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Marcha reduzida Ao contrário do que aponta a avaliação otimista do governo, vários projetos importantes do PAC estão atrasados e a situação pode se agravar com a escassez de crédito no mercado A construção de uma nova avenida de acesso ao porto de Santos é considerada fundamental para resolver um dos mais velhos gargalos de infra-estrutura do país: o congestionamento gigantesco de caminhões que se forma por ali para o desembarque de mercadorias. Na época da colheita da safra de grãos, por exemplo, os caminhões chegaram a formar filas de 20 quilômetros de extensão no local. Em abril de 2007, a solução para o problema finalmente começou a tomar forma, com o início dos trabalhos para a abertura de uma via de 9,2 quilômetros. O novo acesso ao porto custará 55,5 milhões de reais e o projeto foi entregue à Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Segundo as previsões iniciais, tudo deveria ficar pronto em maio de 2009. Esse era o plano. A realidade, porém, é bem diferente. Se tudo correr às mil maravilhas, a obra será entregue até o final de 2009. Em razão de uma série de problemas, porém, a obra não será concluída no prazo. Entre outros imbróglios que geraram o atraso, o traçado da perimetral teve de ser redesenhado para afastar o trânsito de veículos de uma série de imóveis de valor histórico da região, como o Mercado Municipal e o prédio da Alfândega. De acordo com análises dos especialistas, o tráfego de caminhões carregados nas imediações poderia afetar o solo da região e, por conseqüência, a estrutura das construções mais antigas. A nova avenida para o porto de Santos faz parte do pacote de mais de 2 000 obras incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento, uma resposta dada pelo governo às enormes deficiências de infra-estrutura do país. Periodicamente, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, divulga balanços sobre os trabalhos. No mais recente deles, ocorrido em outubro, o andamento de 83% dos projetos foi classificado como "adequado", e a previsão é que sejam finalizados dentro do prazo previsto no plano. De acordo com a ministra, mesmo com a crise econômica global os empresários estrangeiros com investimentos no Brasil não diminuíram o interesse por obras de infra-estrutura no país. "Nos últimos meses, aumentou o interesse de todos os parceiros, japoneses, ingleses e coreanos. Não vimos arrefecimentos", disse Dilma. Avaliação otimista Ainda de acordo com a mesma avaliação, apenas 8% dos projetos do PAC merecem atenção especial ou correm risco de sofrer algum tipo de atraso. Curiosamente, a avenida para o porto de Santos não está incluída entre eles - apesar de os responsáveis pela obra já terem admitido publicamente o atraso na execução. Para o governo, o projeto segue em ritmo "adequado" - ou seja, ele será entregue dentro do prazo previsto. Em resposta aos pedidos da reportagem do Anuário EXAME de Infra-Estrutura para esclarecimento dos critérios usados nessa contabilidade muito particular, a assessoria da Casa Civil limitou-se a enviar uma nota afirmando que o conjunto de avaliações divulgadas nos balanços do PAC "adota um critério transparente e objetivo de avaliação da situação das ações monitoradas que leva em conta o cronograma e os riscos do empreendimento". Segunda opinião O mesmo descompasso entre a avaliação do governo e a realidade se repete em outras grandes obras. Segundo o último balanço do PAC, o projeto do campo do Mexilhão, no litoral de São Paulo, segue num ritmo considerado adequado, mantendo-se a previsão de término dos trabalhos para agosto de 2009. Com investimento estimado em 6,5 bilhões de reais, a obra compreende, entre outras coisas, a perfuração de sete poços de gás, a instalação de uma plataforma fixa e a construção de um gasoduto de 145 quilômetros entre as cidades de Santos e Caraguatatuba, no litoral paulista. De todos esses itens, apenas o gasoduto ficará pronto no prazo determinado. Por causa de problemas na obtenção de licença ambiental e de atrasos no ritmo dos trabalhos de perfuração dos poços, o campo do Mexilhão, na melhor das hipóteses, estará concluído apenas em maio de 2010 - quase um ano após a previsão oficial. Outro empreendimento do PAC que segue em ritmo adequado na avaliação do governo é a usina de Dardanelos, que será a maior hidrelétrica de Mato Grosso, com capacidade para atender uma população de aproximadamente 600 000 habitantes. Desde o início, o projeto foi cercado de polêmica. O Ministério Público moveu uma ação para barrar a construção argumentando que o reservatório da usina iria ameaçar duas das cachoeiras mais espetaculares da região Amazônica, os saltos de Dardanelos e das Andorinhas. Por determinação da Justiça, as obras foram paralisadas em março - sendo retomadas 20 dias depois, com base numa liminar movida pelo consórcio responsável pelo empreendimento. O caso encontra-se hoje aguardando julgamento na Justiça Federal, e a possibilidade de uma nova sentença contrária à continuidade da obra não está descartada. Até o momento, cerca de 40% do projeto da hidrelétrica foi concluído. Mesmo se a construção não sofrer mais nenhum impedimento na Justiça, a usina ficará pronta apenas em agosto de 2011. A previsão oficial, porém, insiste em afirmar que os trabalhos serão concluídos no início de 2010. Os atrasos verificados nas obras da nova avenida no porto de Santos, no campo do Mexilhão e na usina de Dardanelos não são casos isolados. A reportagem do Anuário EXAME de Infra-Estrutura checou o andamento de dez projetos importantes previstos para ser entregues entre 2008 e 2009. Oito deles estão atrasados. No setor de aeroportos, por exemplo, entre as 11 obras liberadas para execução, apenas três se encontram em andamento. A situação mais preocupante é a do projeto de ampliação e melhorias de segurança no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Segundo o cronograma original, tudo deveria ficar pronto no final de 2008. Nesse caso, até o governo reconhece que não vai dar. Os trabalhos estão paralisados desde março deste ano e não há possibilidade de ser concluídos antes do início de 2010. Superfaturamento

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Marcha reduzidaAo contrário do que aponta a avaliação otimista do governo, vários projetos importantes do PAC estão atrasados e a situação pode se agravar com a escassez de crédito no mercado A construção de uma nova avenida de acesso ao porto de Santos é considerada fundamental para resolver um dos mais velhos gargalos de infra-estrutura do país: o congestionamento gigantesco de caminhões que se forma por ali para o desembarque de mercadorias. Na época da colheita da safra de grãos, por exemplo, os caminhões chegaram a formar filas de 20 quilômetros de extensão no local. Em abril de 2007, a solução para o problema finalmente começou a tomar forma, com o início dos trabalhos para a abertura de uma via de 9,2 quilômetros. O novo acesso ao porto custará 55,5 milhões de reais e o projeto foi entregue à Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Segundo as previsões iniciais, tudo deveria ficar pronto em maio de 2009. Esse era o plano. A realidade, porém, é bem diferente. Se tudo correr às mil maravilhas, a obra será entregue até o final de 2009. Em razão de uma série de problemas, porém, a obra não será concluída no prazo. Entre outros imbróglios que geraram o atraso, o traçado da perimetral teve de ser redesenhado para afastar o trânsito de veículos de uma série de imóveis de valor histórico da região, como o Mercado Municipal e o prédio da Alfândega. De acordo com análises dos especialistas, o tráfego de caminhões carregados nas imediações poderia afetar o solo da região e, por conseqüência, a estrutura das construções mais antigas.

A nova avenida para o porto de Santos faz parte do pacote de mais de 2 000 obras incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento, uma resposta dada pelo governo às enormes deficiências de infra-estrutura do país. Periodicamente, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, divulga balanços sobre os trabalhos. No mais recente deles, ocorrido em outubro, o andamento de 83% dos projetos foi classificado como "adequado", e a previsão é que sejam finalizados dentro do prazo previsto no plano. De acordo com a ministra, mesmo com a crise econômica global os empresários estrangeiros com investimentos no Brasil não diminuíram o interesse por obras de infra-estrutura no país. "Nos últimos meses, aumentou o interesse de todos os parceiros, japoneses, ingleses e coreanos. Não vimos arrefecimentos", disse Dilma.

Avaliação otimista

Ainda de acordo com a mesma avaliação, apenas 8% dos projetos do PAC merecem atenção especial ou correm risco de sofrer algum tipo de atraso. Curiosamente, a avenida para o porto de Santos não está incluída entre eles - apesar de os responsáveis pela obra já terem admitido publicamente o atraso na execução. Para o governo, o projeto segue em ritmo "adequado" - ou seja, ele será entregue dentro do prazo previsto. Em resposta aos pedidos da reportagem do Anuário EXAME de Infra-Estrutura para esclarecimento dos critérios usados nessa contabilidade muito particular, a assessoria da Casa Civil limitou-se a enviar uma nota afirmando que o conjunto de avaliações divulgadas nos balanços do PAC "adota um critério transparente e objetivo de avaliação da situação das ações monitoradas que leva em conta o cronograma e os riscos do empreendimento".

Segunda opinião

O mesmo descompasso entre a avaliação do governo e a realidade se repete em outras grandes obras. Segundo o último balanço do PAC, o projeto do campo do Mexilhão, no litoral de São Paulo, segue num ritmo considerado adequado, mantendo-se a previsão de término dos trabalhos para agosto de 2009. Com investimento estimado em 6,5 bilhões de reais, a obra compreende, entre outras coisas, a perfuração de sete poços de gás, a instalação de uma plataforma fixa e a construção de um gasoduto de 145 quilômetros entre as cidades de Santos e Caraguatatuba, no litoral paulista. De todos esses itens, apenas o gasoduto ficará pronto no prazo determinado. Por causa de problemas na obtenção de licença ambiental e de atrasos no ritmo dos trabalhos de perfuração dos poços, o campo do Mexilhão, na melhor das hipóteses, estará concluído apenas em maio de 2010 - quase um ano após a previsão oficial.

Outro empreendimento do PAC que segue em ritmo adequado na avaliação do governo é a usina de Dardanelos, que será a maior hidrelétrica de Mato Grosso, com capacidade para atender uma população de aproximadamente 600 000 habitantes. Desde o início, o projeto foi cercado de polêmica. O Ministério Público moveu uma ação para barrar a construção argumentando que o reservatório da usina iria ameaçar duas das cachoeiras mais espetaculares da região Amazônica, os saltos de Dardanelos e das Andorinhas. Por determinação da Justiça, as obras foram paralisadas em março - sendo retomadas 20 dias depois, com base numa liminar movida pelo consórcio responsável pelo empreendimento. O caso encontra-se hoje aguardando julgamento na Justiça Federal, e a possibilidade de uma nova sentença contrária à continuidade da obra não está descartada. Até o momento, cerca de 40% do projeto da hidrelétrica foi concluído. Mesmo se a construção não sofrer mais nenhum impedimento na Justiça, a usina ficará pronta apenas em agosto de 2011. A previsão oficial, porém, insiste em afirmar que os trabalhos serão concluídos no início de 2010.

Os atrasos verificados nas obras da nova avenida no porto de Santos, no campo do Mexilhão e na usina de Dardanelos não são casos isolados. A reportagem do Anuário EXAME de Infra-Estrutura checou o andamento de dez projetos importantes previstos para ser entregues entre 2008 e 2009. Oito deles estão atrasados. No setor de aeroportos, por exemplo, entre as 11 obras liberadas para execução, apenas três se encontram em andamento. A situação mais preocupante é a do projeto de ampliação e melhorias de segurança no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Segundo o cronograma original, tudo deveria ficar pronto no final de 2008. Nesse caso, até o governo reconhece que não vai dar. Os trabalhos estão paralisados desde março deste ano e não há possibilidade de ser concluídos antes do início de 2010.

Superfaturamento

A interrupção ocorreu devido a um processo iniciado pelo Tribunal de Contas da União, que levantou suspeitas sobre o superfaturamento da obra. Com base numa amostra de 31 serviços incluídos no projeto, os técnicos do órgão concluíram que havia um sobrepreço de 83,5 milhões de reais apenas nessa parte da reforma. A informação levou o Ministério Público a bloquear uma fatia dos recursos do projeto e a pedir esclarecimentos à INFRAERO, responsável pela reforma que estava sendo tocada pelo consórcio de empreiteiras Queiroz Galvão, Constran e Serveng. A INFRAERO defendeu-se alegando que os técnicos do TCU fizeram cálculos equivocados. Até o fechamento deste anuário, o caso seguia sem nenhuma perspectiva de solução. "O impasse gera prejuízos incalculáveis às empresas do setor, que já fizeram investimentos para estar preparadas para um cenário com as futuras modernizações", afirma João Virgílio Merighi, presidente da Associação Nacional de Infra-Estrutura de Transporte.

Entre as áreas consideradas menos problemáticas do PAC em termos de andamento das obras estão as rodovias. Segundo avaliação dos especialistas da Fundação Dom Cabral, dos 2 915 quilômetros previstos pelo programa do governo federal, 53% estão ainda inacabados, mas o ritmo atual dos trabalhos permite projeções otimistas em relação ao cumprimento dos prazos. Um dos projetos da lista, a duplicação e a modernização da BR-101 nos trechos da Paraíba e do Rio Grande do Norte, deve ficar pronto no final de 2009, conforme o cronograma original. É a primeira vez que são feitas melhorias na parte nordestina da estrada em três décadas. Os trabalhos ficaram a cargo do Exército brasileiro e consumirão um investimento de aproximadamente 700 milhões de reais. Até a data de fechamento deste anuário, mais da metade do projeto já havia sido concluída. Outro setor do PAC que contabiliza avanços é o ferroviário. Seguem em bom ritmo projetos como a construção de 504 quilômetros da ferrovia Norte–Sul no trecho de Tocantins, que deve ser concluída até dezembro de 2009, ao custo de 1,6 bilhão de reais. Obras como essa vão permitir a ampliação da malha ferroviária nacional depois de décadas de estagnação.

Os problemas burocráticos e os entraves ambientais não são os únicos fatores responsáveis pelos atrasos nas obras do PAC. Um levantamento recente da ONG Contas Abertas mostrou que, passado um ano do lançamento do projeto, a liberação de verbas do governo federal para as obras ainda vinha ocorrendo a conta-gotas. Desde o lançamento do PAC até maio deste ano, apenas 18% do dinheiro público havia sido gasto. Mantido esse ritmo, o governo federal teria de liberar até o final de dezembro mais de 40 milhões de reais por dia para investir toda a verba prevista para 2008. "A gestão ineficiente de recursos públicos é um dos principais obstáculos para cumprir o cronograma do PAC", afirma Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base.

Crédito escasso

Aos problemas que já paralisam obras importantes, soma-se agora outro complicador: a crise financeira global. O crédito tornou-se mais escasso nos últimos meses, trazendo nuvens escuras ao horizonte do PAC, que prevê investimentos de 504 bilhões de reais, dos quais 60% são de responsabilidade do governo e o restante da iniciativa privada. Num cenário de grande turbulência financeira, as torneiras das verbas correm o risco de se fechar em ambas as fontes - embora o governo federal tenha declarado que os investimentos do PAC serão mantidos. "O dinheiro do governo reservado ao PAC vai competir com as prioridades de outras áreas, enquanto os investidores privados terão muito mais cuidado com os riscos dos empreendimentos que irão encampar", afirma Paulo Tarso Resende, especialista em logística da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.

A pedido de EXAME, os especialistas da escola de negócios selecionaram os 30 projetos mais importantes do programa de acordo com o potencial das obras para resolver gargalos de infra-estrutura e promover o desenvolvimento econômico regional. Com base nessa lista, os técnicos da Fundação Dom Cabral fizeram projeções sobre a influência da crise financeira global no andamento desses projetos. Todos os casos analisados correm o risco de sofrer atrasos, 70% deles por falta de recursos. Um dos projetos que podem enfrentar esse tipo de dificuldade é o trem-bala que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro, uma das prioridades para melhorar a infra-estrutura do país com vistas à realização da Copa do Mundo de futebol em 2014. O trem-bala está entre as obras mais caras do PAC, com custo estimado em 11 bilhões de dólares. O leilão para a concessão da obra estava marcado para março de 2009, mas já foi adiado para o segundo semestre. Mesmo com a mudança de data, a maior parte dos especialistas do setor acredita que haverá atrasos no cronograma em razão da crise atual.

"Nossa avaliação é realista: a maioria dessas obras depende de recursos privados e ninguém tem dinheiro agora, a menos que o governo fabrique dinheiro", diz Resende. Em razão desse diagnóstico, Resende propõe que o governo dê prioridade a alguns projetos, sobretudo os que podem ter impacto positivo no desenvolvimento econômico regional, como é o caso da ferrovia Norte–Sul. "Os investimentos em infra-estrutura podem fortalecer o mercado interno brasileiro, reduzindo os estragos provocados pela queda de exportações para os mercados afetados pela turbulência financeira, como o americano e o europeu", afirma Resende.

Por ora, no entanto, o discurso do governo não admite nenhum tipo de revisão no plano original do PAC. Durante a divulgação do último balanço sobre o andamento das obras, a ministra Dilma Rousseff disse que nenhum dos projetos sofrerá atraso por causa da falta de recursos. No início de dezembro, o governo anunciou um aumento de 132 bilhões de dólares de verbas para o programa até 2010. "Entre os gastos que podem ser revistos, o último em que faremos alguma modificação é o PAC", afirma a ministra, referindo-se a um possível cenário de corte de despesas provocado pelo agravamento da crise global. O problema do discurso oficial é o mesmo dos balanços apresentados para prestar contas do andamento das obras do PAC: entre os desejos do governo e a realidade, começa a se formar uma distância enorme. Mudar essa postura é fundamental para evitar que o programa não caia na vala comum das siglas que os marqueteiros de Brasília costumam lançar com estardalhaço, gerando a sensação de que agora a coisa vai. Depois do espetáculo de propaganda, porém, os problemas permanecem.

É bonito, não atrasa e ainda dá lucro Em Copenhague, o melhor aeroporto privatizado do mundo, os funcionários cumprem metas, os usuários recebem informações operacionais pelo celular e, o mais importante, 95% dos vôos saem no horário

No começo da década de 90, o aeroporto de Copenhague, na Dinamarca, estava mais perto de Congonhas do que do Primeiro Mundo. A exemplo do que ocorre hoje com o problemático terminal da capital paulistana, o serviço escandinavo se encontrava à beira de um apagão aéreo, com atrasos freqüentes e falta de verbas para reformas de manutenção e ampliação. A confusão chegou a tal ponto que o Parlamento dinamarquês resolveu intervir na história, determinando em 1994 a privatização do negócio. Desde então, as coisas por lá mudaram de forma substancial. Hoje, ele está na lista dos mais eficientes do mundo, registrando um índice de pontualidade de 95% nos vôos (em Congonhas, a taxa é de 43%). Além disso, o aeroporto de Copenhague passou a apresentar resultados financeiros muito melhores. As receitas quase quintuplicaram, chegando à casa de 570 milhões de dólares no ano passado. No mesmo período, o lucro sextuplicou e se encontra hoje perto da marca de 180 milhões de dólares por ano. Os resultados obtidos com a mudança transformaram o aeroporto num modelo de como privatizar um serviço desse tipo. O exemplo dinamarquês é especialmente valioso para o Brasil, que se prepara para entregar a empresas privadas em 2009 os aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e o de Viracopos, em Campinas.

