Manual-De-Economia TX de Câmbio

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309 Capítulo 12 – Determinação da Taxa de Câmbio “Não se percebeu a verdadeira natureza do sistema internacional sob o qual vivíamos senão quando ele entrou em colapso. Quase ninguém compreendeu a função política do sistema monetário internacional, e a terrível rapidez da transformação tomou o mundo completamente de surpresa.” Karl Polanyi, A Grande Transformação, 1944 12.1 INTRODUÇÃO Nas economias de mercado, as moedas são, simultaneamente, convenções sociais e instituições reguladas pelos Estados Nacionais. Cabe a estes determinar os parâmetros legais que governam as relações entre compradores e vendedores de mercadorias. Tais relações são expressas por meio de contratos – formais ou informais – que apresentam distintos níveis de complexidade. A moeda (nacional) possui poder liberatório sobre os contratos. Por essa razão, a moeda garante a liquidação de dívidas e a aquisição de bens, serviços e ativos em geral. Portanto, os pagamentos que ocorrem dentro dos países, e os contratos aos quais aqueles se referem, estão sob o anteparo jurídico dos respectivos Estados Nacionais. Usualmente, os pagamentos internacionais também são liquidados em termos monetários. Todavia, não existe nenhuma instância oficial (um “Estado Mundial”) que determine um padrão monetário universal e impositivo, ou seja, não há uma “moeda internacional de curso forçado” 275 . Como os países possuem “moedas diferentes”, a liquidação dos contratos depende da taxa de conversão entre aquelas. Neste contexto, a taxa de câmbio nada mais é do que valor de conversão entre duas moedas distintas. Por exemplo, suponha que, em um momento qualquer, a taxa de conversão entre “reais” – a moeda de curso forçado no Brasil – e “dólares estadunidenses” (ou somente “dólares”, de agora em diante) for de três reais para cada dólar ou US$ 1,00 = R$ 3,00, o que é equivalente a R$ 1,00 = US$ 0,33. Isso significa que um agente econômico operando no Brasil precisa de três unidades de sua moeda (real) para adquirir uma unidade da moeda estadunidense. Na mesma paridade, um agente econômico operando nos Estados Unidos necessitaria de aproximadamente 33 centavos de dólar para adquirir um real. 275 Sobre as vantagens de desvantagens do surgimento de uma “moeda internacional” única ver Bordo e James (2006).

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Taxa de Cãmbio

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    Captulo 12 Determinao da Taxa de Cmbio

    No se percebeu a verdadeira natureza do sistema internacional

    sob o qual vivamos seno quando ele entrou em colapso. Quase ningum

    compreendeu a funo poltica do sistema monetrio internacional, e a

    terrvel rapidez da transformao tomou o mundo completamente de surpresa.

    Karl Polanyi, A Grande Transformao, 1944

    12.1 INTRODUO

    Nas economias de mercado, as moedas so, simultaneamente, convenes sociais e

    instituies reguladas pelos Estados Nacionais. Cabe a estes determinar os parmetros legais que

    governam as relaes entre compradores e vendedores de mercadorias. Tais relaes so expressas

    por meio de contratos formais ou informais que apresentam distintos nveis de complexidade. A

    moeda (nacional) possui poder liberatrio sobre os contratos. Por essa razo, a moeda garante a

    liquidao de dvidas e a aquisio de bens, servios e ativos em geral. Portanto, os pagamentos que

    ocorrem dentro dos pases, e os contratos aos quais aqueles se referem, esto sob o anteparo jurdico

    dos respectivos Estados Nacionais.

    Usualmente, os pagamentos internacionais tambm so liquidados em termos monetrios.

    Todavia, no existe nenhuma instncia oficial (um Estado Mundial) que determine um padro

    monetrio universal e impositivo, ou seja, no h uma moeda internacional de curso forado275.

    Como os pases possuem moedas diferentes, a liquidao dos contratos depende da taxa de

    converso entre aquelas. Neste contexto, a taxa de cmbio nada mais do que valor de converso

    entre duas moedas distintas. Por exemplo, suponha que, em um momento qualquer, a taxa de converso

    entre reais a moeda de curso forado no Brasil e dlares estadunidenses (ou somente dlares,

    de agora em diante) for de trs reais para cada dlar ou US$ 1,00 = R$ 3,00, o que equivalente a

    R$ 1,00 = US$ 0,33. Isso significa que um agente econmico operando no Brasil precisa de trs

    unidades de sua moeda (real) para adquirir uma unidade da moeda estadunidense. Na mesma paridade,

    um agente econmico operando nos Estados Unidos necessitaria de aproximadamente 33 centavos

    de dlar para adquirir um real.

    275 Sobre as vantagens de desvantagens do surgimento de uma moeda internacional nica ver Bordo e James (2006).

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    Ao longo desse captulo analisa-se como as taxas de cmbio so formadas e quais os impactos

    das suas variaes sobre um conjunto de fenmenos econmicos. Assim, por exemplo, as exportaes e

    importaes so afetadas pelo preo de converso entre a moeda domstica e as divisas de referncia. Por

    sua vez, alteraes nos fluxos de comrcio exterior afetam o nvel de renda e emprego, os nveis gerais de

    preo (inflao), e os estoques de riqueza dos agentes econmicos (seus ativos e passivos), etc. Na

    medida em que a taxa de cmbio um preo, seu comportamento determinado pelas condies de oferta

    e demanda por divisas. A oferta de divisas resulta da entrada de cambiais276, a partir das exportaes de

    mercadorias e servios, recebimento de rendas diversas, absoro de investimentos, emprstimos, etc. J

    a demanda de divisas gerada por gastos com importaes de bens e servios, pagamentos diversos,

    remessas de lucros, juros, dividendos, etc. O mercado cambial fortemente influenciado por regras legais

    estabelecidas pelas Autoridades Monetrias e que ampliam ou limitam o acesso utilizao de cambiais277

    e fazem com que as taxas de cmbio sejam mais ou menos afetadas pelas flutuaes na oferta e demanda

    por divisas. Em especial, os regimes cambiais afetam diretamente o comportamento desse preo. Em

    regimes de cmbio fixo, o governo determina o preo de converso da moeda nacional em termos de uma

    divisa-chave. Em regimes de cmbio flexvel a taxa de cmbio responde, fundamentalmente, s variaes

    nas condies do mercado cambial. Por fim, h regimes intermedirios que combinam a interveno do

    Estado e das foras de mercado na formao da taxa de cmbio.

