please download the document

Transcript of MANEIRAS DE PESQUISAR NO COTIDIANO: CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA ... · PDF filedeseja...

  • Psicologia & Sociedade; 20, Edio Especial: 7-11, 2008

    7

    MANEIRAS DE PESQUISAR NO COTIDIANO:

    CONTRIBUIO DA TEORIA DO ATOR-REDE

    Ronald Joo Jacques ArendtUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

    RESUMO: A partir da temtica geral do XI Simpsio da ANPEPP Maneiras de pesquisar no cotidiano: contribuiespara a formao em pesquisa em Psicologia, e tendo em vista a participao do autor no GT Cotidiano e PrticasSociais da ANPEPP, este texto busca descrever a prtica de formao em pesquisa a partir da teoria do ator-rede.Aps efetuar a recenso de um texto de Bruno Latour, um dilogo entre um professor e um aluno em que soexpostas as principais caractersticas da prtica de pesquisa no mbito desta abordagem, o autor busca precisar oposicionamento epistemolgico-metodolgico da referida teoria assim como suas razes fundadas na filosofiapragmtica, descrevendo sucintamente algumas proposies de William James e John Dewey.

    PALAVRAS-CHAVE: Formao em pesquisa; Psicologia; Teoria do ator-rede.

    WAYS OF RESEARCHING EVERYDAY LIFE: THE ACTOR-NETWORK THEORY CONTRIBUTION

    ABSTRACT: Using the actor-network theory, this paper describes the practices of becoming educated in research,based on the general subject of the XI ANPPEP Symposium Ways of searching in everyday life: contributions to theformation of research in Psychology, considering that the author was a participant in the ANPEPP work groupEveryday life and Social Practices. After summarizing a paper of Bruno Latour, a dialogue between a professor anda student in which the main characteristics of the research practice in this approach are outlined, the author exposesin a more accurate manner the epistemological and methodological positioning of the referred theory and its pragmaticphilosophical roots, describing briefly some propositions of William James and John Dewey.

    KEYWORDS: Education in research; Psychology; Actor-network Theory.

    Maneiras de pesquisar no cotidiano: Contribuiespara a formao em pesquisa em Psicologia foi o temaagregador proposto pela coordenao do GT Cotidiano ePrticas Sociais para nortear as discusses do grupo noXI Simpsio da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Psicologia (ANPEPP) ocorrido em maio de2006 em Florianpolis, SC, a partir do objetivo do Simpsiode delinear perspectivas de ao que contribuam para aformao de docentes e pesquisadores na rea. Na apre-sentao de cada membro do GT a coordenao sugeriaum roteiro que expusesse a descrio da situao de pes-quisa, da fonte de dados, dos modos de pesquisar, doposicionamento epistemolgico-metodolgico, daproblematizao dos aspectos ticos envolvidos e final-mente, as implicaes para a formao de pesquisa.

    Em minha apresentao procurei mostrar que anfase do posicionamento epistemolgico-metodolgicocom a qual estava envolvido recaia no como da pesqui-sa, que a fonte de dados provinha do cotidiano em suasarticulaes e proposies e que, enquanto pesquisadoralinhado com as proposies da teoria do ator-rede, osmodos de pesquisar que eu privilegiava recaiam na des-

    crio de redes scio-tcnicas. A partir de um texto re-cente de Latour intitulado O que fazer do ator-rede?Interldio sob a forma de um dilogo (Latour, 2006)procurei mostrar que nesta abordagem no o pesquisa-dor que estabelece os aspectos ticos envolvidos na in-vestigao - quem saberia so os atores envolvidos,eles seriam os experts, no o pesquisador. Em termosde implicao para formao de pesquisa, haveria queseguir os atores e formular a eles as boas questes.

    No referido dilogo um professor da LondonSchool of Economics recebe em sua sala um aluno quedeseja utilizar a teoria do ator-rede em sua tese de Douto-rado - um estudo de caso sobre organizaes. Ele estum tanto perdido e vai procurar o professor, que no seu orientador, para um esclarecimento quanto a comolevar seu trabalho de campo. O dilogo se inicia com oaluno dizendo da sua dificuldade em aplicar a teoria doator-rede em seu estudo de caso em uma organizao. Oprofessor argumenta que a teoria til contanto que noseja aplicvel a nada. Ela antes de tudo um argumentonegativo. Ela no diz nada de positivo sobre qualquer es-tado de coisas. Ela prope no romper os vnculos entre

  • 8

    Arendt, R. J. J. Maneiras de pesquisar no cotidiano: contribuio da Teoria do Ator-rede

    elementos que pareceriam incomensurveis em categori-as acadmicas normais. Ela no pode positivamente di-zer o que o vnculo. Ela uma teoria sobre como estu-dar as coisas, melhor, como no estud-las, como daraos atores um espao para eles se expressarem.