A mudança de gestão em Copenhague foi realizada de forma gradual. Num primeiro momento, a participação do governo na operação caiu para 75%. Hoje, ela está na casa dos 40% e a expectativa é que essa taxa se reduza ainda mais nos próximos anos. Quem controla atualmente o aeroporto é a empresa Copenhagen Airports. "Temos uma grande importância para a indústria e o comércio da Dinamarca", afirma Brian Petersen, que fez carreira na Procter&Gamble antes de assumir, em 2007, a presidência da Copenhagen Aiports. As palavras do executivo não são exageradas. O aeroporto é hoje o maior empregador do país, reunindo um exército de 22 000 pessoas, entre as vagas de trabalho diretas e indiretas. Localizado na ilha de Amager, a 12 quilômetros do centro de Copenhague, o terminal não é apenas o principal da Dinamarca mas também de toda a Escandinávia, região que inclui a Suécia e a Noruega.

Mudança de patamar

Desde a privatização, tudo o que envolve o aeroporto de Copenhague é devidamente regido por metas e estatísticas, como determinam os princípios da gestão moderna. Quando cumprem as metas estabelecidas pela direção, os funcionários ganham em troca ações da companhia. Um dos grandes objetivos no momento é aumentar o movimento dos atuais 21,4 milhões de passageiros por ano para 30 milhões até 2015 - e, ao mesmo tempo, ser reconhecido como o melhor do mundo. Na última edição do ranking mundial do setor, elaborado pela consultoria inglesa Skytrax, o aeroporto de Copenhague aparece na 7a posição. É o único terminal privatizado que aparece entre os primeiros colocados. Para elaborar a pesquisa, a Skytrax realiza entrevistas com usuários e analisa a estrutura de cada aeroporto, avaliando itens como segurança e agilidade dos funcionários.

Os investimentos feitos desde a privatização demonstram que o objetivo de melhorar o serviço tem sido perseguido com obstinação. Em 1998, foi inaugurado o Terminal 3, com 44 000 metros quadrados, o que não apenas aumentou a capacidade do aeroporto como possibilitou a oferta de um serviço rápido e eficiente de trem até o centro de Copenhague. Entre as 50 lojas de sua requintada área de compras estão nomes célebres como Gucci, Hermès, Hugo Boss, Ralph Lauren, Montblanc, Porsche e Versace. Desde 2005, os passageiros podem encontrar todas as informações de que necessitam em um único centro de atendimento, independente da companhia aérea que utilizarão. Eventuais mudanças de horário nos vôos são informadas em tempo real pelo site do aeroporto e o usuário tem a opção de se cadastrar para receber informações no celular. Uma área para lazer de crianças acaba de ser inaugurada no Terminal 2 - e os pais podem fazer sauna enquanto esperam. Em 2008, o aeroporto está reinvestindo praticamente todo o lucro na melhoria dos serviços de check-in e na ampliação da capacidade de armazenamento de bagagens. Outro projeto importante consiste em reduzir 21% as emissões de gases poluentes até 2012.

Modelo de eficiência

Programas de privatização como o realizado na Dinamarca vêm sendo adotados desde os anos 80. A Inglaterra foi pioneira nessa política, quando a British Airports Authority (BAA) passou às mãos da iniciativa privada, em 1987. Na Argentina, o grupo Aeropuertos Argentina controla desde o final dos anos 90 mais da metade dos aeroportos do país. Essa onda começou a receber críticas quando algumas empresas aumentaram as tarifas para os passageiros e as companhias aéreas. Mesmo assim, o avanço da privatização no setor continua, até mesmo por falta de alternativas. Com o aumento do tráfego aéreo mundial, poucos governos no mundo têm hoje recursos para realizar investimentos para manter o serviço dos terminais num padrão eficiente. Nos Estados Unidos, está em discussão agora a venda do aeroporto Midway, de Chicago, que atende 18 milhões de passageiros por ano. Se a idéia de privatização do Galeão e de Viracopos for levada adiante, o Brasil deve engrossar a fileira de países que adotaram o modelo de Copenhague.

Um longo e tortuosoCanoas para transportar sorvetes, pousos de emergência de aviões no meio da selva, crateras nas rodovias e outros lances da epopéia logística enfrentada pelas empresas para entregar suas mercadorias na Região Norte do país Em São Gabriel da Cachoeira, município de 40 000 habitantes às margens do rio Negro, no Amazonas, uma criança toma um sorvete que viajou quase 10 000 quilômetros durante três semanas para chegar até ela. A epopéia começa no centro de distribuição da Kibon, do grupo Unilever, na cidade de Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo. De lá, mensalmente, saem comboios de carretas carregadas de produtos em direção às capitais da Região Norte do país. O trajeto rodoviário de 2 900 quilômetros até Belém, no Pará, consome cinco dias. Desse ponto, começa a etapa fluvial do percurso. Os caminhões seguem de balsa até Manaus, onde parte da carga passa a ser transportada em catraias, gaiolas e outras pequenas embarcações que abastecem vilarejos como São Gabriel da Cachoeira. Em alguns casos, um freezer horizontal, mesmo fora da tomada, serve como isolante térmico para preservar o carregamento. Em outras situações, quando os trechos permitem apenas a passagem de canoas, os sorvetes são levados em caixas de isopor com gelo seco. Por causa dessa complicada logística, os preços dos produtos sofrem um acréscimo de aproximadamente 10% até o destino.

O ritmo de aumento do consumo nos estados do Norte do país é um dos principais motivos que levam uma empresa como a Unilever a fazer todo esse esforço logístico. Entre 2002 e 2005, dados mais recentes do IBGE, a taxa de crescimento da economia da região foi de 15%, a maior do Brasil durante o período. A operadora de celulares Vivo, por exemplo, registra um crescimento médio de assinaturas no Amazonas e no Pará de 48% nos últimos anos, o triplo do índice registrado em São Paulo. Em 2007, na Região Norte do país as vendas de cervejas ultrapassaram os 800 milhões de litros e as de refrigerantes somaram 1,2 bilhão de litros, recordes históricos. Todo esse crescimento, é verdade, vem ocorrendo a partir de uma base pequena. No caso dos sorvetes da Kibon, o consumo total da região é equivalente a um décimo do registrado no interior do estado de São Paulo. Mas hoje, para as empresas, importa mais a expectativa de crescimento que o tamanho do mercado. "Se deixarmos de abastecer o interior do Pará e do Amazonas, os concorrentes podem tomar conta de tudo", afirma Marcelo Furtado, gerente de logística da Unilever.

A epopéia do sorvete

Manter a presença na Região Norte não é das tarefas mais fáceis. Apesar do movimento de migração de algumas fábricas para o Norte e Nordeste ocorrido a partir da década de 90, o fluxo mais intenso para abastecer a região ainda parte do Sul e Sudeste. E percorrer os quase 3 000 quilômetros que separam São Paulo de Belém pode ser uma aventura. "Mas já foi muito pior", diz o caminhoneiro cearense Francisco Bruno de Lima, de 50 anos, da transportadora Rápido Canarinho, de Atibaia, no interior de São Paulo. O percurso que hoje dura cinco dias costumava levar duas semanas até dez anos atrás, quando grande parte do caminho da BR-010 era de terra batida. "Agora é asfalto, com alguns buracos, mas é asfalto", afirma Lima. Uma pesquisa recente da Confederação Nacional do Transporte (CNT) dá a exata idéia da epopéia que é dirigir até a região. Nas regiões Norte e Nordeste ficam sete das dez piores estradas do país. Não bastassem essas dificuldades, as companhias ainda esbarram numa série de processos burocráticos, que são um capítulo à parte nessa jornada. Em Utinga, portão de entrada do Pará pelo Maranhão, o processo de conferência de notas fiscais e mercadorias realizado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) leva cerca de 12 horas - por isso, é comum filas de espera com mais de 100 caminhões.

Na ausência de uma malha rodoviária adequada, as empresas utilizam com freqüência o transporte fluvial, sobretudo para chegar ao interior dos estados do Amazonas e do Pará. A região da Amazônia tem 25 000 quilômetros de rios navegáveis, mais que o dobro das estradas existentes pavimentadas. A opção por esse caminho, no entanto, implica viagens muito mais longas e demoradas. "Produtos com prazo de validade curto dificilmente chegam aos municípios mais afastados", afirma Valmir Zanute, diretor da EBD, uma das maiores distribuidoras de produtos da região. A probabilidade de encontrar itens como iogurte em pontos-de-venda distantes de Belém e Manaus é a mesma que ver um jacaré passeando nos corredores de um shopping em São Paulo.

O caminho das águas

Em 2007, a Coca-Cola tentou emplacar no Norte do Brasil sua água Aquarius, mas teve de abandonar a experiência depois de alguns meses. A bebida, que tem prazo de validade de 90 dias, demorava quase um mês para chegar a alguns destinos. Com isso, o tempo para vendê-la nesse mercado era tão pequeno que não compensava o investimento de transporte. No passado, outro produto da companhia sofreu com as intempéries da região. Até o final da década de 70, a Fanta Laranja chegava ao Acre descolorida. Durante a viagem, o sol castigava tanto os engradados que fazia a cor artificial do refrigerante desaparecer. O problema foi resolvido com a inauguração de uma fábrica da Coca-Cola no Acre. Mesmo assim, nos primeiros tempos de vendas, parte dos consumidores estranhou o produto. "As pessoas chegavam no mercado e pediam a Fanta ‘branca’, que era a que elas conheciam", diz Antonino Araújo, que na década de 70 trabalhou como diretor do grupo Simões, empresa distribuidora da Coca-Cola no Amazonas.

Em razão dos problemas enfrentados por terra e água, a distribuição de cargas na Região Norte por transporte aéreo vem ganhando força como alternativa, ainda que isso resulte em despesas maiores. Num percurso de aproximadamente 1 000 quilômetros, que vai de Manaus até Parintins, por exemplo, a entrega de uma encomenda de 100 quilos realizada por avião custa 2 000 reais, o equivalente a 20 vezes o valor cobrado no transporte fluvial. Muitas vezes, porém, a agilidade do serviço compensa essa diferença de preço. "Uma carga retirada do aeroporto de Guarulhos às 20 horas estará em Manaus, já liberada para ser distribuída, por volta das 10 horas da manhã seguinte", afirma Marcus Sabino, executivo de contas da companhia de transportes aéreos Actual, de Manaus. Para gozar dessa agilidade, a filial brasileira da fabricante americana de brinquedos Mattel embarca desde carrinhos Hot Wheels até as bonecas Barbie e Poly de avião para a Amazônia. Atualmente, a Mattel envia duas cargas mensais de brinquedos, com 300 quilos cada uma, para Manaus. "O desafio é não repassar esse custo extra com a distribuição para o consumidor final", diz Ricardo Roschel, diretor de operações da Mattel. "O desempenho de vendas em estados como Amazonas e Pará tem sido muito bom para a empresa, o que ajuda a equilibrar o custo da operação."

Por causa da demanda de clientes como a Mattel, o mercado de táxi aéreo da Região Norte anda bastante aquecido. A Amazonaves, de Manaus, uma das companhias que prestam esse serviço, dobrou seu movimento nos últimos cinco anos com a entrega de insumos para a Petrobras e de bens de consumo como roupas, cosméticos, bicicletas, produtos eletrônicos e computadores para distribuidores locais. Mas se as rodovias sofrem com buracos e as hidrovias com a falta de portos, o transporte aéreo padece com as chamadas "zonas escuras". "Somos desprovidos de informações de vôo, não existe nenhum apoio no interior da Amazônia para a navegação aérea", afirma Geraldo Picão, sócio-fundador e piloto da Amazonaves. Em 2002, um piloto da empresa fez um pouso de emergência numa área de mata fechada e seu corpo só foi encontrado 90 dias depois. Outra dificuldade é com o abastecimento, já que, além da capital Manaus, apenas quatro municípios - separados entre si por 3 horas de vôo - têm estrutura para abastecer os aviões. "Voamos com aviões Caravan, que têm apenas 6 horas de autonomia de vôo, o que é um complicador", diz Picão. No estado de São Paulo existe um aeroporto para abastecer a cada 15 minutos, o que dá uma idéia da aridez aeroportuária da Amazônia.

Com características tão peculiares, mesmo o transporte de uma garrafa de refrigerante apresenta desafios na Amazônia quando o destino da entrega é em localidades como Guajará, na fronteira do Amazonas com o Acre. "Talvez esse seja o nosso destino mais complicado, a começar pela distância", diz Aristarco de Paula Neto, presidente do grupo Simões, que distribui os produtos Coca-Cola na região. Partindo de Manaus, em linha reta, seriam 1 300 quilômetros até Guajará, mas não há rodovia que ligue as duas cidades. A única rota possível é a fluvial, primeiro pelo rio Solimões, depois afluentes cada vez menores até o rio Juruá - o que resulta em 4 600 quilômetros da capital do estado até a cidade, a última fronteira da Amazônia. Apesar do uso intenso dos rios, eles nunca foram devidamente mapeados e não existe orientação oficial quanto à localização dos temidos bancos de areia, o que, não raro, causa acidentes. "Já perdemos cargas inteiras com barcos que tombaram após colisão com os bancos de areia", disse Paula Neto. "No final das contas é a experiência do nosso caboclo que faz a balsa chegar ao destino."

A epopéia do carimbo verde

As pressões, os problemas e os dilemas que envolvem o trabalho da equipe de analistas do Ibama responsável pelo licenciamento ambiental das obras de grande porte

O geólogo brasiliense Marcus Vinicius Melo, de 36 anos, é um dos integrantes mais antigos do time do Ibama que cuida do processo de licenciamento ambiental de grandes obras no país. Essa equipe, formada por 175 profissionais, quase sempre fica longe de qualquer holofote, mas tem um papel fundamental em toda a história. Uma canetada de um deles pode interromper a construção de uma hidrelétrica, obrigar uma empreiteira a redesenhar o traçado inteiro de uma rodovia ou, em casos extremos, inviabilizar por completo a execução de um projeto bilionário. Está nas mãos de pessoas como Melo a complicada missão de checar se as necessidades de expansão da infra-estrutura do país não atropelam a preservação do meio ambiente e do patrimônio histórico nacional. As pressões envolvidas no trabalho são enormes e vêm de todos os lados - governo, empresas, ONGs, imprensa e população. "Lidamos com temas complexos e interesses difíceis de conciliar, daí a demora de alguns trabalhos", afirma Melo.

Em dez anos de experiência na função, o analista já participou de processos de liberação de obras como as da usina nuclear Angra 2, no Rio de Janeiro, e das hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia. Na maior parte do tempo, Melo trabalha estudando documentos relativos aos processos na sede do Ibama, em Brasília. Algumas vezes, a análise exige visitas in loco aos canteiros de construção e a participação em audiências públicas nos locais que irão receber as obras. "Já tive de sair correndo de uma reunião debaixo de pancadaria e escoltado por guardas", afirma Melo, referindo-se a um episódio ocorrido em 2005 na cidade de Maceió, em Alagoas. Na ocasião, discutia-se em audiência pública o polêmico projeto de transposição das águas do rio São Francisco. "Centenas de pessoas contrárias a essa idéia tentaram interromper o debate, a polícia interveio e começou a confusão", diz o geólogo, que conseguiu escapar ileso do tumulto. Tempos depois, a obra acabou sendo liberada.

Novas contratações

Os profissionais do Ibama viraram também alvos dos críticos que identificam neles um dos gargalos responsáveis por transformar o processo de análise ambiental numa novela longa, com capítulos que podem se arrastar por mais de dois anos. Os 175 analistas do Ibama cuidam hoje de aproximadamente 1 200 processos, o que dá uma média de quase sete por funcionário. "Considerando-se o tamanho de cada trabalho, que exige análises aprofundadas e muito específicas, é muita coisa para pouca gente", afirma Sebastião Pires, diretor de licenciamento ambiental do Ibama.

Fiscais ecológicos

Reforçar o time de trabalho nessa área foi um dos itens do pacote lançado em julho pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. O projeto tem como objetivo reduzir para um prazo de, no máximo, 13 meses a concessão de licenças. Uma das novidades anunciadas foi a contratação de 90 novos técnicos para o Ibama. O concurso público para selecionar os candidatos está previsto para ocorrer em 2009. Além disso, estão previstas ações como a criação de núcleos de licenciamento nas superintendências do Ibama nos estados e a capacitação dos técnicos em programas de educação continuada. "É possível ser mais ágil e mais rigoroso no procedimento de concessão de licenças", afirmou Minc na época.

Além do aumento no quadro de analistas, há outros fatores considerados críticos para a demora dos processos: a responsabilidade criminal pelo licenciamento de obras de infra-estrutura. Atualmente, os técnicos que assinam os pareceres finais do processo de licenciamento ambiental respondem perante a Justiça em caso de danos ambientais. Como os processos de licenciamento às vezes envolvem cifras milionárias, os funcionários temem ser responsabilizados em caso de processos judiciais. "Muitos acham que obter a licença ambiental é tão simples quanto ir a um cartório carimbar um documento. Nossa responsabilidade é muito maior", afirma o zootecnista paulista Vilson José Naliato, analista ambiental do Ibama.

Na opinião de vários especialistas no tema, a possibilidade de os técnicos serem penalizados em caso de problemas faz com que eles assumam, por precaução, uma posição extremamente conservadora no momento de assinar seus pareceres, exigindo complementos aos estudos e gerando atrasos ao processo. "Por ser o último filtro do sistema, o agente licenciador fica com todo o ônus de juízo de uma questão", afirma o engenheiro José Ayres da Costa, diretor do CNEC, divisão de engenharia consultiva e meio ambiente do grupo Camargo Corrêa. "Livrar os analistas ambientais da responsabilidade criminal é fundamental para tornar mais ágil o processo de licenciamento", afirma Vitor Bellia, diretor da Oikos, empresa que atua na área de licenciamento.

Uma transformação silenciosaO município de Goianésia é um exemplo das grandes mudanças sociais e econômicas que os serviços de saneamento básico podem trazer a uma comunidade O cotidiano de Goianésia, cidade com 55 000 habitantes a 170 quilômetros de Goiânia, é típico do interior do Brasil. Quase tudo se concentra em torno da igreja e da praça, prédios com mais de quatro andares podem ser contados nos dedos das mãos e dois semáforos são suficientes para controlar o trânsito local. O município, no entanto, se destaca por uma mudança silenciosa que vem ocorrendo nos últimos 15 anos, decorrente da ampliação dos serviços de saneamento básico. Nesse período, a taxa de cobertura da rede de esgoto passou de 29% para os atuais 75% da população, com reflexos diretos nas estatísticas relacionadas à saúde. O índice de mortalidade infantil caiu de 28 para 11 casos a cada grupo de 1 000 crianças nascidas vivas (quase um terço da média brasileira) e o percentual de internações hospitalares provocadas por doenças infecciosas e parasitárias despencou de 34% para 12%, o que representou uma redução anual estimada em 600 000 reais nos gastos públicos. A melhoria da infra-estrutura também contribuiu para tornar Goianésia mais atraente para investimentos e valorizou o mercado mobiliário. Desde o início da década de 90, o número de estabelecimentos comerciais dobrou, chegando ao número atual de 800, e a cotação de alguns imóveis na região central do município aumentou 100%.