    A taxa de cmbio um preo especial, por pelo menos trs motivos: (i) sua determinao se d

    na esfera macroeconmica, no sendo o resultado do que est acontecendo em somente um setor da

    economia, mas sim no conjunto dos setores, pela interao de muitos agentes econmicos com distintas

    estratgias patrimoniais; (ii) da mesma forma, por ser um preo macroeconmico, suas variaes afetam

    vrios outros preos na economia e, assim, condicionam o comportamento de agentes econmicos e/ou

    setores que, em princpio, no esto diretamente envolvidos com o comrcio ou as finanas internacionais;

    e (iii) pelos motivos anteriores a taxa de cmbio um preo acompanhado de perto pelas autoridades

    econmicas que, em muitas circunstncias, intervm nos mercados, mesmo em regimes cambiais que

    formalmente so de livre flutuao. Em sntese: a taxa de cmbio afeta a vida cotidiana de todos os

    membros da sociedade. Tal influncia to maior, quanto mais elevado o grau de abertura comercial e

    financeira de um pas. Por isso mesmo, os governos, atravs de polticas cambiais e de regulao dos fluxos

    financeiros, procuram interferir na taxa de cmbio, ou se utilizam daqueles instrumentos para tentar afetar

    outras variveis macroeconmicas, como a inflao ou o ritmo de crescimento da renda e do emprego.

    276 Trataremos divisas e cambiais como sinnimos.277 Por exemplo, atualmente (junho de 2007) empresas e famlias no podem ter contas correntes denominadas em moedasestrangeiras para realizar suas operaes cotidianas dentro do pas, etc. No Brasil, os contratos devem ser liquidados emmoeda nacional. Tais regras, dentre outras, afetam a oferta e demanda por divisas no Brasil e determinam o grau deconversibilidade do real. Em outros pases existem distintos graus de conversibilidade das moedas nacionais em termos dasdivisas estrangeiras.

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    12.2 PAGAMENTOS INTERNACIONAIS E CONVERSIBILIDADE DAS MOEDAS

    A taxa de cmbio o preo de converso entre duas moedas quaisquer. Pode-se dizer que

    a taxa de converso entre a moeda brasileira (real) e a moeda estadunidense (dlar) expressa

    pela quantidade de reais necessria para a aquisio de um dlar. Em termos mais gerais, usual se

    utilizar a conveno de que a taxa de cmbio indica quantas unidades da moeda nacional so necessrias

    para a aquisio de uma unidade da moeda estrangeira de referncia. Assim, diz-se que houve uma

    depreciao cambial (no contexto de um regime de cmbio flutuante) ou desvalorizao cambial

    (em um regime de cmbio fixo) quando se necessita mais unidades da moeda nacional para adquirir

    uma unidade da divisa de referncia. Quando isso ocorre temos uma taxa de cmbio mais elevada

    e a moeda nacional com menos valor ou mais fraca. Por exemplo, se no dia 01 de janeiro de um

    ano qualquer a taxa de cmbio de R$ 3,00 para cada US$ 1,00, e, em 31 de dezembro do mesmo

    ano, a nova cotao do dlar atingir R$ 3,30, temos uma depreciao/desvalorizao da ordem de

    10%. Na medida em que necessrio um volume maior de reais para adquirir o mesmo dlar, tem-

    se um enfraquecimento relativo (em termos nominais278) daquele. A apreciao/valorizao cambial

    o fenmeno simetricamente oposto279: menos unidades da moeda domstica so necessrias para

    adquirir uma divisa estrangeira. A taxa de cmbio fica mais baixa e, assim, a moeda nacional torna-

    se mais forte.

    importante lembrar que, como em outros preos em uma economia no, existe uma nica

    taxa de cmbio. H, sim, preos que oscilam em funo de diversos fatores, tais como: o volume

    negociado entre dois agentes quaisquer, onde um grande demandante e/ou ofertante de divisas (moeda

    estrangeira) pode barganhar preos mais vantajosos do que aqueles obtidos por agentes econmicos

    de menor poder de mercado; as condies objetivas (volume transacionado nos mercados vista e

    a termo, evoluo dos principais indicadores macroeconmicos e de desempenho das empresas de

    uma certa economia, etc.) e subjetivas (expectativas com respeito evoluo futura de preos-chave

    na economia, inclusive a prpria taxa de cmbio) de funcionamento dos mercados de moedas; e os

    limites legais impostos pelas autoridades reguladoras dos mercados financeiros, onde se destacam os

    regimes cambiais e o grau de conversibilidade da moeda domstica, vale dizer, da possibilidade

    (maior, menor ou nula) dos detentores de riqueza converterem ativos denominados em moeda

    domstica em ativos denominados em moedas estrangeiras, e vice-versa.

    278 Para saber se, de fato, o Real ficou mais forte ou mais fraco, h que se verificar os diferenciais entre a inflao brasileirae norte-americana no perodo em questo. Isso ser visto na seqncia.279 Assim, suponha que, agora, em dezembro daquele ano a taxa de cmbio fosse de R$ 2,70 por cada dlar. Aqui se diria quehouve uma apreciao/valorizao cambial, ou seja, que o Real ficou relativamente mais forte que o Dlar. Note-se, tambm,que quando o Real se deprecia (desvaloriza) frente ao dlar, este est se apreciando (valorizando) frente ao Real. Ou seja, oenfraquecimento (fortalecimento) de uma moeda tem por contrapartida o fortalecimento (enfraquecimento) da divisa emquesto.

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    A existncia de mercados especializados na negociao de moedas se confunde com o

    prprio desenvolvimento de formas mercantis de organizao social. Estas se caracterizam pela

    produo de bens e servios orientada para a venda em mercados organizados, o que pressupe a

    consolidao de complexos processos de diviso social do trabalho. Nas economias modernas os

    padres monetrios deixaram de se basear na existncia de lastros reais (em ouro ou prata) para

    determinar o valor oficial das moedas ou sua quantidade em circulao. A moeda uma instituio

    social que apresenta, simultaneamente, uma existncia legal que a torna o padro de preos, unidade

    de contas e lhe confere poder liberatrio sobre os contratos econmicos em um espao jurdico

    determinado, que se confunde com a prpria existncia do Estado Nacional.

    At o momento no existe uma moeda internacional que tenha as mesmas propriedades

    legais das moedas nacionais, especialmente no que se refere ao carter compulsrio quando da

    liquidao de contratos. Por isso mesmo, a eleio de uma moeda de referncia se d pela vontade

    manifesta entre compradores e vendedores de bens, servios e ativos financeiros. O que acaba

    transformando uma moeda nacional particular em um padro mais amplo de referncia para contratos

    internacionais e, assim, referncia para as decises individuais de alocao de riqueza, a sua liquidez

    atributo diretamente vinculado ao seu grau de conversibilidade. Um exemplo simples pode esclarecer

    esse ponto. O que impede um exportador sul-coreano de mquinas agrcolas de aceitar Pesos argentinos

    em pagamento por seu produto? Do ponto de vista legal s haveria empecilhos caso os respectivos

    Bancos Centrais proibissem tal modalidade de contrato ou de compensao de pagamentos, o que

    no se constitui em prtica usual nos dias atuais. Assim, por que o sul-coreano preferir receber em

    dlares? Do ponto de vista econmico tal opo perfeitamente racional, na medida em que a

    liquidez internacional do dlar muito superior. Ou seja, o exportador sul-coreano sabe que tendo

    dlares ele poder pagar por bens, servios e ativos em praticamente todos os mercados relevantes.

