Manifesto sobre a Educação

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1 MANUEL REIS MANIFESTO SOBRE A EDUCAÇÃO E OS SISTEMAS EDUCATIVOS Cetro de Estudos do Humanismo Crítico C.E.H.C.

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Manifesto sobre a Educação e os Sistemas Educativos | Manuel Reis | Centro de Estudos do Humanismo Crítico - C.E.H.C.

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MANUEL REIS

MANIFESTO

SOBRE

A EDUCAÇÃO

E

OS SISTEMAS EDUCATIVOS

Cetro de Estudos do Humanismo Crítico

C.E.H.C.

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Manuel Reis

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OS SISTEMAS EDUCATIVOS E A CARTILHA

CONTEMPORÂNEA DO

ECONOMICISMO CAPITALISTA

EM CURTO-CIRCUITO

(na suposta fase derradeira do Sistema capitalista

na sua modalidade selvagem:

o Neoliberalismo global)

● Trata-se de duas realidades societárias, absolutamente antagónicas: uma

exclui a outra e vice-versa. Necessariamente!...

● Sobre a Noção de Sistema, advirta-se no Aforisma de Blaise Pascal: “É tão

impossível conhecer as partes sem o todo, como conhecer o todo sem

conhecer particularmente as partes.

● As Sociedades contemporâneas, everywhere in the Planet, são geridas e

‘governadas’ por figurões robóticos. Segundo as cartilhas das inércias

societárias e do mais vil e desesperante mecanicismo objectivo-objectualista.

● ‘Crear es resistir. Resistir es crear’. (Rapariga anónima que, na massa

de gente constituída pelo ‘Movimento dos Indignados’, teve a coragem de

fazer este Depoimento). Que se encontra, em termos semânticos, nos

bastidores desta asserção/aforisma?

A) Que a percepção/convicção de que o mundo anda tão iníquo e perverso,

que as duas palavras (verbos) referidas não se podem distinguir e

separar, no seu emprego linguístico-societário.

B) Que o bem e o mal foram dogmaticamente hipostasiados e os bons e os

maus se confundem e misturam e se perdeu o próprio caminho.

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C) Que os que se acham na mó-de-cima e nos lugares de comando já

não sabem ser sensatos e responsáveis, i.e., responsáveis perante os

outros e didiante do povo que os elegeu.

● Quando o irredento (e ainda não desconstruído criticamente na Cultura...)

‘despotismo iluminado’ vai transitando, sorrateiramente, para o ‘modus

operandi’ (o modo de funcionamento) das novas Tecnologias automáticas

da Informação e Comunicação, cerceando e bloqueando as capacidades de

acção dos utentes das máquinas em causa… algo vai muito mal no universo

da Humanitas!... É a continuação perversa e escravizadora das Tecnologias,

que deveriam ajudar a Libertação e estão a promover a servidão.

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Em demanda da Noção de Sistema Educativo

● Σύστημα (atos) é, na sua origem, um substantivo (abstracto/concreto)

do Gre-go clássico, cuja denotação nuclear se encontra na órbita de

percepções e conceitos como conjunto (também no plano da aritmética e das

Matemáticas) e totalidade articulada (que tanto se pode referir a um organismo

vivo, como a um robôt e a qualquer computador…).

Quando pesquisamos e estabelecemos a denotação e a conotação

semânticas do vocábulo ‘Sistema’, na expressão ‘Sistema Educativo’,

devemos saber e estar atentos ao facto (primacial e primordial) de que nos

encontramos no hemisfério das Ciências sociais e/ou humanas, ─ não no

hemisfério das ciências físico-naturais. Como é óbvio, ficou, aí, implicitada e

pressuposta a teoria/doutrina da Dualidade Epistémica (que é a gramática de

funcionamento do CEHC).

Em termos empíreo-criticistas, a bifurcação rumo aos dois hemisférios

referen-ciados pode assinalar-se nos dois livros principais de Norbert Wiener

(prof. no MIT) , a saber: ‘Cybernetics, or Control and Communication in the Man

and in the Machine’ (1948); e ‘The Human Use of Human Beings’ (1954).

‘Cybernetique et Société’ (1952), que se pode considerar a abóbada da Obra

do N.W., confirma, à saciedade, a índole ecléctica do pensamento filosófico do

Autor. N.W. está muito longe de professar a teoria/doutrina da Dualidade

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Epistemológica, como nós fazemos no CEHC; mas já é suficientemente

esclarecedor e surpreendente o simples facto de o ‘inventor’ da Cibernética

contemporânea se ter visto obrigado, intelectualmente, a abordar, pelo menos,

a problemática (vaga) da Dualidade Epistémica, muito embora sem

consequências de qualquer tipo.

Foi, efectivamente, a partir dos anos ’40 do séc. XX (e já desde o

período da Guerra e em função dela…) que se desenvolveu (a começar nos

USA) o conceito moderno de ‘Sistema’, nos domínios das ciências e das

tecnologias, ─ e, por paradoxal que pareça, à rebelia do tradicional

racionalismo cartesiano. Como já se dá conta, esse conceito não tem nada a

ver com a supracitada noção de Sistema, de B. Pascal. Ali, há uma submissão,

em todos os azimutes, à religião do Objectivo-Objectualismo; aqui, há, no

processus operatório do Sistema, um cruzamento de Darwinismo e de

Lamarckismo, de genética e de milieu. (No concernente à problemática da

Evolução, nos patamares da biogénese e da antropogénese, já defendíamos o

cruzamento das duas vertentes, na nossa Tese de Bacharelato, em Coimbra,

titulada: ‘Evolucionismo ou Fixismo?’/1955). A noção de Sistema, ‘made in

USA’, destinou-se a resolver problemas complexos (sempre no horizonte do

Objectivo-Objectualismo…), tais como instruções de comando aéreo,

compreensão do funcionamento do cérebro humano, a orientação das grandes

organizações industriais e o fabrico dos primeiros computadores.

Ora, na abordagem sistémica levada a cabo, no horizonte das ciências

sociais e/ou humanas, deve ter-se em linha de conta a noção nuclear de

‘paradigma conceptual’ (Raymond Boudon), que está na base de qualquer

arquitectura sistémica, neste hemisfério das ciências e do Saber. Significa isso

que é preciso dispor de instrumentos adequados, para a análise (fina…) das

complexidades e das propriedades dinâmicas do que é um Sistema psico-

sócio-cultural, onde há, naturalmente, conflitos e cooperação (consciente ou

não…), desvios à norma, comportamentos colectivos, poder coercivo e

mudança social.

Em geral, e a partir das próprias inércias institucionais da I. & D., a

Teoria geral dos Sistemas fechou-se (ou continuou tradicionalmente

fechada…) no seu catecismo monístico e objectualístico, e tornou-se incapaz

de compreender e percepcionar a complexidade dos sistemas

sociais/societários (onde nunca se pode omitir a consciência do Indivíduo,

seja no seu estado consciente ou inconsciente). Justamente, aquilo que se

acha no núcleo duro do aforisma de Pascal: ‘é tão impossível conhecer as

partes sem o todo, como conhecer o todo sem conhecer particularmente as

partes’.

Amarrada à doutrina do monismo epistémico (de índole fisicalista), a

Sociolo-gia tradicional sempre caiu nas tentações de considerar as sociedades

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humanas como ‘sistemas de papéis ou funções’, redes de organizações ou de

superorganizações, compostas, por seu turno, de organizações mais simples e

elementares. Os Sujeitos individuais-pessoais, que são os humanos

(dotados de reflexão e consciência), nunca foram achados ou ouvidos

enquanto os primeiros e últimos centros/fontes da energia social/ /societária e

das actividades sociais (sejam elas intelectuais e científicas, económicas ou

políticas, culturais/artísticas ou tecnológicas). Pior: mais de metade do ‘corpus

científico’ da própria Psicologia moderna e contemporânea abastardou e

rejeitou o fenómeno da Consciência, e queimou incenso ao Behaviourismo

(Comportamentalismo) mais desbragado (o seu patrono pode chamar-se

Bhurrus Skinner).

O Sistema Educativo é edificado no hemisfério das

ciências psico-sociais e/ou humanas

Ao adicionarmos o sintagma adjectival Educativo ao sintagma nominal

Sistema, é mister sabermos bem o que são as duas realidades. Debrucemo-

nos, agora, sobre o que vem a ser a Educação. É um substantivo oriundo do

verbo latino educere (tirar a partir de dentro) e educare (no latim vulgar) →

alimentar… que tanto se aplica ao alimento material/corporal como ao alimento

intelectual/espiritual. Algo, afinal, de que todos os seres vivos carecem, muito

embora em níveis e escalas diferenciados. (Explicámos e desenvolvemos esta

temática, copiosamente, no nosso Livro de 2010, ‘De Educatione et de

Instructione’, na edição electrónica da Rev. ‘Noética’, a partir de São

Paulo/Br.). Nunca se perceberá bem toda esta Problemática, se não tivermos

em mente a doutrina dos Gnósticos judeo-cristãos primevos e a sua dialéctica

(primacial e primordial) da Interioridade ↔ Exterioridade. Essa dialéctica é

muito mais importante e decisiva do que a do ‘em cima’//’em baixo’, ou do

‘superior’//’inferior’. Além do mais, por definição e estrutura operativa, essa

dialéctica pressupõe e tem na devida conta o fenómeno das Consciências

individuais/pessoais, que tem sido laminado e exterminado ao longo da

história das Civilizações, devido ao facto de se ter optado, nos processos de

organização societária, por essa Alavanca de Arquimedes que é a sempiterna

Cultura do Poder-Dominação d’abord.

Já nos démos conta, com a devida nitidez e precisão, que os Sistemas

Educa-tivos (que se configuram no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou

humanas) não se podem misturar ou confundir com os sistemas naturais (que

se erguem e modelam no hemisfério das ciências físico-naturais). A corveia de

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uma certa mistura e confusão ainda persiste, contemporaneamente, não só na

organização pró-determinística das Sociedades humanas, como também nas

injunções de ‘libertação pelas tecnologias’ e admissão acrítica do sistema

capitalista, no concernente à estruturação de um Sistema Educativo nacional.

Os Sistemas Educativos (nacionais) na sua configuração actual são de

data re-cente, na História das Sociedades ocidentais. Começam nos inícios do

séc. XIX, quando se dá o boom da ‘Revolução Industrial’ e se instalam as

primeiras redes dos ‘caminhos de ferro’. Entretanto, apesar da emergência

formalizada do S.E. ter acompanhado (significativamente) o surgimento do

Estado-Nação moderno, tem de observar-se e admitir-se que a própria

percepção do valor económico da Educação/Instrução é, sem dúvida, muito

anterior à percepção da realidade do Estado (genericamente falando e qua tal).

A bússola de orientação para a definição própria e específica de um

Sistema Educativo pode ser-nos facultada pela Declaração Universal dos

Direitos do Homem, oriunda da Rev. Francesa, e refundida e adoptada, sob o

determinativo de Direitos Humanos, pela O.N.U., em 1948. Aqui se

asseverava que a “educação deve visar o pleno desenvolvimento da

personalidade humana e o reforço do respeito do homem e das liberdades

fundamentais”. Ora, os Humanos, qua tais, têm de ser considerados e

respeitados nas suas duas vertentes: activa (Sujeitos) e passiva (enquanto

‘objectos’ de Estudo). (Os Poderes Estabelecidos, na Cultura do Poder-

Dominação d’abord, não sabem tratar os cidadãos e os trabalhadores senão

como objectos, segundo a sua cartilha implacável do Objectivo-

Objectualismo). Daqui mesmo, é mister extrair, desde logo, um postulado

essencial: O Sistema de Educação/Instrução não se pode confinar, tão só, à

preparação e formação dos Alunos em ordem ao exercício de uma dada

profissão. A cidadania e o civismo, a boa ética e a moralidade, a Cultura

substantiva integram, igualmente, uma Sociedade viva e organizada e fazem

parte, por conseguinte, do Sistema de Educação/Instrução.

Educação e Instrução (como se explanou copiosamente no nosso

Livro, já referenciado) constituem-se como realidades diferenciadas: a 1ª

manifesta-se ab intra ad extra; a 2ª ab extra ad intra. A 1ª opera mediante os

processos da assimilação das ‘lições de vida e comportamento’, ganha raízes

através das convicções pessoais e tem, neces-sariamente, de tomar em conta

o facto da Consciência individual-pessoal. Sem Diálo-go inter-humano e

sem levar em linha de conta as Experiências humanas individuais não se

chega lá. A 2ª processa-se num esquema de informação e esclarecimento, em

or-dem à execução de determinadas acções, cujos resultados se podem

programar, em maior ou menor grau.

A noção básica/elementar de Educação foi dada por Émile Durkheim

nos se-guintes termos: “a educação é a acção exercida pelas gerações adultas

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sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social”. O que o

sociólogo teve em mira, nesta noção, foi uma certa linha de continuidade,

cultural e civilizacional, entre as gerações, que o Processo histórico tem por

missão/função assegurar.

Os Sistemas Educativos (de natureza pública e estatal) começam,

efectivamente, na 1ª metade do séc. XIX, não só como respaldo da ‘Revolução

Industrial’ em curso, mas, também, como expressão e fornalha alimentadora do

sentido/sentimento de unidade da Nação (do Estado-Nação em causa). Como

resulta óbvio, havendo-se tornado mais complexos e sofisticados os modos de

produção, na economia política, e mais diversificados os modos de

relacionamento económico, apesar da uniformidade de base das relações

salariais de produção (o regime do salariato tornou-se a salgada ‘lei de ferro’

da Era industrial, a qual, se ajudou a superar a condição anterior da servidão,

por outro lado, manteve-a…), a Escola pública e o Sistema de

Educação/Instrução foram chamados a dar uma Resposta consistente, nos

domínios da preparação e da formação profissionais.

Como é sabido, o Sistema económico então vigente era o Capitalismo,

balizado e definido segundo o catecismo de Adam Smith (1776), que, ao longo

de boa parte do séc XIX, Karl Marx e F. Engels, bem como os outros

socialistas, (onde se destaca Joseph Proudhon e o proudhonismo, sem

esquecer os anarquistas e a escola de M. Bakúnine), se encarregaram de

denunciar e repudiar, em nome da vera e justa condição humana, e em tempo

histórico oportuno.

Em meados do séc. XIX (1848) a chamada ‘Revolução dos Povos’

resultou gorada… como, aliás, veio a fracassar, igualmente, a ‘Comuna de

Paris’, em 1871. Analistas da História e da Sociologia costumam argumentar

que o Processo histórico não se encontrava amadurecido para as mudanças

contidas nos projectos socialistas. Ilusão e discurso embusteiro… Os ‘sinais

dos Tempos’ são sempre lobrigados e identificados por pessoas sensatas e

honestas. As causas do falhanço das Revoluções (de todas… até ao presente)

são outras: é o cincho da Cultura do Poder-Dominação d’abord, na orga-

nização das Sociedades; é o Economicismo (destilado pelo Sistema

capitalista), que já se achava a fazer caminho; e, no reverso da medalha, era a

índole imprópria e incompetente dos Sistemas nacionais de

Educação/Instrução, que se deixaram polarizar, tão-só, ou principalmente, na

formação profissional, para dar serventia às indústrias e ao comércio.

Nesse horizonte (reducionista…) o planeamento e a programação da

Educação e da Instrução (púbicas…) impuseram-se, pacificamente, em função

da Produção e da organização societária na Economia: o planeamento

económico (ao longo dos sécs. XIX e XX) ultrapassou de longe, em despesas

orçamentais e investimentos, todas as restantes áreas da Sociedade

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(Educação, Saúde, Justiça, Artes, Cultura…). E, paradoxalmente, isso

constituiu um facto indiscutível e incontornável, tanto nos países de sistema

capitalista puro e duro, como nos do chamado ‘socialismo convencional’. De

resto, na órbita do catecismo de A. Smith, as chamadas ‘leis do Mercado’

sempre foram enaltecidas e, nas aparências societárias, sobrepujaram o

chamado ‘planeamento central’, próprio das economias políticas ditas

socialistas. Contudo, o Mercado nunca desapareceu nestas… e a própria

definição exacta destas é outra: ‘capitalismo monopolista de Estado’ (J.K.

Galbraith dixit).

Nas décadas de ’80 e ’90 do séc. XX (quando se deu início à nova fase

do neo-liberalismo capitalista global, nas asas das Multi-transnacionais), a

evolução da Economia (política), sob a nova fórmula, de sabor demagógico, da

‘economia do conhecimento’, veio a subsumir a Instrução e a Educação e todo

o ‘processo educativo’, já não como factor de crescimento, mas como vera

finalidade do desenvolvimento: significou isso que o Economicismo resultou

redobrado: os Sujeitos humanos (como cidadãos e como trabalhadores…)

perderam o pé no processus economicista/tecnológico; entrou-se, assim,

num curto-circuito completo e acabado, uma vez que, não se saindo da órbita

do Objectivo-Objectualismo, não mais era possível descobrir e identificar os

Sujeitos humanos, enquanto meta e finalidade (activa e passiva) da própria

Economia política.

Em termos de balanço crítico, tem razão, pois, Adriano Moreira ao

concluir (ironicamente…): “O sistema educativo [português] evolucionou de

forma a que os estudantes foram transformados em clientes. As propinas que

são taxas que obedecem ao domínio financeiro, consideradas preços, de

acordo com a lei do mercado. O ensino foi reduzido à comercialização. Eu

sustento que o ensino, sobretudo numa situação como a de Portugal, é um

elemento da soberania nacional do século XXI. Uma responsabilidade de todo

e qualquer Estado que quer ter soberania”. (In entrevista a Viriato Soromenho

Marques, ‘JL’/Ed., 17-30.10. 2012, p.4). Para mais, quando esse Ensino se

acha integrado num Sistema Educativo.

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Os próprios Sistemas Económicos

não são determinísticos:

eles mesmos são configurados no

horizonte das ciências humanas.

● Foi a esta triste e trágica e demencial situação, que chegámos na 2ª

década do séc. XXI. Em Portugal, houve um sinal de Alarme (no sentido da

interiorização e da humanização), em 1923, por iniciativa do ministro da

Instrução Pública, João Camoesas (1887-1951), no encalço dos descaminhos

e desencontros da Iª República (implantada em 5.10.1910). Militante aguerrido

do Partido Republicano e deputado da Nação em 1916, J.C. foi ministro da

Instrução Pública entre 1923 e 1925; enquanto ministro, ele começou por

alterar a nomenclatura: o ministério deveria chamar-se da Educação, no futuro;

não, apenas, da Instrução. E foi nesse horizonte, que ele elaborou a proposta

de lei sobre a reorganização da Educação pública nacional, que apresentou à

Câmara dos Deputados, em 21.6.1923.

Na história da Educação/Instrução deste País, até ao presente,

muitíssimo poucos se aperceberam do desejo de rotura, da semântica larga e

profunda, que se achava encerrada na simples mudança de nome do

respectivo Ministério da tutela. Polarizar todo o Processus na Educatio, muito

mais do que na Instructio. Os Seres humanos, qua tais, crescem e

desenvolvem-se de dentro para fora e vice-versa e do interior para o exterior e

vice-versa; não de cima para baixo nem de baixo para cima. (Essa é, de facto,

a Lectio dos Gnósticos judeo-cristãos primevos da antiga Escola de Alexan-

dria.).

Por exemplo: o consulado de Mª de Lourdes Rodrigues (no governo de

José Sócrates), ao porfiar na sanha impertinente e teimosa de proceder (per

faz et nefas) à avaliação heterónoma e objectualista de todos os

professores(as) dos Ensinos Básico e Secundário, demonstrou à saciedade

não ter entendido nada daquela Lectio, e pretender, tão só, reduzir toda a

classe social dos docentes a um rebanho dócil, em nome do Economicismo

reinante.

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Foi, igualmente, em nome do Economicismo reinante que, na última

década, em Portugal, o S.E., no concernente aos E.B. e S., viu o número de ca.

de 150.000 docentes maquiado de ca. de um terço. Como se

Educação/Instrução só contasse, no O.G.E., como despesa, e não como vero

investimento. Foi, ainda, em nome do Economicismo imperante, que o

ministro da Educação, Nuno Crato (no governo de Passos Coelho) decidiu

elevar para 30 o número de alunos por turma; elevou para cerca de 150 o

número de Mega-Agrupamentos de Escolas (verticais e horizontais…),

reforçando drasticamente a já bem pronunciada ‘desertificação’ do Interior do

País; afastou ca. de 6.000 docentes, nos últimos concursos públicos; e criou

uma situação tal que mais de 14.000 docentes (desempregados) já fizeram as

suas inscrições nos Centros de Emprego e Formação Profissional. Tudo em

função dos 150 mega-agrupamentos de escolas, criados por força da redução

brutal da Despesa pública. E é neste contexto que o Governo pretende alargar

a escolaridade obrigatória até ao 12º ano!... Onde está cumprido ─ pergunta-se

à puridade ─ o ordenamento adequado do Território nacional, em termos

educativos e culturais?!... É um país a saque, convertido num protectorado da

‘Troika’, e desgovernado por um governo incompetente, que, por cima de tudo,

alardeia o orgulho estúpido de se apresentar mais troikista que a ‘Troika’!...

Como coroa do patético, inventou uma imoral T.S.U. (taxa social única…), com

o objectivo de saquear aos rendimentos do Trabalho o que vai entregar, de

mão beijada, ao mundo do Capital. Patrões e capitalistas são poupados… e os

salários dos trabalhadores são reduzidos, e ainda por cima, em tempo de

‘vacas magras’…

A Avaliação corrente, estabelecida em Portugal (e em outros países…),

para os professores dos Ensinos Básico e Secundário, foi configurada e

balizada (administrativa e burocraticamente), no sentido de domesticar e

controlar a classe docente e, eo ipso, a organização e a orientação das escolas

do Sistema dito Educativo. Os Poderes Estabelecidos, na Cultura/Civilização

do Ocidente, estão, ainda, muito longe de abdicarem destas pretensões…

como se as Escolas e o Sistema Educativo fossem propriedade do Estado e

não da Sociedade Civil. A famigerada ‘Autonomia das Escolas’, que, em

Portugal (e noutros países do Ocidente), tem sido posta em marcha (desde os

anos ’70 do séc. XX), a conta-gotas e sempre sob condições (i.e., de cima para

baixo), não tem passado de uma farsa, um ‘scarecrow’, para dar resposta à

insatisfação dos professores, no atinente à sua reconhecida condição de

menoridade (cívica e profissional).

Nas Teses sobre Feuerbach (1845/46), de Karl Marx, há nas 11 Teses,

duas em que é obrigatório determo-nos: a 11ª e a 3ª. Naquela, deixou o

Filósofo revolucionário escrito: “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo

de modos diferentes; o que importa, porém, é transformá-lo”. Por que acontece

esta triste realidade? Porque as Sociedades estão concebidas e organizadas,

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segundo o catecismo do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo, e

são reguladas pela cartilha da Cultura do Poder-Comdomínio. Em tal

horizonte, há uma muralha a dividir e separar os dois campos: a Teoria e a

Prática. Em tom sarcástico q.b., Bernard Shaw costumava repetir, acertada-

mente, o slogan: ‘Quem sabe faz; quem não sabe ensina’!...

Na 3ª Tese, Marx deixou esta bússola monumental, para todas as

revoluções: “A doutrina materialista, segundo a qual os homens são produto

das circunstâncias e da educação, esquece que são precisamente os homens

que modificam as circunstâncias e que o educador necessita, por sua vez, de

ser educado É por isso que ela tende a dividir a sociedade em duas classes,

uma das quais está acima da sociedade.

“A coincidência entre a modificação das circunstâncias e a actividade

humana, ou modificação dos próprios homens, só pode ser concebida se for

compreendida como prática revolucionária” (os itálicos são nossos, à

excepção do último).

Pressupostos, ou postulados, que é preciso ter em conta, na leitura

crítica desta Tese: 1º: Por definição e principiologia marxiana, K.M. posiciona-

se contra a Sociedade tradicional, dividida em duas classes (antagónicas),

onde uma classe (a do Poder e dos mandantes, bem como dos docentes, seus

lacaios…) se constituiu, inexoravelmente, acima da outra (os executores de

ordens, os que estão ao serviço dos poderosos e dos patrões). Ipso facto, K.M.

operou, aqui, a denúncia tácita do que o CEHC designa por Cultura do Poder-

Dominação d’abord.

2º: O que vem a ser a praxis revolucionária? É o próprio Autor que a

define: a modificação/conversão dos próprios humanos, que se pode

comprovar nessa tão desejada coincidência entre a modificação das

circunstâncias e a actividade humana.

3º: O molde original/originante é o do Sujeito//Objecto

(Interioridade//Exterioridade). Não há, aí, o ‘tertium datur’ de qualquer Poder

constituído ou a constituir, e não há, aí, qualquer Divindade idolátrica destilada

pela cartilha do Objectivo-Objectualismo. O homem novo, a Sociedade nova,

verdadeiramente alternativa, não pode proceder de cima para baixo (de um

qualquer ‘novo Poder’ constituído!...), mas, outrossim, de dentro para fora, da

Interioridade (das Consciências) para a Exterioridade (do Mundo material).

Eis por que as Avaliações (heterónomas!...) dos docentes, ditadas e

impostas pe-los Poderes Estabelecidos não passam de embustes e processos

de castração para impedir e evitar o advento de uma vera Sociedade

Alternativa. Neste contexto, as populações e a Sociedade civil, em geral, não

podem esperar, das Escolas do Sistema público de Educação e Ensino,

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orientações sérias e críticas para um Mundo Alternativo. Sociedade e Mundo

estão em curto-circuito… O bloqueio é total!...

K.M. já conhecia muito bem esta Lição. Sabia que professores e

educadores precisavam de se converter e transformar revolucionariamente; e

sabia, igualmente, que um tal processus tinha de proceder do seu Interior, da

sua Consciência crítica autónoma. Daí, a importância decisiva da

Autonomia das Escolas e do Sistema Educativo, para a

emancipação/adultização de toda uma Sociedade civil, vis-à-vis do Estado.

Sistemas Educativos (nacionais)

N.B.: A nossa referência, primacial e primordial,

vai, necessariamente, para o chamado Modelo de Transição,

que é constituído (como se verá)

por uma Arquitectura híbrida e compósita.

