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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO – COPPEAD MARCIO STERN DA FONSECA Um Estudo sobre o Significado do Trabalho para Servidores Públicos na Faixa Etária dos 50 Anos de Idade RIO DE JANEIRO 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO – COPPEAD

MARCIO STERN DA FONSECA

Um Estudo sobre o Significado do Trabalho para Servidores Públicos na Faixa Etária

dos 50 Anos de Idade

RIO DE JANEIRO

2009

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Marcio Stern da Fonseca

UM ESTUDO SOBRE O SIGNIFICADO DO TRABALHO PARA SERVIDORES PÚBLICOS NA FAIXA ETÁRIA DOS 50 ANOS DE IDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.).

Orientadora: Profª. Ursula Wetzel, D.Sc.

RIO DE JANEIRO

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA

Fonseca, Marcio Stern da Um estudo sobre o significado do trabalho para servidores públicos na faixa etária dos 50 anos de idade / Marcio Stern da Fonseca. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro / Instituto COPPEAD de Administração, 2009. xi, 118 f.: il. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, Rio de Janeiro, 2009. Orientadora: Ursula Wetzel 1. Significado do Trabalho. 2. Servidores Públicos. 3. Trabalho e Tempo. 4. Desempenho e Idade. 5. Administração – Teses. I.

Wetzel, Ursula (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Título.

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Um Estudo sobre o Significado do Trabalho para Servidores Públicos na Faixa Etária dos 50 Anos de Idade

Marcio Stern da Fonseca

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.)

Aprovada por:

Profª. Ursula Wetzel, D.Sc. – Orientadora

(COPPEAD/UFRJ)

Profª. Adriana Hilal, D.Sc.

(COPPEAD/UFRJ)

Prof. José Roberto Gomes da Silva, D.Sc.

(PUC-RIO)

Rio de Janeiro

2009

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RESUMO

FONSECA, Marcio Stern da. Um estudo sobre o significado do trabalho para servidores públicos na faixa etária dos 50 anos de idade. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. Rio de Janeiro, 2009. A proposta desta dissertação é verificar como os servidores públicos que se encontram na faixa de 50 anos de idade entendem seu papel no trabalho e o que este significa em suas vidas. Ou seja, pretende-se identificar como as peculiaridades concernentes às regras específicas existentes no serviço público se relacionam com a representação e o significado que os sujeitos – já em suas etapas mais finais de carreira – dão ao trabalho. Este estudo procurou entender como uma “história profissional”, de experiência acumulada, é compreendida por pessoas que, em tese, não são consideradas e/ou valorizadas pelo mercado de trabalho. Para tanto foram realizadas doze entrevistas em profundidade na Secretaria do Tribunal de Contas da União no Estado do Rio de Janeiro. Constatamos que mesmo diante de um cenário de “emprego para a vida toda”, de falta de perspectiva de evolução na carreira, e de proximidade com a aposentadoria, grande parte dos funcionários públicos maduros percebem sentido no seu trabalho, considerando-o central em suas vidas. Eles sentem-se motivados por perceberem estar fazendo algo bom e/ou útil para a coletividade. Entretanto, a aposentadoria é uma grande fonte de angústia para muitos. Palavras-chave: Significado do trabalho. Servidores públicos. Trabalho e tempo. Desempenho e idade.

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ABSTRACT

FONSECA, Marcio Stern da. Um estudo sobre o significado do trabalho para servidores públicos na faixa etária dos 50 anos de idade. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. Rio de Janeiro, 2009. This thesis aims at verifying how public employees who are about 50 years old evaluate the role they play in their job, that is, what is the meaning and importance of this job for them. Our purpose is to identify how the specific rules present in the public sector are related to the representation and rank of importance that these mature workers assign to their professional lives. In the scope of this work, we try to understand how a “professional history”, considering the lifelong experience, is understood by people who are not generally seen as competitive in the labor market. We interviewed twelve public officers at Tribunal de Contas da União in the State of Rio de Janeiro. Although these officers are not threatened by unemployment – they have what can be called a job for the rest of their lives, we identified a lack of perspective concerning their career, and also that the approach of retirement can be a source of anguish. Nevertheless, we concluded that many of these workers believe they play an important role in the improvement of social conditions, and consider their job something of central importance in their lives. Keywords: Meaning of work. Public employees. Work and time. Performance and age.

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AGRADECIMENTOS

Mesmo sabendo que é quase inevitável o cometimento de injustiças por eventuais esquecimentos, não posso deixar de registrar, neste momento, os agradecimentos que se seguem.

Agradeço à minha esposa, Lis, por ela ser tudo o que é: mulher sem igual, mãe exemplar, trabalhadora dedicada, responsável, paciente, companheira para todas as ocasiões e empreitadas. É quem me dá a honra de dividir a sua vida comigo.

Agradeço ao meu pequeno Guilherme, que mesmo sem entender ainda o que está acontecendo, veio ao mundo no decorrer desta caminhada e acabou tendo o tempo de dedicação do papai reduzido. Meu filho amado, você é o maior presente que poderíamos almejar. Que Deus nos conceda a bênção de termos outros irmãozinhos que se juntarão a você.

Jamais poderia deixar de agradecer aos meus super pais Alfredo e Lilian, modelos de dedicação à família. Vivem para os filhos, pais e netos. São um apoio incondicional.

À minha irmã, Viviane, quase Doutora de direito, mais que Doutora de fato, também uma permanente incentivadora. O agradecimento, aqui, é extensivo ao Gustavo e aos meus tri-sobrinhos Ana, João e Eduardo, é claro!

Aos meus queridos avós Carlos e Constança, cuja torcida serviu como incentivo em todos os momentos.

Aos meus sogros Elmio e Edina, verdadeiros pais postiços, que sempre quiseram saber como as coisas caminhavam e procuraram motivar.

A todos os amigos do trabalho, em especial ao Carlos, ao Jan, conselheiro decisivo nesta empreitada, ao Jorge e ao Virgilius, grande incentivador.

Aos que contribuíram enormemente reservando parte de seu precioso tempo para serem entrevistados, possibilitando que este trabalho fosse desenvolvido.

Aos amigos da vida toda, companhias tão maravilhosas e indispensáveis.

Aos amigos da Turma 2007 do COPPEAD, por ajudarem a tornar divertida essa dura caminhada por que passamos juntos.

Aos prestativos e carinhosos funcionários do COPPEAD, pela grande ajuda em todos os momentos, do início ao fim, em especial à Cida, à Simone e à Lucianita.

Por último, mas longe de ser menos importante, agradeço especialmente à Ursula por conseguir conduzir de forma ímpar algo tão trabalhoso, transformando as dificuldades em facilidades. Orientadora na essência da palavra. Mais que orientadora; amiga.

Muito obrigado a todos vocês!

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ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Organograma do Tribunal de Contas da União ............................................ 64 Figura 2 – Organograma da Secretaria-Geral de Controle Externo / TCU .................... 65

ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1 – O conceito de trabalho segundo o ponto de vista de diferentes autores ....... 14 Quadro 2 – Perfil dos Entrevistados ............................................................................... 59

ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 – Temas Recorrentes Surgidos nas Pesquisas de Tonelli e Pliopas (2007) ..... 26

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 1.1 Objetivo .......................................................................................................................... 11 1.2 Relevância do estudo ...................................................................................................... 12

2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 13

2.1 Definição de Trabalho .................................................................................................... 13 2.2 O Significado do Trabalho ............................................................................................. 15

2.2.1 Discussão acerca da Centralidade do Trabalho ....................................................... 28 2.3 O Trabalho como Fonte de Oportunidade para Interações e Contatos Sociais .............. 30 2.4 O Trabalho como Estruturador do Tempo ...................................................................... 32 2.5 O Trabalho como Fonte de Aprendizado e de Identidade Pessoal ................................. 36 2.6 O Trabalho como Fonte de Oportunidades para Desenvolver Habilidades e Destrezas 37 2.7 O Significado do Trabalho para Trabalhadores mais Velhos ......................................... 39

2.7.1 Relação entre Desempenho e Idade ......................................................................... 45 2.7.2 A Idade e as Atitudes no Trabalho .......................................................................... 50

3 METODOLOGIA................................................................................................................ 56

3.1 A Pesquisa Qualitativa.................................................................................................... 56 3.2 Coleta dos Dados ............................................................................................................ 58 3.3 Seleção dos Entrevistados .............................................................................................. 58 3.4 Breve Perfil dos Entrevistados ....................................................................................... 59 3.5 Tratamento dos Dados .................................................................................................... 60

4 O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO......................................................................... 61

4.1 Estrutura e Funcionamento ............................................................................................. 63 4.2 Resultados Recentes da Atuação do TCU ...................................................................... 68 4.3 Regras/Práticas de Recursos Humanos no Tribunal de Contas da União ...................... 69

4.3.1 Seleção ..................................................................................................................... 69 4.3.2 Avaliação ................................................................................................................. 70 4.3.3 Promoção ................................................................................................................. 71 4.3.4 Desligamento ........................................................................................................... 72 4.3.5 Aposentadoria .......................................................................................................... 73

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................................................... 74

5.1 Significado do Trabalho ................................................................................................. 75 5.2 O Trabalho como Fonte de Oportunidade para Interações e Contatos Sociais .............. 79 5.3 O Trabalho como Estruturador do Tempo ...................................................................... 83 5.4 O Trabalho como Fonte de Aprendizado e de Identidade Pessoal ................................. 90 5.5 O Trabalho como Fonte de Oportunidades para Desenvolver Habilidades e Destrezas 94 5.6 O Significado do Trabalho para Trabalhadores mais Velhos ......................................... 98 5.7 Relação entre Desempenho e Idade .............................................................................. 103 5.8 A Idade e as Atitudes no Trabalho ............................................................................... 107

6 CONCLUSÕES E SUGESTÃO DE PESQUISA FUTURA .......................................... 113

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 119 ANEXO .................................................................................................................................. 122

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1 INTRODUÇÃO O trabalho é um dos pilares sobre os quais se desenvolve a vida de grande parte da

população mundial. Tanto sob o ponto de vista do sustento, da satisfação de necessidades,

quanto sob o aspecto da ocupação, do preenchimento do tempo, da criação de rotinas, dentre

outros, o trabalho se faz presente na vida das pessoas.

Há que se considerar o fato de o emprego, na forma como este é tradicionalmente

conhecido, ser profundamente dependente do andamento da economia. Em outras palavras,

ele é intimamente relacionado ao momento econômico vivido por determinada sociedade. A

fim de tornar o raciocínio mais claro, pode-se procurar generalizar da seguinte forma: quando

a economia vai bem, a tendência aponta para menores índices de desemprego; quando os

indicadores econômicos apontam no sentido oposto, em épocas de recessão, por exemplo, é

comum vivenciarmos demissões em massa ou queda do nível dos empregos.

O mercado de trabalho tem passado por profundas transformações. Se nas

configurações mais recentes a tônica das relações de trabalho se encontra em empregos com

curta duração, regidos por uma lógica de mercado (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005), no

caso das instituições públicas esta dinâmica ainda está longe de ser encontrada. Nessa época

da História em que empregabilidade é uma palavra em voga, o serviço público parece ser uma

espécie de porto seguro para aqueles que não pretendem viver oscilações muito significativas

em suas vidas laborais.

No Brasil, notamos, nos últimos tempos, um interesse crescente dos trabalhadores

pelas carreiras do serviço público. É de se esperar que a entrada constante de pessoas nos seus

quadros leve à Administração Pública, ao mesmo tempo, novas idéias e perspectivas, mas

também maiores demandas. A Administração Pública, por sua vez, é cada vez mais

pressionada a apresentar bons resultados no que tange a eficiência, eficácia e efetividade em

suas tarefas.

Devemos levar em consideração o fato de as organizações públicas já possuírem em

seus quadros funcionários aos quais os mais novos se somam. Ou seja, na instituição pública

convivem funcionários cuja carreira se inicia e funcionários cujas carreiras estão em fase

final. Diferentemente do que vimos no atual mundo corporativo privado, é comum a

constatação de servidores com muitos anos dedicados a uma única instituição; seria como

uma espécie de emprego para toda a vida.

A perspectiva de trabalho continuado em uma mesma instituição, no entanto, tem sido

condenada pela mídia mais popular ligada a negócios e carreiras. Mesmo do ponto de vista

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acadêmico, as indicações para a troca mais constante de empregos em prol do

desenvolvimento pessoal fizeram parte do ideário gerencial (BOLTANSKI e CHIAPELLO,

2005). Acresce-se o fato de que a idade tem sido vista como fator impeditivo de desempenho

adequado nas novas configurações. Somam-se, assim, segundo esta literatura mais popular,

para os funcionários mais velhos de empresas públicas, dois “problemas”: o longo tempo

dedicado a uma mesma instituição e a idade mais avançada.

Não pretendemos aqui esmiuçar as entrelinhas do mercado de trabalho brasileiro,

tampouco criticar políticas públicas ou o comportamento do empresariado de nosso país.

Contudo, dadas as características encontradas no serviço público, entendemos estar tateando

um rico campo de pesquisa ao propormos um estudo contemplando servidores públicos na

faixa de 50 anos de idade.

A proposta desta dissertação é verificar como os funcionários públicos que se

encontram na faixa de 50 anos de idade, entendem seu papel no trabalho e o que este significa

em suas vidas. Ou seja, pretende-se identificar como as peculiaridades concernentes às regras

específicas existentes no serviço público se relacionam com a representação e o significado

que os sujeitos – já em suas etapas mais finais de carreira – dão ao trabalho.

1.1 Objetivo

A problemática do trabalho pode e deve ser abordada por diferentes ângulos. A

proposta desta dissertação é diagnosticar o significado do trabalho para funcionários públicos

que se encontram na faixa de 50 anos de idade. Pretende-se apurar os principais valores

identificados pelos funcionários públicos experientes no seu trabalho. Para isso, procuramos

abordar assuntos como a idade e as atitudes no trabalho, os efeitos da proximidade da

aposentadoria no trabalho, como esses funcionários lidam com os funcionários mais novos, de

que forma as peculiaridades concernentes às regras específicas existentes no serviço público

influenciam suas atitudes, dentre outros.

De forma direta, o problema a ser estudado está contido na seguinte pergunta: como os

funcionários públicos na faixa de 50 anos de idade percebem o seu trabalho?

O objetivo deste estudo qualitativo é compreender o significado do trabalho para

funcionários públicos que não estão em início de carreira. No mundo corporativo privado há

inúmeros casos de pessoas na faixa etária de 50/60 anos de idade que se encontram na

situação de busca por recolocação ou de procura por um novo início de vida laboral. Alguns

rumam para o serviço público. Pretendemos abordar não apenas esses casos, mas também

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aqueles das pessoas que estão nessa faixa etária e já têm mais experiência no próprio serviço

público.

Imaginamos que as variadas histórias de vida levarão a diferentes resultados quanto ao

significado do trabalho para o universo de pessoas tratado neste estudo. Nossa intenção

primordial é conseguir identificar como esses funcionários enxergam seus respectivos

trabalhos no serviço público.

1.2 Relevância do estudo

A relevância deste estudo apresenta dois aspectos: um teórico e outro prático. No que

diz respeito à relevância prática, ela será proporcionada pelas informações concretas que serão

produzidas a respeito do que representa o trabalho no serviço público para profissionais

experientes e, sob outro ângulo, a importância da presença desse tipo de profissional nos

quadros das instituições públicas. Essa pesquisa pode promover uma reflexão sobre o

mercado de trabalho para pessoas que estão na faixa etária de 50 anos e apontar tendências.

No que tange à relevância teórica, este estudo é importante por procurar entender

como uma “história profissional”, de experiência acumulada, é compreendida por pessoas

que, em tese, não são consideradas e/ou valorizadas pelo mercado de trabalho. Este estudo

trata de servidores públicos experientes, pessoas que carregam, muitas vezes, dois estigmas: o

de ineficientes, comum até hoje na opinião pública ao se fazer referência a servidores

públicos, em geral, e o de velhos. Portanto, é importante tentar enxergar como esses

trabalhadores maduros se vêem.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Definição de Trabalho

Na busca por uma conceituação para o termo trabalho, procuramos apoio em

definições de Peiró e Prieto (1996a), para quem a atividade laboral possui natureza complexa

e multifacetada. Isso por que os economistas, sociólogos e psicólogos estudam o trabalho sob

perspectivas e marcos teóricos diferentes.

Peiró e Prieto (1996a) consideram uma abordagem teórica e uma empírica para definir

o trabalho. Os autores apontam que, segundo uma aproximação teórica, o trabalho é definido

principalmente como uma atividade propositiva e intencional, sem que tenha um fim em si

mesmo. Segundo este ponto de vista, o trabalho funcionaria como um meio para obter um

fim; seria realizado visando à obtenção de algo em troca. O trabalho é um esforço do corpo e

da mente, realizado total ou parcialmente com o propósito de obter algum benefício diferente

da satisfação advinda diretamente do trabalho (MARSHALL, 1980 apud PEIRÓ e PRIETO,

1996a). Concretamente, trabalho é um conjunto de tarefas prescritas para uma função que

determinada pessoa desempenha em uma organização (PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

Destacamos o entendimento de que as pessoas, segundo essa interpretação, não

buscam benefícios diretos da atividade laboral que executam, e sim trabalham com o objetivo

de obter outras coisas que consideram benefícios, fora daquela atividade. Assim, o trabalho

seria como um meio para se conseguir algo tido como maior, um objetivo maior do que a

mera atividade de executar determinado trabalho.

Uma síntese da abordagem teórica aqui tratada está contida na definição abaixo, em

que o autor considera a natureza complexa do trabalho e confere ao termo uma ampla

definição.

Trabalho é aquele conjunto de atividades humanas, retribuídas ou não, de caráter produtivo e criativo que, mediante o uso de técnicas, instrumentos, materiais ou informações disponíveis, permite obter, produzir ou prestar certos bens, produtos e serviços. Nessa atividade a pessoa aporta energia, habilidade, conhecimentos e diversos outros recursos, e obtém algum tipo de compensação material, psicológica e/ou social (PEIRÓ, 1989 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996a, p. 38).

O trabalho pode, também, ser abordado sob um ponto de vista empírico. Nesse caso,

as definições são obtidas a partir de observações empíricas. Os conceitos são formulados a

posteriori. Sob este ângulo, define-se trabalho fundamentalmente como uma atividade

instrumental (PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

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No tocante à abordagem empírica, Peiró e Prieto (1996a) apontam que os membros do

grupo MOW1, responsável por conduzir um amplo estudo em que foram aplicados

questionários a mais de 14.000 pessoas em oito países diferentes, ao perguntarem às pessoas,

em suas pesquisas, quando elas consideravam que determinada atividade era trabalho,

identificaram quatro categorias definidoras do trabalho, a saber:

1 - Definição concreta de trabalho - aqueles que definem o trabalho desta forma,

abordam os aspectos mais objetivos e tangíveis da atividade laboral, como se há um local

definido para o trabalho, se há horário determinado, se recebe dinheiro para fazê-lo;

2 - Definição social - os que definem trabalho desta maneira ressaltam os aspectos ou

funções de caráter social que o trabalho cumpre para os indivíduos, a exemplo de se sentirem

membros de um grupo, ou contribuírem para o avanço da sociedade através do trabalho;

3 - Definição do trabalho como carga - associado à aplicação de grande esforço físico

e/ou mental; e

4 - Definição de trabalho como dever - os que definem o trabalho desta forma

destacam o caráter obrigatório da atividade.

Em suma, as definições encontradas tanto em uma aproximação teórica, quanto em uma empírica, mostram que o trabalho é definido fundamentalmente, em termos instrumentais, como uma atividade que não é um fim em si mesma, sendo considerado um meio para conseguir um fim (PEIRÓ e PRIETO, 1996a, p. 39).

Apresentamos diferentes abordagens conceituais constantes do texto de Peiró e Prieto

(1996a) no quadro a seguir, onde estão explicitados os esforços teóricos de alguns autores no

sentido de delimitar o conceito de trabalho.

Quadro 1 – O conceito de trabalho segundo o ponto de vista de diferentes autores

AUTOR ABORDAGEM Marshall (1980) O trabalho é um esforço do corpo e da mente,

realizado parcial ou totalmente com o propósito de obter algum benefício diferente da satisfação que se deriva diretamente do trabalho.

Fryer e Payne (1984) Definem de forma semelhante a Marshall, considerando o trabalho uma atividade com um propósito que é diferente do prazer conseguido em sua execução.

Dubin (1958) O trabalho é, em sentido geral, um emprego contínuo na produção de bens e serviços em troca de remuneração.

1 Meaning of Work International Research Team. (1987). The meaning of working. London: Academic Press.

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Anderson e Rodin (1989) O trabalho é o tempo pelo qual uma pessoa é paga.

Donald e Havighurst (1959); Friedman e Havighurst (1954); MOW (1987)

O trabalho é uma forma de contribuir para a sociedade proporcionando bens e serviços de valor.

Fox e Hesse-Biber (1984) O trabalho é uma atividade ou emprego de energia que produz serviços e produtos de valor para outras pessoas.

Hall (1986) O trabalho é o esforço ou a atividade de um indivíduo realizada com o propósito de prover bens e/ou serviços de valor para outros.

Friedman e Havighurst (1954); MOW (1987) O trabalho é meio de construção da identidade e favorece os contatos sociais.

MOW (1987) O trabalho gera satisfação intrínseca, derivada de sua execução.

Friedman e Havighurst (1954); Parker e Smith (1976)

O trabalho faz com que as pessoas mantenham um nível mínimo de atividade necessário para um desenvolvimento físico e psíquico adequados.

Schimm (1966) O trabalho é definido segundo seu aspecto normativo, seu caráter de obrigação.

Parker e Smith (1976) O trabalho é o oposto do descanso.

Portanto, como se vê, o trabalho pode ser definido de diferentes maneiras, dependendo

do ponto de vista observado e da abordagem de quem se propõe a sugerir uma definição para

o termo. Peiró e Prieto (1996a) apresentaram, primordialmente, uma visão instrumental do

trabalho, sendo importante observar que esta não foi a que assumimos nesta dissertação. Com

o intuito de alargarmos as perspectivas, visões alternativas são apresentadas na seqüência

deste trabalho.

2.2 O Significado do Trabalho

O trabalho é um dos pilares fundamentais nos quais a atual sociedade se assenta

(PEIRÓ e PRIETO, 1996a). Pela afirmação de Peiró e Prieto (1996a), é possível notar o quão

representativo é o trabalho na vida das pessoas em geral. Ao ser colocado como um dos

pilares fundamentais da atual sociedade, ou seja, como parte do alicerce que nos sustenta, o

trabalho é alçado a uma categoria principal dentre os itens presentes na vida dos indivíduos.

Levando em consideração a variável tempo, não é difícil concluir pela centralidade do

significado do trabalho. De fato, ao apurarmos tanto a quantidade de tempo de suas vidas que

as pessoas dedicam ao trabalho, quanto o tempo gasto para a formação, a preparação para o

mercado, vemos que a atividade laboral, seus preparativos e suas conseqüências acabam por

comprometer parte considerável do tempo de vida dos membros da sociedade.

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Foi desenvolvido estudo com o objetivo de compreender quais são os critérios

utilizados pelos homens para distinguir entre uma tarefa de trabalho e outra não-laboral, como

eles (homens) definem o trabalho, e como esses critérios se relacionam com a ocupação. Os

autores utilizaram uma amostra de 371 homens empregados. De suas observações concluíram

que há diferenças na maneira como as pessoas percebem o trabalho dependendo de maior ou

menor nível educacional, etnia, lugar de procedência e religião (WEISS e KAHN, 1960 apud

PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

Portanto, percebe-se que diferentes características presentes na vida dos indivíduos

influenciam na maneira como essas pessoas enxergam o trabalho, a atividade laboral. Quanto

maior ou menor nível educacional, diferente será a percepção do que vem a ser o trabalho. A

opção religiosa, a origem étnica, a procedência geográfica, todos seriam fatores a direcionar a

percepção dos indivíduos a respeito do trabalho.

Neste momento, convém fazermos um rápido desvio da seqüência de raciocínio de

Peiró e Prieto (1996a) para introduzirmos um pensamento de Cynthia Sarti (2005). A autora,

para quem o trabalho conforma a própria identidade das pessoas, afirma que o homem é um

ser humano na sociedade por meio do trabalho. Sob o seu ponto de vista, o trabalho seria o

centro da vida das pessoas, ou seja, tudo giraria em torno do trabalho.

A autora levanta um ponto de discussão cujo debate contribui para a compreensão do

significado do trabalho. O seu ponto apresenta o questionamento acerca de o trabalho ser um

direito ou um dever. Nota-se que a atividade laboral pode, de fato, ser encarada às vezes como

um, às vezes como outro. Direito e dever são aparentemente antagônicos. Aqueles que

percebam ter um direito de trabalhar, de exercer a sua atividade laboral, tendem a enxergar a

atividade do trabalho, em si, de forma diferente, talvez até caiba arriscarmos, diametralmente

oposta, àqueles que o percebem como um dever, como algo a que são obrigados a

desempenhar (SARTI, 2005).

Segundo a autora, os trabalhadores de menor nível hierárquico, basicamente o

operariado, acabam por perceber o trabalho como um direito, ao passo que para os altos

executivos o mesmo seria encarado como um dever. Essa interpretação está intimamente

relacionada à questão da perda do emprego. No caso de demissão ou outros motivos que

levem à perda do emprego, as conseqüências sentidas pelas pessoas dos baixos e dos altos

níveis da organização são diferentes. Os executivos, diferentemente dos operários,

normalmente têm, por exemplo, quem lhes empreste dinheiro em caso de necessidade. Nesses

processos de perda de emprego, exerce importância sobremaneira a rede de relacionamentos

na qual se insere o indivíduo. As redes às quais pertencem os executivos tendem a facilitar a

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recolocação destes, o que dificilmente se verifica no caso dos operários, que terminam por

ficar sem ter com quem se socorrer (SARTI, 2005).

Percebemos que há relação entre as conclusões do trabalho empírico de Weiss e Kahn

(1960) e a conceituação de Cynthia Sarti (2005). Comumente operários e altos executivos são

pessoas provenientes de diferentes classes sociais, com diferentes vivências e redes sociais.

Com isso, segundo o raciocínio abstraído da junção das idéias dos autores citados neste

momento, é de se esperar, de fato, que componentes de diferentes níveis hierárquicos das

organizações enxerguem e/ou percebam o trabalho de forma diferente entre si, apresentando

pontos de vista variados quanto à atividade laboral, sua importância, centralidade,

necessidade, etc.

Após breve interrupção no curso do raciocínio apresentado por Peiró e Prieto (1996a)

em sua obra, retomamos a menção ao trabalho de Weiss e Kahn. Peiró e Prieto (1996a)

apontam que, dentre os estudos que vieram a ser desenvolvidos, inspirados pelas

investigações daqueles autores, encontra-se o projeto MOW (1981, 1987, 1991). “Os

resultados obtidos por pesquisadores do grupo Meaning of Work International Research Team

([MOW], 1987) mostraram que o trabalho pode assumir desde uma condição de neutralidade

até de centralidade na identidade pessoal e social” (TONELLI e PLIOPAS, 2007).

Para os componentes do grupo MOW, o significado do trabalho é um constructo

psicológico multidimensional, definido em termos de cinco dimensões (TONELLI e

PLIOPAS, 2007):

a) centralidade do trabalho como um papel da vida;

b) normas sociais sobre o trabalho;

c) valores laborais;

d) importância das metas laborais; e

e) identificação com o trabalho.

A centralidade do trabalho diz respeito ao grau de importância que o trabalho tem na

vida das pessoas. A centralidade pode ser absoluta, fazendo referência ao valor que atribuímos

ao trabalho como papel a desempenhar na vida, ou relativa, em que se compara a importância

que determinada pessoa confere ao trabalho frente a outras áreas relevantes da vida. Há que se

distinguir entre o valor que determinada pessoa dá ao seu “trabalho atual”, sendo este sujeito a

maior variabilidade, e o valor que dá ao “ato de trabalhar”, algo mais estável ao longo do

tempo (PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

As normas sociais sobre o trabalho tratam das afirmações feitas quando se procura

atribuir juízo de valor ao trabalho. Há os que crêem que o trabalho é uma obrigação e,

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segundo seu ponto de vista, deve ser valorado de forma independente de sua natureza, pelo

fato de ser um meio através do qual se contribui para o bom funcionamento da sociedade. Há

os que crêem que o trabalho é um direito, considerando que as pessoas não têm direito apenas

a um emprego, mas também a um trabalho interessante e com sentido, a participar das

decisões importantes concernentes ao seu trabalho, a educação e treinamento adequados ao

seu trabalho, bem como à atualização de conhecimentos (PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

Os valores laborais estão relacionados aos resultados valorados do trabalho, que tratam

do conjunto de produtos que os indivíduos buscam no trabalho, ou seja, os resultados do

trabalho propriamente ditos, a busca de uma resposta para a pergunta “por que trabalhar?”. E

também estão relacionados à importância dada às metas laborais, onde se procuram respostas

para a pergunta “o que as pessoas querem do seu trabalho?”. Estas duas perguntas estão

relacionadas, mas não são idênticas (PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

A dimensão que trata da identificação com o trabalho vem da constatação de que há

pessoas que encontram na empresa onde trabalham fonte de orgulho, de identificação e até

identidade (TONELLI e PLIOPAS, 2007).

Ainda buscando apoio nos teóricos sobre o tema do significado do trabalho, não

podemos deixar de mencionar a contribuição dos autores que apontaram onze funções

diferentes desempenhadas pelo trabalho, para indivíduos, grupos, organizações e sociedades

(SALANOVA, PEIRÓ e PRIETO, 1993 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996a). Passaremos a

seguir, de forma breve, por essas onze funções aqui mencionadas.

1 - Função integrativa ou significativa – essa função se refere ao trabalho como uma

fonte que pode dar sentido à vida, pois permite às pessoas realizarem-se pessoalmente. O

trabalho consegue este feito quando é intrinsecamente satisfatório e se converte em fonte de

satisfações positivas;

2 - Função de proporcionar status e prestígio social – segundo esta função, o trabalho

pode se converter em fonte de auto-respeito e reconhecimento por parte dos outros;

3 - Fonte de identidade pessoal – de acordo com esta função, as experiências no

trabalho (êxitos e fracassos) contribuem para o desenvolvimento da nossa identidade;

4 - Função econômica – esta função está relacionada à manutenção, à sobrevivência,

bem como à possibilidade de se conseguir adquirir bens de consumo;

5 - Fonte de oportunidades para interações e contatos sociais – esta função aponta que

grande parte das interações com outras pessoas, a exemplo de superiores, pares, subordinados,

clientes, se dá no ambiente de trabalho;

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6 - Função de estruturar o tempo – de acordo com esta função, o trabalho estrutura o

dia, a semana, o mês, o ano e inclusive o ciclo vital das pessoas. Tem papel dominante na

estruturação do tempo das pessoas. Outros hábitos acabam por ter seus horários determinados

pelo horário do trabalho;

7 - Função de manter uma atividade mais ou menos obrigatória para o indivíduo pouco

comprometido – segundo esta função, o trabalho provê um marco de referência útil de

atividade regular, obrigatória e com propósito;

8 - Função de ser uma fonte de oportunidades para desenvolver habilidades e destrezas

– sob a ótica desta função, o trabalho teria o dom de melhorar habilidades de indivíduos;

9 - Função de transmitir normas, crenças e expectativas sociais – de acordo com esta

função, o trabalho tem um papel socializador muito importante, pois no ambiente de trabalho

as pessoas se comunicam entre si e trocam idéias e conhecimentos variados;

10 - Função de proporcionar poder e controle – segundo esta função, mediante o

trabalho pode-se desenvolver e adquirir algum grau de poder e controle sobre outras pessoas;

e

11 - Função de comodidade (conforto) – esta função está relacionada a boas condições

físicas, segurança no emprego, bom horário de trabalho.

Como se pode constatar, as funções aqui enunciadas abordam o caráter positivo do

trabalho. Entretanto, o trabalho também pode apresentar um caráter disfuncional, ao

prejudicar a autonomia do indivíduo, ao se constituir como uma atividade monótona,

desinteressante, repetitiva, desumanizante, humilhante, geradora de conseqüências negativas

para o trabalhador (PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

De forma semelhante, Bastos, Pinho e Costa (1995) identificam aspectos antagônicos

no trabalho. Segundo os autores, existem dois grandes eixos de significados. O primeiro

associa o trabalho a um conteúdo negativo, à noção de sacrifício, obrigação, dever, carga,

esforço, sofrimento. O segundo, por outro lado, representa uma valoração positiva do

trabalho, o qual é considerado como fundamental para construção da identidade,

representando uma oportunidade de realização e satisfação pessoal, de interação e contatos

sociais, através do qual se faz possível o exercício e desenvolvimento de habilidades e

competências e o alcance de objetivos. Este segundo eixo se aproxima das funções

anteriormente elencadas.

Apesar de identificarem esses dois eixos, um positivo e outro negativo, Bastos, Pinho

e Costa (1995) concluem asseverando que “as normas societais que colocam o trabalho mais

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como um direito são mais fortemente introjetadas do que aquelas que enfatizam uma relação

de obrigação ou dever do indivíduo para com a sociedade”.

Ainda explorando o lado negativo do trabalho, a invariabilidade de tarefas, a

impossibilidade de escolher ou modificar o modo de operar, representam ameaças à saúde do

trabalhador, quer sob o ponto de vista físico, quer sob o psíquico. Em um cenário como este, o

trabalho passa a se constituir um fator de desequilíbrio, de deterioração, de envelhecimento;

um gerador de doenças (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994).

No trabalho, igualmente, pode-se constatar como uma tarefa regular, fixa, repetitiva, imutável é perigosa para os trabalhadores. Lá, também, a variedade, a possibilidade de escolher seu modo operatório ou de mudá-la, são, certamente, mais favoráveis à saúde que a monotonia e a constância impostas. Assim, quando as pressões de tempo são fortes, elas rigidificam os modos operatórios e enclausuram os trabalhadores em um caminho único para executar a tarefa (DEJOURS, DESSORS e DESRIAUX, 1993, p. 100).

Os estudos da escola Dejouriana trazem contribuição no sentido de se compreender os

contextos e situações no âmbito das organizações que tornam a atividade laboral algo nocivo,

prejudicial ao trabalhador. Esses estudos procuram demonstrar que o trabalho pode ser fonte

de sofrimento, e até mesmo de doenças, e, por outro lado, fonte de saúde e prazer, quando o

trabalhador encontra na organização aqueles elementos que lhe possibilitam colocar em

prática sua atividade imaginativa e criativa (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994).

A saúde é a existência da esperança, das metas, dos objetivos que podem ser elaborados. É quando há o desejo. O que faz as pessoas viverem é o desejo e não só as satisfações. O verdadeiro perigo é quando o desejo não é mais possível (DEJOURS, DESSORS e DESRIAUX, 1993, p. 101).

Após termos enunciado as funções do trabalho segundo Salanova, Peiró e Prieto

(1993), bem como apresentado outros pensamentos teóricos colhidos na literatura, seguimos

com mais aspectos do seu significado.

O trabalho teve o seu valor percebido pelas pessoas ao longo da história da

humanidade de diferentes formas. Ao longo do tempo, a atividade laboral apresentou

diferentes características quanto à obrigatoriedade, relevância, obrigação social, dentre outros

fatores. A tendência é se considerar o trabalho não apenas como um instrumento para obter

benefícios econômicos, mas sim como atividade valorada intrinsecamente, na medida em que

contribui para melhorar a experiência pessoal e o desenvolvimento do indivíduo (PEIRÓ e

PRIETO, 1996a).

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Portanto, o trabalho possui variados significados ao longo do tempo, desempenhando

diferentes funções na vida das pessoas, quer como uma espécie de diretriz central da vida,

organizando o tempo, dando um sentido à vida dos indivíduos, quer como símbolo de posição

perante a sociedade, de status, dentre outras possíveis abordagens.

O significado do trabalho pode ser estudado segundo outro enfoque. O trabalho não é

apenas um conceito constituinte de uma das categorias centrais da antropologia, ele é, além

disso, uma atividade crucial para a sobrevivência da humanidade. Por representar um conceito

filosófico central, não é de surpreender que filósofos e psicólogos estejam longe de concordar

em suas análises e no tratamento deste assunto (DRENTH, 1991).

