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Manuel Bandeira (1886-1968)

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Manuel Bandeira (1886-1968)

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Manuel Bandeira nasceu no Recife, mas passou a

maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, onde fez

seus estudos secundários. Em São Paulo, freqüentou a

faculdade de engenharia, que teve de abandonar por estar

acometido de tuberculose. Sua frágil saúde o obrigou a cuidados

e resguardos por quase toda a vida. Inicialmente, a poesia de

Manuel Bandeira revela a herança parnasiana e simbolista

(Cinza das Horas e Carnaval). A partir de 1922, integra-se ao

grupo modernista e busca experiências renovadoras em Ritmo

Dissoluto e Libertinagem. Já consagrado em 1936, o poeta

publica Estrela da Manhã, obra madura e de temática

diversificada. A obra de Bandeira é marcada por um lirismo de

cunho autobiográfico e confessional, em que se pode perceber

uma grande ternura pela vida e, ao mesmo tempo, a aceitação da

morte.

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Auto-Retrato

Provinciano que nunca soube

Escolher bem uma gravata;

Pernambucano a quem repugna

A faca do pernambucano;

Poeta ruim que na arte da prosa

Envelheceu na infância da arte,

E até mesmo escrevendo crônicas

Ficou cronista de província;

Arquiteto falhado, músico

Falhado (engoliu um dia

Um piano, mas o teclado

Ficou de fora); sem família,

Religião ou filosofia;

Mal tendo a inquietação de espírito

Que vem do sobrenatural,

E em matéria de profissão

Um tísico profissional.

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Poética Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo Abaixo os puristas (...)

Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

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*Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

- Diga trinta e três.

- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...

- Respire.

..............................................................................................

-O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão

[direito infiltrado.

- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

*Situação patológica

na qual o ar passa dos

pulmões para a

cavidade torácica e

comprime os pulmões

e o coração.

Normalmente esse ar

tem de ser extraído.

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Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos

Ganhei um porquinho-da-índia.

Que dor de coração eu tinha

Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!

Levava ele pra sala

Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,

Ele não se importava:

Queria era estar debaixo do fogão.

Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

Madrigal tão engraçadinho

Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até

hoje na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia

que me deram quando eu tinha seis anos.

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Teresa

(sátira ao “Adeus de Teresa”)

Manuel Bandeira (1886-1968)

A primeira vez que vi Teresa

Achei que ela tinha pernas estúpidas

Achei que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo

Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo

(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do /corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada

Os céus se misturaram com a terra

E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Prof. Roger

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Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Vozes cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Apenas balões

Passavam errantes

Silenciosamente

Apenas de vez em quando

O ruído de um bonde

Cortava o silêncio

Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?

Profundamente — Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Dormindo

Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele

tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia

Rosa

Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo

Profundamente.

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Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

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Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

- Lá sou amigo do rei -

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

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Estrela da Manhã

Eu quero a estrela da manhã

Onde está a estrela da manhã?

Meus amigos meus inimigos

Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua

Desapareceu com quem?

Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho

Um homem que aceita tudo

Que me importa?

Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites

Fui assassino e suicida

Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada

Atribuladora dos aflitos

Girafa de duas cabeças

Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros

Pecai com os sargentos

Pecai com os fuzileiros navais

Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos

Com o padre e com o sacristão

Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas

cavalhadas

comerei terra e direi coisas de uma ternura

tão simples

Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte

Pura ou degradada até a última baixeza

eu quero a estrela da manhã.

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Andorinha Andorinha lá fora está dizendo:

- "Passei o dia à toa, à toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Passei a vida à toa, à toa...

Poema do Beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?

- O que eu vejo é o beco.