● As três plataformas (imbricadas…) dos Sistemas Educativos

nacionais, na sua evolução histórica, ao longo da Modernidade Ocidental, até

ao seu desaguar na Foz/Início de uma nova Idade, ─ a que o CEHC deu o

nome de Pós-Modernidade positiva e crítica:

A) S.E. polarizado nas aprendizagens e ensino das profissões

necessárias e correntes na Sociedade em que se vive… Estes foram o

horizonte e a tendência evolutiva, que mais têm prevalecido, nos últimos três

séculos da Modernidade ocidental amadurecida, … até ao ponto (comprovativo

dos desvios fáceis…) de se haver constituído a Teoria das duas vias

civilizacionais: a das ‘Humanidades’ e a das ‘Tecnologias’. (A obra do poeta e

crítico literário Matthew Arnold (1822-1888) pode muito bem ser considerada o

emblema icónico desta problemática, que já se fazia sentir no séc. XIX. Vd., a

propósito, o seu livro ‘Cultura e Anarquia’, edit. pela Pergaminho, Lisboa,

1994).

B) S.E ainda centrado no Ensino/Aprendizagem das profissões

necessárias à Sociedade, mas dando guarida (na esfera da Educatio, em

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contraste com a Instructio) à presença (mais ou menos forte…) das Ideologias

Religiosas, privilegiando a religião institucionalizada censitariamente mais

volumosa à escala de cada Nação. (Este foi o esquema que principiou a fazer

caminho, depois da 2ª Guerra Mundial, no horizonte da lei da separação entre

Estado e Igrejas, que, no país pioneiro que foi a França, teve lugar em 1905.).

C) S.E. polarizado no Ensino/Aprendizagem do Humanismo Crítico,

cons-tituído formalmente (no CEHC) para promover e assegurar as práticas da

gramática (esquecida e postergada) do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, dotado de

Consciência reflexiva e crítica: ele mesmo criador (não apenas súbdito…) da

Sociedade (nacional) em que vive. Balizado e orientado pelo Laicismo laico

(passe a redundância aparente), este horizonte do Humanismo Crítico

dispensa e despede (na dimensão educativa) toda a representação das

religiões institucionalizadas, no Quadro do S.E. nacional. ‘Non multiplicanda

entia sine necessitate’, ─ como já ensinava a Escolástica medieval.

Antes e acima de tudo, é preciso e urgente quebrar as algemas e os

cadeados, re-sultantes da cartilha comum do Economicismo, e que

desnaturam, ab initio, qualquer S.E. nacional, que se preze. Quando, v.g., o

governo português decidiu, em 2012, que os alunos que reprovem duas vezes,

nos anos do 3º ciclo do E.B, devem seguir para cursos práticos de

profissionalização (rápida…), o dito governo está a ceder à tentação do Eco-

nomicismo, porque ─ argumenta ─ não há dinheiro para pagar os apoios

pedagógicos que havia antes… Para o governo, a Educação/Instrução não é

um Investimento, mas uma Despesa no Orçamento. O resultado destas

medidas de restrição já se sabe qual é: o aumento do insucesso e do

abandono escolares a toda a velocidade.

Não se pode esquecer, entretanto, que nas Sociedades balizadas e

estigmatizadas pelo Capitalismo, a Regra (oficial) dos S.E. é sempre a

mesma: a preparação e a formação de profissionais, para exercerem os seus

ofícios nas Empresas ou nas Instituições societárias. Massa crítica que o seja

de verdade, não lhe interessa!... Quanto mais maleáveis, dóceis e obedientes,

tanto melhor!...

Depois, é preciso saber que, na dinâmica própria da Economia política,

um programa de austeridade pura significa estagnação e recessão; a

austeridade, para cumprir a sua função, tem de estar associada a um programa

mínimo de crescimento/investimento. O actual governo de Passos Coelho,

como está agindo de modo cego e fanático, procedeu a maquias/esbulhos

graves, desde logo nas pensões dos reformados e nos dois subsídios (de férias

e de Natal), (contra o estabelecido na própria Constituição da República e o

acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu conforme à Lei); (anote-se,

aqui, que o Governo de direita de Rajoy, em Espanha, não tocou nas pensões

dos reformados). Agindo sempre com o mesmo critério (todo o investimento

Page 15: Manifesto sobre a Educação

15

púbico é despesa…), o governo de Passos Coelho, no encalço das malfeitorias

executadas no Sistema Educativo nacional, procedeu, igualmente, a maquias

orçamentais no Sistema de Justiça e Direito (afastando cada vez mais os

cidadãos dos seus Tribunais de Comarca), e está em vias de desmantelar

(completamente…) o Sistema nacional de Saúde.

Na esteira da Lição de Marx, para calibrar e vertebrar, a sério, uma

Sociedade, precisamos, simultaneamente, de cidadãos e trabalhadores

conscientes e críticos, de cidadãos e trabalhadores com direitos e os

correspondentes deveres. Não há liberdade in abstracto; o que há, em

concreto, é a Liberdade Responsável, ─ como aprendeu e ensina o CEHC.

Ora, como é sabido, nos Sistemas Educativos nacionais correntes, a pre-

paração e a formação substantiva dos cidadãos para o exercício de uma

cidadania activa e crítica, capaz de uma participação activa e crítica, ─ isso não

conta. Inversamente: só por efeitos de excepção à regra se poderia conceber

que a Administração de uma Sociedade, regida pela Cultura do Poder-

Condomínio, pudesse preparar e formar cidadãos para demandar e constituir

uma vera Sociedade Alternativa!...

Chega de misturar e confundir tudo e mais umas botas, in rebus

humanis. Discernir a verdade e a justiça, nas asserções patéticas feitas à

puridade, é o 1º dever de uma Consciência crítica e moral. Atente-se nas

duas posições antagónicas seguintes: é preciso saber discernir a verdade e a

mentira em frases como a de Karl von Clausewitz: a guerra é a economia

política a expandir-se por outros meios!... Como não saímos, ainda, do Sistema

capitalista, ‘esta crise não é senão a punição do trabalhador’. (Valter Hugo

Mãe, in ‘Expresso’/Ec., 1.9.2012, p.16). Uma vez que a Sociedade se acha,

toda ela, pensada por e para economistas (fiéis ao sistema capitalista… que

não discutem), qualquer cidadão leigo em matérias de economia, dinheiro e

finanças, cai nas armadilhas correntes como tordos. De resto, ‘a guerra já é isto

mesmo, é económica’; ‘não há muito amor possível na crise’ (idem, ibi, pp.16-

17).

Em busca do realismo crítico

Em resumo: é preciso regressar a J.M. Keynes e aos parâmetros

políticos e só-cio-económicos, que o guru estabeleceu como pilares seguros do

período histórico, que veio a ser nomeado sob o epíteto de ‘os trinta

gloriosos’ (1945-75). Aí, os Sistemas Educativos até funcionaram de modo

Page 16: Manifesto sobre a Educação

16

substantivo, e a dimensão pública da Educação e do Ensino, bem como a

igualdade de acesso à escolaridade, por parte de todos (fossem filhos da

média ou alta burguesia ou filhos da classe operária) eram positivamente pro-

movidas e incrementadas. Na década de ’60, graças a uma certa ‘vis critica’

generalizada, até foi possível, por todo o Ocidente, a emergência da chamada

revolução dos jovens estudantes e de uma boa parte dos trabalhadores que

fez ‘espírito de corpo’ com eles, rumo a um Projecto de Sociedade Alternativa.

Nesse mesmo contexto (crítico-cultural), o chamado ‘Clube de Roma’

(em 1968) teve a audácia de denunciar, expressamente, a tese tradicional de

que o crescimento ex-ponencial ad infinitum não respeitava os equilíbrios

ecológicos e não preservava, adequadamente, a Madre-Natura; por isso, ele

chegou a propor um ‘crescimento zero’, que não só tivesse em conta metas

equilibradas ecologicamente, mas se preocupasse, igualmente, com a

preservação das reservas do Planeta, para as gerações futuras. Foi o período

em que se configurou, clara e objectivamente, a nova noção de Desenvolvi-

mento, centrada nos Indivíduos-Pessoas e nos Povos em demanda de

Autonomia e Soberania nacional. A Enc. ‘Populorum Progressio’ de Paulo VI

(1965) constituiu um momento alto na celebração dessa viragem sócio-histórico

e cultural: Aí se estabelecia e defendia o direito dos povos a um

Desenvolvimento livre e justo. O novo nome da Paz era constituído pelo

Desenvolvimento dos Povos, ─ esta temática foi o seu leit-motiv.

A chave dos enigmas estava encontrada: a) os recursos do Planeta são

limitados; b) o crescimento ad infinitum é uma loucura, porque se torna

impossível à la longue; c) o que importa, decisivamente, é o Desenvolvimento

(autónomo) dos Povos e dos Indivíduos-Pessoas. O Neoliberalismo

capitalista global, que (a partir de 1985) começou a ter livre curso, nas asas

das Multinacionais, abriu (à rebelia daquele movimento saneador e fecundo)

uma época negra e desastrosa para todas as Sociedades, na medida em que,

o que a partir de então foi imposto, mundialmente, foi o Capitalismo

selvagem, alimentado pelo que se chamou falsamente ‘a democracia dos

mercados’ (capitalistas…).

Em termos crítico-culturais, o que estava em projecto, no contexto

societário de ‘os trinta gloriosos’? Uma organização da Economia política

polarizada nos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, suas necessidades vitais e

desejos justos. Dir-se-ia que, embrionariamente, começava a fazer caminho a

Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, contra a pura e

simples ‘liberdade de arbítrio’, balizada pelo catecismo do Objectivo-

Objectualismo: (a idolatria, em suma, as práticas já condenadas no Sinai, por

Iahwéh e o Chefe do Povo hebreu, Moisés).

Meditemos, por uns instantes, nas duas problemáticas seguintes: A) À

escala global, o dueto diabólico que dá pelos nomes, ‘A proliferação das

Page 17: Manifesto sobre a Educação

17

desigualdades e A opulência escandalosa dos ricos’ (resultado directo do

período do Neoliberalismo capitalista global, que está nas origens da Crise

mundial, que perdura…); B) À escala da U.E. (em particular na zona Euro), o

binómio disruptor dos países centrais (e nórdicos) e mais ricos e dos países

periféricos (e do Sul) e mais pobres.

Ad A). Na verdade, a proliferação das desigualdades sociais (com o

empobrecimento crescente das populações) e a opulência sem vergonha dos

ricos (cada vez menos e cada vez mais ricos…) constituem as duas faces da

mesma moeda: não há freios nem controlos neste Sistema capitalista… Ele

tornou-se feroz e selvagem; já não respeita as regras mínimas da Civilização.

Quando se acredita na chamada ‘democracia dos merca-dos de capitais’ (que

é Ditadura…), já não há mais comentários a fazer diante da Estupidez

reinante!... Se há um salário mínimo nacional, para os que caíram no desem-

prego de longa duração, por que não taxar os ricos e as grandes fortunas e

proibir, terminantemente, os ‘off-shores’, em nome, justamente, do Bem comum

nacional?!...

Ad B). No seu livro recente (‘Acabem com Esta Crise Já’, Edit. Presença,

Lisboa, 2012), Paul Krugman (um keynesiano convicto) afirma e defende uma

tese, que é o seu leit-motiv ao longo do livro: o volumoso e generalizado

desemprego, bem como a recessão da Economia, a que assistimos hoje, tem a

sua origem no estancamento da procura. Assevera P.K. (ibi, p.37): “Não

estamos a gastar o suficiente”; por outras palavras, “estamos a sofrer de uma

severa e generalizada falta de procura”. Explica a tese como segue: “uma

economia ferida pela falta de procura” só pode conduzir ao ‘empobrecimento

generalizado’. À semelhança do que ocorreu em outras situações análogas ─

diz P.K. ─ ‘outro surto de investimento público’ resolveria radicalmente os

problemas… E conclui (ibi, p.52): ‘Acabar com esta depressão deveria ser,

poderia ser incrivelmente fácil’.

Segundo a gramática de Keynes (que produziu bons resultados, no

termo da IIª G. M., dando início aos ‘trinta gloriosos’), P.K. aposta nas funções

coordenadoras e estimulantes (com marca estratégica) de um Estado

autónomo e independente dos grupos privados e das ‘corporations’. Nisto,

quanto a nós, ele vai no caminho certo. Está, igualmente, no caminho certo, ao

denunciar a falta de articulação e de objectivos precisos, nas Instituições

europeias da zona Euro. O que ele postula é que é preciso dar resposta

adequada a esta situação desconcertante e disruptiva: os países mais ricos e

cen-trais são superavitários (credores arrogantes), e os países mais pobres e

periféricos são deficitárias (sacrificados e pagantes). É, pois, urgente a revisão

profunda das Instituições europeias, que se encontram num estado de

autarcia e desarticulação, comandadas, apenas, pelas vagas (mais ou menos

alterosas) do Capitalismo selvagem.

Page 18: Manifesto sobre a Educação

18

Como se vai moderar e refrear o Capitalismo (ao sabor da ‘ditadura dos

mercados de capitais’)? Só mediante o reforço das funções estratégicas dos

Estados autóno-mos e independentes, no quadro do Regime democrático. Este

projecto não será posto em prática, mediante o modelo da Federação de

Estados da zona Euro (como, apressadamente, foi adiantado por José Manuel

Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia). É que esse modelo, em vez

de servir a estratégia dos Estados autónomos e soberanos, só dá serventia ao

imperialismo do Capitalismo selvagem. A solução vera e adequada, para a

zona Euro, tem de passar, por conseguinte, pela fórmula clássica da

Confederação de Estados (como o CEHC já tem defendido em outras

ocasiões). De resto, os países mais pobres e periféricos não poderão

aproximar o seu nível de vida dos países centrais e mais ricos, dentro do

irredento Sistema capitalista!...

Mas são ainda mais profundos e de escondidos efeitos perversos os

problemas estruturais da Economia política, no mundo hodierno. P.K. e os

melhores economistas, por regra, nunca se dão conta de que a Crise actual,

de longa duração (já vem desde 2007…), que desembocou numa enorme

massa de desempregados, de que não há memória, e na mais completa

estagnaflação, que tudo parou e empobreceu, tem as suas ori-gens no

Neoliberalismo capitalista global, encadeado com o tsunami das novas

T.I.C.’s, que foram rapidamente atiradas para os mercados para acumular

lucros, e não, propriamente, preparadas de modo adequado, para as diferentes

espécies de instrumen-tos de trabalho.

Perante esta ruptura colossal nos movimentos económicos e sua

historicidade, é imperioso lembrar que a nova Era que se abriu terá de respeitar

dois parâmetros fundamentalíssimos: 1. Cada Nação/Estado tem de contar,

primeiro, com as suas próprias for-ças vivas e recursos disponíveis; 2. face à

corrente pandemia dos organismos genéticamente modificados (OGM), que, no

horizonte do Sistema capitalista, estão a corromper e a desnaturar (sem

retorno) a própria Mãe-Natureza, impõe-se, absolutamente, o regresso firme à

Natureza, e ipso facto, a edificação de Estados democraticamente soberanos,

com estratégias adequadas, com vista ao desempenho de missões/funções

especí-ficas, em defesa da Humanitas e de Sociedades humanas dignas do

nome. A este Projecto, dá o CEHC o nome de Socialismo vero e autêntico.

Page 19: Manifesto sobre a Educação

19

É preciso balizar e orientar,

correcta e adequadamente,

o Sistema Educativo nacional.

● Três teoremas de enquadramento estrutural:

A) Sistema Educativo e Sistema Económico, como já se deu

conta, configuram-se, ambos, no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou

humanas. (Tomar consciência crítica deste dado epistemológico equivale a não

sucumbir à religião corrente do Objectivo-Objectualismo).

B) O próprio Sistema Económico (adoptado na Sociedade em

causa) deve ser balizado e orientado por uma vera e autêntica Cultura

substantiva. (Não é a segunda que deve derivar do primeiro, mas o primeiro

que deve proceder da segunda).

C) Os Sistemas Educativos(nacionais), ancorados em Culturas

substantivas, não podem ser, apenas, tratados como Despesa no O.G.E.,

mas, outrossim, como vero e autêntico Investimento. Em consequência disso, a

gramática a que eles devem obedecer é constituída por dois parâmetros

essenciais: a) a vinculação efectiva e activa ao Território nacional e seu

adequado ordenamento, onde terão de entrar as diferenciações procedentes

da regionalização do País; b) o ordenamento geo-demográfico das Escolas do

S.E. deverá assumir, desde logo e ab initio, os princípios da real Autonomia

dos Estabelecimentos de Educação e Ensino. Só a partir desses princípios

se poderá construir: pessoas/cidadãos livres e responsáveis; uma vera e

autónoma Sociedade Civil; um Regime político democrático, emancipado e

adulto.

Já desde meados do séc XIX (no Ocidente: quando as revoluções

sociais neces-sárias começaram a resultar, todas elas, frustradas… sempre

bloqueadas por um Capitalismo irredento e empedernido e pela religião do

Objectivo-Objectualismo), os críticos sociais e os psico-pedagogos mais

atentos afinavam o Diapasão, evocando/invocando, sistemicamente, o

termo/slogan: ‘Educação ou Barbárie?’ (Vd. o livro homónimo de Guilherme

d’Oliveira Martins, Gradiva, Lisboa, 1998). Todos eles sabiam que o mito do

Page 20: Manifesto sobre a Educação

20

‘Bom Selvagem’ à J.J. Rousseau não passava de uma pia ilusão e de uma

ficção demagógica.

De tal maneira o Processo civilizatório, uma vez terminada a Pré-

História, entrou pelas veredas comandadas pela Cultura da Potestas-

Dominação d’abord, que as boas e as más actuações sociais se misturaram e

confundiram numa maranha tal, que a crença nos Humanos naturalmente bons

se dissipou, como a neblina da manhã ao calor do Sol!... A Bondade ou a

Maldade têm de ser assumidas e construídas na Cultura (em contraponto com

a Natura), segundo a gramática específica do ‘Homo Sapiens//Sapiens’; e aí,

nada de bom poderá acontecer sem o discernimento crítico (entre o bem e o

mal…), promovido e assumido pela inteligência/consciência de cada Indivíduo-

Pessoa.).

Com efeito, Viver é uma Arte e Viver Humanamente é Sabedoria!

Estava certo Immanuel Kant, ao proclamar que o homem só consegue ser

homem mediante a educação. A Barbárie de hoje é extremamente complexa e

monstruosa… uma vez que as Sociedades e a Civilização, em vez de

resolverem devidamente os problemas emergentes, se limitaram a acumulá-los

e a adiá-los para as calendas gregas. Assim, a Barbárie hodierna não é só a

ignorância e o facilitismo, a tirania da indiferença e um utilitarismo vil, a

intolerância e a teimosia e o dogmatismo de quem manda ou governa. Ela é,

igualmente, todo esse conjunto de Instituições societárias, que não são

habitualmente contestadas e criticadas, como o Sistema capitalista vigente e

o imperialis-mo/uniformismo universal, que ele destila, bem como as próprias

Religiões institucionalizadas, que estão inibindo e atrasando a

emancipação/libertação das pessoas e dos povos.

Está certa a orientação da G.O.M., na introdução ao livro acima referido

(p.5): “Ensinemos, pois, as crianças sobre o que é o mundo, despertemos as

suas consciências, em lugar de lhes darmos uma chave sobre a arte de viver.

Conhecer, compreender, aprender o respeito mútuo e a responsabilidade,

cultivar o método, a experiência, o rigor científico, o espírito crítico e a

capacidade de trabalho ─ eis as tarefas da escola e de uma educação para

todos e em toda a vida. Assim se desenvolve uma educação activa, pela qual

se pratica a disciplina da liberdade, na expressão de Fernando Savatar”.

É, de facto, também, a vera Cultura da Europa que está em jogo. ‘La

conquête suprême de l’Europe s’appelle la dignité de l’homme, et sa vraie force

est dans la liberté’ (Denis de Rougemont, in ‘L’Europe en jeu’, 1948). É preciso

corrigir e completar o axioma de D.R.: Do que se trata é da Liberdade

Responsável, a vera origem da dignidade humana. Se tomarmos como novo

paradigma (cultural e educativo) a Liberdade Responsável, abriremos o

caminho para a necessária superação das duas lógicas tradicionais

(contraditórias…) nas sociedades modernas: a igualitária e a elitista.

Page 21: Manifesto sobre a Educação

21

Thomas Morus (na sua ‘Utopia’) tem um parergo, que é preciso lembrar

e não esquecer: “Não é pela controvérsia travada com as armas nas mãos,

mas sim pela suavidade e pela razão, que a verdade se liberta por si própria,

luminosa e triunfante, da treva do erro”. Só neste horizonte é possível construir

um projecto de Educação que tenha causas dignas do nome e seja capaz de

se dirigir aos Indivíduos-Pessoas, como seus legítimos destinatários. O que,

em 1º lugar, está em causa é a edificação da Hu-manitas, enquanto ambiente e

enquanto programa. Estava, igualmente, certo I. Kant (in ‘Para a Paz

Perpétua’), ao estabelecer a axiomática: “O estado de paz deve ser instituído,

porque abster-se de hostilidades não é ainda assegurar a paz e, salvo se esta

for garantida entre vizinhos (o que só pode produzir-se num estado legal) cada

um pode tratar como inimigo aquele que exortou no sentido da paz”. ─ A

Cultura substantiva procede do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. O ‘Homo Sapiens

tout court’ é incapaz de dar à luz uma tal creatura.

Ser professor tornou-se, hodiernamente, uma profissão de risco, devido

à socie-dade violenta e selvagem, que nos envolve; e tornou-se um ofício em

vias de extinção… porque os agenciamentos tecnológicos institucionais, ao

serviço da preparação e for-mação profissionais, criaram toda uma situação

societária, onde os professores, qua tais, são perfeitamente dispensáveis!...

Entre os ‘cães de guarda’ do Establishment e os ‘botas de elástico’

passadistas, a Sociedade uniformista, não faculta qualquer ‘tertium datur’. (Cf.

Luiza Cortesão: ‘Ser Professor: Um Ofício em Risco de Extinção?’ ─ Reflexões

sobre práticas educativas face à diversidade, no limiar do séc. XXI, Edições

Afrontamento, Porto, 2000).

À medida que aumenta e é explorado o Tsunami tecnológico

(desencadeado na fase do neoliberalismo capitalista global, precisamente sob

o signo das chamadas ‘tecnologias desadequadas’…), mais proliferou e se

expandiu, everywhere, a Crise financeira-económica, e mais, igualmente,

entrou em declínio e extinção a função de profes-sor e mestre. O catecismo

latente é sempre o mesmo, com a sua perversidade fatal: antes era o oráculo

determinístico de uma qualquer divindade exterior, transcendente e meta-

física… agora, é o slogan supostamente ditado pelas máquinas (pela sua

hipóstase humanóide…) : ‘ a Máquina tem sempre razão’!...

O quadro foi bem descrito por L. Cortesão (ibi, p.23), quando escreve:

“Dado que o desenvolvimento capitalista exige competição, e estando ela já,

como se acaba de referir, a sofrer também com os reflexos de uma crise que

se avoluma, as orientações neoliberais preocuparam-se então em desviar as

funções dos educadores do seu papel de ‘entidades messiânicas’ concebidas

pelos Estados-Providência (entidades essas que partilhariam a tarefa de

construção de uma sociedade mais justa) para o de entidades que deveriam

ajudar os sistemas económicos a manterem-se rentáveis e competitivos. Sen-

tindo a crise, e numa situação que Elliott descreve como sendo de ‘histeria

Page 22: Manifesto sobre a Educação

22

política’, professores, formadores e investigadores em educação passaram a

‘bodes expiatórios’ (Elliott, 1998). Passaram assim a ser culpabilizados por

problemas sociais e econó-micos, com que os diferentes Estados-Nação se

debatem. Isto porque, na Escola, os alunos não estariam a ser ensinados a

tornarem-se competitivos, capazes de desempenhar tarefas com eficácia, não

atingindo os ‘padrões de excelência’ necessários à produção e, portanto, ao

desenvolvimento de economias competitivas”.

Em resumo: o predomínio e a hegemonia absoluta da religião do

Objectivo-Objectualismo (como metodologia e como epistemologia). Os

mercados estigmatizados pela cartilha patética e absurda da ‘competição’ (uma

realidade, afinal, sempre ilusória, no caleidoscópio societário…). As sociedades

humanas convertidas em ‘Rebanhos submissos e obedientes’ à ‘Vox domini et

patronis’, ─ por uma razão simples e complexa, fundamental: na sua

antropogénese, a vigente e hegemónica Cultura do Poder-Condomínio não

deixou a Espécie humana evoluir do estádio inferior do ‘Homo Sapiens tout

court (sempre hierárquico e verticalista, tirando sempre partido da escravatura

e da servidão) para o estádio superior do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. A

desumanização/inanição completa dos Humanos… onde professores e

educadores, com veros Programas de Humanização (cultural!)

desapareceram, ou estão em vias de desaparecimento defi-nitivo. E, para

aquém ou além da Estrutura de um S.E. nacional, o que torna substantivo o

Sistema Educativo em causa é o seu programa de humanização e

dignificação da Espécie. Um tal programa dispensaria, ipso facto, todas as

religiões institucionalizadas; mais: as suas implicações levariam os Alunos e,

depois, os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos a lançarem borda fora todas as

balizas e enquadramentos gregários do Rebanho humanóide, que parece não

se cansar de dar serventia aos Poderes Estabelecidos!...

Nas pp.51-54 do seu livro, L. Cortesão procura submeter à reflexão um

quadro analítico sobre o fenómeno da transmissão dos saberes e do

conhecimento, de Professor para Aluno, tendo em conta três parâmetros: o

‘quê’, o ‘como’ e o ‘quando’, e duas coordenadas: o eixo metodológico de

domesticação/emancipação e o eixo da aquisição de saberes, que envolve a

reprodução e a produção (de conhecimento disciplinar). Como se vê, nestes

dois eixos, estão representadas as duas dimensões cruzadas: a psico-pe-

dagógica e a científico-disciplinar. A Autora procura tirar partido da conjugação

perfor-mativa dos dois eixos em causa (não esquecendo as respectivas

variações do tal cruzamento nos diferentes graus ou níveis de

Instrução/Educação ou Ensino/Aprendizagem).

Procedendo ao balanço, escreve L.C. (ibi, p.54): “Poderemos começar

por cons-tatar que as situações a que foram atribuídos os números 3, 6, 9, 8 e

7 implicam a existência de processos de produção de saber (portanto de

investigação), processos que estão, respectivamente, ligados, uns, à produção

Page 23: Manifesto sobre a Educação

23

de conteúdos disciplinares (3, 6, e 9) e, outros, à elaboração de conhecimentos

de tipo socioantropológico e educativo (7, 8 e 9) (cf. Cortesão e Stoer, 1997,

Stoer e Cortesão, 1999)”.

É de advertir, contudo, que este enquadramento crítico de L. Cortesão e

S. Stoer ainda enfermam, estruturalmente, dos clássico-tradicionais parti-pris

(oriundos da Cul-tura do Poder-Dominação d’abord e da cartilha do Monismo

Epistemológico): o que dá pelo nome de Objectividade do Conhecimento

d’abord, que menospreza os 50% da Subjectividade do Sujeito humano

cognoscente; e o que se pode designar pelo primado da socialidade objectiva-

objectual, que, simultaneamente, produz dois efeitos desastrosos: enfraquece a

decisão livre e responsável/voluntária do Indivíduo-Pessoa e presta a sua

caução ao princípio societário da Autoridade/Poder.