Drenth (1991) menciona que, ao analisar o significado do trabalho, é possível

distinguir três tipos de aproximação: conceitual, empírica e desenvolvimentista. Na

aproximação conceitual, o autor sugere que se compreenda o trabalho como algo maior do

que simplesmente uma atividade paga, ou como o exercício de uma função ou profissão.

Há pelo menos dois elementos cruciais para o trabalho. O primeiro diz respeito ao fato

de o trabalho ser o meio através do qual as pessoas conseguem obter as mercadorias de que

necessitam para sobreviver. Sob este ponto de vista, o trabalho é orientado por objetivos, por

metas. Ele existe para satisfazer as necessidades dos indivíduos. Na atualidade, são os

produtos e serviços produzidos por uns e consumidos por outros. Este é o lado instrumental

do trabalho (DRENTH, 1991).

O outro elemento crucial está associado a uma função humana mais fundamental. Com

o trabalho, criamos cultura. Este ponto refere-se à tradição Cristã a qual defende que o homem

continua a desenvolver o trabalho de criação de Deus. Por meio do trabalho, nos

desenvolvemos e evitamos a atrofia de funções físicas e psicológicas (DRENTH, 1991).

Na aproximação empírica, Drenth (1991) é mais um autor a abordar o estudo já

mencionado anteriormente do Grupo MOW (1987). Conforme a própria designação sugere,

trata-se de uma análise de cunho mais prático, procurando compreender, por meio de

aplicação de pesquisa com metodologia bem estabelecida, de que forma os trabalhadores

percebem o significado do trabalho.

O MOW (1987) perguntou a indivíduos de oito países diferentes que tipo de atividades

eles consideravam como sendo trabalho. A pergunta foi formulada da seguinte forma: “nem

todo mundo pensa na mesma coisa quando fala de trabalho. Quando você considera uma

atividade como sendo um trabalho? Escolha, dentre as frases abaixo, aquela que melhor

define quando uma atividade é ‘trabalho’”. Isso se deu no início dos anos 80. Foram

identificados quatorze conceitos, os quais foram utilizados para definir o trabalho. Os dados

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foram coletados e chegou-se a um ranking a respeito das características de uma atividade que

a fazem ser consideradas como sendo trabalho (DRENTH, 1991).

Para ilustrar, as três com maior quantidade de menções foram, sucessivamente, as

seguintes características: quando você obtém dinheiro para executar tal atividade; quando a

atividade pertence às suas tarefas; e quando a atividade adiciona valor a alguma coisa

(DRENTH, 1991).

A terceira aproximação proposta por Drenth (1991) é a desenvolvimentista. Ela está

focada na origem dos diferentes valores do trabalho e na forma como esses valores se

desenvolvem e são influenciados ao longo da vida do indivíduo. A atenção do autor está

voltada para o significado psicológico do trabalho para os indivíduos. Existe a crença de que o

trabalho tem um papel central na vida das pessoas (DRENTH, 1991).

A origem e estabilidade dos valores do trabalho conduzem a dois pontos de vista

distintos: o psicológico e o sociológico. O primeiro encara os valores do trabalho basicamente

como um produto do indivíduo. O último, como um produto do macro-ambiente ao qual

pertence cada indivíduo (DRENTH, 1991).

Ainda contemplando a análise de Drenth (1991), o autor sugere, para que se tenha

melhor compreensão a respeito do significado do trabalho, uma abordagem interativa,

ponderando que cada uma das aproximações sugeridas, individualmente, não seria capaz de

explicar com riqueza o fenômeno em estudo.

Segundo o autor, ao aceitarmos a utilização de uma visão integrativa, teremos, como

conseqüência, a inclusão de novas variáveis para um estudo amplo sobre o significado do

trabalho, contemplando fatores de personalidade, atitudes e valores, bem como antecedentes

da história dos indivíduos e informações a respeito dos seus respectivos ambientes, em uma

espécie de atualização e/ou ampliação do que foi feito pelo Grupo MOW (1987).

O significado do trabalho também é analisado na literatura sob a interpretação do valor

que o trabalho tem para as pessoas. Fazendo um breve apanhado a respeito da palavra “valor”,

temos que ela representa, na forma de objetivos conscientes, respostas a três necessidades

com as quais todos os indivíduos e sociedades têm que lidar: as dos indivíduos como

organismos biológicos, os requisitos de interação social coordenada e as necessidades de

funcionamento estável e de sobrevivência de grupos (ROS et al., 1999).

Ros et al. (1999) afirmam que pesquisadores (a exemplo de Alderfer, 1972; Borg,

1990; Crites, 1961; Mottaz, 1985; Pryor, 1987; Rosenberg, 1957) estabeleceram três tipos

diferentes de valores para o trabalho – intrínseco, extrínseco e social ou interpessoal – e que

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esses valores podem ser vistos, conceitualmente, de forma paralela a três dos maiores valores

humanos básicos.

Os valores intrínsecos do trabalho expressam diretamente abertura para mudanças, a

busca por autonomia, poder, crescimento e criatividade no trabalho. Aqui estão contemplados

aqueles valores que contribuem para o sentimento de crescimento pessoal, cuja realização

deriva diretamente da natureza da experiência de trabalho (responsabilidade, uso de

habilidades, etc.).

Os valores extrínsecos, por sua vez, estão relacionados com conservação (no sentido

de manutenção, de estabilidade), segurança no trabalho, estabilidade, garantia de manutenção

e de satisfação de necessidades.

Já os valores sociais ou interpessoais dizem respeito à busca por valores tidos pelos

autores como superiores; o trabalho é visto como um veículo para relacionamentos sociais e

contribui para a sociedade. Neste rol constam aqueles valores que levam um indivíduo a ser

posicionado em patamar superior quando comparado a outro, em termos pessoais (status,

reconhecimento, independência, orgulho da companhia em que trabalha, influência no

trabalho e na organização) (ROS et al., 1999).

Ros et al. (1999) utilizaram-se dos estudos de Elizur (1984), que desenvolveu uma

pesquisa empírica em que foram encontradas evidências quanto à existência de um quarto

valor, o prestígio. Há uma região de valores que pode ser dividida em uma sub-região de

valores intrínsecos e outra de valores de prestígio (ELIZUR, 1984 apud ROS et al., 1999).

Os indivíduos podem ver o trabalho inicialmente como uma forma de conseguir

aprovação pública ou como uma oportunidade para exercer poder, obter segurança ou

expressar sua independência. As recompensas do trabalho podem ser tidas como um

importante objetivo da vida, algo que funciona tal como um princípio, um guia, que influencia

decisões e avaliações (ROS et al., 1999).

A importância do trabalho está correlacionada não apenas com valores de segurança,

mas também com outros tipos de valores, tais como conformidade e tradição. As pessoas que

vêem o trabalho sob um ponto de vista, acima de tudo, conservador, tradicional, ou seja,

fornecedor da sensação de segurança, de garantia de bem estar, não acham razoável que ele

funcione como um veículo de mudança, e vice-versa (ROS et al., 1999).

Neste momento, é importante considerar uma análise a respeito dos sentidos atribuídos

ao trabalho. A afirmação de que o trabalho é uma fonte que pode dar sentido à vida deve ser

analisada com cuidado. À primeira vista, pode parecer um exagero. Entretanto, conforme

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explicitado abaixo, existem dados de pesquisa que comprovam que ela pode não ser tão

exagerada quanto parece.

Para a pergunta: “se você tivesse bastante dinheiro para viver o resto da sua vida

confortavelmente sem trabalhar, o que você faria com relação ao seu trabalho?”, mais de 80%

das pessoas pesquisadas respondem que trabalhariam mesmo assim (MORIN, 1997; MORSE

e WEISS, 1955; TAUSKY, 1969; KAPLAN e TAUSKY, 1974; MOW, 1987; VECCHIO,

1990 apud MORIN, E., 2001). As principais razões são as seguintes: para se relacionar com

outras pessoas, para ter o sentimento de vinculação, para ter algo que fazer, para evitar o tédio

e para se ter um objetivo na vida.

Três condições contribuem para que se obtenha um trabalho com sentido: variedade

das tarefas; identidade com o trabalho e a possibilidade de realizar algo do começo ao fim

com resultados; e o significado do trabalho sobre o bem das pessoas, da organização e/ou da

sociedade (HACKMAN e OLDHAM, 1976 apud TONELLI e PLIOPAS, 2007).

Hackman e Oldham (1976 apud TONELLI e PLIOPAS, 2007) apontam, ainda, seis

características que, caso presentes, fazem com que o trabalho tenha sentido para as pessoas.

São elas: ter variedade e ser desafiador; possibilitar aprendizagem contínua; permitir

autonomia e decisão; possibilitar reconhecimento e apoio; trazer uma contribuição social; e

permitir um futuro desejável.

Na mesma direção, em pesquisa realizada com duas amostras, sendo uma composta

por estudantes de administração, e a outra por administradores, entre os estudantes foi

possível identificar cinco motivos para se trabalhar: para realizar-se e atualizar o potencial;

para adquirir segurança e ser autônomo; para relacionar-se com os outros e estar vinculado em

grupos; para contribuir com a sociedade; e para ter um sentido na vida, o que inclui ter o que

fazer e manter-se ocupado (MORIN, 2002 apud TONELLI e PLIOPAS, 2007).

Já entre os administradores, chegou-se a seis características que fazem com que um

trabalho tenha sentido, conforme apresentado abaixo.

Em primeiro lugar, o trabalho que faz sentido é feito de maneira eficiente e leva a alguma coisa, isto é, é importante que o trabalho esteja organizado e leve a um resultado útil. O trabalho também precisa ser satisfatório em si, ou seja, é necessário haver algum prazer e satisfação na realização das tarefas, resolver problemas, usar o talento e potencial, com autonomia. Além disso, o trabalho precisa ser moralmente aceitável, ou seja, ele deve ser feito de maneira socialmente responsável; os administradores não gostavam de trabalhar em atividades desrespeitosas, injustas ou imorais. O trabalho também precisa ser fonte de experiências de relações humanas satisfatórias, ou seja, a possibilidade da construção de laços de afeição. O trabalho que tem sentido possibilita autonomia e garante segurança, ou seja, o trabalho está associado à noção de emprego e à condição de receber um salário que permita garantir a sobrevivência. E, finalmente, um trabalho que faz sentido é aquele que

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mantém as pessoas ocupadas, isto é, ocupa o tempo da vida, evita o vazio e a ansiedade (MORIN, 2002 apud TONELLI e PLIOPAS, 2007, p. 48).

As respostas dos administradores foram muito semelhantes às dos estudantes de

administração.

Quando perguntamos aos administradores do que eles sentem ou sentiriam mais falta se eles não trabalhassem mais, eles tenderam a responder: ter alguma coisa para fazer, ser produtivo, sentir-se útil, ter dignidade pessoal, manter as relações com os outros, o sentimento de fazer parte de um grupo e o salário (MORIN, 2001, p. 15).

Essa pesquisa apresenta contribuição no sentido de fortalecer a idéia de que o trabalho,

de certa forma, confere à vida um norte, um porquê. Ressaltamos, ainda, uma das conclusões

do estudo em que nos apoiamos.

Se fizermos um julgamento com base nos resultados obtidos, um trabalho tem sentido se for feito de maneira eficiente, se conduz a alguma coisa, se beneficia a outras pessoas, se ele corresponde aos interesses e às competências das pessoas, se ele permite aprender, realizar-se e superar-se e se ele permite exprimir- se e exercer seu poder (MORIN, 2001, p. 14).

Nota-se que as pessoas precisam encontrar sentidos em suas atividades, caso contrário

mergulham numa “frustração existencial” (FRANKL, 1963 apud TONELLI e PLIOPAS,

2007). O trabalho precisa fazer sentido para o próprio sujeito, para seus pares e para a

sociedade (DEJOURS, 1987 apud TONELLI e PLIOPAS, 2007). É possível perceber que as

pessoas pesquisadas repetidamente mencionaram aspectos de sobrevivência, ou seja, forma de

ganhar a vida, como popularmente se usa dizer, de organização do tempo, especialmente

quando é mencionado o fato de se passar a ter o que fazer, manter-se ocupado, dentre outros

sentidos que o trabalho confere à vida.

Ainda no que diz respeito às pesquisas de Tonelli e Pliopas (2007), de seu roteiro de

entrevistas aplicadas a estudantes de administração e a administradores, constavam perguntas

sobre o que significava para a pessoa entrevistada um trabalho que faz sentido, e o que

significava para ela um que não faz sentido.

Os resultados desse trabalho foram separados em três dimensões: individual, de acordo

com o sentido que o trabalho assumiu para a própria pessoa; organizacional, conforme o

sentido que pode ser encontrado na relação da pessoa para com a organização; e social,

relacionado ao sentido que se verifica na relação da pessoa com a sociedade. O sentido do

trabalho é dado pelo reconhecimento de alguém, que muitas vezes distingue o trabalho do

entrevistado como útil (TONELLI e PLIOPAS, 2007).

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No que diz respeito às três dimensões identificadas, Tonelli e Pliopas (2007)

desenvolveram uma tabela que sintetiza as respostas por elas encontradas em suas pesquisas.

Reproduzimos a seguir esta tabela, para comentar após, nos subitens seguintes deste trabalho.

Tabela 1 – Temas Recorrentes Surgidos nas Pesquisas de Tonelli e Pliopas (2007)

Fonte: Tonelli e Pliopas (2007)

Para finalizar este subitem, trazemos mais um aspecto da abordagem do significado do

trabalho. Usualmente o trabalho é tratado, na vida das pessoas, como componente de um

enredo denominado carreira. Ou melhor, comumente procura-se “fazer carreira” no trabalho

desempenhado.

Não fazer do próprio trabalho uma carreira, por mais modesto que fosse o conteúdo ou salário, era deixar-se cair presa do senso de falta de objetivo que constitui a mais profunda experiência de incompetência (SENNETT, 2006, p. 143).

Sennett (2006) aponta que a carreira é como uma estrada bem feita. Para ele, abrir essa

estrada é o antídoto do fracasso pessoal. Ele defende que o fracasso é o grande tabu moderno.

É comum que pessoas culpem terceiros, ou conjunturas e fatores externos, por seus fracassos.

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O sociólogo acrescenta que as carreiras, mais do que os empregos, desenvolvem nosso

caráter.

Sennett (2006), em seus estudos sobre a IBM, narra conseqüências da reviravolta

vivida pela empresa norte americana nos anos 90. Em sua narrativa, que se dá sob o ponto de

vista de pessoas que perderam seus trabalhos após movimentos de reengenharia,

reestruturações, fica claro o valor do trabalho na vida das pessoas.

Ao acompanhar as narrativas destes ex-trabalhadores, Sennett identifica três

momentos distintos em que o tom das conversas se modificou. Inicialmente, todos

consideraram a redução de pessoal como uma traição da empresa aos valores organizacionais.

Posteriormente, eles passaram a atribuir o ocorrido, que os levou a perderem seus empregos, à

chegada de intrusos, ou seja, novas pessoas que passaram à posição de seus competidores. Por

último, passaram, finalmente, a reconhecer que perderam, por não terem identificado os sinais

dados pela conjuntura, ótimas oportunidades de dar um rumo diferente às suas carreiras anos

antes. O status e a segurança que representava um emprego na IBM da época dos

trabalhadores a quem Sennett (2006) se refere, eram um objetivo comum para muitos.

Os trabalhadores observados por Sennett (2006), ao perderem seus empregos,

deixaram de ter o alicerce que imaginavam não perder nunca. Com isso, deixaram de lado

inúmeras outras atividades não relacionadas diretamente com os seus respectivos trabalhos na

organização, tais como compromissos ativos que desenvolviam junto à comunidade local.

Essas pessoas passaram a estar constantemente na busca por trabalhos pontuais, muitas

vezes procurando em suas redes de contatos firmadas no antigo emprego. Elas tiveram que se

adaptar a uma nova realidade, onde aquele porto seguro representado pelo emprego em uma

grande organização, com rotinas bem definidas, dentre outras coisas, deixa de existir. Diante

da constatação das mudanças ocorridas nas vidas desses trabalhadores, Sennett (2006)

pondera que “o regime flexível talvez pareça gerar uma estrutura de caráter constantemente

‘em recuperação’” (p. 162). E conclui Sennett (2006): “exige-se um senso maior de

comunidade, e um senso mais pleno de caráter, do crescente número de pessoas que, no

capitalismo moderno, estão condenadas a fracassar” (p. 162).

Portanto, como vimos, Sennett (2006) afirma que quando uma pessoa se desenvolve

em sua carreira, desenvolve seu caráter. Esse ponto de vista do autor coloca a atividade

laboral como sendo algo central e de extrema relevância na vida das pessoas, ao mostrar que

até mesmo o caráter de determinada pessoa está diretamente relacionado ao seu

desenvolvimento no trabalho, ao andar de sua carreira.

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2.2.1 Discussão acerca da Centralidade do Trabalho

Procurando fazer dentro do nosso trabalho um exercício do tipo “advogado do diabo”,

coletamos, na literatura, tanto opiniões de autores que apontam para o trabalho como sendo

algo central na vida das pessoas, quanto de autores que não corroboram essa visão.

Quanto aos últimos, Quintanilla e Wilpert (1991) questionam se o trabalho ainda

exerce, de fato, papel central como orientador das perspectivas das pessoas. A utilização de

novas tecnologias tem feito com que o tempo gasto no trabalho venha se reduzindo. Vários

autores (Schaff, 1985; Gorz, 1983; Offe, 1984; Opaschowski, 1985; Inglehart, 1982) já

previam que a sociedade industrial deixaria de ser considerada, rápida e naturalmente, como

sendo a sociedade do trabalho (QUINTANILLA e WILPERT, 1991).

É interessante notar que talvez a sociedade, na realidade, esteja deixando de ser a

sociedade do emprego, e não do trabalho. Isto, porque se percebe que o emprego tradicional

aparenta estar em declínio. Mas tal fato não leva a crer que deixemos de ser a sociedade do

trabalho. Este, continua presente na vida dos indivíduos, mesmo no caso daquelas pessoas que

já não possuem empregos nos moldes tradicionais.

Este é um questionamento que coloca em xeque a visão usual que se tem acerca do

significado do trabalho. Comumente enxerga-se o trabalho sob o ponto de vista tido como

tradicional, como sendo a função central da vida dos indivíduos, capaz não somente de prover

o sustento por meio da satisfação de necessidades, mas também de servir como instrumento

de socialização.

Para Quintanilla e Wilpert (1991), a visão do trabalho como o mais importante fator a

garantir o funcionamento da sociedade como um todo está desaparecendo. Segundo os

autores, a principal justificativa para que este tema mereça atenção não é pelo fato de haver

mudanças de valores ou de comportamento em alguns membros da sociedade, mas sim pela

interpretação dessas mudanças como um indicador de um colapso geral nos processos de

integração dos indivíduos na sociedade.

Ao analisarem parte do trabalho desenvolvido pelo Grupo MOW, Quintanilla e

Wilpert (1991) identificaram que muitos indivíduos trabalham pelo simples fato de ser este o

meio de garantia de sobrevivência. Para eles, estes indivíduos pensam no trabalho apenas em

termos econômicos e deixariam de trabalhar assim que tivessem dinheiro suficiente para viver

confortavelmente .

Além disso, os autores sugerem que as pessoas, em geral, passaram a dar mais valor ao

lazer, às horas livres. Uma menor carga de trabalho, com flexibilidade, sobrando mais horas

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para o lazer, parece ser o desejo de um grande número pessoas (QUINTANILLA E

WILPERT, 1991).

Diferentemente de Quintanilla e Wilpert (1991), Harpaz (2002) apresentou uma

pesquisa em que buscou identificar razões diversas das financeiras para que trabalhadores

continuassem a trabalhar. Foram feitos estudos junto a trabalhadores israelenses em duas

épocas distintas: 1981 e 1993. Neles, a chamada “questão da loteria”, em que a pessoa é

questionada se continuaria a trabalhar mesmo após ganhar na loteria, foi utilizada.

O autor asseverou que da primeira para a segunda etapa de suas pesquisas, intervalo

em que doze anos se passaram, o aumento da importância do trabalho para os pesquisados não

teve paralelo em outras variáveis do estudo; o crescimento da magnitude da importância do

trabalho foi superior a qualquer das outras dimensões pesquisadas.

Mesmo assim, há indicações em ambos os períodos pesquisados de vontade das

pessoas em parar de trabalhar (HARPAZ, 2002). Porém, há que se considerar as

peculiaridades do mercado de trabalho em 1981 e em 1993. No início da década de 1980,

enfatizava-se a questão das obrigações, do trabalho como uma obrigação perante a

organização, havia aspectos intrínsecos ao trabalho que influenciavam nos resultados obtidos.

Além disso, ainda estavam acentuadas as diferenças entre homens e mulheres no que diz

respeito ao trabalho (HARPAZ, 2002). As mulheres demonstravam maior propensão a parar

de trabalhar do que os homens, tendo em vista que o trabalho era menos importante para elas

do que para eles (HARPAZ, 1990; MANNHEIM, 1993; MISUMI e YAMORI, 1991 apud

HARPAZ, 2002).

Houve, também, divergências significativas entre os resultados obtidos das respostas

de pessoas que possuem diferentes níveis educacionais. Nos dois períodos pesquisados,

pessoas com menores níveis de educação indicaram ter maior propensão a deixar de trabalhar,

caso a situação financeira permitisse (HARPAZ, 2002).

Harpaz (2002) aponta que seus achados devem ser considerados à luz das

transformações por que Israel passou entre 1981 e 1993. O trabalho, que tinha grande valor na

vida das pessoas e exercia um papel central, demonstra ter sido, de certa forma, afetado

durante o período de mudança de uma sociedade altamente coletivista para uma relativamente

individualista (HARPAZ, 2002).

Nos anos 80 o pagamento recebido pelo trabalho executado era o principal aspecto

mencionado pelos trabalhadores no que diz respeito à satisfação deles com relação aos seus

respectivos trabalhos. Quanto mais se ganhava, melhor. Com diversas mudanças de

conjuntura, tais como aumento de inflação, crescimento de desemprego, dentre outras, não

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apenas em Israel, mas também em outros países europeus, as respostas migraram de quanto

mais se recebia para quanto mais segura era a posição (HARPAZ, 2002). Ou seja, os

trabalhadores passaram a dar maior importância à segurança, à estabilidade, deixando a

remuneração em segundo plano diante deste novo cenário.

Com as mudanças vividas pela sociedade, os valores dos indivíduos vão se

modificando. Considerando as mudanças de valores, a relativa insegurança no que tange ao

emprego e o fortalecimento dos valores materiais, o trabalho ainda pode ser concebido como

algo central para as pessoas primordialmente pela sua instrumentalidade na vida dessas

pessoas (HARPAZ, 2002). O autor defende que, tendo em vista o fato de pesquisas apontarem

que o trabalho ainda exerce, de fato, papel central na vida das pessoas, associado à

constatação de que há maior engajamento dos funcionários quando estes estão mais

envolvidos com o que diz respeito ao trabalho e, conseqüentemente, têm menor propensão a

deixar seu emprego, as organizações deveriam estabelecer como meta positiva alcançar e

manter a centralidade do trabalho sob o ponto de vista dos seus funcionários, permanecendo

atentas ao tratamento por elas dispensado a seus empregados.

2.3 O Trabalho como Fonte de Oportunidade para Interações e Contatos Sociais

Neste ponto abordamos a importância do trabalho na criação de laços interpessoais e

passamos pela discussão acerca do local de trabalho, considerando as conseqüências

decorrentes do exercício da atividade laboral em diferentes tipos de espaço físico.

Na segunda parte de seu estudo, realizada em 1993 (vide item subitem 2.2.1), Harpaz

(2002) constatou que além do aspecto da centralidade do trabalho e da orientação

instrumental, a satisfação ocupacional e as relações interpessoais passaram a ser importantes

indicadores. A satisfação ocupacional, que diminuiu consideravelmente entre os anos 80 e os

90, transformou-se em um fator-chave a ser considerado no desejo de continuar a trabalhar,

em 1993 (HARPAZ, 2002). Os indivíduos que apresentavam nível de satisfação elevado

tendiam a continuar trabalhando, ao passo que aqueles com baixos níveis de satisfação

optariam por parar de trabalhar caso ganhassem uma quantia elevada na loteria (CARSTEN e

SPECTOR, 1987; TETT e MEYER, 1993 apud HARPAZ, 2002).

Como visto, embora as principais constatações das pesquisas de Harpaz (2002) digam

respeito à centralidade do trabalho, o autor aponta que nos resultados do seu estudo realizado

em 1993 constatou-se que as empresas não conseguiam atender às necessidades de

relacionamento em um ambiente de mudanças nas condições sociais. Com isso, a insatisfação

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no que diz respeito às relações interpessoais passou a ser um indicador de tendência a parar de

trabalhar.

Percebe-se, então, que a satisfação em relação ao ambiente de trabalho, no que diz

respeito às relações interpessoais, faz parte do rol dos atributos determinantes da intenção do

trabalhador de continuar ou deixar determinada organização.

No que tange à questão do convívio, em pesquisa realizada a respeito do trabalho de

tradutores freelancers, dentre outras respostas, muitos apontaram que executam,

paralelamente, outras atividades laborais na busca de maiores ganhos, e também uma grande

quantidade de respondentes revelou desempenhar atividades variadas como forma de

contornar a questão do isolamento social (FRASER e GOLD, 2001).

A fuga do isolamento social pode ser compreendida, pelo menos, sob dois pontos de

vista diferentes. O primeiro, e talvez mais óbvio, diz respeito às necessidades psicológicas de

se ter contato com outras pessoas. Um trabalho de caráter eminentemente individual,

desenvolvido de forma isolada, em um ambiente isolado de qualquer contato com outras

pessoas, tais características normalmente não são suportadas durante muito tempo por grande

parte das pessoas.

Outro possível ângulo sob o qual se pode analisar o fato de os tradutores alegarem

tentar contornar a situação de isolamento, característica de seu trabalho, é a busca por um

eventual status que a atividade individualizada não lhes confere. Os tradutores freelancers são

vistos predominantemente como trabalhadores caseiros, tendo em vista que trabalham

majoritariamente em casa (FRASER e GOLD, 2001). É possível que seja justamente em

busca de um reconhecimento social que os tradutores tenham afirmado ir praticar outras

atividades em meios diferentes, onde podem ter convívio com variadas pessoas e, dessa

forma, ser vistos, conhecidos.

Rosenfield (2004) aborda a questão dos contatos sociais advindos do trabalho sob

outro ponto de vista.

Atualmente a ideologia do trabalho consiste em motivar uma parte da mão-de-obra que se revela neste momento dificilmente substituível em função de suas competências próprias, e em controlá-la ideologicamente na falta de poder controlar materialmente. Como? Preservando na mão-de-obra a ética do trabalho, destruindo as solidariedades que poderiam unir os menos privilegiados, incitando a trabalhar o máximo possível para servir a interesses da coletividade e aos seus próprios. Esta integração funcional ao trabalho interdita toda cooperação, a integração social torna-se impossível sem a construção de fins comuns segundo critérios comuns. O núcleo estável no seio dos trabalhadores seria uma elite que ganha com a reorganização do trabalho, em oposição à precariedade do emprego, a insegurança dos outros, o desemprego e a desqualificação (ROSENFIELD, 2004 apud GORZ, 1988, p. 219).

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A autora afirma que constatou, em sua pesquisa na indústria de processo, que a elite,

conforme mencionado na citação acima, é bastante reduzida. Ela sabe que é elite, mas seus

membros se ressentem da insegurança reinante, assim como de se sentirem “ganhadores” em

meio a tantos “perdedores”.

A insegurança a respeito da manutenção do emprego, a possibilidade de ter que passar

a executar tarefas aquém de suas qualificações, são alguns dos aspectos que levam os

trabalhadores, mesmo aqueles com um futuro promissor, a exprimirem ceticismo quanto ao

futuro. O trabalho termina por servir de integração e de laço social não pelo que oferece, mas

pela exclusão que representa o não-trabalho (ROSENFIELD, 2004). O trabalho confere uma

legitimidade formal ao cidadão e contribui para a qualidade de sua participação efetiva na

vida social (ROSENFIELD, 2004 apud PERRET, 1988).

Rosenfield (2004) segue em seu raciocínio se apoiando em Perret (1988 e 1997), para

quem sempre existirá a coexistência dos trabalhos chamados “inteligentes” com aqueles

chamados “sujos”.

No entanto, este elo social prometido pelo trabalho tem um duplo movimento: de integração – quando a ênfase é colocada sobre a mobilização e o engajamento dos trabalhadores –; e de precariedade – quando se trata de redução de custos e de ajustamento da mão-de-obra às novas exigências de produção. Se, por um lado, o trabalho na empresa integra os trabalhadores competentes e motivados, de outro, essa mesma empresa rejeita os insuficientemente produtivos e integrados ao seu projeto. O trabalho integra, mas exclui na mesma proporção (ROSENFIELD, 2004 apud PERRET, 1997, p. 221).

2.4 O Trabalho como Estruturador do Tempo

As pesquisas de Tonelli e Pliopas (2007) apresentaram respostas de entrevistados que

disseram que o ócio, ou seja, não trabalhar, não faz sentido. Perante essa constatação, é

inevitável propor um paralelo com a função de estruturar o tempo exercida pelo trabalho,

segundo a qual o trabalho é o responsável por estruturar o dia, a semana, o mês, o ano e

inclusive o ciclo vital das pessoas. O trabalho tem papel dominante na estruturação do tempo

das pessoas; outros hábitos acabam por ter seus horários determinados pelo horário do

trabalho (PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

O trabalho não estrutura o tempo apenas sob o aspecto do cotidiano, do dia-a-dia. Ele

também o faz no que diz respeito às diferentes fases de vida das pessoas. Comumente, muitas

das diferentes etapas vividas são elencadas de acordo com os diferentes momentos

experimentados no trabalho. Até mesmo a etapa pré-trabalho acaba por ser inevitavelmente

influenciada pelo trabalho.

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A relevância que a esfera de vida pessoal ocupada pelo trabalho adquire para a maioria das pessoas das sociedades modernas é evidente quando se observa que ele é utilizado como definidor da estrutura de tempo (dias, meses, anos), divisor entre atividades pessoais (autodeterminadas) e impessoais (heterodeterminadas), legitimador social de diferentes fases da vida (estudo, trabalho e aposentadoria) (QUINTANILLA e WILPERT, 1988 apud BASTOS, PINHO e COSTA, 1995, p. 21).

Adentrando no aspecto do tempo com relação àquilo que se vive cotidianamente, as

pessoas costumam dedicar grande parte de seu tempo a duas diferentes esferas da vida: ao

trabalho e à família. A forma como as pessoas utilizam o tempo modificou-se ao longo dos

anos. Antes da industrialização o tempo dedicado às atividades laborais já caminhava

paralelamente àquele utilizado para outras esferas da vida (religião, política, educação, etc.).

Entretanto, com a industrialização a ocupação do tempo com assuntos relacionados ao

trabalho passou a prevalecer, tornando esta uma das esferas de atividade mais importantes da

vida. A industrialização resultou em uma maior segregação de papéis, principalmente entre os

papéis econômicos e os não-econômicos (PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

Diz-se que o trabalho cumpre a função de estruturador do tempo; com isso define-se

tempo livre como o tempo em que não se trabalha e o tempo de trabalho como sendo aquele

dedicado a atividades laborais ou acadêmicas (PEIRÓ e PRIETO, 1996b). O trabalho se

produz em um espaço e um tempo e está estruturado em papéis bem definidos e de fácil

identificação (KABANOFF, 1980 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

O tempo livre também pode ser definido como um conjunto de atividades que o

indivíduo desempenha fora do seu contexto de trabalho e exclui as funções essenciais de

manutenção (KABANOFF, 1980 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b). Conforme assinala

Kabanoff, 1980 apud Peiró e Prieto (1996b), a definição de tempo livre se caracteriza por seis

elementos:

a) seu contexto não-laboral;

b) seu status como atividade que não diz respeito à manutenção;

c) o elemento de preferência inerente à atividade;

d) o conjunto de tarefas ou operações prescritas compreendidas nas atividades;

e) a fonte de motivação é pessoal ou individualista; e

f) a ausência de recompensa monetária como principal fator motivacional.

Quando se considera o tempo do trabalho e o tempo livre, percebe-se que, muitas

vezes, há interseções entre eles. Isso significa que determinada pessoa ao desempenhar uma

atividade não-laboral pode ter em mente aspectos relacionados ao seu trabalho, ao mesmo

tempo em que alguém pode estar no trabalho com pensamentos a respeito de atividades que

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não dizem respeito ao trabalho. Esses tempos usualmente apresentam zonas de interseção. É

importante identificar quais aspectos do trabalho e do não-trabalho se generalizarão em uma

ou outra esfera, quais características da situação ou do indivíduo estão associadas com a

generalização entre trabalho e não-trabalho e quais levam à segmentação (LOSCOCCO e

ROSCHELLE, 1991 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

Com mais horas livres, ou seja, sem ter a obrigação de dedicação ao trabalho durante

determinado período de tempo, as pessoas tendem a procurar outras atividades para se ocupar

e, em alguns casos, gerar mais dinheiro, também (QUINTANILLA e WILPERT, 1991).

Em revisita ao trabalho de Morse e Weiss (1955), Vecchio (1980) constatou, em

estudo empírico realizado na década de 1970, que, em cerca de duas décadas, houve aumento

percentual de respondentes a afirmar que largariam seus respectivos trabalhos caso tivessem a

oportunidade e não mais dependessem dos recursos dali advindos.

Segundo o autor, os seus achados sugerem que uma ética de lazer, de ócio, parecia

estar substituindo a ética tradicional do trabalho nos Estados Unidos ao tempo de seu estudo.

Para ele, este fato estaria de acordo com os prognósticos teóricos efetuados a respeito de

mudanças culturais. Uma melhor aceitação por parte da sociedade quanto à existência de

pessoas usufruindo de mais tempo livre estaria no rol dessa mudança cultural (VECCHIO,

1980).

Além do ócio e do trabalho, a família é a outra grande área entre as quais distribuímos

a maior parte do nosso tempo (PEIRÓ e PRIETO, 1996b). Conforme visto, as diferentes áreas

da vida podem influenciar umas nas outras. A intensidade com que as experiências vividas em

determinada área afetam as demais esferas dependerá em parte da pessoa (diferentes pessoas

permitem diferentes níveis de permeabilidade entre as várias áreas de atividades) e em parte

da situação (PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

Muitas mudanças foram verificadas ao longo dos anos na questão que relaciona o

trabalho à família. Há alguns anos, o homem era considerado o mantenedor da casa e o

responsável por conseguir os recursos de que a família necessitava. A crescente incorporação

da mulher ao mercado de trabalho teve um papel importante nessas mudanças (PEIRÓ e

PRIETO, 1996b).

Essas mudanças levaram à constatação de que um novo item passou a se fazer presente

na vida das pessoas: é o chamado conflito trabalho-família. Este conflito pode ser definido

como sendo composto por pressões incompatíveis que derivam simultaneamente dos papéis

de trabalho e da família (GREENHAUS e BEUTELL, 1985 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

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Em relação ao tempo gasto com a prática de atividades laborais, muitos dos problemas

enfrentados pelos trabalhadores são decorrentes não apenas da quantidade de horas

trabalhadas, mas da qualidade das mesmas. Quanto mais inflexível e intenso é o horário de

um empregado, menor capacidade ele tem de cumprir as suas demandas de origem familiar e,

portanto, maior será o conflito trabalho-família (HERMAN e GYLLSTROM, 1977; KEITH e

SCHAFER, 1980; PLECK et al., 1980 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

A visão organizacional mais atual do trabalho e da casa indica que trabalho e casa são

interdependentes, e que essa interdependência impacta significativamente no comportamento

individual no ambiente organizacional e privado e, no fim das contas, no funcionamento

organizacional propriamente dito (GREENHAUS, 1988; PARASURAMAN e GREENHAUS,

1999 apud MONTGOMERY et al., 2005).

Os indivíduos todos os dias atravessam a fronteira entre os ambientes da casa e do

trabalho, negociando e gerenciando aspectos de ambos os domínios, assim como os limites entre

um e outro, no intuito de conseguir equilíbrio (CLARK, 2000 apud MONTGOMERY et al.,

2005).