    O mesmo no ocorre com o peso argentino.

    A liquidez internacional de uma moeda no derivada diretamente do seu grau de

    conversibilidade. O peso pode ser plenamente conversvel, na medida em que residentes e no-residentes

    da Argentina possam celebrar e liquidar contratos na sua prpria moeda ou em uma moeda estrangeira

    de referncia, o que d liberdade plena para os possuidores de riqueza comporem seus portflios de

    ativos e suas dvidas na forma que lhes for mais conveniente. Tal fato, que deve ter um anteparo jurdico

    no espao legal argentino, no torna o peso, necessariamente, um ativo desejado por no-residentes na

    Argentina. Isso porque, pode-se questionar, que utilidade a reteno de pesos poderia ter para um sul-

    coreano que no pretende adquirir bens, servios e ativos financeiros na Argentina? Se com pesos ele

    pudesse pagar os componentes eletrnicos adquiridos por seus fornecedores no Japo e na Sucia,

    talvez at aceitasse receber na moeda argentina. Porm, para que isso ocorresse, os japoneses e suecos

    tambm teriam de ver utilidade na posse de pesos. E assim por diante.

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    Algumas moedas vm exercendo tal papel de divisa-chave ou moeda-veculo. Sua liquidez

    reflete o poder econmico e geopoltico de alguns Estados Nacionais, tais como a Inglaterra do

    sculo XIX e os Estados Unidos a partir da segunda metade do sculo XX. Nesse incio de sculo

    XXI, cerca de 75% das transaes cambiais envolvem o dlar em uma das pontas da operao. Tal

    proporo excede ao peso dos EUA no comrcio ou na renda internacionais, que vem oscilando

    entre 25% e 30%. A confiana dos detentores de riqueza na liquidez do dlar, na solvncia da economia

    estadunidense e na capacidade dos EUA exercerem um papel de liderana tecno-produtiva, financeira

    e poltica ajudam a explicar a centralidade do dlar na economia internacional. Todos estes elementos

    podem vir a se modificar, de modo que num futuro ainda incerto, outras moedas (euro, iene, iuan

    renminbi, etc.) podero ter uma importncia crescente nos mercados globalizados.

    12.3 MERCADO CAMBIAL E TIPOS DE TAXA DE CMBIO

    12.3.1 O Mercado Cambial

    O mercado cambial funciona a partir da interao de inmeros agentes econmicos que

    negociam vrios instrumentos financeiros. Em uma viso simplificada, podem ser considerados os

    seguintes agentes. (i) os ofertantes de cambiais, que so empresas e pessoas fsicas que dispem

    direitos em moeda estrangeira (rendas derivadas de exportaes de bens e servios, de emprstimos

    contrados, investimentos recebidos, etc.), bem como o governo, que atravs do Banco Central ou

    do Tesouro podem ofertar divisas ou contratos financeiros denominados em divisas; (ii) os demandantes

    de divisas (empresas, pessoas fsicas e governos) que tm obrigaes a cumprir em moedas estrangeiras

    ou que desejam realizar investimentos financeiros denominados em ativos financeiros cujo valor principal

    e/ou rendimentos esto atrelados a alguma moeda estrangeira; (iii) os intermedirios financeiros, bancos

    que operam com cmbio, corretoras e demais agentes financeiros que so responsveis pela

    intermediao da compra e venda de divisas e demais contratos financeiros vinculados; (iv) o governo

    (em suas diversas instncias empresas estatais, Banco Central e Tesouro), alm de atuar como

    ofertante e demandante de divisas, estabelece as regras de funcionamento do mercado cambial.

    Os intermedirios so responsveis pela liquidao dos contratos. Em geral, tais transaes

    no envolvem transporte de dinheiro. So operaes de compensao bancria (moeda escritural).

    Por exemplo, se uma empresa brasileira decide importar equipamentos produzidos nos EUA, ela ir

    negociar com seu banco, no Brasil, uma dada taxa de cmbio suponhamos R$ 3,00 por cada dlar.

    A empresa autoriza que o banco debite de sua conta corrente o equivalente aos US$ 300 milhes das

    importaes, ou R$ 900 milhes. O banco brasileiro creditar esses dlares para seu correspondente

    nos EUA. Este, por sua vez, creditar os dlares equivalentes para a empresa exportadora. Os

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    respectivos Bancos Centrais iro registrar dois conjuntos de operaes. No Brasil, a importao

    representa um dbito na conta de mercadorias da Balana Comercial e um crdito na conta de

    haveres de curto prazo. Nos EUA h um crdito na conta de exportaes da Balana Comercial e um

    dbito em haveres de curto prazo. Ambos os registros sero no montante de US$ 300 milhes.

    Este exemplo simplifica uma dinmica que pode ser bem mais complexa. Ele considera

    somente o mercado vista de divisas. No Box A Estrutura dos Mercados Cambiais h um maior

    detalhamento do funcionamento desses mercados, o que envolve, por exemplo, a considerao de

    distintos instrumentos financeiros, como os contratos futuros e de opes, refletindo as vrias estratgias

    de atuao nestes mercados.

    A Estrutura dos Mercados Cambiais

    Os mercados cambiais possuem pelo menos trs dimenses. No mercado primrio de

    cmbio ofertantes de divisas como exportadores de bens e servios, investidores, turistas, etc.

    interagem com os demandantes de divisas importadores de bens e servios, agentes econmicos

    com dvidas em moedas estrangeiras, investidores, turistas, etc. atravs da intermediao bancos

    e outro intermedirios financeiros (corretoras, por exemplo. Aqui defini-se as taxas vista, na

    medida em que h um fluxo permanente de novas demandas e ofertas de recursos em moedas

    estrangeiras. Os bancos dominam o mercado primrio. Todavia, possvel que ao longo de suas

    operaes alguns bancos tenham divisas sobrando ou faltando. Em decorrncia h um mercado

    secundrio de cmbio, que o interbancrio onde tais recursos so negociados. Em geral os

    Bancos Centrais tambm atual ofertando ou demandando no interbancrio de divisas. Note

    que, em geral, no segmento secundrio, no h novos recursos entrando ou saindo da economia,

    mas sim mudana de direitos sobre a propriedade das cambiais. Por fim, h uma terceira dimenso,

    os mercados virtuais ou de derivativos, onde agentes econmicos com distintas estratgias e

    posies financeiras buscam proteo ou alternativas de investimento por meio de contratos

    derivativos. Por exemplo, um importador que tem uma dvida a pagar em Dlares em seis meses,

    temendo uma eventual depreciao cambial, poder recorrer aquisio de Dlares futuros por

    meio dos contratos de derivativos. Estes so negociados em mercados organizados bolsas, com

    a Bolsa de Mercadorias & Futuros ou diretamente pelos bancos mercados de balco. Quando

    se fala de taxa de cmbio a termo ou futura se est referindo ao preo da divisa estrangeira

    formado neste segmento do mercado cambial.