Na década de ’80 do séc XX, a O.C.D.E. publicou uma obra de balanço

crítico e prospectivo sobre os problemas fundamentais dos Sistemas

Educativos: ‘O Ensino na Sociedade Moderna’ (Edições ASA, 1989): a edição

original tinha por título ‘Education in Modern Society’ (Paris, 1985). Eram, sem

dúvida, importantes, estruturadores e decisivos os temas aí discutidos e

tratados: a situação e o contexto actuais do Ensino; o meio socioeconómico do

ensino; e as respostas do Ensino nos anos ’80, ou seja, antes do Vendaval que

foi a emergência do Neoliberalismo capitalista global. Aí se procurava, ainda,

defender e assegurar uma Cultura substantiva e Sistemas Educativos

mode-radamente substantivos.

Na orelha esquerda da capa, foi realçado o seguinte, como resumo do

livro: “Face aos desafios da hora presente, a necessidade de ensino nas

sociedades ocidentais é maior que nunca. Este relatório reafirma a

necessidade de se assegurar um ensino de base da melhor qualidade possível,

sublinha a importância de iniciativas inovadoras e diversas nos ensinos pós-

obrigatório e superior, e insiste sobre o papel primordial da educação

recorrente, num meio económico social em constante mutação. Chama a aten-

ção dos países da OCDE, que se tornarão, inexoravelmente, ‘sociedades

educativas’, para uma reflexão nova e para uma determinação sem

esmorecimento neste domínio”.

O pé de um tal Projecto (crítico) não chegou a fazer a sua pègada,

perante o fu-racão emergente do Economicismo. As ‘sociedades educativas’

que, então, se reivindicava não se viam, de modo algum, confrontadas com as

‘ditaduras dos mercados de capitais’, por exemplo. Eram concebidas e

assumidas, em nome de uma Cultura substantiva, com funções próprias na

direcção política da Economia. Mas, já então, os Sistemas Educativos, qua

tais, se configuravam como moderadamente substantivos, i.e., queimavam

incenso aos determinismos sócio-históricos e à religião do Objectivo-Ob-

jectualismo. A emancipação/libertação dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos não

Page 24: Manifesto sobre a Educação

24

contava, decisivamente, em 1ª e última instância. Parvulus error in principio

magnus in fine!... Todavia, a submissão (alienante) da Cultura e da Educação à

Economia ainda não é um facto consumado (como veio a acontecer, na fase

posterior aos chamados ‘trinta glorio-sos’).

Aí se escreve, na síntese final e nas conclusões da Obra (p.193): “Neste

rela-tório, parte-se da ideia fundamental que o ensino deve, simultaneamente,

adaptar-se à evolução da situação económica e social e desempenhar nela,

plenamente, o seu papel. Mas insiste-se também, muitas vezes, na

necessidade de proteger a escola das flutuações da moda e de defender a sua

missão a longo prazo, apesar das necessidades a curto pra-zo. Realça-se, em

particular, que se pertence às políticas educativas dar o seu contributo, quando

as pressões do mercado do emprego são fortes e o desemprego elevado, isto

não significa modificar os programas e reajustar a ordem de prioridades, para

satisfazer os únicos critérios da adaptação às exigências imediatas do

emprego”.

2

A Educação como coluna dorsal de uma

Cultura substantiva

e fonte e âncora da centralidade a atribuir aos

Indivíduos-Pessoas/Cidadãos numa Sociedade

democrática digna do nome.

Havia e há, na Cultura do Ocidente da 2ª metade do séc. XX, uma boa e

forte tradição sobre a Educação substantiva, a Escola e os Sistemas

Educativos, antes da emergência do furacão diabólico, que foi o

Neoliberalismo capitalista global das últimas três décadas. Em 1971, René

Maheu (então director-geral da UNESCO) solicitou a Edgar Faure ‘sugestões

quanto aos meios intelectuais, humanos e financeiros a accionar, para atingir

os objectivos que se tinha fixado’. A Comissão Faure deu à estampa, em 1972,

o famoso Relatório intitulado ‘Aprender a Ser’. Surgiu, nessa altura, o conceito

positivo e fecundo de educação permanente, enquanto categoria a

institucionalizar. Como em tudo, há logo os que lobrigam nestas emergências o

lado positivo e bom e os que espreitam o lado menos bom, negativo e

perverso…

Page 25: Manifesto sobre a Educação

25

Em 1991, a Conferência Geral da UNESCO (sob a batuta de Federico

Mayor) pediu a Jacques Delors que presidisse a uma Comissão de 14

personalidades (vindas de todas as grandes regiões do Mundo, e com

diferentes horizontes culturais e profissionais), convocadas para reflectir, de

modo estrutural/estruturante, sobre os problemas da Educação e da Instrução.

E o que surgiu dessas reflexões e trabalhos foi a obra marcante, que dá pelo

título em português ‘EDUCAÇÃO/ Um tesouro a descobrir’ (Edições ASA,

1996), e que ostenta o subtítulo explicativo: ‘Relatório para a UNESCO da Co-

missão Internacional sobre Educação para o séc. XXI’.

Na Nota de Introdução à edição portuguesa, Roberto Carneiro fez

questão em afirmar e defender que, no meio de tanta indeterminação e

sintomas de crise, ‘a Educação pode fazer a diferença’ (p.10): “Se é nos

processos educativos que reside a resposta estratégica de longo alcance e a

alavanca da história comum, acaba por ser natural que o corpus central do livro

se fixe nas pessoas: alunos, crianças e jovens, adultos, idosos, famílias,

comunidades, professores, investigadores, políticos, administradores, res-

ponsáveis locais. Tudo o resto ─ tecnologia, economia, instituições locais,

nacionais e internacionais, modelos societais, memória ─, sendo obviamente

importante, cede o passo ao humano concreto e à real cerzidura que faz os

dramas de vida quotidianos” (idem, ibidem).

No estruturador e bem cuidado Prefácio de Jacques Delors (pp.11-30),

são pas-sados em revista os temas mais importantes e decisivos: A Educação

é mesmo a Utopia necessária. No quadro prospectivo, J.D. não se esqueceu

(contra os fenómenos correntes do aumento do desemprego e da exclusão

social, mesmo nos países ricos) de estabelecer a bússola de orientação:

“Torna-se insustentável considerar o ‘crescimento económico a todo o custo’,

como a verdadeira via de conciliação entre progresso material e equidade,

respeito pela condição humana e pelo capital natural que temos obrigação de

transmitir, em bom estado, às gerações vindouras” (pp.12-13). Teve, ainda, o

cuidado de realçar a necessidade de ultrapassar as tensões: entre o global e o

local, entre o universal e o singular, entre a tradição e a modernidade, entre as

soluções a curto e a longo prazo, entre a competição e a igualdade de

oportunidades; e não se pode pôr de parte a tensão permanente entre o

espiritual e a material (ibi, pp.14-15). Acima de tudo, como gramática para

pensar e construir o nosso destino comum, foi valorizada e enaltecida a di-

mensão ética e cultural da Educação, pensando, sim, nas profissões e na

empregabilidade, mas sem nunca descurar os valores fundamentais da pessoa

humana e da cidadania, no que se pode chamar ‘uma sociedade educativa’

(pp.15-18).

É preciso colocar a Educação permanente (no bom sentido), a

educação durante toda a vida no coração da Sociedade; e, na sequência deste

processus, repensar as novas articulações entre a educação básica, o ensino

Page 26: Manifesto sobre a Educação

26

secundário e o ensino superior. Convém entrosar a chamada ‘escola clássica’ e

a ‘escola paralela’, por forma a cumprir as 3 dimensões essenciais da

Educação: ética e cultural, científica e tecnológica, económica e social (pp.18-

24). J.D. não se esqueceu de nos precaver contra os perigos da massificação

do ensino, que anda de mãos dadas com o elitismo excessivo (pp.23-28). Os

antídotos já é sabido quais são: descentralização dos Sistemas Educativos e

aposta na vera e autêntica Autonomia das Escolas.

Dividido em três Partes (Horizontes, Princípios e Orientações), é,

sobremaneira, na 2ª parte (o seu ancoradouro!), que se define e caracteriza o

Projecto crítico do Relatório: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a

viver juntos e aprender a viver com os outros; aprender a ser. Como se poderá

dar conta, reafirmou-se, substancialmente, o horizonte crítico do anterior

Relatório (encomendado pela UNESCO) e da Comissão de Edgar Faure.

Alguns temas e teses do Relatório de 1996, que merecem ser

sublinhados e realçados, mormente (na maior parte dos casos pela negativa…)

em função da nossa Contemporaneidade:

─ Desde logo, os 4 pilares que balizam a formação dos Indivíduos-

Pessoas/Cidadãos, durante toda a sua vida: aprender a conhecer, para

compreender o mundo; aprender a fazer, para agir sobre o meio pan-

envolvente; aprender a viver em comum, participando e interagindo com os

outros; aprender a ser, ─ o que faculta a base e integra os três pilares

precedentes. (Cf. ibi, pp.77 e ss.). Compreender o mundo é, antes de tudo,

compreender o outro (p.41…), ─ o que implica a prática primacial da solida-

riedade, em prejuízo da competição individualista/selvagem. Por isso, há um

Sistema Educativo, com funções e desígnios próprios e específicos. Neste

quadro, deverá advertir-se que a coesão social só se edifica e promove,

verdadeiramente, através da cívica participação democrática (p.45…). Quando

se fala de ‘escola de massas’, deverá saber-se que o que está implicado,

modernamente, no conceito, é a luta contra toda a sorte de exclusões sociais, a

começar pela uniformização/homogeneização, que é sinónimo de exclusão

societária. O direito à diferença deve ser afirmado ao mesmo tempo que a

abertura ao universal, ou seja, uma educação para o pluralismo (p.50…). A

inclusão societária de todos deve constituir a Regra d’ouro a seguir.

─ É preciso saber conciliar liberdade e autoridade (p.55), sobremaneira

na cha-mada nova ‘Sociedade da informação’, que lança desafios sérios às

chamadas ‘Sociedades educativas’ (pp.57 e ss.). Quando o horizonte é,

exactamente, o da defesa e salvaguarda do regime democrático, deve saber-

se, sem equívocos, que o crescimento eco-nómico e o desenvolvimento

humano têm de resolver a contradição societária estrutural, a favor do primado

reconhecido ao segundo (cf. pp.70-71…). Eis por que constitui um imperativo

categórico a Educação (substantiva) para o Desenvolvimento humano (e dos

Page 27: Manifesto sobre a Educação

27

povos, enquanto tais). (Cf. pp.72-73…). É justamente nesta perspectiva que

tem de ser resolvido o próprio problema das ambiguidades, que, sem dúvida,

persiste na noção de ‘educação permanente’, quando esta é urgida ao serviço

acrítico do Sistema capitalista. Esta problemática será, em boa parte, resolvida,

se for atribuída igual importância aos quatro pilares da Educação, acima

referidos (pp.78 e ss.).

─ O ‘sistema dual’ na Alemanha, com permuta e alternância entre a

formação na escola e a formação na empresa, tem dado resultados práticos

positivos. “No plano institucional, o sistema dual apoia-se num organismo de

coordenação, o Instituto Federal de Formação Profissional, que define as

formações em colaboração com as organizações patronais e sindicais. O

sistema está concebido de maneira evolutiva, de modo a adaptar-se às

necessidades de mudança da economia” (cf. ibi, p.98).

─ Quando se fala de flexibilidade e adaptação dos Sistemas

Educativos, deve saber-se do que se fala. Nem se deve nivelar por baixo,

uniformizando os cursos, nem seleccionar de modo a multiplicar o insucesso

escolar e os riscos de exclusão. As duas vertentes da Educação (a formal e a

informal) são, ambas, necessárias para o efeito de-sejado (pp.103 e ss.). O

que, em situação alguma, se deve fazer, é submeter, incondicio-nalmente, um

S.E. às variações aleatórias de um economicismo hegemónico. O objectivo

prioritário de um S.E. público/nacional deve ser o de reduzir, sistemicamente, a

vul-nerabilidade social das crianças e jovens, procedentes de meios

desfavorecidos e margi-nais, por forma a romper o círculo vicioso da pobreza e

da exclusão social: aí, deverá funcionar o princípio da discriminação positiva.

Há que ter cuidado em não criar guetos educativos e, portanto, qualquer

forma de segregação, em relação aos alunos que seguem uma escolaridade

tradicional. Pode pensar-se na organização de sistemas de apoio em todos os

estabelecimentos de ensino: criar cursos de aprendizagem mais suaves e

flexíveis, para os alunos que estiverem menos adaptados ao sistema escolar,

mas que se revelem dotados para outro tipo de actividades. O que supõe, em

particular, ritmos de aprendizagem individuais e turmas reduzidas. As

possibilidades de alternância entre escola e empresa permitem, por outro lado,

uma melhor inserção no mundo do trabalho. O conjunto destas medidas devia,

se não suprimir, pelo menos limitar significativamente o abandono da escola e

as saídas do sistema escolar sem qualificações” (cf. ibi, p.125). Nas

sociedades desiguais, que o Capitalismo desencadeia e alimenta, o Insucesso

escolar dos alunos (em virtude da sua inescapável radicação na sua condição

social de classe…) constitui, sem dúvida, o mai-or problema societário a

resolver, por parte de um S.E. digno do nome.

─ A Educação durante toda a vida (integrada num S.E.) postula, por

simples exigência de honestidade semântica, uma vera Escola de massas,

Page 28: Manifesto sobre a Educação

28

flexível e diversificada, por forma a banir toda a sorte de Insucesso escolar (

cf. ibi, pp.125-129). As chamadas ‘escolas intensivas’ (accelerated schools)

para o Básico e o Secundário, nos USA, bem como as turmas de currículos

alternativos, têm dado bons resultados. Acompanham o processo as novas

formas de certificação para reconhecer as competências adquiridas (pp.126-

127).

─ Não se esqueceram os Autores do Relatório em causa de nomear as

quatro funções essenciais, que devem caber às instituições universitárias

(p.129): “ 1. Preparar para a investigação e o ensino. 2. Dar forma altamente

especializada e adaptada às necessidades da vida económica e social. 3. Estar

aberta a todos para responder aos múltiplos aspectos da chamada educação

permanente, em sentido lato. 4. Cooperar no plano internacional”.

─ Sobre a problemática (complexa…) envolta no trinómio: relação

pedagógica, autoridade do professor e responsabilidade do aluno, deve saber-

se, antes de tudo, que o paradoxo da Relação Pedagógica consiste no facto

de esta se basear no Saber do Professor, e não na sua Autoridade formal e

Poder: trata-se, afinal, do ancestral postu-lado helénico de a virtude ser

ensinável indirectamente, e, bem assim, do princípio gnóseo-ontológico do

‘bonum diffusivum sui’, e da pressuposta identidade do ens, unum, verum,

bonum et pulchrum.

Ainda que, num quadro marcado por algumas cedências (ao

Objectualismo historicista…), os Autores procuram aproximar-se,

sensatamente, desse paradoxo real: “A relação pedagógica visa o pleno

desenvolvimento da personalidade do aluno no respeito pela sua autonomia e,

deste ponto de vista, a autoridade de que os professores estão revestidos tem

sempre um carácter paradoxal, uma vez que não se baseia numa afirmação de

poder, mas no livre reconhecimento da legitimidade do saber. Esta noção de

autoridade poderá vir a evoluir mas, para já, permanece essencial, pois é dela

que derivam as respostas às questões que o aluno coloca sobre o mundo e é

ela que condiciona o sucesso do processo pedagógico. Além disso, a

necessidade de o ensino contribuir para a formação da capacidade de

discernimento e do sentido das responsabilidades individuais impõe-se cada

vez mais nas sociedades modernas, se se pretende que os alunos sejam, mais

tarde, capazes de prever e adaptar-se às mudanças, continuando a aprender

durante toda a vida. O trabalho e o diálogo com o professor ajudam a desen-

volver o sentido crítico do aluno” (ibi, p.135).

─ Quando se fala de um S.E. nacional, estamos a pressupor, na sua

base, a necessidade estrutural de escolas e famílias (pais e/ou encarregados

de educação) se encontrarem associadas e organizadas de modo adequado,

para a prossecução de objectivos comuns: desde logo, assegurar a

assiduidade escolar dos alunos (p.141); a elaboração dos programas escolares

Page 29: Manifesto sobre a Educação

29

não poderá dispensar a participação activa dos professores em exercício

(p.142). Só por essa via será possível assegurar os efeitos posi-tivos da

‘sociedade educativa’ e da educação ao longo de toda a vida, discernindo e

preservando o positivo, em contraste com o perverso (p.143).

─ No concernente às opções político-educativas, em torno de um bom e

ade-quado S.E., deverá saber-se, antes de tudo, que o S.E. não pode ser

avaliado, apenas nem principalmente, do ponto de vista económico (pp.146-7);

mas deverá ter em conta parâmetros de organização e promoção de uma

Sociedade veramente democrática (pp. 148-9). Por isso, além da

descentralização do seu funcionamento orgânico, no que tange processos e

orientações, deverá promover-se uma autêntica Autonomia (pedagógica e

administrativa) das Escolas. Fora deste enquadramento, será muito difícil os

professores promoverem nos próprios alunos um sentimento de Liberdade

Responsável e o cuida-do por uma formação integral do Ser humano. A

propósito desta problemática, nunca se poderá esquecer que “o Estado deve

assumir um certo número de responsabilidades para com a sociedade civil, na

medida em que a educação constitui um bem de natureza colectiva, que não

pode ser regulado apenas pelas leis do mercado” (ibi, p.150).

─ Que Educação para a ‘Aldeia Global’?!... Cuidado com as

mistificações… Se há matérias no universo humano que requerem uma

atenção especial à dimensão local, é toda a problemática da Educação e da

Boa Pedagogia. Por outro lado, uma boa e adequada resposta às exigências

da ‘globalização’, e de toda a conveniência que seja efectuada no quadro de

uma empenhada cooperação internacional (cf. ibi, pp.169 e ss.). Não

esquecer que um desenvolvimento sustentável se baliza e caracteriza por

essas duas dimensões e que é justamente nos Seres humanos, qua tais, que

ele se pode e deve polarizar (pp.171 e ss.): só a partir daqui se pode promover,

efectivamente, o pleno emprego produtivo e eliminar, alfim, a pobreza no

Mundo. Com efeito, “a tensão entre o glo-bal e o local exacerba-se porque se

não tem consciência das mutações em curso. Nesta perspectiva, há que

encorajar todas as iniciativas de base, desenvolver o intercâmbio e o diálogo,

saber escutar os homens e as mulheres no seu dia a dia” (p.179).

─ As novas Tecnologias da Informação e da Comunicação

desencadearam rupturas assinaláveis (de natureza disruptiva) no tecido

tradicional e corrente das Sociedades. A fragmentação do tecido societário

constitui, hoje, um facto irrecusável (pp. 193…). A massificação, o mimetismo e

o individualismo foram exacerbados. Neste contexto, só uma Escola renovada

e socializadora poderá facultar e promover o advento dos valores pós-

materiais, tais como a formação de uma personalidade humana integral, a

formação para a justiça e a justiça social, a formação para os valores da

equidade e da democracia (pp.194 e ss.).

Page 30: Manifesto sobre a Educação

30

Hannah Arendt considerava a vida social/societária constituída por três

esferas relativamente autónomas: a esfera pública, a esfera de mercado e a

esfera privativa. Sem atender expressamente ao facto pan-envolvente do

Sistema capitalista hegemónico, ela considerava que o mercado e o sistema de

trabalho são fonte de discriminação e, por sua vez, a esfera privada está

estigmatizada pela exclusão, em resultado de escolhas ou não-escolhas

individuais. Na verdade, a Economia do Ter e da Dominação, em vez da

Economia do Ser e do Dom, pesam aí muito mais do que habitualmente é

suposto!... É o próprio Roberto Carneiro (ex-ministro da Educação) que

assevera, a propósito do tema (ibi, p.195): “Em sociedades cada vez mais

complexas e multiculturais, o ascenso da escola como esfera púbica acentua a

sua relevância insubstituível na promoção da coesão social, da mobilidade

social e da aprendizagem da vida em comunidade”.

─ Em nome do ideário (cada vez mais universal) da Democracia, bem

como do Desenvolvimento sustentável, (num novo enquadramento ecológico

exigente), o que é preciso reivindicar e defender é essa âncora da Liberdade

Responsável dos Indivíduos-Pessoas, com capacidade, não só de resistirem

à fácil manipulação da opinião pública (p.209), mas também de se abrirem a

sociedades progressivamente multiculturais, proscrevendo definitivamente toda

a sorte de chauvinismos e etnocentrismos hegemónicos. Sem fanatismos, mas

alimentando um diálogo fecundo entre os povos, a ética global, cultivada pelos

novos Sistemas Educativos, terá de instruir-se com valores culturais

universais (cf. pp.234 e ss.).

─ As viragens político-sociais, efectuadas com a Queda do Muro de

Berlim (1989) e o Colapso da URSS (1991), que representaram uma mudança

de eixo na acção do Estado e dos Poderes Estabelecidos, não foram operadas,

historicamente, apenas para pôr termo à tentação totalitária dos Estados,

deixando o caminho aberto e desobstruído aos projectos do Imperialismo

(mundial), decorrentes da nova cartilha do Economicismo reinante. É por isso

que Bronislaw Geremek ainda acusa alguma ingenuidade ao escrever (ibi,

p.201): “É na sequência da verificação do fracasso dos sistemas totali-tários e

autoritários que no último quartel do séc. XX se restabelece a preponderância

dos direitos do indivíduo em relação aos direitos do Estado em particular. A

filosofia dos direitos do homem tornou-se uma referência universalmente

admitida; a ingerência directa do Estado na economia ou na vida social foi

considerada suspeita e supérflua; a liberdade individual foi reconhecida como

um valor e uma orientação política prioritária” ─ Mais cautela… quantas vezes

somos atraiçoados pelos ‘esquemas geométricos’!...

Enquanto as Sociedades (humanas?!...) continuarem a funcionar no

horizonte (capitalista…) dos recursos ilimitados do Planeta, bem como da

liberdade ilimitada dos indivíduos, não haverá mesmo solução para a gramática

dos Humanos, qua tais. Foi nessa perspectiva crítica que Manuel Maria

Page 31: Manifesto sobre a Educação

31

Carrilho definiu a sua noção de ‘endividualismo’ (correlacionada, também, com

a nova mundividência da ‘dívida’…): “O ‘endividualismo’ é um conceito que

surge para pensar, na crise actual, o seu núcleo fundamental, que a meu ver se

encontra no cruzamento do individualismo e do consumismo, tal como se

desenvolveu no quadro do paradigma do ilimitado que marcou, de um modo

cada vez mais forte, o século XX: o ilimitado da energia, do consumo, da

dívida, etc.” (Na entrevista ao ‘JL’, 3 a 16 de Out. de 2012, p.29).

Com efeito, “quando se diviniza o mercado, como o actual governo faz,

não me admira que se caminhe para a extinção de todo o tipo de serviço

público… Absurdo é que se invoquem dificuldades semânticas, de definição,

como se a justiça ou a educação, por exemplo, não fossem conceitos

igualmente controversos. Nessa linha, a discussão sobre o que é ou não é a

justiça, levaria à extinção dos tribunais, e por aí adiante” (idem, ibi, p.31).

TEMAS APARENTEMENTE AVULSOS,

MAS FUNDAMENTAIS E DECISIVOS,

NO NOSSO ENQUADRAMENTO CRÍTICO

A

Será a História um campo de batalha?!...

● Ao abrigo da gramática (holística) do Psico-Sócio-Ânthropos, é

intelectual e eticamente imperioso concluir que sim. A história do Passado

precisa, sempre, ser refeita pelas gerações vivas do Presente (se quisermos

alimentar a Esperança no Futuro). São, efectivamente, os Sujeitos humanos

vivos, enquanto tais, que procedem à historiografia e à elaboração da História

sobre o Passado e, eo ipso, dos seres humanos já mortos, que passaram à

categoria de Objectos do Conhecimento. Por isso mesmo, a História, que é

elaborada pelos historiadores, é sempre, de algum modo, autobiográfica. Eis

por que o C.E.H.C., depois da ‘Histoire des Annales’, chegou à conclusão e

estabe-leceu (em termos epistémicos e metodológicos), o novo paradigma da

História ao 3º grau, a qual se configura em três planos imbricados: a) físico-

natural; b) social-sociológico; c) psíquico-psicológico.

Page 32: Manifesto sobre a Educação

32

Tem-se falado, em diapasão criticista, por exemplo do ‘branqueamento’

do ‘Holocausto’ nazi, na historiografia das últimas três décadas. Mas ─

advertindo bem no conceito ─ é preciso começar a falar, criticamente, do

‘branqueamento’ da História, no concernente ao discurso corrente dos

historiadores sobre ‘o verdadeiro Poder do Vaticano’ (veja-se, a propósito, o

filme documentário: ‘Le vrai Pouvoir du Vatican’), relativamente às

Cristandades em geral, bem como a regimes políticos como o nazismo alemão

e o franquismo espanhol, no que tange a sua cumplicidade e pactuação com os

mesmos. Em boa verdade, ter-se-á de asseverar, axiomaticamente: Enquanto

a I.C.R. e o Vaticano não romperem o odre da Cultura do Poder-Dominação

d’abord (sob cuja égide sempre têm funcionado desde a constantinização da

Igreja (313) e, mais radicalmente, desde o Paulinismo (que estigmatizou o

próprio Novo Testamento), não será possível fugir às práticas habituais (e

tradicionais…) do chamado ‘branqueamento da História’, levado a cabo pelos

Poderes Estabelecidos do Presente e seus ‘cães de guarda’.

Enzo Traverso (historiador italiano) publicou, em 2011, um ensaio

notável sobre a metodologia crítica da História, com o título significativo (e

intenções criticistas que se aproximam da mundividência crítica do CEHC

sobre a matéria: ‘A História como Campo de Batalha’. Aí se procede ao

balanço crítico de duas obras, que foram marcantes e tiveram a sua justa

celebridade: ‘A Era dos Extremos’ (1994) do inglês Eric Hobsbawm e ‘O

Passado de Uma Ilusão’ (1995) de François Furet. Como é sabido, o fenómeno

das Revoluções modernas está bem no centro dos centros da historiografia

levada a cabo por estes dois autores. Contudo, em função de uma

historiografia crítica (ao quadrado!), estes dois historiadores estiveram longe de

ter rompido o cerco da sempiterna Cultura do Poder-Condomínio. O

chamado ‘homem novo’ (que se invocava como padrão societário dos

Projectos revolucionários…) não emergiu, de todo, na odisseia dos

acontecimentos; e os historiadores em causa também não tiraram daí partido

para aprofundar as suas análises criticistas. A triste constatação final é que não

há Revolução sem Terror, e as Luzes Jacobinas e o ‘homem novo’ soviético

tiveram a mesma sorte!...