No âmago dessa discussão, Bailyn e Harrington (2004) sugerem um redesenho do

trabalho como uma forma de integrar trabalho e família. Segundo os autores, repensar o fluxo

do trabalho, redesenhar os seus processos, reforçar a comunicação e a coordenação,

reestruturar, são conceitos tão antigos quanto o mundo industrial, dizendo respeito apenas a

questões de produtividade e aumento de eficiência.

Ao considerar simultaneamente tanto as demandas organizacionais quanto as necessidades familiares, o redesenho do trabalho começa a desafiar de forma profunda crenças impregnadas a respeito dos papéis do trabalho, da família e do gênero. Fazendo isso, ele remove alguns dos bloqueios culturais à integração família-trabalho e ajuda a construir um ambiente de trabalho que é tanto efetivo quanto amigável para as famílias dos trabalhadores (BAILYN e HARRINGTON, 2004, p. 205).

Para finalizar este item, devemos considerar algumas das conseqüências dos avanços

da tecnologia sobre o trabalho. O desenvolvimento da tecnologia pode levar tanto a melhorias

de desempenho quanto a controles e supervisão mais rígidos sobre os trabalhadores. Ao lado

da incorporação da mulher ao trabalho, os avanços tecnológicos transformaram de fato muitos

dos papéis desempenhados (PEIRÓ e PRIETO, 1996b). Como exemplo, o trabalho à distância

(teletrabalho) permite que alguns trabalhadores realizem seu trabalho em suas respectivas

casas (PRIETO, ZORNOZA, ORENGO e PEIRÓ, 1996 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

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Percebe-se que existe uma fronteira entre trabalho e casa, porém, com o desenvolvimento

da tecnologia e novas configurações do trabalho, está cada vez mais tênue a linha divisória entre

ambos, com cada vez mais pontos de interseção e menor distanciamento.

Há que se avaliar o que representa para uma família passar a ter em casa uma pessoa

que exercia suas atividades laborais em ambiente de trabalho específico, podendo ser

escritório, indústria, até mesmo nas ruas, no caso de vendedores, etc. As relações familiares

podem ser alteradas de maneira importante pelo fato da presença em casa durante o tempo de

trabalho (OLSON, 1981 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

Portanto, o trabalho não apenas figura entre as principais esferas da vida das pessoas,

que utilizam grande parte de seu tempo em função dele, mas também funciona, de fato, como

estruturador do tempo das pessoas. Estamos a caminho de uma era em que o trabalho assume

um papel mais balanceado na vida como um todo. (GUEVARA e ORD, 1996).

2.5 O Trabalho como Fonte de Aprendizado e de Identidade Pessoal

A pesquisa de Tonelli e Pliopas (2007) apontou que os indivíduos demonstraram

preocupação com uma eventual estagnação em suas carreiras. Os entrevistados afirmaram que

a subida na escala hierárquica de determinada organização confere sentido ao trabalho. Este

crescimento é desejado e acredita-se que ocorra prioritariamente para aqueles com maior

competência, a qual é aprimorada por meio de aprendizagem. Um ponto interessante a ser

destacado é o que diz respeito à falta de sentido encontrado pelos entrevistados naqueles

trabalhos que não proporcionam oportunidades de crescimento (TONELLI e PLIOPAS,

2007).

No que tange ao aspecto da identidade, há pessoas que sentem orgulho de serem

membros de determinada organização pelos mais variados motivos. Há aqueles que, por

exemplo, trabalham em uma empresa que fabrica e comercializa marcas muito conhecidas.

Este fato pode vir a gerar forte identificação de seus funcionários com a empresa. Trata-se de

um exemplo típico da quase totalidade das pessoas que se apresentam tendo a empresa onde

trabalham como complemento de seu nome (TONELLI e PLIOPAS, 2007). Isso está

diretamente relacionado ao conceito do trabalho como fonte de identidade pessoal, a qual

defende que as experiências no trabalho, êxitos e fracassos, contribuem para o

desenvolvimento da nossa identidade.

Tonelli e Pliopas (2007) apontam, ainda, que o trabalho é capaz de proporcionar status

e prestígio social. A pesquisa das autoras aponta a identidade como tema recorrente dentro da

chamada dimensão individual (sentido que o trabalho assumiu para a própria pessoa). Dentro

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do tema identidade, elas constataram que, para alguns dos entrevistados, um dos sentidos do

trabalho é justamente o status que este fornece, representado basicamente pela empresa,

propriamente dita, onde a pessoa trabalha, o cargo que ocupa, os benefícios que usufrui e o

dinheiro que ganha.

Salanova, Peiró e Prieto (1993, apud PEIRÓ e PRIETO, 1996a) também elencaram,

entre as onze funções desempenhadas pelo trabalho para indivíduos, grupos, organizações e

sociedades, a de proporcionar status e prestígio social. Segundo esta função, o trabalho pode

se converter em fonte de auto-respeito e reconhecimento por parte dos outros.

Nesse sentido, de o senso comum atribuir valor às pessoas em função do trabalho que

desempenham ou da função que ocupam, na obra organizada por Mercure e Spurk (2005), ao

ser comentada a sociedade analisada por Hegel2 sob o título “reconhecimento imediato”,

transparece a função do trabalho não apenas como sendo o meio de proporcionar aos

indivíduos as satisfações de suas necessidades, mas também como o veículo por meio do qual

a sociedade enxerga esses indivíduos, ou seja, como estes são reconhecidos.

2.6 O Trabalho como Fonte de Oportunidades para Desenvolver Habilidades e

Destrezas

O trabalho já tem sido identificado como fonte de oportunidade para desenvolver

habilidades nos estudos do MOW (1987). Esta questão tem sido retomada, ainda que de forma

indireta, por Boltanski e Chiapello (2005) em seu trabalho sobre as mudanças mais recentes

no capitalismo. Segundo os autores, o capitalismo se legitima não apenas pela obtenção do

lucro, mas também pelo fato de que exerce uma função inspiradora sobre aqueles que

trabalham. Os líderes gerenciais devem ser capazes de demonstrar que suas companhias

contribuem para a sociedade; que seus negócios fazem mais do que simplesmente gerar

dinheiro (BOWER, 1966 apud BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005).

Buscando entender como o discurso gerencial sobre as motivações para o trabalho se

modificou nas últimas décadas, os autores compararam textos de administração das décadas

de 1960 e de 1990. Nos anos 90, notaram que o discurso gerencial enfatiza o salário como

sendo uma parcela menor de recompensa recebida pelo trabalho. Segundo os autores, as

pessoas precisam perceber que seus trabalhos estão contribuindo para o bem comum

(WATERMAN, 1990 apud BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005).

2 Georg Wilhem Friedrich Hegel – filósofo alemão.

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A firma deve ser um local de criação de significados, de objetivos compartilhados, onde todos podem simultaneamente desenvolver suas autonomias pessoais e contribuir para o projeto coletivo (GENELOT, 1992 apud BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005, p. 63).

No entanto, as modificações na motivação para o trabalho, segundo os autores,

decorrem também das novas configurações das empresas e do novo relacionamento entre líder

e subordinado. Esses conceitos podem ser agrupados em algumas idéias-chave: firmas

enxutas trabalhando em rede com múltiplos participantes; desenvolvimento do trabalho com

as pessoas organizadas sob a forma de times ou projetos; foco na satisfação do cliente; e

mobilização geral dos trabalhadores graças à visão dos líderes (BOLTANSKI e

CHIAPELLO, 2005). Através da formação de parcerias, de alianças e de joint-ventures, as

empresas passaram a fazer parte de verdadeiras redes organizacionais. Ao mesmo tempo, os

funcionários passaram a ser organizados sob a forma de equipes, formando os chamados

“times de trabalho”. Os reais empregadores passaram a ser os clientes e os trabalhadores

passaram a ter coordenadores, não mais chefes (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005).

Paralelamente a isto, mudaram as razões e as motivações pelas quais as pessoas

trabalham. Segundo os autores, nos anos 60 as pessoas buscavam encontrar nas empresas um

local que lhes conferisse segurança. O bem-estar das pessoas estava intimamente relacionado

à estabilidade de um emprego em uma grande organização (BOLTANSKI e CHIAPELLO,

2005).

Diferentemente, nos anos 90 as pessoas passaram a ser cobradas por realizações mais

amplas do que simples tarefas corriqueiras. Elas passaram a ter maior capacidade de gerenciar

seu tempo, mas isso lhes demandou maiores criatividade, flexibilidade e poder de retomar

atividades interrompidas. As fronteiras departamentais foram demolidas pelo poder dos

projetos. A segurança deixou de ser um valor dominante nos anos 90, cedendo lugar ao desejo

de autonomia e desenvolvimento pessoal (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005).

Possuidores de maior autonomia, os trabalhadores passaram a ter que se conhecer

melhor e saber exatamente do que eram capazes, a fim de poderem assumir posições. O que

passou a ser atrativo para as pessoas é a perspectiva de trabalharem em um projeto

interessante, que valesse o esforço. O desenvolvimento pessoal passaria a ser tarefa de cada

um (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005).

Nos anos 60 as pessoas eram recompensadas de acordo com os seus resultados e a sua

eficiência. Em contraste, os anos 90 elevam o status daqueles que sabem como trabalhar em

um projeto, seja como líder ou como colaborador. Os mais valorizados passaram a ser aqueles

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com capacidade de trabalhar com pessoas muito diferentes, que se mostram abertos a

mudanças, flexíveis, versáteis, que sempre conseguem se adaptar rapidamente a novos

projetos e novas circunstâncias (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005).

A hierarquia na carreira deixa de ser aquela em que determinada pessoa galga todos os

postos existentes em uma pirâmide, do mais baixo até o mais alto, para ser uma sucessão de

projetos. Dessa forma, as pessoas não farão uma carreira, propriamente dita, mas sim passarão

de um projeto para o seguinte. A empregabilidade está relacionada à capacidade de uma

pessoa atender às demandas de determinado projeto que lhe surja como desafio. A transição

de um projeto para o seguinte é quando se consegue a oportunidade de aumentar a

empregabilidade. Este é o capital pessoal que cada um deve gerenciar (BOLTANSKI e

CHIAPELLO, 2005).

Portanto, diante deste novo cenário do mundo corporativo, resta claro ser necessário

aos participantes das mais variadas organizações buscar, por meio do trabalho, habilidades e

destrezas demandadas pelo novo espírito do capitalismo.

2.7 O Significado do Trabalho para Trabalhadores mais Velhos

Inicialmente, cumpre abordar a questão da experiência neste capítulo de referencial

teórico, tendo em vista o fato de as análises desta dissertação passarem necessariamente por

aspectos relativos à “bagagem” que cada um carrega consigo.

A palavra experiência significa a habilidade ou perícia resultante do exercício

contínuo de uma profissão, arte ou ofício; é a prática da vida. O experiente vem a ser aquele

que tem experiência (FERREIRA, 1977).

Conforme se constata, a palavra experiência, quando associada ao trabalho, tem a ver

com a (grande) quantidade de tempo das pessoas no exercício de suas tarefas. É natural que se

associe a quantidade de exposições a determinadas situações à experiência adquirida. Os

indivíduos adquirem mais experiência ao executarem tarefas.

À medida que uma pessoa envelhece, ela tende a modificar seus planos no trabalho e

na carreira de uma orientação por objetivos para um foco na quantidade de tempo de vida

gasto no trabalho (SMYER e CATSOUPHES, 2007). Para a maioria das pessoas isso é parte

de um processo maior de transferência do sentido do tempo. O tempo pessoal e relacionado ao

trabalho deixa de ser enxergado sob o ponto de vista de quanto tempo se passou para quanto

tempo ainda resta, quanto ainda está por ser vivido (CARSTENSEN, 2006 apud SMYER e

CATSOUPHES, 2007).

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Paralelamente, aqueles que se localizam do meio para o final de suas carreiras tendem

a desenvolver os seus próprios sentimentos relativos às mudanças, levando em consideração

ganhos e declínios que ocorrem em termos de capacidade física, de suas funções cognitivas e

emocionais, bem como de seus papéis sociais (STERNS e HUYCK, 2001, HEDGE,

BORMAN e LAMMLEIN, 2006 apud SMYER e CATSOUPHES, 2007).

Na sociedade contemporânea, os homens e as mulheres estão se dedicando à educação,

ao trabalho e ao lazer em diferentes pontos ao longo de suas vidas, quando comparados à

maneira basicamente linear em que esses aspectos da vida se distribuíam no período de

existência dos indivíduos, até alguns anos atrás. A dedicação a esses diferentes ramos da vida

se dá, inclusive, de forma simultânea, com sobreposições. Com isso, as pessoas hoje

respondem às demandas familiares, e às demais, de formas diferentes (SMYER e

CATSOUPHES, 2007).

A linha que usualmente servia como fronteira entre as diferentes áreas da vida tornou-

se nebulosa para os trabalhadores mais velhos (SMYER e CATSOUPHES, 2007). Uma

pesquisa apontou que a maioria dos americanos mais velhos com carreiras bem estabelecidas

passaram a se aposentar aos poucos, de forma gradual, em estágios, passando por “trabalhos

intermediários” ou trabalhando menor quantidade de tempo (CAHILL, GIANDREA e

QUINN, 2006, apud SMYER e CATSOUPHES, 2007). Esses resultados levam à chamada

“redistribuição do trabalho” ao longo da vida, conforme sugerido por estudiosos das questões

demográficas (VAUPEL e LOUICHINGER, 2006 apud SMYER e CATSOUPHES, 2007).

Segundo Smyer e Catsouphes (2007), essa redistribuição está afetando a percepção dos

trabalhadores mais velhos acerca do significado do trabalho.

Os empregados passam a antever os significados do trabalho no início de suas carreiras e continuam a reinventar esses significados ao longo do curso de suas vidas, refletindo em parte o processo de envelhecimento propriamente dito. Ao mesmo tempo, as estruturas sociais de trabalho, família, educação e lazer mudaram na parte final do século vinte, novamente afetando os significados do trabalho (SMYER e CATSOUPHES, 2007, p. 24).

Outro aspecto que reflete em mudanças no significado do trabalho é aquele relativo às

alterações verificadas nas políticas sociais. Em vários países do mundo os planejamentos

previdenciários e de aposentadoria tiveram que ser revistos e profundamente alterados. Ao

longo dos últimos vinte anos boa parte do risco do envelhecimento foi transferida para os

indivíduos (HUDSON, 1999, apud SMYER e CATSOUPHES, 2007).

Pergunta-se: por que as pessoas mais velhas trabalham ou continuam a trabalhar,

mesmo já tendo feito isso, normalmente, por tanto tempo? Na busca por uma possível

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resposta para essa pergunta utilizamos os resultados de uma pesquisa desenvolvida no Center

on Aging and Work at Boston College, a qual inicialmente apontou que muitos americanos

previam que trabalhariam algum tempo além daquele necessário à sua aposentadoria e, após,

apresentou explicações colhidas nos trabalhos de pesquisa. Basicamente, constatou-se que

alguns teriam que continuar a trabalhar enquanto outros estenderiam sua participação na força

de trabalho por vontade própria (CATSOUPHES e SMYER, 2005).

Diferentes fatores puxam os trabalhadores mais velhos para dentro (ou de volta) para o mercado de trabalho, enquanto outros os empurram para a aposentadoria. Adicionalmente à idade cronológica, esses fatores incluem: a estabilidade dos seus recursos financeiros, seu bem-estar físico e mental, sua satisfação com o trabalho e com o ambiente de trabalho, e a situação de sua vida pessoal e da de sua família (CATSOUPHES e SMYER, 2005, p. 1).

Em resposta à pergunta quanto ao porquê de os trabalhadores mais velhos continuarem

trabalhando, o estudo de Catsouphes e Smyer (2005), em que nos apoiamos, identificou

quatro motivos principais:

- Para aumentar sua segurança financeira;

- Para manterem-se saudáveis e ativos;

- Porque é agradável;

- Pois o trabalho é algo estratégico para ajudar no cumprimento das responsabilidades

familiares (CATSOUPHES e SMYER, 2005).

A fim de evitar que dúvidas surjam, tendo em vista que o primeiro e o quarto itens

podem parecer sobrepostos, o trabalho dos pesquisadores difere esses itens pelo fato de o

primeiro dizer respeito aos recursos necessários para o sustento do próprio indivíduo, levando

em consideração, por exemplo, o declínio dos sistemas previdenciários, o que traz inúmeras

incertezas. Já o último item versa sobre a providencial ajuda que muitos desses trabalhadores

mais velhos fornecem a seus familiares.

O trabalho aqui citado concluiu que, apesar de a maior parte dos trabalhadores mais

velhos pesquisados terem afirmado que gostariam de continuar a trabalhar, as condições para

o desenvolvimento desse trabalho teriam que ser diferentes daquelas vividas ao longo das suas

respectivas carreiras. Eles gostariam de trabalhar, sim, porém menos horas e/ou menos dias

por semana, e/ou menos semanas por mês, e assim sucessivamente. Foram identificadas,

inclusive diferentes situações de empresas que ofereciam essa migração paulatina rumo à

aposentadoria. Foi mencionado um termo que representa a situação na qual um trabalhador

mais velho procura um novo emprego, diferente do seu anterior, para trabalhar menos horas,

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com a flexibilidade desejada, antes de se retirar do mercado. Este termo é o chamado

“emprego-ponte” (CATSOUPHES e SMYER, 2005).

Esses “empregos-ponte” têm muito a oferecer, pois o trabalho para pessoas com

idades mais avançadas serve para expandir a rede de contatos sociais, proporcionar renda e

postergar a necessidade de se lançar mão de reservas (CAHILL, GIANDREA e QUINN,

2007).

O envelhecimento da força de trabalho pode se tornar uma relação proveitosa tanto

para empregadores quanto para empregados. Muitos trabalhadores mais velhos buscam esses

chamados “empregos-ponte”, em que têm flexibilidade e trabalham menos horas. As

empresas, por sua vez, compreendendo as necessidades dessa força de trabalho, podem

aproveitar para agregar a seus quadros profissionais com larga experiência e comumente

bastante capacitados. A chave para tirar o máximo proveito desses recursos passa pelo

entendimento do que está levando as pessoas com mais idade a trabalhar (CAHILL,

GIANDREA e QUINN, 2007).

No mesmo sentido, um estudo comandado em 2006 também pelo Center on Aging and

Work at Boston College, considerando um universo de trabalhadores com 50 anos ou mais,

identificou três grupos: aqueles que precisam trabalhar, por questões tais como saúde ou

dinheiro; aqueles que querem trabalhar, para manterem redes de relacionamento social ou

para colocarem seus conhecimentos em prática; e aqueles que trabalham por ambos os

motivos (SMYER e CATSOUPHES, 2007).

A Associação Americana das Pessoas Aposentadas (AARP – sigla em inglês) sugeriu

quatro categorias de trabalhadores mais velhos, sendo duas dentre aqueles que “têm que

trabalhar”, e outras duas dentre os que “querem trabalhar” (ROPERASW, 2002, apud

SMYER e CATSOUPHES, 2007). São elas:

- Sustentadores, composta por trabalhadores mais velhos que trabalham para viver. Os

trabalhadores que se enquadram nesta categoria afirmam que o dinheiro é o principal fator a

mantê-los trabalhando;

- Provedores, em que se situam aqueles trabalhadores que cuidam de crianças e de

parentes mais velhos. Para estes o trabalho é importante não apenas por ajudar nas suas

tarefas como provedores, mas também por conferir-lhes auto-estima;

- Conectores, onde estão classificados aqueles trabalhadores mais velhos que têm

conexão pessoal com o seu trabalho, especificamente. São pessoas que já trabalham há muito

tempo em determinada organização e pretendem continuar. Muitos permanecem conectados

devido a benefícios de pensão e de saúde conquistados ao longo de suas carreiras; e

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- Contribuintes, composta por aqueles trabalhadores mais velhos que vivem para o

trabalho. Para eles, contribuir para a sociedade, desconsiderando o dinheiro, é a sua principal

motivação. Neste grupo estaria a maior concentração de pessoas que retornaram para a força

de trabalho após terem se aposentado.

Com o envelhecimento da população mundial, os empregadores têm que estar

preparados para empregarem cada vez mais trabalhadores mais velhos. Para isso, é importante

que consigam compreender o significado do trabalho para essas pessoas, de forma a recrutar e

manter adequadamente a força de trabalho. Há indícios, pelos estudos realizados, que os

trabalhadores mais velhos, mesmo aqueles em final de carreira, enxergam significados

positivos em seus trabalhos. O alto nível de satisfação demonstrado pelos trabalhadores mais

velhos em relação aos seus respectivos empregos, o compromisso com os seus empregadores

e a disposição para assimilarem responsabilidades indicam que esses trabalhadores

continuarão a ser uma parte importante da força de trabalho no futuro (SMYER e

CATSOUPHES, 2007).

Portanto, compreender o significado do trabalho para pessoas com idades como 50

anos ou mais é um exercício que certamente possui importância. Os trabalhadores mais velhos

constituem uma porção significativa da força de trabalho e há que se considerar que a geração

mais nova, do baby-boom, está agora com 40 anos de idade (ROBSON et al., 2006).

Projeções recentes indicam que a força de trabalho continuará a envelhecer, chegando-se à

expectativa de se ter mais da metade da força de trabalho acima de 40 anos em 2010

(FULLERTON & TOOSSI, 2001 apud ROBSON et al., 2006).

Fazemos, agora, uma breve interrupção na seqüência para mencionar o caso do Brasil,

especificamente, onde há muitos casos de idosos que aportam contribuição à renda familiar.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, naquele ano um

idoso contribuía, em média, com aproximadamente 53% do rendimento familiar. A

participação do aposentado no mercado de trabalho leva a que as taxas de participação da

população masculina idosa brasileira sejam relativamente elevadas. A participação do idoso

no mercado de trabalho é importante não só em termos de seu impacto na população

economicamente ativa, mas também na sua renda (CAMARANO, 2001).

A participação do idoso brasileiro no mercado de trabalho é alta, considerando os padrões internacionais. Isso está relacionado a uma particularidade muito específica do mercado de trabalho brasileiro: a volta do aposentado ou a sua não saída do mercado de trabalho (CAMARANO, 2001, p. 36).

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Nesse sentido, no serviço público brasileiro, considerando as suas particularidades

quanto aos requisitos para a aposentadoria, há pessoas em condições de requerer

aposentadoria que não o fazem. Os motivos para isso variam, mas usualmente as perdas

verificadas no salário ao aposentar-se contribuem sobremaneira para esse tipo de decisão. A

parte da remuneração que é variável e depende de produtividade, só sendo paga àqueles em

efetiva atividade, além de perdas com reembolsos para alimentação, dentre outros, são fatores

que incentivam a continuidade por mais tempo no trabalho.

Superado esse curto desvio da linha de raciocínio, retomamos a questão do aumento

do número de idosos trabalhando. Juntamente com o rápido crescimento da quantidade de

pessoas em faixas etárias mais elevadas na população, constata-se a existência de grande

diversidade neste grupo de pessoas. Com o passar dos anos, esses trabalhadores terão

diferentes necessidades, valores, habilidades, variadas condições de saúde, bem como uma

grande variação na forma de reagir ao processo de envelhecimento (BALTES & BALTES,

1990; MADDOX, 1987 apud ROBSON et al., 2006). Uma possível explicação para essa

variabilidade é como os indivíduos respondem às mudanças relativas à idade

(BRANDTSTADTER & RENNER, 1990 apud ROBSON et al., 2006).

Os adultos mais velhos tendem a se enquadrar em um dos processos a seguir, ao

reagirem a perdas relacionadas à idade: a) assimilação, em que os empregados tentam ajustar

a situação a fim de adaptá-la às suas preferências pessoais e aos seus objetivos de

desenvolvimento, ao mesmo tempo em que eles têm que enfrentar desafios físicos e sociais

(WHITBOURNE, 1987 apud ROBSON et al., 2006); e b) acomodação, em que as metas de

desenvolvimento e as preferências pessoais são ajustadas para se adaptarem às demandas da

situação. Comportamentos associados com uma estratégia de acomodação incluem refazer os

objetivos, ajustar os níveis de aspiração e revisar as prioridades (BRANDTSTADTER &

RENNER, 1990 apud ROBSON et al., 2006).

O senso comum aponta que não devemos esperar dos trabalhadores maduros o mesmo

ímpeto e disposição daqueles mais novos. Porém, isso não deve conduzir à formação de juízo

de valor negativo a respeito da capacidade e da qualidade da contribuição dos trabalhadores

mais velhos.

Dessa forma, resta claro que os hábitos das pessoas mais velhas modificaram-se ao

longo das últimas décadas, assim como mudaram, também, muitos dos conceitos a esse

respeito. O trabalho para pessoas nessa faixa etária é em alguns casos necessário e, em outros,

desejado, ou seja, desempenhado devido à vontade do indivíduo. Como vimos, o trabalho é

capaz de fornecer dinheiro para o sustento ou melhoria de vida desses trabalhadores mais

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velhos e/ou seus parentes, além de contatos, conexões e satisfação com realizações. O

trabalho possui, então, diferentes significados para as pessoas mais velhas.

2.7.1 Relação entre Desempenho e Idade

Neste tópico, procuramos relacionar o desempenho dos trabalhadores às suas

respectivas idades. A intenção primordial é buscar na literatura se há ou não relação entre

idade e desempenho, ou seja, se trabalhadores mais velhos atingem melhores ou piores

resultados que os mais novos.

Inicialmente, cumpre abordar a questão da idade. O conceito de idade avançada é um

tanto quanto subjetivo, pois uma pessoa que se encontre com determinada idade pode ser

considerada velha por alguns e jovem, ou não tão velho, por outros. O envelhecimento é visto

como um processo multidimensional, difícil de compreender mediante uma única definição

ou medida (SHULTZ e ADAMS, 2007a). Não há consenso entre os pesquisadores acerca da

definição do que venham a ser trabalhadores maduros ou velhos (BARAK, 1987;

LAWRENCE, 1988; STERNS e ALEXANDER, 1987; STERNS e DOVERSPIKE, 1989

apud SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Há diferentes abordagens na tentativa de definir qual seria a idade a partir da qual um

trabalhador poderia ser considerado velho. Essas abordagens podem ser categorizadas em dois

grupos de medidas: as baseadas em características pessoais do indivíduo e as baseadas no

contexto, incorporando aspectos da situação do trabalho (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Dentre as medidas tomadas com base nas características pessoais, a idade cronológica

ou legal é a mais comumente utilizada em pesquisas acerca de trabalhadores mais velhos

(SHULTZ e ADAMS, 2007a). Existem documentos legais norte americanos, por exemplo,

que protegem trabalhadores acima dos 40 anos e reconhecem que trabalhadores acima de 55

anos são considerados velhos (STERNS e DOVERSPIKE, 1989 apud SHULTZ e ADAMS,

2007a). A idade cronológica, entretanto, pode fornecer uma visão estreita do papel da idade e

do envelhecimento no trabalho (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

A idade percebida, pessoal ou subjetiva diz respeito a quão velhos ou novos os

indivíduos se consideram (STEITZ e McCLARY, 1988 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Isso normalmente é algo medido por meio de perguntas do tipo “Você se considera novo, de

meia-idade, velho ou muito velho?” (BARAK e STERN, 1986 apud SHULTZ e ADAMS,

2007a). Ou ainda, “Você se sente mais velho, mais novo, ou nenhum dos dois, em relação à

sua idade real?” (BAUM e BOXLEY, 1983 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a).

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Com base nessas percepções, é possível concluir que indivíduos com a mesma idade

cronológica podem enxergar de formas bastante diferentes o significado de suas respectivas

idades. Isso pode ser refletido em diferentes atitudes e comportamentos adotados por esses

indivíduos (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Outra medida com base em características pessoais comumente adotada diz respeito às

alterações biológicas decorrentes do processo de envelhecimento. Com o avançar da idade, as

pessoas sofrem mudanças tanto biológicas quanto psicológicas. É comum que haja declínio da

capacidade visual, dos reflexos, da capacidade auditiva, ao mesmo tempo em que se verificam

ganhos de experiência e capacidade de julgamento. Na literatura gerontológica, assim como

na de psicologia organizacional e industrial, o conceito de idade funcional é criticado de

diversas formas. A sua maior limitação consiste na utilização de um único índice e na

assunção do declínio da capacidade com o avanço da idade das pessoas (SHULTZ e ADAMS,

2007a).

Além das medidas baseadas em características pessoais, outro grupo de medidas

consiste naquelas baseadas no contexto. Os trabalhadores mais velhos são vistos de diferentes

formas nas várias organizações. A chamada idade social diz respeito ao status proveniente da

idade de determinado indivíduo ou à forma como o indivíduo é visto e avaliado pelos demais

(KASTENBAUM et al., 1972 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Essa abordagem, de cunho organizacional, não se preocupa com as características

individuais de cada um dos componentes de um grupo. Seu interesse está no grupo. Quando a

idade média dos empregados de uma instituição é elevada, a organização tende a ser

percebida como mais velha (SHULTZ e ADAMS, 2007a). A idade relativa percebida

(CLEVELAND e SHORE, 1992; LAWRENCE, 1984; PFEFFER, 1983 apud SHULTZ e

ADAMS, 2007a) é a idade de um indivíduo percebida em relação a um grupo (SHULTZ e

ADAMS, 2007a).

Apresentadas as tentativas de definir a idade a partir da qual algum trabalhador pode

ser considerado velho, adentramos a questão do desempenho. Primeiro, importante se faz

buscar uma definição para o que venha a ser performance, ou desempenho.

Para Shultz e Adams (2007a), a performance individual é definida como o conjunto de

comportamentos que são relevantes para os objetivos organizacionais. Segundo os autores, é

aquilo que as pessoas de fato fazem e é observável. Ainda, performance envolve ações

direcionadas para metas que estão sob o controle do indivíduo e que podem ser medidas em

termos do nível da contribuição individual para essas metas (JOHNSON, 2003 apud SHULTZ

e ADAMS, 2007a).

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Neste momento, uma associação que se espera e que procuraremos fazer é aquela entre

idade e desempenho. Em uma experiência feita no setor bancário, considerando empregados

novos, de meia idade e mais velhos, os participantes mais novos conseguiram desenvolver um

número maior de transações no computador que os demais grupos (SHARIT e CZAJA, 1999

apud SHULTZ e ADAMS, 2007a). Em outro estudo, o qual consistiu em uma simulação de

tarefas de trabalho a distância, os grupos compostos por trabalhadores mais velhos obtiveram

melhores performances que os formados por indivíduos mais novos (SHARIT et al, 2004

apud SHULTZ e ADAMS, 2007a).

A idade, por si só, não é demonstrativo de experiência quando se discutem assuntos

específicos. Deve-se levar em consideração o conhecimento acumulado pela pessoa ao longo

de seus anos de atividades, em temas determinados. As situações em que os indivíduos mais

velhos possuem experiência em uma variedade de assuntos freqüentemente resultam em

relações positivas entre idade e conhecimento (WARR, 2001, apud SHULTZ e ADAMS,

2007a). A experiência dos indivíduos varia muito entre indivíduos mais novos ou mais

velhos, dependendo do domínio de conhecimento em análise (ACKERMAN, 2000, apud

SHULTZ e ADAMS, 2007a). Apesar dessas observações, a hipótese de que trabalhadores

mais velhos terão, na média, mais conhecimento que os trabalhadores mais novos parece

razoável (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Warr (2001 apud SHULTZ e ADAMS 2007a) assevera que o conhecimento a mais

que os trabalhadores mais velhos possuem tende a compensar os eventuais declínios,

decorrentes da idade avançada, no processamento das informações. Em resumo, as pesquisas

apontam que apesar de os trabalhadores mais velhos possuírem, em geral, mais conhecimento

que os mais novos, isso não significa que eles tenham melhor ou pior desempenho que estes,

nas suas tarefas principais (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Abordando outro aspecto intimamente relacionado à idade, alguns indicadores ligados

à saúde dos funcionários e a acidentes demonstram que os trabalhadores mais velhos tendem a

ter maior percentual de absenteísmo do que os mais novos (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Embora alguns tipos de acidentes se tornem menos comuns em pessoas mais velhas, uma vez

acidentados, os trabalhadores mais velhos geralmente levam mais tempo que os mais novos

para retornarem ao trabalho; com isso, há maior perda de tempo de trabalho (SHULTZ e

ADAMS, 2007a).

Além desses aspectos, as pesquisas apontam que o turnover é menor entre os

trabalhadores mais velhos. Isso pode ser atribuído a diferentes razões, dentre as quais: as

pessoas mais velhas não acreditam que têm alternativas atraentes de emprego; elas tendem a

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sentir-se mais satisfeitas em suas posições, deixando de procurar novos empregos; elas

usualmente ocupam posições em que os ganhos são maiores; e elas já empreenderam muito

tempo e esforço para chegarem à posição em que se encontram e, com isso, não se interessam

por outras colocações (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Shultz e Adams (2007a) criticam o fato de a maior parte das pesquisas que tentam

relacionar idade e desempenho se utilizarem apenas da idade cronológica e da performance

como sendo a competência na realização de tarefas; poucas pesquisas consideraram medidas

alternativas de idade ou performances não relacionadas a serviços determinados. E citam o

exemplo de Gilbert, Collins e Valenzi (1993), que identificaram, em seus estudos, diferenças

entre grupos de variadas idades nos quatro domínios de performance (performance total,

competência técnica, comprometimento com o trabalho e relações de trabalho positivas), mas

não encontraram qualquer relação linear entre idade e performance.

Na média, indivíduos mais velhos demonstram piores performances em medidas que

requerem formas complexas de processamento de informações, incluindo atenção dividida e

seletiva, o uso da memória no trabalho, desempenho em tarefas duais e respostas rápidas

(WARR, 2001 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a). Entretanto, existem grandes diferenças

individuais no desempenho dessas tarefas entre os indivíduos mais velhos (SHULTZ e

ADAMS, 2007a).

Diante de tantas pesquisas que não conseguiram apontar uma relação entre idade e

desempenho, Shultz e Adams (2007a) afirmam que os trabalhadores mais velhos podem ter

melhor desempenho que os mais novos em determinados trabalhos, ao passo que podem ter

piores performances em outros.

Avançando no contexto do desempenho, este não é medido apenas em termos de

realização de tarefas. Os indivíduos são avaliados no âmbito das organizações, também, por

suas atitudes como cidadãos. Trata-se do chamado “comportamento cidadão organizacional”,

em que ajudar os pares, voluntariar-se, ter perfil cooperativo, ser motivador, dentre outros, são

levados em consideração. As pesquisas acerca de envelhecimento e desempenho no trabalho

devem ser efetuadas mediante uma visão sistêmica das organizações (STERNS e MIKLOS,

1995 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Os indivíduos mais velhos obtêm pontuações mais altas em medidas de consciência e

afabilidade, porém menores pontuações em abertura para novas experiências e mudanças de

orientação (FARR e RINGSEIS, 2002 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Acrescente-se às performances relativas a tarefas e à contextual, a adaptativa. A

performance adaptativa consiste na capacidade com que uma pessoa modifica o (a) seu (sua)

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comportamento de acordo com as demandas do ambiente, com um evento, ou uma nova

situação (PULAKOS, ARAD, DONOVAN e PLAMONDON, 2000 apud SHULTZ e

ADAMS, 2007a).

Há quem defenda que o envelhecimento bem-sucedido passa justamente pela

habilidade que a pessoa demonstra em se adaptar ao novo de forma bem sucedida (BALTES e

BALTES, 1990 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a). Sterns e Dorsett (1994 apud SHULTZ e

ADAMS, 2007a) apontam que o risco da obsolescência não é necessariamente dependente da

idade. Ou seja, seus estudos apontam que as pessoas mais velhas não são necessariamente

mais propensas a ficarem obsoletas no sentido de deixarem de acompanhar as mudanças

verificadas no ambiente. Entretanto, os pesquisadores alertam para a possibilidade de que

fatores como a disponibilização de trabalhos desafiadores e a existência de suporte

organizacional podem afetar de maneiras diferentes o desenvolvimento de competências em

trabalhadores novos e velhos, os quais se encontram em diferentes momentos de vida.