Desde o final da década de 90, a cidade obteve 15 milhões de reais para obras como a modernização da estação de tratamento de esgoto. Sua capacidade foi triplicada para dar conta da demanda resultante da ampliação da rede coletora, e a construção do aterro sanitário, um dos primeiros a ser instalados no estado de Goiás, em substituição ao antigo lixão a céu aberto. O sistema de coleta de lixo nas ruas também foi modernizado. Três caminhões compactadores passaram a fazer o trabalho que costumava ser feito por nove caminhões-caçamba cobertos por lonas, improviso que freqüentemente resultava em lixo espalhado pela cidade. Hoje, 100% da população tem acesso ao recolhimento, feito diariamente na região central e três vezes por semana nos demais bairros. Inaugurado há quatro anos, o aterro sanitário está utilizando apenas a terceira das 14 trincheiras de capacidade, o que assegura a resolução do problema do lixo na cidade por pelo menos mais 20 anos, condição rara no país.

O Brasil tem registrado avanços na área de saneamento básico, mas num ritmo ainda muito lento, diante das necessidades da população. De acordo com uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas e da ONG Instituto Trata Brasil, entre 2006 e 2007 a taxa de brasileiros que não possuem acesso à coleta de esgoto caiu de 53,23% para 50,56%. Esse é o menor número registrado nos últimos 15 anos, mas salta à vista o fato de que, em pleno século 21, boa parte dos brasileiros ainda não tenha acesso a esse e a outros serviços básicos. Quase 20% da população não conhece o que é água tratada e 20% não tem acesso à coleta de lixo. "Investir em saneamento básico significa salvar vidas", afirma Raul Pinho, presidente executivo do Instituto Trata Brasil. Um estudo encomendado pela ONG à FGV concluiu que viver sob condições inadequadas de saneamento básico aumenta 32% o risco de morte entre crianças de até 6 anos.

Tendo superado os problemas mais cruciais relacionados à falta de saneamento, a prefeitura de Goianésia consegue hoje concentrar investimentos em outras áreas prioritárias, como a educação. As 12 escolas municipais de Ensino Fundamental, que somam 6 200 alunos, funcionam em tempo integral. Quem estuda pela manhã faz algum tipo de atividade à tarde, e vice-versa. Entre as possibilidades à escolha dos estudantes estão reforço escolar, dança, música, natação, futebol, xadrez, literatura, artesanato e inglês. "A gente só consegue aproveitar tudo isso porque está com a saúde em dia", diz o estudante Aurélio Sampaio Povoa, de 15 anos, que virou celebridade local depois de vencer no ano passado a primeira edição do Soletrando, uma gincana de conhecimentos em português promovida pelo programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo.

Rede de benefícios

Entre tantas lições positivas, o caso de Goianésia confirma também uma velha máxima da política nacional: investir em saneamento dificilmente rende votos, pois as obras ficam "embaixo da terra" e não podem ser vistas e desfrutadas diretamente pela população. O prefeito Otávio Lage de Siqueira Filho, do PSDB, acaba de sentir isso na pele. Depois de cumprir dois mandatos, período em que o município obteve boa parte dos avanços em saneamento básico, ele não conseguiu eleger o sucessor. O vitorioso foi Gilberto Naves, do PMDB. "O que importa mesmo é ter a convicção de que as obras ficam para o futuro da cidade", diz Siqueira Filho.

O fim da sujeira no caisDois portos da Califórnia querem virar um modelo de sustentabilidade com inovações como rebocadores híbridos, caminhões elétricos e legislação para tirar das docas os veículos poluentes Poucas atividades têm potencial de provocar tanta sujeira quanto o movimento portuário. Paira sobre a maior parte dos terminais uma enorme nuvem negra, resultado da queima de toneladas de combustível provocada pelo incessante vai-e-vem de caminhões, navios e outros equipamentos pesados, como guindastes e rebocadores. Os problemas não se limitam à emissão pesada de poluentes na atmosfera. Acidentes provocados por vazamentos de óleo diesel ou de cargas das embarcações são relativamente freqüentes, deixando um rastro de detritos que podem comprometer para sempre o equilíbrio da vida marítima dos locais atingidos. Encontrar soluções para amenizar o impacto ambiental dos trabalhos nas docas não é das tarefas mais simples, pois exige o desenvolvimento de novas tecnologias e mudanças radicais nos procedimentos de embarque e desembarque de cargas, medidas que, em geral, elevam os custos das operações.

As autoridades da cidade de Los Angeles e de Long Beach, na Califórnia, nos Estados Unidos, resolveram enfrentar a questão e lançaram um programa pioneiro nessa área. Ele consiste num investimento de cerca de 2 bilhões de dólares para obter até 2011 uma redução de 45% no volume de emissões de substâncias tóxicas dos portos municipais - o de Los Angeles e de seu vizinho menor, Long Beach. Juntos, eles compõem o quinto complexo portuário mais ativo do mundo, movimentando 260 bilhões de dólares por ano em contêineres. Os terminais também acumulam outros números impressionantes e bem menos lisonjeiros. Esses locais respondem por mais de 20% das emissões de substâncias tóxicas na área de monitoração ambiental, que inclui os condados de Los Angeles, San Bernardino, Riverside e Orange. Suas atividades são mais poluentes do que a queima de combustível da frota de 6 milhões de carros que circulam na região metropolitana de Los Angeles.

Para tentar melhorar a situação, foi lançado no final de 2006 o Plano de Ação para o Ar Limpo, que envolve esforços do setor portuário e dos governos estadual e municipal a fim de desenvolver e implantar tecnologias verdes para economizar combustíveis e reduzir emissões tóxicas. Uma série de inovações tecnológicas está ajudando a tornar mais limpas as cinco maiores fontes de poluição dos portos - navios cargueiros, embarcações de apoio, equipamentos de manejo de carga, caminhões e trens. As principais ações do plano são: instalar redes elétricas nos terminais para que os navios atracados se conectem e possam desligar os motores a diesel; modernizar os guindastes que manejam a carga para reaproveitar parte da energia gasta; substituir os caminhões de transporte de contêineres por veículos mais modernos e menos poluentes; introduzir rebocadores e caminhões híbridos ou elétricos; e incentivar os navios a usar combustível mais limpo e reduzir a velocidade para entrar e sair dos portos, a fim de diminuir as emissões.

Terminais ecológicos

Uma das maiores inovações é o caminhão elétrico, que transporta contêineres em viagens curtas na área portuária sem emitir poluentes. Desenvolvido pela fabricante californiana Balqon com ajuda financeira do porto de Los Angeles, um veículo desse tipo já se encontra trabalhando no lugar em caráter experimental. Até o próximo ano, a idéia é contar com uma frota de 25 unidades em operação. Parece um bom negócio não apenas em termos ambientais. Cada modelo custa 200 000 dólares e representa uma economia de 85% em relação a um equivalente a diesel, que gasta 35 000 dólares por ano em combustível. Mais caro é o sistema de energia marítima alternativa (AMP, na sigla em inglês), que alimenta os navios atracados via rede elétrica. O porto de Long Beach gastou 15 milhões de dólares para eletrificar uma só doca. O de Los Angeles já equipou duas docas e pretende investir 100 milhões de dólares nos próximos quatro anos para adaptar outras 13. O sistema exige a colaboração das transportadoras: ainda existem poucos navios no mundo equipados para se conectar à AMP e o custo estimado para realizar a adaptação é de 1 milhão de dólares. Outra vedete das inovações verdes é o rebocador híbrido. Com investimento de 1 milhão de dólares dos dois portos, a empresa Foss está desenvolvendo o primeiro rebocador com dois motores a diesel, dois geradores e quase 10 toneladas de baterias. O barco, que deve ficar pronto ainda neste ano, custa 8 milhões de dólares. A Foss espera uma economia de 30% de combustível.

Uma das etapas mais importantes - e polêmicas - do plano antipoluição acaba de ser posta em prática: o Programa Caminhão Limpo. Em 1o de outubro, foram banidos 2 000 caminhões de transporte de carga fabricados antes de 1989 - ou seja, sem tecnologias de redução de emissão de poluentes. Até 2012, será proibida a circulação de veículos fora dos padrões mais limpos de emissão, implantados em 2007. Quando for totalmente implementado, o programa terá banido 16 000 caminhões "sujos", diminuindo em 80% as emissões tóxicas. O programa inclui subsídios para que as transportadoras ou motoristas só paguem 20% do preço ao comprar caminhões novos, financiados em parte por uma taxa de 35 dólares por contêiner cobrada de importadores e exportadores. As autoridades portuárias também se propõem a adquirir os caminhões fabricados antes de 1989 por 5 000 dólares cada um. Apesar dos incentivos, a medida motiva conflitos. O programa só pôde começar porque um tribunal federal de apelações rejeitou, em 24 de setembro, uma contestação apresentada pelas transportadoras.

A batalha entre interesses ambientais e econômicos também é travada na frente legislativa. Um dia antes de o Programa Caminhão Limpo entrar em vigor, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, vetou um projeto de lei estadual para a cobrança de uma taxa adicional por contêiner nos portos de Los Angeles, Long Beach e Oakland. Os 400 000 dólares arrecadados por ano ajudariam em programas de redução do congestionamento de veículos e instalação de motores menos poluentes em caminhões e trens. "Diante da atual crise econômica, é de vital importância que o estado não piore a situação impondo custos adicionais às empresas", disse o governador. Mais de 100 grandes empresas da Califórnia criticaram a medida, entre elas a Coca-Cola. Até a governadora do Alasca e então candidata republicana à vice-Presidência dos Estados Unidos, Sarah Palin, pediu que Schwarzenegger vetasse a lei, argumentando que ela resultaria em aumentos de preços em seu estado, importador de produtos da Ásia via Califórnia.

Os defensores da taxa e de outras medidas respondem com um raciocínio simples: a expansão da atividade portuária, com geração de empregos e crescimento econômico, depende diretamente do sucesso da campanha ambiental. De fato, os portos esperam que o plano antipoluição limpe sua imagem perante a sociedade e os tribunais e abra caminho para uma planejada expansão da infra-estrutura, com investimentos de cerca de 2 bilhões de dólares, a fim de dar conta do aumento do comércio - que, segundo projeções, triplicará até 2020. "Considerando o impacto na saúde da população, só poderemos nos expandir se combatermos agora as causas da poluição", afirma a diretora executiva do porto de Los Angeles, Geraldine Knatz. Para o presidente da comissão portuária de Los Angeles, S. David Freeman, o impacto das medidas nos preços ao consumidor será "mínimo". "O porto é uma das maiores fontes de empregos com remuneração decente na região."

Geraldine Knatz afirmou que as iniciativas de Los Angeles e Long Beach são modelos para o restante dos Estados Unidos - cujos portos já começam a planejar medidas semelhantes - e do mundo. O terminal de Los Angeles já assinou acordos de cooperação em pesquisa e tecnologia com os portos de Xangai, na China, e Roterdã, na Holanda. Ao redor do mundo, os portos adotam ou estudam inovações parecidas de combate à poluição. As docas elétricas, por exemplo, existem também em Gotemburgo, na Suécia, e Zeebrugge, na Bélgica. O Brasil, onde a atividade portuária ainda sofre com gargalos como a falta de infra-estrutura, tem um longo caminho a percorrer para a tecnologia verde. "Essa política, infelizmente, ainda está muito fora de nossa realidade", afirma Michel Quirino, proprietário da empresa Mediterranean Logística Aduaneira, que atua na exportação de algodão no porto de Santos. Segundo ele, a maioria dos caminhões que circulam pelo local não tem sequer equipamentos básicos antipoluição, como os catalisadores. "Se a legislação californiana fosse implementada aqui, quase nenhum veículo poderia continuar operando."

O renascimento ferroviárioDepois de mais de quatro décadas de estagnação, a malha de trilhos do país volta a crescer e pode até dobrar de tamanho nos próximos anos

Um fato é o suficiente para demonstrar o desastre absoluto da política brasileira para as ferrovias: da década de 60 até hoje, a malha nacional de trilhos não cresceu; pelo contrário, só diminuiu. Isso mesmo. É algo tão impressionante que Vale a pena repetir a informação: em mais de 40 anos, o sistema não avançou um milímetro sequer. Por falta de manutenção, a rede, que chegou a ter 37 000 quilômetros de extensão, encolheu para os atuais 29 800 quilômetros, malha quase igual à da França, país que tem dimensão territorial do tamanho da soma das áreas dos estados de São Paulo e Paraná. A situação desse setor por aqui ganhou um alento com as privatizações realizadas pelo governo ao final da década de 90. Hoje, mais de 90% da rede é administrada por empresas privadas. Num primeiro momento, as companhias que receberam concessões tiveram de gastar um bom dinheiro recuperando trilhos enferrujados, pontes apodrecidas e locomotivas sucateadas, entre outros problemas. Encerrada essa etapa, os investimentos finalmente passaram a ser canalizados para executar melhorias na rede. O resultado disso é que ela voltará a crescer nos próximos anos, depois de um longo período de estagnação.

Caso sejam executados todos os projetos que têm como objetivo promover o renascimento ferroviário, a malha do país deve quase dobrar nos próximos anos. Com as obras incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a rede deve chegar a 31 500 quilômetros até 2015. Para isso, serão necessários investimentos de 7 bilhões de reais, o equivalente a 13,5% dos recursos do PAC destinados à área de infra-estrutura. O Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), criado pelo Ministério dos Transportes, vai mais longe: quer incluir na rede quase 20 000 quilômetros de novos trilhos até 2025 e chegar, assim, a uma configuração de aproximadamente 50 000 quilômetros. Nesse cenário, a participação ferroviária no sistema de transporte nacional aumentaria dos atuais 25% para 35% no período.

No pacote de projetos em andamento no país, a ferrovia Norte–Sul é a grande aposta do setor. Seus 2 258 quilômetros vão cruzar os estados de Goiás, Maranhão, Pará, Tocantins, Mato Grosso do Sul e São Paulo, abrindo um novo caminho para o escoamento de produtos por ferrovia aos portos do Norte e do Nordeste do país. Alguns trechos já estão prontos e o projeto deve estar totalmente concluído até 2011, com investimento de 6,4 bilhões de reais. "A Norte–Sul é uma solução para o agronegócio, porque enviar a produção de grãos por rodovia se tornou antieconômico", diz Luis Fayet, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Outra grande obra, a Nova Transnordestina segue num ritmo um pouco mais lento por causa de atrasos com desapropriações e licenças ambientais. Em razão disso, a previsão é que ela fique pronta somente em meados de 2011, em vez de 2010, conforme previsão original. Com investimento de 4,5 bilhões de reais, a ferrovia de 1 860 quilômetros ligará o interior nordestino aos portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco.

A movimentação do setor também inclui o transporte de passageiros, com projetos metroferroviários que visam melhorar a infra-estrutura para a realização da Copa do Mundo do Brasil em 2014. O mais importante é o trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e Campinas, um projeto bilionário que atraiu o interesse de grupos de Japão, Coréia do Sul, Itália, Espanha e França. O trajeto ainda não está definido, mas a princípio interligaria os aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, de Guarulhos e de Viracopos, ambos em São Paulo, com viagem de 1 hora e meia a 2 horas, a uma velocidade média de 200 quilômetros por hora. O leilão de concessão está previsto para 2009, mas a crise financeira mundial pode atrapalhar esse cronograma. Um dos motivos que encarecem a obra, orçada em 11 bilhões de dólares, é a diferença de 800 metros de altitude entre Rio de Janeiro e São Paulo, que exige uma infra-estrutura mais complexa, com pontes e viadutos.

Novo traçado

A implementação desses projetos está dando fôlego à indústria de equipamentos metroferroviários. A importação de trilhos deve fechar 2008 com um recorde: 170 milhões de dólares, valor mais de sete vezes acima do registrado em 1997. "Antes, só se importava para reposição. Agora, há tanta demanda que é possível que as empresas voltem a se interessar por fabricar trilhos no Brasil", afirma Welber Barral, secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O mercado de vagões e locomotivas também ressurgiu com os investimentos. Entre 1998 e 2003, produzia-se no Brasil uma média de 700 vagões por ano. Hoje, esse número encontra-se na marca de 5 000 unidades.

Apesar de as obras ferroviárias estarem finalmente saindo do papel, ainda será necessário muito trabalho para recuperar o tempo perdido. Na avaliação da Agência Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF), a malha deveria ter hoje cerca de 55 000 quilômetros. Segundo as concessionárias, que investiram 14,4 bilhões de reais no sistema entre 1997 e 2007, os avanços poderiam ocorrer de forma mais rápida se o governo fizesse sua parte. Desde a privatização, o Estado destinou apenas 789 milhões de reais para o setor. Isso sem contar a questão das parcerias público-privadas, que ainda não saíram do papel no universo ferroviário. "Não podemos perder este bom momento para acelerar a ampliação do sistema", afirma Rodrigo Vilaça, diretor executivo da ANTF.

Mercado em desequilíbrioCom os grandes consumidores antecipando as compras no mercado livre, os demais usuários terão de usar energia mais cara Uma das maiores preocupações do setor elétrico hoje é que os contratos das distribuidoras com as geradoras referentes a quase um terço da eletricidade fornecida no país vencem entre 2012 e 2013. Pelas regras atuais, essa energia poderá ser recontratada apenas um ano antes do vencimento dos acordos em vigor. O problema é que os grandes consumidores, como as indústrias, que podem negociar diretamente com as geradoras no mercado livre, já estão contratando essa energia. Com isso, o risco é não sobrar eletricidade para as distribuidoras repassarem aos demais clientes — as pequenas e médias empresas e a massa de consumidores residenciais. Além disso, em 2015, termina o prazo de concessão de usinas que somam quase 22 gigawatts (GW), mais de 20% da potência total instalada no país. Até agora não foram definidas as regras para a renovação das usinas ou para novas licitações. Essa indefinição ameaça judicialmente os contratos de longo prazo das geradoras, inclusive os que elas estão fechando hoje com consumidores livres.

A solução dessas questões depende da antecipação dos leilões da energia existente e da definição de regras relativas ao vencimento das concessões. Além disso, para evitar a falta de energia, devem ser contratadas novas usinas nos próximos anos. Termelétricas a gás natural e a biomassa de cana-de-açúcar, por exemplo, têm sido cada vez mais usadas para aumentar a segurança do sistema elétrico brasileiro, pois sua construção é mais rápida que a de hidrelétricas. O problema é que a energia produzida por elas tem custo muito superior ao da gerada em hidrelétricas, devido aos gastos com combustíveis, entre outros fatores.

Os consumidores livres também estão sentindo o efeito da baixa oferta de energia. Há alguns anos, eles se aproveitaram das sobras de energia do racionamento de 2001 e conseguiram contratá-las diretamente das geradoras a preços até 30% inferiores aos que pagavam às distribuidoras. Mas parte de seus contratos está vencendo agora e, como há pouca energia disponível no mercado, os preços deixaram de ser atraentes. Na avaliação de especialistas, uma saída para a crise seria a criação de um mercado futuro de títulos referentes à energia a ser gerada pelas novas usinas. A negociação desses certificados daria mais liquidez ao mercado, permitindo a compra e a venda dos títulos entre os consumidores conforme sua necessidade.