Com alguma penetração e percepção do caminho crítico, escreve Pedro

Mexia (in ‘Expresso’/Atual, 15.9.2012, p.3): “Traverso não censura Hobsbawm

e Furet, embora recorde os respectivos percursos. O contraponto entre o

historiador britânico e o francês conta-nos a história do século passado, ou dos

últimos séculos, nos quais todas as discussões andaram à volta da liberdade e

do despotismo, e do ‘despotismo da liberdade’. O projecto dito de

‘emancipação’ é ou não uma ‘ilusão’? E como se relaciona com outros

projectos, ou contraprojectos, nomeadamente os fascismos? Lembremos a

grande polémica causada por ‘A Guerra Civil Europeia 1917-1945’ (1987), de

Ernst Nolte, cuja tese, esquematicamente, consiste em ‘equiparar’ o

Page 33: Manifesto sobre a Educação

33

comunismo e os faz-cismos, ‘irmãos inimigos’, um ‘activo’ e o outro ‘reactivo’.

Esta hipótese desencadeou a chamada ‘querela dos historiadores’, que agitou

o espaço púbico alemão há vinte e cinco anos. Era possível fazer

‘comparações’? E ‘equivalências’? Que utilidade tinha o conceito de

‘totalitarismo’? E seria aceitável contar vítimas? Traverso, um trotskista, ao que

sei, é bastante equânime, e usa a mundividência de cada historiador para o

com-preender, não para o denegrir”.

O questionário de P.M. é pertinente e quase completo. O historiador

italiano preferiu vestir um robe doméstico, para tentar compreender os dois

historiadores, mas sem explicar, estruturalmente, as raízes e as causas dos

seus discursos… Os últimos três não saíram do odre da Cultura do Poder-

Dominação d’abord. Por isso mesmo, ‘o homem novo’ não surdiu!...

Na verdade, todas as Revoluções modernas acabaram por

desembocar no Terror ou em formas variadas de ‘Despotismo iluminado’. Mas

este enunciado, como bandeira de uma revolução, não passa de uma

‘contradictio in terminis’, um absurdo, em última análise. O vero e autêntico

‘homem novo’ tem de repudiar e mandar borda fora todas as expressões e

manifestações da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Como é um Ser

humano dotado de consciência reflexiva e crítica e, por conseguinte, da

linhagem antropológica específica, que sabe usar a gramática do ‘Homo

Sapiens//Sapiens’, ele vê e assume a Liberdade e a Autoridade/Poder como

uma realidade inseparávelmente geminada e, implicadamente, rejeita como

‘non sense’ toda a sorte de Dualismos metafísico-ontológicos (segundo o

figurino de Platão e de Paulo de Tarso, o fariseu inveterado, supostamente

convertido à Mensagem de Jesus, mas que o atraiçoou redondamente,

inaugurando um Cristianismo, necessariamente objectivo-objectualista).

O ‘homem novo’, segundo o Socratismo e o Jesuanismo, e na órbita

da mundividência crítica dos Gnósticos judeo-cristãos primevos, actua e

orienta-se segundo as pautas e os diapasões da Interioridade ↔

Exterioridade; não, segundo as pautas hierárquicas do ‘em cima’ e do ‘em

baixo’, do ‘superior’ e do ‘inferior’. Eis por que as Revoluções modernas

abortaram todas… elas limitaram-se e confinaram-se à tarefa simples e banal

do substituir um Poder estabelecido por outro Poder a estabelecer, mas,

inexoravelmente, do mesmo sinal!... A Potestas d’abord que separa, de si,

(para a submeter…), por abismos, a Liberdade Responsável dos humanos

indivíduos-pessoas, singulares e concretos. Neste horizonte, não pode emergir

o vero e autêntico Socialismo, visto que este só se pode configurar, no quadro

de um Regime Democrático digno do nome.

Numa carta a Arnold Ruge (1843), Karl Marx teve a ousadia de afirmar:

“A situação desesperada da época em que vivemos enche-me de esperança”.

Não é, afinal, das situações de desespero que procede a esperança

Page 34: Manifesto sobre a Educação

34

fecunda?... (Como ensinavam os Gnósticos primevos…). No tempo de K.M., a

monotonia e os estereotipos/clichés tradicionais começavam a dissipar-se.

Numa abertura crescente a um horizonte cultural crítico, Walter Benjamin, na

sua oitava tese sobre o conceito de História, estabelecia (em 1939) esta

asserção lapidar: “A tradição dos oprimidos ensina-nos que o ‘estado de

excepção’ em que vivemos é a regra”. W.B. tinha bem presente a experiência

dramática dos 12 anos de nazismo a funcionar enquanto ‘estado de excepção’,

o qual, mutatis mutandis, poderia perfeitamente ser generalizado a outras

situações e regimes políticos.

A 8ª Tese de W.B. foi retomada e desenvolvida, com pertinência e

penetração, por Giorgio Agamben (em 2003), num livro que saiu a público com

o título preciso de ‘Stato di eccezione’ (editada trad. port. nas Edições 70). Aí,

assevera e defende G.A. que, afinal, o Estado de excepção constitui o

‘paradigma dominante de governo’, na política das Sociedades

contemporâneas. É o Despotismo iluminado, dapertutto, pela simples e

elementar razão de que não saímos da Cultura do Poder-Condomínio e da

sua cartilha, a religião laica do Objectivo-Objectualismo. Os regimes ditos

democráticos não passam de um isco sistémico, para levar as populações

ordeiras a suportar a infâmia do intolerável!... No seu livro ‘On Revolution’

(1961), Hannah Arendt estabeleceu (em convergência com estas posições

críticas) a noção/bandeira de ‘guerra civil mundial’, que exprime e resume o

Factum de que, afinal, todas as guerras (na sócio-história) se tornaram

guerras civis.

Tem razão, pois, António Guerreiro (in ‘Expresso’/Atual, cit., pp.34-35),

ao afirmar: “Agamben mostra que aquilo a que continuamos a chamar

democracia, corresponde à instauração de uma guerra civil permanente, por

meios eminentemente econó-micos, já que a racionalidade governamental se

passou a confundir inteiramente com uma racionalidade económica, eclipsando

a política e introduzindo uma nova forma de violência que é cada vez mais

patente”. Quem não vê, aqui, o aforisma de Clausewitz, aplicado por inteiro: ‘a

guerra é a continuação da política por outros meios’?!... E a consagração, in

aeternum, do Despotismo iluminado, dentro da sempiterna Cultura do

Poder-Dominação d’abord?!...

O que está a ocorrer em Portugal, (como em outros países da U.E.,

como Grécia, Irlanda, Espanha, Itália…), é a abolição da soberania popular e a

dissolução do regime democrático, em função da obediência aos programas

exteriores de uma Troika economicista; em suma, a instauração da ditadura,

mediante o expediente do ‘Estado de excepção’. O litígio resultante do

confronto do Governo de Passos Coelho com o Tribunal Constitucional mostrou

à saciedade que, “nas suas práticas, o governo tende a situar-se num espaço,

em que não há um fora da lei, e em que a guerra civil legal instaurada pelo

Page 35: Manifesto sobre a Educação

35

estado de excepção, não declarado, pode abolir a distinção entre o poder

legislativo, executivo e judicial” (A.G., ibi, p.35).

E, precisamente, porque não saímos do Poder-Dominação d’abord

(onde o cha-mado, erradamente, ‘comunismo soviético’ não passou de

capitalismo monopolístico de Estado…), do que se trata, afinal, na ‘Crise’

actual, é de “uma espécie de comunismo do capital, em que o Estado e a

comunidade satisfazem as necessidades dos ‘sovietes financeiros’ (como já

foram chamados): bancos, seguradoras, grandes empresas. Assistimos, assim,

à situação paradoxal que consiste na abolição da sociedade salarial, mas

agravando as relações de dominação que ela implica, na sua definição

clássica” (idem, ibi, p.36).

‘Estado de excepção’/ditadura; abolição da sociedade salarial; os

trabalhadores convertidos em servidores do governo e suas políticas

draconianas; o ‘comunismo do capital’ expresso numa sorte de ‘sovietes

financeiros’, cujas necessidades têm de ser satisfeitas pelo Estado e por uma

comunidade servilizada… o Estado transformado no Agente directo dos

negócios do capital, em vez de dar resposta às necessidades e aos serviços

das populações, como manda a gramática da soberania do povo. Um

despautério… Uma vilania… O Top-plus do Patético!...

O Neoliberalismo capitalista global e a geminada religião do

Economicismo viraram as Sociedades e o Mundo de pernas para o ar.

Estado/Sociedade civil/Sistema (nacional) Educativo… anda tudo configurado

do avesso!... Na sua vasta e fecunda Obra, Michel Foucault ensina-nos a

distinguir e a não confundir a forma-de-vida e os modos de vida. A primeira

emerge e toma forma, a um só tempo, no quadro das deliberações e autonomia

do indivíduo e através de um processo de assimilação, que actua como se

fosse geração espontânea. Aí, só a Educação (na Família e na Escola) pode

exercer uma influência positiva. Os segundos podem ser o resultado das

variações anuais do O.G.E. e das determinações draconeanas dos governos

em tempo de ‘crise’. Em regime democrático, a vida só se pode separar da sua

forma, por iniciativa autónoma do indivíduo, eventualmente com as ajudas do

processo educativo (mesmo a partir da cadeia).

Ora, como a Educação e o S.E. deixaram de actuar (bem como a própria

Sociedade civil), é o Estado que, em ‘regime de excepção’ e ditadura, resolve

impor, draconeanamente, condições de empobrecimento aos cidadãos, ─ a

alteração dos seus modos de vida, o que vai forçosamente implicar a

separação da vida da sua forma. De facto, “só esta separação garante que se

pode dar um empobrecimento generalizado sem que, por isso, se inventem

novas formas-de-vida: algo que os aprendizes de feiticeiro da pla-nificação

económica têm como missão evitar a todo o custo que aconteça” (António

Guerreiro, in ‘Expresso’/Atual, 5.10.2012,p.38), ─ de contrário é o

Page 36: Manifesto sobre a Educação

36

abalroamento do Sistema capitalista neoliberalista. E a Ditadura prossegue,

sob os disfarces diabólicos e embusteiros da ‘democracia representativa’,

marchando sob o estandarte da religião do Objectivo-Objectualismo!... Assim

vai o mundo…

B

A religião do Economicismo

e a laminação dos

Sistemas Educativos (nacionais) e

dos regimes democráticos

A erosão e a destruição dos Sistemas Educativos nacionais… É esta

a last frontier do Neoliberalismo capitalista global. A seguir virá, por implicação,

a demolição final dos regimes democráticos (ainda vigentes…).

O esquema estrutural da relação biunívoca custo/benefício, no quadro

do Sistema capitalista contemporâneo (por sua própria índole, panenvolvente e

totalitário) tem por objectivo acabar, literalmente, com a mais elementar

gramática dos Seres humanos, enquanto tais, i.e., dotados de consciência

reflexiva e crítica e de vontade livre e responsável. Segundo esta gramática, o

Dinheiro é sempre imoral, quando ultrapassa as suas funções de

‘meio/equivalente de troca’, o balizamento próprio e adequado para que foi

institucionalizado societariamente.

As Funções e Objectivos de um S.E. nacional, que se preze e seja

capaz de actuar segundo a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’: Ensinar e

instruir Alunos e Estudantes a pensar (por sua própria cabeça!), a ser e a estar

e a agir, de acordo com a sua Consciência reflexiva e crítica. Estas são as

balizas e as orientações fundamentais. Promoção, em suma, da Autonomia

pessoal e da capacidade de deliberação (humana e cívica).

O princípio (específico) da Igualdade social dos Seres humanos não

pode ser defendido dentro da Lógica hegemónica do Mercado. Quando esta

pretende erigir-se num absolutum, submetendo e englobando todas as

realidades do Mundo, os pobres e os carenciados e os desprotegidos têm, ipso

facto, muito menos oportunidades, em confronto com os que ‘estão bem na

vida’. As pautas valorativas do humano foram monetarizadas. É por isso que

tem razão Pedro Mexia, ao concluir (in ‘Expresso’/Atual, 14.7.2012, p.3):

“certas práticas e certos bens não deviam ter um preço, porque dar-lhes um

Page 37: Manifesto sobre a Educação

37

preço é instrumentalizá-los, torná-los ‘mercadorias’, e isso degrada-os, como

se prova pela modificação dos nossos comportamentos”.

A ‘desregulação’ e a ‘financeirização’ da Economia, que foram

desencadeadas pelo thatcherismo e pelo neoliberalismo capitalista global das

últimas três décadas, tiveram o seu grande sinal-de-alarme no fenómeno

especulativo ligado ao Lehman Brothers, que se acha nas origens patentes da

‘Crise’ financeira/económica hodierna. Não esquecer que foi esta atmosfera

ideológica que atribuiu aos chamados mercados de ca-pitais, de modo espúrio

e súbdolo, índices/indicadores de ‘democracia’, v.g., para efeitos de

Investimento, à escala das nações e do mundo. De resto, a Economia (cujo

estatuto se tem de estabelecer no que o CEHC chama o hemisfério das

ciências psico-sociais e/ou humanas) está muito longe de ser uma ciência

moralmente neutra.

A Lógica mercantil do custo/benefício não pode abarcar todo o universo

da vida humana em Sociedade. Quem pode, por exemplo, defender que haja

moralidade na compra de rins humanos, ou na compra de um simples lugar

numa fila de espera?!... Os seris (um povo em vias de extinção… reduzidos,

hoje, a 650-1000 falantes) têm um refrão identitário típico, na sua própria

língua, que reza assim: “Quando os seris se tornam ricos, eles cessam de

existir” (cf. ‘National Geographic’, Julho de 2012, p.79). “Everyone has a flower

inside, and inside the flower is a word. Language is a seed of Seri identity” (ibi,

pp.78-79).

O Neoliberalismo capitalista global é o resultado do funcionamento

estereoti-pado (e nunca discutido…) da cartilha (tradicional) do Objectivo-

Objectualismo; e o resultado, igualmente, de o moderno Sistema capitalista

(smitheano) nunca ter permitido, por definição e estrutura societária, tomar a

Democracia e os regimes democráticos a sério. Eis por que não se tem

percebido nem admitido (em termos primaciais e primordiais), que a Economia

política é direccionada para os Indivíduos-Pessoas, não para as coisas e as

‘mercadorias’ e sua produção em série. Por isso, a Moral e a Ética, que

deveriam constituir o Diapasão axiológico de todas as acções humanas, são

abastardadas, em nome da neutralidade (objectual) da Economia.

É preciso tomar consciência crítica de que a democracia representativa,

sem o respaldo da democracia directa e de base constitui um perjúrio patente:

não saímos, substantivamente, do ‘Ancien Régime’. Quanto à Economia de

mercado, não vamos discutir a sua área própria e específica de aplicação. O

que não queremos, e precisa ser erradicado, com urgência, é a injusta e

belicista ‘Sociedade de mercado’, em que as populações já não podem

sobreviver. Decididamente, a integridade física e moral dos Sujeitos humanos

não é mercadejável.

Page 38: Manifesto sobre a Educação

38

Portugal ─ um país periférico? ─ Dependerá do ponto de vista e do

ancoradouro. O que nos tem faltado, ao longo da história, é uma Autonomia

personalizada, enquanto povo-nação e enquanto indivíduos; como não somos

disciplinados, o que nos falta, antes e acima de tudo, é organização

social/societária. Quantos tomarão como seu o adágio/refrão de José Gomes

Ferreira: ‘Penso nos outros, logo existo’?! No seu discurso, proferido na

celebração do passado 10 de Junho (Dia de Portugal), António Nóvoa (reitor da

Univ. de Lisboa) pôs o dedo na ferida, ao asseverar (in ‘JL/Ed.’, 27.6-

10.7.2012, p.5): “Nos momentos de prosperidade não tratámos das duas

questões fundamentais: o trabalho e o ensino. […]. Parece pouco, mas é muito,

o muito que nos tem faltado ao longo da história. Porque Portugal tem um

problema de organização dentro de si”:

─ Sistema político bloqueado; ─ instituições sem autonomia e

independência, estigmatizadas pela burocracia, pela promiscuidade e pela

corrupção; ─ economia frágil e falta de cultura empresarial. Ora, “chegou o

tempo de dar um rumo novo à nossa história. Portugal tem de se organizar

dentro de si, não para se fechar, mas para se abrir, para alcançar uma

presença forte fora de si” (idem, ibidem).

Fomos, tradicionalmente, um povo louvado pelos seus ‘brandos

costumes’… O que até pode ser, sócio-historicamente, interpretado como

inimigos dos extremos e amantes da moderação e da mediação, da vidinha

normal do dia-a-dia. Mas isto mesmo pode, igualmente, ser entendido como

rançon histórica da nossa ‘esquizofrenia’ foncière, que nos adveio,

politicamente, desde a batalha de Alfarrobeira (Maio de 1449), onde foi

assassinado, pela Casa régia do sobrinho D. Afonso V, o Infante D. Pedro,

Duque de Coimbra, o das Sete Partidas, que ─ ele sim ─ acalentava um

Projecto pioneiro para o País. Por outro lado, o catolicismo latino e,

sobremaneira, hispânico completou o quadro nacional das distorções e

desgraças…

Hoje em dia, o cratês (de Nuno Crato, ministro da Educação) continua

esse caminho enviesado, que se pode definir como ‘cavilha quadrada em

buraco redondo’. Antes de assumir funções ministeriais, criticou sensatamente

um projecto de educação escolar, que identificava, abusivamente, a

informação com o saber, e tomava as competências e os conteúdos como

dimensões mutuamente exclusivas. Esqueceu-se o mais importante: os

conteúdos (disciplinares) ganham a sua pertinência cultural e formativa,

porque se traduzem e exprimem em competências operacionais.

No fundo, o que permanece (na nossa odisseia psico-sócio-histórica) é

sempre o mesmo problema crucial/estruturador: o de saber qual a Relação

essencial precisa entre Indivíduo e Sociedade. Almerindo Janela Afonso

indiciou o Problema (luso…), ao escrever (in ‘A Página da Educação’, Verão de

Page 39: Manifesto sobre a Educação

39

2012, p.19): “Contrariamente ao que pensava Marx, é impossível que o

indivíduo coincida totalmente com seu ser social e que o ser social integre

todas as dimensões da existência individual. Esta não é integralmente

socializável. Compreende regiões essencialmente secretas, íntimas, imedia-

tas, e não mediatizáveis, que escapam a qualquer possibilidade de apropriação

comum. Não há socialização possível da ternura, do amor, da criação e do

prazer (ou do êxtase) estéticos, do sofrimento, do luto, da angústia…”.

O Problema/charneira é que há duas concepções antitéticas da

Educação: a) a que investiga e desenvolve a nossa humanidade comum a toda

a Espécie (‘Sapiens//Sapiens’); b) e a que está pronta a assinalar as diferenças

entre os indivíduos para as explorar exponencialmente (são os partidários do

‘Homo Sapiens tout court’, os quais, por definição ─ como já vira bem K. Marx

─, dividem as sociedades humanas em duas classes antagónicas: os que

mandam e detêm o Poder e os que obedecem e executam trabalhos às ordens

dos poderosos: Ecclesia docens e Ecclesia discens).

Lobrigou bem Susan L. Robertson, ao escrever (ibi, p.28): “É claro que a

educação, propriamente, não é uma ideia pacífica. São sobejamente

conhecidas as alusões à concepção da educação como um mecanismo de

triagem e classificação de profissões e como uma forma de conferir status

social. Contudo, a educação também tem a capacidade de enriquecer as

nossas vidas e a nossa compreensão de nós mesmos e da socie-dade através

das artes e das maravilhas da ciência; é uma maneira de conhecer o nosso

passado e imaginar os nossos futuros. Depois de três décadas de

neoliberalismo, pode-mos, com segurança, dá-lo como uma experiência

falhada ─ social, política e economicamente ─ e, em particular, em áreas como

a educação. Os sistemas de educação neoliberais, com a sua ficção de

liberdade de escolha e corrupção do bem público, têm causado profundas

brechas e roturas nas nossas sociedades. A evidência de desigual-dades

sociais crescentes, que não estão a diminuir, rodeia-nos por toda a parte”.

Tem, pois, razão o Prof. Carlos Firmino, quando assevera e argumenta,

criticamente, que a Escola privada contemporânea virou uma praça de pedágio

(uma portagem por onde se passa, claro, pagando…); e de igual modo, Marta

Novaes, que denuncia a situação generalizada, onde a massa estudantil e os

próprios cidadãos foram reduzidos à condição anódina de clientela. (Cf.

‘Noética’, 28.6.2012). Não é para menos, quando a religião do Economicismo,

em nome da suposta neutralidade da cartilha do Objectivo-Objectualismo,

exterminou, do universo humano, tudo o que não sejam ‘valores de troca’ (=

mercadorias).

Precisamos, hoje, de re-aprender quase tudo!... O Dualismo

metafísico-ontológico teve consequências trágicas na Cultura/Civilização do

Ocidente: desde logo a separação, em compartimentos estanques, de Teoria e

Page 40: Manifesto sobre a Educação

40

Prática. ‘Quem sabe faz, quem não sabe ensina!...’, ─ ripostava, satiricamente,

Bernard Shaw. Ora, penetrando criticamente na Realidade (como faziam os

Gnósticos primevos), chega-se à conclusão de que ‘A Verdade prova-se, não

se pensa’ (como demonstrou o cineasta francês Bruno Dumont, no seu filme

‘Fora. Satanás’) (cf. ‘Expresso’/Atual, 21.7.2012, pp.18-20). É que, ao provar-

se, a Verdade surge no resplendor da sua plena autenticidade/autoridade

(como acontece, v.g., no filme de Dreyer, ‘A Palavra’!).

O positivismo jurídico e as políticas empíreo-criticistas

modernas/contemporâneas enceraram o universo societário humano no curto-

circuito da Linguagem e do Discurso virado para dentro… para a suposta ‘Casa

humana’, de tal modo que tudo o que no Universo paira fora dessa ‘Casa’ não

existe ou não tem significado. Foi assim, por exemplo, que, em nome do

Objectivo-Objectualismo (supostamente neutro…), se defendeu e incensou

(per fas et nefas…) o Sistema capitalista (incontornável…), como se ele mesmo

constituísse um datum da Lei natural universal!...

Não esquecer que a mundividência contemporânea do Objectivo-

Objectualismo chegou ao requinte de se justificar e respaldar no

Estruturalismo e na Linguística, considerados estes (segundo a cartilha

moderna) em compartimentos estanques. Onde predomina a obsessão

construtivista, o que emerge, insidiosamente, é sem-pre a formalização

linguística e, ipso facto, a frase, como se esta constituísse o limite

inultrapassável da investigação em Linguística!... Isto mesmo… quando, há

mais de meio século, o filósofo Jacques Derrida iniciava as suas escavações

arqueológicas, nos domínios da Linguagem e do Pensamento, com as

necessárias e indispensáveis meto-dologias da Desconstrução. Eis por que

nos achamos, hoje, numa situação tal em que se converteu o significante no

significado… mas esquecendo, ou ignorando, sistemica-mente, o significado

real das coisas!...

● Sistemas Educativos (nacionais) substantivos. O Estado-nação em

causa po-de ter uma só língua (oficial) ─ caso do monolinguismo; ou pode ter

várias línguas (como a Suíça) ─ caso do plurilinguismo. Mesmo neste caso,

haverá sempre uma língua oficial predominante, onde os Poderes

Estabelecidos e todos os cidadãos de um Estado-nação se poderão entender e

questionar pelas mais diversas razões. Como quer que seja, uma Língua

(oficial) com o meio de comunicação nos espaços/tempos de um Estado--

Nação constitui, sempre, um poderoso Coeficiente factorial de união e

identidade das populações de uma dada Sociedade: a) no que tange a

formação de uma Cultura substantiva; b) no concernente à dinâmica da sua

Sociedade civil; c) no que diz respeito à configuração de um Sistema Educativo

substantivo.

Page 41: Manifesto sobre a Educação

41

Consideramos que todas as tendências e orientações

(contemporâneas), que vão no sentido de privilegiar um ‘koinè diálektos’ (o

inglês, v.g.), secundarizando e enfra-quecendo as Línguas (maternas)

nacionais, só contribuem para fomentar o uniformismo e o conformismo (nas

asas do neoliberalismo capitalista global), pressupondo ─ erradamente ─ que

estão a promover a aproximação e a união dos povos e a unificação das

Sociedades humanas. Este é um processus histórico condenado à partida…

não só por-que a cavalgadura que monta é o incontornável Sistema

capitalista, mas também por-que, ipso facto, é absolutamente incapaz de

dispensar, por sistema, os meios e recursos da Violência e da Guerra (em vez

dos meios e recursos do Convívio, do Diálogo/Discussão e da Paz).

Os estudos académicos e as revistas (da especialidade ou generalistas)

não se cansam de lamentar a crescente e inexorável perda e extinção das

Línguas (e respectivas culturas) no Mundo: uma perda que é, fatalmente,

operacionalizada por via da extinção dos seus (últimos) falantes. Trata-se, aqui,

de perdas severas, no Património linguístico e cultural da Humanidade. (Cf.

‘National Geographic’, Julho de 2012, pp.60-93). É um fenómeno análogo, e,

pelo menos, com a mesma importância, que habitualmente é atribuído às

perdas na Bio-Diversidade. Quem ousa, no meio deste dramático Bazar de

Problemas cruciais, formular a denúncia de que toda essa inércia de distorções

e perversões se deve ao terrível e belicoso modus vivendi das Sociedades

humanas, sob o camartelo inalterável do Sistema capitalista?!... Como são

néscios os responsáveis dos Estados-Nações.

Em cada duas semanas, está morrendo uma língua. No último quartel do

séc. XX, por força da homogeneização/globalização e da consequente

‘unificação’ mecanicística das Sociedades humanas, das sete mil línguas

faladas na Terra (ainda na 1ª metade do século), 3.500 já desapareceram, nas

comunidades nativas que as falavam, em benefício do Inglês, do Mandarin, do

Espanhol. É incalculável o que se perde, quando uma língua desaparece!... (Cf.

ibi, pp.60-61).