Quando se busca uma análise a respeito de quais características devem estar presentes

para que se considere um envelhecimento bem sucedido, com sucesso, deve-se ponderar as

mudanças de pontos de vista ocorridas com o passar dos anos. No passado, envelhecimento

com sucesso era sinônimo de ausência de doenças ou enfermidades (ROWE & KAHN, 1997

apud ROBSON et al., 2006). Outros pesquisadores o definiram como sendo algo ligado ao

contentamento e à satisfação com a vida (BUTT & BEISER, 1987; PALMORE, 1979 apud

ROBSON et al., 2006). Tentativas mais recentes de compreender o que seria o

envelhecimento com sucesso consideraram uma abordagem multidisciplinar (ROBSON et al.,

2006). Os três principais componentes do envelhecimento com sucesso seriam: baixa

probabilidade de contrair doenças ou de se tornar deficiente, alta capacidade funcional física e

cognitiva, e um compromisso ativo com a vida (ROWE & KAHN, 1997 apud ROBSON et

al., 2006). O envelhecimento com sucesso está ligado não apenas àquilo que a pessoa pode

fazer, mas sim ao que ela efetivamente faz (ROBSON et al., 2006).

Portanto, independentemente da questão de idade, com as rápidas mudanças

verificadas na natureza do trabalho, parece que os empregados que conseguem identificar

determinada situação no trabalho e adaptam seu comportamento apropriadamente, a fim de

satisfazer às necessidades advindas da mudança, tendem a ser bem sucedidos (SHULTZ e

ADAMS, 2007a).

Outrossim, as pesquisas recentes destacam não apenas a importância de se analisar o

principal efeito das relações idade-desempenho, mas também a necessidade de reexaminar

nossas teorias de diferenciação e de performance, a fim de incluir papéis alternativos e

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importantes que a idade pode exercer em relação aos resultados do trabalho. As pesquisas

acerca de envelhecimento e desempenho no trabalho devem ser efetuadas mediante uma visão

sistêmica das organizações (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

Na prática, o desempenho é um reflexo das habilidades e da motivação do empregado.

As avaliações efetuadas em determinada organização são as mesmas tanto para trabalhadores

mais velhos como para os mais novos. Embora os trabalhadores mais velhos apresentem

perdas de determinadas habilidades devido à idade, isso parece não se traduzir em declínio

significativo no trabalho. A questão chave para o sucesso das organizações, considerando a

escassez de empregados bem qualificados, consiste em como desenhar ou construir um local

de trabalho que atraia, retenha e motive os empregados mais brilhantes, aí incluídos os de

mais idade, de forma a que os melhores se sintam motivados a continuar a ter bom

desempenho (SHULTZ e ADAMS, 2007a).

2.7.2 A Idade e as Atitudes no Trabalho

Há inúmeros estudos na literatura que versam sobre como as pessoas se portam

perante seus trabalhos. Abordam desde a maneira como diferentes indivíduos lidam com as

suas respectivas atividades laborais e todo o contexto que isso abarca, até análises sob o ponto

de vista das organizações, em que aspectos do ambiente de trabalho compõem o cenário em

estudo.

Esses estudos procuram compreender como as pessoas se sentem a respeito do seu

trabalho, do emprego que têm, das pessoas com quem trabalham, da organização que os

empregam, enfim, como os empregados reagem perante as diferentes situações de trabalho

que lhes aparecem.

Nesse contexto, cumpre o questionamento acerca da idade. Onde o quesito idade

entraria e que importância teria? A idade do trabalhador representa uma característica

individual chave que tem o poder de impactar as experiências e condições a que os indivíduos

serão expostos no trabalho. As reações afetivas ao trabalho e as características do ambiente de

trabalho podem, da mesma forma, estar ligados à idade. Uma melhor compreensão quanto às

atitudes e motivações dos trabalhadores mais velhos podem ajudar a orientar as práticas

gerenciais e a política organizacional, de forma a dirigi-las para atender às necessidades de

uma força de trabalho cada vez mais velha e estimular trabalhadores mais velhos a manterem-

se ativos e engajados (SHULTZ e ADAMS, 2007b).

Neste ponto, procuramos analisar de que forma a idade do trabalhador está relacionada

às suas crenças e atitudes com relação ao seu emprego, à organização a que pertence e à sua

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carreira. Estudos apontam que, de forma geral, existe uma relação positiva entre idade do

trabalhador e satisfação com o emprego (SHULTZ e ADAMS, 2007b).

Embora Shultz e Adams (2007b) afirmem isso, especialmente com base nos achados

dos estudos de Bourne (1982) e de Rhodes (1983), os autores ressalvam que estudos mais

recentes apontam que essa visão positiva do trabalho por parte de pessoas mais velhas se dá

primordialmente nas situações em que a pessoa ocupa uma boa posição, recebe um bom

salário, não sendo verificada nas situações tidas como desfavoráveis ou de menor conforto

para os ocupantes.

O trabalho apresenta diferentes facetas para os indivíduos. A satisfação dos

trabalhadores com os seus empregos se dá usualmente em consideração a aspectos intrínsecos,

tais como o que representa o trabalho para a pessoa, e a aspectos extrínsecos, a exemplo de

salários, promoções, dentre outros. A satisfação com os aspectos intrínsecos do trabalho

parece aumentar com a idade, até o período imediatamente anterior à aposentadoria

(BOURNE, 1982 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b). Entretanto, a satisfação com os aspectos

extrínsecos parece não se comportar da mesma forma (RHODES, 1983; KACMAR e

FERRIS, 1989 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b).

Há quem sugira que a satisfação com os aspectos intrínsecos do trabalho cresça com a

idade devido ao fato de haver menos alternativas de emprego para as pessoas mais velhas do

que para as mais novas. A idade funciona como um moderador da relação entre satisfação

com o emprego e características do ambiente de trabalho, tais como as alternativas de trabalho

percebidas (POND e GEYER, 1987, 1991 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b).

Diante deste ponto de vista, é natural que surja um ponto de interrogação sobre a razão

para ser comum observarem-se pessoas com atitudes mais positivas em relação ao trabalho

com o passar dos anos, e conseqüentemente, com o avanço de suas idades. Cumpre investigar

em que situações e por que isso se daria.

Existem várias variáveis que podem ser consideradas nessa relação entre idade e

sentimentos acerca do trabalho. Variáveis associadas à satisfação com o trabalho, tais como

experiência, estabilidade organizacional, nível do emprego, salário, tipicamente estão

correlacionadas com a idade (SHULTZ e ADAMS, 2007b).

De acordo com Shultz e Adams (2007b), os trabalhadores mais velhos normalmente

têm muito tempo de exercício nos seus cargos, possuem estabilidade, mais experiência e têm

níveis ocupacionais elevados. Os resultados obtidos contribuem para a satisfação com o

trabalho (SHULTZ e ADAMS, 2007b).

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Há que se notar o fato de que mudanças nas estruturas organizacionais tradicionais, e

conseqüentemente, nos modos habituais de desenvolvimento da carreira, têm o potencial de

afetar a relação entre idade e satisfação com o emprego (SHULTZ e ADAMS, 2007b). Muitas

pessoas mais velhas são acostumadas ao ciclo que se inicia com a entrada em determinada

organização, segue com avanços na carreira na mesma medida em que a idade avança,

ocupam postos de trabalho mais elevados quanto mais velhos ficam, ou ao menos as chances

para que os ocupem passam a ser maiores, e chegam ao final com a aposentadoria. Se há uma

mudança nessa forma de evolução na carreira, é de se esperar que a relação entre idade e

satisfação com o trabalho se altere para essas pessoas.

Novos modelos de carreira sugerem que os trabalhadores tendem a ter vários ciclos de

entrada, desenvolvimento e saída, o que representa que os indivíduos entrarão e sairão de

várias organizações diferentes, e terão inúmeras carreiras distintas ao longo de sua vida

laboral (HALL e MIRVIS, 1995; STERNS e MIKLOS, 1995 apud SHULTZ e ADAMS,

2007b). Com isso, passa a ser comum pessoas de 50, 60 anos de idade passando a trabalhar

em assuntos nos quais têm o mesmo status ou experiência daqueles trabalhadores de 20, 30

anos de idade. Diante desse cenário e considerando as variáveis que fazem com que a

satisfação com o trabalho aumente com o passar dos anos, conforme visto anteriormente,

afirmar que os trabalhadores mais velhos continuarão a ter maior satisfação com o trabalho

que os mais novos passa a ser um argumento de difícil sustentabilidade (SHULTZ e ADAMS,

2007b).

Essa questão merece ser um pouco mais explorada, tendo em vista que atualmente é

comum as organizações sofrerem reviravoltas. A introdução de novas tecnologias, a mudança

de uma estrutura gerencial tradicional para grupos, ou times, de trabalho, são todas mudanças

que ocorrem com bastante freqüência nas organizações. E de que forma os trabalhadores mais

velhos reagem? Embora seja comum as pessoas utilizarem o estereótipo do inflexível para os

mais velhos, a literatura não corrobora esse ponto de vista.

Maurer (2001 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b) criou um modelo de

desenvolvimento de carreira que considera o papel da idade nas atitudes e na motivação para

o desempenho de novas atividades. Maurer, Weiss e Barbeite (2003 apud SHULTZ e

ADAMS, 2007b) testaram empiricamente o modelo e comprovaram que a idade possui efeito

muito pequeno sobre o estímulo das pessoas à inovação.

Na questão da introdução de novas tecnologias, Morris e Venkatesh (2000 apud

SHULTZ e ADAMS, 2007b) concluíram, de seus estudos, que a idade está negativamente

associada a atitudes perante a adoção de novas tecnologias. No que diz respeito à modificação

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da estrutura gerencial tradicional para os grupos de trabalho, Hayslip et al. (1996 apud

SHULTZ e ADAMS, 2007b) afirmam que os trabalhadores mais velhos reagiram

positivamente à constituição de grupos de trabalho auto-gerenciáveis.

Shultz e Adams (2007b) apresentam outras explicações para o fato de trabalhadores

mais velhos terem maior satisfação com o trabalho do que os mais novos, em geral. Uma, é o

sentimento de grupo, ou seja, a pessoa, após muitos anos convivendo em um ambiente de

trabalho estabelecido, passa a sentir-se membro daquele conjunto de pessoas. Esse sentimento

tende a crescer com o passar dos anos, segundo os autores.

Mais um argumento que trazem, é o que defende que os padrões de comportamento e

de sentimento vão se abrindo mais ou menos da mesma forma para todas as pessoas, com o

passar do tempo. Com isso, os trabalhadores mais velhos podem retratar maior satisfação com

os seus trabalhos, por exemplo, pelo fato de terem amadurecido e, de certa forma terem se

tornado mais suaves perante os anseios.

Desta linha de raciocínio decorre outra possível explicação teórica, a qual sugere que o

envelhecimento está associado com a gradual diminuição das expectativas e aspirações. De

acordo com este pensamento, quando os trabalhadores envelhecem, eles ajustam seus padrões

de algo tido como ideal para situações mais realistas. Com isso, os trabalhadores mais velhos

consideram-se satisfeitos mesmo em situações em que não se considerariam assim alguns

anos mais cedo. Dessa forma, é de se esperar que os trabalhadores sintam-se cada vez mais

satisfeitos com o passar dos anos, mesmo nos casos daqueles indivíduos cujas circunstâncias

do trabalho não foram tão favoráveis assim (SHULTZ e ADAMS, 2007b).

A última explicação de Shultz e Adams (2007b) para a satisfação dos trabalhadores

mais velhos com o trabalho consiste no fato de as pessoas geralmente, com o passar dos anos,

terem maior facilidade para perceber e assimilar as coisas boas e, ao mesmo tempo, colocar

em segundo plano, ou relevar, aquelas coisas que não são consideradas boas, os eventuais

acontecimentos negativos que tenham que enfrentar.

Um aspecto que deve ser levado em consideração nessas análises é a proximidade da

aposentadoria. Este momento representa uma mudança importante na vida das pessoas, pois

significa, em muitos casos, a mudança de uma rotina repetida ao longo de anos. Ao se

aproximar o momento em que a aposentadoria torna-se uma alternativa socialmente aceitável

e economicamente viável, a avaliação do papel do trabalho, por parte dos trabalhadores, é

feita concomitantemente à do papel da ansiada aposentadoria (BARNES-FARRELL, 2003

apud SHULTZ e ADAMS, 2007b).

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Os pesquisadores do assunto aposentadoria relatam que é de fundamental importância

para o bem estar de adultos mais velhos que eles tenham absoluto controle e bom senso a

respeito da decisão de se aposentarem ou continuarem trabalhando (HECKHAUSEN e

SCHULZ, 1995; ISAKSSON e JOHANSSON, 2000; SHULTZ, MORTON e WECKERLE,

1998 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b).

A literatura sugere, ainda, que, no mesmo sentido do acréscimo de satisfação com o

trabalho com o avançar da idade, passa a existir, também, uma sensação de contagem

regressiva do tempo. À medida que o momento da aposentadoria se aproxima, as pessoas

iniciam um processo de desligamento do trabalho. Independentemente da idade, os

trabalhadores que se aproximam da aposentadoria começam a ver o trabalho como algo cada

vez mais fatigante (EKERDT e DE VINEY, 1993 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b). As

pesquisas dos autores aqui citados concluíram que, de fato, as atitudes perante o trabalho

melhoram concomitantemente com o envelhecimento dos trabalhadores. Entretanto, elas

pioram com a proximidade da aposentadoria.

Superada a discussão a respeito da tendência de as pessoas se sentirem mais satisfeitas

com os seus respectivos trabalhos quanto mais velhas forem, adentramos a questão da

motivação. A motivação varia com a idade? Em outras palavras, será a idade um fator a

exercer influência no nível motivacional dos indivíduos?

Antes de qualquer tentativa de resposta às perguntas acima lançadas, cumpre buscar

uma breve explicação acerca do que pode ser compreendido por motivação no trabalho. Bem,

a motivação no trabalho diz respeito à disposição dos trabalhadores em direcionar suas

energias para comportamentos e resultados valiosos para a organização (SHULTZ e ADAMS,

2007b).

Na busca por uma resposta para as perguntas inicialmente formuladas a respeito de

motivação, um novo questionamento, uma pergunta direta, pode ser feita, formando a trilha de

raciocínio: os trabalhadores mais velhos exibem, em geral, diferentes níveis de motivação

com o trabalho do que os mais novos?

A literatura não chega a uma conclusão que possa ser considerada consenso. Por um

lado, há autores que defendem ser a motivação dos trabalhadores mais velhos maior do que a

dos mais jovens; por outro, há autores que descrevem o contrário. Um dos aspectos que

podem ser derivados deste ponto é o aperfeiçoamento dos trabalhadores, ou seja, seu contínuo

aprendizado. Há evidências de que a idade dos trabalhadores é negativamente associada à

motivação para fazer parte de atividades de desenvolvimento (MAURER et al., 2003 apud

SHULTZ e ADAMS, 2007b).

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Em linha com esse pensamento, consta que os trabalhadores mais velhos tendem a ter

menor motivação para inscrever-se voluntariamente em treinamentos pelo fato de terem

pouco tempo pela frente para recuperar o investimento de tempo e energia necessário

(RENAUD, LAKHDARI e MORIN, 2004 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b).

Outro aspecto organizacional que comumente afeta a motivação dos trabalhadores é a

mudança gerencial. Os trabalhadores mais velhos não se sentem motivados a participar de

mudanças e costumam não se adaptar tão bem a elas (CALDWELL, HEROLD e FEDOR,

2004 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b). Estes autores defendem que as práticas gerenciais

que visam a motivar os trabalhadores mais velhos perante mudanças organizacionais devem

ser diferentes daquelas utilizadas para motivar os trabalhadores mais jovens, como, por

exemplo, recompensas e treinamento. Segundo eles, os mais velhos tendem a dar mais valor a

um suporte organizacional bem feito, que os faça sentirem-se seguros e valorizados.

À medida que as pessoas envelhecem, elas buscam diferentes significados para o seu

trabalho. Da mesma forma, diferentes valores percebidos nas pessoas com quem os

trabalhadores mais velhos lidam passam a ser mais valorizados. As pessoas de 50, 60 anos de

idade, tendem a procurar mais a emoção do que o valor instrumental nos relacionamentos

(GRELLER e SIMPSON, 1999 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b). Daí a importância das

oportunidades de desenvolvimento de interações e contatos sociais de alta qualidade para os

trabalhadores mais velhos.

Mor-Barak (1995 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b) afirma que as oportunidades de

transferência de conhecimento e experiência para as gerações mais novas são muito

valorizadas pelos trabalhadores mais velhos e, de certa forma, contribuem para a constituição

do significado do trabalho para esses indivíduos.

Portanto, resta claro que a parcela da força de trabalho que compreende os

trabalhadores mais velhos não é composta por pessoas que estão ali apenas esperando o tempo

passar. Eles têm suas preferências e é importante que os gerentes consigam identificar suas

necessidades especialmente pelo fato de o perfil demográfico mostrar uma tendência de

envelhecimento da população trabalhadora. Os trabalhadores mais velhos buscam no trabalho,

dentre outras coisas, contatos sociais, status, estrutura e oportunidades de desenvolverem sua

auto-estima.

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3 METODOLOGIA

3.1 A Pesquisa Qualitativa

Os estudos qualitativos, apesar de historicamente sempre presentes, tiveram sua

importância e utilidade, por um tempo, minimizadas devido a uma forte influência das

metodologias quantitativas, inspiradas nos pressupostos positivistas (GODOY, 1995a).

Hoje em dia, a abordagem qualitativa é não apenas uma forma viável de trabalhar em

ciências sociais, mas, principalmente, torna-se muitas vezes a opção mais apropriada, em

função do problema a ser estudado, assim como das questões e dos objetivos que orientam a

investigação (GODOY, 1995a).

A pesquisa qualitativa está essencialmente ligada a uma abordagem interpretativista do

tema e muitas vezes é associada a uma crítica a abordagens positivistas e/ou meramente

quantitativas (TONELLI, 2003).

Pesquisadores que se apóiam em abordagens qualitativas partilham, de modo geral, de uma visão do mundo como uma realidade construída e da existência de uma relação entre o sujeito que pesquisa e o objeto que é pesquisado. Por outro lado, as abordagens quantitativas enfatizam a mensuração, a neutralidade na relação sujeito-objeto e uma análise causal entre variáveis (TONELLI, 2003).

Avançando na descrição a respeito de pesquisas qualitativas, percebe-se que, dentre

outros, pode-se estabelecer como pontos característicos deste tipo de pesquisa o fato de ela

buscar obter dados descritivos e o de haver contato direto do pesquisador com o ambiente em

estudo.

A pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados. Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo (GODOY, 1995a)

A pesquisa qualitativa é caracterizada por ser descritiva. Nela, a preocupação essencial

do investigador é com o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida. Na análise de

seus dados, os pesquisadores utilizam o enfoque indutivo, pois não se parte de hipóteses

estabelecidas, portanto não existe a preocupação em buscar dados ou evidências que

corroborem ou neguem determinadas suposições (GODOY, 1995a).

Segundo Godoy (1995a), a investigação qualitativa é a mais indicada quando:

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- Estamos lidando com problemas pouco conhecidos e a pesquisa é de cunho

exploratório;

- O estudo é de caráter descritivo e o que se busca é o entendimento do fenômeno

como um todo, na sua complexidade; e

- A preocupação for a compreensão da teia de relações sociais e culturais que se

estabelecem no interior das organizações.

Por meio da pesquisa qualitativa busca-se compreender um fenômeno de forma

interpretativa (CRESWELL, 2003). Creswell (2003) afirma que a pesquisa qualitativa é

exploratória e que os pesquisadores utilizam-na para estudar um tópico quando a teoria básica

e as variáveis são desconhecidas. O autor aponta fatores que levam à escolha da pesquisa

qualitativa em preferência a outros tipos de pesquisa. São eles:

- Quando a pergunta da pesquisa é iniciada por “o que” ou por “como”, resta claro a

intenção de descrever um acontecimento ou uma situação, diferentemente da pesquisa

quantitativa, que possui como objetivo a comparação de grupos e variáveis;

- Quando o tema precisa ser explorado, devido às variáveis não serem facilmente

identificáveis, tornando necessário que se desenvolva as teorias existentes sobre o assunto; e

- Quando os indivíduos estudados no trabalho são analisados em seus respectivos

ambientes.

Em menção à classificação de Vergara (1997) esta pesquisa é: (i) quanto aos fins,

exploratória, pois é realizada em área na qual há pouco conhecimento acumulado e

sistematizado; (ii) quanto aos meios de investigação, primeiro, uma pesquisa de campo, pois

trata-se de investigação empírica realizada no local em que se dispõe de elementos para

explicar um fenômeno; segundo, bibliográfica, pois foi desenvolvido estudo sistematizado

com base em material publicado em livros, revistas, e redes eletrônicas; e, terceiro, um estudo

de caso, pois foi desempenhado estudo detalhado e em profundidade junto a funcionários de

um órgão público, o Tribunal de Contas da União.

A fim de demonstrar o porquê da opção por uma pesquisa qualitativa no presente

estudo, em detrimento de uma quantitativa, nos apoiamos na literatura, mais precisamente nas

críticas que Fineman (1991) teceu à metodologia utilizada pelo Grupo MOW.

Fineman (1991) criticou a utilização de métodos quantitativos em pesquisas que

tratam da busca pela compreensão do que vem a ser o significado do trabalho para as pessoas.

O autor aponta que uma teoria psicossociológica de grande relevância para estudar o

significado do trabalho é o “Construcionismo Social”. Ele critica o paradigma quantitativo no

estudo sobre o significado do trabalho, apontando a necessidade de uma abordagem

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qualitativa. Para ele, o “significado” é um “ambiente” construído pelas pessoas (FINEMAN,

1991 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996a).

Ao criticar a utilização de pesquisas quantitativas, a exemplo daquela desenvolvida

pelo Grupo MOW (1987), Fineman (1991) expressou:

A boa ciência envolve a construção de várias metáforas e molduras sistemáticas para compreensão. Os significados encontrados no contexto podem ser ofuscados, ao invés de iluminados, pela quantidade de enfeites do “rigor” da medida (FINEMAN, 1991).

Em linha com o autor, buscamos compreender o significado do trabalho para

profissionais experientes do setor público brasileiro. Para isso, lançamos mão de pesquisa

qualitativa.

3.2 Coleta dos Dados

Foram feitas doze entrevistas em profundidade com funcionários públicos do Tribunal

de Contas da União, todos com idade próxima de 50 anos, lotados na Secretaria do Tribunal

no Estado do Rio de Janeiro. Todos os entrevistados possuem ao menos nível superior, têm

idade igual ou superior a 45 anos e mais de 25 anos de trabalho.

As entrevistas, com duração média de 60 minutos, foram agendadas e gravadas, com a

concordância dos entrevistados. A gravação foi de grande valia, pois permitiu que houvesse

plena concentração no que se conversava e possibilitou a inserção de novas perguntas em

momentos propícios, as quais não constavam do roteiro original de questões. As gravações

foram transcritas posteriormente. Cumpre destacar que foi dada ampla liberdade aos

entrevistados de falarem espontaneamente tudo aquilo que julgassem pertinente com o tema

abordado. Isso também contribuiu para a inserção de novos assuntos não previstos

originalmente.

3.3 Seleção dos Entrevistados

As pessoas selecionadas para entrevista foram servidores públicos federais, ocupantes

dos cargos de Analista de Controle Externo ou de Técnico de Controle Externo do Tribunal de

Contas da União.

Todos os escolhidos para entrevista situam-se em torno da faixa etária de 50 anos, pois

de acordo com a proposta deste trabalho de dissertação, pretende-se compreender qual o

significado do trabalho para esses funcionários, em face das peculiaridades inerentes ao

serviço público brasileiro e aos seus servidores.

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O autor é Analista de Controle Externo do TCU, o que facilitou sobremaneira o acesso

às pessoas escolhidas para serem entrevistadas. Além disso, todos sabiam da condição do

autor de aluno de Mestrado; foi-lhes informado que os dados coletados teriam utilização

meramente acadêmica. Este fato contribuiu para que as entrevistas fossem ricas em

informações, pois os entrevistados ficaram à vontade para responder, talvez por não se tratar

de pesquisa do órgão, propriamente dito. O estudo de caso no TCU se enquadrou de forma

satisfatória na presente pesquisa, tendo em vista o fato de haver funcionários bastante

experientes em quantidade suficiente para o que se propõe.

Cumpre registrar que um dos convidados para ser entrevistado não se sentiu

confortável em conceder a entrevista, tendo sido necessário substituí-lo por outro servidor.

3.4 Breve Perfil dos Entrevistados

O quadro a seguir apresenta um sumário do perfil dos entrevistados.

Quadro 2 – Perfil dos entrevistados

Entrevistado Sexo Idade Estado Civil

N°°°° de Filhos / Idades

Formação Cargo

Tempo de

trabalho no órgão

1 M 55 Casado 2 / 26 e

18 Direito Técnico 36 anos

2 M 58 Casado 2 / 16 e

11 Engenharia Mecânica

Analista 12 anos

3 F 64 Casada 3 / 37, 35 e 23

Economia Analista 30 anos

4 M 45 Casado 2 / 15 e

11 Engenharia Aeronáutica

Analista 13 anos

5 F 55 Casada 3 / 36, 34 e 32

História Analista 34 anos

6 M 53 Casado 1 / 16 Contabilidade Analista 23 anos 7 F 51 Solteira - Arquitetura Analista 18 anos

8 F 55 Separada 3 / 33, 31 e 26

Terapia Ocupacional e

Economia Analista 19 anos

9 M 58 Solteiro - Contabilidade Analista 30 anos

10 F 49 Solteira - Engenharia

Química Analista 21 anos

11 F 52 Separada 1 / 31 Arquitetura Analista 29 anos

12 M 55 Casado 3 / 27, 25 e 24

Matemática Analista 18 anos

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3.5 Tratamento dos Dados

As entrevistas gravadas foram transcritas (digitadas) para arquivos eletrônicos por

meio da utilização do software Word. Cada entrevista foi analisada usando os temas e as

categorias presentes no referencial teórico. Utilizamos o software Atlas Ti. 4.2 para organizar

as várias partes das entrevistas em diferentes categorias.

De posse do material organizado na forma acima enunciada, selecionamos algumas

falas dos entrevistados para compor o texto da dissertação, nos momentos em que serviram

como ilustração e como apoio para o que estava sendo analisado.

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4 O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

A Constituição Federal de 1988 dedica seis de seus artigos, do art. 70 ao 75,

especificamente ao tema fiscalização contábil, financeira e orçamentária. Além desses,

cumpre salientar que o seu artigo 161, parágrafo único, estabelece que o TCU é o responsável

por efetuar os cálculos das quotas referentes ao Fundo de Participação dos Estados e Distrito

Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios.

O art. 70 da nossa Carta Magna estabelece que a fiscalização contábil, financeira,

orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e

indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e

renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e

pelo sistema de controle interno de cada Poder.

No parágrafo único deste artigo, a Lei Maior define as pessoas obrigadas a prestar

contas, apontando que prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou

pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza

pecuniária.

Tendo estabelecido que o Congresso Nacional é o titular do poder de controlar,

mediante o chamado controle externo, o art. 71 institui a figura do auxiliar do Congresso na

tarefa de exercer esse seu papel de controlador externo. E assim afirma:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;

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VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados (CONSTITUIÇÃO, 1988).

O controle externo é, em última análise, o controle da sociedade sobre a administração pública feito por seus representantes nas Casas Legislativas. Essa incumbência a cargo do Congresso Nacional é realizada com o auxílio do Tribunal de Contas da União. Cumpre notar que a Constituição de 1988 aumentou consideravelmente as atribuições do Tribunal de Contas da União (SOUTO, 1998).

A exclusividade dessas competências constitucionais de controle do TCU se justifica pela necessidade de adoção de critérios estritamente técnicos de controle, uma vez que a sociedade busca por melhores serviços, eficiência e efetividade. O cidadão tem o direito público subjetivo a transparência, honestidade, moralidade e excelência na aplicação dos recursos públicos pela Administração (RODRIGUES, 2008).

A seção da Constituição Federal que dispõe sobre a fiscalização contábil, financeira e

orçamentária contempla outros dispositivos a respeito da composição do Tribunal de Contas

da União, dos requisitos para que determinada pessoa seja nomeada Ministro daquele

Tribunal, seus critérios de escolha, dentre outros pontos.

Por fim, o art. 75, ainda na mesma seção, estabelece que as normas ali elencadas

aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas

dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos

Municípios, atribuindo às Constituições Estaduais o dever de dispor sobre os seus respectivos

Tribunais de Contas.

Feita esta breve apresentação sobre as Cortes de Contas, baseada na Lei Maior de

nosso país, passamos, agora, a abordar aspectos intrínsecos à atuação do Tribunal de Contas

da União.

O TCU anuncia sua missão como sendo assegurar a efetiva e regular gestão dos

recursos públicos, em benefício da sociedade. Da declaração a respeito de qual é a sua missão,

é possível depreender o negócio, a finalidade da instituição. O Tribunal de Contas da União é

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um órgão de controle dos recursos públicos federais e seu trabalho se desenvolve na intenção

de assegurar que esses recursos sejam utilizados adequadamente.

O Controle Parlamentar pode ser dividido em duas esferas de atuação: uma política e

outra técnica. A primeira diz respeito aos interesses supremos do Estado e da sociedade. A

segunda, à fiscalização financeira, orçamentária, contábil, operacional e patrimonial, onde o

TCU é situado. Este é o chamado Modelo Constitucional de Fiscalização Superior, onde

existe um tribunal administrativo, com poderes de fiscalização, julgamento e auto-

organização.

Nessa contextualização, é importante que se delimite quem são os sujeitos passivos da

ação do Tribunal de Contas da União. Todos os órgãos e entidades da administração direta e

indireta, os entes federados e qualquer pessoa física ou jurídica que utilize, arrecade, guarde,

gerencie ou administre dinheiros, bens ou valores públicos estão elencados no rol daqueles

sujeitos à atuação da Corte de Contas.

O objeto da atuação dessa Entidade de Fiscalização Superior são as atividades

administrativas do poder público que impliquem geração de receita, realização de despesas,

nascimento ou extinção de direitos ou obrigações. Ao agir, o foco se dá sobre os aspectos de

legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência, eficácia e efetividade da gestão pública.

As competências do TCU estão divididas entre as constitucionais, evidentemente

estabelecidas na Constituição Federal, e as legais, decorrentes de leis ordinárias ou

complementares. O exemplo mais evidente de competência advinda de lei ordinária é a

própria Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, Lei nº 8.443/92. Além desses, pode-se

mencionar a competência para: decidir sobre representações contra a falta de notificação das

Câmaras Municipais pelo recebimento de recursos federais (Lei nº 9.452/97); decidir sobre

representações contra irregularidades em procedimentos licitatórios (Lei nº 8.666/93);

acompanhar e apreciar documentação dos processos de desestatização (Lei nº 9.491/97). Um

exemplo de competência do TCU previsto em lei complementar é o de fiscalizar o

cumprimento de normas fixadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº

101/2000).

4.1 Estrutura e Funcionamento

O TCU é integrado por nove ministros, seis deles escolhidos pelo Congresso Nacional.

Os demais são nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal,

sendo dois, alternadamente, escolhidos entre auditores e membros do Ministério Público junto

ao Tribunal.

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A forma de deliberação do Tribunal é colegiada, sendo as decisões tomadas pelo

Plenário, 1ª e 2ª Câmaras. O Plenário é integrado por todos os ministros e presidido pelo

Presidente do Tribunal. As Câmaras são compostas por quatro ministros. Os auditores, em

número de três, participam dos colegiados e substituem os ministros em seus afastamentos e

impedimentos legais, ou no caso de vacância de cargo.

As deliberações do Plenário e das Câmaras assumem a forma de instrução normativa,

resolução, decisão normativa, parecer ou acórdão. São publicadas, conforme o caso, no Diário

Oficial da União e no Boletim do Tribunal de Contas da União e podem ser acessadas no

Portal TCU (http://www.tcu.gov.br).

A seguir apresentamos duas imagens com o organograma do TCU, onde é possível

ver, de forma esquemática, como a organização está distribuída.

Figura 1: Organograma do Tribunal de Contas da União

Tribunal de Contas da União

CONTEXTOCONTEXTOCONTEXTOCONTEXTO

ATRIBUTOS DO CONTROLE ATRIBUTOS DO CONTROLE ATRIBUTOS DO CONTROLE ATRIBUTOS DO CONTROLE

COMPETÊNCIAS COMPETÊNCIAS COMPETÊNCIAS COMPETÊNCIAS

CONTASCONTASCONTASCONTAS

ORGANIZAORGANIZAORGANIZAORGANIZAÇÇÇÇÃOÃOÃOÃO

JURISDIJURISDIJURISDIJURISDIÇÇÇÇÃOÃOÃOÃO

IN STRU MENTO S DO IN STRU MENTO S DO IN STRU MENTO S DO IN STRU MENTO S DO CONTRO LECONTRO LECONTRO LECONTRO LE

FISCALIZAFISCALIZAFISCALIZAFISCALIZAÇÇÇÇÃOÃOÃOÃO

PROCESSO S ESPECIAISPROCESSO S ESPECIAISPROCESSO S ESPECIAISPROCESSO S ESPECIAIS

TCETCETCETCE

� FPE E FPMFPE E FPMFPE E FPMFPE E FPM

�SUSSUSSUSSUS

� FUND EFFUND EFFUND EFFUND EF

�ROYAL TIESROYAL TIESROYAL TIESROYAL TIES

RESPONSABILIDADE RESPONSABILIDADE RESPONSABILIDADE RESPONSABILIDADE FISCALFISCALFISCALFISCAL

DIREITO DE DEF ESADIREITO DE DEF ESADIREITO DE DEF ESADIREITO DE DEF ESA

SANSANSANSANÇÇÇÇÕESÕESÕESÕES

DESCENTRALIZADESCENTRALIZADESCENTRALIZADESCENTRALIZAÇÇÇÇÃOÃOÃOÃO

�CONVÊNIO SCONVÊNIO SCONVÊNIO SCONVÊNIO S

�NOTIFICANOTIFICANOTIFICANOTIFICAÇÇÇÇÃOÃOÃOÃO

Se cr etarias de Control e

E xte rno-Sede(6)

Sec re tar ias de ControleE xter no-E stados

(26)

Sec retari a deFi scal izaç ão

deObras e

Patri mônioda Uni ão

Sec retari a de Macr oavali aç ãoGover nam ental

Se cre tar ia deRec ursos

Secr etaria de F isc al iz ação de

P essoal

Sec re tar ia deFiscalização de De sestatizaç ão

Se cr etar ia de Fis cali zação e Aval iação de

P rogramas de G ove rno

Secretaria Adjunta

de Contas

Secretaria Adjunta

de Fiscalização

Secretaria-Geral de Controle Externo

Assessoria

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Secretar ia-Geral dasSessões

Secretar ia-Geral deControle Externo

Secretaria-Geralde Administração

Plenário

1ª Câmara 2ª Câmara

Minis tros(9)

Gabinetes G abinetes

Auditores(Min. Substitutos)

(3)

Vice-Presidência(Corregedor)

Gabinetes

Minis tério PúblicoJunto ao TCU

G abinetesGabinete

Presidência

Secretaria da Presidência

Comissão de Coordenação GeralSecretaria de Planejamento e Gestão

Secret aria de Tecnologia da InformaçãoInstituto Serzedello Corrêa

Secretaria de Controle Interno

Consultoria Jurídica

Assessoria Parlamentar

Assessoria de Relações Internacionais

Assessoria de Comunicação Social

Assessor ia de Cerimonial e de Re lações Institucionais

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Figura 2: Organograma da Secretaria-Geral de Controle Externo / TCU

O TCU possui jurisdição própria e privativa, em todo o território nacional, sobre as

pessoas e matérias sujeitas à sua competência. Fazem parte do rol da chamada clientela da

instituição:

- Órgãos e entidades da administração federal direta, indireta e fundacional, incluídas

as empresas controladas pela União;

- Serviços sociais autônomos;

- Conselhos de fiscalização das profissões liberais;

- Empresas encampadas ou sob intervenção federal;

- Estados, Distrito Federal e Municípios, no tocante a recursos repassados pela União;

- Fundos constitucionais e os outros, cujo controle se enquadre como competência do

Tribunal.