A retomada do programa nuclearLicença para Angra III destrava o setor e cria expectativa de novas obras do gênero

Depois de muita discussão, o Ibama concedeu em julho a licença prévia para a construção da usina Angra III, no Rio de Janeiro. O início das obras do projeto, que terá capacidade para gerar 1 350 MW, está previsto para ocorrer em 2009 e o término, em 2014. O sinal verde para a construção foi interpretado pelos especialistas como um indício de que o órgão ambiental pretende adotar uma postura mais pragmática em relação ao tema. A exemplo do que vem ocorrendo em outros países, o uso de energia nuclear passou a ser visto em certas alas do governo como um "mal menor" em relação a desafios como o aquecimento global. A expectativa do governo é instalar, até 2030, mais quatro centrais nucleares de 1 000 MW cada uma. Duas delas seriam construídas no Sudeste e outras duas no Nordeste. Com isso, o parque nuclear brasileiro atingiria uma capacidade de 7,3 GW. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, fala na construção de 50 usinas nos próximos 50 anos. Ainda que a previsão seja exagerada, essa disposição do governo já é suficiente para despertar a atenção de investidores privados.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • Nos leilões de energia feitos até agora, não houve indícios de favorecimento das estatais em relação às empresas privadas. • A sistemática de leilões implantada em 2004 já está consolidada. Toda a energia necessária até 2011 já está contratada. Fontes alternativas, como energia de biomassa de cana-de-açúcar, têm sido contratadas para diminuir os riscos de falta de energia em caso de atraso na construção de novas usinas. A medida serve também de proteção nos casos de falta de gás natural para a operação de termelétricas.

2 - Questões legais • Até julho de 2008, havia 276 ações na Justiça contra a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) questionando decisões do órgão. Os especialistas defendem a criação de uma vara específica na Justiça para o setor elétrico a fim de acelerar o julgamento das ações. Outra possibilidade é que seja adotado um sistema de arbitragem de conflitos relacionados à Aneel, evitando a morosidade do Judiciário. • Os investidores continuam sendo obrigados a aceitar cláusulas sem nenhuma relação com as usinas propriamente ditas para conseguir dar continuidade às obras. Como há uma carência aguda nas comunidades envolvidas, muitas vezes o empreendedor acaba sendo visto por governos e comunidades como a solução de todos os problemas da região onde as obras serão executadas.

3 - Questões tributárias • As usinas incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) ficaram isentas de PIS/Cofins durante o período de construção. Isso representa uma redução de 8% nos custos das obras. Até abril de 2008, havia 21 obras de hidrelétricas em andamento e uma concluída. No caso das termelétricas, cinco unidades já haviam sido construídas. • A possibilidade de cobrança de uma compensação energética para a construção de usinas termelétricas - os empreendedores teriam de aplicar um percentual do investimento em fontes alternativas - preocupa o setor. A cobrança pode se tornar um encargo a mais. • O setor se mostra apreensivo em relação à reforma tributária. Embora a proposta seja de simplificação, os especialistas vêem o risco de aumento da carga de impostos. Uma das possibilidades é que a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), incidente sobre alguns combustíveis, passe a ser cobrada também do setor elétrico.

4 - Questões institucionais • Em 2015, vencem as concessões de mais de 20% das usinas instaladas no país. Ainda não está definido se serão feitos leilões com a energia dessas usinas ou se as concessões serão renovadas. • Como os investimentos feitos nessas usinas já estão amortizados, a sistemática de recontratação precisa encontrar formas de assegurar que os ganhos de produtividade sejam repassados aos consumidores na forma de tarifas mais baixas. • Uma possibilidade é a cobrança de taxas dos empreendedores para a renovação das concessões. Tais recursos poderiam ser destinados ao financiamento da expansão do setor elétrico. • Hoje, o país tem enfrentado pequenos riscos de falta de eletricidade, que têm sido cobertos com termelétricas a combustíveis fósseis e a biomassa de cana-de-açúcar. Não há risco imediato de racionamento, mas a energia tende a ficar cada vez mais cara. • Clientes livres que fecharam contratos de curto prazo nos últimos anos encontram dificuldades para comprar energia a preços competitivos. Esse público responde por mais de 25% do consumo. • A interrupção no fornecimento de gás natural da Bolívia prejudicou o funcionamento de termelétricas brasileiras. Mas o aumento da produção nacional - principalmente a partir do início da próxima década - e a importação de gás natural liquefeito (GNL) devem reduzir os riscos de desabastecimento.

5 - Investimentos • A perspectiva é que, até 2012, sejam instalados uma média de 3 500 a 4 500 MW por ano. De 2012 a 2017, a média deve ficar entre 4 000 e 5 200 MW. Há grande interesse do setor privado por esses investimentos.

Desafios • A construção dos grandes empreendimentos na região Amazônica - Santo Antônio (3 150 MW), Jirau (3 300 MW) e Belo Monte (11 182 MW) - é um dos maiores desafios do setor nos próximos anos. Outros projetos vêm sendo estudados na região. Mas os possíveis impactos ambientais e o uso de áreas indígenas podem dificultar sua implantação.

Integração com o continenteO desenvolvimento de conexões com sistemas de países vizinhos pode otimizar o aproveitamento energético Depois de integrar as usinas de todo o país, o sistema brasileiro de transmissão deve avançar em direção ao exterior. Hoje já existem acordos bilaterais de fornecimento de eletricidade com Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. A tendência é que esses contratos sejam ampliados, permitindo um aproveitamento complementar das fontes de energia. Em épocas de chuvas, por exemplo, o Brasil poderia exportar eletricidade gerada em hidrelétricas. Nas épocas secas, o sistema nacional poderia receber eletricidade gerada em termelétricas a gás natural de países vizinhos.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • O segmento permanece como o mais atrativo do setor elétrico. O interesse dos investidores é grande. Nos leilões de novas linhas, os empreendedores que aceitarem a menor remuneração ficarão responsáveis pelas obras. Os contratos são de longo prazo (30 anos) e os leilões têm acontecido sem complicações. • Ainda não foi definido o que vai acontecer quando terminar, em 2015, o prazo de concessão das instalações de transmissão construídas até o fim de 1999. Elas correspondem a cerca de 80% do sistema brasileiro de transmissão. A indefinição das regras compromete a realização de investimentos por suas controladoras, já que não há segurança em relação à remuneração desses aportes.

2 - Questões legais • Assim como nos demais segmentos, a grande quantidade de ações das empresas contra a Aneel, somada à morosidade da Justiça brasileira, dificulta o andamento das atividades das empresas. • A associação que representa as transmissoras entrou na Justiça contra a resolução que regulamenta a execução de reforços e melhorias no sistema. A principal crítica se deve ao fato de a receita relativa a esses investimentos ser definida somente na revisão ou no reajuste tarifário seguinte à conclusão das obras. Com isso, as empresas têm de investir sem saber o retorno que terão.

3 - Questões tributárias • O segmento apóia os esforços na direção de convencer o governo a reduzir a carga tributária para diminuir o peso da conta de luz no orçamento dos consumidores e aumentar a competitividade da indústria brasileira. • As empresas de transmissão são responsáveis por arrecadar encargos pagos pelos clientes livres, que posteriormente devem ser repassados à Eletrobrás e ao governo. Como passam pelo caixa das empresas, esses valores são considerados nos cálculos dos encargos que as próprias transmissoras têm de pagar. Mas a Aneel já está ciente do problema e se comprometeu a resolvê-lo.

4 - Questões institucionais • A metodologia da revisão tarifária aplicada atualmente pela Aneel não é tida como adequada pelos especialistas e pelas empresas do setor. As principais queixas se referem ao perfil de remuneração e ao custo de capital considerados no processo. Algumas empresas entraram na Justiça sob a alegação de que a perda de receita é muito elevada. • Outro problema é que ainda não são conhecidas as regras que serão usadas na próxima revisão, prevista para ocorrer em 2009. • O licenciamento ambiental demorado ameaça o cumprimento dos prazos das obras. Os especialistas defendem que as licenças sejam concedidas aos empreendimentos antes da realização dos leilões. Mas o problema não chega a comprometer os projetos. • Invasões de áreas de servidão das linhas, principalmente na periferia das grandes cidades, ameaçam o funcionamento adequado dos trens e causam insegurança à população. • Outra situação de risco são as queimadas nas áreas próximas das linhas. Todos os anos as empresas têm de investir em comunicação nas regiões sujeitas a queimadas para evitar problemas em suas instalações. Isso porque, em caso de desligamentos não programados, as empresas são penalizadas, o que pode comprometer sua receita. • Em relação à largura das faixas de servidão, já há uma aceitação na sociedade brasileira das regras definidas pela Organização Mundial da Saúde, que prevêem em torno de 30 metros de faixa.

5 - Investimentos • O segmento se mantém atraente, com a participação intensa de investidores estrangeiros. Os desembolsos de mais de 3,5 bilhões de reais por ano vêm acontecendo sem dificuldades, permitindo a construção de 3 500 a 4 000 quilômetros de linhas todos os anos.

Desafios • A indefinição em relação à sistemática de renovação das concessões que vencem em 2015 é um dos principais desafios do setor, bem como os grandes projetos que terão de ser instalados nos próximos anos para ligar as novas usinas da Região Norte aos centros de consumo. Também são complicados os projetos que pretendem interligar Manaus e Macapá ao restante do sistema de transmissão brasileiro. O problema nesse caso se deve às florestas da região, que dificultam as obras. • A interligação do sistema de transmissão nacional com os de países vizinhos, com o objetivo de aumentar o aproveitamento energético, é outro desafio. Para funcionar, essa integração exigiria a criação de um centro de controle interligado aos sistemas de cada país, de modo a organizar o funcionamento das diversas usinas. Interesses políticos conflitantes, no entanto, são uma barreira a vencer para concretizar essa integração.

O desafio da universalizaçãoO programa Luz para Todos ainda precisa levar energia a mais de 1,2 milhão de casas Lançado no final de 2003, o programa Luz para Todos, do governo federal, tinha o objetivo de levar energia elétrica a 2 milhões de casas em todo o país até o final de 2008. O programa deve fechar neste ano com 95% dessa meta atingida. A falta de mão-de-obra especializada foi um dos problemas que atrasaram os trabalhos. No entanto, mesmo depois de cumprida integralmente essa meta, o que deve ocorrer em 2009, ainda restariam cerca de 1,2 milhão de residências sem energia elétrica, segundo novas estimativas feitas pelo governo. Por isso, a implantação do Luz para Todos foi prorrogada até 2010, o que exigirá um investimento adicional de 7,3 bilhões de reais.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • As regras do setor elétrico têm permitido seu funcionamento adequado. As distribuidoras já contrataram toda a energia necessária para seu mercado pelo menos até 2011. • O principal receio é que parte da energia hoje contratada pelas distribuidoras seja comprada por consumidores livres para fornecimento após o término dos contratos das distribuidoras. Pelas regras atuais, essa energia poderá ser recontratada por essas empresas apenas um ano antes do vencimento dos contratos. O risco é não ter energia suficiente para todos.

2 - Questões legais

• Diversos governos municipais e estaduais criam leis relativas ao enterramento da fiação de distribuição ou à cobrança de taxas pela ocupação do solo pelos postes das empresas. Esse tipo de medida aumentaria ainda mais as tarifas. Em geral, as distribuidoras vencem na Justiça, porque, pela lei brasileira, é tarefa da União legislar sobre o segmento. • A imposição de taxas relativas à ocupação do solo pelos postes, por exemplo, também esbarra na Constituição, que estabelece que taxas podem ser cobradas apenas por fiscalização ou prestação de serviços. • As empresas continuam enfrentando liminares judiciais contrárias aos cortes de fornecimento a consumidores inadimplentes. O mesmo se verifica nos casos de juízes que consideram que a energia elétrica é um bem essencial e, como tal, deveria ser gratuita. Mas a criação de jurisprudência favorável às distribuidoras vem reduzindo o problema.

3 -Questões tributárias • Os encargos e os tributos representam quase 40% das contas de luz e são um dos problemas mais sérios do segmento. • Em 2008, houve um aumento do Encargo de Serviços do Sistema, cuja atribuição é garantir a segurança energética. Esse crescimento deveu-se ao acionamento de térmicas no final de 2007 e ao longo de 2008. • Também houve um aumento de 4,6% na Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis, que atingiu 3 bilhões de reais. Esses recursos são usados para subsidiar a operação das térmicas dos sistemas isolados da Região Norte. • A perspectiva de reforma tributária não anima muito o setor. Na avaliação de alguns especialistas, a desoneração fiscal depende da redução dos gastos do governo.

4 - Questões institucionais • Dentro dos esforços para reduzir os casos de furtos de energia, algumas distribuidoras têm instalado medidores eletrônicos nas áreas de maiores riscos. A própria Aneel recomenda seu uso. Tais equipamentos dificultam as fraudes e permitem um acompanhamento em tempo real do consumo. O problema é que são mais caros. Além disso, as empresas enfrentam pressões políticas contrárias à adoção desse tipo de medida. • A ausência de poder público em algumas regiões do país é um dos fatores que estimulam os furtos de energia. • Além da indefinição em relação ao repasse dos custos de manutenção do programa de universalização para as tarifas, as empresas continuam receosas de que haja um aumento na taxa de inadimplência devido à falta de costume de boa parte dos novos consumidores de ter contas a pagar. A prorrogação até 2010 também amplia os investimentos a ser feitos no programa. • Pressionadas pela agência reguladora, que não permite o repasse de todas as perdas comerciais para as tarifas, as distribuidoras têm se esforçado para reduzi-las. Esses esforços incluem parcerias com comunidades para estimular a adequação das ligações.

• O Paraguai pressiona por aumento no valor que o Brasil paga pela energia de Itaipu. Um eventual aumento pressionaria tarifas de todas as distribuidoras.

5 - Investimentos • Com a prorrogação do programa Luz para Todos até 2010, os investimentos totais necessários para alcançar a meta de universalização da energia elétrica vão passar de 12,7 bilhões para 20 bilhões de reais. Os bons níveis de gestão das distribuidoras, combinados com o crescimento econômico do país, favorecem o segmento. Mas a crise internacional pode dificultar a obtenção de crédito nos próximos anos.

Desafios • Um dos principais desafios do segmento é a recontratação da energia existente entre 2012 e 2013. • O aumento dos custos de geração de energia, tendo em vista a participação cada vez maior das térmicas na matriz elétrica brasileira, reflete-se em tarifas maiores. Os custos de transmissão, a carga tributária elevada e os encargos também pressionam o segmento, que sofre com a inadimplência dos consumidores finais.

As incertezas do pré-salA descoberta de petróleo em camadas profundas eleva o status do Brasil como produtor, mas a crise internacional deve retardar os planos de

Não faz muito tempo, o Brasil lutava para alcançar a auto-suficiência na produção de petróleo. De um ano para cá, o panorama mudou completamente. Não somente esse objetivo foi atingido como também o país foi alçado à condição de potencial grande exportador graças à descoberta de petróleo na camada do pré-sal, anunciada em novembro de 2007. A área de 800 quilômetros de extensão - do sul do Espírito Santo ao norte de Santa Catarina - por 200 quilômetros de largura pode guardar até 80 bilhões de barris de petróleo, volume equivalente ao das reservas da Venezuela. Parte desse potencial foi confirmada no final de novembro com a descoberta de reservas de 1,5 a 2 bilhões de barris de petróleo do tipo leve (de melhor qualidade) no litoral do Espírito Santo.

O clima de euforia com a descoberta do pré-sal, no entanto, recebeu uma ducha de água fria nos últimos meses com o agravamento da crise financeira mundial. A piora do ambiente econômico a partir de setembro fez a Petrobras adiar para o final do ano a divulgação de seu programa de investimentos. Previsto para ser implementado no período de 2009 a 2013, o plano estratégico da Petrobras, incluindo aportes para a exploração de petróleo do pré-sal, deverá ter seu prazo de implantação estendido para 2020. O maior problema agora é a falta de crédito no mercado, e isso deve afetar fortemente a exploração do pré-sal, que depende de financiamentos por exigir investimentos vultosos que darão retorno só no longo prazo.

Embora ninguém saiba ao certo quanto petróleo há de fato no pré-sal e quanto poderá ser retirado de maneira economicamente viável, alguns analistas apostam que a produção do país poderá atingir 5,5 milhões de barris de óleo por dia em pouco mais de dez anos - três vezes mais do que o montante atual extraído pelo Brasil. Além de petróleo, o pré-sal parece conter quantidades generosas de gás. Especialistas estimam algo em torno de 100 milhões de metros cúbicos de gás por dia na bacia de Santos, o que permitiria ao Brasil se tornar auto-suficiente e até mesmo um exportador desse combustível, livrando-se da dependência da Bolívia nessa área.

As discussões sobre como explorar tamanha riqueza rapidamente dominaram os debates. O governo Lula vem contribuindo para trazer insegurança aos investidores ao acenar com uma possível reestatização do setor, com a criação de uma nova estatal exclusivamente para gerir os recursos do pré-sal. Para alguns especialistas, seria um retrocesso para o país, iniciando uma nova era de incertezas.

80 bilhões de barris no mar profundoO futuro é promissor, mas o presente ainda é de déficit na balança comercial

A história do petróleo no Brasil começou a ser reescrita em novembro de 2007, quando a Petrobras anunciou a descoberta de uma reserva na área conhecida como pré-sal, onde o óleo é encontrado a grandes profundidades, abaixo de uma espessa camada de sal. Localizado na bacia de Santos, o campo de Tupi tem reservas estimadas entre 5 bilhões e 8 bilhões de petróleo de boa qualidade. Em setembro deste ano, a Petrobras, confirmou a existência de mais 3 bilhões a 4 bilhões de barris de petróleo no campo de Iara, ao lado de Tupi. Juntos, Iara e Tupi totalizam um volume de petróleo muito próximo ao das atuais reservas provadas do país, de 13,9 bilhões de barris. Há estimativas de que a camada pré-sal possa conter algo como 80 bilhões de barris - ou cinco vezes as reservas provadas brasileiras. O futuro do pré-sal parece promissor, mas o presente ainda é de luta para reduzir as importações de produtos de maior valor agregado que os exportados, especialmente o óleo diesel. Neste ano, a balança comercial de petróleo e derivados do país deve fechar com saldo negativo de 8 bilhões de dólares.

Avaliação geral do segmento

1- Características do marco regulatório • A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) está mais enfraquecida do que nunca. Em setembro de 2008, a agência tinha duas de suas cinco diretorias vagas - uma delas há três anos. Longe de ser um órgão regulador independente, como deveria, a ANP vem sofrendo influência direta da Casa Civil e do Ministério de Minas e Energia. • Até então, apesar dos problemas enfrentados pela ANP, o marco regulatório para as empresas que chegam ao Brasil surgia como um diferencial favorável, devido à estabilidade das regras e ao modelo de leilões de blocos para exploração de petróleo. As descobertas dos campos de Tupi e Iara, porém, inauguraram uma era de incertezas, em que setores do governo defendem a criação de uma nova estatal, com a substituição do atual sistema de concessões por um sistema de partilha para a área do pré-sal.

2 - Questões legais • Alguns especialistas vêem a criação de uma empresa 100% estatal para explorar as reservas do pré-sal como um retrocesso em relação ao atual marco regulatório. • A retirada de 41 blocos da 9a Rodada de Licitações de Áreas para Exploração e Produção de Petróleo, em 2007, às vésperas do leilão desagradou os investidores, levando algumas das grandes multinacionais do setor a desistir de apresentar ofertas. Já na 10a rodada, marcada para dezembro de

2008, não será licitado nenhum bloco no mar, diminuindo o apetite das grandes empresas. Além disso, a 8a rodada - que foi suspensa por liminar em 2006, depois derrubada pela ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) - não tinha, até setembro de 2008, uma nova data prevista. • Apesar dos dez anos da Lei no 9.478/1997, que instituiu a quebra do monopólio do petróleo, a Petrobras. continua sendo monopolista, de fato, na área de refino. Ao mesmo tempo, falta uma definição mais clara no que diz respeito ao acesso de outras companhias a dutos e terminais da estatal.

