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Maria Clara Di Pierro Políticas municipais de educação básica de jovens e adultos no Brasil: um estudo do caso de Porto Alegre (RS) Mestrado em História e Filosofia da Educação Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 1996

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Maria Clara Di Pierro

Políticas municipais de educação básica de jovens e adultos no

Brasil: um estudo do caso de Porto Alegre (RS)

Mestrado em História e Filosofia da Educação

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

1996

Maria Clara Di Pierro

Políticas municipais de educação básica de jovens e adultos no

Brasil: um estudo do caso de Porto Alegre (RS)

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em História e Filosofia da Educação sob

Orientação do Prof. Dr. Sérgio Haddad

São Paulo - 1996

Banca Examinadora:

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Resumo

O estudo do caso de Porto Alegre procurou aferir a hipótese de que a municipalização do

ensino básico de jovens e adultos (induzida pela omissão das esferas federal e estadual de

governo) configura uma estratégia eficaz tendo em vista os fins de democratização do

acesso e melhoria da qualidade da escolarização das camadas populares.

A experiência do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA) foi selecionada por ter

conquistado alguma prioridade no interior da política educacional, inserindo-se no sistema

municipal de ensino e configurando um modelo pedagógico inovador.

A pesquisa registra a trajetória do SEJA de 1989 a 1995, descreve sua abrangência no

interior da rede municipal e do ensino supletivo estadual, analisa suas orientações político-

pedagógicas, características de estrutura e funcionamento, métodos de gestão, estratégias

de financiamento, profissionalização e formação dos educadores.

O estudo concluiu que a constituição do SEJA não configurou um autêntico processo de

descentralização educativa. A importância atribuída em Porto Alegre à educação básica de

jovens e adultos resultou da convergência de intencionalidades político-pedagógicas

diversas congruentes com a tradição do Partido no governo, da qual foram portadores

agentes posicionados na burocracia governamental informados pelo paradigma da educação

popular e pelo aporte teórico-metodológico do construtivismo. Técnicas, professoras e

alunos exprimem elevado grau de satisfação com o processo de ensino-aprendizagem, no

qual o resgate da auto estima do educando e sua promoção como cidadão ocupam lugar

central. Há indicações de que a qualidade alcançada pelo SEJA decorre, em grande medida,

do elevado investimento na profissionalização e formação em serviço de suas educadoras.

Embora se tenha observado expansão de vagas e o modelo pedagógico adotado responda às

necessidades educativas da população trabalhadora empobrecida à qual se destina, o

atendimento educacional mostrou-se quantitativamente irrisório frente à demanda potencial

por escolarização existente no Município e seu estilo predominantemente escolar mostra-se

insuficiente para transpor os limites seletivos impostos pelos mecanismos de exclusão

instalados na sociedade e mediados pela escola.

Agradecimentos

A realização desta Dissertação de Mestrado deve-se, em grande medida, ao incentivo do

Prof. Dr. Sérgio Haddad. Agradeço especialmente sua orientação à pesquisa, mas também

sua disponibilidade pessoal, bom humor e amizade.

Meus agradecimentos se estendem aos demais membros da banca do Exame de

Qualificação - Professores Doutores Celso de Rui Beisiegel e Cristiano G. Di Giorgi -,

pelos subsídios, críticas e sugestões na reorientação do trabalho.

Sou grata a todo corpo de professores do Programa de Estudos Pós Graduados em História

e Filosofia da Educação da PUC/SP pelas aprendizagens construídas nestes dois anos de

aperfeiçoamento acadêmico. Sinto-me obrigada, porém, a fazer especial menção às

Professoras Doutoras Mirian Jorge Warde e Maria Machado Malta Campos -

coordenadoras respectivamente do Programa e do Núcleo de Estudos e Pesquisas

Educação Popular, Sociedade Civil e Estado -, pelos desafios intelectuais que me

propuseram, pela confiança que depositaram na minha capacidade de enfrentá-los e pelas

contribuições que ofereceram para que eu os superasse.

Agradeço a todas as pessoas e instituições que cooperaram com a pesquisa fornecendo

depoimentos, documentos, estatísticas e informações, apoiando a coleta de dados

documentais e de campo, discutindo as versões preliminares, sugerindo leituras e caminhos

para a análise, financiando viagens e bolsas de estudo, realizando transcrição de fitas,

reprografia, transportes, etc. Na impossibilidade de citá-las todas pessoalmente sem o risco

de omitir involuntária e injustamente algumas delas, opto por indicar, em ordem alfabética,

as instituições às quais se vinculam:

Ação Educativa - Assessoria, Pesquisa e Informação

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis

Programa de Estudos Pós Graduados em História e Filosofia da Educação da PUC/SP

Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre

Dedico este trabalho a todos meus ex-alunos de cursos supletivos, representados

simbolicamente em duas pessoas queridas:

à memória de Roberto Carlos que, como tantos outros adolescentes negros, foi

assassinado em uma noite escura na periferia de São Paulo

ao sucesso de Maria Aparecida, então empregada doméstica, hoje Pedagoga

formada por esta mesma Universidade

Índice Geral

1º Cap. - Analfabetismo e educação básica de jovens e adultos no Brasil 1

1. Tendências recentes das políticas públicas de educação básica de jovens e adultos 3

2. A municipalização induzida da educação básica de jovens e adultos 6

2º Cap. - A pesquisa 11

1. Hipóteses e questões para investigação 11

2. Revisão da bibliografia e enquadramento teórico do estudo 15

3. Procedimentos metodológicos e técnicos 20

3.1. Metodologia de estudo de caso: limites e potencialidades 20

3.2. Fontes e critérios para seleção do caso 22

3.3. A coleta dos dados 24

3º Cap. - O caso de Porto Alegre 28

1. O ensino básico no Município de Porto Alegre 29

2. O ensino supletivo na rede estadual 32

3. O Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA - de Porto Alegre 34

3.1. A proposta político-pedagógica do SEJA 40

3.2. As relações com a sociedade civil na promoção da EBJA 42

3.3. Características, estrutura, funcionamento e currículo do SEJA 45

3.3.1. O enquadramento legal do SEJA 48

3.4. A demanda potencial por EBJA em Porto Alegre e a cobertura escolar do SEJA 48

3.5. Custos e financiamento da EBJA em Porto Alegre 52

3.6. Os educadores do SEJA 54

3.7. Os alunos do SEJA 59

3.7.1. Trabalho, condição social e escolarização 63

3.7.2. Origem rural-urbana e migrações 65

3.7.3. Idade e convívio inter geracional 65

3.7.4. A questão de gênero 71

3.7.5. As experiências da exclusão e do fracasso escolar 75

3.7.6. Os vínculos com o professor e com o saber 79

3.8. A participação de alunos e professores 86

3.8.1. A participação na gestão da escola e do SEJA 89

3.9. A inserção orgânica do SEJA no sistema municipal de ensino 99

4º Cap. - Análise dos resultados e recomendações 100

1. Descentralização educativa e municipalização da EBJA 100

2. Limites e perspectivas à democratização da EBJA 103

3. As intencionalidades subjacentes à constituição de um serviço público de EBJA 107

4. Uma nova qualidade na EBJA 109

4.1. A dupla matriz teórico-metodológica: educação popular e construtivismo 109

4.2. Um jeito jovem e adulto de ser e fazer escola 112

4.3. O docente no centro do processo 115

5. Impasses não solucionados 118

5.1. Ampliação da cobertura escolar, financiamento e cooperação no setor público 118

5.2. Lógica burocrática do Estado versus educação popular 119

6. Recomendações finais 121

6.1. Quanto às políticas públicas de EBJA 122

6.2. Quanto ao SEJA de Porto Alegre 122

6.3. Questões para pesquisas futuras 124

Bibliografia 126

Índice de Anexos

Anexo 1 - Roteiro de entrevista com dirigentes 135

Anexo 2 - Roteiro de entrevista com equipe técnica 135

Anexo 3 - Ficha de caracterização da equipe técnica 136

Anexo 4 - Roteiro de entrevista com professores 138

Anexo 5 - Ficha de caracterização dos professores entrevistados 139

Anexo 6 - Roteiro de entrevista com alunos 141

Anexo 7 - Ficha de caracterização dos alunos entrevistados 142

Anexo 8 - Caracterização dos professores entrevistados em Porto Alegre 143

Anexo 9 - Perfil da equipe técnica (GAP) 146

Índice de Quadros

I: Brasil - Variação do analfabetismo na população com 15 anos ou mais (1980-1991) 1

II: Brasil - Analfabetismo na população de 15 a 19 anos (1991) 2

III: Brasil - Anos de estudo dos chefes de domicílios particulares (IBGE, 1991) 2

IV: Brasil - Evolução da receita tributária disponível (1980-1990) 8

V: Brasil - Distribuição da receita pública em 1983 e 1993 8

VI: Tamanho dos municípios brasileiros (IBGE, 1992) 8

VII: P. Alegre - Matrícula inicial por nível de ensino e dep. administrativa (1992) 29

VIII: P. Alegre - Unidades escolares por nível de ensino e dep. administrativa (1992) 29

IX: Evolução do nº de estabelecimentos da RME de Porto Alegre (1985-1995) 30

X: Evolução da matrícula inicial na RME de Porto Alegre (1985-1995) 31

XI: Evolução da matrícula inicial em EBJA na RME de Porto Alegre (1989-1995) 49

XII: P. Alegre - Recursos orçamentários despendidos em Educação e Cultura (1983-1992) 52

XIII: Porto Alegre - Resultados da execução orçamentária 1988-92 (em milhões de U$) 52

XIV: Caracterização dos alunos do SEJA entrevistados 61

XV: Brasil - Evolução da matrícula inicial nas redes de ensino fundamental (1988-1990) 100

XVI: Brasil: Matrícula inicial nas redes públicas por localização (1989) 101

1º Capítulo

O analfabetismo e a educação básica de jovens e adultos no Brasil

Os dados sobre escolaridade da população brasileira colhidos no Recenseamento Geral de

1991 indicam que, malgrado os avanços relativos à tendência histórica, persistem elevados

índices de analfabetismo na população jovem e adulta e acentuadas desigualdades regionais

na distribuição das oportunidades educacionais. Observa-se que os índices percentuais do

analfabetismo entre jovens e adultos com 15 anos ou mais declinaram, porém o contingente

total de analfabetos continua ampliando-se nas Regiões Norte e Nordeste, ainda que em

ritmo inferior ao crescimento da população.

Quadro I: Brasil - Variação do analfabetismo na população com 15 anos ou mais (1980-1991)

Região 1980 1991 Variação %

Total Analfabetos % Total Analfabetos % Total Analf.

Norte 3.171.702 927.893 29,26 5.763.395 1.420.275 24,64 +81,71 +53,06

Nordeste 19.706.071 8.952.532 45,43 25.751.993 9.695.039 37,65 +30,68 +8,29

C. Oeste 4.450.345 1.125.058 25,28 6.101.542 1.021737 16,75 +37,10 -9,18

Sudeste 34.079.602 5.739.165 16,84 43.155.676 5.312.149 12,31 +26,63 -7,44

Sul 12.133.466 1.972.082 16,25 15.064.437 1.784.558 11,85 +24,15 -9,50

Brasil 73.541.686 18.716.730 25,45 95.837.043 19.233.758 20,07 +30,31 +2,76

Fontes: IBGE. IX Recenseamento Geral do Brasil 1980; IBGE-MEC/SAG/SEEC 1995.