Ora, a importância e o carácter decisivo da preservação das Línguas

decorrem de problemas estruturais, que já encontraram as suas soluções em

statements axiomáticos (universalmente reconhecidos), tais como: ─ Todas as

línguas foram edificadas na base de uma subterrânea gramática universal

embutida nos próprios genes humanos (os trabalhos de Noam Chomsky foram

decisivos nesta matéria); ─ os contrastes entre as diferentes línguas e,

sobremaneira, o confronto com as línguas nativas ameaçadas de extinção,

mostraram-nos, à evidência, que as línguas, em geral, nas suas características

e diferenciações, exprimem e traduzem a variedade linguística da Experiência

e da Cons-ciência humanas: É óbvio que linguagens diferentes põem em

relevo a variedade e a diversidade da experiência humana. Assim a Língua e a

linguagem moldam e modelam a experiência humana. (Cf. ibi, p.97; p.70. Vd.

Page 42: Manifesto sobre a Educação

42

ibi, pp.92-93, o mapa possível das línguas em risco de extinção). Não se pode

estudar a Linguística sem acompanhar a investigação com a Semântica e a

Semiologia.

Quando se dá conta destas realidades críticas, tendo em pauta a

gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (que o Processo histórico das

civilizações, até ao presente, substituiu pela cartilha do ‘Homo Sapiens tout

court’), fica-se siderado perante o horizonte sombrio, no concernente ao futuro

da Humanidade, se a inércia do extermínio das línguas continuar como dantes.

As Sociedades e as Civilizações pereceram, precisamente porque não ligaram

aos fenómenos da Experiência e da Consciência dos Indivíduos-Pessoas

humanos. Com o Sistema capitalista ao leme da Nau… e as religiões

institucionalizadas (dualistas) como combustível para os motores… não poderá

haver esperança de Alteração substantiva de Rumo, na Odisseia humana,

ao longo da história das civilizações.

É o eterno dilema entre o ‘Homo Sapiens//Sapiens’, dum lado, e do

outro, o ‘Ho-mo Sapiens (Demens) tout court’. Aquele, porfiado nos Indivíduos-

Pessoas e na gramática da horizontalidade (i.e., na Liberdade Responsável,

na Liberdade/Igualdade); este, apostado na (infra-humana) struggle for life

darwiniana e, inexoravelmente, na vitória fatal do mais forte e no catecismo

religioso da verticalidade e das hierarquias de toda a sorte.

O 1º tem todo o interesse no mantenimento e na preservação das

línguas e das culturas perdidas, visto que as considera importantes e decisivas,

em função do enriquecimento do património histórico-cultural da Humanidade;

o 2º não alimenta qualquer interesse por isso.

O recente ‘Acordo Ortográfico’ (iniciado em 1986 e terminado em 2008;

a sua 3ª versão, a mais desastrada), imposto atabalhoadamente, pelos

Poderes Estabelecidos, a Portugal e aos países da Lusofonia, constituiu um

produto típico, que emerge na cartilha de comportamento do segundo caso. A

sua famigerada ‘ortografia unificada’ (que não passa de uma falácia e uma

mentira…), e que, na pressuposição dos seus fautores, irá facilitar o uso da

Língua comum, a 250 milhões de falantes (cf. ‘Expresso’, 14.7.2012, p.14),

acha-se estigmatizada pelo mais vil mecanicismo de actuação e, em

derradeira análise, pela completa ignorância do que vem a ser uma ‘Língua

viva’: a simbiose e a conjugação unificada da Ortoépia e da Ortografia. Essa

ortografia, supostamente unificada (?!...), está a promover, pela via

mecanicística, o mais repulsivo imperialismo económico-financeiro, que

mistura e confunde, no mesmo saco, as Empresas multinacionais e os

Estados-nações com as suas culturas próprias e específicas. Os países

anglófonos não precisaram de nada disso… A França e os francófonos fizeram

duas tentativas, que resultaram malogradas… O mesmo se passou com a

Espanha e os hispanófonos…

Page 43: Manifesto sobre a Educação

43

Eis por que estava no bom caminho, nos anos ’60 do séc. XX, o filólogo

Rodrigues Lapa, ao asseverar que o português do Brasil já havia evoluído

(tanto na grafia como na fonética e na fonologia), a tal ponto, que estava em

curso a formação (espontânea…) de outra língua, em confronto com o

português da Europa. As línguas vão evoluindo, naturalmente. É a sua regra

d’ouro. E os Poderes Estabelecidos não têm direito de foro sobre elas.

C

As Instituições da Educação e da Cultura

(como as da Saúde,

da Justiça e do Direito) não podem ser

avaliadas e medidas

pela mesma

bitola das Empresas e dos Mercados.

● A problemática da competitividade (nos e dos mercados) é uma

questão muito complexa, porque a própria noção de competitividade

económico-mercantil não passa de um mito e uma trágica ilusão (cf. ‘Le Monde

Diplomatique’, Out. de 2012, pp.1, 22-23), sempre alimentada e brandida para

defender e incrementar o incontornável Sistema capitalista.

Ora, as Instituições sociais ligadas aos Sistemas Educativos

(nacionais), aos Sistemas da Saúde, da Justiça e dos Tribunais não podem, de

todo em todo, ser metidas no mesmo rol dos Mercados e das Empresas; não

podem ser avaliadas segundo as mesmas pautas destes últimos. Quando

haverá, no Mundo, condições sócio-económicas e culturais, para a

configuração de Sistemas Educativos Autónomos e Independentes, em

confronto com as pautas draconeanas dos Mercados?!...

Não ignoramos, nem gostaríamos que se ocultasse, que, em toda esta

proble-mática (na sua ‘Grund-Struktur’), têm o seu peso inercial e importância

decisiva, no sentido das confusões fáceis e da admissão leviana da ‘Economia

de mercado capitalista’ para tudo e mais umas botas, as chamadas Religiões

institucionalizadas (dualistas…).

Page 44: Manifesto sobre a Educação

44

Por isso, a situação em que sobrevivemos é o que é!... Sistemas

Educativos (adjectivos) e Economia de mercado capitalista, cujas aporias e

contradições já ninguém ousa discutir. Do mesmo modo que ninguém ousa

questionar as Religiões institucionalizadas e o próprio Sistema capitalista,

qua tal, o qual tem vindo a evoluir para a mais abjecta selvajaria (ao abrigo do

catecismo da religião do Objectivo-Objectualismo), nos últimos três decénios.

Neste último período referido, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, na

base de uma ideologia do mais extremado individualismo/egoísmo, prepararam

o terreno para a emergência desse tsunami, que foi, e ainda é, o

Neoliberalismo capitalista global. Viram-se, assim, super-alimentadas e

promovidas, a todo o vapor, as muti-transnacionais, por via de processos e

condições que se empenharam na desregulação dos próprios mercados (que,

aos olhos daquelas, se achavam demasiado espartilhados, durante a época

dos ‘trinta gloriosos’).

É óbvio que, neste novo contexto, os Sistemas Educativos (públicos e

nacio-nais…) foram perdendo o que restava da sua autonomia e

independência, ─ predicados que procediam do próprio carácter substantivo

dos Estados-Nações e da Teoria/Doutrina das Soberanias nacionais. A partir

de 1997, Anthony Blair (o Premier britânico, que enganou toda a gente com a

bandeira da ‘Terceira Via’…) começou a acondicionar o caminho no sentido de

confiar os comandos do Sistema Educativo (britânico) ao sector privado. A

tonalidade estava dada, everywhere, a partir do homem que se achava no

alçapão do ponto (em scenario de teatro!...).

A batuta do maestro sinalizava o caminho: economia de mercado

capitalista e educação/cultura ─ tudo metido no mesmo alforge. O ‘novo

Trabalhismo’ de Blair dava as mãos ao thatcherismo do Partido Conservador.

Os miasmas da confusão dissiparam-se depressa. Numa procissão em via

única, a Europa e todo o Ocidente iriam experimentar, até à náusea, as novas

atmosferas (ideológicas…) da época neoliberalista: decisivamente, as escolas

foram transformadas em empresas (regidas pela cartilha ─ como é óbvio ─

do Lucro d’abord). Que implicou toda esta estratégia? A entrega completa das

Instituições Escolares (e do S.E.) ao patronato. (Cf. ‘Manière de Voir’, Ag./ /Set.

de 2012, pp.78-81).

Em conclusão, a Escola e o Sistema Educativo deveriam, finalmente,

confor-mar-se com a sua nova condição de instituições (sociais), rigidamente

submetidas ao serviço das necessidades e funções do Mercado. Nada menos

e nada mais!... Pour épater le bourgeois, as motivações da nova estratégia até

poderiam variar e ser tão diversas, como questões de filantropia, promoção da

imagem da empresa ou busca acrisolada de influência política ou corporativa.

Francis Fukuyama, no encalço da ‘Queda do Muro de Berlim’ (1989) e

do co-lapso da URSS (1991), havia tocado o sino a rebate, para proclamar o

Page 45: Manifesto sobre a Educação

45

fim das ideologias (e, no seu horizonte, do próprio ‘Estado-Providência’); ao

mesmo tempo, guindou ao 7º céu o novo culto (idolátrico) da Empresa… como

se a emergência (que, depois, se tornou hegemónica…) desta implicasse a

dissolução dos Estados tout court. Em 1984 (Fev.), por seu turno, os franceses

já haviam sido convocados para o abandono do chamado Estado social e suas

sequelas, designadamente, as conquistas sindicais, em nome do rigor da

contabilidade e da Finança, ─ o que foi feito (imagine-se!...), através de uma

emissão televisiva, protagonizada pelo actor Yves Montand. Em suma, a

propaganda e o marketing político-mediáticos do Neoliberalismo entravam,

definitivamente, em cena (cf. ibi, pp.91-94).

No horizonte inercial, criado pelas atmosferas do Neoliberalismo global,

a seguir ao processo da entrega (maioritária, já não supletiva do Ensino

Público…) das escolas ao sector privado (como ocorreu na G.B.), veio (um

pouco dapertutto) o processo da empresalialização das escolas da rede pública

do S.E., que se fez acompanhar do repúdio de toda a principiologia científico-

pedagógica, que rege e regula o Processo de Ensino/Aprendizagem (cf.

‘Jornal da Fenprof’, Julho de 2012, p.7). (Em Portugal, até se tornou necessário

conceber e formatar um novo estatuto do Aluno: vd. ibi, pp.8-9).

Ora, quando as dimensões política e económica se acham inteiramente

subordinadas à hegemonia absoluta do poder financeiro, atribuído aos

‘mercados de capitais’ (como se de um processo democrático se tratasse!...),

quando estes não são outra coisa senão a disfarçada ditadura omnipotente do

Capital sobre o Trabalho (de uma ‘res mortua’ contra uma ‘res viva’), a

ditadura, em suma, dos sempiternos detentores do Poder no Establishment,

sobre os indivíduos-pessoas/cidadãos… o que restará, eticamente, num

discurso ad hominem, é a Revolução!

É, pois, inquestionável que, nos dias de hoje, o empobrecimento

crescente e a carência de toda a sorte, nas Sociedades humanas, em fracções

avassaladoras das suas populações, se devem e constituem o resultado da

submissão absoluta da política e da economia aos chamados ‘mercados

financeiros’, orquestrados dentro da religião laica do Objectivo-

Objectualismo.

Sistema Educativo e encaminhamento vocacional por volta dos 12

anos ou mais tarde, por volta dos 15/16 anos (como ainda era corrente na

época dos ‘trinta gloriosos’)? A ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes

Rodrigues, chamou recentemente a atenção, desta vez de modo sensato, para

a segunda opção (in ‘Expresso’ de 21.7.2012, p.33): “Os estudos indicam que o

encaminhamento vocacional dos jovens deve fazer-se o mais tarde possível,

isto é, a partir dos 15 anos. A OCDE e a Comissão Europeia recomendam que

os países, onde ainda subsiste o encaminhamento vocacional dos 12 anos,

como por exemplo a Alemanha e a Áustria, abandonem esse regime, tanto por

Page 46: Manifesto sobre a Educação

46

razões de equidade, como de eficiência do sistema educativo. Recomendação

a que esses países têm respondido positivamente, reconhecendo hoje que

assegurar uma for-mação básica geral comum a todos os alunos, até aos 15

anos, é a melhor forma de os preparar para a sociedade do conhecimento,

independentemente da profissão que venham a escolher na idade própria”.

Tudo tem causas e consequências… Já se vê que a sensibilidade

(ideológica) que leva à opção dos 12 anos, é precisamente a que presta

atenção à preponderância efectiva do Sistema económico capitalista; ao passo

que a opção (mais acertada) pelos 15/16 anos aposta num Sistema Educativo

(nacional) substantivo, que tenha resolvido e ultrapassado os conluios e as

promiscuidades gerados pela nova atmosfera ideológica do Neoliberalismo

capitalista global.

Contudo, para que possa haver encadeamentos causais (sérios e

seguros), no Processo sócio-histórico, é preciso reivindicar, no fundo de toda

esta problemática, Sistemas Educativos (nacionais) substantivos bem como

Escolas Autónomas, onde os professores, profissionalizados, possam ser e

actuar como profissionais autónomos e independentes. Por isso, abaixo os

'rankings’ de escolas (que os pretende pôr em competição no mercado

capitalista). Os próprios exames têm de mudar de função e estatuto; têm de

deixar de funcionar como ‘a triste e tradicional comédia do rigor’ (cf. António

Guerreiro in ‘Expresso’/Atual, 14.7.2012, pp.36-38).

Desde logo, algo está substancialmente errado, no Sistema Escolar,

quando a percepção generalizada é a seguinte (ibi, p.38): “De uma maneira ou

de outra, todos acham que o funcionamento regular da escola não basta como

‘preparação para os exames’ e que tal tarefa tem de constituir um esforço

suplementar”. Não é preciso olho de lince para lobrigar as inércias e as

distorções, os erros e as promiscuidades das Escolas e dos Sistemas

Educativos (em Sociedades capitalistas).

Que dizer, por exemplo, dos exames? “Os exames não são apenas

sinónimo de rigor e exigência, são também um convite à repetição, à

ausência de pensamento crítico e a uma tarefa perversa, que se chama

‘preparação para os exames’; e são ainda uma ferramenta de gestão das

escolas e de domesticação dos professores” (idem, ibi, p.36).

Ora, é precisamente o modelo de Sociedade de massas, hierárquico e

elitista, plafonado, espiritual e intelectualmente, pelo Dualismo metafísico-

ontológico de Platão e Paulo, que um tal tipo de exames e o seu cúmplice, o

sistema de Rankings das Escolas (públicas e privadas), introduzido em

Portugal desde 2000, preparam e acondicionam, no Quadro do Sistema

capitalista.

Page 47: Manifesto sobre a Educação

47

Uma Quaestio ad hominem: Até quando teremos de continuar reféns dos

sound-bytes das modas em voga, prisioneiros desta visão leviana e simplista,

empíreo-criti-cista, que mete no mesmo alforge Escolas e Sistema Educativo,

dum lado, e do outro, as Empresas e o Mercado, ─ o que, de ricochete,

catapulta o Estado-Nação para o rol das Empresas e das Mercadorias?!...

Escreveu Gil Nata et alii (Univ. do Porto: Fac. de Psicologia e Ciências

da Edu-cação) (in ‘Expresso’, 13.10.2012, dossier ‘Ranking das

Escolas/Exp./Sic’, p.XV): “A crítica aos rankings de Escolas não significa uma

rejeição da importância da avaliação das escolas. No entanto, esta análise

simplista formulada pelos rankings, associada à sua influência sobre a opinião

pública, incentiva uma visão simplista da realidade educativa e,

consequentemente, do que é a qualidade em educação”. ─ Ingenuidade ou

teoria do rebanho em marcha inercial?... É caso para nos interrogarmos: Para

que serve a crítica?!...

Está mais próximo da Verdade crítica, Leandro Silva Almeida (Univ. do

Minho), ao asseverar: “Se a avaliação deve abranger o domínio dos conteúdos,

mas também os processos envolvidos na aprendizagem, é importante que ela

não se confine aos exames” (in ‘JL’/Ed., 17-30.10.2012, p.1). Mais, e no

mesmo horizonte crítico: “A escola deve preocupar-se com a formação dos

alunos em termos de atitudes, valores, competências de relacionamento

interpessoal […]. É evidente que a avaliação destas aquisições não se faz

através de testes escritos” (idem, ibi, p.2).

● É preciso discutir e avaliar, filosoficamente, a famigerada questão

da Competitividade.

A Competitividade (no quadro do Sistema capitalista-imperialista, como

é ho-diernamente o caso) é um mito e uma falácia (frustrados e frustrantes).

Trata-se de uma estratégia errada de soluções erradas, por várias ordens de

razões: A) Uma vez no quadro do Sistema imperialista do Neoliberalismo

capitalista hodierno, e eo ipso no horizonte da Cultura do Poder-

Condomínio, ela emerge e (dis)funciona como uma Solu-tio Falsa: No ‘ordo

mundi’ dos Poderes Estabelecidos, há sempre um ‘regime de Corporation’

para os que estão na mó-de-cima, os detentores do Poder e da Hegemonia;

desta sorte, a concorrência e a competitividade só servem para os que se

acham na mó-de-baixo (os trabalhadores em geral e o povo…), que, para eles,

funcionam como isco de apaziguamento na desgraçada e contraditória ordem

do Mundo.

Page 48: Manifesto sobre a Educação

48

B) A estratégia da Competitividade encontra-se, por definição,

ferreamente submetida ao catecismo da religião laica do Objectivo-

Objectualismo. Ela não cura nem cuida das Pessoas enquanto Sujeitos

humanos individuais e concretos. Ora, a própria tradição da Economia política

clássica, no Ocidente, nunca pôs radicalmente fora da sua órbita os

Indivíduos-Pessoas, singulares e concretos. Por exemplo, sempre que se

invo-cava a Teoria do Pleno Emprego (como ainda fez J.M. Keynes, em

meados do séc XX).

C) Ora, os desígnios próprios de uma Economia política digna do nome

são medidos e avaliados pela sua destinação aos Indivíduos-Pessoas,

singulares e concretos (em última instância): satisfazem ou não as suas

necessidades vitais e culturais e os seus desejos legítimos, ─ eis a questão

crucial.

D) Por último, deve advertir-se nesta Regra d’Ouro: nunca se pode nem

deve misturar e confundir no mesmo rol e sob o mesmo padrão (dos Mercados)

as Empresas (para quem é acertado e justo que funcionem a concorrência e a

competitividade) e os Estados-Nações (para os quais é absurdo serem

tratados no mesmo pé-de-igualdade das Empresas, na área de funcionamento

destas que são os Mercados). Medite-se neste paradoxo monstruoso: as etnias

ciganas, que prosseguem espalhadas e escorraçadas, por esse mundo fora,

reduzidas a coisas/empecilhos, deveriam ser vistas em contraste com as

multinacionais do capital e das mercadorias! (Cf. ‘Le M.D.’, cit., pp.14-15).

Contudo… quem lhes reconhece o estatuto de veras e autênticas Identidades

transnacionais, até para poderem desafiar o estatuto dourado das

multinacionais?!...

A estratégia do Tratado de Lisboa da U.E. (2000) enganou-se

redondamente ao estabelecer o seu ‘novo objectivo’ como segue: ‘Tornar-se a

economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo’, na base

dos ‘acordos competitividade-emprego’, lançados por Nicolas Sarkozy no fim

do seu mandato. (Cf. ‘Le M.D.’ supra-citado, p.1). A ‘economia do

Conhecimento’ é uma contradictio in terminis… é linguagem demagógica, que

(como já foi referenciado em A)) só funciona como isco para apanhar peixe no

anzol.

O ambiente de emboscada foi logo indiciado no texto/frontispício do

artigo de Gilles Ardinat (no jornal citado, p.1, pp.22-23), subordinado ao título:

‘La compétitivité, un mythe’ (Quand l’Europe impose son Credo): “Para sair de

uma crise desencadeada pela finança, as pistas eram múltiplas: açaimar a

especulação, regulamentar os mercados, sancionar os banqueiros… Com o

apoio de um número crescente de industriais, a União europeia formulou uma

outra prioridade, que já está a impor aos países em dificuldades: levar a

crescer a ‘competitividade’ do mercado de trabalho. Mas que vem a designar

Page 49: Manifesto sobre a Educação

49

este termo, que tanto dirigentes de esquerda como de direita parecem ter guin-

dado à condição de um novo Graal?”.

Esquerdas e Direitas ─ note-se bem ─, as duas alas do hemiciclo,

(recordando o vetusto Parlamento ‘Jacobino’ da Rev. Francesa…), estão

ambas minadas pelos mesmos erros e vícios: a religião do Objectivo-

Objectualismo (que ignora os Sujeitos humanos/Pessoas, enquanto tais) e a

sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Por isso, o próprio A. de

Tocqueville se enganou, ao caracterizar o ‘Ancien Régime’ e o ‘Nouveau

Régime’, e ao concluir que o 1º havia sido substituído pelo 2º, no processo

revolucionário!... Por isso, igualmente, após as ocorrências históricas de 1989 e

1991, se tem assumido o Capitalismo como uma espécie de dado indiscutível

da Lei natural (humana), ─ o que, sintomaticamente, aconteceu no período

identificado, historica-mente, pelo Neoliberalismo (capitalista) global.

Parece que já ninguém se acha capaz de denunciar e profligar a

Economia capitalista, alavancada sobre o Ter e a conquista/dominação,

como um Sistema que gera, inexoravelmente, exploração e opressão, e divide

a Sociedade em duas classes antagónicas (os senhores e os servos ou

súbditos, os exploradores e os explorados), como já denunciara Marx. Parece

que já ninguém tem a coragem, em contraponto crítico, de propor e bater-se

pela Economia Política do Dom, a qual, ancorada no Ser (sua expansão:

‘bonum diffusivum sui’!...) dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, é capaz de

apostar (numa óptica radicalmente horizontalista) na Liberdade Responsável

e na Igualdade social efectiva de todos os Seres humanos.

Paul Krugman (Prémio Nobel da Economia/2008) esclareceu bem, em

termos críticos, o tema da ‘Competitividade’ (in ‘Competitiveness: A dangerous

obsession’/ /1994 e ‘The competition myth’/2011), ao asseverar: “A

competitividade é uma palavra vazia de sentido, quando é aplicada às

economias nacionais. A obsessão da competitividade é, a um só tempo, falsa e

perigosa” (cit. in ‘Le M.D.’ cit., p.22). Comparar, no mesmo plano da

concorrência, empresas e países (Estados-nações) constitui uma doutri-na

errada e demencial. É uma insensatez redonda. Escreve o Autor do Artigo em

pauta (ibidem): “Um território, espaço apropriado e delimitado por uma

fronteira, oferece a um povo o seu suporte físico, bem como uma boa parte das

suas referências culturais e políticas”. Quem vai, por exemplo, cair na asneira

de reduzir os países a dossiers de dados, ainda que de índole macro-

económica?!...

Que pretende o Neoliberalismo capitalista global? Reciclar as velhas

e anquilosadas hierarquias e verticalismos societários. No núcleo duro de toda

esta problemática da concorrência e da competitividade, a tese da

competitividade (que alguns ‘smarts’ pretendem continuar a articular com a

doutrina clássica de ‘produtividade do trabalho’…) ─ convém sabê-lo ─

Page 50: Manifesto sobre a Educação

50

encontra-se estigmatizada pela degeneração crescente do processo da

globalização, o qual (contra o previsto por alguns astutos…) caminha,

inevitavelmente (rebus sic stantibus), no sentido da construção do

Imperialismo financeiro/económico, mediante a mercadorização de tudo e

mais umas botas à escala do Mundo!... Se os próprios Estados-nações estão

realmente ameaçados de dissolução, no processo globalizador, … isso até

parece que já não conta para nada!...

Escreve Gilles Ardinat (art. cit., p.23): “Se a ideia de uma ‘concorrência

livre e perfeita’ serviu de guia para múltiplas leis antitrust e antidumping, a sua

transposição para os territórios/países põe certos problemas. Desde logo, não

existe nenhuma autoridade credível de regulação da concorrência entre

nações. Nem a Organização Mundial do Comércio (OMC), nem a Organização

Internacional do Trabalho (OIT) parecem estar em condições de enquadrar os

diferentes dumpings”. Por outro lado, desde 1980, o próprio FMI abandonou a

expressão ‘dumping monetário’, para atribuir a sua preferência à categoria

(paralela…) de ‘desvalorização competitiva’: mantém-se em curso uma moeda

artificialmente baixa, com o fito de favorecer as exportações nacionais. Desde

que em 1971, Richard Nixon pôs termo à base do ‘padrão ouro’, nos câmbios

internacionais das moedas nacionais, (quase) tudo se tornou possível…

Malhas que o Império tece!...

Advirta-se que é a própria Comissão europeia que prossegue

embarcada na Nau do Imperialismo sans ambages. É precisamente o que ela

faz, quando enuncia o seu Diktat privilegiado: “a concorrência é, pois, a aliada,

e não a inimiga, do diálogo social” (cf. ibidem). Desta sorte, no caleidoscópio

internacional, configuram-se, necessa-riamente, duas categorias (diferentes e

opostas) de competitividade: a) a ‘estrutural’ou sem preço; e b) a

competitividade/preço (a dos trabalhadores que, às escalas nacional e mundial,

estão condenados a ser as mãos no processo da mundialização…). Como diria

K.M., as Sociedades (à escala nacional e à escala mundial) continuam

divididas em duas classes antagónicas!...

Convém não esquecer que a noção de competitividade, no Sistema

capitalista, se configurou e manteve sempre ancorada no carácter ilimitado dos

processos, que, por seu turno, se mantinham apoiados no suposto carácter

ilimitado dos meios e dos recursos da Natureza. Ora, sabe-se (pelo menos

desde o Clube de Roma/1968) que os meios e os recursos naturais são

limitados. Por isso, o Sistema capitalista continua a laborar sobre ilusões e

falsidades. ─ Tudo, no Universo, tem os seus limites. Por isso, o S.C. se tor-

nou selvagem e predatório (no seu processus ab initio): v.g., no que tange a

Natureza e a paisagem, a Biodiversidade; no que diz respeito à exterminação

das línguas e das sociedades humanas; no concernente à exploração e

opressão dos trabalhadores. O que podia ser o céu na Terra tornou-se o

Inferno feroz do Processo histórico das civilizações.

Page 51: Manifesto sobre a Educação

51

A organização e o funcionamento da Economia política destinam-se

(directamente) aos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, singulares e concretos. E

devem conservar-se ao seu serviço. Por que se balizou e orientou a Economia

política para o campo do Sistema capitalista? Porque, epistémica e

metodologicamente, a Economia política apostou, perversamente, no Mercado,

segundo a cartilha do Objectivo-Objectualismo. Considerou o Mercado como

a única agência factorial para estabelecer os preços, os custos e os valores

das coisas/mercadorias. Mas há tanta coisa, acções ou actuações, sem

preço!... Desde logo, a própria Natureza, no seu conjunto. O Mercado (e aí, o

Dinheiro absolutizado como meio de troca…) não é um campo sem limites,

onde tudo pode entrar… Contra o que pressupunha Adam Smith, no

concernente inclusive à área das necessidades primárias dos Indivíduos, ─

decididamente, o Mercado não é, não pode constituir a única agência factorial

na formação dos preços. O quadro em que pen-sou A.S. é simplesmente

contraditório e absurdo.