    As mudanas na taxa de cmbio afetam os preos relativos em uma economia e, assim, as

    Exportaes e Importaes. Considere-se mais um exemplo simplificado onde abstramos vrios

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    custos de transao, tais como transporte, impostos, comisses e demais custos financeiros associados

    operao cambial. Se, em um momento inicial t qualquer a taxa de cmbio de R$ 2,00 por cada

    US$ 1,00, um tnis importado dos EUA no valor de US$ 70 ser vendido no Brasil por R$ 140 (R$

    2,00 * US$ 70). Suponha que o tnis similar nacional tambm custe R$ 140. Neste caso, os

    consumidores tomaro sua deciso de compra em funo de aspectos no vinculados ao preo final,

    como a marca do produto, o seu design, etc.. Suponhamos agora que a taxa de cmbio suba para R$

    3,00 por US$ 1,00 ou seja, o dlar se apreciou/valorizou frente ao real (ou o real se depreciou/

    desvalorizou frente ao dlar). Agora o produto importado custar R$ 210 (R$ 3,00 * US$ 70). Se o

    preo do calado domstico no subir ou subir menos do que a variao da taxa de cmbio, seu

    preo final ficar menor em reais, quando se compara com o valor em reais do produto importado.

    Tudo o mais constante, a depreciao/desvalorizao da moeda nacional reduz a competitividade

    dos produtos importados (que ficam relativamente mais caros em moeda nacional). A valorizao/

    apreciao tem o efeito contrrio. Se a taxa de cmbio recuasse para R$ 1,00 para cada US$ 1,00,

    o sapato importado custaria R$ 70,00, ficando muito mais barato do que o similar nacional.

    No caso das exportaes a depreciao/desvalorizao aumenta a quantidade de reais recebidos

    por cada dlar exportado, o que estimula as exportaes (tudo o mais constante). J as valorizaes/

    apreciaes geram o efeito oposto. O exportador recebe menos reais por cada dlar exportado. Tais

    efeitos so apenas uma aproximao aos fenmenos das mudanas de competitividade (ou de poder de

    compra) gerados por variaes nas taxas nominais de cmbio. H que se considerar, tambm, outros

    aspectos, como as taxas de inflao, a produtividade do trabalho, dentre outras, das economias consideradas.

    12.3.2 Tipos de Taxas de Cmbio

    Denomina-se de taxa de cmbio nominal a expresso do valor externo da moeda (com

    referncia a outra) em unidades monetrias280, conforme foi visto at aqui. Para se verificar o poder

    de compra da moeda nacional deve-se calcular a taxa real de cmbio, que leva em considerao (em

    sua verso mais simplificada) os diferenciais de inflao das moedas envolvidas.

    Assim, a taxa de cmbio real expressa o poder de compra da moeda nacional em suas

    transaes externas. Depende da taxa nominal e das inflaes domstica e externa. Seu clculo

    280 Por exemplo: US$ 1,00 = R$ 3,50 (janeiro de 2003) e US$ 1 = R$ 3,00 (agosto de 2005). Neste caso se verificou umadepreciao, que pode ser mensurada da seguinte forma: (VF VI)/VI, onde VF o valor final e VI o Valor inicial. Ou seja:(3,00 3,50)/3,50 = - 14,3%. Para se calcular quanto o Real se apreciou frente ao dlar, h que se seguir os seguintes passos:(1) na situao inicial, cada Real equivale a vinte e oito centavos de Dlar, ou seja: R$ 1,00/US$ 3,50 = 0,286 dlares; (2) nasituao final, vale R$ 1,00/US$ 3,00 = 0,33 dlares. Ou seja, a valorizao foi de (0,33 - 0,286)/0,286=15,38%. Tal expressoindica somente a mudana no valor de referncia e no necessariamente no poder real de compra de cada unidade da moedanacional em termos da moeda estrangeira de referncia.

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    derivado da lei de paridade poder de compra, que uma generalizao da condio de arbitragem no

    mercado de bens associada assim-chamada lei do preo nico. Segundo esta, em condies

    concorrenciais os bens devem ter o mesmo preo nos distintos mercados, ainda que tais preos sejam

    denominados em moedas diversas. Isto porque, se um bem qualquer est relativamente mais barato

    local A do que em outro local B, valeria a pena adquirir tal bem na primeira localizao para revend-

    lo na segunda. Se isso estiver acontecendo, a demanda pelo referido bem crescer no primeiro mercado,

    o que tende a elevar o seu preo local, ao passo que a oferta ir crescer no mercado onde originalmente

    seu preo estava mais caro, o que levaria sua reduo. Isto a arbitragem.

    Assim, a lei do preo nico sugere que um produto homogneo, na ausncia de barreiras e

    custo de transaes entre os pases, deveria ter o mesmo preo quando expresso na mesma moeda.

    Por decorrncia, a taxa de cmbio nominal deveria ser a relao do preo do mesmo produto na

    moeda dos respectivos pases. J a lei de paridade do poder de compra generalizao da lei

    anterior, dizendo que a taxa de cmbio deve refletir a relao entre o nvel geral de preos entre

    pases (verso absoluta); o que implica que, no longo prazo, as variaes da taxa de cmbio nominal

    devem refletir a diferena de inflao entre os pases (verso relativa), ou seja:

    Variao da taxa de cmbio nominal = inflao domstica inflao externa

    Exemplo: Considerando-se que janeiro do ano X a taxa de cmbio R$ 3,00 para

    cada dlar, que a inflao entre janeiro e dezembro de X foi de 10% no Brasil e 5% nos EUA,

    qual dever ser a taxa de cmbio em janeiro de Y (o ano seguinte a X) segundo a regra da

    Paridade Poder de Compra?

    Var tax. Cmbio = inflao no Brasil inflao nos EUA = 10% 5% = 5% ->

    dever haver uma depreciao de 5% => R$ 3,00 * 1,005 = R$ 3,15

    Outra diferena relevante entre as taxas de cmbio vista (spot) e futuras (forward). Os

    contratos que envolvem troca de moeda so liquidados por taxas ditas vista. Porm, como muitas

    operaes se do ao longo do tempo (importaes a serem pagas em alguma data futura) desenvolveu-

    se uma srie de mercados e instrumentos que permitem aos agentes econmicos comprar e vender

    cmbio no futuro. Tais operaes podem ser de proteo (hedge), onde um importador de uma

    mquina, com medo que a moeda domstica se deprecie (o que ampliaria sua dvida) se engaja em uma

    operao de aquisio de cambiais no mercado futuro (normalmente so contratos negociados em

    Bolsas de Valores). Pode haver tambm operaes mais sofisticadas que envolvem trocas de moeda

    e/ou trocas de indexadores de contratos. Tais operaes so denominadas de swaps.