Na variação dos dados durante a década de 80, o melhor desempenho coube à Região

Centro Oeste onde, mesmo com um crescimento populacional elevado, o analfabetismo

declina em ritmo acelerado.

O problema do analfabetismo está fortemente concentrado na Região Nordeste, onde tanto

os números absolutos quanto os índices percentuais são muito elevados, inclusive nas faixas

etárias mais jovens (Quadro II). Nesta Região, o fenômeno associa-se à pobreza extrema e

incide tanto sobre as populações das zonas rurais quanto das grandes cidades.

Por outro lado, a Região Sudeste - a mais desenvolvida e urbanizada do País - chama a

atenção pela presença de elevado contingente de analfabetos, ainda que seus índices de

analfabetismo sejam inferiores à média nacional. Neste caso, o analfabetismo está associado

à pobreza urbana e concentra-se na periferia das regiões metropolitanas e grandes cidades.

Quadro II: Brasil - Analfabetismo na população de 15 a 19 anos nas Regiões (1991)

Região Total Analfabetos % na Região % no País

Norte 1.138.988 170.272 14,95 9,40

Nordeste 4.755.682 1.216.990 25,59 67,23

Centro Oeste 1.026.195 66.958 6,52 3,69

Sudeste 5.968.244 276.111 4,63 15,25

Sul 2.128.363 79.720 3,75 4,40

Brasil 15.017.472 1.810.051 12,05 100,00

Fonte: IBGE-MEC/SAG/SEEC - 1995

O quadro nacional e regional desenha-se ainda mais severo, se considerarmos que o critério

censitário de alfabetização restringe-se à capacidade declarada de ler e escrever um bilhete

simples. Pesquisas recentes realizadas em países latino americanos concluíram que cinco

anos de escolaridade são imprescindíveis para a inserção social e laboral em ambientes

impactados por processos de modernização, nos quais as exigências de leitura, escrita e

matemática formalizada são crescentes: "O limiar da alfabetização funcional, para a

América Latina, está além da quarta série" (INFANTE R., 1994, p. 244). Assim, se

ampliarmos o critério de alfabetização funcional para cinco anos de estudo, multiplica-se o

contingente total de analfabetos. O IBGE ainda não divulgou os dados de escolaridade

(anos de estudo) para a população total nas diferentes faixas etárias, o que nos impede de

apresentar estatísticas oficiais sobre esta temática. Podemos, porém, realizar projeções a

partir dos dados disponíveis para os chefes de domicílios particulares:

Quadro III: Brasil - Anos de estudo dos chefes de domicílios particulares (IBGE, 1991)

Anos de estudo Total %

Sem instrução ou menos de 1 ano de estudo 8.491.664 24,44

1 a 3 anos de estudo 6.597.363 18,99

4 a 7 anos de estudo 10.503.107 30,23

8 a 10 anos de estudo 3.430.978 9,87

11 a 14 anos de estudo 3.731.429 10,74

15 anos ou mais de estudo 1980.174 5,70

Total 34.734.715 100,00

Se adotarmos o critério indicado pelas pesquisas acima citadas, concluímos que a quarta

parte dos chefes de domicílios são analfabetos absolutos e aproximadamente metade deles

são analfabetos funcionais. Essas proporções têm elevada probabilidade de repetir-se na

população jovem e adulta como um todo.

1. Tendências recentes das políticas de educação básica de jovens e adultos

O sistema público de educação fundamental destinado à população jovem e adulta no Brasil

é ainda hoje regido pela Lei 5692 de 19711, guardando as características delineadas em seu

Capítulo IV, do Ensino Supletivo, e detalhadas pelo Parecer 699 do Conselho Federal de

Educação, relatado pelo então conselheiro Valnir Chagas. A suplência, cuja função é

"suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido

ou concluído na idade própria" - pode realizar-se através de cursos acelerados, ensino

individualizado, educação à distância via rádio, televisão ou material impresso e a avaliação

de aprendizagem pode dar-se no processo ou através de exames especialmente organizados

para este fim.

Pesquisa concluída em 1988 (HADDAD et al, 1987a; 1987b; 1988; 1989a; 1989b)

constatou que o ensino supletivo alcançou uma implantação efetiva (embora bastante

heterogênea) em todo território nacional, diversificando a oferta de escolarização destinada

a jovens e adultos; detectou a não priorização da educação de adultos na política

educacional; apontou a insuficiência da cobertura escolar existente face a demanda

potencial; e identificou dificuldades de natureza político-administrativa, financeira e

pedagógica que limitavam a cobertura e a qualidade do ensino oferecido.

Nos anos seguintes, o país passou por mudanças políticas e legislativas, ensejando uma

democratização das oportunidades educacionais. A Constituição de 1988 estendeu aos

jovens e adultos o direito ao ensino fundamental gratuito, ampliando as responsabilidades

1 A seção dedicada à educação de jovens e adultos no projeto de nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(de autoria do Senador Darci Ribeiro) que tramita no Congresso Nacional não acrescenta inovações, exceto

a redução da idade mínima para os candidatos aos exames supletivos de 1º e 2º graus para 15 e 18 anos,

respectivamente.

das redes públicas no atendimento educacional dessa faixa etária2. Essas responsabilidades

foram reiteradas pelo Artigo 60 das Disposições Transitórias, em que a Constituição

estabeleceu um prazo de dez anos ao longo dos quais deveriam concentrar-se os esforços e

recursos governamentais e da sociedade civil para a universalização do ensino básico e

erradicação (sic) do analfabetismo. A Constituição compartiu os encargos do ensino

fundamental obrigatório e gratuito entre as esferas de governo, estabelecendo o regime de

colaboração entre os sistemas de ensino. Uma divisão mais clara de responsabilidades entre

a União, os Estados e os Municípios acabou sendo postergada para a lei complementar de

diretrizes e bases da educação nacional, que desde 1989 tramita no Congresso.

O cenário desenhado pelo novo texto constitucional faria supor uma ampliação substancial

dos programas de educação básica de jovens e adultos nos anos subseqüentes.

Mais pela carga histórica que pela divisão legal dos encargos educacionais, grande parte das

expectativas relativas à promoção da educação de jovens e adultos recaía sobre o governo

federal pois, nesta segunda metade do século, a União tomou para si o encargo de

promover campanhas de alfabetização (1947-1964), sucedidas pelo Mobral (1971/1986) e

pela Fundação Educar (1986-1990), tendo ainda induzido (mediante apoio técnico e

financeiro) os estados a implantarem ou expandirem o ensino supletivo, desde os anos 50

até o final da década de 1970 (BEISIEGEL, 1974, 1989; VARGAS, 1984).

As expectativas favoráveis à expansão da educação de adultos seriam alimentadas nos anos

seguintes pelo movimento internacional impulsionado pelas Nações Unidas, que declarou

1990 o Ano Internacional da Alfabetização, realizando-se na Tailândia a Conferência que

aprovou a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos e o Plano de Ação para

Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem3, dos quais o Brasil é signatário. Na

condição um dos nove países mais populosos com elevados índices de analfabetismo, o

Brasil passou a integrar, juntamente com Bangladesh, China, Egito, Índia, Indonésia,

2 Esta formulação legal contém a idéia de que a educação básica dos jovens e adultos deve incorporar-se

organicamente ao sistema de ensino fundamental. 3 CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS (Jomthien, Tailândia: 5 a 9 de março de

1990). Declaração Mundial sobre Educação Para Todos e Plano de Ação Para Satisfazer as

Necessidades Básicas de Aprendizagem. Brasília, Unicef, 1990, 20 p.

México, Nígéria e Paquistão, a chamada Cúpula dos Nove, para a qual vêm sendo dirigidos

os esforços prioritários dos organismos internacionais.

Entretanto, fatos e atos se opuseram às expectativas geradas a partir de 1988.

A Fundação Educar reduziu em 1989 os convênios de cooperação financeira com os

municípios e, em março de 1990, foi sumariamente extinta pela Medida Provisória 251,

logo ao início do governo de Fernando Collor de Mello.

A partir de setembro de 1990, o Ministério da Educação desencadeou o Programa Nacional

de Alfabetização e Cidadania - PNAC (BRASIL. MEC, 1990b), cujas metas eram tão

ambiciosas quão conturbada foi sua trajetória (DI PIERRO, 1992; LUCE et al, 1992;

MELLO, 1992; XAVIER, 1992). Vítima de sua própria inconsistência e da descontinuidade

político administrativa, o PNAC desapareceu em apenas um ano, na substituição do

Ministro Carlos Chiarelli por José Goldemberg.

Cumprindo tardiamente os compromissos internacionais assumidos perante a WCEFA4 e a

Cúpula do Nove, o Ministério da Educação (sob o comando de Murílio Hingel) deu início,

em maio de 1993, à elaboração do Plano Decenal de Educação Para Todos (BRASIL.

MEC, 1993). O Plano reconhece a importância da educação básica de jovens e adultos e

projeta metas ambiciosas de alfabetizar 3,7 de analfabetos e prover escolaridade básica a 4,6

milhões de jovens e adultos subescolarizados5. Para detalhar estratégias nesta direção, o

MEC constituiu uma Comissão composta por representantes do governo e da sociedade

civil6.

Tendo priorizado a estabilização econômica, o governo federal atual tende a não expandir o

investimento em educação - o que seria necessário para cumprir as metas do Plano Decenal

4 World Conference on Education For All - WCEFA (Jomthien, Tailândia: 5 a 9 de março de 1990). 5 Atender em dez anos 8,3 milhões de novos educandos pode parecer pouco face o compromisso

constitucional de "erradicação do analfabetismo" e diante do contingente total de analfabetos e jovens e

adultos com pouca escolaridade, mas não é tarefa de pequena monta. É necessário atentar que a população

escolar de todo o ensino público de 1º grau somava, em 1989, pouco mais de 24 milhões de pessoas e, para

alcançar esse nível de atendimento, sociedade e setor público envidaram esforços ao longo de pelo menos

quatro décadas. 6 Portaria Ministerial MEC nº 1181 de 12/08/1994, que institui a Comissão Nacional de Educação de

Jovens e Adultos (BRASIL. MEC, 1994).

relacionadas à educação básica de jovens e adultos -, privilegiando o aumento da eficiência

interna do sistema e a focalização de recursos financeiros, materiais, técnicos e humanos na

educação fundamental de crianças e adolescentes (DI PIERRO, 1995a). Assim, são

perfeitamente válidas para o Brasil contemporâneo as conclusões de uma pesquisa regional

realizada pela Unesco que abarcou 13 países latinoamericanos:

"El estado actual de la educación primaria o básica de adultos sólo puede ser

interpretado como una decisión política, aún cuando se exprese en términos de

escasos recursos u olvido administrativo. De alguna forma se ha decidido

'privatizar' o 'personalizar' la cuestión de la educación básica para los

adultos, asumiendo una equivalencia entre población en edad escolar y

educación sistemática. (...)

La ausencia de una voluntad política respecto de la educación primaria o

básica de adultos se inscribe, además, en el auge del modelo económico

neoliberal en la región, del cual ha derivado la redución del gasto social

(incluidos los del sector educación), así como menor oportunidades sociales

para los jóvenes." (MESSINA, 1993, p. 191-2)

2. A municipalização induzida da educação básica de jovens e adultos

A inconstância das políticas e a descontinuidade administrativa na esfera federal de governo

repercutem fortemente nos estados e municípios, especialmente aqueles cujos sistemas de

ensino mantêm elevada dependência financeira de verbas federais.