Estava certo o filósofo Tzvetan Todorov (no seu livro ‘Les énnemis

intimes de la démocratie’, Robert Laffont, Paris, 2012), ao denunciar,

corajosamente, o mal-estar generalizado nas democracias: o populismo e a

demagogia, o messianismo e o ultralibe-ralismo conduziram a uma situação

paradoxal, onde as classes dirigentes, ao reivindicar a democracia para melhor

renegar os seus princípios, levaram as classes populares a perder a confiança

nos representantes políticos e no Estado. Enunciou ele, aí, esta tese

desconcertante, mas estrutural: “a economia, o Estado e o direito cessaram de

ser meios em vista do Desenvolvimento de todos, e doravante participam de

um processus de desumanização”.

Abrégé/Quadro prínceps:

─ Mercado, sim: enquanto fenómeno aferidor/indiciador estrutural dos

preços e custos das mercadorias e das coisas, em geral; obviamente, nas

áreas do universo humano onde as trocas mercantis são, universalmente,

admitidas e legítimas.

─ Mercado capitalista, não: ou seja, Mercado sob a égide do Sistema

capitalista hegemónico, onde, em última análise, não há, absolutamente, áreas

do universo da vida humana em sociedade vetadas às trocas mercantis.

─ A Grande Questão (como pensavam os socialistas no séc. XIX e ao

longo da 1ª metade do séc. XX) não é a opção pelo Plano, com exclusão do

Mercado. De resto, o vero nome dos ‘socialismos’, construídos segundo essa

opção e modelo, é: capitalismo monopolista de Estado (J.K. Galbraith dixit).

Sendo assim, é sempre a Regra do ‘in medio virtus’ a mais aconselhável, e que

se deve pôr a funcionar na praxis concreta das Sociedades humanas. Na

Page 52: Manifesto sobre a Educação

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organização das Sociedades humanas, tem de haver, pois, planificação

económica, levada a cabo pelos Poderes Estabelecidos e por Governos

democraticamente eleitos, tanto à escala dos Estados-Nações como à escala

mundial, onde a O.N.U. é convocada a intervir, preparando as instituições e as

agências de um Governo Mundial de enquadramento e coordenação

globalizados.

─ As necessidades primárias dos Seres humanos, bem como os bens e

serviços atinentes à Cultura e à Educação, à Saúde e à Justiça/Direito, não

podem ficar atrelados e submetidos às leis de ferro da troca mercantil: ‘lei da

oferta e da procura’. (Aqui, é óbvio que A.S. se enganou e errou… ao

estabelecer a lei da troca mercantil, mesmo para a área que tange as

necessidades primárias dos Seres humanos.).

─ É claro que, no universo humano, há muitas áreas onde a gramática

da gratui-dade e da dádiva é, por princípio, mais aconselhável, em termos

ético-morais. Se, na Modernidade ocidental, tivesse vingado a principiologia do

Ser, em vez da doutrina do Ter, na Teoria e na Prática da Economia política,

outro galo teria cantado cantiga bem diferente. O ‘Homo Sapiens//Sapiens’ teria

levado a melhor, no processus da Antropogénese, sobre as práticas

saqueadoras e terroristas do ‘Homo Sapiens tout court’.

─ Hoje, é-nos dado saber, através das experiências trágicas ocorridas

ao longo do Processo histórico (sempre baseado na cartilha da Potestas

d’abord), que a Economia do Dom (do Ser em lugar do Ter), que nós próprios

explanámos na nossa obra antiga e recente, ‘Em Demanda da Economia do

Dom’/2012 (a partir da Rev. Noética/ /Web, São Paulo), deve constituir a

âncora e a pauta (se quisermos encontrar coerência lógica no Sistema…), para

o funcionamento adequado de uma Economia política verdadeiramente

humana.

─ ‘Bom gré, mal gré’, quando tiver lugar, historicamente, uma tal Proeza,

o velho e enquistado Sistema capitalista terá sido, alfim, ultrapassado, na

Sócio-História, pelo que nós, no CEHC, chamamos o vero e autêntico

Socialismo.

● Advertências no concernente à Agricultura e à produção de Alimentos

(que, no fim dos processos de distribuição, escasseiam cada vez mais) para

uma população mundial que, ca. de 2050, rondará os 9 mil milhões e já está a

exercer uma forte pressão de saque sobre as áreas dos animais selvagens.

1. ─ A regra d’ouro (identitária) a nunca esquecer, porque tudo parte do

Local (para a suposta globalidade): Contar, em primeiro lugar, com as suas

próprias forças e recursos. Princípio da Auto-Suficiência.

Page 53: Manifesto sobre a Educação

53

2. ─ À escala global, prestar atenção às chamadas vantagens

comparativas: por exemplo, produzir borregos na Nova Zelândia, sai mais

barato e produz carne de melhor qualidade, em confronto com as práticas da

G.B..

3. ─ Defender e promover a simbiose civilizatória entre a chamada

‘agricultura de sobrevivência’ e a agricultura industrializada e intensiva de

produção em grande quantidade para mercados (nacionais e internacionais). É

sempre um desastre quando a 2ª procura exterminar a 1ª.

4. ─ O recurso aos alimentos geneticamente modificados deve manter-

se em stand by, no que diz respeito à sua generalização, até por causa dos

processos de con-taminação. Há ca. de 10 anos que o Estado americano de

Nebraska produz cereais e outros alimentos geneticamente modificados

(OGM), ao que parece, sem efeitos secundários nocivos. Mas estamos ainda

longe de cumprir uma gramática de prevenção ade-quada.

5. ─ O coeficiente factorial decisivo, em toda esta problemática, distribui-

se em dois princípios geminados: A) Elevação dos Humanos ao nível do ‘Homo

Sapiens//Sapiens’. B) Uma vez realizada a dinâmica de A), a contenção

geracional e o respeito ecológico pela Natureza/Mãe, a preservar e a defender,

constituirão um Factum novo, na História futura da Humanidade.

‘Le Monde Diplomatique’, de Outubro de 2012, traz um Suplemento de 4

pp., dedicado ao tema da Gratuidade, ─ sintomaticamente com este título

introdutório: ‘La Gratuité, um Projet de Société’. Quase como se procurasse,

desta maneira, estabelecer (com alguma coerência) o contraponto ao tema

central de abertura desta edição, ou seja, o da Competitividade como mito,

ilusão e farsa.

Estamos falando, assim, tendo presente o nosso antigo e recente Livro

‘Em Demanda da Economia do Dom’ (em edição da Rev. Elect. ‘Noética’/São

Paulo, desde 8.10.2012), e porque o Discurso (crítico) sobre todas estas

matérias e suas implicações deve ser tomado a sério, nas duas vertentes,

positiva e negativa. Há dois milénios que a Cultura/Civilização do Ocidente

embarcou, mediante o Cristianismo paulino, na Nau da sempiterna Cultura do

Poder-Dominação d’abord. Foi fácil, por esses caminhos, construir, no

Processo sócio-histórico, a Economia do Ter, da Conquista e da Predação, da

Dominação e do Poder d’abord, em vez da Economia do Ser, do Dom e da

Dádiva e da Gratuidade.

No horizonte crítico do C.E.H.C., é o próprio Processo psico-sócio-

histórico, ao longo destes dois milénios de Cristandade, que resultou gorado e

farsesco. As consequências podem resumir-se nesta axiomática: em vez de

Page 54: Manifesto sobre a Educação

54

abrir caminho, na Antro-pogénese (psico-social/societária), para o advento e

configuração do ‘Homo Sapiens// //Sapiens’, o que foi empurrado para o

terreiro da História foi o ‘Homo Sapiens (Demens) tout court’ e as práticas da

sua cartilha inexorável. O que à Humanidade coube em sorte foi a via da Paz e

da Guerra à mistura, e a paz como o armistício entre duas guerras!...

Apesar de tudo, ficámos contentes com o título do Suplemento de ‘Le

M.D.’ de Out. de 2012: ‘La Gratuité, um Projet de Société’. O que, desde

logo, enquanto projecto a globalizar, implica a eliminação radical desse

absurdo que é, hodiernamente, o Mercado capitalista hegemónico, e a

adopção (sistémica), pelo menos na sua ante-câmara, da gramática do ‘Homo

Sapiens//Sapiens’, contra a cartilha tradicional do ‘Homo Sapiens (Demens)

tout court’. Em vez do axioma tradicional ‘homo homini lupus’, pelo menos o

slogan ‘homo homini res sacra’, até chegarmos ao axioma ‘homo homini frater’.

É que as incoerências (sistémicas) e as meias soluções, nas práticas

da psico-sócio-história, pagam-se caro… Por que se chegou, por exemplo, a

essa máxima perversa, que se aceita com resignação e fatalismo: ‘Tudo tem

um preço’?... ‘Tout se paie’ (como afirmam em tom de evidência os

economistas liberais)?... ‘There’s No Such Thing as a Free Lunch’ (como diria o

economista americano, em 1975, Milton Friedman)?... Quando se trata de

encontrar soluções reais e concretas, entre perspectivas extremas e opostas, o

pragmatismo é recomendável, sim, mas sempre ao serviço dos Humanos qua

tais e suas Sociedades. Convém, pois, ter sempre presentes as exigências da

coerência e da ética, em todo o universo dos problemas e das soluções

políticas a resolver e a encon-trar.

Depois do título, o Suplemento em pauta abre com um quadro-painel

destinado a caracterizar, sumariamente, o que há no terreno. Vamos dar conta

dele, não sem antecipar que o discurso acusa, ainda, a persistência da cartilha

tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’ e, bem assim, o horizonte da Cultura

do Poder-Dominação d’abord e do incontornável Mercado capitalista.

“Desde Aubagne (no sul da França) a Hasselt (na Bélgica), são cada vez

mais numerosas as municipalidades europeias que praticam a gratuidade dos

transportes públicos. Pouco conhecidas, estas iniciativas têm encontrado

frequentemente a hostilidade, não apenas dos meios patronais, mas também

de uma parte da população, muito embora sensibilizada para as ideias

progressistas. Com efeito, desde há séculos, os seres hu-manos foram

habituados às transacções monetárias, encorajadas pelos teóricos do libe-

ralismo económico, para quem a esfera mercantil não poderia ter limites. Além

disso, para alguns à esquerda, cada indivíduo deve contribuir, mesmo

simbolicamente, para as vantagens que a colectividade lhe oferece; uma

tarifação/alvo, definida segundo critérios sociais, seria preferível a uma

gratuidade ‘desresponsabilizante’. No terreno, a ex-periência é rica de

Page 55: Manifesto sobre a Educação

55

ensinamentos e incita a reflectir no tipo de sociedade que nós que-remos

construir”.

Esclareça-se, entretanto, que a via das práticas (anunciadas) da

‘gratuidade’ é ocupada, precisamente, pelas cidades médias, que exercem, na

matéria, uma função piloto (cf. ibi, pp.I-III). Sintomático: é sabido que, na

Cultura do Poder-Dominação d’abord, os extremos tocam-se… Os vínculos

à economia de troca, através do preçário em dinheiro como equivalente geral,

estão muito arreigados no Ocidente; de tal modo que a atmosfera individualista

criada, tem dificuldade (considera isso estranho…) em aceitar a troca directa

de bens e serviços.

Contudo, assiste-se, na própria Itália (cf. ibi, p.IV) a um vero movimento

de fundação de outra economia (nos antípodas da economia mercantil): quer

no mundo rural, quer nos meios culturais, os italianos estão a descobrir um

outro laço social, para além das tradicionais trocas monetárias. O processus

tem-nos levado a encontrar as situações/ /padrão da reciprocidade efectiva e,

eo ipso, a descobrir e a proteger os bens comuns. Um dos dirigentes deste

movimento (Antonio Cannoletta) prestou o seguinte depoimento (ibidem): “A

nossa intenção era a de colocar em rede a produção das pequenas empresas,

favorecendo o consumo crítico e a troca solidária, mas, sobretudo, desen-

volver, a uma escala mais vasta, formas de participação em questões de

carácter mais geral”. Assim, a preocupação era dupla: exigência moral e

intenção política.

Estava, assim, aberto o caminho para a descoberta/recuperação da

Economia do Dom, em contraste com a Economia de Mercado; a Economia

do Ser, em contraste com a Economia do Ter (e da

apropriação/conquista/dominação). Num colóquio havido em Roma, em

28.5.2010, o sociólogo Alessandro Montebugnoli apelava para uma sociedade

‘multiactiva’, capaz de abrir os olhos para além da “esfera do trabalho remu-

nerado, incorporado no valor das mercadorias e dos serviços públicos, que, em

conjunto, constituem o quadro das actividades profissionais” (cit. ibidem).

─ Ao mesmo tempo, começa-se, assim, a descobrir outra gramática de

base para o funcionamento e organização da Economia: os indivíduos-pessoas

já não carecem do fetiche do dinheiro como meio de troca, para se

aperceberem do valor do custo e do pre-ço dos produtos/mercadorias. O

preconceito smitheano pode dissolver-se, definitivamente, sem prejuízo para a

colectividade. O ‘Borda d’Água’ já não precisará de repetir, ad nauseam’, a

cantilena habitual: ‘Não há refeição gratuita’!... ‘Tudo se paga’!...

Para nos apercebermos, adequadamente, da substituição e

ultrapassagem da Economia de mercado capitalista (que desaguou na

‘Sociedade de Mercado’…) pela nova Economia do Dom e da Gratuidade, é

necessário: 1º, descobrir e identificar, na história da Cultura do Ocidente, o filão

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56

alternativo ao Mercado capitalista, que é oriundo e se lobrigou configurado nas

duas Mensagens gémeas de SÓCRATES e de JESUS; 2º, desconstruir,

porfiada e radicalmente, o fantasma ideológico que se acha no núcleo duro do

Mercado capitalista: aquilo que o economista José Castro Caldas, do C.E.S. da

Univ. de Coimbra, chamou, no título do seu artigo (in ‘Le M.D.’ cit., pp.II-III): ‘Un

enjeu idéologique’.

Convirá, em primeiro lugar, não esquecer que a exclusão radical do

desinteresse e da gratuidade, nas relações humanas, resultou,

fundamentalmente, do tradicional ‘preconceito smitheano’ que, por seu turno, é

alavancado pela sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. A cartilha

(antiga, medieval e moderna) do Monismo Epistémico (contra a Teoria-

Doutrina da Dualidade epistémica, defendida pelo C.E.H.C. e pelos Gnósticos

judeo-cristãos primevos) fez o ninho apropriado àquela Cultura/Civilização,

onde ela veio a produzir toda a sua exotérica filharada. Convirá não esquecer,

a seguir, que o papel central e hegemónico do Dinheiro, nas nossas Socie-

dades, procede exactamente desse ‘enjeu idéologique’, que nós preferimos

designar por ‘fantasma ideológico’.

Em termos críticos, é imperioso avaliar este artigo de Castro Caldas

como segue: o pé não chega à pègada!... Continua, como toda a gente, a

adoptar, como catecismo, o Monismo epistemológico e a incensar a Cultura

do Poder-Condomínio. Só no último parágrafo do seu artigo, ele tem a

coragem de afirmar (paradoxalmente…): “Se existem ‘leis’ em economia, elas

são criadas pelos seres humanos; elas não decorrem da natureza. Nós

podemos, portanto, modificá-las”. Deverá dizer-se, a propósito deste tópico,

que Bagão Félix (um dos homens da 1ª geração do CDS/PP, partido formado

no pós-25 de Abril de 1974), em entrevista recente na RTP-1, foi muito mais

explícito, ao asseverar que a Economia não é uma ciência exacta, procede por

tentativas e erros.

O farol (de Alexandria) e outros, para os navegantes; a luz; o sol; as

florestas e os animais selvagens; as chuvas, etc. Tudo isto são dons facultados

à Espécie humana. No erário público de uma dada Sociedade, a própria esfera

das contribuições e impostos, pagos pelos cidadãos, em função dos serviços

públicos do Estado e da conservação e defesa do Bem Comum, em geral, se é

habitualmente entendida como um encargo e uma obrigação, poderia (como

imaginou, semanticamente, o filósofo alemão P. Sloterdijk) ser assumida, a

contrario, como donativos prestados pelos cidadãos.

Desta sorte, o próprio leque diversificado das áreas contempladas, no

universo da Economia política, não nos permite tratar uma ciência humana

e/ou social (que é a sua condição…) como se de uma ciência físico-natural se

tratasse. Ora, é isto mesmo que ainda acontece, quando se pretende tirar

partido da noção (básica…) de propriedade privada para regular e fundar o

Page 57: Manifesto sobre a Educação

57

‘problema’ da legitimidade dos bens públicos e do Bem Comum. É, de facto, o

que transparece, quando Castro Caldas escreve (ibi, p. III): “Para certos

economistas, a propriedade privada tem precisamente por origem a

necessidade de regular o ‘problema’ dos bens públicos. Ou seja, encontrar o

meio de impor um preço ao utilizador de um bem. Desta feita, poder-se-ia

pensar que as estradas devem ter, logicamente, um estatuto público”.

Ora, essa tese só faz sentido e é admissível, quando aplicada aos ‘bona

constructa’, não aos ‘bona naturalia’. E, mesmo a partir do ponto de vista

admissível, deverá concluir-se que, de acordo com esse registo fundador da

propriedade privada, terá de haver, necessariamente, um tecto para os lucros

privados!... Que até poderia ser o dos governantes e dos funcionários de

Estado. É precisamente porque o sistema capitalista está muito longe de seguir

este catecismo de actuação, que os Poderes públicos, na de-pendência e no

horizonte do Capitalismo, nunca cumpriram, sócio-historicamente, o postulado

de garantir o mínimo no concernente à alimentação, ao vestuário e ao aloja-

mento.

Contudo, C.C. conserva a moderação e a sensatez, ao afirmar (ibidem):

“Não obstante, a lógica mercantil não poderia estender-se a tudo. Assim,

existem coisas ou seres, cujo respeito é mais importante que a busca da

pretensa eficácia económica. É o caso das pessoas ou dos órgãos humanos”.

─ Decididamente: os fins não podem justificar os meios. E a definição (dada

pelo Direito Romano) da propriedade privada está redondamente errada: ‘jus

utendi et abutendi’!... ‘Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões’

(Hans Kűng). Será que as cristandades vão ser capazes de dia-logar

pacificamente (sob a influência do movimento ecuménico, nascido no Conc.

Va-ticano II), com as outras religiões institucionalizadas, sobremaneira com o

Islão (uma das 3 religiões de ‘O Livro’)?!... Não o farão, seguramente, na órbita

do Sistema capi-talista neoliberal…

Page 58: Manifesto sobre a Educação

58

D

Cultura Humana/Humanista Radical e

Despotismo Iluminado:

a sua incompossibilidade recíproca

● ─ ‘A Cultura é o que faz do Ser Humano um novo tipo de Ser vivo,

uma Ruptura na História da Vida’.

─ ‘A Linguagem é uma faculdade característica e essencial da

Espécie humana’. (Axiomas inscritos nos painéis da Sala central do Museu de

Arte Rupestre de Vila Nova de Foz Côa).

● Capazes de abstracção, de elaboração de sinais/símbolos e de arte

simbolista, os Humanos de entre 30.000 e 17.000 anos a.E.C., que aí deixaram

os seus vestígios artísticos, a sua chancela/pègada, já eram e entraram

plenamente na categoria (antropo-genética) do ‘Sapiens//Sapiens’. Eles estão

integrados (fisiológica e cerebralmente) na Grande Família do ‘Homem de Cro-

magnon’, de há ca. de 60.000 anos, o qual acabou (pelas suas capacidades

mentais e físicas) por destronar a subespécie anterior do ‘Homem de

Neanderthal (de há ca. de 200.000 anos), que ainda pertencia à família do

‘Homo Sapiens tout court’.

Falamos, assim, porque a especiação filogenética, que deu origem ao

paradigma/ /padrão antropogenético do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ se

caracteriza e baliza, em confronto com a subespécie anterior, a do ‘Homo

Sapiens tout court’, pela nova gramática da consciência reflexiva e crítica:

Trata-se de um Ser que sabe que sabe, ─ o que, em última análise ou

instância, o reconhece como dotado de consciência ao quadrado e ao cubo;

por isso, ele pode e deve dispensar todos os mandos ou imperativos

procedentes do exterior (i.e., todas as religiões institucionalizadas e toda a

sorte de ‘Poderes sêcos’, de ordem política, económica ou social).

─ ‘Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus’. Quando

Leibniz corrige o axioma filosófico tradicional, típico, que define o processus do

Conhecimento humano, acrescentando-lhe a cláusula (da excepção): ‘nisi ipse

intellectus’, ele não só ultrapassa a díade cognitiva inicial, mas também estatui

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59

um esquema triádico, onde o intelecto, excepcionado, emerge (no plano de

cada indivíduo-pessoa) ‘sentado na sua cátedra’ e, ao mesmo tempo,

exprimindo, semanticamente, a realidade da Consciência humana. Este é um

dado a que a História da Filosofia não tem dado a devida atenção, até porque,

simultaneamente, o Processo civilizatório tem feito o seu percurso, igno-

rando a Consciência (e a Experiência) dos Indivíduos-Pessoas; mas a

esclarecida mundividência dos Gnósticos primevos (sem esquecer Sócrates

e Jesus) confirmam, criticamente, esta perspectiva.

Voltando à interpretação da Arte rupestre do Côa (que é do Paleolítico

superior: ca. de 20.000 a 17.000 anos a.E.C.). No seu livro ‘No Tempo sem

Tempo’ (A arte dos caçadores paleolíticos do Vale do Côa) (Centro Nacional

de Arte Rupestre, Vila Nova de Foz Côa, 1999, p.15), o arqueólogo António

Martinho Baptista cita um texto balizador do mestre André Leroi-

Gourham/1971, que reza assim:

“O que é importante, não é que os humanos do Paleolítico tenham

conhecido o mesmo simbolismo elementar, é justamente que eles tenham, a

partir dele, desenvolvido a abstracção ao ponto de traçarem figuras

geométricas, fazerem delas signos, carregados de um sentido, que nós

ignoraremos porventura para sempre, mas de um sentido, que superava o teor

primário dos seus símbolos.

“… durante longos milhares de anos, na Europa ocidental

compartimentada por numerosos obstáculos naturais, houve tradições estáveis

que asseguraram o amadurecimento de uma simbólica, cujo desenvolvimento é

absolutamente contínuo, desde a primeira manifestação artística até ao fim do

magdalenense”.

Ora, há uma Quaestio ad hominem que é preciso colocar, hoje, diante

da Arte abstracta dos paleolíticos de Foz Côa: Se os humanos das gravuras

rupestres de V.N. de Foz Côa, de há ca. de 25.000 anos (no chamado

Paleolítico Superior, nas eras pós-glaciares), já podem, perfeitamente, ser

considerados e assumidos a funcionar, segundo a gramática do ‘Homo

Sapiens//Sapiens’, por que é que a cartilha do Processo histórico--

civilizacional, registado pela História das Civilizações, nos veio a patentear, até

ao pre-sente, a aplicação sistémica, rude e selvagem, da cartilha do ‘Homo

Sapiens (Demens) tout court’?!...

E a resposta a esta Questão é, sumariamente, como segue: Porque,

desde o fim da Era da Gilania (há 5.500 anos), quando começa o Processo

histórico da civilização, com o advento do Patriarcado e das Divindades

uranianas, se construiu toda uma Arquitectura ideológica em torno do

Fenómeno e do Exercício do Poder, que dá pelo nome cimeiro/sinóptico de

‘Dualismo metafísico-ontológico’ (fundado, explanado e constituído por Platão e

Paulo, como nós temos vindo a desvendar no C.E.H.C.).

Page 60: Manifesto sobre a Educação

60

Basta de repetições e de estereotipos de pensamento, de chavões e de

clichés que nos atraiçoam a mente e a consciência identitária, porque não

passamos, afinal, de papagaios ou ‘relógios falantes’, a quem os ‘chefes’ e os

‘pontífices’ ensinaram a lição ou deram corda. Na esteira de Clausewitz, por

exemplo, que pregou a doutrina ‘a guerra é a continuação da política e da

economia por outros meios’ (statement que já se achava filiado no adágio

romano: ‘Si vis pacem para bellum’), habituámo-nos a uma ‘paz de armistício’,

ao ponto de fazermos do conflito e da guerra uma situação societária

permanente. É, efectivamente, o que se passa nas Sociedades-de-mercado

hodiernas.

Na Modernidade, assistimos à proliferação das Revoluções, mas o

necessário e indispensável ‘homem novo’, como alavanca da nova Sociedade,

nunca o vimos emergir. A teoria/doutrina que prosseguiu foi a mesma de

sempre: o despotismo iluminado, que os mais demagogos e charlatães

chegaram a baptizar de ‘despotismo da liberdade’!... O horizonte incontornável

continuou a ser, inevitavelmente, o da Cultura do Poder-Dominação d’abord.

E o reino da Utopia continuou a configurar-se na galáxia longínqua da Cultura

da Liberdade Responsável primacial e primordial.

● O Oximoro da Liberdade//Autoridade (Poder)

Como se tem ensinado no C.E.H.C., o Poder é sempre um só, em última

ins-tância. Por isso, os caminhos da afirmação da Liberdade (identitária) dos

Indivíduos--Pessoas estão, inevitavelmente, marcados pela defesa da

Dignidade pessoal e pela Re-sistência aos Poderes Estabelecidos, a todos

eles!... Por isso mesmo, Jesus, na resposta que dá aos fariseus (que o

questionaram sobre a quem pagar o censo…), disse, de um modo completo e

cabal (segundo o Evangelho gnóstico de Tomé): ‘Dai a César o que é de César

e a Deus o que é de Deus, e a mim o que me pertence’. Ou seja: a solução

não é a díade (habitual/tradicional) dos Poderes… mas a tríade (onde, por

definição, se acham incluídos todos os nascidos de homem e mulher).

