Manual Da Publicidade

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Manual da publicidade Frei Betto Induzidos a ser mais consumidores que cidadãos e à crença na idolatria do mercado, hoje tudo parece se reduzir a uma questão de marketing. O presidente pode adotar uma política que favoreça as elites e ignore a questão social. Porém, uma boa máquina publicitária é capaz de torná-lo o mais querido dos homens. Isso vale para o refrigerante que descalcifica os ossos, engorda e cria dependência. Ao bebê-lo, um bando de jovens exultantes sugere que, no líquido borbulhante, encontra-se o elixir da felicidade. A sociedade de consumo é religiosa às avessas. Não há clipe publicitário que deixe de se respaldar num dos sete pecados capitais: soberba, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. A soberba faz-se presente na publicidade que exacerba o ego, como o cigarro com sabor de sucesso, o feliz proprietário de um carro de linhas arrojadas ou o portador de um cartão de crédito que abre todas as portas do mundo (desde que se rasgue o forro do bolso e raspe as economias). A inveja leva as crianças a disputarem qual de suas famílias tem o melhor veículo e atrai o consumidor à fantasia de também ver-se cercado de mulheres ou homens, como se fosse uma pessoa muito atraente. A ira vai do desempenho do lubrificante ao nipônico que quebra o televisor por não ter adquirido algo de melhor qualidade. A preguiça está a um passo dessas sandálias que convidam a um passeio de lancha ou abrem as portas da fama com direito a uma confortável casa com piscina. A avareza reina em todas as poupanças e no estímulo aos prêmios de carnês e loterias. A gula, nos produtos alimentícios e nas lanchonetes que oferecem muito colesterol em sanduíches piramidais. A luxúria, na associação entre a mercadoria e as fantasias eróticas: a cerveja loura como as mulheres que requebram ou exibem seus corpos em reduzidos biquínis; a carnavalização da existência ao som de ritmos afrodisíacos; os olhares lascivos suscitados ao morder o chocolate. E quem faz a contrapropaganda? O contrário da soberba é a humildade; da inveja, o despojamento; da ira, a tolerância; da preguiça, o serviço; da avareza, a partilha; da gula, a sobriedade; da luxúria, o amor. Imagine a publicidade a serviço dessas virtudes! Seria uma revolução. Todavia, o que as pessoas ganhariam em felicidade e harmonia espiritual, o mercado perderia em vendas e hábitos de consumo. Se hoje algo separa o corpo do espírito é a luxúria publicitária, que reduz o modelo a um pedaço de carne bem retalhada, livre de gorduras e pelancas, exposto no açougue do voyeurismo de quem crê que a felicidade resulta da soma dos prazeres. Entra nessa quem não passou da porta dos sentidos para penetrar na alcova do coração. Resultado: as relações tornam-se tão descartáveis quanto a embalagem dos produtos. Com adaptações

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Manual da publicidadeFrei BettoInduzidos a ser mais consumidores que cidados e crena na idolatria do mercado, hoje tudo parece se reduzir a uma questo de marketing. O presidente pode adotar uma poltica que favorea as elites e ignore a questo social. Porm, uma boa mquina publicitria capaz de torn-lo o mais querido dos homens. Isso vale para o refrigerante que descalcifica os ossos, engorda e cria dependncia. Ao beb-lo, um bando de jovens exultantes sugere que, no lquido borbulhante, encontra-se o elixir da felicidade.A sociedade de consumo religiosa s avessas. No h clipe publicitrio que deixe de se respaldar num dos sete pecados capitais: soberba, inveja, ira, preguia, avareza, gula e luxria. A soberba faz-se presente na publicidade que exacerba o ego, como o cigarro com sabor de sucesso, o feliz proprietrio de um carro de linhas arrojadas ou o portador de um carto de crdito que abre todas as portas do mundo (desde que se rasgue o forro do bolso e raspe as economias). A inveja leva as crianas a disputarem qual de suas famlias tem o melhor veculo e atrai o consumidor fantasia de tambm ver-se cercado de mulheres ou homens, como se fosse uma pessoa muito atraente.A ira vai do desempenho do lubrificante ao nipnico que quebra o televisor por no ter adquirido algo de melhor qualidade. A preguia est a um passo dessas sandlias que convidam a um passeio de lancha ou abrem as portas da fama com direito a uma confortvel casa com piscina. A avareza reina em todas as poupanas e no estmulo aos prmios de carns e loterias.A gula, nos produtos alimentcios e nas lanchonetes que oferecem muito colesterol em sanduches piramidais. A luxria, na associao entre a mercadoria e as fantasias erticas: a cerveja loura como as mulheres que requebram ou exibem seus corpos em reduzidos biqunis; a carnavalizao da existncia ao som de ritmos afrodisacos; os olhares lascivos suscitados ao morder o chocolate.E quem faz a contrapropaganda? O contrrio da soberba a humildade; da inveja, o despojamento; da ira, a tolerncia; da preguia, o servio; da avareza, a partilha; da gula, a sobriedade; da luxria, o amor. Imagine a publicidade a servio dessas virtudes! Seria uma revoluo. Todavia, o que as pessoas ganhariam em felicidade e harmonia espiritual, o mercado perderia em vendas e hbitos de consumo.Se hoje algo separa o corpo do esprito a luxria publicitria, que reduz o modelo a um pedao de carne bem retalhada, livre de gorduras e pelancas, exposto no aougue do voyeurismo de quem cr que a felicidade resulta da soma dos prazeres. Entra nessa quem no passou da porta dos sentidos para penetrar na alcova do corao. Resultado: as relaes tornam-se to descartveis quanto a embalagem dos produtos.Com adaptaes