Embora as constituições estaduais tenham reafirmado as obrigações do setor público

perante a educação fundamental de jovens e adultos, a legislação favorável aprovada ao

final da década de 80 não alterou substancialmente as políticas educacionais em curso. Ao

contrário, a ausência de diretrizes, incentivo e suporte financeiro do governo federal para o

ensino supletivo, a escassez de recursos próprios devida à queda da receita de impostos,

combinadas às pressões pela expansão e melhoria da qualidade do ensino pré-escolar e de 1º

grau regular, resultaram mais freqüentemente na estagnação ou declínio que na ampliação

dos serviços estaduais de educação de jovens e adultos (DI PIERRO, 1993).

A resultante deste processo vem sendo a "municipalização induzida", expressão que

empregamos para designar a transferência - não pactuada e sem gradualismo - dos encargos

relacionados às educação básica de jovens e adultos para a esfera municipal de governo.

A origem desse processo relaciona-se à trajetória do Mobral. Ao longo de 15 anos de

existência (1971-1986), o Mobral gozou de enorme autonomia7, estabelecendo sua

estrutura em paralelo aos sistemas de ensino existentes. Adotou uma política de

relacionamento direto com os municípios, sem mediação dos órgão estaduais de ensino,

criando em todo o país comissões locais que executavam diretamente o serviço educacional.

Deve-se creditar ao Mobral certa difusão geográfica das iniciativas de alfabetização de

adultos no país, embora sua memória evoque mais facilmente os reduzidos resultados

alcançados em virtude do desperdício de recursos, diretivismo pedagógico, despreparo do

pessoal docente e precariedade de funcionamento (LOVISOLO, 1978; MENDONÇA,

1985; PAIVA, 1982; FLETCHER, 1983; HADDAD, 1991). Quando em 1986 o Mobral foi

extinto, sua sucedânea, a Fundação Educar, abandonou a execução direta dos serviços

educacionais, passando à condição de órgão de fomento e apoio técnico, mediante a

assinatura de convênios com órgãos estaduais e municipais de ensino, empresas e entidades

comunitárias (COMISSÃO..., 1986). Numerosos municípios brasileiros conveniados à

Educar foram surpreendidos pela extinção do órgão em março de 1990, sem que houvesse

uma etapa de transição. Herdeiros de professores e classes de alfabetização e pós

alfabetização de jovens e adultos criadas pelos convênios com a Fundação Educar, os

municípios viram-se diante das alternativas de encerrar as atividades educativas em curso

(assumindo o ônus político que tal medida implica) ou mantê-las com recursos próprios,

sem que para isso tivessem acumulado experiência gerencial ou pedagógica. Ocorreu,

assim, sem qualquer gradualismo ou planejamento, uma transferência direta de

responsabilidades educacionais da União para os municípios.

7 A autonomia do Mobral deveu-se em grande medida ao fato de dispor de fonte própria de recursos,

proveniente do incentivo fiscal que admitia a indicação voluntária de 2% do valor do Imposto de Renda

devido por pessoas físicas e jurídicas.

Pesquisa realizada no Estado de São Paulo (HADDAD et al, 1993a; 1993b) revela que a

herança do Mobral e da Educar, somada à omissão federal e às políticas de transferências

de encargos dos estados às municipalidades, vêm induzindo os municípios (especialmente

aqueles de médio e grande porte) a criar, manter e ampliar serviços de educação de adultos,

especialmente aqueles correspondentes às séries iniciais do 1º grau. Dos 145 municípios

paulistas pesquisados, 84 (57,93%) mantinham programas neste nível e modalidade de

ensino; destes, 52,4 % iniciaram suas atividades recentemente, a partir de 1989, e 54,7%

declararam explicitamente ter se constituído em continuidade a programas do Mobral e da

Fundação Educar. Tendência similar foi observada na pesquisa nacional Impacto do ideário

da educação popular nas políticas municipais de educação de jovens e adultos

(HADDAD, 1995).

O crescimento do atendimento em educação de adultos pela esfera local de governo é

coerente com a determinação constitucional de que os municípios confiram prioridade à

educação fundamental. Em tese, as condições materiais para que esse atendimento seja

realizado são dadas pela obrigatoriedade na aplicação de 25% das receitas oriundas de

impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, receita esta ampliada pela

descentralização dos recursos fiscais ao final da década de 80 (MELCHIOR, 1992;

RODRIGUEZ, 1993, 1994, 1995). As diferentes fontes consultadas demonstram a

ampliação da participação relativa dos municípios na receita pública:

Quadro IV: Brasil - Evolução da receita tributária disponível (1980-1990)

Participação na despesa pública total

Ano União Estados Municípios

1980 66,2% 24,3% 9,5%

1990 53,8% 30,4% 15,9%

Fonte: Fundap/Iesp. 1994. Apud: RODRIGUEZ, 1995.

Quadro V: Brasil - Distribuição da receita pública em 1983 e 1993 (Estimativa)

Receita Tributária Receita disponível

Ano União Estados Municípios União Estados Municípios

1983 57,8% 37,0% 5,2% 45,1% 39,6% 15,3%

1993 - - - 34,0% 41,6% 24,4%

Fonte: PINTO, 1992, p. 25.

Entretanto, o perfil dos municípios brasileiros é muito heterogêneo; a maioria deles tem

pequeno porte e arrecada receitas diminutas, dependendo fortemente das transferências de

recursos das demais esferas de governo para atender as carências sociais existentes.

Quadro VI: Tamanho dos municípios brasileiros (IBGE, 1992)

Tamanho Nº de Municípios %

até 5 mil habitantes 740 16,5

de 5 a 10 mil habitantes 1.055 23,5

de 10 a 20 mil habitantes 1.299 28,9

de 20 a 50 mil habitantes 926 20,6

de 50 a 100 mil habitantes 284 6,3

de 100 a 500 mil habitantes 162 3,6

de 500 mil a 1 milão de habitantes 13 0,3

mais de 1 milhão de habitantes 12 0,3

Total 4.491 100,00

Por outro lado, a demanda socialmente explícita por educação pré escolar, infantil e

superior é maior que aquela por educação de adultos, fazendo com que a dinâmica político-

eleitoral incline os dirigentes municipais a privilegiar o investimento nestes níveis de ensino.

Ademais, por razões históricas, a educação básica de jovens e adultos ainda não foi

internalizada pelos sistemas educacionais enquanto parte constitutiva do ensino

fundamental, como definido na nova Constituição (embora a Carta de 1988 afirme que o

ensino fundamental público e gratuito é obrigação do Estado e direito de todos,

independentemente de idade, planejadores educacionais e até mesmo pesquisadores

acadêmicos continuam computando a população escolarizável como aquela que se situa na

faixa etária de 7 a 14 anos, como a definia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional 5692 de 1971).

Grande parte das prefeituras brasileiras não dispõe ainda de estruturas administrativas,

instalações físicas, quadro de professores formados e sequer acumulou experiência

pedagógica para prover um ensino fundamental de qualidade às populações infantil, jovem

ou adulta. Para que a descentralização fosse bem sucedida, seria necessário que a esfera

federal, exercendo sua função de instância coordenadora das políticas e compensadora das

desigualdades regionais, estabelecesse diretrizes e incentivos para que os municípios

incorporassem a educação básica de jovens e adultos a seus sistemas de ensino.

Além disso, a heterogeneidade do perfil municipal e o princípio da flexibilidade

recomendariam a adoção de estratégias diferenciadas para municípios com porte,

capacidade gerencial, técnica e financeira distintos. A capacitação dos municípios para

assumir parcela da responsabilidade pela oferta de educação básica de jovens e adultos

requer certo tempo e tende a incidir prioritariamente sobre a alfabetização e séries iniciais

do 1º grau. Restarão ainda pesados encargos da educação de jovens e adultos relativos às

séries finais do ensino de 1º grau e ao 2º grau, que deverão permanecer por longo tempo na

esfera estadual.

Não se pode, portanto, cogitar o desmonte das já frágeis estruturas dedicadas ao ensino

supletivo nos estados ou sequer a redução dos escassos investimentos nele realizados8.

8 Dados relativos ao financiamento da educação dão conta que em 1988 o governo federal efetuou apenas

0,1% e os estados 0,6% de suas despesas no ensino supletivo (GOLDEMBERG, 1993); se aplicados tais

percentuais aos dispêndios de 1990, obtém-se US$ 5,2 mil da União e US$ 54 mil dos estados, somando

menos de US$ 60 mil. De outro lado, até 1989, os estados eram ainda os principais mantenedores de

serviços de ensino supletivo, respondendo por 70% das despesas nele efetuadas, enquanto a esfera federal

respondia por 1%, a municipal por 15% e a particular por 14% (MELCHIOR, s.d). O montante de recursos

dedicados à educação de adultos mantém-se em patamares inferiores a 1% do orçamento dedicado ao ensino

de 1º grau e 0,2% do orçamento total do Ministério da Educação, enquanto as universidades federais

consomem mais de 57% dos recursos do órgão. A educação de 1º grau recebeu do orçamento federal de

1995 recursos da ordem de R$ 1,8 bilhões (aproximadamente US$ 2 bilhões). No orçamento do Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação de 1995, foram alocados recursos no valor de R$ 17 milhões (

US$ 19,4 milhões) para apoio a projetos de educação básica de jovens e adultos, dos quais R$ 9,3 milhões

((US$ 10,5 milhões) destinados às secretarias estaduais de educação das regiões Norte, Nordeste e Centro

Oeste, R$ 4 milhões (US$ 4,5 milhões) para as secretarias municipais de educação das capitais dos estados e

R$ 3,7 milhões (US$ 4,2 milhões) para dar continuidade a projetos desenvolvidos por órgãos não

governamentais. Entrevistado pela TV Cultura em novembro de 1995, o Ministro da Educação, Paulo

Renato Souza, mencionou que os recursos dedicados à educação básica de jovens e adultos deverão elevar-

se, em 1996, a R$ 36 milhões.

2º Capítulo - A pesquisa

1. Hipóteses e questões para a investigação

Inferimos da análise precedente que, no Brasil, a municipalização dos serviços de educação

básica de jovens e adultos é uma tendência histórica recente porém consistente que,

independente de juízos de valor que sobre ela se façam, impõe-se como terreno irrecusável

ao debate das políticas públicas. Ingressando neste debate e considerando o movimento

mais amplo das reformas educativas em curso, postulamos a hipótese de que a

municipalização dos serviços públicos de educação básica de jovens e adultos configura

uma estratégia de descentralização promissora tendo em vista os fins de democratização do

acesso, melhoria da qualidade e pertinência dos programas às necessidades educativas das

populações socialmente desfavorecidas.

Em tese, a municipalização é um processo de transferência de encargos e recursos que

pressupõe gradualismo, planejamento e negociação de termos de cooperação entre as

esferas de governo. No caso da educação de jovens e adultos, seria pertinente investigar a

hipótese de que os termos da cooperação entre as esferas de governo não vêm sendo

pactuados, e que a municipalização vem se processando pela combinação entre o

retraimento (quando não omissão) das esferas federal e estadual e a necessidade política que

os governos municipais têm de atender as demandas educacionais de segmentos sociais

locais.