3 - Questões tributárias • É praticamente certo que o governo aumentará sua fatia nos royalties e nas participações especiais sobre os campos de maior produção, a exemplo do que fizeram vários países do mundo nos últimos anos. A dúvida é quanto ao percentual que será adotado e, principalmente, como ficará a divisão de royalties e participações especiais entre estados e municípios. A intenção do governo de beneficiar todos os estados brasileiros preocupa os governos daqueles com maior produção de petróleo, como Rio de Janeiro e Espírito Santo. São Paulo, cuja produção dará um salto a partir da exploração do pré-sal, também acompanha atentamente as discussões sobre o assunto.

4 - Questões institucionais • As alterações que serão feitas no marco do petróleo e a criação, ainda não descartada, de uma nova estatal para gerir os recursos do pré-sal não são bem-vistas pelo segmento. Alguns especialistas assinalam que o poder público pode obter pelo regime de concessão a mesma remuneração que obteria no sistema de partilha, cogitado para a área. • As práticas monopolistas da Petrobras, principalmente no refino, dificultam a competição na venda de combustíveis, com a estatal praticamente ditando os preços, que em teoria são liberados por lei. Além disso, a empresa tem aumentado sua influência sobre o governo, ao contrário do que pareceu no início das discussões sobre a exploração do pré-sal.

5 - Investimentos • Os investimentos em petróleo no Brasil vêm crescendo ano após ano. Sozinha, a Petrobras deverá investir mais de 110 bilhões de reais entre 2009 e 2013, sem contar com os recursos que serão destinados à exploração do pré-sal. No mesmo período, o setor privado responderá por cerca de 30 bilhões de reais em investimentos - isso se as tão faladas mudanças no marco regulatório do setor não provocarem uma fuga de capitais. • Em 2008, a Petrobras anunciou a contratação de 28 sondas, que deverão ser obrigatoriamente construídas no Brasil. A exigência de alto índice de conteúdo nacional, porém, pode dificultar sua fabricação. • A notícia da construção de três novas refinarias pela Petrobras - no Maranhão, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, que vêm se somar às obras da Refinaria Abreu e Lima, já em andamento, e à ampliação de refinaria no Rio Grande do Norte - põe fim a um longo período de ausência de investimentos em refino. Com isso, a estatal reafirma seu monopólio no negócio.

Desafios • Privilegiar aspectos técnicos e não permitir que questões políticas e ideo-lógicas influenciem as decisões sobre a definição do marco regulatório para a exploração do pré-sal. • Desenvolver tecnologia economicamente viável para a exploração do pré-sal. • Levantar os recursos necessários para a exploração do pré-sal. Em algumas áreas, será preciso perfurar uma camada de quase 3 quilômetros de sal para chegar ao óleo, o que demandará investimentos da ordem das centenas dos bilhões de dólares.

Em busca da auto-suficiênciaO Brasil continua refém da instabilidade política do governo boliviano, seu principal fornecedor desse tipo de combustível

No início de setembro, manifestantes contrários ao governo de Evo Morales ocuparam uma estação de bombeamento de gás natural no sul da Bolívia. Durante o protesto, que durou algumas horas, o Brasil deixou de receber mais de 18 milhões dos 31 milhões de metros cúbicos de gás que importa diariamente do país vizinho. O incidente expôs novamente a dura realidade: apesar dos investimentos do Plano de Antecipação da Produção de Gás (Plangás), da Petrobras, o país continua refém da Bolívia, de onde vem mais da metade do gás consumido em nosso mercado. Com investimento estimado em 8 bilhões de dólares, o Plangás tem a meta de reduzir essa dependência, atingindo até o final de 2008 a produção de 40 milhões de metros cúbicos por dia de gás. Ao chegar a essa meta, o país estaria próximo da auto-suficiência, já que o consumo interno é de 50 milhões de metros cúbicos por dia. Mas, com o atraso na implantação, a previsão é que essa meta seja alcançada somente no final de março de 2009. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem buscado reduzir os efeitos do problema, incentivando a concessão de áreas com bom potencial para gás, como os blocos terrestres que serão ofertados na décima rodada de licitações, em dezembro de 2008.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • A ausência de uma legislação específica para o gás é um entrave ao desenvolvimento do país. O segmento ganhou novo alento, porém, com a aprovação, em 2007, da Lei do Gás na Câmara dos Deputados. Agora, o texto aguarda a aprovação do Senado. • O texto da Lei do Gás aprovado pela Câmara trouxe alterações que reforçam os poderes do Ministério de Minas e Energia e limitam um pouco as atribuições da ANP. Caso seja confirmado pelo Senado, dará poder ao ministério de, apenas ouvindo a agência reguladora, definir o período de exclusividade na exploração de novos gasodutos de transporte. No texto anterior do deputado João Maia (PR-RN), relator da matéria na Câmara dos Deputados, cabia à ANP essa definição.

2 - Questões legais • Uma das principais lacunas, hoje, é a falta de incentivo à competição no suprimento e na comercialização de gás. As empresas privadas que atuam na exploração e produção encontram dificuldades para competir na distribuição e revenda de gás devido ao monopólio de fato exercido pela Petrobras. Com isso, ficam praticamente obrigadas a vender o gás para a estatal. Ao mesmo tempo, a estatal vai comprando e construindo cada vez mais térmicas a gás, aumentando seu poder. • Os especialistas reclamam da falta de transparência da Petrobras na composição da tarifa do gás nacional, que é dividida em duas partes: commodity e transporte. Diferentemente do que acontece com a tarifa do gás importado da Bolívia pelo país, ninguém sabe o percentual que é cobrado pela commodity e quanto corresponde ao transporte na tarifa do gás nacional fixada pela empresa.

3 - Questões tributárias • A tributação do segmento é considerada por especialistas como excessiva e inibidora de novos investimentos.

4 - Questões institucionais • Apesar dos esforços da Petrobras para ampliar a oferta de gás no país, a empresa concentra cada vez mais poder na comercialização e distribuição do produto. De um total de 12 transportadoras com autorizações de construção e/ou operação emitidas pela ANP, seis contam com participação acionária majoritária da Petrobras, enquanto em outras três a estatal tem até 50% do capital. A empresa também é a detentora da maior parte da infra-estrutura de dutos e terminais do país.

5 - Investimentos • Mesmo com a forte presença da Petrobras, novos nomes começam a despontar na exploração e produção de gás natural. Acionista majoritária do campo de Manati, na bacia Camamu-Almada, a Queiroz Galvão Óleo e Gás chegou, em 2008, à marca de 2 bilhões de metros cúbicos de gás produzidos. Outra que investe para encontrar gás no país é a inglesa BG. • A Petrobras está se esforçando para aumentar a oferta de gás nacional. Com o primeiro terminal de regaseificação de gás natural liquefeito já instalado no porto de Pecém, no Ceará, e o segundo previsto para a baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, o Brasil poderá receber gás em estado líquido de países como Venezuela e Peru, diminuindo sua dependência em relação à Bolívia. A estatal tem planos, também, de construir um terceiro terminal no sul do país, além de estudar a instalação de unidades de liquefação flutuantes próximas às unidades de produção em alto-mar, onde o gás natural é transformado em líquido para facilitar seu transporte em navios.

Desafios • É imperativo aprovar a Lei do Gás e, com ela, ter novos investidores na atividade de transporte. • A Petrobras precisa ser mais transparente em relação à formação do preço do gás nacional.

O preço brasileiro ainda é imbatívelMas os investimentos em tecnologia são vitais para o país não perder a competitividade na área

O álcool brasileiro, à base de cana-de-açúcar, continua sendo o mais competitivo do mundo, mesmo com o aumento dos custos de produção, que elevou o preço do litro do álcool anidro - usado na mistura com a gasolina - de 22 para 45 centavos de dólar nos últimos 12 meses. Apesar dos problemas, é um preço ainda inferior ao do etanol de milho (66 centavos de dólar o litro) e do etanol de beterraba (1,28 dólar o litro), produzidos, respectivamente, pelos Estados Unidos e pela União Européia. Para manter a dianteira nesse mercado, o Brasil deve investir em pesquisas com o objetivo de melhorar o aproveitamento dos resíduos produzidos pelo setor sucroalcooleiro. É necessário também recuperar o terreno que vem perdendo na corrida tecnológica com os Estados Unidos para a produção do chamado etanol de celulose.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • Até 1989, quando da extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool, era forte a intervenção do governo. Duas décadas depois, o segmento sofre intervenção mínima. Hoje, o único controle que continua nas mãos do governo é a fixação do percentual de mistura do álcool na gasolina.

2 - Questões legais • A não intervenção do governo no segmento agrada ao capital privado e estimula novos investimentos. • A legislação ainda não permite o desenvolvimento de um mercado futuro do álcool, que poderia aumentar a liquidez do segmento.

3 - Questões tributárias • As diferenças nas alíquotas de cobrança do ICMS permanecem, fazendo com que existam 27 países dentro do Brasil. Para piorar, em São Paulo, o governo José Serra acena com uma possível revisão - para cima - da alíquota.

4 - Questões institucionais

• Houve avanços, como o reconhecimento, pela comunidade científica internacional, do etanol de biomassa - e, principalmente, do etanol da cana-de-açúcar - como um substituto viável do petróleo e instrumento para mitigar os efeitos do aquecimento global. Outra vantagem do álcool brasileiro é não competir com a produção de alimentos. • As denúncias de trabalho escravo, o trabalho infantil e o uso de recursos naturais como a água sempre podem ser utilizados como barreiras não-tarifárias para impedir a exportação do etanol brasileiro para países desenvolvidos. Mas as discussões de variáveis e parâmetros de medição para credenciamento e certificação de sustentabilidade do etanol vêm avançando.

5 - Investimentos • Nos últimos anos foram realizados muitos investimentos para ampliar a capacidade produtiva nacional. No entanto, com a crise de liquidez nos mercados financeiros internacionais, as empresas do segmento estão tendo dificuldades para rolar esses financiamentos. • A participação de estrangeiros no setor sucroalcooleiro já ultrapassou a barreira dos 10% da cana-de-açúcar moída. Em julho de 2008 chegou a 11,4%, enquanto a previsão para 2010 é atingir 15%. • Para os próximos cinco anos estão programados aportes de 2,5 bilhões de dólares por ano na construção de novas usinas ou ampliação das já existentes.

Desafios • A escassez de etanol nos Estados Unidos pela falta de milho pode servir de forte impulso às exportações do Brasil. Para isso, o país precisa continuar investindo na ampliação da capacidade instalada, mesmo num cenário de menor liquidez e maior dificuldade para obter crédito. Segundo os analistas, a demanda não vai parar de crescer, o que pode provocar um descompasso em relação à oferta, que terá como conseqüência o aumento de preços. A parte positiva é que um eventual aumento de preços tende a atrair mais investidores para o segmento. • É imprescindível desenvolver a infra-estrutura de transporte do álcool, hoje muito dependente de rodovias. Sujeito a preços mais elevados por causa dos aumentos de diesel e óleo lubrificante, o produto acaba competindo por caminhões com os grãos. A saída está nos investimentos em meios de transporte mais eficientes, como ferrovias e alcooldutos.

Faltou combinar com o mercadoAlta do preço da soja causa prejuízos às usinas e exige socorro do governo

Uma das bandeiras do governo Lula, o programa de biodiesel - cujo objetivo é reduzir a importação do diesel de petróleo - ainda não emplacou no mercado. Ao longo de 2008, o projeto enfrentou uma série de problemas. As principais dificuldades encontradas decorreram da alta das cotações da soja - matéria-prima das usinas de biodiesel - no mercado internacional. A diferença entre as cotações do grão e o baixo preço do combustível nos leilões levou os produtores a operar no prejuízo. Para remediar o problema, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) entrou no circuito, autorizando as distribuidoras a comprar biodiesel diretamente dos produtores, o que possibilitou a formação de estoques operacionais. Além disso, o governo decidiu elevar, a partir de julho deste ano, de 2% para 3% a quantidade de biodiesel que deve ser adicionada ao diesel de petróleo vendido nos postos de combustível. Há planos também de antecipar a meta de adição de 5% (inicialmente prevista para 2013) para 2009 ou 2010.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório •O segmento carece de um marco regulatório Claro e definido. •Foram feitos leilões, algumas empresas se comprometeram a vender o biodiesel e não entregaram o produto, sem que houvessem sofrido nenhuma punição por isso - um problema decorrente justamente da falta de um marco regulatório mais transparente.

2 - Questões legais • Desde julho de 2008, é obrigatória a adição de 3% de biodiesel ao diesel de petróleo. No entanto, com o crescimento da economia, os efeitos da redução das importações do diesel de petróleo foram anulados pelo aumento do consumo do diesel no país. • O governo está estudando a possibilidade de obrigar a mistura de 5% de biodiesel ao diesel utilizado pelas térmicas, o que vem a ser uma idéia interessante quando se pensa na redução de importações do diesel de petróleo e nos benefícios ao meio ambiente. Em termos de preços, porém, a idéia é questionável. Diferentemente do álcool, que, misturado à gasolina, reduz o preço do produto final, o biodiesel ainda é mais caro que o diesel de petróleo, encarecendo o produto final. • Autorizadas pela ANP a adquirir biodiesel diretamente dos produtores, as distribuidoras podem, agora, formar estoques operacionais, ficando menos vulneráveis a problemas na entrega do combustível.

3 - Questões tributárias • A produção e a comercialização do biodiesel ainda dependem de fortes subsídios do governo. A idéia de reduzir impostos para incentivar os investimentos no segmento merece aplausos. No entanto, atrelar tal redução à compra da produção de grãos de pequenos produtores rurais tende a comprometer a escala necessária ao negócio.

4 - Questões institucionais • A estréia da Petrobras como produtora de biodiesel - com três usinas inauguradas em 2008 - é vista por alguns especialistas como sinônimo de concentração e estatização do segmento, podendo desestimular investimentos de outras companhias. Juntas, as três unidades têm capacidade para produzir 170 000 metros cúbicos de biodiesel por ano, o que corresponde a cerca de 13% do atual mercado brasileiro.

5 - Investimentos • A alta dos preços da soja causou a quebra de muitas empresas, que não conseguiam entregar o produto ao preço previamente pactuado. Os investimentos estão caindo no segmento, que passa por uma depuração. No longo prazo, isso tende a ajudar as companhias que conseguirem se firmar a obter financiamentos bancários com mais facilidade, o que não acontece hoje. • A Petrobras, Biocombustível está desenhando uma quarta unidade, para produzir 300 000 metros cúbicos de biodiesel por ano a partir de oleaginosas como dendê e girassol. • Por si só, a mamona não se presta à produção de biodiesel. Mas não merece ser abandonada. Se misturado à mamona, o biodiesel de óleo de soja passa a atender às especificações européias e pode ser exportado. Além disso, a mamona é uma planta muito rústica e tem potencial para baixar o custo final de produção do combustível.

Desafios • Encontrar fonte de suprimento de óleo vegetal competitiva e sustentável no longo prazo. Por enquanto, só a soja mostrou escala suficiente para a produção do combustível, o que tende a reacender a discussão biodiesel versus alimentos. • Dissociar política social e energética, de forma a garantir a escala necessária para a produção do biodiesel. • Criar um marco institucional objetivo, transparente e simples. • Desenvolver o mercado para transformar o biodiesel numa commodity

Sinais de progressoCom a aprovação do marco regulatório e os investimentos de 40 bilhões de reais pelo PAC até 2010, o setor vive um período de mais otimismo

Na década de 90, a Organização das Nações Unidas lançou um desafio para que todos os países atingissem em 2015 a meta de universalização dos serviços de saneamento básico. Já é certo que o Brasil não irá passar nessa prova. Na melhor das hipóteses, mantida a média atual de investimentos em saneamento básico, de 10 bilhões de reais por ano, o país chegará ao patamar de universalização dos serviços da área em 2033 - ou seja, com quase duas décadas de atraso em relação à meta estipulada pela ONU. Para cumprir o objetivo, o Brasil teria de aumentar em 50% os atuais gastos, subindo a média de investimento anual para 15 bilhões de reais. Apesar de ocorrer num ritmo mais lento que o desejável, o avanço no setor vem produzindo algumas transformações visíveis. Tome-se como exemplo a taxa de acesso da população aos serviços de esgoto, que subiu de 36% para 47% entre 1992 e 2006 (aumento de 11 pontos percentuais em 15 anos). Se tudo ocorrer conforme o previsto, o índice deverá chegar a 55% em 2010.

Um fator que aumenta o otimismo no setor para o futuro foi a aprovação, no início do ano passado, da Lei no 11.445, desfecho de duas décadas de espera por um marco regulatório. Com a extinção do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa) e do Banco Nacional da Habitação (BNH), em 1986, havia um limbo jurídico que afugentava a iniciativa privada, ressabiada com casos de concessionárias obrigadas pela Justiça a solucionar o passivo ambiental acumulado por décadas ou a abrir mão de práticas consagradas, como o corte de água para consumidores inadimplentes. O novo marco regulatório dá garantias aos investimentos feitos - o que, espera-se, deve atrair o capital privado para o setor, a exemplo do que ocorre em muitos países desenvolvidos.

Uma questão de qualidadeAlém de ampliar a rede de água e esgoto, é preciso melhorar a prestação dos serviços ao consumidor Tão importante quanto ligar as casas à rede geral de esgoto é dar destinação adequada ao material recolhido. Por enquanto, o tratamento de esgoto abrange apenas 32% dos domicílios no país atendidos por redes de coleta. A maior parte dos dejetos é despejada em lagos, rios, mares e mananciais, com impactos negativos em diversas áreas - da saúde da população à exploração do turismo. Com a água encanada, ocorre um problema parecido: embora seja essencial ampliar a proporção dos que têm acesso ao serviço - atualmente, 82% dos brasileiros contam com água encanada -, não se pode relegar a segundo plano a preocupação com a qualidade da prestação do serviço e com o produto que chega às torneiras dos brasileiros. Um dos problemas é que muitas companhias de abastecimento não cumprem as normas de monitoramento da água potável em termos da freqüência com que deveriam realizar os testes.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • A Lei no 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Estados e municípios interessados em obter recursos federais ou administrados pela União são obrigados a seguir essas diretrizes. • Entre os mecanismos de fiscalização previstos pela lei estão a criação de agências reguladoras locais e conselhos de moradores atendidos pelos serviços de saneamento. • O novo marco regulatório fomenta o ambiente de competição em um setor tradicionalmente associado a monopólios. • A garantia de pagamento de indenização por investimentos realizados, prevista na Lei no 11.445, é um fator considerado essencial para que a iniciativa privada atue com mais força no setor de saneamento, inclusive por meio de parcerias público-privadas (PPPs).