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    12.4 OS REGIMES CAMBIAIS E IMPACTOS DOMSTICOS DAS VARIAES NAS TAXAS DE CMBIO

    Viu-se, at aqui, que a taxa de cmbio um preo que depende da oferta e da demanda de

    divisas (cambiais), e de um conjunto de regras legais (determinadas pela Autoridade Monetria) que

    definem os parmetros de funcionamento do mercado quem pode comprar, vender e intermediar; o

    quanto pode ser transacionado; como se do as operaes; etc. Os conceitos de regime cambial e

    conversibilidade das moedas sintetizam uma parcela significativa dos parmetros institucionais que

    condicionam o funcionamento dos mercados cambiais. O primeiro define o grau de participao dos

    governos e dos agentes privados na determinao da taxa de cmbio, ao passo que a segunda revela

    em que medida a moeda nacional pode ser utilizada para a liquidao de contratos dentro de um

    espao jurdico. A conversibilidade da moeda est intimamente ligada ao que se denomina de

    conversibilidade da conta capital ou, ainda, grau de liberalizao financeira281.

    Com respeito aos regimes cambiais, consideram-se trs modelos que enquadram os diversos

    casos particulares, quais sejam: flutuante, fixo ou administrado.

    12.4.1 Regime de Cmbio Flexvel (Flutuante ou Livre)

    Denomina-se de regime de cmbio flexvel, flutuante ou livre quele no qual os preos de

    converso da moeda nacional so determinados pelas foras de mercado. Vale dizer, as taxas de

    cmbio respondem livremente s flutuaes na oferta e demanda por divisas. Em sua forma pura os

    governos praticamente no intervm nos mercados, comprando ou vendendo ativos monetrios com

    o intuito de afetar a taxa de cmbio282. Ainda assim, na prtica, muitos pases que formalmente reportam

    que seus regimes cambiais so flutuantes acabam intervindo no mercado cambial de forma sistemtica

    em certos perodos. Quando isso ocorre diz-se que h flutuao suja (dirty floating)283.

    281 A liberalizao financeira se refere eliminao de barreiras livre movimentao dos capitais, dentro das economias nacionais,ou entre estas. No plano externo revela-se na plena conversibilidade da conta capital e financeira, o que significa que no-residentespodem constituir ativos e passivos financeiros na economia local e vice-versa.282 Os Estados Unidos so exemplo mais importante de livre flutuao. O Tesouro e o FED raramente compram ou vendem ativosdenominados em dlares ou em outras moedas para afetar a cotao da sua moeda. Todavia, em momentos especiais, quando hgrandes desalinhamentos no valor do dlar frente s outras divisas-chave (iene e marco, depois o euro) os EUA atuam indiretamentenos mercados, pressionando para que seus principais parceiros (os Bancos Centrais do Japo, da Alemanha, etc.) comprem evendam ativos para alterar a cotao do dlar. Isso ficou claro nos anos 1980, quando, entre 1985 e 1987, o dlar foi depreciadoatravs da venda coordenada de ativos denominados em dlares (ou compra dos excedentes de marcos e ienes) por parte do DeutscheBundesbank e do Banco do Japo que, assim, estavam garantindo o fortalecimento de suas moedas (marco e iene) com respeito aodlar. Sobre esse ponto recomenda-se a leitura da anlise j clssica da professora Maria da Conceio Tavares em: (i) A Retomadada Hegemonia Norte-Americana, Revista de Economia Poltica Vol 5, n 2, Abr-Jun, 1985; e (ii) Tavares, M.C.T., Fiori, J. L.TAVARES e JL Fiori (orgs.), Poder e dinheiro, uma economia poltica da globalizao. Petrpolis: Editora Vozes, 1999.283 O Japo um caso exemplar nesse sentido. O Brasil adota, desde 1999, um regime de cmbio flutuante. At meados de 2005 foramraros os perodos de atuao no Banco Central ou do Tesouro (atravs do Banco do Brasil) no mercado de cmbio. A partir de ento(e at o presente momento junho de 2007) intervenes nos mercados vista e de derivativos (swaps cambiais e swaps cambiaisreversos) tm sido a regra, caracterizando um regime de flutuao suja.

  • 318

    Assim, em regimes de cmbio flutuante tende a no haver maiores restries legais

    negociao com moedas estrangeiras. Ademais, com expanso dos mercados financeiros internacionais,

    mais de 90% das operaes nos mercados cambiais esto associadas a contratos financeiros e no

    ao comrcio de bens e servios. Quando h livre mobilidade de capitais, as taxas de cmbio dependero

    de fatores associados arbitragem de ativos, quais sejam: diferenciais de taxas de juros (o que

    depende das respectivas oferta e demanda por moeda no pas e no exterior); expectativa quanto ao

    cmbio futuro; preos relativos; etc..

    Nos grficos abaixo se procura representar, de forma simplificada, o funcionamento do

    mercado de divisas. A reta O1 representa o comportamento inicial dos ofertantes de divisas (dlares).

    Quanto maior a cotao do Dlar, ou seja, quanto mais Reais os detentores de Dlares puderem

    receber por cada unidade de divisa, mais eles estaro dispostos a vender. Por isso a reta positivamente

    inclinada. A curva D1 mostra como, em um dado momento, os compradores de divisas esto

    posicionados. A curva negativamente inclinada para indicar que, ceteris paribus, quanto menor o

    valor em reais de cada dlar, maior o volume potencial de compras.

    Considera-se, inicialmente, que o mercado vista est em equilbrio (Grfico 1). Isso significa

    que, em um dado momento, os planos de venda e compra de divisas coincidem ao nvel de preo

    E1. Ou seja, nessa cotao, o volume de contratos vendidos equivale aos comprados, ao nvel

    V1. Taxas de cmbio superiores a E1 implicariam uma disposio de venda superior de compra.

    Sobrariam dlares no mercado, pressionando seu preo para baixo. Por outro lado, cotaes inferiores

    a E1 fariam com que o volume demandando de cambiais excedesse a oferta potencial, criando

    espao para que as cotaes sejam pressionadas para cima. Assim, nesse modelo simplificado o

    preo (ou taxa de cmbio) a nica varivel capaz de igualar a disposio de venda (oferta) e de

    compra (demanda).

