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36 Le Monde Diplomatique Brasil JUNHO 2009 MAPAS E IDENTIDADES O reencantamento da cartografia As novas tecnologias de georeferenciamento, associadas a processos participativos, têm permitido a distintas comunidades se reconhecerem e a seus territórios, em um processo simbólico onde os mapas são também a afirmação de sua existência POR AURéLIO VIANNA JR* N a história das representações espa- ciais, os mapas começaram, não por acaso, como ficção, um meio de se pensar o mundo a partir da cren- ça e dos mitos, e não da geografia. Foi através de um longo processo de ob- servação do mundo, de elaboração de ins- trumentos e experiências, com o conse- quente crescimento da capacidade de medir altitudes e coordenadas, que os mapas fo- ram tornando-se mais ‘objetivos’” 1 . Considera-se que a fundação da tradi- ção cartográfica científica ocidental seja de- rivada das teorias clássicas gregas a respeito da forma da Terra. O pensador greco-egíp- cio Claudius Ptolomeu sistematizou, no sé- culo II a.C., as bases teóricas para o desen- volvimento cartográfico, consubstanciadas nas obras Almagest e Geografia, que também serviram a seus contemporâneos romanos na produção de mapas de caminhos e no planejamento de cidades 2 . Após o colapso do Império Romano, os avanços obtidos anteriormente foram abandonados e a cartografia passou a ser instrumental para a Igreja, como comenta John Noble Wilford: “Os mapas produzi- dos na Europa eram mais eclesiásticos que As organizações da sociedade civil, os movimentos sociais e as comunidades inte- ressadas utilizam-se desses mapas para me- lhor encaminhar suas demandas e cumprir os requisitos necessários à implementação de medidas pelo Estado. Por exemplo, para dar início aos procedimentos para a criação de reservas extrativistas ou de desenvolvi- mento sustentável, é necessário que a popu- lação tradicional ou sua representação en- caminhe ao Instituto Chico Mendes uma solicitação formal, que deve incluir a área pretendida. Assim, se essa área estiver devi- damente descrita em um mapa, melhor pa- ra o bom andamento dos procedimentos administrativos do poder público 7 . No âmbito da reforma agrária, cada pro- jeto de assentamento deve contar com um Plano de Desenvolvimento do Assentamen- to (PDA), a ser elaborado pelos beneficiários, que poderão contratar, livremente, assesso- ria técnica. O PDA tem como um de seus componentes obrigatórios a “organização espacial, incluindo plano de parcelamento, se for o caso, e a localização coletiva das ha- bitações”, que servirão para orientar o pos- terior serviço de medição e demarcação topográfica 8 . MAPEAMENTO PARTICIPATIVO Em diferentes políticas públicas, as ati- vidades destacadas anteriormente pressu- põem práticas de mapeamento participati- vo em processos de disputas territoriais. A atuação da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) 9 de Altamira (PA) é um exemplo da eficácia dessa forma de atuação. A FVPP, uma organização não governamen- tal criada pelo Movimento de Defesa da Transamazônica e do Xingu (MDTX), insta- lou em 2004 um laboratório de georreferen- ciamento em sua sede. Com o laboratório e uma equipe técnica, essa ONG utilizou-se de práticas de mapeamento participativo em procedimentos de demarcação de Uni- dades de Conservação, elaboração de Pla- nos de