2 - Questões legais • Um dos efeitos esperados do novo marco regulatório é amenizar o clima de insegurança jurídica que envolvia o setor e, por conseqüência, reduzir a ocorrência de disputas judiciais. • Ainda está pendente o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de uma polêmica antiga: a disputa entre prefeituras e governos estaduais pela titularidade nas regiões metropolitanas, áreas potencialmente interessantes para a atuação da iniciativa privada em razão da maior viabilidade econômica dos serviços de saneamento. • Depois de décadas sendo considerada um bem de livre utilização no Brasil, a água passou a ter seu uso controlado sob a perspectiva mundial de escassez de recursos hídricos.

3 - Questões tributárias • A tributação das concessionárias que atuam em saneamento gira em torno de 20% da receita bruta, fator que reduz a capacidade de investimentos e diminui o interesse da iniciativa privada pelo setor.

4 - Questões institucionais • Estima-se que cada real investido em saneamento represente quatro reais de redução em gastos públicos na área da saúde. No ano passado, 700 000 internações em hospitais públicos no Brasil tiveram origem na falta de condições adequadas de saneamento e 65% das internações de crianças abaixo de 10 anos foram causadas por males decorrentes da deficiência ou da inexistência de esgoto e água limpa. • O setor de saneamento pode dar importante contribuição à geração de empregos no país. De acordo com estimativa da Fundação Getulio Vargas, o investimento anual de 11 bilhões de reais durante duas décadas, suficiente para universalizar os serviços de saneamento, geraria 550 000 empregos por ano ao longo do período. • Aprimorar o saneamento tem conseqüências diretas no Índice de Desenvolvimento Humano do país, pois há forte correlação entre o acesso a condições adequadas de moradia e os fatores que definem o IDH – escolaridade, renda e expectativa de vida. Não por acaso, a cidade de São Caetano do Sul, no ABC paulista, apresenta a melhor taxa de cobertura de rede de esgoto entre os municípios brasileiros (98,6%) e também o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do país.

5 - Investimentos • Os gastos anuais do governo federal com saneamento básico já foram inferiores a 0,1% do PIB, mas agora se aproximam de 0,4%. • Para alcançar a meta de universalizar os serviços de saneamento, seria preciso manter durante os próximos cinco mandatos presidenciais os investimentos previstos pelo PAC para o período 2007-2010 • A aprovação do novo marco regulatório no ano passado trouxe a expectativa de que a iniciativa privada volte a investir no setor de saneamento, algo que ainda não se confirmou na dimensão esperada, porque a fase é considerada de adaptação às novas normas.

Desafios • Manter o nível de investimento estabelecido pelo PAC. • Ter preocupação não somente em ampliar a oferta da rede de água e esgoto, como também melhorar a qualidade dos serviços prestados. • Aprimorar a gestão das empresas prestadoras de serviços na área de saneamento, com a adoção de princípios de governança corporativa. • Desenvolver mecanismos que ajudem a fiscalizar a aplicação efetiva das verbas direcionadas ao setor de saneamento. • Combater o conceito de que “obras embaixo da terra” não rendem votos aos políticos porque “não aparecem” aos olhos dos eleitores. • Estender os investimentos às áreas rurais, onde o custo é proporcionalmente maior em função das distâncias e da escala reduzida (enquanto nas principais regiões metropolitanas do país a taxa média de acesso à rede de esgoto é de 63,1%, nas áreas rurais é de apenas 2,9%). • Dar prioridade a projetos bem planejados e que utilizem material de boa qualidade, para que as obras realizadas tenham a eficácia e a durabilidade esperadas. • Associar a coleta de esgoto a sistemas de tratamento, que por enquanto atingem apenas 20% da população brasileira. • Ajustar os diversos níveis de governo (União, estados e municípios) às diretrizes da nova Lei do Saneamento.

O sistema ainda é um lixoMais da metade dos detritos é descartada de forma inadequada e os programas de reciclagem só engatinham Cerca de 40 milhões de brasileiros - o equivalente a 20% da população do país - ainda não contam com o serviço de coleta direta de lixo. Em comparação com outras metas do setor de saneamento, melhorar esse quadro é ainda uma tarefa relativamente fácil. O grande desafio está nas etapas seguintes à coleta: dar a destinação apropriada a cada tipo de dejeto. Atualmente, 60% do lixo produzido no país é descartado de forma inadequada em lixões e aterros sanitários irregulares. Projetos de reciclagem, compostagem e coleta seletiva continuam sendo práticas distantes do cotidiano da maioria da população. Se não bastasse, produtos como pneus, lâmpadas, pilhas, baterias e óleos raramente recebem o tratamento especial que exigem. Ao mesmo tempo, muitos lixões e aterros sanitários espalhados pelo país estão com a capacidade próxima do esgotamento - prenúncio de problemas sérios nos próximos anos.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • O segmento continua à espera da aprovação, pelo Congresso Nacional, do Sistema Nacional de Resíduos Sólidos, projeto de lei assinado em setembro de 2007 pelo presidente Lula. Trata-se do mais recente capítulo de uma novela que já se estende por quase duas décadas, período em que vários projetos sobre o tema não foram transformados em lei. A proposta é ter uma nova legislação federal que aponte diretrizes claras sobre as

obrigações de cada setor da sociedade - incluindo os consumidores - em práticas como acondicionamento do lixo e reciclagem, além de prever a concessão de incentivos fiscais e financeiros a quem gerenciar com eficiência o lixo que produz.

2 - Questões legais • Irregularidades em licitações têm emperrado o setor e levado muitas empresas a polêmicas envolvendo a Justiça. • Diferentemente do que ocorre no segmento de água e esgoto, há um consenso de que cabe ao município a titularidade nas questões envolvendo a coleta de lixo e a drenagem urbana.

3 - Questões tributárias • Muitos municípios adotaram a taxa de coleta de lixo com a promessa - nem sempre cumprida – de aumentar os investimentos no sistema de coleta e tratamento dos resíduos.

4 - Questões institucionais • Embora sejam responsáveis pela coleta de lixo e limpeza urbana, muitos municípios não dispõem de capacitação técnica para desenvolver planos de saneamento sem a ajuda do governo estadual ou federal. Boa parte dos projetos de drenagem desenvolvidos pelos municípios deixa a desejar em termos de integração com outras obras de infra-estrutura. • Técnicas mais modernas já utilizadas com bons resultados em outros países, como a incineração controlada do lixo com geração de energia e reaproveitamento das sobras do processo, ainda nem chegam a ser cogitadas no Brasil. • A conscientização das empresas e dos consumidores sobre a necessidade de diminuir o volume de lixo pouco tem avançado no país. Raros são os supermercados e outros estabelecimentos comerciais que aboliram o uso de sacolas plásticas, por exemplo.

5 - Investimentos • De cada dez municípios brasileiros, oito investem menos de 5% do orçamento na coleta de lixo e limpeza urbana. • No caso da drenagem urbana, o índice é ainda pior: 92%. Em muitos municípios, o serviço nem chega a ser incluído na previsão orçamentária. • O governo federal estabeleceu como prioridade na temática do lixo a recuperação dos mais de 1 500 lixões espalhados pelo país (tanto aqueles em funcionamento quanto os desativados), com a construção ou manutenção de aterros sanitários.

Desafios • Promover a discussão na sociedade não apenas sobre o destino do lixo mas também sobre alternativas para produzir menos dejetos - caminho igualmente importante para amenizar o problema no futuro. • Resolver o passivo ambiental acumulado ao longo das décadas em função do descuido com que a questão do lixo foi tratada no país. • Aumentar o rigor da fiscalização, para evitar que empreendimentos sem o devido licenciamento ambiental sejam utilizados como depósito de lixo - um dos grandes riscos envolvidos é a contaminação da água. Das 532 unidades de aterro sanitário catalogadas em um estudo do Ministério das Cidades, apenas 39% tinham algum tipo de licença dos órgãos de meio ambiente. • Superar diferenças político-partidárias entre a administração de municípios vizinhos para facilitar a busca de soluções conjuntas para o problema do lixo. • Acelerar a expansão dos serviços de coleta, em busca da universalização. • Capacitar tecnicamente os municípios para que possam desenvolver projetos sustentáveis de drenagem urbana, interligados adequadamente à estrutura de saneamento.

Mais briga entre as companhiasAlém da competição cada vez mais acirrada e do maior poder de escolha dos clientes, as empresas de telefonia agora precisam enfrentar os desafios da crise financeira global

Passados dez anos da privatização do sistema Telebrás, a cara do setor de telecomunicações mudou completamente. Não há mais filas para a compra de uma linha telefônica, o usuário tem o poder de escolher sua operadora e a telefonia móvel deixou de ser um luxo para virar um serviço essencial, inclusive para a transmissão de dados. E, para as empresas, competir no mercado de telefonia tornou-se uma tarefa muito mais difícil. As operadoras ampliaram suas bases de cobertura e vêm adotando estratégias agressivas de redução das tarifas, num momento em que a regra da portabilidade - a possibilidade de manter o número de telefone ao trocar de operadora - está em fase de ser plenamente implantada em todo o país. As companhias estão agora mais sujeitas à avaliação dos clientes, o que exige uma estratégia comercial eficiente para manter a fidelidade dos atuais usuários e atrair assinantes da concorrência.

Além do aumento da competição, as operadoras precisam enfrentar a crise financeira global, que amplia os desafios. O crédito no mundo tornou-se mais escasso e caro, enquanto a desvalorização cambial ampliou o custo para a aquisição de equipamentos. No entanto, parar de investir seria comprometer todos os recursos aplicados até agora. As empresas de telefonia móvel que compraram licenças para explorar as freqüências de terceira geração (3G), pelas quais pagaram ágios superiores a 200% dos preços mínimos, assumiram o compromisso de estender a cobertura de seus serviços a áreas com baixa densidade populacional, conforme o cronograma determinado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). E não têm liberdade para suspender esses investimentos, mesmo que a crise se acentue.

A seu favor, as empresas do setor têm uma forte geração de caixa e dívida controlada e pouco atrelada à variação do dólar, o que permite certa resistência à turbulência financeira. Além disso, as receitas das operadoras dependem do mercado interno, e não do global, no qual as perspectivas são mais negativas. De modo geral, as companhias estão bem protegidas contra a depreciação do real. Por isso, têm conseguido captar recursos para complementar sua estratégia de investimento, ainda que a custos mais altos.

A aprovação do Plano Geral de Outorgas, que deve ser concluída no final de 2008, abre mais um capítulo neste novo momento do setor. O PGO permite a aquisição de uma operadora de telefonia fixa por outra que atue na mesma região - abrindo espaço para a concretização da compra da Brasil Telecom pela Oi. O impacto da futura "supertele", no entanto, é motivo de polêmica. Se por um lado a operação reduz a concorrência e reforça o controle de preço das tarifas pelas operadoras, por outro a redução de custo operacional da sinergia resultante da fusão pode ser repassada ao consumidor.

Para enfrentar a competição mais acirrada, as empresas têm apostado na venda combinada de serviços - com telefonia, internet rápida e TV por assinatura no mesmo pacote -, o que pode ajudar a atenuar os efeitos da crise. Tal estratégia garante às teles sinergia operacional, dá aos consumidores vantagens financeiras e é uma maneira de levar à casa do cliente serviços de maior valor agregado. A permissão para que as empresas de telefonia fixa comercializem transmissão de TV a cabo, prevista no Projeto de Lei no 29/2007, está para ser votada e pode reforçar essa estratégia. A competição é alimentada pela percepção de que, mesmo com o avanço ocorrido nos últimos dez anos, há muito espaço ainda para crescer em um mercado com demanda reprimida por serviços de telecomunicações, especialmente de transmissão de dados.

Em busca da diversificaçãoCom a base de assinantes estagnada, as operadoras miram a oferta de novos serviços para aumentar a receita por cliente

As operadoras de telefonia fixa, pressionadas pela concorrência da telefonia móvel, têm procurado diversificar sua atuação no mercado brasileiro. Com a estagnação do número de clientes em torno de 40 milhões de assinantes, as empresas apostam na oferta de pacotes que combinam dois ou três produtos, como telefonia fixa, internet banda larga e TV digital via satélite. O objetivo é aumentar a receita por cliente. Além disso, as operadoras tentam atrair e manter clientes oferecendo uma variedade maior de planos de assinatura, com descontos nas tarifas para quem faz mais ligações.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • A falta de uma agenda de longo prazo é uma crítica antiga no setor de telefonia. Em 2008, a decisão intempestiva da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de apresentar uma proposta de mudanças no Plano Geral de Outorgas (PGO) tornou essa crítica ainda mais contundente. Muitos especialistas viram na aprovação apressada do PGO uma forma de favorecer interesses privados específicos. O ponto central das mudanças propostas pela Anatel é a possibilidade de aquisição de uma concessionária de telefonia fixa por outra, o que abriu espaço para a concretização da compra da Brasil Telecom pela Oi. Nesse processo, houve também intervenções do governo na Anatel, em uma demonstração de ingerência política na agência. • O setor ainda trabalha com barreiras para a completa convergência tecnológica. Enquanto o mundo caminha para prestar os chamados serviços triple play - oferta de serviços de voz, banda larga e conteúdos audiovisuais por um único provedor -, a lei no Brasil impede, por exemplo, que concessionárias de serviços locais de telecomunicações distribuam conteúdos audiovisuais pagos ou de TV por assinatura. O Projeto de Lei no 29/2007, que pretende acabar com essa restrição, teve sua votação emperrada na Comissão de Ciência e Tecnologia por discordâncias sobre a definição de cotas de conteúdo audiovisual nacional.

2 - Questões legais • Os debates sobre mudanças na legislação ficam restritos a questões pontuais, como preços e atendimento ao consumidor, e não avançam para a elaboração de um planejamento de longo prazo para o setor. • Os recursos recolhidos para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) não têm sido devidamente empregados por causa da ausência de diretrizes do governo para traçar as questões prioritárias do setor.

3 - Questões tributárias

• Os tributos diretos representam 30,15% do valor total da conta telefônica. Existem também os tributos indiretos, como as taxas de fiscalização (Fistel), IRPJ, CCSL e outras contribuições. Essa elevada carga tributária, além de onerar o consumidor, limita a expansão do serviço no Brasil. Esse tratamento tributário é semelhante ao que vigora para produtos como cigarros, bebidas alcoólicas e armas, o que é considerado uma distorção.

4 - Questões institucionais • O enfraquecimento da Anatel e os sinais de ingerência política na agência preocupam os especialistas. Eles temem que a agência compactue com a concentração de grandes empresas no setor, o que reduz a competição e impede que haja melhora e barateamento dos serviços prestados.

5 - Investimentos • Por ser um serviço cuja demanda se encontra em declínio, o volume de investimentos também tende a cair. Em 2008, os investimentos das operadoras de telefonia fixa devem aumentar 3% em relação ao montante do ano anterior, passando de 2,6 bilhões para 2,7 bilhões de reais. Boa parte dos recursos é destinada à banda larga e a outros serviços, como IPTV (televisão pela internet), além de projetos piloto baseados na tecnologia fiber to the home (FTTH, ou fibra até a residência do usuário), que visa à oferta de banda larga de alta capacidade em regiões de alto poder aquisitivo. A dúvida está no efeito que a crise financeira internacional terá na manutenção dos investimentos, uma vez que boa parte dos equipamentos tem seus preços atrelados ao dólar e o crédito no mundo tornou-se escasso e caro.

Desafios • Para compensar a perda de receita proveniente de transmissão de voz, as empresas do setor devem buscar ampliar a abrangência de sua atuação, passando a oferecer outros serviços, como a venda de sinal de TV. Enquanto não têm permissão legal para operar TV a cabo, as empresas de telefonia compram licenças para explorar o serviço televisivo por satélite, conhecido pelo jargão DTH, que não depende de leilão da Anatel. • O aumento da concorrência, em um setor cada vez mais concentrado, é um dos principais desafios do agente regulador. A portabilidade numérica - possibilidade de o usuário manter seu número de telefone ao trocar de prestadora de serviço -, cuja implantação deve ser concluída no início de 2009, pode contribuir para esse objetivo, colocando a eficiência das empresas à prova perante o consumidor.

Potencial de crescimentoApesar do ritmo acelerado de expansão, há ainda muitos clientes para conquistar

Dez anos depois da privatização do setor de telecomunicações no Brasil, o número de assinantes de telefonia móvel aumentou de 7,4 milhões, em 1998, para 140,8 milhões atualmente - 19 vezes mais. Esse desempenho coloca o Brasil em quinto lugar no ranking mundial em número de celulares. Apesar do ritmo acelerado de crescimento, o país ainda tem muito a avançar. No final de 2007, de cada 100 brasileiros, 64 possuíam telefone celular, abaixo da média de países como México, África do Sul, Rússia e Argentina. Esse número indica a existência de um potencial de expansão para as operadoras, sobretudo entre as camadas mais pobres da população, a chamada classe C. Nos demais segmentos - classes A e B -, as oportunidades estão nas vendas de aparelhos mais sofisticados, como o iPhone, que multiplicam também o consumo de pacotes de dados entre os clientes. Para 2008, a previsão de crescimento para a telefonia móvel é de 21% e, para 2009, de 16%, o que significa que em dois anos o país deverá atingir a marca de 170 milhões de telefones celulares. Se confirmadas as previsões, no final de 2009, de cada 100 brasileiros, 87 terão telefone celular.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • Para especialistas, o setor de telefonia móvel é tão ou mais regulado que o de telefonia fixa. Há um excesso de regulação, considerado um entrave para o desenvolvimento do mercado.

2 - Questões legais • A obrigatoriedade de recolhimento de uma parte da receita para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) é criticada por especialistas. No caso do Fistel, a empresa faz o recolhimento a cada chip ativado e, depois disso, uma vez por ano. O impacto dessa cobrança sobre o custo da operação é grande, especialmente no caso dos pré-pagos, que proporcionam baixa receita às operadoras e são os mais demandados pelas classes de menor poder aquisitivo.

3 - Questões tributárias • A carga tributária para o setor está entre as mais altas do mundo, entre 50% e 56% da receita das empresas. Esse tratamento é considerado inadequado para um setor que está na base do desenvolvimento econômico do país e que, portanto, demandaria incentivo por parte do governo.

4 - Questões institucionais • Houve grande avanço no setor depois do leilão das freqüências 3G. Mas cada novo passo no sentido de ampliar as possibilidades de tecnologia é dado com muita lentidão.

5- Investimentos • As operadoras de telefonia móvel ampliaram seus investimentos a partir de 2007, quando foi realizado o leilão das freqüências de terceira geração (3G). Agora, essas empresas têm pouca liberdade para reduzir os investimentos nos próximos anos, pois assumiram metas de universalização dos serviços. Ao comprar licenças para a 3G, por exemplo, as operadoras móveis se comprometeram em estender a cobertura a áreas com baixa densidade populacional, conforme cronograma determinado pela Anatel. Em 2009, cerca de 1 000 novos municípios devem receber cobertura. • O que favorece essas companhias é o fato de ter suas receitas ligadas ao mercado interno, contar com forte geração de caixa e não ter sua atividade tão atrelada às variações do PIB. As operadoras também trabalham com uma dívida controlada e possuem apenas uma pequena parte do endividamento e de seu cronograma de investimentos atrelada ao dólar. Como, de maneira geral, essas companhias estão bem protegidas contra a depreciação do real, os impactos no balanço têm sido sentidos no resultado líquido, e não no caixa.