As atividades do TCU, propriamente ditas, incluem, primeiramente, análises de

contas, situação em que há formação de juízo sobre a utilização dos recursos públicos e cuja

finalidade é manter a sociedade informada a respeito da aplicação desses recursos. Existem as

Tomadas de Contas da Administração Direta, e as Prestações de Contas, da Administração

Indireta, dos Fundos e das Paraestatais.

Tribunal de Contas da União

CONTEXTOCONTEXTOCONTEXTOCONTEXTO

ATRIBUTOS DO CONTROLEATRIBUTOS DO CONTROLEATRIBUTOS DO CONTROLEATRIBUTOS DO CONTROLE

COMPETÊNCIASCOMPETÊNCIASCOMPETÊNCIASCOMPETÊNCIAS

CONTASCONTASCONTASCONTAS

ORGANIZAÇÃOORGANIZAÇÃOORGANIZAÇÃOORGANIZAÇÃO

JURISDIÇÃOJURISDIÇÃOJURISDIÇÃOJURISDIÇÃO

INSTRUMENTOS DOINSTRUMENTOS DOINSTRUMENTOS DOINSTRUMENTOS DOCONTROLECONTROLECONTROLECONTROLE

FISCALIZAÇÃOFISCALIZAÇÃOFISCALIZAÇÃOFISCALIZAÇÃO

PROCESSOS ESPECIAISPROCESSOS ESPECIAISPROCESSOS ESPECIAISPROCESSOS ESPECIAIS

TCETCETCETCE

�FPE E FPMFPE E FPMFPE E FPMFPE E FPM

�SUSSUSSUSSUS

�FUNDEFFUNDEFFUNDEFFUNDEF

�ROYALTIESROYALTIESROYALTIESROYALTIES

RESPONSABILIDADERESPONSABILIDADERESPONSABILIDADERESPONSABILIDADEFISCALFISCALFISCALFISCAL

DIREITO DE DEFESADIREITO DE DEFESADIREITO DE DEFESADIREITO DE DEFESA

SANÇÕESSANÇÕESSANÇÕESSANÇÕES

DESCENTRALIZAÇÃODESCENTRALIZAÇÃODESCENTRALIZAÇÃODESCENTRALIZAÇÃO

�CONVÊNIOSCONVÊNIOSCONVÊNIOSCONVÊNIOS

�NOTIFICAÇÃONOTIFICAÇÃONOTIFICAÇÃONOTIFICAÇÃO

Secretarias deControle

Externo-Sede(6)

Secretarias deControleExterno-Estados

(26)

Secretaria deFiscalização

deObras e

Patrimônioda União

Secretaria de MacroavaliaçãoGovernamental

Secretaria deRecursos

Secretaria deFiscalização de

Pessoal

Secretaria deFiscalização deDesestatização

Secretaria deFiscalização eAvaliação deProgramas de

Governo

SecretariaAdjunta

de Contas

SecretariaAdjunta

de Fiscalização

Secretaria-Geral deControle Externo

Assessoria

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Além das contas, o Tribunal realiza fiscalizações. O objetivo geral desse tipo de

trabalho é verificar a legalidade, a legitimidade e a economicidade de atos e fatos

administrativos. As fiscalizações ocorrem sob a forma de inspeções, onde o objetivo é suprir

omissões e lacunas, esclarecer dúvidas na instrução dos processos de contas ou apurar

denúncias de irregularidades, ou sob a forma de auditorias, que visam a subsidiar a instrução e

o julgamento de processos de contas dos responsáveis pela aplicação de recursos públicos

federais.

Um dos instrumentos à disposição da população para exercer o seu direito de

cidadania é a chamada denúncia. O TCU, com base na Constituição Federal e na sua Lei

Orgânica, recebe denúncias provenientes de qualquer cidadão, partido político, associação ou

sindicato, sendo estes os legitimados a lançar mão do instrumento aqui tratado. O objeto das

denúncias deve ser alguma irregularidade ou ilegalidade e sua apuração se dá de forma

sigilosa até que se comprove a procedência da denúncia.

Outro instrumento de que alguns legitimados dispõem para ativar a atuação do TCU é

a consulta. A consulta deve ser feita acerca da aplicação de dispositivos legais e

regulamentares sobre matéria de competência do TCU. A formulação não pode tratar de fato

ou caso concreto e, quando possível, deve ser instruída com parecer do órgão jurídico que

assiste o consulente. A resposta do TCU às consultas possui caráter normativo, sendo

considerada prejulgamento de tese. Os legitimados para encaminharem consultas ao TCU são

os Presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal, da Câmara

dos Deputados, de Comissão Técnica ou de Inquérito do Congresso Nacional, de Tribunal

Superior, de Partido Político, além de Ministros de Estado, Chefes do Ministério Público da

União e da Advocacia Geral da União, Governadores e Prefeitos, no caso de dúvidas na

aplicação de recursos do petróleo.

Afora os acima enunciados, o Tribunal dispõe do instrumento da representação,

fundamentada no seu Regimento Interno e na Lei nº 8.666/93, a chamada Lei de Licitações. A

representação é uma manifestação formal apresentada por autoridade ou agente público acerca

de irregularidade, ilegalidade ou omissão verificada em assuntos de competência do Tribunal.

Por força de dispositivo constante da Lei de Licitações, também é autuada como

representação a comunicação feita ao TCU por qualquer licitante, contratado ou pessoa física

ou jurídica, que verse sobre irregularidades na aplicação da Lei nº 8.666/93.

Além das tomadas e prestações de contas, das denúncias, consultas e representações, o

TCU dispõe da tomada de contas especial – TCE, que é uma medida de exceção, utilizada

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para identificação de responsável e quantificação de dano ao Erário. As TCEs são instauradas

nas seguintes hipóteses:

- Omissão no dever de prestar contas;

- Não-comprovação de recursos repassados pela União;

- Desfalque de recursos públicos;

- Prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico;

- Determinação do TCU, para identificação do responsável e quantificação do dano.

O TCU pode julgar as contas regulares, regulares com ressalvas ou irregulares.

Quando as contas são julgadas irregulares pelo TCU, decorrem algumas implicações dentre as

seguintes:

- Condenação do responsável ao pagamento do débito;

- Possibilidade de aplicação de multa de até 100% do valor do dano;

- Cobrança judicial do débito;

- Possibilidade de aplicação de multa cujo valor limite é estabelecido em normativo

interno, revisto periodicamente;

- Inelegibilidade por cinco anos;

- Inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, por

período de cinco a oito anos;

- Inclusão no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal

– CADIN;

- Ações civis e penais, nos casos de dano ao Erário por ato de gestão ilegítimo ou

antieconômico e desfalque de recursos públicos;

- Declaração de inidoneidade para licitar com a Administração Pública Federal;

- Decretação de indisponibilidade de bens;

- Suspensão do recebimento de transferências voluntárias.

O Tribunal de Contas da União, nos seus aprofundados estudos técnicos, contribui para a melhoria da Administração Pública. Para tanto, torna disponíveis aos gestores orientações, determinações, recomendações e avaliações, com o objetivo de corrigir falhas, evitar desperdícios, melhorar a gestão e o desempenho de órgãos, entidades e programas de governo. Os dados disponíveis permitem a melhor formulação das políticas públicas, qualidade de bens e serviços, o desempenho dos controles internos, bem como o aprimoramento da legislação federal e a disseminação das melhores práticas observadas na Administração Federal. Controlar é, antes, prevenir, orientar, avaliar, recomendar melhorias, agir preventivamente, e não apenas punir. Almeja o TCU ter uma visão cada vez mais proativa da Administração, antecipando os problemas e irregularidades e evitando a sua consumação, sendo elemento imprescindível para a gestão competente (RODRIGUES, 2008).

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4.2 Resultados Recentes da Atuação do TCU

O Relatório de Atividades do Tribunal de Contas da União referente ao ano de 2007,

encaminhado ao Congresso Nacional, apresenta os principais resultados da atuação do TCU,

tanto na área administrativa quanto na área do controle das entidades públicas. No ano de

2007 o TCU aprovou 7 decisões normativas, 4 instruções normativas e 9 resoluções, além de

terem sido proferidos 9.816 acórdãos.

Os benefícios diretos ao Tesouro Nacional e aos cidadãos, decorrentes da atuação do

Tribunal, superaram R$ 5,5 bilhões. A atuação prévia do TCU, por meio da adoção de

medidas cautelares, com o objetivo de evitar grave lesão ao erário, ou a direito alheio,

envolveu a cifra de R$ 7,9 bilhões. Foram adotadas 116 medidas cautelares em 2007. Diante

desse resultado, constata-se o êxito da visão pró-ativa, preventiva, adotada pelo TCU em

relação à despesa pública, no sentido de evitar a concretização dos danos (RODRIGUES,

2008).

No exercício de 2007 o TCU condenou em débito e/ou multou 1.889 responsáveis, o

que gerou o valor de R$ 521 milhões. Além disso, o Tribunal inabilitou 130 responsáveis para

o exercício de cargo em comissão ou função de confiança na Administração Pública Federal,

e 47 empresas foram declaradas inidôneas para participar de licitações.

O Relatório destaca, entre outros temas, a atuação do TCU na fiscalização nas ações

governamentais de combate à dengue, em obras públicas e na licitação de trechos rodoviários.

Em diagnóstico sobre o combate à dengue, a equipe do tribunal comprovou que quase

50% dos municípios fiscalizados não cumprem as metas da Programação Pactuada Integrada

de Vigilância em Saúde. Foram fiscalizados nove Estados e 26 municípios brasileiros.

Também ficou comprovado que 42% dos municípios auditados não contam, ou contam de

forma precária, com plano de contingência para o enfrentamento de eventual epidemia de

dengue. O TCU fez recomendações ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, ao

Ministério da Saúde e à Casa Civil da Presidência da República, visando o aperfeiçoamento

de normas e instrumentos legais existentes.

O TCU fiscalizou 235 obras públicas custeadas pelo governo federal. Essas obras

utilizaram R$ 23,9 milhões em recursos orçamentários. O Tribunal constatou falhas e

irregularidades que deverão ser corrigidas de forma tempestiva, a fim de resguardar o

interesse da sociedade. As irregularidades identificadas, uma vez sanadas, proporcionarão aos

cofres públicos economia aproximada de R$ 950 milhões.

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Cumpre destacar, ainda, a atuação do Tribunal no acompanhamento do processo de

licitação de trechos rodoviários. Foram fiscalizados sete trechos constantes da 2ª etapa do

programa de concessões de rodovias federais, com economia de R$ 19,6 bilhões para os 25

anos de concessão. Os ajustes determinados pelo TCU reduziram o valor médio das tarifas em

cerca de 28%.

4.3 Regras/Práticas de Recursos Humanos no Tribunal de Contas da União

4.3.1 Seleção

É importante observar como se dá o processo seletivo para ingresso no TCU. Para a

investidura nos cargos de Analista de Controle Externo e de Técnico de Controle Externo, é

necessária aprovação em concurso público. Os concursos normalmente são compostos por

duas etapas. A primeira compreende um conjunto de provas objetivas e discursivas, que

possuem caráter eliminatório e classificatório. A segunda é constituída de Programa de

Formação, realizado em Brasília/DF, de caráter apenas eliminatório, ao qual são submetidos

somente os candidatos aprovados e classificados na primeira etapa do concurso.

Para o cargo de Analista de Controle Externo é necessário possuir nível superior em

qualquer área de formação, ao passo que para o de Técnico o requisito é o certificado de

conclusão de curso de nível médio (antigo segundo grau). As demais exigências que devem

ser cumpridas para a investidura nesses cargos são, via de regra, previstas nos respectivos

editais de cada concurso.

O TCU também realiza concursos públicos para o preenchimento das suas três vagas

de auditores, conforme prevê a Lei Orgânica do Tribunal, em seu artigo 77.

Art. 77. Os auditores, em número de três, serão nomeados pelo Presidente da República, dentre os cidadãos que satisfaçam os requisitos exigidos para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União, mediante concurso público de provas e títulos, observada a ordem de classificação. Parágrafo único. A comprovação do efetivo exercício por mais de dez anos de cargo da carreira de Controle Externo do Quadro de Pessoal da Secretaria do Tribunal constitui título computável para efeito do concurso a que se refere o caput deste artigo (LEI Nº 8.443/1992).

Como se vê, aqueles que investem nas carreiras de controle externo, técnicos ou

analistas, têm como suprir um dos requisitos exigidos para ocupar o cargo de auditor, exigido

nos concursos para esse cargo. É importante destacar os requisitos para que um brasileiro seja

nomeado ministro do TCU. São eles:

- ter mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

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- idoneidade moral e reputação ilibada;

- notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de

administração pública;

- contar mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional

que exija os conhecimentos mencionados acima.

Os ministros são escolhidos da seguinte forma:

- um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo

dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao

Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Plenário, segundo critérios de antigüidade

e merecimento;

- dois terços pelo Congresso Nacional.

Nas suas ausências ou impedimentos por motivo de licença, férias ou outro

afastamento legal, os ministros são substituídos, mediante convocação do Presidente do

Tribunal, pelos auditores, observada a ordem de antigüidade no cargo, ou a maior idade, no

caso de idêntica antigüidade. Caso haja vacância de cargo de ministro, em decorrência de

morte, aposentadoria, dentre outras hipóteses, o Presidente do Tribunal convoca auditor para

exercer as funções inerentes ao cargo vago, até novo preenchimento.

Existe, ainda, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União – MPTCU, o

qual é composto por um procurador-geral, três subprocuradores-gerais e quatro procuradores,

nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros bacharéis em Direito. A carreira do

MPTCU é constituída pelos cargos de subprocurador-geral e procurador, este inicial, aquele

representando o último nível da carreira. O ingresso nesta carreira se dá no cargo de

procurador, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da

Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização e observada, nas nomeações, a ordem de

classificação. A promoção ao cargo de subprocurador-geral é feita, alternadamente, por

antigüidade e merecimento.

Cumpre observar que o Presidente da República nomeia todos os ministros do TCU,

não apenas aqueles que ele indicou. Também nomeia os auditores, aprovados em concurso

público, assim como os procuradores do MPTCU.

4.3.2 Avaliação

A avaliação e a gratificação de desempenho foram implementadas no TCU mediante

ato normativo interno. O cálculo da gratificação de desempenho, rubrica que compõe o

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vencimento dos servidores do TCU, é feito ponderando-se o resultado institucional obtido

com a avaliação individual de desempenho.

Os servidores são avaliados uma vez a cada quadrimestre, com base em critérios

estabelecidos no normativo próprio. Esses critérios compreendem os fatores de qualidade, que

diz respeito à exatidão dos trabalhos a cargo do avaliado, de produção, em que é avaliada a

contribuição individual do avaliado para o alcance do resultado da unidade, e de prazo, no

qual é levada em consideração a rapidez no cumprimento das tarefas atribuídas ao avaliado.

A avaliação feita com base nesses critérios se traduz em uma nota, um valor numérico

de zero a cem que, por sua vez, compõe o cálculo da gratificação de desempenho. Portanto,

dessa forma há uma parte da remuneração dos servidores do TCU que é variável e dependente

do resultado obtido na avaliação de desempenho, a qual é revista a cada quatro meses.

4.3.3 Promoção

A Lei nº 10.356/2001 dispõe sobre o quadro de pessoal e o plano de carreira do TCU.

Em seu artigo 14, ela estabelece que o desenvolvimento do servidor, no respectivo cargo,

ocorrerá mediante progressão funcional e promoção. A primeira é a passagem do servidor

para o padrão de vencimento imediatamente superior dentro de uma mesma classe, observado

o intervalo de um ano de efetivo exercício. A segunda é a passagem do servidor do último

padrão de uma classe para o primeiro padrão da classe imediatamente superior, mediante

avaliação de desempenho e treinamento, observado o interstício mínimo de um ano de efetivo

exercício em relação à progressão imediatamente anterior.

As carreiras tanto de Analista quanto de Técnico de Controle Externo são compostas

pelas classes denominadas “A”, “B” e “ESPECIAL”, as quais são subdivididas em treze

padrões, numerados de 1 a 13. Dessa forma, quando determinado servidor passa do padrão 1

ao 2, ambos compreendidos dentro da classe “A”, diz-se que houve uma progressão funcional.

Quando, entretanto, o servidor passa do nível correspondente à classe “A”, padrão 5, para a

classe “B”, padrão 6, diz-se que houve promoção.

Não devem ser confundidas a promoção e a progressão funcional com a ocupação de

funções comissionadas. No TCU existem funções que são especialmente designadas a pessoas

determinadas, as quais são nomeadas especificamente para aquela função. Em razão disso,

recebem, enquanto desempenharem esse papel, um acréscimo em suas remunerações,

denominado função comissionada. Trata-se de uma situação precária, pois o responsável pelo

preenchimento de cada uma das vagas existentes é livre para nomear pessoas e para exonerar

ocupantes da função.

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4.3.4 Desligamento

A Constituição Federal prevê, em seu artigo 41, que os servidores nomeados para

cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público são estáveis após três anos de

efetivo exercício. O parágrafo primeiro desse artigo estabelece que o servidor público estável

só perderá o cargo: em virtude de sentença judicial transitada em julgado; mediante processo

administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; ou mediante procedimento de

avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

Além de estarem sob a tutela da Carta Magna, os servidores do TCU encontram-se sob

os ditames da Lei nº 8.112/1990, a qual dispõe sobre o regime jurídico dos servidores

públicos civis da União, das Autarquias e das fundações públicas federais. Uma das

penalidades disciplinares previstas na referida Lei é a demissão, ao lado da advertência,

suspensão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e

destituição de função comissionada.

Como no presente trabalho tratamos essencialmente de ocupantes de cargos efetivos,

não em comissão, vamos nos ater às possibilidades de demissão, previstas no art. 132 da Lei

nº 8.112/1990.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: I - crime contra a administração pública; II - abandono de cargo; III - inassiduidade habitual; IV - improbidade administrativa; V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; VI - insubordinação grave em serviço; VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos; IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI - corrupção; XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117 (LEI Nº 8.112/1990).

No que diz respeito a este último item, o artigo 117 versa sobre as proibições dos

servidores. Os incisos IX a XVI estão transcritos abaixo.

Art. 117. Ao servidor é proibido: ... IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; X - participar de gerência ou administração de empresa privada, sociedade civil, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação do capital social, sendo-lhe vedado exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;

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XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro; XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas; XV - proceder de forma desidiosa; XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares (LEI Nº 8.112/1990).

Portanto, essas são as possibilidades de demissão existentes, previstas na Lei nº

8.112/1990, lembrando que os preceitos constitucionais, mencionados no início deste tópico,

têm necessariamente que ser respeitados.

4.3.5 Aposentadoria

Conforme estabelecido no artigo 40 da Constituição Federal, a cujas regras os

servidores do TCU estão subordinados, os servidores serão aposentados:

- por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de

contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou

doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;

- compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao

tempo de contribuição;

- voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo

exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a

aposentadoria, observadas as seguintes condições:

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e

cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;

b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se

mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

A Constituição prevê para o servidor que complete as exigências para aposentadoria

voluntária estabelecida no item “a”, acima, e que opte por permanecer em atividade, o

recebimento de um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição

previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória.

Os proventos de aposentadoria de servidores inativos do TCU são reajustados

concomitantemente com os reajustes conferidos à remuneração dos servidores ativos.

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5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados são aqui discutidos à luz do referencial teórico levantado e trazido para

esta dissertação. As entrevistas transcritas foram categorizadas em 16 (dezesseis) códigos no

software Atlas Ti. 4.2. Esses códigos, ou categorias, foram criados após leitura das entrevistas

transcritas e constatação de que designariam de forma adequada os trechos das entrevistas que

classificamos dentro de cada um deles. De acordo com Creswell (1998), os códigos que

apresentam maior incidência de citações tendem a ser os mais relevantes para a análise da

questão em estudo. Os códigos mais densos encontrados no nosso estudo foram os seguintes:

- Significado do Trabalho;

- Críticas ao TCU;

- Regras do Serviço Público;

- Satisfação Intrínseca;

- Mudanças no TCU e/ou no Controle Externo;

- Estruturação Temporal do Dia de Trabalho;

- Desenvolvimento Pessoal;

- Planos para a Aposentadoria; e

- Teletrabalho.

Além desses, relacionamos abaixo os demais códigos utilizados na categorização das

entrevistas:

- Relação com outras Gerações;

- Valorização da Experiência;

- Trabalho Próximo da Aposentadoria;

- Relação com a Tecnologia;

- Entrada no TCU;

- Trajetória Profissional antes do TCU; e

- Orgulho de ser Mulher à Frente de seu Tempo.

Não causou surpresa o código “Significado do Trabalho”, acompanhado daqueles

específicos ao TCU, nosso estudo de caso, e das regras do serviço público, setor a que

pertence a organização analisada e, conseqüentemente, onde estão inseridos os entrevistados,

terem sido os mais utilizados ao categorizarmos os textos das entrevistas efetuadas. Essa

delimitação permitiu seccionar a análise nos tópicos a seguir apresentados.

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5.1 Significado do Trabalho

Nas entrevistas, ao serem perguntados acerca de qual seria, para eles, o significado do

trabalho, buscávamos constatar se a percepção dos entrevistados sobre o que representa o

trabalho em suas vidas estava de acordo com o que aponta a literatura sobre este ponto,

trazida para o presente estudo.

Peiró e Prieto (1996a) defendem que o trabalho é um dos pilares nos quais a atual

sociedade se assenta. Corrobora com este ponto de vista a grande quantidade de tempo gasto

pelas pessoas com as suas atividades laborais. Foi mencionado pelos entrevistados que as suas

vidas são estruturadas em torno do trabalho.

Há casos de pessoas que, além das atividades inerentes ao TCU, desempenham outras,

em outros locais, também de cunho laboral. Essas outras atividades, ou outros trabalhos, são

usualmente considerados “extras”, de certa forma secundários em relação ao emprego no

TCU.

Um dos entrevistados, por exemplo, mencionou que levanta cedo para estudar ou para

escrever artigos. Ele denomina essas atividades de “particulares”, deixando clara a separação

entre estas e o trabalho no TCU. De qualquer forma, resta claro que o trabalho funciona como

uma espécie de núcleo em torno do qual orbitam as outras atividades desempenhadas pelas

pessoas. Nossas entrevistas sugerem que as pessoas procuram estruturar seus horários em

função do horário do trabalho.

... Portanto venho cedo para cá, saio para almoçar 12:00 e fico entre uma hora e meia e duas horas almoçando. Às vezes vou ao escritório onde trabalham meu sócio e minha filha, faço alguma coisa que seja necessária, e volto para o Tribunal. Fico trabalhando até à noite, quando pego a minha mulher e vamos para casa. (Entrevistado 1)

Eu acho que tudo ocorre em torno do trabalho. (Entrevistado 6)

A literatura aponta que o nível educacional, a etnia, o lugar de procedência e a religião

influenciam na percepção do trabalho e sua importância (WEISS e KAHN, 1960 apud PEIRÓ

e PRIETO, 1996a). Destacamos, dentre esses fatores, o nível educacional, pois os servidores

do TCU entrevistados possuem, todos, nível educacional que pode ser considerado elevado,

com grande quantidade de anos de estudo, apesar de haver particularidades que os diferem.

As constatações estão em linha com o que a literatura propõe, tendo em vista que

todos os entrevistados demonstraram que o trabalho possui grande importância em suas vidas.

Ele é visto como um fator a conferir independência às pessoas. Houve uma entrevistada que

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afirmou não depender de ninguém justamente por causa do seu trabalho. Ficou latente a

satisfação, a sensação de liberdade, enfim, todo um lado positivo que o trabalho proporciona

aos entrevistados.

Possivelmente este grau de independência também pode estar relacionado ao fato de as

pessoas entrevistadas serem concursadas, ou seja, possuidoras de um cargo público efetivo,

conquistado. Pode contribuir, ainda, para essa constatação, o fato de não existir no TCU um

histórico de demissões. Não é comum que funcionários sejam demitidos pelo órgão, o que

também lhes confere segurança. Se estivessem na iniciativa privada talvez sua percepção

pudesse ser diferente da que apuramos.

Pudemos constatar, também, que o trabalho representa, para os entrevistados,

realização pessoal e profissional, o prazer, a gratificação de a pessoa se sentir útil, bem como

crescimento, dinheiro, e até mesmo poder. As alegações surgidas nas entrevistas sugerem que

os funcionários mais experientes do TCU têm uma percepção bastante positiva do trabalho.

O trabalho, para mim, significa realização. Eu acho que o indivíduo se realiza basicamente em duas vertentes: 1) na individual, que é o trabalho. Não é o trabalho. É a realização pessoal, que normalmente está vinculada ao trabalho; e 2) na familiar. (Entrevistado 2) Eu acho o trabalho fundamental. Eu não consigo entender uma vida sem trabalho. Eu acho que o trabalho é uma coisa legal. Se eu fosse muito rica e vivesse viajando, acho que só isso não seria suficiente. Eu acho que se fosse muito rica e vivesse viajando, abrisse uma escola para crianças pobres, sei lá, fizesse alguma coisa de útil para os outros, aí eu acho que está tudo bem. Mas você ficar só gratificando, só se gratificando, só no ócio, só no lazer, eu não consigo imaginar. Não sei, mas eu não consigo imaginar a vida sem trabalho... sem esse cotidiano. Às vezes estressa, mas eu acho que é uma coisa importante para o ser humano. (Entrevistada 8) Eu gosto do meu trabalho no TCU. Aqui eu tenho oportunidade de aprender muita coisa de vários ramos de conhecimento diferentes. Isso é uma coisa que acho interessante. Tem o aspecto de me sentir tipo caçador de andróide, caçador de corrupto... Se sentir útil de alguma forma, tentar desvendar alguma maracutaia dessas. Muito embora nem sempre os resultados acabem se tornando no final aquilo que a gente queria, mas pelo menos eu dei a minha parte de contribuição. Isso eu gosto. (Entrevistado 4)

Não foi possível concluir, do que apuramos na literatura, pela existência de uma

relação direta entre nível educacional e percepção de importância do trabalho, do tipo, quanto

maior um, maior o outro. Apesar disso, pelo fato de todos os entrevistados terem formação de

nível superior, alguns com pós-graduações, associado ao trabalho que desenvolvem, de cunho

eminentemente intelectual, é possível imaginar a proposição de uma relação do tipo: a

percepção quanto à relevância do trabalho desempenhado é maior quanto maior for o nível

educacional do trabalhador.

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Cynthia Sarti (2005) aprofunda essa questão, afirmando que o trabalho está no centro

da vida das pessoas. Todos os demais ramos da vida dos indivíduos giram em torno, e em

função, do trabalho. A autora faz uma distinção entre a percepção do trabalho como um

direito ou como um dever. Ela defende que os trabalhadores de menor nível hierárquico,

basicamente o operariado, acabam por perceber o trabalho como um direito, enquanto os altos

executivos o encaram como um dever.

Conforme se constata do capítulo que abrange a organização do TCU, não há grande

diversidade hierárquica no âmbito da Corte Brasileira de Contas. Mesmo assim, procurando

enquadrar os entrevistados nos tipos profissionais citados por Cynthia Sarti (2005),

concluímos que eles, embora não sejam, de fato, altos executivos, até mesmo porque este

termo é mais comumente utilizado na iniciativa privada, estão mais próximos destes (altos

executivos) do que do operariado, em uma virtual escala.

Comparando as diferentes respostas dos entrevistados, percebemos que, realmente,

suas percepções acerca do trabalho indicam que eles enxergam o trabalho mais como um

dever do que como um direito. Embora as entrevistas tenham abordado a questão dos direitos

inerentes e peculiares aos servidores públicos, entendemos que os entrevistados têm grande

senso de dever, de ter que cumprir um importante papel perante a sociedade.

Você pega um jornal e vê que um trabalho que você fez está dando resultado... É gratificante. E é uma decepção quando você vê que o que fez não foi adiante. (Entrevistada 3)

Portanto, mesmo não havendo diferenças hierárquicas entre os entrevistados, até pelo

fato de a organização estudada enquadrar a maior parte de seus profissionais em uma mesma

escala hierárquica, nos sentimos confortáveis para posicionar os servidores públicos objeto do

presente estudo de caso no rol daqueles que, conforme preconiza Cynthia Sarti (2005),

percebem o trabalho mais como um dever do que como um direito. Há que se considerar que

talvez isso decorra, também, do fato de que o direito ao trabalho já lhes tinha sido assegurado

por serem concursados.

Ainda quanto a este tema, Bastos, Pinho e Costa (1995) sugerem que o trabalho é mais

fortemente compreendido como um direito do que como uma obrigação ou dever do indivíduo

para com a sociedade.

Novamente, afirmamos que a nossa pesquisa não se alinha com esta consideração.

Restou bastante claro que os entrevistados possuem forte senso de obrigação perante a

sociedade. Para a maior parte dos entrevistados, é justamente a sociedade a maior beneficiária

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dos trabalhos desenvolvidos pelo TCU. Inclusive, esse benefício à sociedade é explicitamente

mencionado nas entrevistas. Ficou patente a percepção do trabalho como um dever para os

entrevistados.

... o recurso [público], quando bem aplicado, a sociedade é beneficiada. Então, essa constante verificação de como está essa aplicação, é importante. O Tribunal acaba sendo importante, de uma forma indireta, para a sociedade, porque você olha as coisas por ela; aponta as coisas por ela. E, mesmo que não tenha um retorno imediato, você, de alguma forma, busca corrigir para que a sociedade tenha aquilo; tenha o recurso aplicado a seu favor. É por isso que existe imposto; você arrecada para poder fazer por um todo. Então ele tem que estar bem aplicado. (Entrevistada 11)

Das análises das entrevistas, praticamente não se percebe a menção do trabalho como

sendo algo associado à noção de sacrifício, carga, esforço, sofrimento. É claro que há

menções às dificuldades do dia-a-dia, à questão do estresse das grandes cidades, do ir e vir, da

carga horária, mas não verificamos uma conotação extremamente negativa para o trabalho,

conforme sugerem Bastos, Pinho e Costa (1995).

Tampouco foi constatado o caráter disfuncional, advindo da prática de atividades

monótonas, desinteressantes e repetitivas, conforme proposto por Dejours, Abdoucheli e Jayet

(2004). Para estes autores a sensação de impotência dos trabalhadores com relação ao rumo

dos seus trabalhos, à invariabilidade de tarefas, representa ameaças à saúde do trabalhador. O

trabalho, segundo este ponto de vista, deteriora a saúde do trabalhador, o envelhece, torna-se

um gerador de doenças.

Quanto ao ponto levantado no parágrafo anterior, a diversidade de trabalhos foi

apontada pelos entrevistados como um fator positivo de suas atividades laborais, portanto,

está descartada a hipótese de monotonia, de invariabilidade de tarefas e atividades. Há

menções aos diferentes tipos de trabalhos desempenhados no âmbito do TCU, a exemplo de

auditorias de diferentes tipos, instrução de processos, dentre outros. Além disso, essas

atividades diversas versam sobre assuntos variados, de diferentes áreas, o que, segundo foi

apontado, torna a atividade bastante interessante.

Você pode dizer que o trabalho do Tribunal é tudo, menos monótono. Ele te dá oportunidade de conhecer muito sobre a realidade do país. Uma hora você está trabalhando numa empresa, como a Petrobras, outra hora você está numa empresa de navegação, ou então lidando com a merenda escolar... Então, eu acho o trabalho do Tribunal gratificante por essa diversidade que ele proporciona, de conhecimentos, de você estar cada hora em um lugar. (Entrevistado 6)

Entretanto, ainda contemplando Dejours, Abdoucheli e Jayet (2004), notamos que os

entrevistados sentem-se, de certa forma, incapazes de determinar o rumo que é dado aos

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trabalhos em que participam, a partir do momento em que os mesmos saem de suas mãos para

seguir os passos seguintes dentro do Tribunal. Eles afirmam que fazem o melhor trabalho

possível, sempre de acordo com as apurações e evidências coletadas, mas nem sempre suas

propostas são acolhidas pelas autoridades julgadoras.

Alguns mencionam que o desenrolar de trabalhos por eles iniciados, ou de que tenham

participado, é motivo de descontentamento, especialmente naqueles casos em que há

interferências políticas nas conclusões advindas de avaliações exclusivamente técnicas,

alterando o andamento proposto.

... Outra coisa que me incomoda é quando a gente faz um trabalho bem feito e ele bate em Brasília, a gente não sabe exatamente o porquê, se por influência, ou conhecimento, eles pegam e mudam o curso da coisa... A parte política, realmente, eu não gosto. (Entrevistada 7)

Apesar disso, não entendemos que a sensação vivenciada pelos servidores ultrapasse a

insatisfação, o descontentamento. Não vislumbramos a possibilidade do surgimento de

doenças, físicas ou psíquicas, decorrentes desta falta de ingerência sobre o que virá a ser

decidido.

Mais um ponto a respeito do significado do trabalho que cumpre considerar nessa

análise é o que diz respeito à abordagem moderna mencionada por Peiró e Prieto (1996a), em

que se constata ser o trabalho uma atividade valorada intrinsecamente, e não apenas em

termos dos benefícios econômicos obtidos por seu intermédio.

De fato, nossa pesquisa constatou que os servidores públicos entrevistados percebem

um valor intrínseco elevado nas suas atividades. Eles mencionam estarem constantemente se

desenvolvendo em função das atividades desempenhadas, se aprimorando, aprendendo,

conforme será tratado mais à frente. Além disso, ficou evidente que o aspecto de atendimento

aos interesses da sociedade, da coletividade, inerente às suas atividades, lhes proporciona uma

satisfação descolada de benefícios econômicos (remuneração) auferidos.

5.2 O Trabalho como Fonte de Oportunidade para Interações e Contatos Sociais

Harpaz (2002) identificou que a insatisfação dos trabalhadores com relação ao

ambiente de trabalho é um dos motivos que levam as pessoas a parar de trabalhar em

determinada organização. Em empresas muito grandes, com muitos departamentos, ou até

mesmo com plantas em diferentes localidades geográficas, a insatisfação com o ambiente de

trabalho pode ser sanada dentro da própria instituição, com a mudança de local de trabalho.

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No caso do TCU, existem diferentes situações possíveis. Para aqueles que trabalham

na sede do órgão, em Brasília, há diversos locais de trabalho, em vários departamentos. As

atividades, também, mudam consideravelmente de um tipo de trabalho para outro, dentro do

Tribunal. Portanto, é perfeitamente possível trocar de ambiente de trabalho sem ter que mudar

de organização.

Por outro lado, aqueles servidores que trabalham em Secretarias nos estados, têm um

ambiente de trabalho bem mais restrito. A não ser que o servidor opte por mudar de Secretaria

estadual, ou resolva mover-se para a sede, há forte tendência a que as mesmas pessoas

convivam por muitos anos entre si, pois a mobilidade ocorre apenas entre diferentes setores

dentro daquela unidade técnica (Secretaria).

Os entrevistados, todos com grande experiência, vivenciaram diferentes situações no

ambiente de trabalho. Algumas mudanças, entrada de gente nova, embora em pequena escala,

convivência com pessoas de diferentes gerações, enfim, vantagens e desvantagens advindas

das trocas interpessoais. Entretanto, eles têm muitos anos de convívio entre si no ambiente de

trabalho e também fora dele, assim como com a maior parte dos demais colegas da Secretaria.

Trata-se de um círculo relativamente pequeno de pessoas, mas queremos chamar atenção para

o fato de esse círculo ser formado praticamente pelas mesmas pessoas por longo período de

tempo.

Portanto, a questão desse convívio com os mesmos colegas por muitos anos não

significa que as trocas sociais não existam, mas é certo que elas se resumem a um grupo

delimitado de pessoas. Essa convivência com as mesmas pessoas por muito tempo pode ser

positiva, caso haja bom entrosamento, mas também pode ser algo complicado, caso contrário,

pois é inevitável o contato entre pessoas que eventualmente não se harmonizam em um

ambiente fisicamente restrito.