No período recente de redemocratização das instituições políticas brasileiras, partidos cujas

plataformas eleitorais enfatizam as políticas sociais voltadas ao atendimento das

necessidades das populações trabalhadoras de baixa renda têm incorporado a educação

básica de jovens e adultos entre suas prioridades de governo. Nossa hipótese central é de

que a vontade política resultante deste compromisso de governo é condição primeira e

essencial para que as políticas públicas resultem em efetiva melhoria da qualidade e

democratização das oportunidades educacionais; porém, pode ser condição insuficiente se

não forem enfrentados os desafios de gestão do sistema público de ensino situados nos

terrenos do financiamento, da formação dos educadores e das relações entre as instituições

escolares, a população usuária e a sociedade civil organizada em seu entorno.

"Estamos diante da derrubada de numerosos preconceitos que marcaram o

setor da educação de adultos. Entre eles, merece ser mencionado aquele que

banaliza e desvaloriza as questões ligadas ao processo de ensino

aprendizagem e à administração das instituições educativas. Por um lado,

estão sendo colocadas - de maneira complexa - questões propriamente

pedagógicas. O discurso político é, definitivamente, insuficiente paras

responder por que os alunos fracassam ou abandonam os estudos ou quais as

condições necessárias para assegurar uma efetiva aprendizagem. Isto não

significa o fim da educação política nem da educação da consciência, mas é,

certamente, o fim das fórmulas mágicas e da simplificação dos problemas.

Significa, no entanto, uma revalorização da psicologia escolar e social

aplicada aos adultos (...). Por outro lado, questões de natureza organizacional

(das escolas, dos cursos) têm sido apontadas como básicas para o êxito do

processo de aprendizagem, colocando limites tanto ao espontaneísmo quanto à

burocratização das atividades." (PAIVA,.1994, p. 28)

A pesquisa que se segue tem por finalidade subsidiar a formulação de políticas públicas de

educação na esfera local de poder. O estudo registra sistematicamente a implantação de

uma experiência municipal inovadora de educação básica de jovens e adultos (EBJA) que,

informada pelo ideário da educação popular, logrou inserir-se dentre as prioridades da

política municipal de educação. Pretende ainda analisar como no caso específico foram

equacionados seis aspectos que nossos estudos anteriores evidenciam ser críticos ao

desenvolvimento de programas de EBJA: a incorporação orgânica ao sistema municipal de

ensino; o atendimento à demanda; o financiamento; a carreira e formação dos educadores;

os termos da cooperação com as demais esferas de governo; e os mecanismos de

relacionamento entre governo e sociedade civil para a gestão desse serviço educativo.

Para atender aos objetivos acima enunciados, propusemo-nos responder às seguintes

questões:

Quanto à incorporação orgânica da educação de adultos ao sistema municipal de ensino:

Que fatores históricos, político-institucionais e sociais impulsionaram a criação e

legitimaram o desenvolvimento do programa municipal de educação básica de jovens

e adultos? A constituição do programa municipal respondeu à descentralização de

serviços federais (Mobral/Educar) previamente existentes? Representou o

reconhecimento de um direito social, configurando uma resposta do poder executivo

à nova ordem jurídica instaurada pela Constituição de 1988? Teria sido uma resposta

do poder público a demandas e pressões manifestas da população local?

Qual a configuração do atendimento educacional no município? Qual a participação

das dependências administrativas (federal, estadual, municipal, particular) neste

atendimento e sobre quais níveis e modalidades de ensino incidem?

De que maneira a educação básica de jovens e adultos foi incorporada ao sistema

municipal de educação? Qual a configuração desse sistema municipal e sobre quais

níveis e modalidades de ensino ele incide? Qual o grau de institucionalização

alcançado pela educação básica de jovens e adultos no sistema muncipal de ensino?

Há legislação instituindo e regulamentando esse serviço educacional?

Qual a estrutura e funcionamento do programa municipal de educação básica de

jovens e adultos (duração, seriação, currículo mínimo, avaliação, certificação, etc.)?

Quanto ao atendimento à demanda por educação básica de jovens e adultos:

Qual a demanda potencial por educação básica de jovens e adultos no município?

Qual o contingente total de analfabetos absolutos e funcionais? Quais os níveis de

escolaridade da população jovem e adulta?

Existem serviços de educação básica de jovens e adultos mantidos por outras esferas

de governo, pelo setor privado e por instituições da sociedade civil? Em caso

positivo, qual a abrangência quantitativa desses serviços?

Qual a demanda explícita por educação básica de jovens e adultos no município? Há

pressões da sociedade local pela expansão desse atendimento? Em caso positivo,

quais são os atores sociais envolvidos, quais suas reivindicações e formas de

expressão?

Quais os indicadores de rendimento escolar (matrícula, evasão e repetência)?

Quanto ao financiamento da educação básica de jovens e adultos:

Qual o montante total dos recursos financeiros do município empregados na

manutenção e desenvolvimento do serviço municipal de educação básica de jovens e

adultos? Qual a participação relativa dessa despesa no orçamento global do

município e no orçamento da educação? Como esse investimento evoluiu no tempo?

Quais as fontes dos recursos investidos em educação básica de jovens e adultos?

Qual a contribuição relativa das fontes próprias, e dos repasses financeiros do Estado

ou da União?

Quais os ítens de custeio sobre os quais o investimento municipal se faz presente

(construção e manutenção de edifícios, remuneração de professores, distribuição de

merenda e material didático, etc)?

Há fontes indiretas de financiamento do serviço provenientes de outros agentes

governamentais ou da sociedade civil (tais como cessão de salas de aula de outras

redes de ensino e comunidades, colaboração de universidades na formação de

educadores, etc)?

Quanto à carreira e formação dos educadores:

Quais os mecanismos de seleção e o regime de contratação dos educadores

dedicados à educação básica de jovens e adultos? Eles estão contemplados no

estatuto do magistério municipal? Qual a jornada de trabalho e os níveis salariais

percebidos?

Quais os requisitos mínimos de formação dos professores que atuam na educação

básica de jovens e adultos e qual o perfil médio de formação dos quadros docentes e

técnicos?

Há processos de formação dos educadores em serviço? Em caso positivo, quais os

processos de formação em curso e quais os agentes formadores?

Quanto aos mecanismos de relacionamento entre governo e sociedade civil para a

gestão desse serviço educativo:

Há mecanismos de gestão participativa dos serviços educacionais do município

(Conselho Municipal de Educação, orçamento participativo, conselhos de escola,

etc)? Em caso positivo, como funcionam e de que maneira incidem sobre o programa

municipal de educação básica de jovens e adultos?

O município estabelece parcerias com agentes da sociedade civil na oferta de serviços

de educação básica de jovens e adultos? Há convênios ou similares mantidos com

entidades filantrópicas, privadas, comunitárias, cooperativas, empresas, etc? Em caso

positivo, quais os termos das parcerias estabelecidas?

Para respondê-las, coletamos dados sobre os seguintes aspectos: histórico, estrutura e

funcionamento do programa de EBJA; contextualização do programa no interior do sistema

educacional local; proposta político-pedagógica, explícita em documentos e implícita no

discurso dos agentes; demanda potencial por educação básica de jovens e adultos, estimada

segundo dados censitários; cobertura da demanda e evolução do atendimento aferidas por

dados de matrículas e rendimento escolar; amplitude e características da rede física de salas

de aula e/ou escolas; fontes e montantes de financiamento, aferidos por dados globais de

investimento em educação e participação porcentual do programa nas despesas efetuadas;

mecanismos de recrutamento, seleção, contratação e formação em serviço dos professores;

relações entre poder público e sociedade civil pertinentes ao programa, expressas em

parcerias, instâncias colegiadas de gestão ou outras formas peculiares ao caso.

2. Revisão da bibliografia e enquadramento teórico do estudo

A interpretação do problema colocado pela pesquisa envolve questões teóricas diversas. A

primeira delas refere-se à importância atribuída às políticas de educação básica de jovens e

adultos em cada configuração histórica, relacionada aos modelos de desenvolvimento, às

tendências do pensamento educacional e às políticas sociais e de reforma educativa em

curso.

Em estudo que propõe uma aproximação teórica para a análise da educação de adultos

(EDA) na América Latina, Pablo Latapí (1986) formula a hipótese de que sua

marginalidade no interior das políticas educacionais resulta, de um lado, da escassa força de

pressão e negociação da clientela face ao Estado e, de outro, que seus resultados não são

significativos para os propósitos do Estado na promoção do desenvolvimento. Assim, as

decisões de impulsionar políticas de educação de adultos não seriam determinadas pelas

demandas de seus potenciais beneficiários, em virtude de sua debilidade política, e sim por

interesses formulados por iniciativa unilateral do Estado. No campo dos interesses políticos

do Estado, a implementação de políticas de EDA responderia aos propósitos de prevenir ou

manejar conflitos atuais ou potenciais de natureza estrutural ou conjuntural, assegurar sua

legitimação face os setores populares e expressar o "interesse geral" pelo qual ele é

responsável. No campo dos interesses econômicos, as políticas de EDA responderiam aos

objetivos de incorporação de novos grupos sociais à produção e ao consumo modernos e de

adequação da força de trabalho às exigências do processo produtivo. Com respeito aos

interesses educativos do Estado, as políticas de EDA teriam os propóstitos de elevar os

conhecimentos e dinamizar a cultura dos setores populares com vistas a consolidar a coesão

social e a unidade nacional, melhorar as condições de vida dos setores populares

enfatizando sua capacidade de auto-promoção ou impulsionar sua participação social e

formas de organização.

Há uma significativa produção teórica que analisa a expansão dos sistemas públicos de

educação na história latinoamericana a partir da década de 1930 e a importância relativa

então conferida à alfabetização de adultos, relacionando estes fenômenos ao modelo de

desenvolvimento nacional populista (BEISIEGEL, 1974, 1989; GAJARDO, 1984; PAIVA,

1973; TORRES, 1983a). No caso brasileiro, a ação do governo federal entre os anos 47 e

64 caracterizou-se pela promoção de campanhas de alfabetização de adultos, política esta

influenciada pelo ideário difundido pela UNESCO em prol de uma educação de base para as

massas. Embora alguns autores atribuam às campanhas de alfabetização deste período o

propósito estrito de incrementar o contingente eleitoral de modo a ampliar a base de

sustentação política do regime populista, o fenômeno merece interpretação mais complexa.

A Campanha de Educação de Adultos desencadeada em 1947 somou-se a medidas

previamente adotadas que tendiam à implantação de uma rede oficial de ensino primário

supletivo para adultos analfabetos. Tais medidas inseriam-se em um processo mais geral de

ampliação do aparato de ensino e diversificação da oferta educacional que respondia a

transformações nas estruturas sociais e sistemas de poder decorrentes da modernização,

urbanização e industrialização em curso:

"(...) os projetos referidos à extensão da educação comum, nesse período,

adquiriam impulso no âmbito de uma política de extensão de direitos, dirigida

para a incorporação das populações urbanas às bases de sustentação de um

esquema nacional de poder, e com funções de acomodação de tensões que se

avolumam nos meios urbanos." (BEISIEGEL, 1974, p. 77).