  • 319

    O que aconteceria nesse mercado caso, por exemplo, houvesse uma mudana no

    comportamento dos demandantes de divisas? Suponhamos uma expanso da curva de demanda (D2 >

    D1, no Grfico 2). Isso significa que, para cada nvel de taxa de cmbio, nesse segundo momento, h

    uma maior disposio para se adquirir cambiais. Tal mudana poderia ser originada por motivos reais

    e/ou financeiros. No primeiro caso, poderia estar havendo uma maior procura por divisas em funo

    do aumento de importaes de bens e servios ou de pagamentos realizados em funo de compromissos

    contratuais assumidos no passado (juros ou principal de emprstimos, remessas de lucros e dividendos,

    etc.). No segundo caso, os detentores de riqueza podem estar vendo na aquisio de ativos denominados

    em moedas estrangeiras uma oportunidade de auferir lucros. Tambm possvel imaginar que mudanas

    de expectativas sobre o comportamento futuro das prprias taxas de cmbio possam afetar os mercados

    vista. Assim, se uma parcela crescente dos agentes econmicos passar a acreditar que o dlar amanh

    (ou em um perodo t+n qualquer) estar significativamente mais caro do que o dlar hoje (perodo t),

    haver uma antecipao na demanda por aqueles que tm compromissos em divisas a honrar, bem

    como para os que vislumbram oportunidades de ganhos especulativos.

    Graficamente, pode-se verificar que o deslocamento da curva de demanda por divisas provoca

    um desequilbrio inicial no mercado. A cotao que anteriormente equilibrava o mercado (E1) j no

    capaz de garantir uma nova posio de estabilidade. Na medida em que no est havendo uma oferta

    adicional de cambiais, e a procura por estes aumentou, ao nvel de preo E1 agora h um excesso de

    demanda por dlares. Sempre que h um excesso de procura (ou escassez de oferta) por um determinado

    bem, servio ou ativo financeiro, seu preo pressionado para cima. Isto porque, os ofertantes percebem

    que h demandantes dispostos a pagar um pouco mais. No nosso exemplo, a cotao do dlar ir subir

    at E2, situao onde a nova demanda iguala-se oferta original, que no havia se alterado. Um volume

    maior de divisas ser negociado (V2 > V1), porm a um preo tambm mais elevado (E2 > E1). Portanto,

    uma taxa de cmbio mais elevada equivale a uma depreciao cambial, denotando o fato de que a moeda

    nacional se enfraqueceu, na medida em que preciso mais reais para comprar o mesmo dlar.

  • 320

    Em regimes de cmbio flutuante, os desajustes entre a oferta e a procura de divisas so resolvidos

    por meio de mudanas na cotao da divisa. Assim, espera-se que quando h um excesso de oferta de

    divisas (estas ficaram relativamente mais abundantes) a taxa de cmbio caia, caracterizando uma apreciao

    cambial a moeda nacional fica mais forte frente divisa de referncia. J quando h um excesso de

    demanda por cambiais (estes ficaram relativamente mais escassos), a taxa de cmbio tende a se elevar,

    implicando em depreciao cambial a moeda nacional perde valor relativo, em termos nominais.

    Note-se, tambm, que tais variaes na taxa de cmbio ocorrem freqentemente ao longo de um dia de

    negcios. Usualmente toma-se a cotao mdia ou a de fechamento das operaes como um parmetro

    sobre como se comportou a taxa de cmbio em um dia qualquer. No Brasil, o Banco Central

    (www.bcb.gov.br) apura, diariamente, as mdias de preos de compra e de vende de divisas por parte

    dos bancos e demais instituies financeiras autorizadas a negociar divisas. Tais preos representam as

    cotaes nos mercados vista. J os contratos de futuros, de opes, swaps, etc., so negociados nas

    Bolsas de Valores no Brasil, a Bolsa de Mercadorias & Futuros (www.bmf.com.br) a principal

    referncia nesses segmentos e sinalizam os preos futuros das divisas. Alguns daqueles contratos

    podem ser vendidos pelos bancos, no chamado mercado de balco.

    12.4.2 Regime de Cmbio Fixo

    Em regimes de cmbio fixo, as Autoridades Monetrias determinam qual ser o valor de

    converso entre a moeda nacional e uma divisa-chave de referncia. Nestes casos, o governo,

    normalmente atravs do Banco Central, tem a obrigao de garantir aquela cotao. Assim, sempre

    que h um excesso de oferta de divisas, para evitar a valorizao cambial o Banco Central compra do

    mercado (os bancos que operam com cmbio) um volume necessrio para sustentar a paridade

    oficial. Em conseqncia o Banco Central acumula ativos estrangeiros (reservas internacionais).

    Note, tambm, que ao comprar (vender) as divisas dos intermedirios financeiros, os Bancos Centrais

    injetam (retiram) mais moeda nacional na economia. Vale dizer, a contrapartida das intervenes

    cambiais dos governos a variao na liquidez domstica. Eventualmente as A.M.s podem considerar

    tais variaes indesejveis, o que levaria s operaes de esterilizao, ou seja, venda de ativos

    denominados em moeda domstica para enxugar a liquidez que havia sido ampliada quando da

    compra das divisas. Na seqncia essa dinmica ser detalhada para explicitar os vnculos entre as

    variaes nas reservas internacionais e as mudanas na liquidez domstica e nos nveis de preo

    (inflao de deflao).

    J em um caso de escassez de divisas (o que a mesma coisa que um excesso de demanda),

    para evitar a desvalorizao cambial, a A.M. obrigada a vender suas prprias reservas para irrigar

    o mercado cambial. Ao vender as divisas, os Bancos Centrais enxugam a liquidez domstica, pois

  • 321

    retm os ativos monetrios que estavam de posse dos bancos autorizados a operar com divisas e

    que se constituem na ponta mais influente do mercado cambial. Mais uma vez, as intervenes cambiais

    afetaram os estoques de reservas internacionais e meios de pagamento. Assim, em regimes de cmbio

    fixo, desequilbrios entre a oferta e a demanda por divisas no so ajustados por mudanas na cotao

    das divisas, como no caso do cmbio flutuante, mas sim, por variaes nos estoques de haveres

    estrangeiros e domsticos.

    O grfico 3 ilustra os efeitos de uma expanso na demanda por divisas em um regime de

    cmbio fixo. Viu-se anteriormente (grfico 2) que, quando a taxa de cmbio um preo livremente

    formado pelas foras de mercado, tal expanso de demanda sem a contrapartida de um crescimento

    na oferta, produziria um novo equilbrio com o dlar ficando mais caro. Agora, para evitar que a

    cotao de mercado ultrapasse o valor oficial estipulado (Eo), o Banco Central deve vender divisas

    at eliminar todo o excesso de demanda. A curva de oferta se desloca para a direita em funo dessa

    interveno (O2 > O1). Com isso, o volume transacionado cresce (V2 > V1), porm o preo da

    divisa no alterado.

    Em um regime de cmbio fixo, o preo de converso da moeda domstica em termos de

    uma divisa de referncia (ou qualquer outro tipo de lastro, como o ouro ou a prata) torna-se a varivel

    central da gesto monetria. Na verdade, a poltica monetria torna-se passiva neste tipo de arranjo

    cambial. Isto porque a liquidez domstica torna-se um resultado das intervenes do Banco Central

    no mercado de cmbio. Estas, por sua vez, refletem as alteraes na oferta e demanda por divisas.