Uso e de manejo e Planos Diretores Municipais. O principal objetivo da FVPP tem sido o de formatar as demandas das comunidades em linguagem cartográfica e com isso fazer com que obtenham benefícios garantidos pela legislação por meio de políticas públi- cas pró-populações tradicionais. Um exemplo é a criação do Mosaico de Unidades de Conservação da Terra do Meio (Altamira) e da reserva extrativista Verde para Sempre (Porto de Moz), onde a fundação teve relevante papel utilizan- do-se de práticas de mapeamento parti- cipativo. Foi responsável pela construção dos mapas (localização, caracterização ocupacional, infraestrutura, produção, comercialização, conflitos existentes, or- Essa nova cartografia politiza uma ciência que por muitos era pensada apenas como uma técnica associada a uma tecnologia. cartográficos, mais simbólicos que realis- tas. Eles refletiam mais a doutrina cristã que os fatos observáveis” 3 . Muitas vezes, incluíam a localização do Paraíso, do Jar- dim do Éden. A grande virada “realista”, ou “objeti- vista”, parece ter ocorrido com as deman- das surgidas em função das grandes nave- gações, quando passariam a ser essenciais mapas e cartas que servissem ao novo empreendimento. Até que ponto o desenvolvimento da cartografia possibilitou os chamados desco- brimentos são perguntas que continuam a ser feitas pelos historiadores 4 . Parece ser evidente que uma nova era cartográfica consolidou-se, mais secular e científica, ao fim da Idade Média, com a recuperação dos escritos de Claudius Pto- lomeu e do trabalho de projeção cartográ- fica para fins de navegação de Gerardus Mercator. Itália e Holanda firmaram-se como paí- ses centrais na elaboração e disseminação de mapas e, a partir daí, cada Estado euro- peu com pretensão colonial fundou sua aca- demia de cartografia. A evolução da cartografia ocidental é parte de um movimento mais geral de “de- sencantamento do mundo”, conceito webe- riano de análise do processo de moderniza- ção 5 que levaria à diferenciação técnica, à racionalização dos “domínios essenciais à vida humana” – direito, religião, ciência, po- lítica, economia e arte. A partir da segunda metade do século XX, os avanços da aerofotogrametria, e, na década de 1970, das Tecnologias de Infor- mação Espacial (TIES) e dos Sistemas de In- formação Cartográfica (SIGs), seguidos pela popularização do uso de aparelhos recepto- res do Sistema de Posicionamento Global (GPS, Global Positioning System), reforçam essa tendência de “objetivação” dos mapas em seus diferentes usos. As experiências de mapeamento parti- cipativo no Brasil parecem seguir essa evo- lução e trabalham com perspectivas como delimitação de territórios/territorialidades identitárias; desenvolvimento local; planos de manejo em Unidades de Conservação e fora delas; etnozoneamento em terras indí- genas e sua identificação e demarcação; zo- neamento em geral; educação ambiental; planos diretores urbanos; mapeamento por autodeclaração individual; identifica- ção espacializada de indicadores e equipa- mentos sociais; e gerenciamento de bacias hidrográficas 6 . A elaboração de mapas nesses contex- tos ou com essas finalidades pressupõe, em larga medida, a “racionalização técnico- científica” e a “objetividade”, uma vez que eles são utilizados pelas agências governa- mentais responsáveis pela implantação de políticas públicas.