    O aluno pondera que na companhia que ele estestudando h muita gente compondo inmeras redes. Oprofessor aponta que a est o problema: uma perda detempo utilizar a teoria do ator-rede para dizer isto. Comela voc pode descrever algo que no parece com umarede um estado individual da mente, uma pea de ma-quinaria, um personagem de fico e, de forma conver-sa, voc pode descrever redes de metr, de esgoto, detelefones que no foram esboadas na forma da teoria doator-rede. Ela um mtodo que nada diz da forma do queest sendo descrito atravs dela. Tudo depende do quese entende por ator e o que eles fazem. No suficienteestar conectado, interconectado ou ser heterogneo paraconstituir uma rede. Depende do tipo de ao que flui doator para a rede. Ao se quebrar a palavra network tem-senet (rede) e work (trabalho, agncia). O professor (queeu penso ser o Latour) sugere ao aluno que ao invs denetwork ele pensasse em worknet. a agncia e o movi-mento, o fluxo e as mudanas que deveriam ser ressalta-das. A teoria do ator-rede no um instrumento; ou me-lhor, instrumentos no so nunca meros instrumentos aserem aplicados: eles sempre modificam os objetivos quese tinha em mente, propiciando efeitos imprevisveis.

    O aluno pondera que seu orientador insiste que eleencontre um referencial, uma teoria, um argumento, umponto em geral, um conceito que d conta dos seus da-dos. O professor responde que se ele quer mais dadosque compre um disco rgido maior e brinca com a pala-vra frame, perguntando se seu orientador est no ramoda venda de pinturas - poderia haver molduras de diver-sos tipos, mas no seria esquisito um artista buscar amoldura antes de pintar um quadro? Mas voc no preci-sa sempre de uma teoria, no precisa sempre colocar ascoisas num contexto, se angustia o aluno?

    No, voc no precisa, responde o professor! Sealguma coisa simplesmente o exemplo de um estadode coisas, v estudar este estado de coisas ao invs doexemplo. Um estudo de caso que necessita de umreferencial em adio um estudo de caso mal escolhi-do de sada. Se eu fosse voc abriria mo dosreferenciais, contextualizaes. Apenas descreva o es-tado de coisas ao seu alcance. Os prprios atores pro-duziro seus referenciais, suas teorias, seus contextos.Apenas descreva.

    O aluno pergunta se isto no por demais inocentee pouco sofisticado. O professor pergunta se o alunopensa que descrever seja fcil. Descrever, estar atentoaos estados concretos e encontrar a forma adequada dedar conta de uma determinada situao uma atividade

    que exige muito do pesquisador.A questo que emerge da discusso se a teoria do

    ator-rede reporta a uma sociologia que visa a interpreta-o ou a objetividade. Certamente o professor no apoia-ria esta ltima. Para a surpresa do aluno no s ele aapia, mas com todos os meios! Ele que imaginava oprofessor relativista, defensor da multiplicidade de pon-tos de vista.

    O professor afirma sua opo pela objetividade dascincias. O que mais elas poderiam ser? Elas afinal tra-tam todas de objetos. Simplesmente tais objetos so umtanto mais complicados, dobrados, mltiplos, comple-xos, emaranhados que um defensor tradicional da objeti-vidade admitiria. O problema com as sociologiasinterpretativas que elas efetuam uma diviso em ummundo de objetos inflexveis, relaes causais puras,conexes estritamente materiais por um lado e senti-dos, intenes humanas, interpretaes flexveis, poroutro. Ao se afirmar a existncia de realidades objetivasafirma-se a existncia de realidades subjetivas.

    O professor oferece ao aluno um ensaio de descri-o: Diria que este computador nesta escrivaninha, estatela, este teclado como objetos, esta escola compostapor muitas camadas, exatamente como voc sentado aqui,seu corpo, sua linguagem, suas questes. A hermenuticasempre leva a uma observao do tipo mas, claro, htambm coisas naturais, objetivas que no so inter-pretadas.

    Por outro lado, no h porque negar que temos umponto de vista, mas a grande vantagem de um ponto devista que podemos mud-lo (um astrnomo tem umponto de vista limitado em Greenwich, mas modifica suaperspectiva atravs de instrumentos, telescpios, satli-tes). Ter um ponto de vista no significa estar limitadopela subjetividade. Se uma coisa suporta muitos pontosde vista justamente porque altamente complexa,intrincada, bem organizada, objetivamente bela. No setrata de relativismo, mas de relatividade. No trabalho decampo, em levantamentos, pesquisas de opinio, nsouvimos, aprendemos, tornamo-nos competentes, mu-damos nossos pontos de vista. O bom trabalho de cam-po produz uma quantidade de novas descries. Se umaexplicao relevante, um novo agente est sendo acres-centado descrio, e a rede maior do que se imagina-va. Se uma descrio precisar de uma explicao ela noser uma boa descrio. A teoria do ator-rede abre moda explicao.

    Inicia-se uma discusso sobre a escrita da tese.Escrever textos diz o professor tem tudo a ver com m-todo. O texto, dependendo como ele for escrito, captu-rar ou no a rede de atores estudada. Ele o equivalentea um laboratrio. o lugar das tentativas, experimentos,simulaes. Dependendo do que acontece ali haver ouno um ator ou rede sendo traados. E isto depende intei-

  • Psicologia & Sociedade; 20, Edio Especial: 7-11, 2008

    9

    ramente na maneira precisa na qual isto est sendo escri-to e cada simples novo tpico requer uma nova