    Assim, um pas que tem um fluxo cambial positivo, por que exporta mais bens e servios do que

    importa, recebe mais capitais do que remete ao exterior, etc., tende a apresentar uma presso para a

    valorizao cambial, a qual deve ser eliminada pelas operaes de compra de divisas pelo Banco

    Central. Da mesma forma, um pas com um fluxo cambial negativo experimentar uma presso pela

  • 322

    desvalorizao cambial, que deve ser contra-arrestada pela venda de divisas por parte da Autoridade

    Monetria. Se, por alguma razo284, isto no for possvel haver uma crise cambial, vale dizer, uma

    forte elevao no preo das divisas, na medida em que a oferta corrente de cambiais no capaz de

    atender sua demanda.

    Por que um pas adotaria um regime de cmbio fixo? Ou, quais as vantagens e desvantagens

    desse tipo de arranjo, quando comparado ao cmbio flutuante? Historicamente os regimes de cmbio

    fixo so utilizados como base de sustentao da estabilidade de preos domsticos (Apndice 1 Os

    Regimes Cambiais e a Evoluo do Sistema Monetrio Internacional). Por isso denomina-se de

    ncora cambial aos arranjos de poltica macroeconmica que se assentam na fixao do valor da

    moeda domstica em termos de algum ativo de referncia (moeda estrangeira ou metais preciosos,

    especialmente o ouro). Ao se ligar a variao da liquidez domstica, medida em termos de um

    agregado monetrio, evoluo do estoque de algum ativo de referncia cujo valor considerado

    mais estvel por parte dos agentes econmicos, procura-se retirar da A.M. o poder de alterar as

    condies de preo (taxa de juros) e quantidade de haveres domsticos. Em se considerando vlida

    a ligao estreita entre a quantidade de moeda em circulao na economia e o nvel geral de preos

    (inflao ou deflao), segue-se que para controlar os segundo deve-se atuar sobre a primeira. Tal

    perspectiva chamada de monetarista pode ser expressa na conhecida teoria quantitativa da moeda,

    onde: MV = PY, sendo M a quantidade de moeda na economia, V sua velocidade de circulao,

    P o nvel geral de preos e Y a quantidade de bens e servios reais sendo transacionados. Supondo-

    se que, ao menos no curto prazo, V e Y so estveis tem-se que variaes em M afetam

    diretamente P. Vale dizer, uma poltica que expanda a oferta de moeda (M) acabaria induzindo a

    um aumento no nvel geral de preos (inflao).

    Com regras estritas de expanso de M seria possvel estabilizar a evoluo de P. O

    regime de cmbio fixo seria uma forma simples de impor esse tipo de regramento, na medida em

    que a A.M. forada a sustentar uma dada proporo entre M e F sendo F o estoque de

    haveres estrangeiros (reservas em divisas ou ouro). Assim, se um pas deficitrio nas suas contas

    externas, o Banco Central deve vender divisas (F reduzida). Em simultneo M cai, pois ao

    vender cambiais o Banco Central retira moeda de circulao. A reduo de M gera um ajuste

    deflacionista na economia. Os preos domsticos devem cair para ajustar a renda nominal (agora

    menor) e a oferta de bens e servios. Com preos reduzidos a economia pode se tornar mais competitiva

    284 Por exemplo, dficits crescentes em conta corrente, no compensados pela entrada de capitais privados ou oficiais (FMI,Banco Mundial, etc.), podem pressionar o mercado cambial para alm da capacidade dos Bancos Centrais sustentarem aparidade. Estes, ao verem a reduo de suas reservas internacionais, tentaro estimular a entrada de capitais estrangeiros peloaumento da taxa de juros domstica e/ou, atravs desse instrumento e de outros, como uma poltica fiscal contracionista(aumento de impostos, reduo de gastos pblicos, etc.), buscaro reduzir a absoro domstica (gastos privados em consumo,investimentos e gastos correntes do setor pblico) para re-equilibrar o balano de pagamentos.

  • 323

    internacionalmente, o que corrigiria os desequilbrios externos. O raciocnio equivalente para o caso

    de um pas superavitrio. O fluxo cambial positivo deve ser eliminado pelas aquisies de divisas pelo

    Banco Central mais uma vez devemos recordar que este obrigado a adquirir o excesso de

    cambiais sob pena de ocorrer uma valorizao cambial. Ao comprar as cambiais excedentes o Banco

    Central amplia seu estoque de reservas (F) e, ao mesmo tempo, injeta mais moeda na economia. Se

    M est crescendo os preos domsticos sero pressionados para cima, o que, ceteris paribus,

    reduziria a competitividade internacional do pas, re-equilibrando suas contas externas.

    Tal descrio uma simplificao do enfoque monetarista. Ainda assim, deve-se ressaltar

    que a opo pelo regime de cmbio fixo se d em um contexto onde a estabilizao dos preos

    domsticos uma prioridade. Pases em desenvolvimento, onde a populao desconfia da capacidade

    do Estado em regular o valor da moeda domstica tendem a utilizar tais mecanismos. Um exemplo

    recente neste sentido foi o regime de conversibilidade da Argentina. No incio da dcada de 1990,

    o Congresso aprovou uma emenda constitucional (Lei de Conversibilidade) que determinou que

    um dlar estadunidense valeria um peso argentino. O Banco Central da Argentina era legalmente

    obrigado a comprar e vender dlares quela taxa. Isto ocorreu depois de anos de inflao alta e de

    vrios surtos hiperinflacionrios.

    Nos regimes de cmbio fixo, quando h dficit nas transaes correntes no cobertos por

    capitais voluntrios, as reservas devem cobri-lo. Mas mesmo quando financiado por capitais externos,

    h o problema de aumentar a dvida externa. Para diminuir o dficit o governo pode provocar uma

    recesso, para conter as importaes, e elevar os juros, para atrair capital externo. Se o problema for

    estrutural, pode desvalorizar o cmbio. Assim, em uma perspectiva de longo prazo a taxa cambial

    est relacionada com o grau de competitividade da economia. Numa abordagem monetria, mostra-

    se que o cmbio fixo pode levar a ajustamentos automticos das contas externas, onde:

    O padro-ouro (ver o Apndice 1) um exemplo de cmbio fixo com ajuste automtico,

    onde um supervit nas transaes correntes leva expanso monetria e um dficit contrao

    monetria. A expanso monetria leva: (i) a um aumento de preos dos produtos internos, fazendo as

    exportaes carem e as importaes subirem, eliminando o supervit; e (ii) a uma queda da taxa de

    juros, fazendo os investimentos carem e estimulando a sada de recursos do pas, elevando as

    importaes e a renda, o que tambm contribui para fazer cair o supervit.