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mapas e identidades

O reencantamento da cartografiaAs novas tecnologias de georeferenciamento, associadas a processos participativos, têm permitido a distintas comunidades se reconhecerem e a seus territórios, em um processo simbólico onde os mapas são também a afirmação de sua existênciaPor Aurélio ViAnnA Jr*

na história das representações espa-ciais, os mapas começaram, não por acaso, como ficção, um meio de se pensar o mundo a partir da cren-ça e dos mitos, e não da geografia.

Foi através de um longo processo de ob-servação do mundo, de elaboração de ins-trumentos e experiências, com o conse-quente crescimento da capacidade de medir altitudes e coordenadas, que os mapas fo-ram tornando-se mais ‘objetivos’”1.

Considera-se que a fundação da tradi-ção cartográfica científica ocidental seja de-rivada das teorias clássicas gregas a respeito da forma da Terra. O pensador greco-egíp-cio Claudius Ptolomeu sistematizou, no sé-culo II a.C., as bases teóricas para o desen-volvimento cartográfico, consubstanciadas nas obras Almagest e Geografia, que também serviram a seus contemporâneos romanos na produção de mapas de caminhos e no planejamento de cidades2.

Após o colapso do Império Romano, os avanços obtidos anteriormente foram abandonados e a cartografia passou a ser instrumental para a Igreja, como comenta John Noble Wilford: “Os mapas produzi-dos na Europa eram mais eclesiásticos que

As organizações da sociedade civil, os movimentos sociais e as comunidades inte-ressadas utilizam-se desses mapas para me-lhor encaminhar suas demandas e cumprir os requisitos necessários à implementação de medidas pelo Estado. Por exemplo, para dar início aos procedimentos para a criação de reservas extrativistas ou de desenvolvi-mento sustentável, é necessário que a popu-lação tradicional ou sua representação en-caminhe ao Instituto Chico Mendes uma solicitação formal, que deve incluir a área pretendida. Assim, se essa área estiver devi-damente descrita em um mapa, melhor pa-ra o bom andamento dos procedimentos administrativos do poder público7.

No âmbito da reforma agrária, cada pro-jeto de assentamento deve contar com um Plano de Desenvolvimento do Assentamen-to (PDA), a ser elaborado pelos beneficiários, que poderão contratar, livremente, assesso-ria técnica. O PDA tem como um de seus componentes obrigatórios a “organização espacial, incluindo plano de parcelamento, se for o caso, e a localização coletiva das ha-bitações”, que servirão para orientar o pos-terior serviço de medição e demarcação topográfica8.

MapeaMento participativoEm diferentes políticas públicas, as ati-

vidades destacadas anteriormente pressu-põem práticas de mapeamento participati-vo em processos de disputas territoriais.

A atuação da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP)9 de Altamira (PA) é um exemplo da eficácia dessa forma de atuação. A FVPP, uma organização não governamen-tal criada pelo Movimento de Defesa da Transamazônica e do Xingu (MDTX), insta-lou em 2004 um laboratório de georreferen-ciamento em sua sede. Com o laboratório e uma equipe técnica, essa ONG utilizou-se de práticas de mapeamento participativo em procedimentos de demarcação de Uni-dades de Conservação, elaboração de Pla-nos de Uso e de manejo e Planos Diretores Municipais.

O principal objetivo da FVPP tem sido o de formatar as demandas das comunidades em linguagem cartográfica e com isso fazer com que obtenham benefícios garantidos pela legislação por meio de políticas públi-cas pró-populações tradicionais.

Um exemplo é a criação do Mosaico de Unidades de Conservação da Terra do Meio (Altamira) e da reserva extrativista Verde para Sempre (Porto de Moz), onde a fundação teve relevante papel utilizan-do-se de práticas de mapeamento parti-cipativo. Foi responsável pela construção dos mapas (localização, caracterização ocupacional, infraestrutura, produção, comercialização, conflitos existentes, or-

Essa nova cartografia politiza uma ciência que por muitos era pensada apenas como uma técnica associada a uma tecnologia.

cartográficos, mais simbólicos que realis-tas. Eles refletiam mais a doutrina cristã que os fatos observáveis”3. Muitas vezes, incluíam a localização do Paraíso, do Jar-dim do Éden.

A grande virada “realista”, ou “objeti-vista”, parece ter ocorrido com as deman-das surgidas em função das grandes nave-gações, quando passariam a ser essenciais mapas e cartas que servissem ao novo empreendimento.

Até que ponto o desenvolvimento da cartografia possibilitou os chamados desco-brimentos são perguntas que continuam a ser feitas pelos historiadores4.

Parece ser evidente que uma nova era cartográfica consolidou-se, mais secular e científica, ao fim da Idade Média, com a recuperação dos escritos de Claudius Pto-lomeu e do trabalho de projeção cartográ-fica para fins de navegação de Gerardus Mercator.

Itália e Holanda firmaram-se como paí-ses centrais na elaboração e disseminação de mapas e, a partir daí, cada Estado euro-peu com pretensão colonial fundou sua aca-demia de cartografia.

A evolução da cartografia ocidental é parte de um movimento mais geral de “de-sencantamento do mundo”, conceito webe-riano de análise do processo de moderniza-ção5 que levaria à diferenciação técnica, à racionalização dos “domínios essenciais à

vida humana” – direito, religião, ciência, po-lítica, economia e arte.