A literatura também abarca teorizações sobre a função das políticas públicas de educação de

adultos na produção de consenso social e legitimação ideológica do Estado burocrático

autoritário na década de 70, e seus nexos com o projeto de modernização dependente

(ANDRADE, 1980; HADDAD,1991; LOVISOLO, 1987; MENDONÇA, 1985; PAIVA,

1982). O Mobral teria conformado uma rede de instituições educacionais capaz de fazer

frente à robusta presença da Igreja Católica progressista, que se interpunha como obstáculo

ao intento de legitimação do regime, ao passo que o Ensino Supletivo exprimia as

expectativas depositadas na educação formal pelo pensamento educacional informado pela

teoria do capital humano.

Quanto ao período mais recente de democratização dos regimes políticos e crise

econômica, marcado pela redefinição das funções do Estado e das relações econômicas

internacionais, a produção teórica sobre a educação de adultos está polarizada entre duas

perspectivas. Baseada na avaliação de fracasso das políticas precedentes de alfabetização de

adultos em massa, uma linha de argumentação postula que, em condições de crise de

financiamento do Estado, cabe focalizar os escassos recursos públicos disponíveis na

educação primária das novas gerações9.

No pólo oposto, desenvolve-se uma posição que revaloriza a educação de adultos, tomada

enquanto estratégia de atendimento às necessidades educativas emergentes no contexto de

mudança tecnológica, globalização econômica e cultural (GARCÍA-HUIDOBRO, 1994;

INFANTE R., 1994; PAIVA, 1994)10.

"(...) as características deste final de milênio indicam que o acesso ao

desenvolvimento contemporâneo depende fortemente da qualificação capaz de

assegurar elevado desempenho aos membros de uma dada sociedade. A

revolução ocorrida na informação supõe letramento em contínua ascenção,

muitos conhecimentos específicos e uma educação geral que possibilite não

apenas adaptações sucessivas ao longo da vida, mas disposição e atitudes

compatíveis com as novas condições da produção, do consumo e da vida

moderna. (...) Nenhum país nos nossos dias será capaz de enfrentar a nova

configuração produtiva e a competição internacional sem uma revisão ampla

da qualidade do seu sistema de ensino como um todo e sem o estabelecimento

de políticas abrangentes de educação de jovens e adultos. Esta é hoje mais

importante que no passado devido à necessidade de constante readaptação a

situações novas geradas, em todos os níveis da vida social, pelos rápidos

câmbios tecnológicos." (PAIVA, 1994, p. 30).

Uma segunda ordem de problemas teóricos refere-se às políticas de descentralização que

vêm se configurando como estratégia privilegiada de reforma educativa em quase toda a

América Latina. O movimento de ampliação formal dos direitos educativos e expansão

quantitativa dos sistemas de ensino fundamental observado nos últimos 30 a 40 anos foi

negativamente impactado na década de 1980 pelas dificuldades crescentes de financiamento

9 Entre nós, os principais divulgadores deste ponto de vista têm sido o ex Ministro José Goldemberg, o

Senador Darci Ribeiro e os pesquisadores Cláudio Moura Castro e Sérgio Costa Ribeiro. Seus

pronunciamentos públicos têm consonância com a tese defendida pelos organismos multilaterais de

cooperação liderados pelo Banco Mundial, de cujos financiamentos para a educação dependem

crescentemente os governos latinoamericanos (BANCO MUNDIAL, 1992; CORAGGIO, s.d.; WARDE,

1992, 1993b). 10 O documento Educación y Conocimiento (CEPAL. UNESCO, 1992) exprime uma das apropriações

latinoamericanas desta perspectiva. A Cepal propõe a criação de condições educacionais, de capacitação e

de incorporação do progresso científico-tecnológico que tornem possível a transformação das estruturas

produtivas da região em direção à competitividade internacional, num marco de progressiva eqüidade

social. Para tanto, considera necessário redefinir o papel do Estado e promover a reforma dos sistemas

educativos.

do Estado, configurando uma crise educacional que colocou na pauta das políticas públicas

sociais a exigência de reformas educativas. Dentre as diversas esferas sobre as quais incidem

os diagnósticos da crise educacional, destaca-se a da gestão dos sistemas de ensino

historicamente centralizados, frente à qual as propostas de reforma recomendam sejam

implementados processos de descentralização, visando a superar os problemas de

pertinência, eficácia e eficiência dos sistemas educativos da região (HEVIA RIVAS, 1991).

A discussão teórica relacionada às experiências concretas de reformas educativas

implementadas pelos países do continente incide sobre as diferentes racionalidades político-

ideológicas (liberal-economicista e crítico-participativa) que têm inspirado os processos de

descentralização em educação, das quais resultam distintas modalidades (desconcentração e

descentralização), domínios de ação (econômico-financeiro, administrativo, pedagógico-

curricular) e estratégias (regionalização, municipalização, nuclearização e privatização)

(CASASSUS, 1990; HEVIA RIVAS, 1991; LOBO, 1990; RODRIGUEZ, 1993, 1995).

A produção acadêmica brasileira sobre o tema trata especialmente da estratégia de

municipalização da educação, uma vez que a insuficiente definição legal sobre a divisão de

encargos do ensino fundamental entre as esferas de governo coincide com uma crise aguda

de gestão das redes estaduais de ensino, impulsionando diversas iniciativas de delegação

parcial de encargos e recursos dos governos federal e estaduais às municipalidades

(AMARAL SOBRINHO, 1994; BARRETO, 1990; PACHECO, 1995; PINTO, 1992).

O debate sobre a municipalização do ensino fundamental está polarizado. Seus críticos

ponderam os limites financeiros e técnicos de grande parte dos municípios brasileiros para

prover uma educação de qualidade às camadas populares e atribuem às oligarquias arcaicas

posicionadas na esfera local de poder a carga histórica maior do clientelismo, fisiologismo e

corrupção; nesta linha de interpretação, a estratégia de municipalização da educação implica

retrocesso político, riscos de privatização de recursos públicos e dificuldades adicionais à

democratização de um ensino de qualidade. Os defensores da municipalização argumentam

que a administração a nível local favorece a participação popular na gestão, ampliando o

controle social sobre os serviços, o que resulta em maior eficácia e pertinência do sistema

de ensino, bem como amplia a transparência no emprego dos recursos públicos.

As polêmicas sobre a descentralização e a municipalização remetem às temáticas do poder

local e das formas de cidadania ativa11, questões teóricas emergentes na Sociologia e

Política. Argumenta-se que a ampliação do poder local confere nova qualidade à

democracia e potencializa mudanças na correlação de forças sociais, pois confere sentido à

emergência de novos sujeitos sociais à medida que produz interlocutores para os

movimentos populares, favorecendo seu crescimento e mobilização. A criação de canais

orgânicos e mecanismos institucionais de comunicação, articulação e participação da

população na gestão das políticas públicas, por sua vez, torna o Estado menos permeável

aos interesses das oligarquias e elites econômicas, favorecendo o acesso de representantes

das camadas populares às funções de direção da esfera pública através da ampliação da

competição eleitoral (BARRETO, 1990; LOBO, 1990; RODRIGUEZ, 1993).

3. Procedimentos metodológicos e técnicos

3.1. Metodologia de estudo de caso: limites e potencialidades

Originária dos estudos clínicos da pesquisa médica e psicológica, a metodologia de estudo

de caso constituiu-se em uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa empregada

pelas Ciências Sociais para abordar indivíduos, organizações e comunidades. Na tradição da

Sociologia e da Antropologia Social, o estudo de caso combina-se a uma gama de

abordagens qualitativas (história oral, observação participante, etnografia, etc) e seu

emprego assenta-se no suposto de que a exploração intensa de um único caso permite

conhecer adequadamente um fenômeno e desenvolver declarações teóricas sobre

regularidades do processo e estrutura sociais. Assim, foram os sociólogos da educação os

pioneiros a empregarem a metodologia de estudo de caso na pesquisa educacional brasileira

(PEREIRA, 1976).

11 O conceito de cidadania ativa designa a emergência de novas formas de soberania popular nas modernas

sociedades de massas, pelas quais combinam-se a representação institucional democrática (pela via

partidária e eleitoral), o controle social e a participação direta dos cidadãos na vida pública, em instâncias

de democracia direta e semi direta (BENEVIDES, 1991).

Os estudos de caso difundiram-se na pesquisa educacional contemporânea quando esta

tomou para si as problemáticas da construção social da escola e do cotidiano escolar

(ROCKWELL & EZPELETA, 1985; LUDKE & ANDRE, 1986), privilegiando a unidade

escolar e seu entorno social como objetos de investigação.

Mais recentemente, a metodologia de estudo de caso vem sendo utilizada no Brasil para

registrar experiências bem sucedidas, de modo a disseminar inovações educacionais e

informar políticas públicas (INEP, 1992; CENPEC, 1993a, 1994).

A principal limitação imputada à metodologia de estudo de caso recai sobre as restrições à

generalização de seus resultados (ANDRÉ, 1984). Todo estudo de caso admite

generalizações sobre as relações observadas entre os elementos estudados, adequadamente

interpretadas à luz da teoria. Entretanto, estas relações podem ser extremamente variáveis,

o que torna o caso único e as generalizações resultantes do seu estudo intransferíveis para

outros contextos e inoperantes para a previsão de eventos. Esta limitação pode ser superada

pela coleta e comparação de um número significativo de casos e o isolamento dos efeitos

das diversas variáveis intervenientes. Assim, se assumirmos uma visão histórica da produção

de conhecimento, admitiremos que os estudos de caso podem contribuir para o

desenvolvimento da teoria (BECKER, 1994).

Discutindo os problemas de generalização e as dificuldades epistemológicas e

metodológicas de estudos qualitativos de processos singulares, o sociólogo francês Bernard

Charlot12 considera necessário distingüir representatividade de significância. Segundo ele, o

estudo de indivíduos ou casos extremos não permite extrair generalizações mas possibilita

descobrir processos universais que ajudam a compreender o fenômeno geral, desde que os

casos selecionados constituam grupos significativos e a análise preserve a coerência entre as

hipóteses e as questões de pesquisa. Entretanto, alerta que, quando tais estudos visam

informar políticas públicas de educação, é necessário testar a representatividade de seus

12 Notas de conferência sobre o estado da arte da sociologia da educação francesa proferida na PUC/SP em

23/08/1995.

achados (os processos identificados) em estudos estatisticamente válidos para as categorias

populacionais em apreço.

Por outro lado, o estudo de caso tem sido apontado como um instrumento particularmente

útil para delinear problemas novos de pesquisa e construir hipóteses explicativas frente a

campos pouco explorados do conhecimento. É sua característica uma abordagem

abrangente do objeto estudado e o levantamento de um grande número de elementos

descritivos e problemas teóricos. A metodologia faculta que o problema e as hipóteses

preliminares possam alterar-se no curso da pesquisa, à medida que os dados colhidos

indiquem novas direções interpretativas.

O município configura uma unidade espacial de análise adequada à compreensão de

fenômenos educacionais afetos a jovens e adultos trabalhadores inseridos em sociedades

complexas, nas quais a socialização dos indivíduos e a transmissão de conhecimentos

extrapolam os âmbitos da família e da escola, que mantêm estreita interdependência e

intenso intercâmbio com o território (instituições públicas, comunitárias, religiosas, locais

de trabalho etc). Nesta perspectiva, os agentes do processo escolar - educandos e

educadores - são entendidos como atores em um sistema social amplo, e a escola como

agência organizadora de aprendizagens, contatos e experiências múltiplas (CAMPOS,

1995).