Até aqui narramos o que poderia ser chamado de o lado problemático do convívio no

ambiente de trabalho. Mas existem as vantagens advindas da convivência. Fraser e Gold

(2001) verificaram que tradutores freelancers, que desenvolvem um trabalho cuja

característica é preponderantemente individual, procuram outras atividades laborais não

apenas em busca de maiores ganhos financeiros, mas para ter contato com outras pessoas.

Os autores defendem que este não seria o único motivo para esse tipo de profissional

buscar outras atividades. Segundo eles, os tradutores freelancers procuram praticar outras

atividades, em meios diferentes, para poderem ser vistos; eles buscam o reconhecimento

social.

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Para Rosenfield (2004), o trabalho serve de integração e de laço social devido à

exclusão que representa o não-trabalhar. Aquelas pessoas que não trabalham ficam, de certa

forma, alijadas de muitas novidades que colegas de trabalho acabam por comentar ou

apresentar.

Uma outra questão que tratamos agora refere-se ao conflito entre gerações. Antes de

comentarmos a esse respeito, cumpre tecer observação a respeito da freqüência de concursos

públicos para ingresso no TCU nos últimos anos. Até o início da década de 2000, os

concursos ocorreram de forma espaçada, às vezes com muitos anos de intervalo entre uma

seleção e a seguinte. Apenas nesta última década a freqüência tem sido maior. A partir de

2004, com a aprovação de uma lei ampliando o quadro do TCU em mais 600 analistas, tem

havido concursos todos os anos, visando ao preenchimento dessas novas vagas, bem como

daquelas que surgem com a aposentadoria de servidores. De fato, nos últimos cinco anos, o

TCU recebeu grande quantidade de novos funcionários, cabendo salientar que a quase

totalidade desses fica lotada em Brasília, na sede do órgão. Daí constata-se que os

entrevistados, pelo fato de terem ingressado no TCU em uma época de menor freqüência de

concursos públicos, bem como por estarem lotados em uma unidade fora da sede, têm pouco

contato com novos grupos de pessoas.

Retomando a questão dos conflitos entre gerações, a maior parte dos entrevistados, ao

questionarmos se percebiam, ou perceberam, ao longo de suas trajetórias profissionais, tais

conflitos, respondeu não ter passado por situações conflituosas devido, em especial, a

diferenças de idade, no TCU. Entretanto, apesar de as respostas indicarem isso, identificamos

em algumas falas que há, de certa forma, algum tipo de formação de juízo de valor em relação

a grupos de pessoas mais velhas ou mais novas. Ou seja, foi possível perceber que há, em

alguns casos, afirmações do tipo: os mais velhos fazem tal coisa, ou, os mais novos agem de

certa forma, em que pesem as afirmações quanto à inexistência de dificuldades de

relacionamento com pessoas de diferentes idades ou gerações.

Eu acho que na geração mais velha tem uma acomodação maior. Até porque os mais novos já entram pensando, talvez, um pouco mais na sua carreira, enquanto os mais velhos estão em uma situação que já não têm muito mais como progredir na carreira, não têm muito incentivo. (Entrevistado 4)

Apesar de as falas de alguns entrevistados demonstrarem que gerações antigas e novas

são vistas de maneiras diferentes, foi amplamente mencionado o fato de a convivência no

ambiente de trabalho ser de grande valia devido às trocas que existem entre as pessoas e ao

contato social.

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Inevitavelmente os funcionários acabam por compartilhar suas diferentes experiências

de vida e, em muitos casos, o convívio extrapola as fronteiras do ambiente de trabalho. Os

trabalhadores se encontram em eventos sociais, reuniões, acabando por haver contato,

também, entre as respectivas famílias. Esse contato fora do trabalho e a relativa baixa

mobilidade possivelmente contribuem positivamente para a percepção de ausência de

conflitos. Vislumbramos, também, a característica de trabalho preponderantemente individual,

com grande independência entre as atividades executadas pelas pessoas, como outra

possibilidade para a percepção nesse sentido, de ausência de conflitos.

Às vezes você nota algumas disputas, mas eu acho que é um tanto quanto natural. Mas, com o tempo, as coisas vão se acomodando. É importante ter no ambiente de trabalho gente nova, com novas idéias. E também pessoas antigas, com alguma experiência, que possam trocar. Isso tudo em benefício da própria sociedade. (Entrevistado 12)

Quando abordamos nas entrevistas a questão do teletrabalho, assunto a ser explorado

no próximo ponto, à frente, houve opiniões divergentes quanto à sua aceitação, caso

implantado. A maioria dos entrevistados se posicionou de forma favorável à adoção do

teletrabalho, apesar de algumas opiniões, de certa forma, divergentes. Um dos motivos

mencionados como mais importantes por aqueles que não são abertamente favoráveis à

implantação do trabalho remoto, tem a ver justamente com a ausência de contato interpessoal

que daí decorre. Ou seja, esses entrevistados deixaram clara a importância que dão à

convivência com colegas de que desfrutam no ambiente de trabalho.

Constatamos que há de fato muitas trocas de conhecimento entre os funcionários do

TCU. Discussões sobre aplicação de dispositivos legais, sobre a melhor opção a ser adotada

como solução para casos diversos que surgem para serem analisados, compartilhamento de

informações técnicas, tudo isso acontece com naturalidade no ambiente de trabalho dos

entrevistados, mesmo sem haver interdependência entre a maior parte das tarefas

desempenhadas. Imaginamos que uma eventual adoção do teletrabalho no TCU reduzirá o

contato pessoal atualmente existente entre os funcionários. Entretanto, somos de opinião que

este fator não deve ser considerado suficiente para que se desconsidere a opção pelo

teletrabalho, haja vista a existência de diversas ferramentas de tecnologia disponíveis que,

caso utilizadas, manteriam as pessoas conectadas, obviamente em um ambiente virtual. Os

contatos pessoais ficariam restritos a trabalhos em grupo, reuniões, etc, deixando de fazer

parte do dia-a-dia dos funcionários.

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Assim, entendemos que a administração do Tribunal, caso almeje promover mudanças

que tenham como conseqüência a redução das interações entre os funcionários, deve levar em

consideração os cenários de perdas e ganhos que advirão, posto que, sob o ponto de vista de

parte de seus funcionários, os contatos pessoais do trabalho são de grande importância e

trazem benefícios para os resultados da instituição.

5.3 O Trabalho como Estruturador do Tempo

Neste item discute-se o papel do trabalho como estruturador do tempo das pessoas. De

acordo com as conclusões das pesquisas de Tonelli e Pliopas (2007), o ócio, não trabalhar,

não faz sentido. Na mesma linha, Peiró e Prieto (1996a) asseveram que o trabalho tem papel

dominante na estruturação do tempo das pessoas, ou seja, os seus demais hábitos, as suas

outras atividades, têm seus horários determinados pelo horário do trabalho. Ainda segundo os

autores, o trabalho é responsável por estruturar o dia, a semana, até mesmo o ciclo vital das

pessoas.

A nossa pesquisa questionou os entrevistados acerca de como estruturam o seu dia-a-

dia, perguntando como eles se programam, se organizam, que outras atividades, além de

trabalhar, desempenham, como dividem os horários. Ficou evidente que o trabalho no TCU é

a principal atividade dentro da rotina dos entrevistados. De modo geral, as demais atividades

vêm a reboque do trabalho no Tribunal de Contas. Salvo uma exceção, em que as obrigações

familiares determinam como é dividido o tempo de cada dia; nesse caso, o trabalho se amolda

às demandas da família do funcionário.

Neste ponto, cumpre explicar como é o funcionamento do Tribunal de Contas da

União no que tange à cobrança de horários, ou seja, o quanto de presença física é exigido dos

seus servidores. Nos acessos às instalações do Tribunal, existem catracas eletrônicas, por onde

a passagem é obrigatória na entrada e na saída. Os servidores aproximam os seus crachás

dessas catracas e, automaticamente, é feito o registro eletrônico da sua entrada ou saída no

local de trabalho.

Os registros são válidos se efetuados entre 08:00 e 20:00. É demandado dos servidores

o cumprimento de uma jornada semanal de 35 horas, o que resulta em uma carga horária de 7

horas de trabalho por dia. O regime é de banco de horas. Portanto, é possível acumular horas e

utilizá-las dentro desse esquema de flexibilidade existente. Entre 08:00 e 20:00, os servidores

se organizam para cumprir as suas 7 horas diárias de trabalho, da maneira que lhes for mais

conveniente, porém, em harmonia, também, com as demandas particulares de cada setor.

Apenas para exemplificar, se em um determinado dia o servidor registra 8 horas de

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permanência no ambiente de trabalho, isso significa que em outro dia bastará que permaneça

6 horas.

Existem servidores que ocupam funções comissionadas, ou seja, exercem alguma

função específica e, por isso, recebem um acréscimo em suas remunerações, em relação à

maioria de funcionários, não ocupantes de funções comissionadas. Os casos mais comuns nas

secretarias da área fim do TCU são os de ocupantes dos cargos de Diretor e Secretário. Todos

esses, chamados no jargão da Corte de “comissionados”, estão sob o mesmo regime de

funcionamento e de registro de horas e de utilização de banco de horas que os servidores não

comissionados, entretanto sua carga horária é de 40 horas semanais, ou 8 horas por dia.

Os ocupantes de funções comissionadas, apesar de estarem oficialmente sujeitos a uma

carga horária de apenas uma hora a mais que os não comissionados, na prática, comumente,

têm que dedicar uma quantidade de horas superior às 8 de sua carga a fim de cumprir

adequadamente suas atribuições. Evidentemente, isso influencia na condução dos demais

ramos de suas vidas.

... De 99 até o início deste ano, que foi a direção, realmente foi um caos, porque o diretor no Tribunal, nessa estrutura, é um sacerdócio. Você não tem vida pessoal, você vive para aquilo. Você esquece de pagar conta, esquece de ligar pra casa pra saber como o filho está, com febre, etc. Você esquece da tua vida, esquece de fazer compra, na tua geladeira só tem garrafa d’água, marido chega e pergunta: o que vamos comer? Vamos sair para comer fora porque não tem nada. Esqueci de fazer o supermercado, ou esqueci de deixar o dinheiro da feira. Então, realmente, meu ritmo de trabalho, minha rotina de trabalho, de 99 até este ano, foi só Tribunal. Full time. E depois você vai pra casa e não descansa. Porque de noite você está ‘processo’, você sai de férias, você fica uma semana, 15 dias, ainda, se desestressando para você poder curtir depois. Realmente é uma loucura. (Entrevistada 5)

Assim, entendido o funcionamento da Casa, torna-se mais fácil compreender por que

os entrevistados mencionaram diferentes maneiras de organização dos seus dia-a-dias. Alguns

preferem ir para o trabalho mais tarde, reservando as primeiras horas do dia para os seus

demais afazeres; outros preferem trabalhar mais cedo.

Eu tenho dois dias típicos. Um dia típico é aquele em que eu levanto cedo, vou para a quadra de tênis... jogo tênis, venho para o Tribunal, chego no Tribunal por volta de 11 horas, trabalho aqui até 7, 8 horas da noite, depois gasto uma hora e pouco para chegar em casa. Chego em casa, já estou pelas últimas, encontro minha mulher já ... as crianças se preparando para dormir, minha esposa cochilando no sofá, janto, como e durmo. Assisto alguma coisa na tevê e durmo. Esse é o dia típico um. O dia típico dois é: eu chego bem cedo no Tribunal, 8 horas, 8 e meia, e saio bem cedo também, por volta das 3 da tarde e levo meus filhos para jogar tênis. (Entrevistado 4)

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Porém, devemos notar a menção à importância do trabalho na estruturação do dia-a-

dia das pessoas. Apesar de todos terem outras atividades, outros afazeres, até mesmo outras

obrigações, o trabalho é determinante na organização do dia-a-dia rotineiro das pessoas.

Eu acho que tudo ocorre em torno do trabalho. Eu procuro estruturar em função do horário do trabalho. É isso que acontece. (Entrevistado 6)

Vale um destaque, neste ponto, quanto à satisfação que o regime flexível de horários

gera nas pessoas. Foi unânime a opinião de que o Tribunal pratica uma política de horários

praticamente perfeita. Todos demonstraram grande satisfação com a possibilidade de

organizarem o seu dia-a-dia de diferentes maneiras, sem a rigidez que maioria dos locais de

trabalho impõe. Além disso, trata-se de carga horária relativamente menor do que a da maior

parte das organizações, notadamente as privadas. Este pode, também, ser um ponto de

satisfação, especialmente no caso das pessoas mais velhas.

O horário flexível e a possibilidade de administração e uso efetivo das horas contidas

em banco de horas constituem uma situação que agrada bastante os servidores. Arriscamo-

nos, inclusive, a colocar esta situação como sendo um fator que funciona como motivador dos

funcionários da Corte de Contas.

Bem, tenho uma carga horária de 7 horas de trabalho por dia. Dentro disso, há flexibilidade. Ou seja, posso cumprir essa carga de diferentes maneiras ao longo do dia. E ainda posso compensar um dia que trabalhe menos tempo com outro em que trabalhe mais. Essa flexibilidade é boa. Com essa configuração posso esquematizar o meu dia. (Entrevistado 1)

Essa constatação está em linha com o que encontramos na literatura a respeito do que

os autores chamam de conflito trabalho-família. Dado que a quantidade de horas disponível é

limitada, diferentes demandas têm que estar compreendidas e serem satisfeitas nesse tempo.

Quer sejam de cunho familiar, quer sejam laborais. Justamente a flexibilidade disponibilizada

pelo TCU para o cumprimento da jornada de trabalho é a responsável por minimizar as

situações de conflito entre trabalho e família, tendo em vista que o tempo de dedicação ao

trabalho pode ser adaptado às necessidades familiares. A literatura defende que quanto mais

inflexível é o horário de um empregado, menor capacidade ele tem de cumprir as suas

demandas de origem familiar e, portanto, maior será o conflito trabalho-família (HERMAN e

GYLLSTROM, 1977; KEITH e SCHAFER, 1980; PLECK et al., 1980 apud PEIRÓ e

PRIETO, 1996b).

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Seguindo nas análises quanto a este ponto, a literatura sugere que o trabalho não

estrutura o tempo apenas em relação ao cotidiano. Algumas etapas da vida das pessoas são

caracterizadas em função de diferentes momentos vividos no trabalho, aí incluído o período

vivido antes da fase de trabalho, com estudos, preparação para o trabalho. É possível dividir a

vida em três fases: estudo, trabalho e aposentadoria (QUINTANILLA e WILPERT, 1988

apud BASTOS, PINHO e COSTA, 1995).

Os dados coletados nas entrevistas efetuadas sugerem que, realmente, o trabalho é

central não apenas no que tange ao dia-a-dia, mas também no que diz respeito às várias fases

da vida. Os entrevistados tiveram uma etapa de preparação, anterior às suas respectivas

entradas no TCU. Depois, ingressaram no órgão e, o próximo passo representativo de suas

vidas, novamente estará intimamente ligado ao trabalho, que será a aposentadoria.

Essa constatação não é válida apenas para os casos em que o TCU foi o único

emprego, ou praticamente o primeiro, como foi verificado em alguns casos. Ela também foi

constatada nas situações de pessoas que tiveram experiências de trabalho, por períodos de

tempo maiores, anteriormente ao ingresso no TCU. Suas histórias de vida são, em grande

parte, narradas em função dos empregos pelos quais passaram, o que fizeram, o que faziam

antes. O marco temporal usualmente é o trabalho.

Avançando no levantamento da literatura efetuado, Peiró e Prieto (1996b) definem

tempo livre como o tempo em que não se trabalha. Já Kabanoff (1980 apud PEIRÓ e

PRIETO, 1996b), como um conjunto de atividades que o indivíduo desempenha fora do seu

contexto de trabalho.

Os entrevistados mencionam seus tempos sem trabalho exatamente como a literatura

propõe, ou seja, como tempo livre. Eles, de fato, consideram que têm como tempo livre

justamente aquele período em que não estão dedicados às suas atividades laborais. Inclusive, a

administração desse tempo livre é algo que preocupa parte dos entrevistados. Alguns já

utilizam esse tempo como uma espécie de ensaio, de preparo, para o que será a aposentadoria,

que se avizinha. Uma entrevistada, falando de conhecidos já aposentados, demonstra a

diferença de ocupação dos tempos por quem trabalha e por quem não trabalha. Para ela, o

trabalho torna o dia-a-dia mais organizado, ajudando a criar uma rotina. Na sua opinião,

aqueles que trabalham comumente acabam encontrando mais tempo do que aqueles que não

trabalham, para desempenharem atividades.

Têm menos tempo do que eu para fazer as coisas. Não sei como eles conseguem. É uma coisa absurda; conseguem ser ocupados mais do que a gente, que trabalha. Porque quem trabalha, tem uma coisa, você tem rotina. Então, o nosso dia é curto,

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mas é bem rotineiro. Vai para a academia, vai para o trabalho... Quem não tem mais a obrigação, é muito livre, mas aí o que acontece? Começa a encher o dia com um monte de coisas diferentes e acaba ficando sem tempo, como a gente. A diferença é que o nosso é rotineiro; sempre a mesma coisa; aquela coisa de você, todo dia, faz tudo muito igual. Eu, para ser sincera, não sei como seria a minha vida de aposentada, não. Eu ainda não pensei nisso. (Entrevistada 10)

Para finalizar este ponto da análise, mencionamos a influência da tecnologia na

estruturação do dia-a-dia dos trabalhadores. Verificamos que os funcionários entrevistados

vivenciaram muitas mudanças em seus ambientes de trabalho em decorrência da tecnologia.

Ficou claro que a universalização da informática dentro do Tribunal trouxe ganhos

consideráveis de produtividade. Os entrevistados mencionaram que, anteriormente à

disponibilização dos computadores para cada trabalhador, as instruções de processos e os

relatórios, por eles elaborados, eram redigidos à mão, depois passados para um datilógrafo.

Um mesmo datilógrafo atendia diversas pessoas; logo, havia uma fila de textos para serem

datilografados. Uma vez datilografados, os textos eram revistos pelos seus respectivos autores

que, quando constatavam erro, era necessário refazer praticamente todo o trabalho, ou seja,

tudo tinha que ser novamente datilografado.

Com a chegada dos computadores, a figura do datilógrafo saiu de cena e cada

funcionário passou a digitar os seus próprios trabalhos. A tecnologia dos editores de texto

permite correção de erros verificados ainda na tela do computador, sem que seja necessário

refazer o trabalho de digitação. Os ganhos de produtividade relativos a esse aspecto foram

amplamente mencionados pelos entrevistados.

Eu acho que, em primeiro lugar, agilizou muito. Agilizou porque você escreve o seu relatório... Outra coisa, você faz o seu relatório, sem intermediação. Porque antes você rascunhava na mão o seu relatório, passava pro datilógrafo, ele batia; voltava pra você conferir, às vezes tinha erro, tinha que voltar pra datilografia. Esse vai-e-vem, vai-e-vem, atrasava o trabalho. Esse é o primeiro ponto. Questão de tempo. Tempo efetivo de realização do trabalho. Segundo: eu não preciso mais depender de outra pessoa para fazer o trabalho. Sou eu e o computador. Eu escrevo, eu pesquiso e, ao mesmo tempo em que eu estou escrevendo um relatório, eu tenho a facilidade de entrar no sistema, captar a legislação, jogar a legislação dentro da instrução, sem precisar escrever item por item da legislação, artigo tal. Eu jogo aquilo, formato... Eu acho que deu agilidade, economia de tempo e economia de retrabalho. Porque antes a gente trabalhava muito mais. Era um retrabalho. Conferir, consertar, voltar... Eu acho que basicamente foi agilidade. E facilidade de consulta. (Entrevistada 10)

Quando questionados acerca de sua percepção quanto à tecnologia, mais

especificamente sobre como eles lidam com a tecnologia, as respostas dos entrevistados foram

variadas. Alguns se disseram curiosos, atentos e interessados quanto às novidades. Outros se

mostraram menos abertos às inovações. Entretanto, nenhum demonstrou aversão ou bloqueio,

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o que nos faz crer que a associação, comumente feita, de funcionários experientes avessos a

inovações, sem interesse pela tecnologia, não faz sentido, pelo menos no âmbito do nosso

estudo de caso.

Embora todos os entrevistados façam uso diário de computadores e outros aparelhos

que a modernidade trouxe para o dia-a-dia, apesar de utilizarem esses equipamentos em

diferentes níveis de profundidade, foi citada a necessidade de treinamento. Quanto a esse

ponto, a instituição recebeu algumas críticas. Alguns dos entrevistados sentem-se, de certa

forma, órfãos de treinamentos que os permitam utilizar com conforto os instrumentos

disponibilizados pela organização. Eles mencionaram que precisam se desenvolver sozinhos,

sem o devido apoio institucional. Muitas vezes recorrem a colegas de trabalho visando suprir

as demandas pontuais que surgem.

A literatura sugere que o desenvolvimento da tecnologia pode levar tanto a melhorias

de desempenho, conforme visto, quanto a controles e supervisão mais rígidos sobre os

trabalhadores. Os avanços tecnológicos transformaram muitos dos papéis desempenhados

(PEIRÓ e PRIETO, 1996b).

O TCU utiliza com bastante freqüência diversos artifícios que a tecnologia coloca à

disposição, a exemplo de reuniões em que os participantes encontram-se situados em

diferentes locais, geograficamente; são as chamadas videoconferências. Essas tecnologias

permitem que não seja necessário o estabelecimento de um local físico determinado para o

desempenho das funções laborais. Essa situação pode refletir em mudanças significativas na

maneira de trabalhar, ou melhor, na organização do cotidiano dos trabalhadores.

Quando a utilização de artifícios tecnológicos deixa de ser algo eventual, como no

caso de reuniões, e torna-se mais intensivo, ela é capaz de transformar o cotidiano dos

trabalhadores. A maior parte dos entrevistados mencionou o teletrabalho como sendo uma

tendência no TCU. Eles enxergam que grande parte dos trabalhos desempenhados pelos

servidores do TCU se encaixa perfeitamente nas características do teletrabalho.

Para o nosso tipo de trabalho, ele se enquadra perfeitamente. Eu acho que justamente o horário flexível é para trabalhos intelectuais, que não exigem presença. Nosso trabalho não é presencial. É um trabalho intelectual. Então, intelectualmente, a flexibilidade é excelente, porque tem horas em que você não está como cabeça para determinada coisa, você deixa passar, vai resolver o seu problema, daqui a pouco você está pronto para fazer aquilo. Agora, existem trabalhos que são presenciais e aí não tem como. Você precisa horário. Mas o nosso, não. O nosso é justamente o contrário. Se há um trabalho que pode ser feito sem regime de horário, é o nosso. (Entrevistado 4) Produziu, acabou. Não adianta ficar preso aqui e não produzir. Se você não está bem, está com um problema em casa, enquanto você não resolver aquele problema,

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você não produz. Não adianta. Porque a cabeça não está funcionando. Você faz um parágrafo e não consegue fazer mais nada, não desenvolve. (Entrevistada 3)

Em nossa revisão de literatura, consta que o trabalho à distância (teletrabalho) permite

que alguns trabalhadores realizem seu trabalho em suas respectivas casas (PRIETO,

ZORNOZA, ORENGO e PEIRÓ, 1996 apud PEIRÓ e PRIETO, 1996b). Entretanto, é

importante notar que as relações familiares podem ser alteradas de maneira importante pelo

fato da presença em casa durante o tempo de trabalho (OLSON, 1981 apud PEIRÓ e

PRIETO, 1996b).

Os entrevistados mencionaram o fato de o trabalho desempenhado ser, em grande

parte, individual, intelectual. Dessa forma, segundo eles, torna-se desnecessário o

deslocamento até as instalações do TCU para a realização desse tipo de trabalho. Eles

apontam que essa prática, caso colocada em funcionamento, traria ganhos imediatos relativos

ao tempo de deslocamento entre casa e trabalho. Especialmente no caso de cidades grandes,

esse tempo é bastante representativo, ocupando grande parte das horas do trabalhador.

Eu sou favorável ao teletrabalho. Eu acho que a gente pode ganhar muito tempo com isso. Muitas pessoas, aqui no Rio de Janeiro, moram muito distantes daqui. Nós vivemos em uma região metropolitana. Há pessoas que moram em Niterói, em São João de Meriti. Despendem, muitas vezes, 2, 3, até 4 horas só com transporte. Isso sem contar o estresse, a violência da cidade. Eu acho que, com disciplina, responsabilidade e um bom planejamento essa experiência que vem do setor privado, do teletrabalho, poderia funcionar muito bem no Tribunal e todos poderiam ganhar. A instituição e o funcionário, o servidor. (Entrevistado 6) Sem dúvida sou favorável ao teletrabalho. Isso, por exemplo, já é praticado por muitos. Não sei se todo mundo, mas o pessoal da Receita já faz, os Fiscais do Trabalho também, os Fiscais da Previdência. Então todo esse pessoal trabalha da forma que a gente está chamando de teletrabalho. (Entrevistado 2)

Entretanto, apesar de quase todos se posicionarem favoravelmente à implantação do

teletrabalho, alguns entendem que, caso a organização realmente opte, em um futuro próximo,

por praticar o trabalho à distância, que o introduza como uma faculdade, deixando ao servidor

a opção de adotar ou não a novidade.

Como sugestão, talvez esse trabalho em casa pudesse ser feito em determinados momentos, negociando com o chefe. Não como uma rotina obrigatória. Deveria ser uma opção negociada em situações determinadas. (Entrevistado 12)

Foi unânime o entendimento de que o Tribunal já dispõe de tecnologia suficiente para

que o teletrabalho se torne uma realidade. Seriam necessários apenas pequenos ajustes em

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alguns sistemas utilizados no dia-a-dia e, obviamente, uma definição a respeito das regras que

deverão ser seguidas pelos servidores que trabalharão à distância.

Eu acho que com a tecnologia atual, que nós temos, poderíamos prescindir dessas 7 horas aqui dentro. O nosso trabalho não demanda que você esteja 7 horas por dia aqui dentro. Dá para a gente fazer... Porque a gente faz quase tudo pela Internet. (Entrevistada 10)

Por fim, cumpre registrar que, apesar de as opiniões serem amplamente favoráveis à

adoção do teletrabalho pelo TCU, com a maioria das pessoas, inclusive, afirmando que esta é

uma realidade que se aproxima a passos largos, houve algumas manifestações que requerem

discussões. As principais dizem respeito à diminuição do contato que passará a existir entre

colegas de trabalho. Segundo as alegações, esse é um ponto que tem que ser bem pensado,

pois o ambiente de trabalho compartilhado com outras pessoas proporciona não apenas um

convívio social, mas permite que haja trocas de informações e conhecimentos técnicos, como

visto no ponto anterior. Além deste, foi demonstrada preocupação com uma possível

interferência do trabalho nos assuntos de casa.

Eu acho que com o teletrabalho se perderia muito nesse aspecto de relacionamento com os colegas. Tanto em relação, digamos assim, social, psicológica, como de conhecimento. Porque, conversando com o colega, ele te dá uma dica: ah, pesquisei aqui, tem uma forma de fazer assim... Você, só por sua conta, trabalhando em casa, acho que não chegaria lá. Esse é um aspecto negativo. (Entrevistado 12)

Eu não gostaria de um trabalho em casa; eu não gosto de misturar as coisas. (Entrevistada 7)

5.4 O Trabalho como Fonte de Aprendizado e de Identidade Pessoal

As pesquisas de Tonelli e Pliopas (2007) apontaram que os indivíduos têm

preocupação com a estagnação em suas carreiras. As entrevistas realizadas nos trabalhos das

autoras indicam que os trabalhos que não proporcionam oportunidades de crescimento não

fazem sentido.

À luz do que apontam as pesquisas teóricas, as quais sugerem que subir na escala

hierárquica de determinada organização confere sentido ao trabalho, analisaremos as

colocações dos entrevistados do nosso trabalho.

Pela própria configuração da carreira do TCU, é possível perceber que a falta de

perspectiva dos funcionários com relação às suas respectivas evoluções é um dos problemas

que a Administração enfrenta. O plano de carreira do TCU prevê a entrada dos funcionários

no órgão, no primeiro nível salarial. Depois, a evolução se dá de um em um nível, até chegar-

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se ao 13°, que é o mais elevado patamar da carreira. Da forma como as coisas hoje

acontecem, em 13 anos, em média, o servidor atinge este último nível. E nele permanece.

Uma vez atingido o último nível da escala, as melhorias salariais advêm de reajustes ou de

novos planos de carreira.

Portanto, vimos, por enquanto, as possibilidades de evolução em termos de salário. Há

que se considerar, agora, a questão da evolução, de fato, na carreira. Tendo em vista que a

carreira é idêntica para todos, o que se verifica, de fato, é a ocupação, por algumas pessoas, de

cargos de livre nomeação e exoneração, em que se recebe uma função comissionada.

Ultimamente o Tribunal tem implantado a gestão por projetos; então, o comando de um

projeto pode representar, de certa forma, uma evolução na carreira, apesar de isso se dar por

tempo determinado.

Mas nos concentraremos nas funções comissionadas. Essas, apesar de não terem

qualquer caráter de perpetuidade, criam uma situação curiosa e, no nosso ponto de vista,

difícil de administrar. Muitas pessoas ocupam determinada função comissionada, por vezes,

ao longo de inúmeros anos. Entretanto, como essas funções podem ser retiradas de uma

pessoa e concedidas a outra, a qualquer momento, fica a dúvida se, de fato, os ocupantes

dessas funções evoluíram na carreira em relação aos não ocupantes. Isto por que, e aí vem a

situação curiosa que mencionamos, uma vez retirada determinada pessoa do cargo que lhe

valia a tal função comissionada, ela, em geral, volta ao ponto anterior de sua carreira, ficando

na mesma situação em que se encontra a maior parte dos servidores da Casa.

A maior parte dos entrevistados deu a entender que os ocupantes de cargos

recebedores de funções comissionadas estariam em patamar superior na carreira. Este parece

ser o entendimento entre os funcionários, em geral.

Eu sinto mais ou menos assim: a gente, que é “peão”, não sabe muito as coisas que estão acontecendo. Só o pessoal lá de cima... (Entrevistada 8)

Parece existir na instituição estudada a percepção de que ocorre uma espécie de

regressão, de “andar para trás”, no momento em que determinado ocupante de cargo

comissionado deixa de ocupá-lo e retorna à situação anterior. Isso se agrava, em nosso

entender, naqueles casos em que o funcionário ocupou esse tipo de cargo por muito tempo.

Se fizermos um paralelo com instituições privadas, verificaremos que lá também não

ocorrem evoluções indefinidas no âmbito de uma empresa. A situação narrada, de perda de

um cargo de chefia, por exemplo, muitas vezes representa a demissão no mundo privado, a

saída forçada da empresa, e não a volta a um patamar anterior. Observando sob esta ótica, a

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situação dos funcionários públicos que perdem determinadas funções de confiança é mais

confortável do que a existente nas empresas privadas, haja vista a manutenção do emprego.

A simples evolução ao longo de 13 níveis em que se recebem diferentes salários não

parece constituir uma carreira. Uma vez que a pessoa chegue ao 13° nível, qual a sua

perspectiva? Ocupar um cargo comissionado? No caso do TCU existe a peculiaridade de a

maioria dos cargos comissionados, cujas ocupações, a princípio, são a única possibilidade de

“evoluir na carreira” (entre aspas dada a transitoriedade da situação de ocupação desses

cargos), estar localizada em Brasília, na sede do Tribunal. Daí percebe-se que a situação dos

funcionários das unidades estaduais do órgão, em relação ao crescimento na carreira,

apresenta um cenário ainda mais nebuloso.

Este cenário pode ser ainda pior devido a situações particulares que se apresentam.

Usualmente a passagem de um nível do plano de carreira para o seguinte se dá com o simples

passar dos anos. Teoricamente, após cerca de 13 anos de ingresso no órgão, o funcionário

atinge o nível mais elevado da carreira. Porém, há casos em que este prazo foi reduzido, por

diferentes motivos.

Uma coisa que eu senti, no meio do caminho, não que tenha me deixado mais relapsa, mas que tenha dado uma esfriada, foi ter chegado ao final de carreira em apenas 3 anos... (Entrevistada 7)

Neste ponto, cogitamos propor algum tipo de recomendação à administração do órgão

estudado, no sentido de procurar encontrar uma situação que se demonstrasse mais

desafiadora para os funcionários. Contudo, notamos que o problema da evolução dos

trabalhadores ao longo da carreira é uma questão cuja solução está longe de ter uma espécie

de fórmula conhecida que satisfaça a todos, não apenas nas instituições públicas, mas também

nas privadas. Surge como uma tarefa difícil gerenciar as expectativas das pessoas.

Passamos, neste momento a analisar as constatações que dizem respeito ao trabalho

como fonte de identidade pessoal. Buscamos na literatura a referência de que o local de

trabalho acaba por traduzir, em alguns casos, a identidade da pessoa. Tonelli e Pliopas (2007)

afirmam que as pessoas que se apresentam e colocam a empresa onde trabalham como uma

espécie de complemento aos seus nomes, usualmente têm grande identificação com a

empresa.

Percebemos, entre os entrevistados, a existência do sentimento de orgulho por

pertencerem ao TCU. Em algumas entrevistas isso ficou mais claro. Em outras, a menção não

foi tão explícita. Porém, praticamente todos demonstraram que percebem muito valor no

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trabalho do órgão. Os entrevistados entendem que o Tribunal de Contas da União presta um

serviço de suma importância para a sociedade, ao zelar pela qualidade na aplicação dos

recursos públicos, pertencentes à coletividade.

Eu acho que hoje o Tribunal, em resumo, é uma instituição de controle de qualidade do gasto público. Ele vem se aprimorando cada vez mais com relação a isso. O trabalho que a gente faz é cada vez mais de controle de qualidade. Como o recurso público está sendo empregado. A gente não está só preocupado com a ilegalidade, a malversação. Isso também é atribuição do Tribunal. Mas eu vejo cada vez mais nos nossos trabalhos uma preocupação em como o recurso público está sendo empregado, em termos de eficiência, eficácia, e tudo mais. Então eu vejo o Tribunal hoje como um órgão que realiza o controle de qualidade do gasto público. (Entrevistado 6)

É possível inferir que, diante dessa percepção, há identificação dessas pessoas com o

órgão. É curioso notar algumas menções feitas por entrevistados de que sequer conheciam o

TCU antes de ingressarem na instituição. Até mesmo pessoas que entraram pensando em sair,

mas acabaram não saindo, enxergam da mesma forma o trabalho desenvolvido. Ou seja,

percebem grande valor nos trabalhos da instituição.

Em nossa revisão de literatura, propusemos que se relacionasse a identidade, conforme

tratada neste ponto, com a função que menciona o trabalho como capaz de proporcionar status

e prestígio social, de Salanova, Peiró e Prieto (1993). Mencionamos uma pesquisa de

Rosenfield (2004), a qual concluiu que um dos sentidos do trabalho é justamente o status que

este fornece, representado basicamente pela empresa onde a pessoa trabalha, o cargo que

ocupa, os benefícios que usufrui e o dinheiro que ganha.

Nas entrevistas, perguntamos como os entrevistados viam o seu trabalho no TCU sob

o aspecto do status ou do prestígio social advindo das atividades desempenhadas ou do fato

de pertencerem àquela organização. As opiniões não foram uniformes quanto a este ponto.

Algumas pessoas disseram que não vêem qualquer símbolo de status em trabalhar no TCU, ao

passo que outras afirmaram que trabalhar no Tribunal confere, sim, prestígio. Uma das

entrevistadas chegou a afirmar que escondeu, por muito tempo, ser funcionária do TCU.

... Por muito tempo eu escondi. Eu dizia que era secretária. Secretária do quê? Secretária de um escritório de advocacia. Eu não dizia que era do TCU. Eu fui dizer, tem muito pouco tempo... (Entrevistada 11)

Mas ela explicou que isso não significava que estivesse desmerecendo o órgão. Ela

apenas não considerava importante informar onde trabalhava a toda hora. Entretanto, essa

mesma pessoa, mais à frente em sua entrevista, afirmou que percebeu mudança para melhor

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na qualidade de atendimento em uma situação pela qual passou, a partir do momento que

afirmou ser funcionária do TCU.

Apesar de não ter havido convergência, pudemos notar que os funcionários do TCU,

em geral, sentem-se bem posicionados e satisfeitos. Alguns chegaram a dizer que em seus

respectivos círculos de convivência, de amizade, são admirados de forma especial por serem

servidores da Corte de Contas.