A partir da segunda metade do século XX, os avanços da aerofotogrametria, e, na década de 1970, das Tecnologias de Infor-mação Espacial (TIES) e dos Sistemas de In-formação Cartográfica (SIGs), seguidos pela popularização do uso de aparelhos recepto-res do Sistema de Posicionamento Global (GPS, Global Positioning System), reforçam essa tendência de “objetivação” dos mapas em seus diferentes usos.

As experiências de mapeamento parti-cipativo no Brasil parecem seguir essa evo-lução e trabalham com perspectivas como delimitação de territórios/territorialidades identitárias; desenvolvimento local; planos de manejo em Unidades de Conservação e fora delas; etnozoneamento em terras indí-genas e sua identificação e demarcação; zo-neamento em geral; educação ambiental; planos diretores urbanos; mapeamento por autodeclaração individual; identifica-ção espacializada de indicadores e equipa-mentos sociais; e gerenciamento de bacias hidrográficas6.

A elaboração de mapas nesses contex-tos ou com essas finalidades pressupõe, em larga medida, a “racionalização técnico-científica” e a “objetividade”, uma vez que eles são utilizados pelas agências governa-mentais responsáveis pela implantação de políticas públicas.

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ganização local) para diagnóstico socioe-conômico da reserva10.

No que tange à confecção de planos de manejo florestal comunitário no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), a FVPP tem atuado em projetos de assentamento do Incra (Institu-to Nacional de Colonização e Reforma Agrá-ria), onde elaborou mapas para duas áreas – uma de 600 hectares e outra de 900 hectares –, nos municípios de Pacajá e Anapu.

Já no que se refere aos planos diretores municipais, “o papel do laboratório foi de construir informações georreferenciadas sobre cada um desses municípios, tratando de temas como mapas de solo, altitude, des-matamento, hidrovia, relevo, evolução da ocupação do território, mapeamento da área urbana, entre outros”11.

Outra forma de mapeamento, os cha-mados “automapeamentos”, são também classificados como participativos. Podem ser consideradas práticas desse a elaboração de mapas nativos ou indígenas, muitos des-tes decorrentes de releituras de pinturas ou peças de artes visuais por pesquisadores que consideram sua funcionalidade e em-pregabilidade para as comunidades12. A maioria desses mapas descreve o firmamen-to relacionado a uma paisagem terrestre, à história e mitologia de um povo, ou ainda, a seres ancestrais e uma paisagem específica, situada em locais identificados e representa-dos simbolicamente.

Os automapeamentos que mais se des-tacam se aproximam de “cópias” do conhe-cimento espacial oral não cartografado. O chamado mapa da cidade de Tenochtitlán (1524), onde a disputa iconográfica entre as-tecas e espanhóis é representada13, pode ser considerado um exemplo. Ou, ainda, aque-les que somente são elaborados como ma-pas permanentes a partir do trabalho de an-tropólogos14 em uma situação de contato, de encontro ou conflito entre culturas, em que uma delas domina técnicas cartográficas.

Mapas desse tipo têm sido elaborados no Brasil por universidades ou ONGs que, a partir de oficinas e em contextos de disputas políticas de afirmação identitária – não so-mente indígena – e territorial, capacitam li-deranças locais em mapeamento e utiliza-ção de GPS. Os pesquisadores e as lideranças combinam elementos simbólicos e icono-gráficos com a moderna tecnologia de infor-mação geográfica e, assim, produzem os mapas.

O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA)15 é a mais ampla arti-culação de experiências dessa natureza no Brasil, tendo produzido fascículos com ma-pas, além de livros e vídeos. Seu objetivo geral consiste em “mapear esforços mobili-zatórios, descrevendo-os e georreferen-ciando-os, com base no que é considerado relevante pelas próprias comunidades mapeadas.

Tal trabalho pressupõe o treinamento e a capacitação dos membros dessas próprias comunidades, que constituem os principais responsáveis pela seleção e escolha do que deverá constar do fascículo e dos mapas produzidos.