O estudo de um caso de política municipal empreendido pela presente pesquisa admite os

limites de generalização acima indicados, mas apresenta a vantagem relativa de inserir-se em

um projeto maior de pesquisa que reuniu dados sobre numerosos municípios do país, o que

lhe oferece elementos adicionais de análise e comparação e faculta o isolamento de algumas

variáveis intervenientes mais significativas. Sempre que possível, os fatos observados no

Município estudado foram cotejados com outros casos e confrontados com pesquisas mais

abrangentes realizadas no âmbito nacional e regional.

Assim, espera-se que este estudo de um caso extremo permita indicar hipóteses e categorias

analíticas que sirvam de instrumentos a pesquisas futuras de maior abrangência. Como

registro sistemático de uma experiência inovadora, pode ainda informar a formulação de

políticas municipais de educação básica de jovens e adultos, uma área carente de

informações e referências.

3.2. Fontes e critérios para seleção do caso

O presente estudo de caso integra-se e compõe um projeto de pesquisa maior coordenado

pelo Prof. Dr. Sérgio Haddad intitulado "Impacto do ideário da educação popular nas

políticas municipais de educação de jovens e adultos", que problematiza o trânsito do

pensamento educacional informado pelo paradigma da educação popular da esfera da

sociedade civil para a esfera do Estado, manipulando categorias analíticas (diálogo,

conscientização, participação, entre outras) pertinentes ao próprio paradigma.

Nosso aporte à análise realizada no estudo maior situa-se no terreno específico da

formulação e implementação de políticas educacionais, bem como da gestão de programas

educativos, focalizando os problemas da democratização de oportunidades educacionais, da

descentralização dos sistemas educativos e da sua gestão político-administrativa, financeira

e pedagógica. O trabalho preserva sua originalidade e autonomia ao propor um problema de

pesquisa próprio e oferecer uma contribuição analítica distinta daquela proposta pelo

projeto maior coordenado pelo orientador da Dissertação. Este procedimento é avalizado

por recente avaliação da produção discente em programas de Pós Graduação em Educação,

que indica ser promissora a emergência da integração temática, teórica e metodológica

entre pesquisas de pós graduandos e orientadores, quando a unidade entre os projetos não

se dá por justaposição ou homogeneidade, mas por acumulação, rompendo-se a tendência

dominante na área de dispersão e variação temática (WARDE, 1993a, p. 69).

Partindo da hipótese de que o ideário da educação popular encontraria maior adesão nas

políticas educacionais de governantes do espectro político-partidário de centro-esquerda

(tendentes a privilegiar políticas sociais dirigidas às populações de baixa renda), a pesquisa

"Impacto do ideário da educação popular nas políticas municipais de educação de jovens

e adultos" procedeu a um inquérito com um universo de 384 administrações municipais

que, na gestão iniciada em 1993, são governadas por prefeitos dos partidos Democrático

Trabalhista (PDT), Socialista Brasileiro (PSB), da Social Democracia Brasileira (PSDB) e

dos Trabalhadores (PT). O índice de resposta à enquete foi de 19,27%, correspondendo a

74 municípios, sendo que 60 deles (81%) mantinham serviços de educação básica de jovens

e adultos.

Para efeito de nosso estudo, selecionamos dentre estes 60 municípios um caso em que a

política municipal configurou elevado grau de identidade com o paradigma da educação

popular e cujos dados disponíveis indicavam esforços relevantes de expansão quantitativa e

melhoria qualitativa do atendimento em educação básica de jovens e adultos; foi priorizada

uma experiência que já alcançou certo grau de consolidação, sobrevivendo aos embates

político-eleitorais municipais por duas gestões consecutivas.

Estes critérios indicaram para o Município de Porto Alegre (RS), uma capital de grande

porte, tributária de correntes migratórias intra-regionais provenientes do campo ou de

cidades menores, que apresenta elevados índices de urbanização da população, economia

urbana dinâmica e diversificada e arrecadação de impostos relativamente elevada, estando

pois dotada de capacidade de investimento em educação. Porto Alegre apresenta grande

demanda potencial por educação básica de jovens e adultos motivada pelas condições

sociais em que vem se dando seu desenvolvimento urbano industrial e por exigências

crescentes por escolaridade de um mercado de trabalho seletivo e competitivo, cuja

explicitação é favorecida pelas políticas públicas municipais de educação e gestão

participativa.

Considerada a diversidade dos 4.974 municípios brasileiros, o caso compreendido pelo

presente estudo não configura uma amostra representativa ou um tipo médio. Ao contrário,

do ponto de vista das políticas de educação básica de jovens e adultos, configura um caso

extremo.

3.3. A coleta de dados

Realizamos um levantamento bibliográfico que privilegiou documentos oficiais de políticas

e orientações pedagógicas do órgão municipal de educação, particularmente aqueles

relativos ao programa de educação de jovens e adultos. Também foram apurados materiais

didáticos e documentos de legislação que regulamentam o programa. Secundariamente,

procedeu-se a uma revisão da bibliografia relacionada direta ou indiretamente ao programa

municipal de educação de jovens e adultos estudado. Apenas alguns títulos referiam-se a

pesquisas que tiveram por objeto de estudo o SEJA de Porto Alegre; dentre elas, destaca-se

a dissertação de Scomazzon (1991), que focalizou a etapa de elaboração do projeto (1989-

1990), a prática pedagógica dos educadores e as representações dos alunos acerca de

educação, trabalho e sociedade.

Foram coletadas estatísticas sócio-demográficas e educacionais da populações do Município

junto a fontes oficiais (especialmente aquelas do Recenseamento do IBGE de 1991), com

vistas a aferir a demanda potencial por educação básica de jovens e adultos. Os dados

relativos ao financiamento da educação municipal foram coletados junto ao Núcleo de

Gestão Municipal do Instituto Pólis, tendo por fontes o Tribunal de Contas da União e o

Ministério da Fazenda. Junto aos órgãos públicos estadual e municipal de educação foram

coletados os dados de atendimento educacional e rendimento escolar. Para obtenção de

estatísticas de atendimento, rendimento e dados financeiros mantivemos contato com a

Assessoria Técnica de Planejamento da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de

Porto Alegre e com a Divisão de Estudos Supletivos da Secretaria de Estado da Educação

do Rio Grande do Sul.

O trabalho de campo transcorreu em maio de 1995 e desenvolveu-se através de entrevistas,

observações de reuniões e salas de aula e recolha de documentos e estatísticas nos órgãos

municipal e estadual de educação. A coleta desses dados e o agendamento das visitas e

entrevistas foram previamente autorizados e mediados pela SMED, que cooperou com a

pesquisa das mais diversas formas, inclusive cedendo veículos para deslocamentos às

escolas.

As entrevistas cobriram quatro categorias de agentes: dirigentes educacionais; equipe

técnica; professores e alunos dos programas municipais de educação básica de jovens e

adultos. As entrevistas duraram entre 30' e 1:30h. Todas elas foram gravadas e os textos

resultantes da degravação das entrevistas foram editados.

As entrevistas com os dirigentes obedeceram a um roteiro de questões abertas (Anexo 1)

que visava a recuperar a história do programa municipal de educação básica de jovens e

adultos, inseri-la no contexto político do município e capturar as eventuais identidades de

suas diretrizes político-pedagógicas com o ideário da educação popular.

Para compreender as oscilações que a política municipal de educação básica de jovens e

adultos sofreu após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram entrevistados

individualme os três Secretários Municipais de Educação de Porto Alegre dos últimos seis

anos: Esther Pillar Grossi (1989-1992), Nilton Bueno Fischer (1993) e Sônia Pilla Vares

(1993-1995).

O grupo que coordena o Serviço de Educação de Jovens e Adultos desde sua criação em

1989 até o momento da pesquisa - constituído por Liana Borges, Odete Bresolin, Dione D.

Busetti, Roselaine da Silva e Ana Baumgarten - foi entrevistado coletivamente. Uma das

pedagogas que compôs inicialmente este grupo mas retirou-se do SEJA em meados de

1991, Maria Carmem Barbosa, é hoje professora da Faculdade de Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e foi entrevistada separadamente.

As técnicas e professoras entrevistadas foram caracterizados através de questionários

(Anexos 3 e 5) auto aplicados. As entrevistas com oito dos dez membros da equipe técnica

e com as professoras foram realizadas em grupos, em momentos de reuniões ordinárias, e

seguiram roteiros de questões abertas (Anexos 2 e 4) cujos objetivos eram caracterizar a

prática pedagógica, apreender o grau de incorporação das diretrizes político-pedagógicas

do programa e sua identidade com o ideário da educação popular. O grupo de seis

professoras entrevistadas foi indicado pela equipe técnica, atendendo ao critério de

diversidade local de trabalho, idade e experiência no programa.

Os dois grupos de alunos entrevistados foram caracterizados através de questionário sócio-

econômico aplicado com o auxílio da entrevistadora e dos professores (Anexo 7) e foram

selecionados pela Coordenação, atendendo aos critérios de diversidade de local de estudo,

sexo e tempo de ingresso no programa. As entrevistas com os alunos realizaram-se em

pequenos grupos, nos locais e horários de aula, seguindo um roteiro aberto de questões

(Anexo 6) que visava aferir os objetivos com o estudo, o grau de satisfação com o mesmo,

as relações com os educadores e com os conteúdos da aprendizagem, assim como sua

participação na gestão do programa e no desenvolvimento do processo de ensino

aprendizagem.

As observações de campo foram registradas por escrito em caderno de campo e

sistematizadas em relatórios imediatamente após as observações. Foram observadas uma

reunião ordinária do GAP - Grupo de Apoio Pedagógico, realizada nas tardes de sexta-

feira, e uma reunião pedagógica local dos professores do CEMEJA, realizada

ordinariamente às quartas-feiras. Também foi possível observar o funcionamento do

"Concílio", apelido conferido pelos professores às noites de quarta feira, quando todos os

professores do SEJA que trabalham em horário noturno se reúnem em pequenos grupos sob

orientação dos membros do GAP (essas reuniões são realizadas simultaneamente nas

dependências do Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos). Observamos ainda

uma reunião da equipe de Coordenação do SEJA e das educadoras de rua com um assessor,

destinada ao planejamento estratégico das atividades da Escola Porto Alegre, que seria

inaugurada ainda em 1995 para atender meninos e meninas de rua no centro da cidade.

Devido ao reduzido tempo de permanência em Porto Alegre e à concentração de atividades

em período noturno, não foi possível observar sistematicamente muitas atividades diretas de

ensino, ainda que a convivência nas escolas para entrevistas tenha permitido uma

observação assistemática das rotinas escolares. Foi feita apenas uma observação específica

de uma sala de aula que funciona em período vespertino em um Centro Comunitário Parque

Manequinho (CECOPAM), equipamento público de uso múltiplo gerido pela FESC -

Fundação de Educação Social e Comunitária.

O período de trabalho de campo coincidiu deliberadamente com a realização do Congresso

Municipal Escola Constituinte (Porto Alegre, RS: 26 e 27/05/1995), evento convocado pela

SMED que culminou um processo de discussão iniciado nas escolas no ano de 1994. O

Congresso foi convocado para deliberar sobre diretrizes orientadoras para a revisão do

Regimento das Escolas Municipais em três áreas temáticas: gestão da escola, princípios de

convivência, concepção de currículo e avaliação.