... Eu acho que o meu trabalho está em um status elevado, como eu falei no início, é uma oportunidade que você teve como cidadão e como profissional... (Entrevistado 12)

Os entrevistados afirmaram que, dentre as mudanças por eles vivenciadas no TCU ao

longo dos seus anos de experiência, destaca-se a maior exposição do Tribunal, por meio de

seus trabalhos, achados, condenações e demais intervenções, na mídia. Segundo eles, essa

maior divulgação do trabalho contribui bastante para que o prestígio social e o status daqueles

que trabalham no órgão sejam elevados. Os seus conhecidos acabam por associar as notícias

que vêem a eles, colocando-os, de certa forma, em evidência.

5.5 O Trabalho como Fonte de Oportunidades para Desenvolver Habilidades e

Destrezas

Segundo Boltanski e Chiapello (2005), o trabalho não é simplesmente uma atividade

que provê a subsistência do indivíduo. Em referência aos gerentes, os autores afirmam que

eles precisam de motivações outras, que não apenas a obtenção de lucro, para se engajarem

nos seus trabalhos. Diante dessa constatação, eles procuraram formas de dar algum

significado ao trabalho desenvolvido nas empresas.

Nesse sentido, foi apurado que os trabalhadores, nos anos 90, sentiam necessidade de

perceber que os seus trabalhos estavam contribuindo com melhorias (WATERMAN, 1990

apud BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005). Fica demonstrado que há tendência a uma maior

preocupação com o coletivo, em detrimento do individual.

Embora não seja este o assunto principal deste tópico, é importante registrar que os

entrevistados demonstraram perceber que há sentido nos trabalhos desenvolvidos no TCU. É

justamente a visão de ter a sociedade como cliente que faz o trabalho no TCU não apenas ter

um propósito, um fim, conforme os entrevistados, mas torna a atividade mais interessante. O

sentimento de estar fazendo um bem para a coletividade, por pessoas que o servidor sequer

conhece, foi apontado como um dos maiores retornos que o funcionário pode ter.

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As pesquisas de Boltanski e Chiapello (2005) afirmam que os gerentes devem ter a

preocupação de dar sentido às tarefas executadas pelos funcionários a eles subordinados.

Dessa forma, é necessário que os líderes sejam bastante hábeis e estejam constantemente se

aprimorando. Os autores afirmam que essa busca pelo conhecimento tornou-se um fator

individual, indicando que cada pessoa é responsável pela gestão de sua carreira, pelos

acréscimos de conhecimento que vai obtendo ao longo de sua vida. As empresas teriam

deixado de ser as provedoras principais desse ensino, necessário para as novas atribuições.

Aqui cabe uma constatação interessante. Nem todos os entrevistados abordaram a

questão de treinamento, as necessidades de aprimoramento. Entretanto, nas vezes em que este

assunto foi tratado, a instituição foi invariavelmente colocada como a responsável por prover

o conhecimento necessário para o desenvolvimento do trabalho dos servidores.

Isso pode ser proveniente de uma visão antiga ainda presente no serviço público; algo

que não se modernizou, em que os funcionários atribuem à organização à qual pertencem a

responsabilidade por qualquer iniciativa de desenvolvimento. Segundo este ponto de vista, os

funcionários apenas cumprem o que for estabelecido pela instituição, sem que adotem

medidas proativas no sentido de se desenvolverem (em que pese o fato de o autor ter

conhecimento de servidores do TCU que buscam, por conta própria, oportunidades de

treinamento e capacitação).

Eu acho que a entidade é que tem que te dar mais respaldo para você crescer, porque senão você vai ficando.para trás. A entidade tem que cuidar do funcionário, para que ele não fique obsoleto. (Entrevistada 3)

Houve, inclusive, críticas ao TCU, em face da oferta de poucos treinamentos, segundo

o ponto de vista de alguns entrevistados. Registramos afirmações que sugerem insatisfação

pelo fato de novas demandas surgirem sem que venham acompanhadas do treinamento

devido. A situação em que os funcionários acabam por ter que buscar, por conta própria,

soluções para os problemas que surgem, foi considerada inadequada pelos entrevistados. Essa

constatação não condiz com o que levantamos na literatura, mas devemos levar em

consideração que os entrevistados são funcionários públicos em final de carreira, ou seja, a

maior parte deles viveu, durante muitos anos, uma realidade no serviço público que, embora

já tenha mudado bastante, era algo diferente daquilo que se verificava na iniciativa privada.

O Tribunal hoje, em treinamento, está melhor, mas sempre foi a casa onde você aprende por tentativa e erro. Sozinho. Eu sempre fui curiosa. Eu sempre fucei. Eu sempre fui autodidata, mas não só autodidata; eu sempre corri atrás. Eu sempre fui buscar; eu nunca fui de copiar um fundamento legal sem consultar o fundamento para ver se é aquilo mesmo, de repeti-lo. Eu reconheço que é mérito meu, mesmo,

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sem a menor falta de modéstia. Porque eu sempre corri atrás. O Tribunal é isso mesmo. Lança um sistema e como funciona? Você tem que aprender sozinho, no tapa. Sempre foi assim. Hoje, eles tentam melhorar, mas não adianta. Volta e meia cai assim de novo. Tudo você aprende sozinho. (Entrevistada 5)

Além disso, devemos considerar, também, que Boltanski e Chiapello (2005) trataram,

especificamente nessa questão, de gerentes, líderes. Segundo eles, esses gestores passaram a

ter que buscar o conhecimento necessário por conta própria. Os nossos entrevistados não se

enquadram nesse perfil de liderança delineado pelos autores, em que pese o fato de a estrutura

hierárquica do TCU ser pouco verticalizada.

Para Boltanski e Chiapello (2005) as empresas, na verdade, tornaram-se aprendizes do

conhecimento que seus funcionários capacitados possuem. O TCU é um órgão público que

possui em seus quadros funcionários bem qualificados, de forma geral. Há doutores, mestres,

especialistas em diferentes áreas de conhecimento. Percebe-se que muitos funcionários

buscam alargar seus conhecimentos por conta própria. A organização acaba por enriquecer

com esta desejável situação.

É evidente que novas idéias e maneiras de trabalhar acabam por surgir neste processo.

No Tribunal existem diversos projetos em andamento, após a implantação da gestão por

projetos na organização. Vários grupos de trabalho são formados para estudar e buscar

soluções para problemas específicos, agindo sob a forma de times de trabalho. É clara a

modernização da estrutura do órgão, a sua forma de funcionar, apesar de ainda poder ser

considerada uma instituição formal, tradicional. Entendemos que muitas dessas novidades

devem-se aos conhecimentos adquiridos por funcionários, em número cada vez maior, não

necessariamente mediante cursos e/ou treinamentos providos pelo órgão.

Então, por um lado notamos que há servidores do TCU que procuram se capacitar por

meio de iniciativa própria. Por outro, constatamos, em nossas entrevistas, que os servidores

mais antigos percebem como sendo uma responsabilidade da instituição o provimento de

cursos de aperfeiçoamento, pós-graduações, etc. Assim, neste ponto, podemos dizer que

existe no âmbito da organização objeto do nosso estudo de caso um alinhamento apenas

parcial com as idéias de Boltanski e Chiapello (2005).

Seguindo com o levantamento efetuado na literatura, Boltanski e Chiapello (2005), ao

compararem os anos 60 com os 90, verificaram que nos anos 60 as pessoas eram atraídas pela

segurança que determinado trabalho lhes proporcionava. Este era o principal quesito analisado

quando da opção pelo local de trabalho. Os autores afirmam que esse cenário modificou-se

nos anos 90, em que a segurança teria deixado de ser um valor dominante.

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Nossas entrevistas não corroboram com as ponderações dos autores. Os entrevistados

afirmaram que a estabilidade existente no setor público é, talvez, o maior dos atrativos para

quem almeja um cargo público. Houve quem dissesse até que não se imagina vivendo sem

estabilidade, que nunca passou por essa situação.

Eu era CLT, mas a gente sabia que não seria mandado embora. Era CLT, mas era uma estabilidade meio... Tanto que fui eu que pedi pra sair; nunca me mandaram embora. Uma coisa interessante. Eu não sei como seria viver sem estabilidade. Não sei. Deve ser horrível. (Entrevistada 10)

É claro que devemos levar em consideração que todos os entrevistados são

funcionários públicos estáveis e, com isso, só perdem seus empregos em certas circunstâncias

estabelecidas na Constituição Federal. Isso os coloca em uma situação diferente daquela

verificada no universo privado.

De qualquer forma, pretendemos apontar o fato de a segurança ainda ser um valor

considerado importante por muitas pessoas, conforme afirmaram os entrevistados. Para

sustentar esse ponto de vista alguns deles exemplificaram com as grandes quantidades de

pessoas atualmente interessadas em prestar concursos públicos. Ao que tudo indica, essas

pessoas estariam em busca, primordialmente, de um emprego estável, seguro do ponto de

vista de sua manutenção.

Retomando o cerne deste ponto, qual seja, o desenvolvimento pessoal, percebemos

que a realidade atual do TCU confirma as considerações de Boltanski e Chiapello (2005), de

que passou a ser um atrativo para as pessoas a perspectiva de trabalharem em um projeto

interessante, que valha o esforço. O Tribunal recentemente tem passado a selecionar pessoas

para capitanearem projetos e ocuparem determinados cargos comissionados com base na

análise curricular de pretendentes, dentre servidores efetivos do órgão, e em entrevistas.

Entretanto, entendemos que questões como o isolamento percebido por servidores que

não trabalham na sede do órgão, bem como falta de comunicação adequada, devam ser

avaliadas pela administração do TCU. Como praticamente todas as posições mais

interessantes a serem ocupadas se restringem àqueles que trabalham em Brasília, há um

grande conjunto de pessoas espalhadas pelos estados brasileiros que precisam sentir-se

acolhidas e membros da organização tal como aqueles funcionários que exercem suas

atribuições na sede.

As considerações de Boltanski e Chiapello (2005) a respeito da empregabilidade não

fazem muito sentido para o caso do TCU, posto que os autores defendem que aqueles que se

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mostram mais versáteis, adaptáveis e interessados têm maiores chances de ir pulando de um

emprego para o outro, constituindo, assim, a sua carreira e evoluindo.

Apesar de os servidores públicos do Tribunal viverem uma situação diferente desta,

em que teriam que pular de emprego para emprego, mesmo sem a grande sombra da ameaça

da perda do emprego, novas práticas vêm sendo implantadas, conforme já enunciamos. Caso

este caminho de gestão por projetos de fato ganhe corpo e se torne uma prática

institucionalizada, podemos imaginar, para um futuro próximo, a possibilidade de os

funcionários do órgão terem uma espécie de “empregabilidade” interna, em que as disputas se

dariam pela alocação aos melhores projetos, ou seja, não seria em torno do emprego,

propriamente dito, mas sim dos projetos disponíveis.

Nossas entrevistas apontaram para a importância do treinamento, do aprimoramento,

mas, em se tratando de profissionais que estão, em sua maioria, próximos da aposentadoria,

eles demonstraram maior preocupação com a eventual desatualização que sofrerão ao se

desligarem do trabalho no Tribunal. Eles entendem que estão a par de muitas das novidades

que acontecem justamente pelo fato de estarem ativos, trabalhando. Preocupa-lhes

sobremaneira essa mudança para a inatividade.

A aposentadoria é uma questão difícil. Talvez eu ainda tenha um tempo para percorrer. Se eu tivesse que me aposentar amanhã, eu posso afirmar que certamente eu não estaria preparado. (Entrevistado 6)

Alguns, inclusive, insinuaram que continuarão a trabalhar, pois entendem que o não-

trabalhar acelerará o processo de envelhecimento, especialmente devido à estagnação que

imaginam acontecer com os que se aposentam. Para eles o trabalho é, sem dúvida, fonte de

desenvolvimento de habilidades e destrezas.

5.6 O Significado do Trabalho para Trabalhadores mais Velhos

Neste ponto, a literatura levantada apresenta, inicialmente, a mudança de foco

verificada nos planos de trabalho das pessoas. À medida que envelhecem, as pessoas tendem a

focar mais na quantidade de tempo de vida gasto no trabalho (SMYER e CATSOUPHES,

2007).

Nossa pesquisa corrobora esse ponto de vista, pois os entrevistados, pessoas

experientes, embora tenham deixado claro que mantêm seus valores quanto ao trabalho e

continuam procurando fazer o seu melhor, passaram, com o tempo, a dar mais atenção a

questões de suas vidas, propriamente ditas. Alguns entrevistados afirmaram que gostariam de

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ter mais tempo livre do que têm, pois gostariam de fazer outras coisas que dão valor, mesmo

considerando que o sistema de horários do TCU, flexível, é bom. Ou seja, eles dão a entender

que estão, de certa forma, preocupados com o tempo de vida que despendem em função do

trabalho.

Eu não consegui retomar a minha ginástica, por exemplo. Ou caminhar na praia. Eu moro na beira da praia, eu passo por ela, dou um tchauzinho e vou embora trabalhar. A gente mora longe. O trânsito consome... Eu gasto muito em trânsito, vir pra cá e voltar. Mas basicamente o que me interessaria seria ter uma atividade física que foi uma coisa que eu acabei largando... (Entrevistada 5)

A explicação que a literatura propõe para este fato pôde ser constatada de forma

absolutamente alinhada em nossas entrevistas. Carstensen (2006 apud SMYER e

CATSOUPHES, 2007) explica que isso é parte de um processo maior de transferência do

sentido do tempo, ou seja, deixa-se de pensar em quanto tempo passou e passa-se a pensar em

quanto tempo resta para ser vivido.

Obtivemos observações, nas entrevistas, que exprimem exatamente esse ponto de

vista. O interessante é que, ao contrário do que se poderia supor, as pessoas exibiram um

ânimo renovado para fazer os trabalhos que surgirem nos seus últimos tempos de Tribunal.

Em uma entrevista, a servidora mencionou que quer aproveitar da melhor forma possível os

seus últimos trabalhos no Tribunal, dando o seu melhor, para que não surja qualquer

possibilidade de arrependimento posterior.

Já que é o último tempo que eu tenho, vou dar tudo de mim... E estou fazendo isso... Até por que no dia em que eu fechar a gaveta, nunca mais eu abro. Acabou. Viro as coisas e vou fazer outra coisa. Isso é para eu não me arrepender, não chegar depois e dizer: puxa, eu estava lá, tive oportunidade de fazer tanta coisa e não fiz... (Entrevistada 11)

Há que se ressaltar o fato de ela e os demais entenderem que isso faz parte de sua

obrigação, mas afirmarem que, por estarem próximos da aposentadoria, o senso comum

poderia imaginar que eles já não estariam interessados em buscar desenvolver bons trabalhos.

Smyer e Catsouphes (2007) consideram que há diferentes aspectos que levam a

mudanças na percepção de trabalhadores mais velhos acerca do significado do trabalho. Um

deles seria uma nova maneira de redistribuir o trabalho ao longo da vida. Os autores apontam

que há um número cada vez maior de pessoas que se aposenta aos poucos. Ou seja, ao

evitarem a parada brusca referente ao trabalho, as pessoas optam por uma parada gradual,

trabalhando cada vez menos até chegarem ao momento de parar, realmente.

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Outro aspecto que também conduz, segundo eles, a modificações na percepção do

significado do trabalho por trabalhadores mais velhos são as alterações nas políticas sociais.

Tem sido uma tendência a transferência de parte dos riscos do envelhecimento para os

indivíduos.

Verificamos que os entrevistados mencionam este fator como algo, de fato, relevante

em suas vidas. Muitos planejamentos tiveram que ser refeitos com algumas mudanças

efetuadas na previdência dos servidores públicos. Para alguns se tornou imperativo continuar

a trabalhar, mesmo tendo completado todos os requisitos para a aposentadoria. A nova

situação a que se viram submetidos, fez com que muitos repensassem suas decisões, antes de

terem sido tomadas, evidentemente.

Quando eu entrei tinha uma regra. Eu já me aposentei umas 5 vezes. Uma é agora, em julho de 2008, que seria já com os 25 anos, com pedágio, com tudo. Já modificada. Sem as modificações, eu já tinha saído antes de 2004. Aí depois, com algumas modificações de 2005, quando já não contava mais a licença prêmio... Enfim, eu venho me aposentando desde 2004, me aposentei em 2007. Mas, em janeiro de 2010, eu fecharia os meus 30 anos de trabalho. E aí eu acho que não vou ter mais saco, porque eu não me planejei para isso. Eu me planejei para trabalhar os 25. Também tem isso. Eu fui uma das únicas pessoas, quando entrei no Tribunal, que vi quais eram as regras e falei: eu não quero o dinheiro todo. Queria sair na proporcional. Jovem, ainda. Eu queria sair assim que pudesse sair. Na época, para cada ano que você trabalhasse, ganhava mais um. Seriam 24 anos de trabalho. Eu trouxe 10 anos e meio de fora. Então seriam, sei lá, 14 anos, por aí. (Entrevistada 7)

Porém, há também casos de entrevistados que, mesmo não precisando mais trabalhar,

optaram por continuar a fazê-lo por vontade própria, o que está de acordo com Catsouphes e

Smyer (2005). Os autores levantaram que muitos trabalhadores mais velhos continuam a

trabalhar para aumentarem sua segurança financeira ou para manterem-se saudáveis e ativos,

entre outros porquês.

Sabemos que a questão financeira passou a pesar a partir do momento em que o

Governo passou a cobrar contribuição previdenciária de quem se aposenta. Paralelamente, foi

aprovada uma medida que estorna essa contribuição para aqueles que, mesmo tendo cumprido

os requisitos para se aposentarem, continuam trabalhando. Com isso, diversos servidores

públicos que poderiam se aposentar deixaram de fazê-lo, obtendo ganhos financeiros.

No caso do TCU, especificamente, parte dos salários dos servidores é variável em

função de avaliação de desempenho. Os aposentados acabam por não receberem essa parcela

integral, o que os deixa em situação desfavorável financeiramente quando comparados aos

funcionários ativos. Esta perda se soma a outras e ajuda a influenciar na decisão de não parar,

que muitos tomam por questões financeiras.

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Além disso, foi bastante mencionado o interesse em continuar a trabalhar devido à

dinâmica que o trabalho confere à vida das pessoas. Alguns disseram que não se vêem

aposentados, não imaginam como seriam suas vidas de aposentados. Outros temem a

inatividade e acham que podem até vir a adoecer em decorrência dela. Consideram que o

trabalho os mantém saudáveis e ativos.

Pra eu me aposentar faltam 2 anos. Então eu já começo a botar na cabeça assim: será que eu me aposento e vou ficar bem comigo mesmo, ou será que não? Também não sei se isso tem a ver com os últimos acontecimentos aqui; com os últimos colegas que se aposentaram. Se aposentaram e faleceram. Eu fiquei muito impressionado com esse tipo de coisa. Mas eu tenho medo da aposentadoria. Ontem mesmo estava conversando com uma colega aposentada sobre isso. Ela se arrependeu amargamente de ter se aposentado. E não tem volta. O problema é esse. Por isso eu acho que você tem que se questionar muito. Por isso que eu acho que vou sair na expulsória3. 70 anos. (Entrevistado 9)

Foi mencionado, também, que há interesse em continuar a trabalhar pelo fato de o

ambiente de trabalho ser o local onde convivem com outras pessoas e são expostos a muitas

novidades, que os mantêm atualizados.

Existem os casos, também, de funcionários que ajudam os seus familiares. Então, pesa

sobre eles, no momento de pararem para pensar se vale a pena optarem pela aposentadoria ou

não, a influência que essa decisão terá na vida de seus parentes.

Mais uma consideração de Catsouphes e Smyer (2005) que possui correspondência

com a nossa pesquisa é a procura do chamado “emprego-ponte” por parte dos trabalhadores

mais velhos. Esses trabalhadores manifestam sua vontade de continuar a trabalhar, porém em

condições diferentes do seu atual trabalho. Menos horas, com menos rigidez, maior

flexibilidade. Eles passariam um tempo trabalhando nessas novas condições, no novo

emprego, antes de se retirarem do mercado.

Os entrevistados demonstraram, na maior parte dos casos, a intenção de continuar a

trabalhar após suas aposentadorias. Mas, assim como propuseram os autores, eles desejam

fazê-lo em condições de exigência diferentes daquelas vividas no TCU. Eles almejam maior

liberdade, menos necessidade de dar satisfações a superiores, enfim, ajustes na relação de

trabalho. Outros, porém, afirmaram que sequer cogitam a hipótese de ir trabalhar em outro

lugar, mesmo que em condições que poderiam ser tidas como mais favoráveis que as atuais.

Uma possibilidade mencionada por mais de um entrevistado é o desempenho de trabalhos

voluntários. Os entrevistados justificaram essa alternativa dizendo que se sentiriam bem

3 Termo comumente utilizado para fazer menção à aposentadoria compulsória dos servidores públicos quando estes atingem 70 anos de idade.

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fazendo algo relevante para pessoas, ou grupos de pessoas, que necessitam de ajuda. Eles

demonstraram, com isso, que, uma vez que estivessem recebendo os valores referentes às suas

aposentadorias, a remuneração nesse novo trabalho não seria um fator importante. A ausência

de subordinação e a liberdade de tempo, sim, seriam fatores considerados de extrema

relevância.

... Ficar só em casa, não. Mesmo que não seja todos os dias, o dia inteiro, como é atualmente. ... Eu acho que é necessário colocar o cérebro para funcionar, até onde puder, até quando não tiver aqueles maus da velhice, para poder fazer alguma coisa. Remuneração talvez não seja o mais importante, porque já terei a aposentadoria do Tribunal. Mas só para ter o prazer de estar em atividade. (Entrevistado 12)

Não tenho planos de trabalhar em outro lugar, não. Talvez, trabalho voluntário. Como eu me formei em Direito, já tive uma idéia de trabalhar tipo um defensor público, um advogado voluntário, para que eu pudesse ajudar , dessa forma, as pessoas mais carentes. De graça ou a preços simbólicos, pois muitas coisas que você faz de graça acabam te trazendo problemas. (Entrevistado 4)

O outro lado da moeda também é muito importante. Ou seja, as empresas devem

procurar compreender o significado do trabalho para as pessoas mais velhas a fim de lançar

mão e tirar proveito dessa mão-de-obra qualificada e experiente disponível no mercado. É

necessário que se compreendam as necessidades desses trabalhadores, a fim de disponibilizar

colocações que os aproveitem da melhor forma possível.

No serviço público, mais especificamente no caso do TCU, nosso estudo de caso, há

muitos trabalhadores com muitos anos de contribuição e que ainda se enquadram nas regras

de transição previstas na reforma da previdência. Ou seja, são pessoas que completarão os

requisitos para se aposentarem com idades em que ainda poderão produzir por muitos anos.

Mesmo para os casos de pessoas que saiam mais tarde, por algum motivo, verificamos que

existe, em boa parte dessas pessoas, o interesse em continuar a trabalhar.

Compreender o significado dos trabalhadores mais velhos torna-se mais importante

para as empresas à medida que dados demográficos são atualizados e passam a apontar que

mais da metade da força de trabalho terá mais de 40 anos de idade em 2010, conforme

apontam Fullerton & Toossi (2001 apud ROBSON et al., 2006).

Outro aspecto que ajuda a compreender o significado do trabalho para as pessoas está

ligado ao conceito de sucesso. A literatura propõe que existem dois tipos de sucesso que os

indivíduos podem obter em suas carreiras: o sucesso intrínseco, ligado à satisfação na carreira,

segundo avaliação subjetiva dos próprios trabalhadores, e o sucesso extrínseco, referentes a

salário, nível hierárquico atingido, enfim, indicadores mais tradicionais (SIEBERT &

KRAIMER, 2001 apud ROBSON et al., 2006).

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Os entrevistados de nossa pesquisa, que se encontram na parte final de suas carreiras,

demonstraram estarem, de forma geral, satisfeitos com relação aos seus salários e não

demonstraram nem satisfação nem insatisfação a respeito do quanto conseguiram caminhar na

hierarquia do Tribunal, talvez pela própria configuração da carreira dentro do TCU, em que os

postos de comando são temporários e não-sucessivos, ou seja, as pessoas podem voltar ao

estágio anterior após terem ocupado cargos mais elevados.

Percebemos, também, um elevado grau de satisfação intrínseca entre os entrevistados.

Eles citaram algumas vezes serem pessoas contentes com o trabalho que realizam; este fato

gera neles um sentimento de satisfação. Com isso, entendemos que os servidores do TCU

entrevistados podem ser considerados como tendo obtido sucesso tanto intrínseco quanto

extrínseco. Sentimo-nos confortáveis em expressar esta última frase com o verbo no passado

exclusivamente pelo fato de eles já estarem na chamada reta final de suas carreiras e terem

caminhado por uma longa jornada.

5.7 Relação entre Desempenho e Idade

Em nossa revisão de literatura, vimos o conceito de idade e apresentamos diferentes

abordagens possíveis para a classificação de determinado trabalhador como velho ou não. A

palavra “velho”, aqui aplicada, não carrega nenhum sentido pejorativo. Alguns autores

afirmam que não há consenso quanto à definição de trabalhadores maduros ou velhos.

Os autores em que nos apoiamos, afirmam que existem proteções, nos Estados Unidos,

específicas para trabalhadores acima de 40 anos de idade. Em nossas entrevistas, não

perguntamos às pessoas se elas se consideravam novas, de meia idade ou velhas, apesar de

termos apurado, logo no início de cada entrevista, as idades de cada um deles. Entretanto, foi

constatado certo desconforto quando, ao longo da entrevista, havia, na introdução de novas

perguntas, seguidas referências à experiência da pessoa entrevistada. Houve caso de a

entrevistada comentar, ou até mesmo reclamar, que aquilo dava a entender que ela era mais

velha do que realmente sua idade sugeria.

Entre os entrevistados, constatamos que indivíduos com a mesma idade cronológica

podem perceber de formas diferentes o significado de suas respectivas idades, conforme

defendem Shultz e Adams (2007a). Verificamos que os comportamentos, as atitudes, os

hábitos de pessoas ou com a mesma idade, ou encontrando-se na mesma faixa etária, são

bastante variados. Existem aqueles que têm um ritmo de vida mais acelerado por diversas

razões, dentre elas devido a demandas familiares, a filhos relativamente novos, etc, e aqueles

que levam um dia-a-dia, poderíamos dizer, mais tranqüilo.

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A estruturação do meu dia é um pouquinho diferente da estruturação de um dia normal de caras da minha faixa etária. Primeiro que eu tenho dois filhos jovens. Segundo que eu tenho um filho com necessidade especial... (Entrevistado 2)

... estou desacelerando aos poucos. (Entrevistada 5)

Kastenbaum et al. (1972 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a) apontam para a existência

de uma idade social, a qual diz respeito ao status proveniente da idade de determinado

indivíduo ou à forma como o indivíduo é visto e avaliado pelos demais. Fizemos perguntas a

fim de procurar entender como os entrevistados acham que são vistos pelos demais colegas de

trabalho. Questionamos se a experiência é um atributo valorizado dentro da organização.

Houve diferentes tipos de respostas dos entrevistados. Em suma, pudemos

compreender que há indicativos de que o TCU não reconhece devidamente os seus

profissionais experientes, apesar das diferentes considerações apuradas. Entretanto, alguns

mencionaram que se sentem valorizados pelos colegas de trabalho em função da experiência

que possuem. Ou seja, não há uma política de reconhecimento institucional quanto à

experiência dos funcionários, mas há uma espécie de tratamento diferenciado conferido pelos

próprios colegas, de forma informal.

Eu me sinto reconhecido pelos colegas. Eu diria, então que sou reconhecido pelos colegas, mas não pela organização, por incrível que pareça. (Entrevistado 1)

Ao adentrarmos a questão do desempenho em função da idade, na nossa revisão de

literatura, apuramos que os autores estudados procuraram verificar como pessoas, ou grupos

de pessoas, de diferentes idades se saíam na realização de determinados tipos de tarefa.

Ackerman (2000 apud SHULTZ e ADAMS, 2007a) afirmou que a experiência, quer de mais

novos ou de mais velhos, varia dependendo do domínio de conhecimento em análise.

Isso quer dizer que as pessoas mais velhas não necessariamente deterão maior

conhecimento que as mais novas. Elas podem, inclusive, sequer serem mais experientes que

outras mais novas em assuntos específicos. Quando perguntamos aos entrevistados se a

organização reconhecia os mais velhos, algumas respostas foram no sentido de afirmar que o

TCU valoriza, sim, o conhecimento, aqueles que detêm o conhecimento e colocam-no em

prática, independentemente de serem novos ou velhos.

Mas, para Shultz e Adams (2007a), é razoável a hipótese de que trabalhadores mais

velhos têm, em média, mais conhecimento que trabalhadores mais novos. Entretanto, apesar

desse possível maior conhecimento por parte dos mais velhos, as pesquisas dos autores não

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identificaram que este fato lhes confira necessariamente melhor desempenho que o de

trabalhadores mais novos.

Os entrevistados não se posicionaram nem do lado dos mais novos nem do lado dos

mais velhos quando questionados acerca de possíveis conflitos entre gerações no âmbito do

TCU. Entretanto, constatamos que há grande confiança por parte dos entrevistados,

trabalhadores mais velhos, no fato de o Tribunal vir conseguindo fazer ingressar em seus

quadros pessoas de altíssimo nível em face da crescente dificuldade dos concursos para o

TCU. Eles entendem que essa oxigenação é boa para a instituição.

... as pessoas que realmente entram, que entraram de uns 2 anos para cá, de uns 5 anos para cá, são pessoas muito capazes. E que eu respeito muito. (Entrevistada 7)

À primeira vista, não conseguimos constatar qualquer tipo de conflito entre diferentes

gerações no TCU. Porém, ao abordarem assuntos determinados, muitas vezes foi mencionado

que os antigos pensam de uma forma, os novos de outra. Realmente pode ser que não se

verifiquem conflitos, mas há indicações de que pessoas de diferentes faixas etárias abordam

determinados assuntos de maneiras diferentes, sendo, por vezes, alvos de críticas por um ou

outro lado.

Eu acho que na geração mais velha tem uma acomodação maior. Até porque os mais novos já entram pensando, talvez, um pouco mais na sua carreira, enquanto os mais velhos estão em uma situação que já não têm muito mais como progredir na carreira, não têm muito incentivo. (Entrevistado 4) Conflito não. Mas a gente nota que os mais antigos, aqueles que estão mais velhos hoje, ainda criticam determinadas atitudes, algumas idéias novas que os mais novos querem trazer para o Tribunal. De imediato é difícil você ver resultado, mas com o tempo é provável que aconteça, que essas idéias dêem certo. (Entrevistado 1)

Não se está aqui considerando que abordar assuntos específicos de diferentes maneiras

seja algo ruim. Pelo contrário; isso pode ser considerado, até, salutar. Não há crítica quanto a

isso. O que chamamos a atenção é para o fato de alguns entrevistados mencionarem suas

percepções de que essa abordagem diferente decorre da diferença de faixas etárias entre as

pessoas. Essa constatação poderia indicar que, mesmo de forma não expressa, os servidores

do TCU tendem a considerar a existência de subgrupos de servidores, segmentados por

características em comum, sendo uma delas a faixa etária.

Seguindo em nossa análise, a revisão de literatura apresenta que o turnover seria

menor entre os trabalhadores mais velhos (SHULTZ e ADAMS, 2007a). Segundo os autores,

isso pode dever-se às pessoas mais velhas não acreditarem que têm alternativas atraentes de

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emprego, sentirem-se mais satisfeitas em suas posições, deixando de procurar novos

empregos, usualmente ocuparem posições em que os ganhos são maiores e já terem

empreendido muito tempo e esforço para chegarem à posição em que se encontram.

Identificamos algumas dessas razões em nossas entrevistas, principalmente o fato de

os servidores do TCU não acreditarem que têm boas alternativas de emprego. Grande parte

deles acredita ser difícil migrar do serviço público para a iniciativa privada depois de certo

tempo de trabalho. Alguns consideram que a idade é um empecilho; outros, que a experiência

adquirida no serviço público é pouco interessante para as empresas privadas. Com isso, torna-

se incomum o interesse de empresas pertencentes ao universo privado por funcionários

públicos.

Não que a experiência daqui não sirva para nada, mas eu já entrei aqui com mais de 30 anos e depois, no meio do caminho, com 40 anos, fica difícil arranjar outro emprego na iniciativa privada. (Entrevistada 7)

Muitas pesquisas não conseguiram tecer uma relação entre idade e desempenho.

Shultz e Adams (2007a) asseveram que os trabalhadores mais velhos podem desempenhar

determinadas funções melhor que os mais novos; entretanto podem, também, sair-se pior do

que os mais novos em outros trabalhos. Constam da nossa revisão de literatura as opiniões de

diferentes autores em relação a tendências de desempenho em função da idade, considerando

diferentes atribuições.

Uma das considerações da literatura levantada diz respeito à menor propensão dos

trabalhadores mais velhos a aceitarem novos desafios. Constatamos que os entrevistados

demonstraram, em sua maioria, ânimo para novos trabalhos. Alguns afirmaram que se sentem

desafiados nos trabalhos que desempenham no TCU.

... O Tribunal te dá essa possibilidade de estar sempre com assuntos novos e diferentes. Eu vejo isso como um desafio. E vou ter muita curiosidade em conhecer o novo jargão, o funcionamento de tudo... Isso é um desafio sempre. Eu acho que isso interfere no nível de motivação. Por isso que a instituição, se você souber trabalhar bem isso, você vai estar sempre motivado. Mas isso varia. É de cada um. A organização te proporciona isso. O Tribunal... (Entrevistado 6)

Isso pode significar que o Tribunal, apesar de não ter uma política institucionalizada

de reconhecimento aos seus profissionais experientes, talvez tenha, em seus trabalhos, mesmo

involuntariamente, um importante instrumento para colher bons resultados de seus

trabalhadores mais velhos.

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Parece existir entre aqueles que trabalham no TCU uma motivação pela causa, pelo

negócio do Tribunal, propriamente dito. Esse demonstra ser o motor a mover, de fato, a

instituição. Os diferentes assuntos tratados, associados ao sentimento de estar fazendo um

bem à sociedade, à coletividade, de certa forma protegendo-a ao defender seus interesses por

meio do zelo quanto à aplicação dos recursos públicos, oriundos de esforços de todos,

parecem ser a força motriz que funciona como elemento motivador da atuação dos

funcionários da Corte Federal de Contas.

Por fim, Shultz e Adams (2007a) enaltecem a adaptabilidade dos trabalhadores,

afirmando que quanto mais flexível e adaptável a novas situações for o indivíduo, mais

sucesso ele tenderá a ter. Nossos entrevistados consideram que muita coisa mudou no TCU ao

longo de seus anos de trabalho. E muitas vezes eles tiveram que se adaptar a novas realidades

e situações.

Eu alcancei muita coisa. Vi a evolução dos computadores, do seu uso, da sua utilização... Antigamente era um método muito demorado. Você escrevia tudo manualmente, entregava para um datilógrafo... Quando você digita o seu trabalho no computador e lê, você tem vontade de trocar as posições. Imagina quando você lê um trabalho que você entregava a uma pessoa, aquilo manual, e que você devolvia para bater uma folha, era uma coisa, tipo assim, ‘não gostou do trabalho’, era encarado dessa forma... A evolução foi muito boa. (Entrevistada 3)

De fato, consideramos que eles viveram diferentes épocas no Tribunal e tiveram que

se adaptar a novas formas de trabalhar, a novas tecnologias, a novas metodologias, etc. É

natural que alguns se adaptem melhor a determinadas situações novas do que outros. Portanto,

embora em diferentes níveis, os entrevistados demonstram que os funcionários, mesmo na

parte final de suas carreiras, podem realmente ser pessoas interessadas em progredir, em ter

bom desempenho.

5.8 A Idade e as Atitudes no Trabalho

Shultz e Adams (2007b) sugerem que conseguir motivar funcionários mais velhos, em

seus respectivos trabalhos, é um desafio gerencial. No caso do TCU, apesar de não terem sido

identificadas medidas específicas da instituição nesse sentido, ainda assim os servidores mais

velhos parecem sentir-se motivados, conforme apuramos por meio das entrevistas efetuadas.