As oficinas de mapas realizadas nas pró-prias aldeias e/ou comunidades, consoante uma composição definida pelos represen-tantes delas mesmas, delimitam perímetros e consolidam as informações obtidas por meio da observação direta e de diferentes ti-pos de relatos, contribuindo para dotar suas reivindicações de uma descrição etnográfi-ca precisa”16.

O PNCSA mapeia, basicamente, situa-ções de “reconfiguração étnica” e “afirma-ção identitária”, onde a própria delimitação do grupo ou comunidade é um processo simbólico.

As comunidades são os sujeitos dos ma-peamentos e identificam-se, por exemplo, como “Quilombolas da Ilha do Marajó”; “Mulheres do Arumã do Baixo Rio Negro”; “Ribeirinhos e Artesãos do Rio Japeri”; “Po-vos dos Faxinais”, “Cipozeiros de Garuva”.

A identidade acionada, a delimitação de quem faz parte do grupo e, ainda, sua terri-torialidade, são muitas vezes objetivadas no processo de automapeamento. Trata-se aqui não da aplicação de uma categoria censitá-ria, populacional ou autoevidente na legisla-ção e em políticas públicas (“pobres abaixo da linha de pobreza”, “populações rurais e urbanas”, dentre outras), mas de comunida-des que buscam se fazer ver e se reconhecer em um contexto de disputas simbólicas e também políticas17.

Nesse projeto, a elaboração de mapas re-alça o equilíbrio entre a “representação icô-nica”, como um signo que estabelece seme-lhança (ou analogia) com o objeto que busca representar, e a “representação simbólica”, que guarda na arbitrariedade a relação com o que representa, com a utilização de letras, números ou sinais gráficos.

A importância da representação icônica reside na possibilidade de ser uma demons-tração inequívoca das características exclu-sivas do grupo e de sua representação do ter-ritório. Assim, uma cruz pode representar um “cemitério” em um mapa ou “ameaça de morte” em outro. O desenho de um boi, um

1 Acselrad & Coli. 2008. ”Disputas cartográficas e disputas territoriais”, in Acselrad, H. 2008. Cartografias Sociais e Território. instituto de Planejamento urbano e regional (iPPur), universidade Federal do rio de Janeiro (uFrJ), rio de Janeiro. p.13.

2 Ehrenberg, r.E. 2006. p. 9.3 Tradução livre. Wilford, J. n. 2001. p. 40.4 Como em Wilford, J.n. 2001. p. 67.5 Ainda que atento às considerações de Pierucci (2003),

utilizar-me-ei de uma apropriação do conceito de desen-cantamento do mundo para tratar dos mapas e da carto-grafia.

6 2008: p. 25.7 instrução normativa/inCrA/nº 29, de 12 de abril de

1999.8 nº 01 de 18 de setembro de 2007.9 www.fvpp.org.br10 Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP). 2007. rela-

tório do Projeto Gestão integrada da Paisagem e Comuni-cação regional. relatório (datilografado).

11 FVPP. 2007. op.cit.12 Por exemplo, as pinturas-mapa elaboradas por aborígenes

australianos, como em: Turnbull, D. 1989. p.28-36.13 Smart, l. 2004: p. 56-59.14 Warhus, M. 1997: p 3-4.15 www.novacartografiasocial.com16 Almeida, A. W. B. de. 2009. p.14.17 “o poder simbólico como poder de constituir o dado pela

enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo”. (Bourdieu, P.1989. p.14).

18 Sobre essa distinção, ver Turnbull: “podemos dividir em dois tipos as representações nos mapas: representações iconográficas, que são um retrato de aspectos visuais do território; e representações simbólicas, que se utilizam de sinais e simbolos convencionais como cartas, números, ou recursos gráficos”. (1989: p3).