    Em uma perspectiva mais ampla, importante se lembrar que o equilbrio das contas externas

    (o Balano de Pagamentos) depende do que est acontecendo nas suas duas principais sub-contas:

  • 324

    a conta corrente, que inclui os itens de comrcio (exportao e importao de mercadorias e

    servios) e rendas; e a conta capital e financeira, que registra os movimentos financeiros. Assim,

    o equilbrio externo depende de duas taxas macroeconmicas fundamentais: a taxa de juros e a

    taxa de cmbio. Se a taxa de cmbio for fixa, a taxa de juros deve flutuar de modo que o

    movimento de capitais compense o saldo das transaes correntes. Se, por outro lado, a A.M.

    deseja controlar os juros, dever deixar a taxa de cmbio flutuar de modo a ajustar o saldo das

    transaes correntes285.

    No cmbio flutuante, teoricamente a economia deveria estar mais protegida de choques

    externos sobre a demanda e o nvel de emprego. Mas tais regimes provocam maior volatilidade

    no nvel de preos e sobre as expectativas dos agentes. Com isso, pode-se concluir que o

    grande atrativo do cmbio fixo a estabilidade de preos, ao passo que o cmbio flutuante

    introduz mais liberdade para o Banco Central realizar a poltica monetria (esta se torna passiva

    com o cmbio fixo).

    12.4.3 Regimes de Cmbio Administrado ou Mistos

    Os regimes de cmbio fixo e flexvel vm sendo denominados de solues extremas

    (corner solutions) na medida em que representam os dois casos-limite de organizao dos

    mercados cambiais e, assim, de determinao das taxas de cmbio. H, todavia, estratgias

    intermedirias de gesto do valor externo das moedas domsticas que podem ser abrigadas sob

    esse rtulo de regimes de cmbio administrado ou regimes mistos. Aqui a taxa de cmbio

    tambm determinada pela oferta e demanda de cambiais. Porm, o governo intervm no

    mercado de vrias formas: (i) com intensidade, ainda que sem um alvo prvio, ou seja, um nvel

    anunciado para a taxa de cmbio; (ii) intervenes aleatrias (que no tm parmetros oficiais

    pr-definidos) em momentos pontuais (aqui retornaria o rtulo de flutuao suja); (iii)

    intervenes sistemticas, atravs da definio de pisos e tetos de flutuao (as bandas cambiais

    adotadas no Brasil entre 1995 e 1998), ou o estabelecimento regras para a correo peridica

    do valor da moeda domstica frente a alguma divisa (por exemplo, o crawling peg ou as midi-

    desvalorizaes que marcaram a gesto cambial brasileira entre os anos 1960 e 1980); (iv)

    arranjos cooperativos que visam estabilizar a cotao entre de um conjunto de moedas atravs

    da definio de margens estreitas de flutuao, como no Sistema Monetrio Europeu nos anos

    que antecederam a criao do euro (ver o Box reas Monetrias timas); etc.

    285 Esse ponto ser aprofundado no prximo captulo, quando introduzirmos os determinantes das variaes da renda no curtoprazo e o papel das polticas macroeconmicas em economias abertas.

  • 325

    reas Monetrias timas

    A teoria das reas monetrias timas(1), desenvolvida a partir dos trabalhos pioneiros

    Robert Mundell prmio Nobel em Economia em 1999 e Ronald McKinnon. Procura-se verificar

    sob que circunstncias um conjunto de economias teria vantagens em abrir mo da autonomia na

    gesto macroeconmica, especialmente nas reas monetria e cambial, em nome da adeso a um

    arranjo de cmbio administrado ou, no limite, a uma moeda nica. Em geral, sugere-se que

    quanto maior o grau de integrao e, assim, quanto mais convergente o ciclo dos negcios entre as

    respectivas economias, maiores tenderiam a ser as chances de sucesso na sua implementao. A

    unificao monetria europia inspira a literatura recente sobre o tema. A teoria econmica e a

    experincia histrica sugerem que a viabilidade da integrao monetria est condicionada por

    uma srie de fatores, dentre os quais: (i) a profundidade dos vnculos comerciais e financeiros dos

    pases que compem o bloco a ser unificado; (ii) a mobilidade de fatores; (iii) o grau de convergncia

    entre o ciclo econmico destes pases (movimentos conjuntos de preos, renda, etc.); (iv) a

    construo de uma base institucional adequada, que uniformize as polticas fiscal, monetria, etc., e

    garanta a constituio de um ambiente de negcios onde as distores sejam minimizadas, de

    modo a evitar arbitragens regulatrias; e (v) a existncia de lideranas regionais aptas e dispostas

    a pagar o preo da unificao, criando estabilizadores institucionais que mitiguem os conflitos

    potenciais e reais.

    1 ALESINA, A., BARRO, R. J., TENREYRO, S. Optimal Currency Areas. NBER Working

    Papers 9072 Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2002. (www.nber.org)

    Em geral os sistemas de cmbio administrado procuram combinar as vantagens dos regimes

    de cmbio fixo e flutuante. Do primeiro, deseja-se a estabilidade na cotao da moeda nacional, o

    que cria um desejvel horizonte de previsibilidade para as decises privadas. Do segundo, busca-se

    uma maior autonomia para a A.M. realizar polticas monetrias ativas. Na prtica, muitos governos

    que definem seus regimes como sendo de livre-flutuao acabam atuando de forma mais ou menos

    sistemtica no mercado cambial.

    O grfico 4 abaixo ilustra um exemplo de regime cambial administrado: o sistema de bandas

    cambiais. Suponha que o governo defina um teto (Et) e um piso (E

    p) para a flutuao da taxa de

    cmbio lembre-se que com cmbio fixo o alvo da interveno bem mais estreito, ou seja, um

    nico valor (um peso igual a um dlar, por exemplo). Enquanto a taxa de cmbio de mercado (E)

    estiver flutuando dentro da banda pr-estabelecida o Banco Central no tem porque intervir no

  • 326

    mercado. Todavia, se, por hiptese, as condies de mercado criarem um excesso de demanda por

    divisas que leve a taxa de cmbio a superar o teto oficial, o Banco Central passa a atuar como que em

    um regime de cmbio fixo: ele vende suas reservas e retira moeda domstica de circulao, at que

    a presso altista do cmbio seja atenuada. que o est ilustrado no grfico. Em um primeiro momento,

    a demanda por cambiais cresce de D1 para D2, sem uma ampliao na oferta. Porm, o ajuste na

    cotao deu-se dentro da banda cambial estabelecida pelo Banco Central que, desta forma, no

    tem porque atuar no mercado vendendo divisas. Em um segundo momento, a demanda segue crescendo,

    sem uma contrapartida na ampliao da oferta (D3 > D2). Agora a taxa de mercado ultrapassou a

    banda. Em resposta o Banco Central vende parte de suas reservas at que o mercado volte a

    operar dentro da banda oficial. A expanso da oferta (O2 > O1) se deveu a essa interveno.

    No prximo captulo discute-se, de forma mais detalhada, a relao entre a taxa de cmbio

    e a taxa de juros, bem como entre estas e o comportamento macroeconmico de curto prazo de

    economias comercial e financeiramente abertas.