Marx, Nietzsche e Freud ─ como é sabido ─, nos últimos dois séculos da

Mo-dernidade ocidental foram enaltecidos à categoria de ‘mestres (ou

pensadores) da suspeita’. Usaram o seu camartelo, para dissentir do

conformismo tradicional, para pôr cri-ticamente em causa tradições sem

consistência, estereotipos e lugares comuns que, em vez de libertar,

subjugavam e oprimiam as populações. Não obstante, os três pensadores

mantiveram-se dentro do odre da sempiterna Cultura do Poder-Condomínio,

apesar de terem envidado esforços para a desconstruir e demolir: prestaram

culto à religião (laica) do Objectivo-Objectualismo; e adoptaram a cartilha do

Page 61: Manifesto sobre a Educação

61

Monismo epistemológico. Na mundividência crítica dos três, o chamado

‘homem novo’ (fonte da vera Alternativa para as tradicionais Sociedades

humanas) não emergiu, nem poderia emergir. Porque a sua Gramática de Ser

e Funcionar é a da Cultura da Liberdade Responsável pri-macial e

primordial (que se encontra nos antípodas da primeira…).

Preocupado com a crescente erosão da soberania das Nações e a

implicada perda de poder dos eleitores, António Hespanha assevera,

criticamente, que ‘a Democracia está em regressão’ (cf. ‘Expresso’/Atual,

29.9.2012, pp.34-36). “No plano político, a liberdade da nação chamava-se

soberania. E essa consistia no facto de uma nação não ser património de

ninguém”. Esta frase, com quase dez anos, explicou-a A.H., na entrevista (ibi,

p.35), como segue: “Essa frase aplica-se actualmente com redobrada razão. A

no-ção de democracia estava muito ligada à soberania e à ideia de a nação

não ser pro-priedade de ninguém, embora nunca uma nação tenha realmente

sido dona de si mesmo. Mas a democracia está em regressão, devido aos

constrangimentos internacionais, com a formação de grandes espaços políticos

e económicos, como a União Europeia, que expropriam o poder que a nação

tinha sobre si mesma”.

Eis por que é uma solução grave e pejada de consequências negativas o

modelo que está em marcha para a U.E., a começar pelos 17 países da zona

euro: o modelo da Federação (uniformista e piramidal/hierárquico), (à imagem

dos USA…), em vez do modelo da Confederação (segundo, v.g., o padrão da

Helvetia/Suiça). Onde está, hoje, a soberania de uma Nação, quando o

Governo do Qatar (carecido de terrenos aráveis) se mostra pronto a comprar

ao Quénia uma vasta região de terrenos de pastagem para gado vacum, que

as tribos da região usufruem, desde há séculos, como garantia da sua sobre-

vivência?!... O Governo do Quénia mostrou-se empenhado em dar seguimento

ao negó-cio… Em nome do Imperialismo economicista mundial, os Estados-

nações entraram em agonia, e acham-se já na via da sua exterminação!...

Enquanto não sairmos da galáxia do Despotismo iluminado (que as

democracias representativas modernas/contemporâneas acolheram nas

suas práticas societárias, sem o desconstruir e denunciar, precisamente em

nome da religião laica do Objectivo-Objectualismo), não haverá soluções

adequadas para toda aquela problemática política e institucional.

Tem razão o prof. Carlos Firmino quando escreve (in ‘Pessoas &

Humanidade’, org. de Maria C. Arruda, Noética/web e Edicon, São Paulo, 2012,

p.46): “Desde que o despotismo iluminado (de políticos, militares e religiosos)

traiu o conceito de solidarie-dade embasado pelo ideal socrático na

aristocracia, da mesma maneira que Saulo/Paulo criou a igreja paulina contra a

palavra de Jesus, o mundo do Ocidente vive uma guerra permanente contra si

mesmo e contra a Humanidade; e quando a vera aristocracia (a gente boa e

Page 62: Manifesto sobre a Educação

62

capacitada para governar) levanta a voz contra esse despotismo do Poder

pseudo instituído, como o fez a Justiça internacional no Caso Dusko Tadi ,

verifica-se que ‘É impossível evitar ilusões e embustes/armadilhas (activa e

passivamente)’, como lembra Manuel Reis (in ‘Na Rota de uma Vera Nova

Ordem Mundial’, p.22)”.

● ‘O Paradoxo dos Muçulmanos’?!...

A revista/magazine ‘Newsweek’ (8.10.2012, p.1 e pp.16-22) traduziu

esse paradoxo como segue: ‘Why do they always blame the West for their

weakness?’, em boa parte apoiada e fazendo-se eco ao artigo de fundo de

Husain Haqqani, titulado: ‘THE REAL THREAT TO ISLAM: Muslims have good

reason to be angry ─ and it’s not a sophomoric movie trailer on Youtube’

(pp.22-26). (Husain Haqqani merece alguma atenção e respeito por este paper:

foi embaixador do Paquistão em Washington de 2008 a 2011; e é prof. de

Relações internacionais na Univ. de Boston e senior fellow no Instituto de

Hudson.).

Há, porém, aspectos e perspectivas (nesta problemática do conflito entre

as reli-giões institucionalizadas e respectivas civilizações, bem como no

concernente ao Movimento ecuménico inter-religiões…), que as melhores elites

islâmicas têm dificuldade em captar e compreender; como, de resto, as elites

cristãs ou hebraicas, as hinduístas ou shintoístas ou confucianas.

O Diálogo franco, livre e responsável, entre os povos, as nações, as

religiões institucionalizadas, está muito longe de constituir a ante-câmara, a

realidade efectiva de onde se parte. Os sentimentos autárcicos e as ideologias

próprias, por todos partilhados (em maior ou menor grau…), são a moeda

corrente nas nossas Sociedades e à escala do Mundo, estigmatizadas e

atiçadas pelo Sistema capitalista hegemónico e pela sua ma-triz, a Cultura

do Poder-Dominação d’abord.

Ora, se há um ‘Paradoxo Islâmico’ (que, segundo a ‘Newsweek’ e

Haqqani, pode ser expresso na auto-censura da fraqueza dos islâmicos,

perante o Ocidente), há, igualmente, um ‘Paradoxo Cristão’ que, partindo do

pressuposto que tem a globaliza-ção assegurada e toma a hegemonia dos

Ocidentais sobre o Mundo como um dado indiscutível, já não é capaz de operar

a distinção estrutural entre eles mesmos qua Sujeitos e o Mundo objectivo-

objectualizado por eles criado e construído. Por isso, os ocidentais têm

actuado, ao longo da Sócio-história, com o catecismo dos dois pesos e duas

medidas e nunca questionaram a sua Cultura da Potestas-Dominação

d’abord e, consequentemente, a legitimidade (universal…) da sua Força e

Page 63: Manifesto sobre a Educação

63

Omnipotência. Desta sorte, o Mundo há-de continuar dividido entre os fracos e

os fortes, entre a esquizofrenia e a paranóia!... E, em tal horizonte, não

haverá Paz substantiva, i.e., Paz sem conflitos armados e guerras.

Quando o forte se aproxima do fraco e o impede ou inibe de discutir

consigo, em-pé-de-iguadade, as culpas do malogro (no relacionamento entre

os dois), por princípio, devem recair, em última instância, sobre o primeiro.

Enlevado pelo êxito geral das ‘Cruzadas’, e em demanda da dominação

sobre o Levante, (antes da tomada de Constantinopla pelos Turcos Ottomanos,

em 1453), Manuel II Paleólogo, imperador de Bizâncio, lançou o insulto/chave

aos Muçulmanos, ao ter declarado que tudo quanto Maomé trouxe foi mau,

designadamente o mandato para espalhar a fé, que ele prègava, pela espada.

O que veio historicamente a acontecer desde essa ‘excomunhão’: os islâmicos

pagam, na mesma moeda, o insulto, assinalando que os defeitos estão nas

outras religiões e sublinhando que a sua fé é perfeita. Como se o Cruzadismo

cristão e as práticas da Inquisição não pagassem também o seu tributo à

espada, à violência e à guerra!...

Assim, quando os ocidentais sentem (ou pressentem…) que os

islâmicos constituem uma ameaça à Civilização ocidental, os primeiros estão a

reconhecer um dado histórico, que os segundos já encorporaram no seu

alforge (mais virado do avesso…).

Escreve Haqqani (ibi, p.19): “O fenómeno do ultraje a propósito de

insultos ao Islão e ao seu profeta final é uma função da política da era

moderna. Teve o seu início durante o regime colonial do Ocidente, com os

políticos muçulmanos a procurar questões para mobilizar os seus constituintes.

Os líderes seculares polarizavam-se na oposição à dominação estrangeira, e

os islamistas emergiram para reclamar que o Islão não é meramente uma

religião, mas também uma ideologia política. As ameaças à fé torna-ram-se um

grito recorrente para os islâmicos, que seleccionam as questões mais espi-

nhosas para definir a sua agenda política”.

Através das suas vinculações ao Poder da Espada e da Dominação

(hegemóni-ca), os islâmicos e os islamistas em geral acentuaram (como

nenhuma outra religião institucionalizada) a dimensão social da sua fé, ao

ponto de, na sua mundividência, já não serem capazes de ou, pelo menos,

terem muita dificuldade em discernir e identificar o que é o plano (universal) da

Lei natural racional e do Direito natural. Desta sorte, por exemplo, quando,

na Era da Pós-Modernidade positiva e crítica (como nós, no CEHC,

balizamos e definimos a era actual), a palavra d’ordem intelectual/crítica é

‘abaixo todas as religiões institucionalizadas’ (a bem da paz e da

convivência pacífica da Humanidade e da promoção de Sociedades humanas

fraternas à escala global), os islâmicos e os islamistas teimam,

Page 64: Manifesto sobre a Educação

64

ideologicamente, em admitir e estabelecer o Islão como ‘religião natural’. O que

é um contra-senso e uma contradictio in terminis.

Por outro lado, as Cristandades, na sua mundividência oficial, ao

admitirem o pensamento laico e ateu no seu seio, habituaram-se, ao mesmo

tempo, a pactuar e a conviver com as religiões institucionalizadas, sem as

questionar, enquanto tais (o que, na Modernidade ocidental, acontece,

filosófica e politicamente, desde o ‘Leviathan’ de T. Hobbes). Desta feita, elas

admitiram e adoptaram, no núcleo duro da sua Cultura, o que é, em termos

críticos, uma contradição crucial/estrutural, que impede, absolutamente, a

sua evolução, no sentido (necessário e indispensável) da superação das ‘reli-

giões institucionalizadas’, enquanto tais.

Quase em jeito de leit-motiv, diz-se, aí, no artigo (p.20) que Nada na

Tradição Islâmica exige aos muçulmanos que lancem coisas ao fogo,

sempre que ouvem alguém a insultar a sua fé. “De facto, o Corão refere-se

ao Profeta Maomé como ‘Reh-matul-lil-Alameen’, ou ‘aquele que traz a

compaixão para todos os mundos’. Depois de anunciar a sua revelação,

Maomé rezou por aqueles que o insultaram ou a ele se opuseram” (idem,

ibidem).

Mas o ponto de viragem (ideológica) na história do Islão (face às

Cristandades e ao Ocidente), começa quando os muçulmanos se viram

submetidos ao regime colonial da Civilização Ocidental; e aí, os seus

queixumes e agravos têm o valor ético da resistência ao tirano e ao

colonizador/dominador. Nesta questão, o nosso Autor faz alguma justiça à

História, quando escreve (ibi, p.21): “Desde a sua queda sob o regime colonial

do Ocidente, o mundo islâmico desenvolveu uma narrativa de agravados. A

visão é par-tilhada pelos islamistas, que consideram o Islão como ideologia

política, ao passo que outros muçulmanos não subscrevem esta tese. Como

todas as narrativas nacionais e comunitárias, a tese tem alguns elementos

verdadeiros. É um facto histórico que o mundo islâmico percorreu séculos em

movimento ascendente, antes de surgir a influência do Ocidente, que trouxe

consigo o declínio do poder muçulmano. E não restam dúvidas de que o

imperialismo do Ocidente no séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX esteve

lon-ge de ser benigno. Dividiu os muçulmanos, denegriu-os, e usou as

modernas tecnologias ─ desde a imprensa aos media electrónicos e aos filmes

─ para fazer uma caricatura do que foi, outrora, uma civilização preeminente e

uma fé que perdura no seu coração”.

Deve, aqui, advertir-se, em termos históricos, que o declínio dos

impérios Otomano e Mongol já se registava antes do colonialismo ascendente

da Civilização Ocidental. Na verdade, a Imprensa (os tipos móveis) descoberta

por J. Guttenberg (1399-1468) foi por eles recusada, durante dois séculos e

meio. O que pode explicar, igualmente, por que os Muçulmanos falharam na

Page 65: Manifesto sobre a Educação

65

sua adesão à Revolução Industrial, aos sistemas bancário e de segurança, às

companhias de produção e distribuição, que proliferaram na Europa e no

Ocidente, em geral.

Assim, tem razão Haqqani, quando escreve (ibidem): “A fraqueza

corrente do mundo muçulmano, contudo, não encontra a sua inteira explicação

nessa Falta que foi o colonialismo do Ocidente e as maquinações pós-

coloniais. Durante um século ou mais, a superação dessa fraqueza tem sido a

força condutora por detrás de quase todos os maiores movimentos políticos no

mundo islâmico, desde o Pan-Arabismo ao Islamismo contemporâneo. No

entanto, os muçulmanos não têm feito, praticamente, esforços sérios para

entender as causas e os remédios do seu declínio ao longo dos últimos 300

anos. Ultrage e ressentimento ─ e a teoria da conspiração que os enforma ─

são substitutos pobres para compreender as razões pelas quais a glória

perdida do Islão teve tantas dificuldades em ressurgir”. ─ Apesar da verdade

histórica que vem em seu abono, o tom do discurso do nosso Autor ainda

incensa objectualmetne a Cultura do Poder-Condomínio (porventura, sem disso

dar conta…).

Perante a hegemonia ascendente e a ‘omnipotência’ do Ocidente

(cristão!...), foi quase natural que o universo islâmico se fechasse, na sua

mundividência, sobre si mesmo, até cair no narcisismo e na paranóia, ─ um

Islão que surge viçoso, nos sécs. VII/VIII, precisamente em anteriores áreas

geográficas da Cristandade, para corrigir erros de palmatória e fazer apelo ao

bom senso crítico. Não esquecer que os islâmicos se vêem a si mesmos,

através da Ummah, como uma só nação, que se contrapõe ao resto do

Mundo…

Saiu recentemente um livro de um académico indiano islamista, Abdul

Hasan Ali Nadwi, com o título em inglês: ‘Islam and the World: The Rise and

Decline of Muslims and Its Effect on Mankind’. A edição árabe do livro em

causa ostentou, desde logo, um título substancialmente diferente: ‘What the

World Lost by the Decline of Muslims’. O fechamento e o narcisismo são

patentes. E um dado é certo: sem uma gramática de

objectividade/universalidade, não é possível sair do cerco/curto-circuito do

narcisismo e da paranóia. Desta sorte, “a indústria do ultraje assegura que os

muçulmanos continuem a censurar os outros pela sua condição, enraivecendo

sobre a sua impotência, em lugar de darem a prioridade às questões

económicas, políticas e sociais” (Haqqani, ibi, p.21).

Aqui chegados, vale a pena gastar uns minutos de reflexão crítica

(comparativa) em torno das Vantagens (reais) da Cultura/Civilização do

Ocidente, que lhe granjearam, na Modernidade, o seu pioneirismo e

ascendência, em confronto com as outras Civilizações/culturas. Falamos, aqui,

Page 66: Manifesto sobre a Educação

66

obviamente, de vantagens estruturais/estruturantes, que possam fazer caminho

histórico em justiça e verdade.

Forte//Fraco; Vencedor//Vencido. Estas díades (hierárquico-

monádicas) existem de modo bem assinalado, ao longo da História, na

Cultura/Civilização islâmica. Mas elas também estão presentes (com

consequências trágicas…) na Cultura/Civilização do Ocidente, e, em maior ou

menor grau, nas restantes grandes Civilizações. São, afinal, categorias

destiladas pela (comum) sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord.

Quando esta Cultura da Conquista e Dominação está presente como

ideologia societária corrente, as consequências e os resultados não podem ser

outros. De resto, todas as religiões institucionalizadas, qua tais, alimentam esta

pecha…

Ora, as Vantagens reais e verdadeiras do Ocidente (à rebelia de todas

as mundividências ancoradas na Potestas d’abord) têm duas fontes distintas

mas conjugadas: A) a filosofia gnóstica do Socratismo e do Jesuanismo, que

descobriram e identificaram, nos dois campos (no da Verdade e no da Justiça),

o caminho certo a seguir: a lei (lugar de encontro das pessoas), na sua

dimensão objectiva (não objectual) e universal, capaz de jungir o uno

(identitário) e o múltiplo; a lei natural-universal, em suma.

B) Nos inícios da Idade Moderna ocidental (também como resultado dos

Descobrimentos transoceânicos…), surdiram as chamadas ciências positivas

e experimentais (coadjuvadas pela Mathesis como saber exacto). Estas

vieram a fazer caminho em duas direcções: ─ o da Ciência (pura) no plano

teorético; ─ e o das diversas ciências aplicadas. Enquanto as segundas logo

pagaram tributo à Ideologia dominante da Potestas d’abord (e estão na origem

do colonialismo e do imperialismo modernos ocidentais), a primeira ─ a

Ciência no plano teórico ─ manteve-se no horizonte objectivo-universal (não

objectualista) do Conhecimento, portanto, no Plano da Lei Natural Racional, re-

fractário, por definição, a toda a sorte de conquista e dominação.

Este horizonte da novel Ciência (na esteira da Filosofia gnóstica)

constituiu a perspectiva fundadora da vera Igualdade, esperada/futura, de

todos os Seres humanos livres, na órbita do Conhecimento, onde, desta

maneira, não há forte nem fraco, vence-dor nem vencido, e se podem,

efectivamente, encontrar (ou recuperar) as leis objectivas e universais, que

regem o Universo e os Humanos.

Não esquecer que foi nesse horizonte que a Filosofia gnóstica de

Sócrates e de Jesus descobriram e implantaram o Projecto da busca e

identificação da Verdade em Diálogo e da Justiça e do Justo em Diálogo

social/societário. Neste horizonte ─ como é óbvio ─ foi ultrapassado,

definitivamente, aquele esquema estrutural diádico (mas, na realidade,

hierárquico-monádico) do forte e do fraco, do vencedor e do vencido, porque a

Page 67: Manifesto sobre a Educação

67

gramática da Cultura, que aí se impõe, é a da Liberdade Responsável

primacial e primordial dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos.

Para completar este nosso painel comparativo/criticista, é mister

acrescentar o seguinte: a Cultura/Civilização do Ocidente (ao dar guarida ao

filão mais autêntico e nuclear das suas fontes históricas) não terá

possibilidade/capacidade de pôr em marcha as mensagens (geminadas) do

Socratismo e do Jesuanismo, em termos metodológicos, enquanto não

adoptar, no seu andor procissional, a teoria/doutrina da Dualidade Epis-

témica (contra o tradicional e useiro/vezeiro Monismo Epistémico), que nós

fizémos questão (no CEHC) de clarificar e defender, no nosso Livro ‘Honest to

God ─ Já Não… Honest to Humans ─ Ainda Sim!...’ (Edições Alpharrabio, São

Paulo, 2002). A saber: Há duas Epistémes distintas e inconfundíveis: a que é

própria e específica das ciências físico-naturais; e a que é própria e específica

das ciências psico-sociais e/ou humanas.

De outra maneira, continuará a tragicomédia da ‘cartilha dos dois pesos

e duas medidas’ e a separação abissal entre o plano da Teoria e o plano da

Praxis e das Práticas societárias. Continuará em vigor a cartilha (insensata) do

‘Homo Sapiens tout court’. Como tinha razão Bernard Shaw, ao gritar a

denúncia satírica: ‘Quem sabe faz; quem não sabe ensina’!... E razão tinha,

igualmente, Henri Bergson ao proclamar a máxima orientadora: ‘Pensar como

homem de acção; agir como homem de pensamento’.

● Em que órbita funciona o C.E.H.C.? ─ Desde logo, na sua fonte e base

(de índole psico-sócio-antropológica), ergue-se, firme, a Cultura da Liberdade

Responsável primacial e primordial (contra a tradicional Cultura antipódica

do Poder-Dominação d’abord, que se exprime na apropriação, na conquista,

no saque e na pilhagem, ─ Cultura de violência e guerra em vez de paz).

Mas há sempre problemas cruciais (edge problems), que é preciso

encarar e resolver, adequadamente. Entre eles, está o de saber lidar com

acontecimentos dramáticos ou trágicos, por exemplo, aqueles cujas raízes de

violência e sanha persecutória se acham (com alguma frequência), no ‘universo

fechado’ do Islão (com ca. de 1,5 mil milhões (ou billions, à inglesa…) de

crentes/aderentes no Mundo). Seja aqui recordada a ‘fatwa’ do Imã Ayatollah

R. Khomeini, contra o romance de Salman Rushdie, ‘The Satanic Verses’,em

1989. Já em 2012, (23 anos depois da ‘fatwa’), foi dado à estampa um novo

romance de S.R., com o título ‘Joseph Anton: A Memoir’, ─ uma narrativa

entretecida pela história da sua vida clandestina, em regime de exílio protegido

na G.B., durante todo o tempo que duraram os efeitos da ‘fatwa’ (cf.

‘Newsweek’, 24.9.2012, pp. 18-24).

Page 68: Manifesto sobre a Educação

68

Mais dois casos ‘exemplares’, em que (os) islâmicos foram tomados pelo

sentimento de um ultraje enraivecido: a chamada ‘Danish Cartoons

Controversy’ (as célebres caricaturas dinamarquesas, em 2005); e, mais

recentemente, o ‘Wilders’s Controversial ‘Fitna’ Film’ (cf. artigo de Ayaan Hirse

Ali, in ‘Newsweek’ cit., pp.20-24).

Um Quadro-resumo, crítico-analítico, da situação: ─ “My friend Theo

reportedly asked his assailant ‘Can’t we talk about this?’” (ibi. p.21). ─ Há,

indiscutivelmente, uma proeminente tendência incoerente para, ao mesmo

tempo, defender a liberdade de expressão e condicionar os seus resultados

reais (ibidem). Ora isto mesmo, esta duplicidade foncière, é uma consequência

directa da Cultura do Poder-Dominação d’abord. ─ Mesmo sobre o caso de

S. Rushdie, que se considera amigo e não inimigo do Islão: foram defensores e

amigos seus, durante o seu exílio protegido na G.B., que lhe respondiam,

recorrentemente, desta sorte: ele só tinha que lamentar a fatwa, e que algo

poderia ter sido feito para a evitar… Em conclusão, os seus amigos e

defensores não defendem como inalienável o direito à livre expressão pessoal

(desde que se esteja convencido do afirmado e se respeitem minimamente os

outros). São ainda vítimas do Poder-Condomínio e sua Cultura tradicional

(que é própria de todas as religiões insti-ucionalizadas).

─ Em torno do caso do assassinato de Theo van Gogh, o que a opinião

corrente diz e repete é o seguinte: ‘claro, matar é mau, mas Theo foi um

provocador’… Ora, o que nesta situação paradigmática se está exprimindo, é a

tese de que, em tais situações, é preciso sempre pedir desculpa pelas ousadas

liberdades de expressão!... (Cf. ibi, p.23). Que ficou pressuposto, na

contenda?... Que se continua a ignorar (é um enigma…) o tertium datur, entre

as duas partes antagónicas: ou seja, há uma Objectividade/Universalidade

(ao nível da Discussão/Diálogo e das Inteligências), comum, onde as duas

partes em litígio se podem encontrar.

─ Atente-se no veredicto sobre a não-publicação dos ‘cartoons’, emitido

pela Yale University Press: “And the cartoons are deliberately grotesque and

insulting, gratuitously so. They were designed to pick a fight. They meant to hurt

and provoke. At best, they are in bad taste. The Press would never have

commissioned or published them as original content” (ibidem).

Constitui, na verdade, uma insensatez e uma loucura procurar extrair

leis para as questões humanas, a partir dos deuses e dos profetas (cf. ibi,

p.24). É por aqui, por esta propedêutica, que deve começar toda a Discussão

séria sobre estas matérias e afins. A alternativa ─ lembra o Autor do artigo em

pauta ─ é manter os ideais da regra da lei e a liberdade de pensamento, de

adoração e expressão. E Ayaan Hirsi Ali lembra, ainda, a frase célebre de

Voltaire em jeito de ícone: “Eu desaprovo tudo o que dizes, mas defendo até à

morte o direito de o dizeres”!

Page 69: Manifesto sobre a Educação

69

Acerca do Filme americano sobre o Profeta (acima referido), lançado na

Internet, que o mundo da Francofonia designou, mais explícita e ironicamente,

sob o epíteto ‘L’Innocence des musulmans’, ‘Le Monde Diplomatique’ (Out. de

2012 p.20) falou, justamente, de uma Indignação selectiva, que, a nosso ver

(no C.E.H.C.), é bem a característica suprema da estratégia ‘dos dois pesos e

duas medidas’ da Cultura/Civili-zação do Ocidente e de todas as outras, que

prosseguem funcionando segundo a cartilha do Poder-Dominação d’abord.

Em resumo, os ‘cartoons’ de 2005 e o Filme, agora em discussão, abalaram as

capitais árabes e desencadearam mais manifestações no mundo islâmico, do

que a ocupação americana de Bagdade ou a persistência das agressões

israelenses contra os Palestinianos. Assim vai o Mundo!...

As’ad Abu Khalil faculta-nos o esquema das explicações da linha e do

sentido dos acontecimentos (ibidem): “No conjunto do Próximo-Oriente, é viva

a concorrência entre os salafistas e os Irmãos muçulmanos. Em numerosos

países ─ Síria, Tunísia, Egipto, etc. ─, esta competição exprime as rivalidades

entre a Arábia Saudita, que apoia os primeiros, e o Qatar, que apoia os

segundos. Em razão do apadrinhamento de Riyad, os salafistas são reticentes

em tomar posição sobre as grandes questões: a justiça social, a ocupação

estrangeira, a Palestina. Em contrapartida, a defesa do Islão, do seu Profeta e

de um código moral estrito não envolve qualquer perigo. Os salafistas

manifestam-se sobre estes temas, com tanto mais força quanto eles podem

acusar os Irmãos muçulmanos de dar mostras de pragmatismo político e de

laxismo”. ─ Com efeito, quando é a Potestas d’abord que vai ao timão da Nau

civilizatória, a Verdade e as convicções pessoais já não interessam para

nada… a não ser para resistir aos Poderes Estabelecidos e aos Ditadores.

“Por seu turno, os media ocidentais ─ conservadores ou progressistas ─

expri-mem a sua recusa de qualquer expressão islamista, mesmo muçulmana.