Talvez isso tenha a ver com a percepção do nível de importância da instituição a que

pertencem, ao trabalho por eles desenvolvido. Segundo estudiosos, há uma tendência a existir

uma relação positiva entre idade do trabalhador e satisfação com o emprego (SHULTZ e

ADAMS, 2007b).

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Os autores ressalvam que essa visão positiva do trabalho por parte de pessoas mais

velhas se dá primordialmente nas situações em que a pessoa ocupa uma boa posição, recebe

um bom salário, não sendo verificada, porém, nas situações tidas como desfavoráveis ou de

menor conforto para os ocupantes.

Nossa pesquisa se alinha com essa colocação dos autores, pois em praticamente todas

as entrevistas foi possível perceber que existe, entre os entrevistados, um sentimento

favorável em relação ao salário que eles recebem. Embora alguns tenham demonstrado estar

mais satisfeitos do que outros a esse respeito, não registramos ninguém insatisfeito com a

questão de salário. Essa pode ser uma das explicações para a motivação de funcionários na

parte final de suas carreiras no serviço público.

Imaginamos que quando os autores mencionam a ocupação de uma boa posição como

um fator a motivar trabalhadores mais velhos, eles estejam fazendo menção a posições de

chefia, direção, ou gestão, embora não exclusivamente. Essa colocação talvez não seja a mais

adequada para tentar compreender o que estimula funcionários com perfis semelhantes aos

dos entrevistados a continuarem se aplicando em seus trabalhos. Isso, em função da estrutura

hierárquica do TCU.

Dando outra interpretação ao bom posicionamento, conforme colocado pelos autores,

inferimos que os entrevistados consideram-se, de forma geral, bem posicionados na

sociedade. O bom posicionamento, nesse caso, teria uma compreensão mais ampla do que a

mera consideração do âmbito institucional.

Bourne (1982 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b) aponta que a satisfação com os

aspectos intrínsecos do trabalho aumentam com a idade, até as proximidades da

aposentadoria. Pond e Geyer (1987, 1991 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b) ponderam que

essa satisfação intrínseca dos trabalhadores mais velhos tem a ver com a ausência de

perspectivas quanto a alternativas de emprego, o que não ocorreria com os mais novos.

É fato que as entrevistas demonstraram haver satisfação dos funcionários mais velhos

do TCU em relação aos aspectos intrínsecos dos seus trabalhos. É possível que essa situação

esteja relacionada, sim, à falta de perspectivas em relação a outras opções do mercado de

trabalho. Embora isso não tenha sido mencionado de forma expressa, em alguns casos foi

possível capturar afirmações nesse sentido, conforme já expusemos no item anterior.

A literatura levantada no presente trabalho aponta para a existência de novos modelos

de carreira, diferentes do tradicional ciclo, vivido em apenas uma organização. Nesse novo

cenário, as pessoas passariam a entrar e sair em diversas organizações diferentes ao longo de

suas vidas, tendo várias carreiras distintas. Nessas idas de uma organização para outra, passa a

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ser comum funcionários mais velhos e experientes trabalharem com assuntos em que tenham

o mesmo status de outros mais novos.

Essa não é a situação dos funcionários entrevistados. A quase totalidade deles teve o

TCU como único emprego ou, antes de ingressarem no órgão, tiveram apenas um emprego,

normalmente já no setor público. Há casos de militares que trocaram a vida militar pela civil,

mantendo-se no setor público. Existem, evidentemente, casos de pessoas que tiveram parte de

suas carreiras desenvolvidas na iniciativa privada, mas já têm mais anos de TCU, ou de

serviço público, do que de privado. Chegamos à constatação de que a carreira no serviço

público parece ser uma opção sem volta, por diferentes motivos. Houve, inclusive, menção a

uma proposta de trabalho recebida por uma entrevistada, que teria sido recusada em função da

racionalidade que representava a opção de permanecer no TCU.

Eu passei um tempão assim, achando que iria sair. Mas aí quando eu recebi uma proposta para sair, eu disse: não, eu vou ficar lá mesmo. Doeu muito dizer não. Mas ali eu vi que já tinha raízes aqui, que não ia poder sair. (Entrevistada 11)

Shultz e Adams (2007b) apresentam o sentimento de participação em um grupo como

sendo algo a motivar os trabalhadores mais velhos. De fato, esse sentimento de pertencer a um

grupo de pessoas parece servir como um fator positivo para os entrevistados. Foram comuns

nas entrevistas as menções às trocas que o ambiente de trabalho proporciona e os ganhos que

daí advêm, conforme tratamos no item 5.2.

A literatura sugere que a experiência adquirida e a idade mais avançada fazem com

que os trabalhadores mais velhos tenham menos aspirações; esses trabalhadores fariam uma

espécie de ajuste de expectativas, de idealismo para realismo. Com isso seria mais fácil para

eles sentirem-se satisfeitos com seus trabalhos (SHULTZ e ADAMS, 2007b).

O tipo de trabalho desempenhado pelos funcionários do TCU se encaixa bem na

discussão proposta no parágrafo acima. É comum que pessoas recém ingressas no órgão

imaginem que todo e qualquer tipo de irregularidade encontrada no curso dos trabalhos

práticos é perfeitamente passível de correção. O sentimento de poder contribuir para o uso

correto e adequado dos recursos pertencentes à coletividade não desaparece ao longo do

tempo, mas as entrevistas apontam para uma visão menos idealista por parte dos trabalhadores

mais experientes da Corte Federal de Contas.

De fato, muitos dos problemas constatados são sanáveis e há instrumentos para isso.

Porém, a utopia de achar que é possível resolver-se todos os problemas existentes na seara de

atuação do TCU, essa sim, esvai-se com o tempo. O comprometimento, as boas intenções, a

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atuação disciplinada com vistas a proteger os interesses da sociedade, permanecem como

diretrizes da atuação dos entrevistados. Eles, entretanto, têm anseios calibrados pela

percepção da diferença entre ideal e possível, adquirida com a experiência.

Se algumas pessoas sentem-se, inicialmente, a palmatória do mundo, pretendendo

propor correções e punições para toda e qualquer irregularidade existente, dificilmente

encontram-se funcionários com este tipo de perspectiva após anos de trabalho no TCU. Não

se trata de falta de motivação para tal, apenas de ajuste de expectativas. Os entrevistados

afirmam que existe uma contribuição possível para que os recursos públicos sejam aplicados

da melhor forma possível. Essa contribuição é, via de regra, menor do que a expectativa

inicial dos funcionários que ingressam no órgão.

Cumpre lembrar que o universo de entrevistados para este trabalho é composto por

pessoas que estão relativamente próximas da aposentadoria. Nossa revisão de literatura aponta

para a importância de as pessoas estarem preparadas para o momento da aposentadoria. Os

trabalhadores que se aproximam da aposentadoria começam a ver o trabalho como algo cada

vez mais fatigante (EKERDT e DE VINEY, 1993 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b). Para os

autores aqui mencionados, as atitudes perante o trabalho melhoram concomitantemente com o

envelhecimento dos trabalhadores. Entretanto, elas pioram com a proximidade da

aposentadoria.

Primeiramente, quanto à necessidade de as pessoas estarem devidamente preparadas

para o momento de trocar a rotina do trabalho, algo já bastante conhecido, pela incerteza do

que acontecerá a partir do momento em que se aposentarem, nossas entrevistas foram claras e

corroboram tal assertiva. Realmente a proximidade da aposentadoria mostrou-se algo, até

certo ponto, inquietante para boa parte dos entrevistados.

Mas, da mesma forma que as entrevistas foram claras em apontar isso, elas também

demonstraram que, ao contrário do que sugerem os autores acima citados, as atitudes dos

entrevistados perante o trabalho não pioraram com a proximidade da aposentadoria. Foram,

inclusive, relatados casos de pessoas que se sentem mais motivados a fazerem o melhor

trabalho possível, pois sabem que estão dando suas últimas contribuições para o órgão.

... eu tenho pensado o seguinte: poxa, está perto de eu me aposentar. Mas eu estou achando que ainda tem coisa que eu estou fazendo aqui que é importante. Então eu vou procurar caprichar, porque vai acabar... Tenho 1 ano e meio, 2 anos, vou parar. Então vou fazer o máximo, aqui, para poder deixar completo o serviço. (Entrevistado 12)

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A motivação foi um dos itens abordados em nossa revisão de literatura. Em tentativa

de encontrar estudos que contivessem comparações entre o nível de motivação de

trabalhadores mais velhos e o de mais novos, Shultz e Adams (2007b) se depararam com

autores que defendem ser maior a motivação dos trabalhadores mais velhos do que a dos mais

jovens, e autores que descrevem o contrário.

Especificamente no que tange ao aperfeiçoamento, treinamento, etc. há evidências de

que a idade dos trabalhadores é negativamente associada à motivação para fazer parte de

atividades de desenvolvimento (MAURER et al., 2003 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b). A

esse respeito, nossa pesquisa apresentou resultados não muito incisivos. Alguns entrevistados

deixaram transparecer que, estando próximos da aposentadoria, não valia mais a pena buscar

cursos ou outras formas de aperfeiçoamento, posto que dariam pouco retorno, dada a escassez

de tempo para por em prática os novos ensinamentos. Entretanto outros não se posicionaram

dessa forma, achando válido participar desse tipo de evento.

Pudemos perceber que os casos de posicionamento contrário à participação em

atividades de desenvolvimento não tinham relação com uma eventual falta de interesse, e sim

com a preocupação em não dar o retorno adequado para um investimento que seria feito no

funcionário. Este posicionamento está em linha com Renaud, Lakhdari e Morin (2004 apud

SHULTZ e ADAMS, 2007b), para quem os trabalhadores mais velhos tendem a ter menor

motivação para inscrever-se voluntariamente em treinamentos pelo fato de terem pouco tempo

pela frente para recuperar o investimento de tempo e energia necessário.

No que tange a mudanças organizacionais, a revisão de literatura efetuada aponta para

uma maior resistência por parte de trabalhadores mais velhos do que de mais novos. Caldwell,

Herold e Fedor (2004 apud SHULTZ e ADAMS, 2007b) afirmam que os trabalhadores mais

velhos não se sentem motivados a participar de mudanças e costumam não se adaptar tão bem

a elas. Para os autores, as práticas gerenciais utilizadas a fim de motivar os trabalhadores mais

velhos devem ser diferentes daquelas utilizadas para motivar os mais jovens. Eles apontam

que os trabalhadores mais velhos gostam de se sentir seguros e valorizados e comumente

esperam isso da organização.

As mudanças gerenciais no TCU praticamente se resumem a trocas de pessoas nos

postos de chefias. Evidentemente acontecem mudanças organizacionais mais profundas, mas

mesmo estas não chegam a afetar sobremaneira a vida das pessoas. Além disso, como os

funcionários do órgão têm estabilidade, decididamente não acontecem mudanças radicais, por

exemplo, de cunho político. Portanto, talvez não tenhamos substância para avaliar a questão

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de mudanças organizacionais no universo aqui estudado, à luz da revisão de literatura

efetuada.

Mesmo assim, nos apropriamos de um assunto citado nas entrevistas que pode servir

de exemplo para ilustrar diferenças de percepções entre funcionários com mais tempo e

funcionários com menos tempo na organização.

Em determinada ocasião, no início dos anos 2000, o TCU resolveu instalar as já

mencionadas catracas eletrônicas a fim de registrar as entradas e saídas dos servidores em

suas instalações. Há muitas críticas até os dias de hoje a respeito desta medida. Porém,

percebe-se que a quase totalidade daqueles que a criticam são pessoas que trabalharam no

regime anterior e, agora, trabalham com a presença do controle eletrônico de freqüência, ou

seja, pessoas que vivenciaram a mudança e sentem, de certa forma, saudade do sistema

anterior. Eles, quando comparam as duas situações, tendem a preferir a antiga à atual.

Esta constatação encontra respaldo em Wetzel e Silva (2006), para quem “a tentativa

de construção de uma linha histórica e, portanto, a possibilidade de comparação entre

presente e futuro existem apenas para aqueles que estão na organização há mais tempo”.

Para os autores, é neste grupo que o fenômeno da nostalgia4 pode se instalar.

... aqueles – novos – que entram para o organização após as mudanças, mesmo que ouçam de seus colegas sobre o passado, têm pouca razão para nele fixarem seus parâmetros de comparação e o presente tem mais poder de convencimento do que relatos sobre algo que não viveram (WETZEL e SILVA, 2006).

O último aspecto a ser abordado neste ponto trata da mudança de valores que

comumente se verifica nas pessoas com o passar dos anos. Greller e Simpson (1999 apud

SHULTZ e ADAMS, 2007b) defendem que as pessoas de 50, 60 anos de idade, tendem a

procurar mais a emoção do que o valor instrumental nos relacionamentos. Com isso,

costumam dar importância às interações e contatos sociais de alta qualidade.

Como vimos, os entrevistados demonstraram que, de fato, dão valor ao convívio com

as pessoas do ambiente de trabalho. Foi perceptível a existência de uma espécie de sentimento

de admiração mútua, em que colegas valorizam-se uns aos outros. Talvez isso decorra do fato

de os funcionários já terem, naturalmente, um grande tempo de convivência entre eles, tendo

aprendido a enaltecer os feitos uns dos outros e conviver com eventuais diferenças. Uma visão

mais ácida poderia inferir por certo grau de corporativismo existente no âmago da

organização aqui estudada.

4 Saudade do passado.

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6 CONCLUSÕES E SUGESTÃO DE PESQUISA FUTURA

Os estudos efetuados nesta dissertação abrangeram um segmento do mercado de

trabalho compreendido por servidores públicos federais. Foi utilizado como estudo de caso o

Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso Nacional na tarefa de controle

externo, conforme preconiza a Constituição Federal.

Os servidores do TCU são estatutários, o que quer dizer que seu regime de trabalho

respeita a um estatuto próprio dos servidores públicos civis federais, não estando sob a

abrangência da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Ainda, a pesquisa teve seu foco

direcionado para os funcionários que se encontram na faixa etária de 50 anos de idade. A

maioria dos servidores nessa faixa de idade encontra-se a pouco tempo da aposentadoria.

Almejávamos encontrar os motivos que fazem com que profissionais experientes,

normalmente com muitos anos de trabalho na mesma organização, estáveis, tenham interesse

em continuar a trabalhar, a produzir. Além disso, buscávamos, também, compreender o

significado do trabalho para essas pessoas, que se encontram na parte final de suas carreiras,

pelo menos no serviço público.

Em linhas gerais, o TCU é um local de trabalho com características tradicionais, do

tipo “emprego para a vida toda”, onde as pessoas entram e raramente saem para outros locais.

Existe a impressão de que a opção pelo serviço público é um caminho sem volta, pois não é

comum a ida de profissionais de lá para a iniciativa privada. Muitos dos servidores do TCU

possuem elevado nível educacional, larga experiência no que fazem e raramente saem do

Tribunal para o mercado privado. É mais comum a mudança dentro do próprio serviço

público.

Diante dessa característica de “único emprego”, ou “emprego para a vida toda”, a

questão do desenvolvimento dos funcionários ao longo da carreira parece ser crítica.

Percebemos certa falta de perspectiva, algo como “não ter mais para onde caminhar” a partir

do momento em que o servidor atinge o patamar mais alto do plano de carreira, que chega de

forma razoavelmente rápida para os funcionários. Porém, nossa pesquisa não apontou para

uma falta de sentido no trabalho desenvolvido pelos funcionários do TCU, como poderia

ocorrer por não haver uma perspectiva de carreira.

A pesquisa indicou que o trabalho tem um papel central na vida dos funcionários

experientes do TCU. A esquematização do seu dia-a-dia é construída em função do trabalho.

Eles consideram que as atividades por eles desempenhadas são bastante variadas e estão longe

de ser monótonas, o que contribui para a satisfação com o trabalho. Salta aos olhos a sensação

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geral de estarem fazendo um bem pela sociedade, pela coletividade, por intermédio de seu

trabalho. Mencionamos, em determinado momento da dissertação, que o trabalho pode ser

enxergado como um direito ou como um dever. Concluímos que os entrevistados vêem seu

trabalho como um dever, o que justifica e dá legitimidade às suas atitudes. Eles se sentem, de

alguma forma, detentores de poder, por perceberem que fazem algo em prol de uma

coletividade.

Por outro lado, sentem-se impotentes e desconfortáveis quanto ao desenrolar de suas

análises e propostas, as quais são enviadas às autoridades julgadoras da Corte de Contas e, em

alguns casos, não são acatadas. A impressão de existir interferências políticas a direcionar

algumas decisões desagrada os servidores.

O ambiente de trabalho apareceu como um ponto positivo no estudo. Evidentemente

há casos em que diferentes pontos de vista se chocam, mas esse não pareceu ser um problema

sério na instituição objeto do nosso estudo de caso. Cumpre destacar a importância que os

entrevistados demonstraram dar à convivência com os seus pares. Eles consideram que as

trocas de conhecimentos, de experiências, são de grande valia para todos, funcionando como

importante ferramenta de aprendizado contínuo.

Esta dissertação apontou decisivamente para a centralidade do trabalho também como

estruturador do tempo na vida das pessoas. Os funcionários do TCU desempenham outras

atividades, laborais ou não, paralelamente ao trabalho no órgão. Os horários dessas atividades

são estabelecidos em função do horário de trabalho no TCU. Restou claro o papel do trabalho

como sendo o elemento principal a conferir uma rotina para os servidores. Eles narraram

diferentes maneiras de organizar o dia-a-dia, e mencionaram a forma como repetem hábitos

dia após dia. Individualidades à parte, o trabalho invariavelmente apareceu como sendo o

núcleo ao redor do qual orbitam as demais atividades das pessoas.

É importante ressaltar o enorme valor percebido pelos funcionários do TCU quanto ao

sistema de horário flexível existente na organização. A possibilidade de organizar a rotina

diária de diferentes maneiras, sem rigidez, associada à possibilidade de acúmulo e utilização

de horas em banco de horas, parece funcionar como um instrumento tremendamente

motivador para os funcionários.

Em que pese esta visão positiva quanto ao regime de horários utilizado no TCU, a

possibilidade de implantação do teletrabalho no Tribunal foi assunto recorrente em nossas

entrevistas. Os funcionários vêem com bons olhos a iniciativa, caso a instituição adote-a como

uma faculdade. É interessante constatar essa posição em pessoas que conviveram com uma

realidade bem longe desta possibilidade ao longo de suas carreiras. As inovações tecnológicas

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não apareceram como uma barreira, como poderiam supor, em se tratando de um universo de

funcionários experientes e em final de carreira.

O trabalho acaba por funcionar, também, como estruturador do tempo de vida dos

funcionários do TCU, no sentido de dividir a vida em grandes etapas, sendo estas

estabelecidas em função do trabalho. Queremos dizer com isso que a vida dos servidores pode

ser usualmente dividida em três fases:

- Início da vida – fase de estudos, preparação, culminando com a preparação para o concurso

público;

- Meio da vida – fase de dedicação e progresso no trabalho, com participação intensa nas

atividades desempenhadas na organização; e

- Parte final da vida – aí incluídos os últimos dias de trabalho e a vida pós-trabalho, ou seja, a

aposentadoria.

Percebemos que há divergências quanto à percepção dos funcionários acerca da

imagem que outros (terceiros) constroem deles pelo fato de eles trabalharem no TCU. Alguns

avaliam que são muito bem vistos pelos demais justamente pelo fato de serem funcionários do

Tribunal. Estes se consideram com elevado prestígio social. Outros não enxergam da mesma

forma, embora apenas tenham alegado não perceberem qualquer sinal de status pelo fato de

trabalharem no órgão.

Interessante constatação veio com as críticas feitas à organização devido à escassez de

disponibilização de treinamentos. É interessante, primeiro, pelo fato de estarmos tratando de

pessoas que estão na parte final de suas carreiras no TCU e ainda almejam aperfeiçoarem-se.

Segundo, e especialmente, por não ser a empregabilidade uma questão importante para os

servidores. Eles não têm a ameaça da perda de emprego e a conseqüente necessidade de

recolocação como uma preocupação. Aliás, a segurança que a estabilidade lhes confere foi

apontada como um dos principais atrativos do serviço público.

Quanto à proximidade da aposentadoria, obtivemos importantes constatações. Ao

contrário do que o senso comum poderia imaginar para pessoas que estão quase encerrando

suas contribuições laborais depois de tanto tempo em uma mesma organização, os

funcionários não ficam desmotivados nos trabalhos para os quais são designados. O

sentimento de estar fazendo algo bom e/ou útil para a coletividade continua a dirigir as ações

dos servidores do TCU, mesmo próximos da aposentadoria.

Ficou claro, também, que muitas pessoas, mesmo dispondo de todas as condições para

requererem sua aposentadoria, não o fazem devido a perdas financeiras que a aposentadoria

representará. Atualmente existe um incentivo à permanência sob a forma de um abono de

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valor igual à contribuição social do funcionário, quantia representativa no orçamento

individual. Além disso, os servidores ativos do TCU recebem um valor maior de gratificação

de desempenho do que os aposentados. Sem contar outras perdas, como o auxílio

alimentação, que os aposentados deixam de receber.

Outro aspecto que constatamos é o receio que as pessoas demonstram ter de tomar a

decisão de se aposentar. Trata-se de uma decisão irreversível, portanto ela, de fato, deve ser

tomada após profunda reflexão. Alguns têm medo de envelhecer rápido demais pelo fato de

deixarem de viver as trocas naturais que acontecem no ambiente de trabalho. Imaginam que

seus cérebros se exercitarão bem menos como aposentados, o que parece não ser algo bom.

Enfim, a mudança de uma situação rotineira de trabalho para a inatividade é um fator a

preocupar boa parte dos servidores. Foi mencionado, até, o medo de se adquirir doenças

devido à mudança para a situação de aposentado.

Concluímos que a aposentadoria pode representar a perda de poder para essas pessoas.

São pessoas que passaram boa parte de suas vidas procurando apontar falhas e/ou

possibilidades de melhorias na gestão da coisa pública. Além disso, nos casos de pessoas que

não se desenvolveram a ponto de se sentirem capazes de fazer outras atividades diferentes

daquelas desempenhadas no Tribunal (ou, generalizando, na instituição em que se encontra no

momento da aposentadoria, onde, provavelmente, a pessoa trabalhou por longos anos), de fato

a aposentadoria deve representar algo amedrontador. Parece-nos ser de grande valia para a

aposentadoria a rede de relacionamentos construída ao longo da vida dos indivíduos.

Ainda, imaginamos que uma questão sensível da aposentadoria seja justamente a sua

característica de irreversibilidade, como vimos. É algo que a pessoa não tem o direito de

experimentar por um tempo e resolver voltar à situação anterior, por exemplo. Além disso, a

maneira muitas vezes desdenhosa como a sociedade enxerga o aposentado, até mesmo

desrespeitosa em algumas circunstâncias, é outro obstáculo a ser enfrentado por quem se

aproxima do momento de se aposentar.

Dentre os planos para a aposentadoria, identificamos: ajudar os filhos e netos;

continuar a trabalhar, porém de forma voluntária, em trabalhos de ajuda a pessoas carentes;

viajar; fazer cursos; abrir negócio próprio. Não obtivemos resposta que desse a entender a

intenção da pessoa de não fazer nada. Todos têm algum plano em mente. Aqueles que temem

mais a aposentadoria têm planos de esticar a permanência no TCU.

De modo geral, nota-se que há um sentimento de satisfação entre os funcionários mais

antigos do órgão. É possível que isso esteja relacionado a uma falta de perspectivas em

relação a outras opções do mercado de trabalho, representando certo conformismo. Mas pode

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ser que exista, de fato, uma sensação de satisfação, independentemente da consideração a

respeito do mercado. As pessoas, após muitos anos no mesmo tipo de trabalho, acabam por ter

suas expectativas mais ajustadas; elas deixam para trás o idealismo e tornam-se mais realistas.

Parece que aceitam melhor a realidade.

É importante atentar para o fato de que no TCU, e possivelmente em outras

instituições públicas, há um crescente número de funcionários que podem ser considerados

como estando na parte final de suas carreiras, ou seja, próximos da aposentadoria. Trata-se de

uma força de trabalho importante, com grande experiência, que deve receber atenção especial

dada a sua utilidade para as organizações. Suas demandas e anseios devem ser conhecidos e

estudados, bem como suas angústias, especialmente no que tange à proximidade da

aposentadoria. Sem dúvida eles compõem um universo de trabalhadores com grandes

contribuições a dar às instituições e à sociedade, não devendo ser desperdiçados. Pudemos

perceber que há muitos nesta situação com grande motivação para o trabalho.

Antes de finalizarmos, comentamos sobre uma questão que, apesar de não ter sido

abordada diretamente nas entrevistas, é relativamente conhecida. As pessoas entrevistadas

cumprem função primordialmente operacional, no sentido de serem elas as executoras dos

trabalhos técnicos do TCU. No âmbito dos trabalhos nos quais tomam parte, suas instruções

de processos, relatórios ou nos demais instrumentos por meio do qual emitem suas opiniões,

têm caráter exclusivamente técnico. As decisões políticas do Tribunal, a palavra “políticas”,

neste momento, dizendo respeito a centrais, fundamentais, estruturais, estão fora do alcance

dos funcionários que se encontram no mesmo patamar dos entrevistados.

Queremos dizer com isso que nosso universo não foi composto por pessoas que

ocupam cargos que podem ser considerados chave para a tomada de decisões no âmbito do

órgão. Talvez tivéssemos encontrado resultados um pouco diferentes se entrevistássemos

pessoas que ocupam as principais funções comissionadas disponíveis no Tribunal,

especialmente no que tange a eventuais críticas à instituição que obtivemos. Imaginamos

haver situações nas quais a manutenção da condição de ocupante de função comissionada

depende de relacionamentos pessoais, podendo existir, inclusive, um alinhamento forçado de

opiniões com quem detém a prerrogativa de nomear e exonerar ocupantes dessas funções

importantes.

Cumpre destacar que essa espécie de “roda-gigante”, em que alguns poucos detêm a

prerrogativa de fazer os cargos importantes rodarem ou não, de uns para outros, é uma

formatação que não combina com a realidade do mundo moderno.

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Por fim, de posse dos resultados alcançados por esta pesquisa, abrangendo servidores

públicos federais que se encontram na fase final de suas carreiras, pessoas com características

bastante peculiares, com uma vida laboral bem definida, entendemos pertinente deixar como

sugestão de pesquisa futura a proposta de extensão deste trabalho, com eventual

aprofundamento, abrangendo servidores públicos mais novos, com mais anos de trabalho pela

frente. Imaginamos que importantes resultados podem surgir por meio da compreensão das

expectativas de pessoas que ainda têm muitos anos a contribuir com aquilo que propusemos

como sendo uma espécie de caminho sem volta, que representa o ingresso no serviço público,

especialmente em determinados órgãos como o que serviu de estudo de caso para esta

dissertação.

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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO

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ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

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Contextualização Dados: nome, idade

Pergunta Outra forma de fazer a pergunta (normalmente com mais detalhes) / Variantes sobre o tema

O que se pretende obter (teoricamente) com esta pergunta

Autores que podem auxiliar ao analisar as respostas a esta

pergunta Fale-me sobre a sua trajetória profissional

- Há quanto tempo você trabalha? - Por quais empresas você passou? - Há quanto tempo trabalha no TCU? - Por que o TCU?

Embora ainda seja parte da contextualização, servirá para enquadrar o entrevistado como experiente, maduro.

-

O que você gosta no trabalho? O que você não gosta?

- Que aspectos do seu trabalho te agradam? - Você valoriza mais aspectos intrínsecos, embutidos na sua atividade laboral, ou extrínsecos (salário, ambiente, status, etc)?

Tentar encontrar fatores que o entrevistado enxerga como relevantes no seu trabalho.

Drenth (1991)

Ros et al (1999)

BARNES-FARRELL e MATTHEWS, 2007

Como você estrutura o seu dia?

- Que atividades você faz no seu dia-a-dia? Conte-me um dia típico seu, considerando o trabalho e as demais atividades da vida (família, tempo livre, etc). - Caso você tivesse total liberdade de tempo, sem nenhuma obrigação com trabalho, como seria a sua vida? - Você tem pessoas próximas nesta situação (aposentadas, etc)? Como você as vê? - Você gostaria de ter uma parte do tempo livre para fazer outras coisas? Por quê? O que gostaria de fazer?

- Estruturação do tempo. - Saber se é o trabalho que estrutura o tempo do entrevistado. - Forçar a imaginação do entrevistado para que ele se imagine sem estruturação do tempo. Como ele percebe isso? - Tentar descobrir se o entrevistado prefere ter todo o seu tempo livre, parte dele livre, ou ter seu tempo estruturado da forma como se dá hoje.

PEIRÓ e Prieto (1996a) (1996b)

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ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

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Você acha adequada a quantidade de horas de trabalho no TCU?

- Em relação à quantidade de tempo de presença física exigida pela organização, você se sente confortável? - Qual a sua opinião sobre o horário flexível?

- Se o entrevistado está satisfeito com a quantidade de tempo que dedica ao trabalho. - Se ele defende que haja maior rigor em relação a horários. Ou ao contrário.

PEIRÓ e Prieto (1996a) (1996b) SMYER e CATSOUPHES, 2007 QUINTANILLA e WILPERT, 1991

Você acha importante o trabalho ser desempenhado onde é ou poderia/deveria ser feito em local que o funcionário escolhesse (sua casa ou outros)?

- O que você pensa a respeito do teletrabalho? - A sua percepção do trabalho mudaria caso houvesse a liberdade de trabalhar em casa?

Tentar identificar se a ida ao ambiente de trabalho é algo importante para os trabalhadores experientes.

SMYER e CATSOUPHES, 2007

Como é a relação com as pessoas de outras gerações?

Verificar em que medida as novas gerações podem servir de contato social, fonte de aprendizado etc

Como é a sua relação com a tecnologia?

Verificar se a tecnologia pode ser um fator positivo (de aumento de produtividade, de aprendizado) ou negativo (não querer usar, medo de não aprender)

Você continua aprendendo com o trabalho? Em que sentido?

- O trabalho proporciona que você ainda se desenvolva, mesmo após esse percurso já trilhado? - O aprendizado que você obtém do trabalho é advindo do contato com outros, de treinamento, de auto-desenvolvimento, como você vê essa questão?

- Desenvolvimento pessoal. - Se os experientes e/ou maduros continuam a se desenvolver.

Tonelli e Pliopas (2007) CLEVELAND e LIM, 2007

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ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

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A sua maneira de trabalhar mudou ao longo desses anos?

- (Você acha que evoluiu tecnicamente nesse tempo de TCU?) - Você vê a problemática do controle externo com outros olhos após esses anos de experiência? Como?

- Verificar se a experiência trouxe para os entrevistados a descoberta de “atalhos” para determinadas situações.

BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005 SMYER e CATSOUPHES, 2007 CLEVELAND e LIM, 2007

O TCU mudou muito de quando você entrou para hoje? Como? Em que sentido?

- Você percebe muitas mudanças na organização ao longo dos seus anos de trabalho? Para melhor/pior? - O que mudou? Estrutura? Salário? - E os resultados obtidos pela instituição, são melhores ou piores agora do que antes?

- Tentar identificar as mudanças organizacionais percebidas pelo entrevistado ao longo do tempo, e as conseqüências disso, sob seu ponto de vista.

BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005 SMYER e CATSOUPHES, 2007

Como você vê a atuação do órgão? É importante? Por quê? Para quem? É efetiva?

- Você acha que o TCU desempenha um papel relevante para os interesses da sociedade? - Quem se beneficia dos trabalhos desenvolvidos pelo TCU? - Caso o órgão não existisse, quais seriam as conseqüências que você vislumbra? - Você acha que o TCU cumpre de forma adequada as suas atribuições?

- Compreender se o entrevistado percebe a atuação do órgão em que trabalha como importante ou não. - Tentar identificar se ele fica estimulado ou desestimulado em conseqüência dos resultados obtidos pela instituição.

BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005

De que forma você percebe a sua contribuição/o seu trabalho para os resultados do TCU?

- Você acha que o seu esforço tem o devido resultado? - Você acompanha o desenrolar daquilo que propõe em seus trabalhos? Fazia isso antes?

Tentar identificar se o entrevistado se percebe como inserido no conjunto de componentes da instituição.

(BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2005) BARNES-FARRELL e MATTHEWS, 2007

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ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

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Você acha que há reconhecimento aos funcionários experientes pela organização? E pelos colegas?

- Você acha que pelo fato de ser experiente a maneira de os outros te tratarem no ambiente de trabalho é diferente? - A experiência é valorizada dentro da organização?

Compreender se os funcionários que se encontram na parte final de seus ciclos laborais no TCU se vêem cada vez mais como “um peixe fora d’água”, ou não.

CLEVELAND e LIM, 2007

Como você avalia as regras próprias inerentes aos servidores civis federais (regras de aposentadoria, estabilidade, paridade, etc)? Você acha que isso influencia na forma de as pessoas desempenharem suas atividades? No seu caso, essas regras influenciam a forma de agir?

- Você se sente atraído pela estabilidade? E pela aposentadoria integral? São situações justas, no seu ponto de vista? - Você acha que isso é um atrativo? - Se esse conjunto de regras não existisse, você estaria no TCU?

- Procurar entender se a opção pelo TCU é uma busca por segurança, por comodidade ou outros. - Tentar descobrir se essas regras próprias influenciam o trabalho desenvolvido.

BARNES-FARRELL e MATTHEWS, 2007

O que o trabalho significa/representa para você?

- Você acha o trabalho, de modo geral, importante? Por quê? - Como você vê o seu trabalho em termos de status, prestígio social, etc? - Esse seu ponto de vista modificou-se com o passar dos anos?

- Tentativa de entender o significado do trabalho para o entrevistado. - Procurar descobrir se a identidade do entrevistado é definida pelo seu trabalho. - Buscar compreender a importância enxergada pelo entrevistado em relação ao trabalho.

SMYER e CATSOUPHES, 2007 PEIRÓ e Prieto (1996a)

Ros et al (1999)

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ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

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Você percebe o trabalho como um fim em si mesmo ou como uma atividade para atingir um fim?

- A finalidade de você trabalhar é obter os resultados advindos do seu trabalho, propriamente dito, ou o trabalho para você funciona mais como um meio de suprir suas necessidades?

Compreender se o entrevistado adquire satisfação com a atividade laboral, ou se a executa com vista a obter outros benefícios.

Peiró e Prieto (1996a)

Se você ganhasse muito dinheiro de uma só vez, de forma tal que não precisasse mais trabalhar para se manter, você ainda assim trabalharia? No TCU?

- Você trabalha com o intuito primordial de suprir suas necessidades ou o trabalho está no centro de suas atividades? - Você acha que conseguiria viver bem sem a presença do trabalho?

Centralidade do trabalho Peiró e Prieto (1996a) Cyntthia Sarti (2005) Morin (2001)

Como as outras pessoas vêem o seu trabalho no TCU?

Como sua esposa/seu marido vê o seu trabalho no TCU? E os seus filhos? E os amigos? Você acha que se trabalhasse em outro lugar que não o TCU essas pessoas veriam de outra forma o seu trabalho?

Verificar como as outras pessoas vêem o trabalho. Talvez fosse interessante investigar como pessoas importantes (família, amigos externos ou outros grupos de referencia) vêem o trabalho no TCU.

Considerando as regras em vigor, como você vê a proximidade da aposentadoria? O fato de ela estar (relativamente) próxima influencia a sua maneira de trabalhar?

- Você tinha mais ânimo para trabalhar no início do que agora? - Como você enxerga novos trabalhos que vão surgindo? - Você se sente desafiado?

- Tentar descobrir que atitudes perante o trabalho surgem com a proximidade da aposentadoria.

BARNES-FARRELL e MATTHEWS, 2007

Fale-me sobre seus planos para a aposentadoria.

- Você pretende se aposentar quando completar os requisitos exigidos?

- Como você imagina que será a sua vida de aposentado?

- Você pretende trabalhar em outro lugar?

Tentar saber se o entrevistado vai se aposentar de fato quando passar a ter direito a isso, ou se vai continuar a trabalhar, e o porquê de sua decisão.

SMYER e CATSOUPHES, 2007 CAMARANO, 2001