3º Capítulo - O caso de Porto Alegre

Capital do Estado meridional do Rio Grande do Sul e pólo de Região Metropolitana, a

cidade de Porto Alegre possui 1.263.403 habitantes (IBGE, 1991) e ocupa uma área de 471

km2 em uma península que se projeta sobre o Rio Guaíba - estuário que interliga os rios

Taquari, Jacuí, Caí, dos Sinos e Gravataí ao Oceano Atlântico por intermédio da Lagoa dos

Patos. Com uma densidade demográfica de 2.677 habitantes por km2, apresenta uma taxa

de crescimento demográfico anual da ordem de 1%.

Seu povoamento remonta ao século XVIII e sua história é marcada pelo regionalismo

gaúcho - desde as disputas luso-hispânicas pelo "Continente de São Pedro" no Período

Colonial até o movimento tenentista nos anos 30, passando pelo federalismo farroupilha no

Império e pelo republicanismo de inspiração positivista do final do século XIX.

Dotado de uma economia dinamizada pela vitalidade de seu hinterland agrícola, o

Município acumula as funções portuária, comercial, de centro de serviços e industrial

(destacando-se as indústrias metalúrgicas e de alimentos) com a condição de sede político-

administrativa de governo.

Ainda que comparativamente ao restante do País apresente indicadores favoráveis, a cidade

não está isenta de graves problemas sociais. Tributária de migrações intra-regionais, Porto

Alegre tinha, em 1992, 266.400 habitantes (21% de sua população total) vivendo em 230

favelas (que aí recebem a denominação de vilas). Segundo o Censo de 1991, 12,76% dos

chefes de domicílios percebiam até 1 salário mínimo e 17,58% deles percebiam entre 1 e 2

salários mínimos de renda mensal.

Os últimos governos municipais foram ocupados por partidos políticos do espectro de

centro esquerda e, nas eleições majoritárias, os partidos oposicionistas ao governo federal

têm obtido elevada votação. Até 1992, os 850.000 eleitores da cidade mantiveram a

tradição de não reconduzir membros de um mesmo partido político ao governo municipal; a

exceção foi aberta com a eleição para Prefeito do advogado Tarso Herz Genro, sucessor do

bancário Olívio Dutra, ambos do Partido dos Trabalhadores. Grande parte do sucesso

obtido pelo PT em Porto Alegre deve-se à adesão da população à proposta de gestão

participativa do orçamento municipal e à repercussão positiva da primeira administração do

Partido na área educacional.

1. O ensino básico no Município de Porto Alegre

O atendimento educacional em pré escolas e no ensino de 1º e 2º graus no Município de

Porto Alegre somava, em 1992, mais de 280 mil alunos. Considerando-se que a população

na faixa etária de 5 a 14 anos totalizava 232.207 pessoas (IBGE, 1991) e o atendimento pré

escolar e no 1º grau somava 235.577 matrículas em 1992, pode-se afirmar que o acesso das

crianças e adolescentes à educação fundamental aproxima-se da universalização. A rede

estadual de ensino era responsável pela maior parcela da matrícula nos três níveis de ensino,

enquanto a participação da rede municipal situava-se em torno de 10% da matrícula total.

Quadro VII: P. Alegre - Matrícula inicial por nível de ensino e depend. administrativa (1992)

Redes Municipal Estadual Particular Total

Nível Nº %RME %Tot Nº %REE %Tot Nº %RPE %Tot Nº %

Pré esc. 2599 8,84 11,40 10214 5,85 44,81 9977 12,72 43,77 22790 8,07

1º grau 25412 86,47 11,94 132678 76,01 62,35 54697 69,76 25,70 212787 75,36

2º grau 1375 4,67 2,94 31645 18,13 67,69 13728 17,51 29,36 46748 16,55

Total 29386 100 10,40 174537 100 61,82 78402 100 27,77 282325 100

Fonte: Equipe Informática SMED; Informática SERS. Apud: Instituto Pólis. Núcleo de Gestão Municipal.

A rede pré escolar, de 1º e 2º graus de Porto Alegre é numerosa, compreendendo, em 1992,

766 unidades escolares, a maioria das quais pertencente ao sistema estadual de ensino. O

setor privado detinha um terço das escolas e mais de um quarto da matrícula.

Quadro VIII: P. Alegre - Unidades escolares por nível de ensino e dep. administrativa (1992)

Rede Municipal Estadual Particular Tot

Nível Nº % Rede % Tot Nº % Rede % Tot. Nº % Rede % Tot Nº

Pré escolar 31 46,96 9,56 170 37,44 52,46 123 50,00 37,96 324

1º grau 33 50,00 9,32 236 51,98 66,66 85 34,55 24,01 354

2º grau 2 3,03 2,27 48 10,57 54,54 38 15,44 43,18 88

Total 66 100,00 8,6 454 100,00 59,26 246 100,00 32,11 766

Fonte: Equipe Informática SMED; Informática SEERS. Apud: Instituto Pólis. Núcleo de Gestão Municipal.

A Secretaria Estadual de Educação vem dando sinais de que pretende pressionar no sentido

da municipalização dos serviços de ensino fundamental, manifestando-se na mídia no

sentido de apontar que a qualidade alcançada pelo ensino municipal13 deve-se a sua escassa

participação na cobertura da demanda por ensino fundamental. A Prefeitura Municipal alega

que o reduzido porte de sua rede decorre do fato que, por muitos anos, a política de

colaboração entre as esferas de governo pautou-se pela construção de escolas pelo

Município, que as entregava à rede estadual para manutenção e desenvolvimento.

Quadro IX: Evolução do número de estabelecimentos da RME de Porto Alegre (1985-1995)

MODALIDADE ESTABELECIMENTOS - (MARÇO)

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

1º Grau 13 13 16 19 27 28 28 29 34 36 37

2º Grau 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2

Escolas Infantis - - - - - - - 18 21 30 30

Jardins de Praça 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7

Escolas Especiais - - - 1 1 2 4 4 4 4 4

Ed. Jovens Adultos - - - - 1 1 1 1 1 1 1

Total 22 22 25 29 38 40 42 61 69 80 81

Fonte Informática/SMED 1995. Obs.: Na ed. de jovens e adultos computa-se apenas o CEMEJA.

Considerados o número de estabelecimentos e a matrícula, a rede municipal de ensino

(RME) é, de fato, reduzida, mas observou uma expansão de 113% no número de

estabelecimentos e 57% da matrícula nos últimos sete anos, crescimento este que se deu

prioritariamente na educação infantil.

Em 1995, a RME está constituída por 81 estabelecimentos de ensino, a maioria dos quais

dedicados à educação de zero a seis anos e ao ensino de 1º grau. Há duas antigas escolas de

2º grau e quatro unidades de educação especial. Um único estabelecimento dedica-se

exclusivamente à EBJA - o Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos - CEMEJA;

as demais salas do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA) estão instaladas nas

escolas municipais ou Centros Comunitários administrados pela FESC - Fundação de

13 A RME de 1º grau de Porto Alegre tem alcançado padrões de rendimento escolar muito acima da média

nacional, apresentando índices de aprovação superiores a 70% desde 1987 (o melhor resultado foi obtido em

1992, quando a média de aprovação alcançou 78,33% dos alunos de 1º grau).

Educação Social e Comunitária. Em 1995 a Prefeitura Municipal inaugurou a Escola Porto

Alegre, uma unidade escolar situada no centro da cidade, destinada à escolarização de

meninos e meninas em situação de risco, que já vinham sendo atendidos por educadores de

rua; a Escola Porto Alegre e as educadoras de rua estão administrativa e pedagogicamente

subordinadas ao Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA.

Quadro X: Evolução da matrícula inicial na RME de Porto Alegre (1985-1995)

MODALIDADE MATRÍCULA INICIAL - (MARÇO)

Ano 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

1º Grau 10320 11865 13098 14652 19996 21892 23112 23534 27784 27995 29004

2º Grau 1617 1579 1485 1347 1359 1344 1330 1375 1412 1361 1366

Escolas Infantis - - - - - - - 1529 2228 2647 3509

Jardins de Praça 461 488 479 469 457 465 461 454 442 434 445

Jardins Escolas 787 785 842 1208 2202 1983 1954 1994 2164 1897 2099

Escolas Especiais - - - - 28 90 79 201 287 242 269

Classes Especiais 172 248 233 186 190 158 85 40 39 41 39

Subtotal 13357 14965 16137 17862 24232 25932 27021 29127 34356 34617 36731

EBJA - - - - 700 700 940 1080 2340 2409 2430

Total 13357 14965 16137 17862 24932 26632 27961 30207 36696 37026 39161

Fonte: Informática/SMED - 1995. Obs.: Escolas Infantis, dados de abril/92 (foi o 1º dado destas Escolas).

Essa rede registrou uma matrícula inicial em 1995 de mais de 39 mil alunos, 74% dos quais

no 1º grau, 15,4% na educação de 0 a 6 anos, 3,4% no ensino de 2º grau, 6,2% na

educação básica de jovens e adultos e menos de 1% em educação especial.

A política da Secretaria Municipal de Educação, sob governos do PT, priorizou a

democratização do acesso à escola, de vez que o Mutirão da Educação (uma espécie de

censo escolar realizado em 1989 para dimensionar a demanda) estimou em 40 mil as

crianças e adolescentes de 7 a 14 anos fora da escola. Durante a gestão 1989-92, essa

prioridade consubstanciou-se na polêmica reorganização dos CIEMs (Centros Integrados

de Educação Municipal, versão local dos CIEPs cariocas), com a extinção do turno integral,

combinada à melhoria das condições físicas e materiais da rede e à implantação de uma

proposta pedagógica embasada no "construtivismo", que empregou uma sistemática de

qualificação do professor centralizada por equipes técnicas da Secretaria.

O mandato iniciado em 1993 vem implementando uma política de construção da "escola-

cidadã" por meio da descentralização da orientação pedagógica - conferindo maior

autonomia às escolas - e da democratização da gestão - envolvendo a criação de conselhos

de escola, grêmios estudantis e associações de pais e trabalhadores em educação; eleição

direta de diretores; e elaboração de projetos e regimentos das escolas - em um processo de

planejamento participativo cuja metodologia é aí designada "constituinte" (GHANEM,

1995).

2. O ensino supletivo na rede estadual

Os serviços de ensino supletivo mantidos pela rede estadual de ensino já têm quase meio

século de existência: antes mesmo que o Ministério da Educação e Saúde constituísse o

Serviço de Educação de Adultos em 1947, a Secretaria de Educação e Cultura do Rio

Grande do Sul criou, por meio do Decreto 1.259/46, o Serviço de Educação de

Adolescentes e Adultos (SILVA, 1979).

Após a promulgação da Lei 5692/71, a rede de escolas estaduais que mantinham cursos

presenciais de suplência ampliou-se: em 1976 eram 107 unidades escolares, distribuídas em

44 municípios das 19 Delegacias de Ensino; em 1978, porém, o número de escolas

estaduais que ofereciam cursos supletivos reduziu-se para 99 e, ao que os dados e

depoimentos indicam, o atendimento nesta modalidade de ensino mantém-se desde então

estagnado ou declinante.

O ensino supletivo não é prioridade do atual governo estadual e participa com apenas

0,05% do orçamento da Secretaria de Educação. Não há perspectivas de que o Estado

venha a cooperar com os municípios para ampliação da oferta de EBJA; ao contrário, a

expectativa é a inversa, de que os municípios cooperem com o Estado, fornecendo inclusive

recursos humanos14.