As manifestações no mundo muçulmano, em lugar de levar os países

ocidentais a rever a sua política, acarretam consigo um endurecimento. Ironia

da sorte, o fanatismo dos muçulmanos salafistas alimenta os islamófobos

ocidentais, e vice-versa” (idem, ibidem). ─ Dir-se-ia que os veros problemas

sociais podem esperar pelas calendas gregas… no mundo ocidental e no

mundo islâmico, bem como nos restantes!... A tragicomédia do Mundo em

marcha para o ‘Apocalipse’ final…

● A Cultura/Civilização do Ocidente está, estruturalmente, inibida e

impedida (!...) de ajudar a resolver o Conflito (nuclear) do Médio-Oriente (entre

o Estado de Israel e os Israelenses, dum lado, e do outro, os Palestinianos e o

mundo árabe) e, por essa via, a problemática global do Desconcerto do Mundo,

por duas ordens de razões estruurais (de acordo com a gramática do

C.E.H.C.): A) A Cultura do Poder-Dominação d’abord (que é o primeiro

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70

motor que a alimenta…) e o seu 1º postulado: a estratégia ‘dos dois pesos e

duas medidas’. B) O Dualismo metafísico-ontológico, procedente de Platão e

das Cristandades de Paulo, o qual continua a nutrir toda a sua arquitectura

ideológica.

O essencial da Resolução nº 242 do Conselho de Segurança

(Internacional) da O.N.U., de 22 de Novembro de 1967 (havida na oitava da

chamada ‘guerra dos seis dias’, (onde Israel cantou vitória exuberante…),

rezava o seguinte: “O Conselho de Segurança […] sublinha […] a necessidade

de uma paz duradoura e justa, que permita a todos os Estados da região

viverem em paz […]. Corrobora […] o estabelecimento de uma paz justa e

duradoura […], que deve incluir os seguintes princípios:

Retirada das forças armadas israelitas dos territórios ocupados durante

o período do conflito, cessação de qualquer declaração de guerra e estado de

guerra, o respeito e o reconhecimento da soberania da integridade territorial e

da independência política de todos os Estados da região e do seu direito a

viver em paz, dentro de fronteiras seguras, respeitadas e livres de qualquer

ameaça e violência […]”. (Cf. ‘História Universal’, 2º vol., parte IV, p.478, edição

do Círculo de Leitores/Selecções do Reader’s Digest, 1994). ─ Pias intenções,

que não foram cumpridas, como é sabido…

Uma declaração israelense de 1982, emitida por Yitzhak Shamir,

Ministro dos Negócios Estrangeiros, estabelecia laconicamente: “Com a

cedência da península do Sinai […], Israel percorreu um vasto caminho até ao

cumprimento […] da resolução nº 242 do Conselho de Segurança […]. Deve

recordar-se que a península do Sinai constitui 90% do que se alcançou durante

a Guerra dos Seis Dias” (ibidem).

No fundo de toda a problemática estrutural, de ordem real e concreta e

também ideológica, do Conflito (ainda hoje/2012 por resolver) do Médio-

Oriente, está, sem dúvida, a contradição institucional, criada ao nível da

própria O.N.U.: no encalço da IIª G.M., a O.N.U. criou o Estado de Israel,

procurando dar uma pátria/mátria aos judeus dispersos pelo Mundo. Em 1947,

a Assembleia Geral das Nações Unidas deu o seu acordo à divisão da

Palestina e à criação de dois Estados: o de Israel (Judaico) e o Árabe-

Palestiniano. Em 1948, é proclamado, por David Ben Gurion, o Estado de

Israel; e em 1949, é o ingresso oficial de Israel na O.N.U.. Ora, só em 2011, o

Presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (Mahmoud Abbas) encontrou

condições para avançar com a proposta do Estado palestiniano, na Ass. Geral

das Nações Unidas, quando a O.L.P. e a Al-Fatah já se encontravam mais

flexíveis (do que na anterior situação sob a presidência de Yasser Arafat), em

relação à existência do Estado de Israel.

Entretanto, o objectivo dos Palestinianos era o de conseguirem um

Estado próprio nos territórios (seus) da Palestina. Não puderam

Page 71: Manifesto sobre a Educação

71

(moralmente…) nem quiseram aceitar a proposta, admitida pelos israelenses,

de constituírem um território autónomo, desmilitarizado, nos territórios

ocupados, pelas forças armadas de Israel, desde 1948 a 1967,

designadamente na Jordânia (a chamada margem leste, com Nablus e Hebron)

e no Egipto (Gaza). Neste contexto, não se pode esquecer que a recusa da

proposta (aceite por Israel) tinha um novo fundamento: o comportamento de

conquista e dominação, por parte do seu vizinho, o Estado de Israel, ─ o que

havia conduzido os Palestinianos a nutrir o sentimento e o desejo de eliminar o

Estado de Israel. Ora, foi a própria Assembleia Geral/Plenária das Nações

Unidas que, em 1967, veio a deliberar que os direitos dos Palestinianos deviam

prevalecer. Assim, contrariava-se a própria O.N.U., que havia criado o Estado

de Israel, e, ao mesmo tempo, apoiavam-se os direitos dos Palestinianos, que

pretendiam eliminar o Estado de Israel. Neste caldo de cultura, sionismo e

racismo tornaram-se equivalentes.

O ambiente ideológico de hostilidade entre as duas partes tem

prosseguido até ao presente, com situações e cenas de violência, perseguição

e morte, onde o papel activo é prioritariamente desempenhado pelos

Israelenses e o passivo pelos Palestinianos.

Como os cristãos e os islâmicos, os judeus nunca abandonaram a sua

mística e a sua ideologia da Cultura do Poder-Condomínio. Vítimas do

Holocausto nazi (a Shoa hebraica: falaram os historiadores de 6 milhões,

outros de 10 milhões…), os Judeus, quando se viram congregados

historicamente, no que chamaram a sua antiga pátria//mátria, tudo fizeram para

a defender, conservar e expandir (um pouco à semelhança da expansão nazi

do ‘Lebensraum’): compra de terrenos e casas e fundação de colonatos; muros

(de separação) de arame farpado e de betão. Policiamento e vigilância, por

parte de piquetes das Forças armadas, sistematicamente de armas na mão

contra as populações das aldeias palestinianas. Ameaças de toda a sorte sobre

os Palestinianos, inclu-sive para os inibir e impedir de fazerem manifestações

na rua. De vítimas, os Israelenses passaram a dominadores e agressores

(como manda o catecismo da Cultura da Potestas d’abord: em esquema de

vendetta).

A propósito do Holocausto judaico, por parte dos nazis, e,

paralelamente, do Ho-locausto dos palestinianos, por parte dos judeus, convirá

lembrar que a chamada ‘lava-gem da história’ constitui um Erro e um Crime,

contra a vera e autêntica História, os quais têm a sua base na perversa teoria

nietzscheana do ‘eterno retorno’ e na doutrina geminada da Cultura do Poder-

Dominação d’abord; além disso, ela constitui um atentado grave contra o

espírito objectivo-universal da Humanidade.

Depois da ‘guerra dos seis dias’ (em 1967), veio a guerra do ‘Iom Kippur’

(em 1973), entre Israel, dum lado, e do outro, o Egipto de Sadate e a Síria, que

Page 72: Manifesto sobre a Educação

72

resolveram atacar o 1º de surpresa. Foi a chamada guerra israelo-árabe. Israel

(que saiu vencedor) anexou mais alguns territórios aos que havia conquistado

em 1967. Finalmente, vieram os acordos de Camp David/Washington D.C., (em

17.9.1978), onde foi assinado um tratado de paz, um armistício, como impõe a

cartilha, com o patrono (U.S.A.) a argumentar que tinha de ser assim, ou seja,

a solução tinha de ser política, não militar; e, além disso, porque, de contrário,

se esperava a intervenção da U.R.S.S. e, por essa via, uma guerra nuclear

mundial. A paz de armistício entre os dois contendores da guerra do ‘Iom

Kippur’ foi assinada… ─ Hoje/2012, ainda não temos dois Estados autónomos,

a conviverem pacificamente na antiga Palestina. Até quando?!...

*

● Há uma âncora na Nau do C.E.H.C. (para toda a sorte de odisseias

em que se empenha), que dá pelo nome compósito: o Psico-Sócio-

Ânthropos. Nomear a realidade e identificá-la, de modo crítico e holístico (não

‘en miettes’, como tem feito a Modernidade ocidental, estigmatizada pelo

método e o espírito cartesianos), é mesmo importante e decisivo. Nunca será

demais, contemporaneamente, sublinhar esta temática e o respec-tivo

argumentário.

Vamos recuperar e transcrever, a propósito, um pequeno texto de Alexis

Carrel (Nobel da Medicina/1912), a partir do seu livro ‘O Poder da Oração e

Seus Efeitos’ (Edição comentada por Médicos Portugueses), (Coordenador da

Edição Portuguesa: Cândido Ferreira), Largebooks/Editora, 2012, pp.15-16): “A

Nós ─ homens do Ocidente ─ a razão parece-nos muito superior à intuição,

preferimos grandemente a inteligência ao sentimento. A ciência irradia, ao

passo que a religião extingue-se. Seguimos Decartes e abandonamos Pascal.

“Desta maneira, procuramos primeiramente desenvolver em nós a

inteligência. Quanto às actividades não intelectuais do espírito, tais como o

senso moral, o senso do belo e ─ sobretudo ─ o sentido do sagrado, são

desprezados por forma quase completa. A atrofia destas actividades

fundamentais torna o homem moderno um ser completa-mente cego, e essa

enfermidade não lhe permite ser um bom elemento constitutivo da sociedade. É

à má qualidade do indivíduo que temos de atribuir o desmoronamento da nossa

civilização. De facto, o espiritual torna-se tão indispensável ao bom sucesso na

vida, como o intelectual e o material. É, portanto, urgente fazer renascer em

nós mes-mos aquelas actividades mentais, que, mais do que a inteligência, dão

força à nossa per-sonalidade. E a mais ignorada dentre elas é o sentido do

sagrado ou o sentimento religioso”.

Page 73: Manifesto sobre a Educação

73

Aqui, o sino da Aldeia (global…) toca um Alerta, que te revela uma

mensagem, tradicionalmente esquecida e oculta: Não é a religião que é ‘o ópio

do povo’ (como pretendia K. Marx); são as religiões institucionalizadas qua

tais, precisamente por causa da ‘duplicidade’ do Poder, que elas configuram,

na sua actuação e exercício.

Numa tonalidade assertiva e num estilo ad hominem, Cândido Ferreira

escreveu aí, com toda a justeza (p.82): “Mas não foi com Carrel que

aprendemos que a Humanidade evolui facilmente em tecnologia, mas não

intelectualmente, desfasamento que tende a degenerar a sua própria essência?

E que se o Homem não for à procura de si próprio, se afastará do Mundo e

cairá no abismo, um dos grandes paradoxos da actualidade?”

─ Quanto tem, hoje, a aprender a Humanidade, a partir das religiões

ancestrais do Oriente e, muito em particular, das Grandes Escolas de Atenas e

Alexandria, onde os veros Gnósticos (como Sócrates e Jesus), ao

defenderem a sintonia estrutural e profunda entre os Humanos e o Universo,

assinalaram, ipso facto, a via certa e segura, para a realização da Humanidade:

a união indissolúvel da Justiça e da Verdade, do justo e do verdadeiro. E aí, o

diálogo socrático (fundador da vera e justa Sociedade) só pode fazer o seu

caminho, sob a bandeira do primado da Justiça sobre a Verdade. (Uma via que

se acha, afinal, nos antípodas do Mundo configurado por Bento XVI, na sua

encíclica ‘Charitas in Veritate’ (de 29 de Junho de 2009).

● A Lição que veio da Islândia!...

Há cerca de 4 anos em inícios de bancarrota financeira geral, a mais

antiga Democracia do Mundo ocidental (sem falarmos da Democracia

Ateniense de Péricles), (o seu parlamento designado de ‘Alting’ data de 930),

deu sinais excepcionais de vida, que bem podem configurar-se num padrão a

ser retido pelos regimes democráticos: moveu um processo, por incompetência

funcional e fraude, ao seu Primeiro Ministro, o qual veio a ser condenado. Os

três principais Bancos do país foram nacionalizados; e sob o mandato imediato

do Povo, em referendo, 25 personalidades cidadãs elaboraram uma

Constituição política, para pôr o regime democrático a funcionar em estilo

(predominante) de Democracia directa, ou seja: a organização política dos

Poderes societários procede das bases comunitárias para o topo, e não, a

contrario, (como é tradicional nas democracias representativas indirectas), do

vértice para as bases populares.

Em tal esquema ─ já se pode lobrigar ─ tornou-se óbvia a ‘dispensa’ dos

Parti-dos políticos tradicionais. Desta sorte, a nova Constituição Republicana e

Page 74: Manifesto sobre a Educação

74

Democrática da Islândia vai ser referendada pelo Povo nas urnas, nas

próximas semanas. (Informação elaborada, a partir dos noticiários da RTP/1,

em 19.10.2012).

─ Hodiernamente, alarga-se, cada vez mais, a atmosfera ideológico-

cultural das chamadas ‘artes do Protesto’ (na esteira dos movimentos de

‘Indignados’ dos últimos anos, especialmente desde 2008, quando a Crise

económico/financeira actual deflagrou à escala internacional); ─ essa

atmosfera exprime-se, hoje, nas mais diversas manifestações

massivas/multitudinárias, em espaços ‘institucionais’ que já não são enquadrá-

veis nas quadrículas habituais dos Partidos e das Organizações sindicais (cf.

‘Expres-so’/Rev., 20.10.2012, pp.26-34). Em alguns casos, até os polícias se

oferecem para aju-dar e colaborar, voluntariamente, com os manifestantes, ─

claro, fora das suas horas de serviço.

Sinais dos tempos!... Dir-se-ia que a geometria societária das

democracias repre-sentativas liberais, se não se acha já em vias de extinção,

estará pelo menos a deixar abrir novos espaços, para as práticas (fecundas e

com futuro) da gramática da ‘Democracia directa’.

● “Avassalados por cíclicas crises de emprego, habitação, produção e

consumo, continuamos a esperar dos conclaves de ‘experts’ a descoberta de

um modelo de organização sócio-económica, que seja mais do que um

ansiolítico ou cantiga de embalar” (Leonel Cosme, in ‘A Página da Educação’,

Outono de 2012, p.83).

● “Percebendo a Anarquia e a incapacidade dos Estados, os

‘organizadores’ sem rosto do Mundo não estão preocupados. Há quem governe

e se governe muito bem. A Ética não é um sistema de regras, e mesmo que o

fosse, quem imporia ética a este ‘governo’ sem Estado nem rosto?” (Carlos

Mota, ibi, p.86).

● “As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a

conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a

realidade”. (António Nóvoa, ibi, p.90). ─ A consciência in actu exercito

(acrescentamos nós). Por isso, o próprio Fernando Pessoa enganou-se no

aforismo por ele cunhado e, hoje, muito divulgado: ‘a memória é a consciência

diferida no tempo’. Ora, a consciência, enquanto tal, não pode ser diferida… ela

só é e actua in actu exercito.

E, em defesa da Democracia e do regime democrático, deverá saber-se

que “a arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade”.

(António Nóvoa, ibidem). Vítor Gaspar (o super-ministro das Finanças

português) deveria meditar nesta frase de A.N., quando proclama que é muito

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75

reduzida a margem de manobras de altera-ção para o actual ‘O.G.E.’ de

2013!... Portugal tornou-se um protectorado da sra. Merkel da Alemanha.. E a

U.E. está a desfazer-se; não apenas a ‘zona euro’.

Poderá Barack Obama (no caso de vir a ser reeleito Presidente, em Nov.

próximo, ─ o que nós desejamos…) carrear consigo alguma nova esperança

para o Mundo, à escala global?!...

“A questão das desigualdades económicas está no centro do Debate

público americano. O presidente Barack Obama agarrou o tema num discurso

pronunciado em Dezembro de 2011, no Kansas, ao criticar a ideologia do

mercado livre e ao insistir na necessidade de obrigar os ricos a pagar mais

impostos e regular a finança. Utilizando uma imagem popularizada por ‘Occupy

Wall Street’, ele salientou que os rendimentos dos 1% mais ricos haviam

dobrado ao longo do último decénio”. (In ‘Manière de Voir’, Out.-Nov. de 2012,

dedicada ao tema: ‘Où Va l’Amérique?’, p.40).

*

● Respigando o tema do Despotismo iluminado, que se configura nos

antípodas tradicionais do novo Modelo da ‘Open Society’ (popperiana) e da

Sociedade baseada na Cultura da Liberdade Responsável primacial e

primordial, preconizada e projectada (criticamente) pelo C.E.H.C.:

─ O emblema supremo dos juízos críticos avaliativos do fenómeno do

Despotismo iluminado, é a frase conhecida de Deolinda: ‘Que mundo tão

parvo que, para ser escravo, é preciso estudar’!...

─ Onde está a ‘Pedagogia da AUTONOMIA’, defendida e promovida

(magis-tralmente) por Paulo Freire e tantos outros Companheiros na mesma

Luta (e sempre esquecida e ignorada pelos Poderes constituídos nos Sistemas

Educativos e respectivas Escolas…)?!...

─ Diálogo entre Hamlet e Polonio: ‘What do you read, my lord? ─ Words,

words, words’. Prisioneiros da linguagem e do discurso… não nos confundimos

com a realidade nua e crua, mas acabamos, demagogicamente (nas vertentes

activa ou passiva…), por misturar-nos com ela… e, no fim, sempre incapazes

de a transformar!... Nesse contexto, o nosso discurso tornou-se,

sistemicamente, mono-hierárquico e esclava-gista. Já não sabe dialogar… E

não haverá salvamento/salvação fora do Diálogo e do Conceito socráticos e

fora da Justiça jesuânica.

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76

*

● Em nome da Cultura da Liberdade Responsável primacial e

primordial.

A gramática (veneranda) desta Cultura (nos antípodas do ‘livre arbítrio’,

a ‘lei do pêndulo’ tradicional, que foi glosada por Paulo, Agostinho, Lutero,

Erasmo e tutti quanti da Modernidade ocidental) permite e promove a vera

praxis ética e política de: a) respeitar e cumprir os princípios e os parâmetros

de uma autêntica Sociedade Aberta (contrária à Sociedade fechada e

censória, mesmo a modernamente controlada por toda a espécie de meios de

‘video-vigilância’…); e b) levar a bom porto este Projecto, numa atmosfera de

acrisolado respeito pelos outros, nossos semelhantes (muito embora te-nham

opiniões diferentes e até contrárias às nossas), sem ameaças nem

provocações. É que, em termos epistémicos e metodológicos, em tudo o que

faz parte do Universo humano, é imperioso ter em conta, na apreciação e

julgamento, (duplamente), tanto o cumprimento dos objectivos pretendidos,

como o modus faciendi dos agentes (pessoas do-tadas de consciência)

cumpridores.

─ “Se não podeis eliminar a injustiça, pelo menos contai-a a todos”. (Ali

Sharia-ti, citado por Shirin Ebadi, a iraniana do Prémio Nobel da Paz, em

2003).

─ “Perderei a minha utilidade, no dia em que abafar a voz da minha

consciência em mim”. (Mahatma Gandhi).

─ “Não há nada que entretenha mais do que a verdade. Sempre me

senti fascinado com a linha ténue que separa a verdade da ficção”. (Dan

Brown).

─ Na série de desenhos desse grande artista espanhol, que foi Goya,

titulada ‘Os Caprichos’, dá-se conta de um homem que está dormindo, e por

cima dele voam criaturas nocturnas que amedrontam. O título do desenho é,

sintomaticamente, ‘O Sonho da Razão Produz Monstros’. Mas, hoje, é preciso

lembrar que, na galáxia da Cultura do Poder-Condomínio, que faz da Guerra

um meio para conseguir a ‘paz’ (de armistício…), há crimes cometidos de

ambos os lados: no horizonte dos vencedores e dos vencidos. Eis por que o

postulado a extrair, como Lição, do desenho de Goya é o imperativo categórico

de mudar de Cultura: da tradicional (em que sobrevivemos…), para a

nova/futura Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial.

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77

─ “Viver com dignidade, hodiernamente, é resistir, sistemicamente, à

monstruosidade societária, global e ambiente”. (Manuel Reis). ‘Quem cala

consente’ ─ diz o adágio português, que tem a sua correspondência na máxima

alemã: ‘Wer schweigt macht sich schuldig’. E noutras línguas ocidentais…

porquanto já no Latim/língua mãe das novi-latinas, se encontra o parergo: ‘Qui

tacet consentire videtur’.

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E P I T Á F I O Sobre a Potestas/Dominação d’abord

(Manuel António Pina in:

‘TODAS AS PALAVRAS/poesia reunida’

(1974-2011), Assírio & Alvim, Portugal/2012, p.183)

D’après D. Francisco de Quevedo

Também eu ceei com os doze naquela ceia

em que eles comeram e beberam o décimo terceiro.

A ceia fui eu; e o servo; e o que saiu a meio;

e o que inclinou a cabeça no Meu peito.

E traí e fui traído,

e duvidei, e impacientei-me, e descartei-me;

e pus com Ele a mão no prato e posei para o retrato

(embora nada daquilo fizesse sentido).

Não subi aos céus (nem era caso para isso),

mas desci aos infernos (e pela porta de serviço):

comprei e não paguei, faltei a encontros,

cobicei os carros dos outros e as mulheres dos outros.

Agora, como num filme descolorido,

chegou o terceiro dia e nada aconteceu,

e tenho medo de não ter sido comigo,

de não ter sido comido nem ter sido Eu.

Page 79: Manifesto sobre a Educação

79

Nota de Enquadramento:

O poema/síntese crítica de M.A.P. levou o título supra justamente

inspirado na mundividência crítica de Francisco de Quevedo (1580-1645); de

modo análogo, esse título também poderia ser inspirado na mundividência

crítica de John Donne (1571-1631). São dois poetas/filósofos criticistas (o 1º

espanhol, o 2º inglês), quase contemporâneos um do outro, que recuperam o

filão mais autêntico da Cultura do Ocidente, o que procede dos Gnósticos

judeo-cristãos primevos. Eis por que M.A.P. (recentemente falecido) procura

recuperar o melhor do Ocidente, em sintonia com a mundividência crítica do

C.E.H.C.. É uma homenagem póstuma.

John Donne, mestre insigne da parenética e cultor da poesia

‘metafísica’, tornou-se um padrão clássico assinalável, tanto na prosa como na

poesia (os seus ‘Divine Poems’ são admiráveis!...), do ritmo da Língua Inglesa.

Em termos filosófico-culturais, é o 1º pensador da Cristandade a falar-nos

expressamente do ‘suicídio de Cristo’. É conhecida a sua tópica princeps: ‘No

man is an island’!

Francisco de Quevedo é um dos grandes clássicos da Literatura

Espanhola: poeta-filósofo, foi um escritor crítico multifacetado: desde a poesia

reunida e compilada in ‘El Parnaso Español’, aos escritos filosóficos e políticos

(in ‘Politica de Dios y Gobier-no de Cristo’, ‘La cuna y la sepultura’), passando

pela sua veia satírica in ‘Los sueltos’, até aos romances picarescos como é o

caso de ‘La historia de la vida del Buscón, llama-do Don Pablos’. Dois

parâmetros balizam a escrita deste mestre: um diapasão crítico-satírico ímpar

e uma exigência ética permanente no sentido da edificação societária de um

sistema político à luz do Evangelho.

N.B.: Um pedido e um recado aos políticos (empregados) do OCIDENTE:

Deixem, de uma vez por todas, as doutrinas mistificadoras e suicidárias das

Hegemonias (regionais ou globais) inevitáveis (que prosseguem pairando no

horizonte… como por ex. na obra de Martin Jacques: ‘Quando a China

Mandar no Mundo: O fim do Mundo Ocidental e o Nascimento de uma Nova

Ordem Global’, Círculo de Leitores, Lisboa, 2012). E comecem a aprender a

olhar para os Estados/Nações em-pé-de-igualdade (jurídica e política),

independentemente do seu tamanho, riqueza e poderio (económico,

tecnológico, militar).

Page 80: Manifesto sobre a Educação

80

Se a sua índole for a do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, aceitarão e cumprirão

a proposta. Se, pelo contrário, estiverem acorrentados ao ‘Homo Sapiens tout

court’, desistirão e, dessa má sorte, só apressarão o apocalipse da

Humanidade…

Guimarães, 23 de Outubro de 2012.

Manuel Reis (presidente do C.E.H.C.).

Lillian Reis (secretária do C.E.H.C.: digitalização e revisão de provas).

Page 81: Manifesto sobre a Educação

81

Í N D I C E

SISTEMAS EDUCATIVOS E ECONOMICISMO CAPITALISTA EM

CURTO-CIRCUITO ............................................................................................. p. 2

─ Textos em exergo ………………………………………………………………. p. 2

1. Em demanda da Noção de Sistema Educativo ………………………………. p. 4

─ O Sistema Educativo é edificado no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou

humanas ………………………………………………………………………... p. 6

─ Os próprios Sistemas Económicos não são determinísticos: eles mesmos são

configurados no horizonte das ciências humanas ……………………………… p. 9

─ Sistemas Educativos (nacionais) ……………………………………………….. p. 12

─ Em busca do realismo crítico …………………………………………………... p. 14

─É preciso balizar e orientar, correcta e adequadamente, o Sistema educativo

nacional ………………………………………………………………………… p. 17

2. A Educação como coluna dorsal de uma Cultura substantiva e fonte e

âncora da centralidade a atribuir aos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos nu-

ma Sociedade democrática, digna do nome ………………………………..... p. 22

*

TEMAS APARENTEMENTE AVULSOS, MAS FUNDAMENTAIS E

DECISIVOS, NO NOSSO ENQUADRAMENTO CRÍTICO ………………… p. 28

Page 82: Manifesto sobre a Educação

82

A: Será a História um campo de batalha?!... …………………………………….. p.29

B: A religião do Economicismo e a laminação dos Sistemas Educativos (nacio-

nais) e dos regimes democráticos ………………………………………………. p. 33

C: As Instituições da Educação e da Cultura (como as da Saúde, da Justiça e do

Direito) não podem ser avaliadas e medidas pela mesma bitola das Empresas

e dos Mercados ………………………………………………………………… p. 39

● É preciso discutir e avaliar, filosoficamente, a famigerada questão da

Competitividade ………………………………………………………… p. 43

● Abrégé/Quadro princeps ………………………………………………… p. 46

D: Cultura Humana/Humanista Radical e Despotismo iluminado: a sua incom-

possibilidade recíproca ……………………………………………………….. p. 52

● O Oximoro da Liberdade/Autoridade (Poder) …………………………. p. 54

● ‘O Paradoxo dos Muçulmanos’?!... …………………………………….. p. 56

● Quadro de funcionamento do C.E.H.C. ………………………………... p. 60

● Erros e Impedimentos da Cultura do Ocidente ………………………… p. 62

● A Lição que veio da Islândia …………………………………………… p. 66

● Em nome da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial . p. 68

● Epitáfio sobre a Potestas/Dominação d’abord ……………………………….. p. 69