Referências bibliográficas• Almeida, Alfredo Wagner Berno de. 1993. Carajás: A Guerra dos Mapas. Belém.• Falangola.• Almeida, Alfredo Wagner Berno de. 2009. Introdução. In FA-riAS Jr. E. A., Terras• Indígenas nas Cidades. Manaus. Universidade Estadual do Amazonas – uEA Edições.• Acselrad & Coli. 2008. Disputas cartográficas e disputas territoriais. in, Acselrad, H.• Cartografias Sociais e Território. Rio de Janeiro. Editora do instituto de Planejamento urbano e regional (iPPur), univer-sidade Federal do rio de Janeiro (uFrJ).• Bourdieu, Pierre. 1989. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, lisboa. Bertrand Brasil, DiFEl.• Ehrenberg, R.E. 2006. Mapping the World: An Illustrated History of Cartography.• Washington (DC). Ed. National Geographic.• Lima, L. A. P. & Chamo, L. A. 2008. Indígenas na cidade de Manaus: a construção do mapa. in, Almeida, A. W. B. de & Santos, G. S. dos. (org.), Estigmatização e território: mapea-mento situacional dos indígenas em Manaus. Manaus. Projeto nova Cartografia Social da Amazônia.• Pierucci, A. F. 2003. O desencantamento do mundo. São Paulo. universidade de São Paulo, Ed. 34.• Smart. L. 2004. Maps that made history: The influential, the eccentric and the sublime.• Richmond, Reino Unido, The National Archives.• Turnbull, D. 1989. Maps are Territories: Science is an Atlas. • Austrália. The University of Chicago Press, Deakin University.• Warhus, M. 1997. Another America: Native American Maps and the History of our land.• New York. St Martin’s Griffin• Wilford, J. N. 2001. The Mapmakers. New York. Vintage Books.

“conflito com o agronegócio” ou apenas uma “fazenda”. O significado do ícone é atri-buído pela comunidade e lido pelos outros a partir de seu índice e de suas legendas.

O mesmo ocorre com o índice e as le-gendas de cada mapa, que são como um guia de leitura da realidade local, realizado pela comunidade envolvida com o mapea-mento, em que é destacado o que merece ser destacado, escondido o que não deve ser mostrado.

Lima & Chamo, em uma etnografia so-bre um mapeamento, explicitam esse pro-cesso: o primeiro mapa elaborado foi sub-metido a numerosas consultas junto aos representantes das organizações indígenas. Complementações se fizeram necessárias. Nesse ínterim as visitas à sede do PNCSA se amiudaram, bem como foram realizadas novas visitas a aldeias onde as informações foram consideradas insuficientes. Além de acrescentarem informações relevantes, os indígenas escolheram e entregaram à equi-pe de pesquisa os desenhos, croquis ou ima-gens a serem utilizados na simbologia do mapa. Em razão disso, produziram também os ícones para as legendas18.

Dessa maneira são mostradas, em um mapa, as “formas de violência”, como “ame-aça contra liderança”, “lesão corporal”, “ten-tativa de homicídio”, “homicídio”, “casa queimada”, “dano à criação”, “roubo de cria-ção” e “pistolagem”. A listagem que agrega as “formas de violência” detalha o que é vivi-do como violência pelo grupo, classifican-do-a e plotando-a no território.

As comunidades, a partir do domínio de metodologias e tecnologias e do apoio de pesquisadores, têm dado visibilidade a si mesmas e a seus territórios por meio de um processo simbólico de constituição delas mesmas e dos mapas que as representam, em um contexto de disputas políticas terri-toriais. A representação cartográfica resul-tante é uma leitura particular da realidade plotada em um mapa. Nesse sentido, os “mapas são territórios”, e mais, são territó-rios em disputa em uma verdadeira guerra simbólica de mapas.

Como bem assinalam Acselrad e Coli, “se ação política diz especificamente respei-to à divisão do mundo social, podemos con-siderar que na política de mapeamentos es-tabelece-se uma disputa entre distintas representações do espaço, ou seja, uma dis-puta cartográfica que articula-se às próprias disputas territoriais”.

*Aurélio Vianna Jr. é doutor em Antropologia Social e,

desde 2004, Oficial de Programa da Fundação Ford no

Brasil.

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