Desafios • O acirramento da concorrência tem provocado a queda nas receitas dos serviços de voz, que já se tornaram commodities. Essa queda precisa ser compensada com novas alternativas, como a transmissão de dados. No Brasil, a participação da receita de dados em relação à receita total de serviços ainda é baixa se comparada à de outros países. Assim, as empresas precisam buscar serviços inovadores, com maior valor agregado, e convencer os consumidores a incorporá-los em seu dia-a-dia. • Aumentar o volume de ligações de móvel para fixo e de móvel para móvel. • Competir nesse mercado é uma tarefa cada vez mais árdua. As diferenças entre as operadoras serão acentuadas pela entrada em vigor da regra da portabilidade numérica, que permite ao usuário manter seu número de telefone em caso de troca de prestadora. E ganharão reforço com o debate sobre o desbloqueio de celulares, largamente defendido pela Oi, que decidiu se concentrar na prestação de serviços e deixou, há algum tempo, de oferecer subsídios a aparelhos.

Mudanças com a terceira geraçãoTecnologia e aumento da competição entre as companhias elevam a velocidade de acesso e reduzem os preços

A tecnologia de terceira geração (3G) chegou ao país há pouco tempo, mas já começa a provocar uma transformação no setor de banda larga no país. Uma das mudanças mais significativas detectadas no mercado tem sido a queda nos preços dos pacotes de assinatura de internet, como resultado também do aumento da competição promovida por empresas de TV por assinatura e por operadoras que detêm a tecnologia de banda larga móvel de

terceira geração. Em 2004, o preço médio de um pacote com velocidade acima de 2 Mbps (megabits por segundo) estava ao redor de 1 200 reais. No final de 2007, o mesmo produto custava 180 reais em média, uma redução de 85% no período. Em 2007, havia 7,3 milhões de assinantes de banda larga no Brasil. A previsão é que esse número cresça 35% em 2008, chegando a 9,9 milhões de usuários. O ritmo de evolução deve continuar em 2009, quando a conta pode subir para 12,8 milhões de pessoas.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • O setor é pouco regulamentado, o que é apontado como um ponto positivo por especialistas, pois permite que diferentes empresas atuem nesse segmento. No caso da banda larga, tanto operadoras de telefonia fixa quanto de telefonia móvel ampliaram a participação. Com a maior concorrência, a qualidade dos serviços melhora e os preços caem. Entre 2004 e 2007, o preço médio de um pacote de velocidade acima de 2 Mbps (megabits por segundo) caiu 85%. A licitação das freqüências de terceira geração em 2008 ampliou o horizonte para essas empresas, que têm investido em novas tecnologias para a transmissão de dados. • O “apagão” da internet ocorrido na Telefônica no mês de julho - quando centenas de milhares de pessoas ficaram sem acesso à internet por mais de 36 horas em São Paulo - ampliou o debate em torno da necessidade de impor ou não regras para a oferta de banda larga.

2 - Questões legais • As empresas de TV a cabo e as operadoras de telefonia disputam o mercado de banda larga. Mas os parâmetros para a exploração desse mercado serão definidos no Projeto de Lei no 29, que estabelece que os canais de TV paga poderão ser distribuídos por qualquer empresa, inclusive de telecomunicações, nacional ou estrangeira. O projeto é considerado polêmico. Uma das críticas é que ele favoreceria as companhias telefônicas ao não prever, por exemplo, a possibilidade de compartilhamento das redes telefônicas pelas TVs a cabo.

3 - Questões tributárias • Os serviços de internet têm baixa carga tributária por ser considerados de valor adicionado. Mas o assunto está em discussão e o pleito das empresas é que sejam estabelecidas alíquotas mais baixas do que as dos demais serviços de telefonia.

4 - Questões institucionais •Os provedores de acesso têm baixa carga tributária. Mas a banda larga sofre a mesma tributação de outros serviços de telecomunicações (de 25% a 35% de ICMS). No entanto, entidades do setor negociam com o governo a desoneração desse serviço.

5 - Investimentos • As empresas têm investido para ampliar o acesso à internet banda larga. Para 2008, a projeção da Tendências Consultoria é de um crescimento de 35% e, para 2009, de 30%, o que representará um volume de 9,9 milhões de terminais em uso em dezembro deste ano e de 12,8 milhões ao final de 2009. Esse avanço, no entanto, é limitado pela demora na licitação das linhas de WiMax (banda larga sem fio), suspensa em 2006 por causa de discussões em torno dos preços mínimos estabelecidos para o leilão. As redes WiMax devem contribuir para o aumento da cobertura de banda larga no país, inclusive em regiões distantes dos grandes centros. E pode ampliar a qualidade e reduzir os preços, uma vez que deve aumentar a concorrência nesse segmento em regiões onde há poucas operadoras prestando esse serviço.

Desafios • Os serviços de banda larga no Brasil ainda têm muito espaço para crescer. A densidade de utilização no Brasil é considerada baixa, de apenas 4,3 terminais para cada 100 habitantes em 2007 - inferior à média de países como Argentina, Chile e Uruguai. Com a maior oferta, a conseqüência natural seria a redução dos preços ao consumidor. • Além de aumentar a capilaridade do serviço, as companhias do setor precisam investir mais na ampliação da velocidade da banda larga.

Faltam 290 bilhões de reaisEsse é o valor necessário para o país colocar em ordem suas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. E a conta não pára de crescer O Plano Nacional de Logística e Transportes foi criado para ser um grande canal no qual, a cada quatro anos, podem constar idéias e projetos apresentados por estados, órgãos públicos, empresas privadas e segmentos da sociedade ligados ao setor para colocar em ordem rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias do país. Esse trabalho dá uma dimensão precisa da distância entre a realidade brasileira e o cenário desejável - aquele em que empresas e produtores agrícolas encontrem facilidades e possam escoar suas mercadorias para os mercados interno e externo sem enfrentar barreiras intransponíveis e custos logísticos exorbitantes. Na primeira edição do plano, realizada em 2004, a soma das demandas atingiu 172 bilhões de reais.

Recentemente, foi feita a primeira revisão dessa conta. Agora, em termos de investimentos necessários para resolver os principais problemas de infra-estrutura até 2023, seriam necessários 290 bilhões de reais - o equivalente à média de 20 bilhões de reais por ano no período. O PAC representa um esforço para suprir parte dessas necessidades, com uma média de investimentos no setor de 14,5 bilhões de reais por ano entre 2007 e 2010. Ou seja, mesmo se tudo que estiver planejado sair efetivamente do papel, o dinheiro seria insuficiente para fazer com que o setor brasileiro de transportes chegue perto do cenário ideal projetado pelo plano. Por essa razão, especialistas no setor já falam da necessidade de o governo começar a planejar, desde já, um novo "PAC" para o setor de transportes.

Uma luz no fim da pistaO plano de privatização de dois dos maiores aeroportos do país começa a ganhar corpo

Uma mudança no cenário aeroportuário brasileiro começou a ser desenhada para os próximos anos. O governo federal anunciou que pretende transferir para a iniciativa privada a gestão dos aeroportos do Galeão, no Rio, e de Viracopos, em Campinas. Por enquanto, o assunto está em estudo e depende de um demorado processo de elaboração de editais, licitação e audiências públicas. A intenção é deixar tudo pronto em 2009. Atualmente, esses dois aeroportos e outros 65 em todo o país são administrados pela INFRAERO. A estatal é criticada porque, nos últimos anos, investiu mais no conforto dos terminais de passageiros do que em reformas e ampliações das pistas. A concessão de aeroportos à iniciativa privada, por si só, não resolve todos os problemas de infra-estrutura, mas pode dar um choque de gestão no setor e ajudar em sua modernização. Não há tempo a perder. O movimento de passageiros vem crescendo 9% ao ano e a previsão é que esse ritmo acelere nos próximos anos.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • A criação da Agência Nacional de Avião Civil (Anac), em substituição ao Departamento de Aviação Civil (DAC), foi positiva na opinião dos envolvidos no setor, que sempre defenderam a gradual desmilitarização. • No auge da crise do setor aéreo, em 2007, o ministro Nelson Jobim tentou interferir na Anac, órgão vinculado mas não subordinado ao Ministério da Defesa. Quando os ânimos se acalmaram, a agência voltou a gozar de relativa independência. Mesmo com a recomposição por um quadro mais técnico e menos político-partidário, porém, a Anac ainda está vulnerável aos humores do governo, o que é preocupante.

2 - Questões legais • O Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou indícios de irregularidades em quatro de nove obras da INFRAERO fiscalizadas em 2008. Foi recomendada a paralisação nas construções dos terminais de passageiros de Macapá, Guarulhos e Vitória e nas ampliações e reformas do aeroporto Santos Dumont, no Rio. • De 2003 a 2007, outros 80 processos do TCU atingiram obras da INFRAERO, apontando irregularidades como superfaturamento, inadequação de projeto e pagamento de serviços não previstos em contrato.

3 - Questões tributárias • Segundo especialistas, a cobrança de taxas e impostos altos impede o maior aproveitamento dos terminais de logística e carga do país, que operam abaixo da capacidade. • No transporte de passageiros, a redução de taxas em aeroportos ociosos do país poderia atrair o interesse de companhias aéreas e usuários. • Uma das sugestões é a Anac dar liberdade tarifária aos aeroportos, estabelecendo no máximo uma tarifa-teto. Valeria a mesma liberdade concedida às empresas aéreas. • A unificação da alíquota do ICMS em 12% poderia gerar uma economia de 200 milhões de dólares por ano ao setor aéreo. Em São Paulo, por exemplo, cobra-se uma alíquota de 25%. A isenção de PIS e Cofins para o combustível aéreo aliviaria outros 60 milhões de dólares anuais. As estimativas foram apresentadas pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) ao Ministério da Defesa.

4 - Questões institucionais • A sinalização de que o governo pode conceder a administração de aeroportos à iniciativa privada é positiva. Seria uma forma de desvincular o setor do uso político dos órgãos e das empresas estatais. • Segundo o presidente da Infraero, Sergio Gaudenzi, dez dos terminais administrados pela estatal são lucrativos. Os outros 57 não interessariam aos investidores privados. Uma solução seria reunir aeroportos lucrativos e deficitários num mesmo bloco de concessões. • A Anac colocou em consulta pública a regra de distribuição de slots nos aeroportos considerados saturados. A intenção é abrir as autorizações de pouso e decolagem para maior número de empresas, estimulando a concorrência. Os slots seriam redistribuídos conforme o desempenho operacional das companhias aéreas, considerando indicadores como atrasos, cancelamentos e acidentes nos vôos. • A segurança do controle de tráfego aéreo segue sob suspeita, mesmo passados os dias mais turbulentos da crise de 2007. O despreparo dos operadores, a desatualização tecnológica e a falta de investimentos são as causas da ineficiência. • Em 2007, o governo investiu 3,2 bilhões dos 7,9 bilhões de reais arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que deveriam ser aplicados em programas de infra-estrutura de transportes. Segundo a CNT, 66,6% do dinheiro arrecadado com a Cide desde 2002 não foi utilizado no setor.

5 - Investimentos • O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê investimentos de 3 bilhões de reais para infra-estrutura e segurança até 2010. Em 2008, deveriam ser aplicados 1,2 bilhão de reais. • Além disso, a Infraero tinha outros 500 milhões de reais para investir em diversas obras nos aeroportos em 2008. • Em 2007, o orçamento previa 1,3 bilhão de reais em reformas e melhorias. Com as paralisações determinadas pelo TCU, foram gastos 573 milhões de reais nessas obras. • Em agosto de 2008, o ministro Nelson Jobim disse que os contratos de 2004 e 2005 contestados pelo TCU seriam cancelados. Havia promessa de realização de nova licitação.

Desafios • O tráfego aéreo brasileiro vem aumentando 9% ao ano, e a previsão é que o transporte por aviões cresça o triplo da taxa do PIB entre os próximos 15 e 20 anos. A ampliação dos aeroportos, com o uso de recursos públicos e privados, é urgente. • Elaborar um modelo de concessão de aeroportos que atraia os investidores privados e garanta a eficiência dos terminais no futuro. O setor precisa de um marco regulatório Claro que dê segurança aos consumidores, aos investidores e ao Estado. • Melhorar a comunicação entre os órgãos responsáveis pela aviação civil e formar pessoal qualificado em controle de tráfego aéreo. • Obras em andamento, como os terminais de Vitória, Macapá, Guarulhos e Rio de Janeiro, precisam ser concluídas. O mesmo se aplica ao novo terminal internacional de São Gonçalo do Amarante (RN), com término previsto para 2009. • Executar as ações para desafogar os aeroportos de Congonhas, na capital paulista, e de Guarulhos. • Realocar o terminal de Ilhéus (Bahia), um dos três mais perigosos do país.

Nova meta de crescimentoO setor deve investir 118 bilhões de reais para conquistar 35% do transporte de cargas A evolução das ferrovias nos últimos anos é visível. Desde que o setor foi privatizado, em 1996, a participação dos trens no transporte de cargas passou de 16% para 26% em 2007. O Ministério dos Transportes pretende elevar essa taxa para 35% nos próximos anos. Para isso, será necessário investir 118 bilhões de reais até 2023, segundo o Plano Nacional de Logística e Transportes. Um dos focos dos investimentos deve ser a ampliação da malha, estagnada em 29 800 quilômetros. Segundo especialistas, em cerca de 15 anos o Brasil deveria aumentar sua malha em pelo menos 10 000 quilômetros.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório

• Os contratos de concessão prevêem direitos e deveres para a União, dona das ferrovias, e as concessionárias que exploram os serviços. Mas o governo tem descumprido sua obrigação de investir na melhoria da malha, eliminando gargalos como cruzamentos de nível e invasões de domínio, e evitar crimes ao patrimônio ferroviário. É para essas obras que as concessionárias pagam impostos e taxas. A ANTF sugere uma revisão no modelo de concessão atual, que inibe novas práticas de gestão e a adoção de tecnologias inovadoras e reduz os ganhos de produtividade.

2 - Questões legais • Os passivos ambiental e trabalhista da RFFSA, não liquidados antes da extinção da empresa federal, ainda causam bloqueios de bens das empresas e até mesmo dos dirigentes das concessionárias. O processo final de execução está previsto para 2010. • Falta definir como será feita a indenização dos investimentos das concessionárias nos bens arrendados da União. • A extinção da RFFSA obriga as concessionárias a responder simultaneamente a seis órgãos do governo: Advocacia Geral da União, Secretaria do Patrimônio da União (SPU), Ministério dos Transportes, Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e Tesouro Nacional.

3 - Questões tributárias • Desde 1997, as concessionárias recolheram 7 bilhões de reais em impostos e taxas de arrendamento e concessão. O dinheiro deveria ser revertido em melhorias na malha, mas não é. • O complexo sistema tributário entre os estados dificulta a sinergia entre os diferentes sistemas de transporte (intermodalidade). • As concessionárias sugerem a isenção de impostos de importação de componentes ferroviários não fabricados no Brasil para facilitar a modernização da indústria nacional. • Desde 2006, as concessionárias têm isenção de alíquotas de importação de locomotivas e trilhos.

4 - Questões institucionais • A infra-estrutura ferroviária não cresce no ritmo da produção do transporte de cargas. A extensão da malha é a mesma desde a desestatização do setor, enquanto a produção aumentou 76%. São necessários 10 000 novos quilômetros de trilhos nos próximos 15 anos para que o setor não pare. • A ANTF cobra a criação da Polícia Ferroviária Nacional, prevista na Constituição Federal, com poder para evitar as invasões das vias, proteger o patrimônio e conduzir a perícia técnica dos acidentes com trens. • A Valec, empresa federal que constrói a Ferrovia Norte–Sul, foi reestruturada pela Medida Provisória no 427/08 e ganhou autonomia para realizar estudos e projetos de modernização e expansão do sistema ferroviário. • Em 2007, o governo investiu 3,2 bilhões dos 7,9 bilhões de reais arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que deveriam ser aplicados em programas de infra-estrutura de transportes. Segundo a CNT, 66,6% do dinheiro arrecadado com a Cide desde 2002 não foi utilizado no setor.

5 - Investimentos • As concessionárias investiram 14,5 bilhões de reais desde o início do programa de concessões. Esses recursos foram aplicados em compra de locomotivas e vagões, melhoria da via permanente, introdução de novas tecnologias, treinamento de pessoal e campanhas de segurança. Outros 2,6 bilhões de reais estão previstos para 2008. • De 2007 a 2010, o PAC prevê investimentos de 7,9 bilhões de reais em 14 obras de novos trechos, contornos, integrações, variantes e adequações da malha ferroviária, num total de 2 500 quilômetros. O dinheiro tem sido oferecido, mas o processo de execução precisa ser acelerado. • O Plano Nacional de Logística de Transportes sugere investimentos de 118 bilhões de reais até 2023 para manter a competitividade das ferrovias brasileiras. O Ministério dos Transportes espera atrair parceiros da iniciativa privada.

Desafios • As concessionárias propõem 11 pontos estratégicos para desenvolver as ferrovias. A agenda inclui a eliminação de gargalos físicos e operacionais, a expansão da malha, a desburocratização do licenciamento ambiental, a solução dos passivos trabalhista e ambiental da extinta RFFSA, a regulamentação do setor, o fortalecimento da indústria ferroviária nacional, o aumento da segurança, o avanço tecnológico e a capacitação profissional. • Desonerar a tributação sobre a compra de componentes ferroviários não fabricados no país. • Resolver os gargalos causados pelas 434 invasões de faixa de domínio e 2 611 passagens de nível em situação crítica. • Restabelecer as obrigações da União em relação às melhorias na infra-estrutura ferroviária. • Firmar parcerias com instituições acadêmicas, operadores e fabricantes para desenvolvimento nas áreas de combustíveis alternativos, formação de pessoal e tecnologia da informação.

Muito abaixo do potencialO baixo nível de investimentos impede o aproveitamento das hidrovias brasileiras

A análise dos investimentos previstos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e sugeridos pelo Plano Nacional de Logística e Transportes indica que as hidrovias serão, por muito tempo ainda, o calcanhar-de-aquiles do setor de transportes. No PAC estão previstas as obras das duas eclusas de Tucuruí e de alguns portos fluviais na Amazônia. Nada mais. Dos investimentos constantes no plano, 7,4% são destinados ao sistema hidroviário (ante 43% ao transporte rodoviário). Metade dos recursos está prevista somente para depois de 2015. Isso indica que a malha navegável de rios, atualmente com 10 000 quilômetros de extensão, não deverá crescer nos próximos anos. O país tem potencial para incorporar mais de 18 000 quilômetros de rios para o transporte de cargas. A boa notícia é que as obras das eclusas de Tucuruí, na hidrovia Tocantins–Araguaia, estão a todo o vapor - cerca de 70% dos trabalhos foram realizados. Uma das obras de infra-estrutura mais antigas do país - foi iniciada em 1981 e paralisada três vezes -, as eclusas vão permitir a navegação em um trecho de 350 quilômetros dos rios Tocantins e Araguaia. A previsão é que as obras fiquem prontas em junho de 2010.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • A navegação fluvial não tem lei específica. Os ministérios dos Transportes, Meio Ambiente, Justiça, Integração Nacional e Assuntos Estratégicos trabalham na definição de regras para a administração de hidrovias, mas não há previsão de um marco legal para o segmento. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a Agência Nacional de Águas (ANA) fecharam acordo de cooperação técnica para integrar procedimentos sobre o uso múltiplo das águas.

2 - Questões legais • O licenciamento para ampliação da rede de navegação interior está sujeito a relatórios de impacto ambiental, que geram demoradas batalhas judiciais entre Ministério Público, Ibama, organizações não-governamentais e administradoras das hidrovias. As discussões incluem desde a passagem de grandes comboios até a construção de portos e terminais.

3 - Questões tributárias • Como nos demais segmentos, os impostos sobre o setor são altos.

4 - Questões institucionais • A malha hidroviária só atingirá seu potencial com a construção de eclusas nas usinas hidrelétricas que interrompem a rota das embarcações. Também há pontes muito baixas em alguns trechos. Mas falta dinheiro público. A eclusa de Tucuruí está em obras desde 1981. • Outro empecilho para a ampliação das hidrovias é a lenta e burocrática emissão de licenças ambientais.

• O PNLT, do governo federal, sugere a construção de eclusas nos rios Madeira e Parnaíba, de Lajeado e nas hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu, a recuperação da navegabilidade do sistema Solimões–Amazonas, da bacia do Tietê–Paraná, da Lagoa dos Patos e dos rios Paraguai, Taquari, Içá, Madeira, Branco, Negro, Acre, Juruá, Tocantins, Araguaia, Grande e Corrente, a implantação de novos trechos nas hidrovias Teles Pires–Juruena–Tapajós, Marajó, Araguaia–Tocantins e Parnaíba, a construção de canal nas corredeiras de Santa Isabel do Araguaia, a ampliação da capacidade de transporte da hidrovia do São Francisco e a construção de terminais nos rios Araguaia, Parnaíba e Tocantins, entre outras obras. • Em 2007, o governo investiu 3,2 bilhões dos 7,9 bilhões de reais arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que deveriam ser aplicados em programas de infra-estrutura de transportes. Segundo a CNT, 66,6% do dinheiro arrecadado com a Cide desde 2002 não foi utilizado no setor.

5 - Investimentos • Em 2007, o Ministério dos Transportes empenhou 226 milhões de reais no segmento aquaviário, que inclui hidrovias e portos. Metade foi efetivamente paga no ano. • Estimativa do Ministério dos Transportes indica a necessidade de 50 milhões a 60 milhões de reais anuais para a manutenção da navegação fluvial. Para os especialistas, é preciso o triplo para garantir a expansão.

Desafios • Incorporar a construção das eclusas juntamente com as usinas hidrelétricas. Segundo a Antaq, o preço da obra passa de 5% para 30% quando a eclusa é postergada. • Aumentar os investimentos no sistema hidroviário e integrá-lo aos demais segmentos de transporte. • O governo deveria investir 12,8 bilhões de reais no sistema hidroviário até 2023, conforme o PNLT. De 2008 a 2011, deveriam ser aplicados 2,7 bilhões de reais. • Acelerar o processo de licenciamento ambiental. • A futura lei de regulamentação pode facilitar o acesso do transportador ao sistema hidroviário. A proposta é que ele tenha um tratamento similar ao do transportador terrestre, ou seja, que autônomos, e não apenas empresas, possam prestar serviços de navegação. • Atualizar as estatísticas sobre transporte hidroviário no Brasil.

O custo da ineficiênciaBurocracia, greves e instalações inadequadas são obstáculos para o comércio exterior A baixa eficiência dos portos brasileiros é um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento do comércio exterior. São inúmeros os fatores que atrapalham o bom funcionamento dos portos: excessiva burocracia na liberação de cargas, freqüentes greves de auditores fiscais, longo tempo de espera dos navios na boca do cais, deficiência de armazenagem, dificuldade de acesso aos terminais e roubos e furtos de mercadorias. A movimentação de cargas vem crescendo a cada ano e já passa de 750 milhões de toneladas por ano, mas a ligação dos portos com os segmentos rodoviário, ferroviário e hidroviário continua deficiente. Se não bastassem esses problemas, as enchentes que castigaram Santa Catarina em novembro destruíram parte das instalações do porto de Itajaí e paralisaram suas atividades. As obras de reconstrução devem levar de seis meses a um ano e devem consumir gastos de 350 milhões de reais.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • Desde 2005, duas resoluções polêmicas da Antaq criaram insegurança aos investidores e vão de encontro à Lei de Modernização Portuária, de 1993. Elas modificaram - para pior - as regras de arrendamento, exploração e ampliação dos terminais de uso privativo. A concessão dos terminais pode ser revogada a qualquer momento pela Antaq. A agência decidiu que levaria a revisão das resoluções à audiência pública.

2 - Questões legais • Cerca de 4 000 ações trabalhistas apenas no porto de Santos dão a medida do tamanho do problema no setor portuário. •O governo excluiu as oito Companhias Docas do programa de desestatização e preferiu mantê-las sob administração federal. Até outubro de 2008, o pagamento da dívida de 1,5 bilhão de reais com o fundo de pensão dos portuários não havia sido resolvido. •Os Órgãos Gestores de Mão-de-Obra (Ogmos), que cuidam da gestão do trabalho avulso nos portos, acumulam dívidas de 100 milhões de reais em causas trabalhistas e multas do Ministério do Trabalho e Emprego. •Até o final de 2007, havia 250 projetos de lei em tramitação e arquivados no Congresso que influem diretamente na atividade portuária. A morosidade cria insegurança jurídica aos investidores.

3 - Questões tributárias • O governo prorrogou até 31 de dezembro de 2010 os benefícios do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto). Criado em novembro de 2004, o programa isenta de imposto de importação, IPI, Cofins e PIS/Pasep a compra de uma série de bens e equipamentos de uso portuário.

4 - Questões institucionais • A Secretaria Especial de Portos indicou técnicos para a administração das Companhias Docas, antiga reivindicação dos empresários do setor. A questão agora é sanear as finanças das Docas, garantir o fim das influências político-partidárias sobre os gestores, reduzir a burocracia, adotar metas administrativas de desempenho e profissionalizar a governança corporativa. • A Medida Provisória no 393/07 abriu o serviço de dragagem às empresas estrangeiras, antes restrito às brasileiras. Agora, o contratado fica responsável pela manutenção do serviço por cinco anos. • As greves de funcionários públicos ligados à operação portuária somaram 180 dias em 2007, prejudicando o embarque e o desembarque de cargas. • Em 2007, empresários e trabalhadores concordaram em diversos pontos sobre o trabalho avulso, a aposentadoria de portuários por tempo de serviço, idade ou inaptidão e a escala e o intervalo de serviço. Mas continua pendente o acerto em relação à preferência de contratação com vínculo empregatício, ao piso salarial e à renda mínima. • As alfândegas trabalham apenas em horário comercial na maioria dos portos, apesar de os navios atracarem 24 horas nos terminais. • Em 2007, o governo investiu 3,2 bilhões dos 7,9 bilhões de reais arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que deveriam ser aplicados em programas de infra-estrutura de transportes. Segundo a CNT, 66,6% do dinheiro arrecadado com a Cide desde 2002 não foi utilizado no setor.

5 - Investimentos • Os investidores privados destinaram mais de 2 bilhões de dólares à infra-estrutura portuária. Estimativas apontam potencial de 3 bilhões a 5 bilhões de reais em investimentos nos próximos três anos se houver segurança jurídica. • Para o período 2007-2010, o PAC prevê investimentos públicos de 2,7 bilhões de reais nos portos. • Em 2007, o sistema portuário recebeu 650 milhões de reais, segundo a Secretaria Especial de Portos. • Com o Programa Nacional de Dragagem, o governo se comprometeu a aplicar 1 bilhão de reais em 2008 e 2009 na melhoria dos acessos marítimos aos cais. Parte das obras já começou.

Desafios • Criar uma política nacional para o setor que defina prioridades, investimentos e integração do sistema com rodovias, hidrovias e ferrovias. • A Antaq não licita novos terminais de uso privativo desde 2002. Há grandes áreas disponíveis nos portos públicos que já poderiam ser utilizadas. • Estabelecer metas de desempenho e sanear as finanças das Companhias Docas, responsáveis pela administração dos portos públicos brasileiros.

• Acelerar a execução da dragagem dos portos, estabelecida pelo Programa Nacional de Dragagem. • Agilizar a implantação nos portos brasileiros do ISPS Code, normas internacionais de segurança criadas em 2001. • Garantir o cumprimento das normas da Lei no 8.630/93 sobre os contratos de arrendamento dos terminais; esses acordos se encontram ameaçados atualmente por resoluções da Antaq. • Os Conselhos de Autoridade Portuária, formados por representantes do governo, operadores, trabalhadores e usuários dos portos, têm sido relegados a segundo plano. Os empresários querem que os conselhos sejam fortalecidos e participem do processo de governança corporativa nos portos.

O sinal vermelho das estradasA meta agora não é construir novas rodovias, mas manter em boas condições as que existem

O último grande programa de recuperação das estradas federais foi a polêmica Operação Tapa-Buracos, realizada em 2006. O governo federal investiu 440 milhões de reais para reformar 26 000 quilômetros de estradas. Para o governo, 70% das rodovias federais ficaram em boas condições depois das obras. Mas a pesquisa anual da Confederação Nacional do Transporte indica que 81% das vias estatais estão em condições regulares, ruins ou péssimas. Embora planeje equilibrar a matriz de transportes, ampliando a participação dos segmentos ferroviário e hidroviário, o governo não pode abandonar de uma hora para outra as rodovias, por onde circula atualmente 61% do que o Brasil produz. A meta agora não é construir novas rodovias, mas manter em perfeitas condições de tráfego as que existem. Dinheiro para isso parece não faltar. De 2007 a 2010, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê investimentos de 33,4 bilhões de reais no setor rodoviário. O problema é o atraso nas obras, por motivos diversos, como a campanha eleitoral de 2008 e a burocracia estatal. Muitos dos trabalhos interrompidos por problemas licitatórios ou de capacidade de execução da empresa contratada seriam concluídos se os projetos fossem tratados de forma mais profissional.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • O segmento rodoviário não é regulado por legislação especial. O Estado administra diretamente 99% da malha rodoviária brasileira, com atribuições divididas entre o Ministério dos Transportes, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

2 - Questões legais • O processo de licenciamento ambiental da BR-319 foi suspenso em setembro pelo Ibama. A rodovia liga Porto Velho a Manaus e passa por unidades de conservação federais na Amazônia. O Ibama não pretendia analisar o estudo de impacto ambiental da obra até que fossem implantadas outras três unidades de conservação no trajeto da rodovia. • Outras rodovias incluídas no PAC podem atrasar por causa de pendências no traçado devido a questões ambientais ou desapropriações. As obras da BR-158, em Mato Grosso, já foram paralisadas pelo Ibama e precisaram de revisão de projeto. Um dos trechos não será licitado por atravessar a área de uma reserva indígena.

3 - Questões tributárias • Em 2007, o governo investiu 3,2 bilhões dos 7,9 bilhões de reais arrecadados com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que deveriam ser aplicados em programas de infra-estrutura de transportes. Segundo a CNT, 66,6% do dinheiro arrecadado com a Cide desde 2002 não foi utilizado no setor.

4 - Questões institucionais • Sete trechos de rodovias federais passaram para administração privada em 2008. São 2 600 quilômetros de vias que receberão, nos primeiros seis meses, 706 milhões de reais de investimentos das concessionárias. • As rodovias ainda têm participação de 61% na matriz de transportes brasileira. Mesmo os planos de equilíbrio com ferrovias, hidrovias e portos não dispensam o governo de investir na melhoria da malha rodoviária. • O Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), conjunto de obras que vão orientar as ações públicas e privadas de infra-estrutura do setor, foi apresentado em abril de 2007. • Os investimentos em rodovias aumentaram nos últimos anos, mas a burocracia nas licitações, nos licenciamentos ambientais e na liberação dos recursos costuma atrasar as obras.

5 - Investimentos • O PAC prevê investimentos no montante de 33,4 bilhões de reais em rodovias no quadriênio 2007-2010. • O governo estima em 2 bilhões de reais anuais os recursos necessários para recuperar a malha viária. • O Ministério dos Transportes dispunha de um orçamento de 7,6 bilhões de reais para o sistema rodoviário em 2007, mas aplicou efetivamente 2,9 bilhões de reais. • Em 2007, das três obras que receberam mais verbas do Ministério dos Transportes, duas eram do segmento rodoviário: um trecho da BR-101 localizado na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul e o trecho sul do rodoanel de São Paulo. • Estima-se que as concessões de rodovias federais e as parcerias público-privadas possam atrair 2 bilhões de reais por ano de investidores privados.

Desafios • Acelerar a aplicação dos recursos disponíveis e definir cronogramas claros para as obras rodoviárias. Em 2007, o Ministério dos Transportes investiu apenas 38% do orçamento destinado ao setor. • Concluir as obras de duplicação de quatro trechos de rodovias federais que estavam fora do segundo lote de concessões. São eles: BR-101 de Natal (RN) a Maceió (AL), BR-101 de Palhoça (SC) a Osório (RS), BR-153 de Aparecida de Goiânia a Itumbiara (GO) e BR-381 de Belo Horizonte a Governador Valadares (MG). • Adotar as recomendações de investimentos do PNLT. • A idade média da frota de caminhões brasileiros é quase 11 anos, segundo o Sindipeças. O Estado ainda não conseguiu um programa eficiente de renovação e sucateamento da frota de veículos. • Implantar e dar condições de operação a 206 postos de controle de peso usando os 666 milhões de reais previstos no PAC.

A consolidação de um modeloO governo reconhece o papel essencial do setor privado na gestão de rodovias

Em 2007, o leilão de 2 600 quilômetros de estradas federais, divididos em sete trechos, mostrou que o governo finalmente entendeu que sozinho não terá recursos para recuperar a malha viária. Em outubro deste ano, o governo paulista seguiu o exemplo e concedeu à iniciativa privada a gestão de 1 715 quilômetros das rodovias Raposo Tavares, Marechal Rondon Oeste, Marechal Rondon Leste, Ayrton Senna-Carvalho Pinto e Dom Pedro I. Os vencedores do leilão vão pagar 3,5 bilhões de reais ao governo paulista e investir mais 8 bilhões de reais na ampliação, modernização e manutenção das rodovias concedidas. Para dezembro de 2008, está marcado o leilão de um trecho federal das BR-116 e 324, entre Salvador e Feira de Santana, com 680 quilômetros. A associação que reúne as maiores empresas de infra-estrutura do país estima investimentos privados de 5 bilhões de reais apenas nos cinco primeiros anos desse novo lote. Apesar desses avanços, o caminho a percorrer ainda é longo. Segundo um levantamento da Abdib, há outros 11 trechos, com 12 000 quilômetros, que poderão passar para a administração privada nos próximos anos. Atualmente, entre as 20 maiores economias do mundo, o Brasil é o último colocado em índice de rodovias pavimentadas, com apenas 12% de asfalto. Nesse quesito, o país perde na comparação com os três competidores do Bric: Rússia, 85%, China, 81%, e Índia, 47%.

Avaliação geral do segmento

1 - Características do marco regulatório • Os governos indicam que entenderam a importância da iniciativa privada na modernização da malha rodoviária. Novas concessões deverão ser feitas em 2009, na trilha do sucesso do leilão da segunda fase de concessões federais. • Três modificações em relação aos contratos anteriores atraíram os investidores e reduziram o valor das tarifas: o aumento da distribuição das praças de pedágio, a dispensa de pagamento de outorga pela exploração das rodovias e o condicionamento das metas de investimentos ao aumento do tráfego. • Os novos contratos estabeleceram taxa de retorno de 8,95% para as concessionárias. Nas concessões antigas, esse valor pode chegar a 24%. • O TCU determinou a revisão dos contratos de concessão da primeira etapa de rodovias federais. A ANTT ainda não apresentou as alterações nem consultou as concessionárias.

2 - Questões legais • A retomada das concessões rodoviárias deu uma pausa aos questionamentos legais e aos movimentos político-partidários contrários ao programa. • No Rio Grande do Sul, onde estão duas das seis concessões federais, falta resolver o desequilíbrio financeiro dos contratos.

3 - Questões tributárias • Em 2007, as concessionárias pagaram 1,7 bilhão de reais em impostos federais e municipais. Esse dinheiro deveria ter sido reinvestido integralmente em infra-estrutura rodoviária, mas não foi. • As concessionárias vencedoras do segundo lote federal de rodovias poderão obter isenção de PIS e Cofins.

4 - Questões institucionais • Os contratos das novas concessões federais mostram que é possível anular o maior argumento contra a privatização: o valor das tarifas. Parte da solução está no aumento do número de praças de pedágio e, conseqüentemente, da base de pagantes. O deságio sobre a tarifa-teto estipulada pelo governo chegou a 65%. • Na rodovia Presidente Dutra, por exemplo, apenas 10% dos usuários pagam pedágio. Os demais entram e saem da estrada entre as praças de pedágio, livrando-se do pagamento. • As concessionárias aceitam negociar a revisão dos contratos da primeira fase desde que as novas regras não causem desequilíbrio financeiro da operação. • Segundo pesquisa da CNT, das 30 melhores rodovias brasileiras, 24 estão sob concessão privada.

5 - Investimentos • Em 2007, as concessionárias investiram 1,4 bilhão de reais na pavimentação e na sinalização das rodovias. Desde o início do programa de concessões, em 1996, já foram aplicados 13,3 bilhões de reais. Outros 12,5 bilhões de reais foram destinados à operação das rodovias. • As concessionárias dos sete novos trechos concedidos se comprometeram a investir 17,3 bilhões de reais na recuperação e na manutenção das estradas nos próximos 25 anos. Além disso, há 706 milhões de reais gastos nos trabalhos iniciais para eliminar problemas emergenciais e criar condições mínimas de segurança e conforto aos usuários. • A União tem em caixa, ainda, 1,4 bilhão de reais pagos pelas concessionárias em impostos federais, que não são efetivamente aplicados em infra-estrutura de transportes. • O BNDES dispõe de 8 bilhões de reais para financiar obras de infra-estrutura rodoviária das novas concessões. Até agosto, porém, nenhuma operação havia sido aprovada.

Desafios • Um novo lote de rodovias federais e estaduais pode ser licitado em 2009. O desafio é evitar que se retome o discurso contrário às concessões, atrasando todo o processo novamente. • Reduzir o número de acidentes nas rodovias, que, depois da queda de 11,5% entre 2005 e 2006, manteve-se estável em 2007. • Foi retomada a regulamentação do sistema de pesagem de cargas. Falta garantir a fiscalização e a punição dos motoristas infratores. O excesso de peso é um dos principais fatores de deterioração das estradas. • Acelerar o ritmo de empréstimos do BNDES às obras de infra-estrutura rodoviária. O financiamento está previsto no programa de concessões, mas ainda é difícil aprovar as operações.

Um freio no crescimentoA crise financeira internacional atinge as montadoras e o governo socorre o setor

Depois de sucessivos recordes na venda de veículos - a previsão é de mais de 3 milhões de unidades em 2008 —, as montadoras instaladas no Brasil sofrem os efeitos da crise financeira mundial. Elas se preparam para um ano de crescimento zero em 2009. O governo socorreu o setor com um pacote de 4 bilhões de reais em crédito para o financiamento de veículos. Em São Paulo, o governo do estado anunciou mais 4 bilhões de reais com a mesma finalidade.