14 A rede estadual vive um processo de deterioração, cujo sinal mais evidente são os padrões salariais

vigentes dos professores, tendo por conseqüência uma acentuada evasão de profissionais. Em maio de 1995

o salário inicial de um professor de 1ª a 4ª séries com habilitação para o magistério em nível de 2º grau era

de R$ 52,00 para uma jornada semanal de 20 horas, acrescido de um abono de R$ 18,00, totalizando R$

70,00 de vencimentos. Com o plano de recuperação salarial apresentado pelo Governador Antônio Britto à

Assembléia Legislativa (que prevê dois reajustes de 21% e outro de 6%), esse salário deve chegar, ao final

A atividade principal (e que consome a maior parte dos recursos) da Divisão de Estudos

Supletivos (DES) da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul é a

organização dos Exames Supletivos de Educação Geral e Profissionalizantes. Até 1994 os

exames eram oferecidos duas vezes ao ano; em 1995, porém, devido à escassez de recursos,

os exames serão oferecidos uma única vez15.

A DES é responsável também pelo sistema de ensino personalizado em CES (Centros de

Estudos Supletivos), CRES (Centros Rurais de Estudos Supletivos) e NOES (Núcleos de

Orientação e Estudos Supletivos), que registra aproximadamente 66 mil inscrições ao ano,

embora a certificação seja inferior a 1% deste total16. O ensino é semi-presencial: o

estudante inscreve-se em determinado número de disciplinas, estuda autonomamente uma

seqüência de módulos didáticos, procura orientação quando tem dúvidas e vence

progressivamente os conteúdos dos módulos; a avaliação pode ocorrer no estabelecimento

ou nos exames. O Estado mantém seis CES de 1º e 2º graus, que certificam seus alunos no

próprio estabelecimento. Os cinco CRES são internatos profissionalizantes de 1º grau que

habilitam para atividades agrícolas e pecuárias, avaliando e certificando seus alunos nos

próprios estabelecimentos. Os NOES oferecem estudos de 1º e 2º graus no mesmo sistema

dos CES, porém não certificam os alunos nos próprios estabelecimentos, remetendo-os para

os Exames de Educação Geral. Alguns NOES estão instalados em presídios, hospitais, na

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e nas indústrias Link (de máquinas agrícolas),

Taurus (de armas) e Brahma (de bebidas). Deve ser instalado um Núcleo também na própria

SEE, para atender funcionários do Estado.

Embora tenha sido adepta e pioneira na introdução da metodologia de instrução

personalizada, a coordenação do DES lamenta que os CES tenham se "cristalizado" e que

seus educadores se tenham acomodado, tornando-se impermeáveis a inovações

de 1995, a R$ 100,00. Um professor com pós graduação, em final de carreira, recebia por uma jornada de

40 horas semanais algo em torno de R$ 550,00. 15 Serão oferecidos Exames Profissionalizantes em quatro habilitações: Auxiliar de Enfermagem, Técnico

em Transações Imobiliárias, Técnico em Turismo e Técnico em Processamento de Dados. 16 O sistema de ensino personalizado procede matrículas por disciplina, o que inflaciona as estatísticas, de

vez que um mesmo estudante pode inscrever-se simultaneamente em diversas disciplinas.

pedagógicas. Assim, permanece a metodologia que tradicionalmente lhes deu origem, sem

qualquer inovação significativa.

O Estado mantém também classes de ensino supletivo seriado de 1º grau em escolas de sua

rede, enquanto o 2º grau é atendido exclusivamente pela rede privada, inclusive a

preparação para os Exames. Em Porto Alegre, no primeiro semestre de 1995, o Estado

possuía classes de ensino supletivo de 1º grau em 16 unidades escolares e uma unidade de

ensino supletivo profissionalizante de 2º grau que habilita auxiliares de enfermagem. Esse

número de unidades escolares é 48,5% menor que aquele registrado em 1981, quando 33

unidades da rede estadual ofereciam cursos supletivos (SANTOS, 1982, p. 25).

No governo Pedro Simon (1986 a 1990), a Secretaria Estadual de Educação introduziu o

"Projeto LER (Ler e Escrever o Rio Grande)", que embora guardasse características de

campanha, vinculou-se à rede escolar, preparando e designando professores do quadro do

magistério estadual para a docência em "oficinas" de alfabetização e pós alfabetização

(séries iniciais do 1º grau). A base legal do Projeto Ler é o Parecer 315/91 do CEE/RS, que

tem amparado vários projetos municipais de educação básica de jovens e adultos. O Estado

registrava, em 1995, 450 "oficinas" do Projeto Ler, que faziam uma orientação informal e

certificavam os estudantes na suplência correspondente às 1ª a 4ª séries do 1º grau.

Durante o governo de Alceu Collares (do PDT), de 1991 a 1994, a Secretária de Educação

do Estado, Neusa Canabarro, implementou um programa de educação básica de jovens e

adultos denominado "Nenhum adulto analfabeto". O programa caracterizou-se enquanto

uma campanha baseada no voluntariado de leigos e consistiu na elaboração de um material

didático impresso e em vídeo que foi distribuído às agências do Banco e da Caixa

Econômica Estadual. Esse material podia ser retirado por qualquer voluntário alfabetizador,

que registrava junto à agência o nome de um analfabeto que se disporia a alfabetizar. Esse

registro de nomes foi computado como estatística de alfabetização de adultos. Em pesquisa

realizada junto aos municípios riograndenses em 1993 (MOLL et al, 1994), apenas 13 deles

mencionavam alguma atividade relacionada a esta campanha.

3 O Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA - de Porto Alegre

Há registros de iniciativas de alfabetização de adultos trabalhadores e educação popular no

Rio Grande do Sul e em Porto Alegre ao longo de todo este século, a começar pelo

movimento anarco-sindicalista nos anos 10, passando pelas campanhas de alfabetização em

massa das décadas de 40 e 50 e pelos movimentos de educação e cultura popular no início

dos anos 60 (FISCHER, 1992, p. 68-70).

A Prefeitura de Porto Alegre (PMPA) mantém serviços municipais de educação básica de

adultos desde 1970, inicialmente vinculados ao Mobral e, mais tarde, à Fundação Educar17.

A esses serviços, somava-se o atendimento realizado pela Fundação de Educação Social e

Comunitária - FESC (um órgão público municipal de assistência social), preparatório aos

exames supletivos de 1º e 2º graus realizados pelo DES/SEE.

Críticas à concepção e prática de alfabetização de adultos promovida pela Fundação Educar

fizeram com que o convênio entre a PMPA e a Fundação não fosse renovado em 1989,

ocasião em que, ao início da gestão do Prefeito Olívio Dutra, começou a ser gestado no

interior da Secretaria Municipal de Educação (SMED) um programa inovador de educação

de jovens e adultos inicialmente denominado "Projeto de Pesquisa e Ação em Educação de

Jovens e Adultos" (PORTO ALEGRE, 1991).

Entre 1989 e 1992 a SMED foi comandada pela atual Deputada Federal Esther Pillar

Grossi, oriunda do GEEMPA - Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de

Pesquisa Ação - uma entidade não governamental de pesquisa e formação de educadores

marcada pela filiação ao referencial psico-pedagógico piagetiano e uma das pioneiras no

Brasil na difusão do ideário construtivista e da obra da pesquisadora argentina Emília

Ferreiro. Na gestão de Esther Grossi foram introduzidas na RME de Porto Alegre um

conjunto de inovações pedagógicas, destacadamente aquelas referidas à alfabetização inicial

17 Nenhuma das fontes consultadas oferece dados sobre o atendimento realizado pelo Mobral e pela

Fundação Educar no Município de Porto Alegre. É provável que este atendimento alcançasse baixo grau de

institucionalização pois, ao contrário do que se observou em outros municípios (em que a herança do

Mobral/Educar conformou a base dos novos programas de EBJA), a administração municipal de Porto

Alegre não enfrentou resistências ou dificuldades para remodelar totalmente o serviço, como se estivesse

"começando do zero".

de crianças das classes populares (CENPEC, 1993b; PORTO ALEGRE. S.M.E., 1989). No

campo da educação básica de jovens e adultos, a Secretária priorizou a realização de uma

experiência pedagógica voltada ao desenvolvimento de uma metodologia de alfabetização

que, assentada nos postulados do construtivismo, conduzisse a uma alfabetização rápida e

eficaz.

"A minha intenção, que - eu já te adianto - foi completamente frustrada, era de

que a Prefeitura de Porto Alegre constituísse um grupo de pesquisa que

construísse uma proposta de uma educação de adultos eficaz, rápida, sem

evasão, passível de generalização." (Esther Grossi)

Esse experimento em alfabetização de adultos foi assumido inicialmente por uma professora

municipal orientada pelo GEEMPA e desenvolvido desde o primeiro semestre de 1989 em

uma classe instalada nos altos do Mercado Público Municipal (SCOMAZZON, 1991).

A essa experiência vieram somar-se, quase que simultaneamente, outras intencionalidades,

das quais eram portadores educadores vinculados à Associação dos Professores Municipais

Universitários (hoje denominada Associação dos Trabalhadores da Educação do Município

de Porto Alegre - ATEMPA) e membros da Comissão de Educação do PT local. Estes

educadores contavam com o apoio da Diretora de Educação SMED, Maria Beatriz Titton,

e do Diretor de Recursos Humanos da Secretaria da Administração, dando início à

formulação de um projeto de alfabetização de funcionários públicos municipais. Esse

serviço educacional, implantado no último trimestre de 1989, foi estendido ao público, em

classes instaladas no Mercado Público Municipal e cinco escolas da RME que já

funcionavam em período noturno. Essas iniciativas conviveram, por algum tempo, com a

preparação aos exames supletivos realizada pela FESC, posteriormente desativada.

A equipe de coordenação do Projeto foi sendo constituída ao longo de 1989 por

educadoras ligadas à ATEMPA, à Comissão de Educação do PT e ao GEEMPA. Eram

professoras oriundas das redes municipal e estadual de ensino, militantes de organizações

sindicais docentes, que haviam tido experiências de alfabetização popular em favela, junto a

crianças de rua na Escola Aberta ou de educação de adultos no Centro de Estudos

Supletivos de Porto Alegre (ambos pertencentes à rede estadual de ensino). Dessas

experiências a equipe extraiu lições, transformadas em algumas características inovadoras

do Projeto: jornada semanal pouco intensiva (aulas três vezes por semana), módulos de

ensino curtos (trimestrais), metodologia de alfabetização ancorada nos postulados do

construtivismo, avaliação processual, valorização do docente, ênfase no trabalho coletivo e

na formação em serviço dos educadores.

O delineamento do Projeto foi influenciado também pelo Fórum de Políticas Municipais de

Educação de Jovens e Adultos, do qual a equipe participou em 1989 e 1990. O Fórum foi

constituído pelas equipes responsáveis pela educação básica de adultos dos municípios

paulistas de Americana, Campinas, Cosmópolis, Diadema, Piracicaba, Santo André, São

Bernardo do Campo, São Paulo e Santos, pelo município catarinense de Rio do Sul e por

Porto Alegre (RS), com assessoria do Programa Educação e Escolarização Popular do

Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI). Instalado em julho de 1989,

teve por finalidade de "subsidiar a formulação de políticas municipais de educação de

jovens e adultos, promover o intercâmbio de experiências entre as administrações que o

compõem e contribuir para o aperfeiçoamento das equipes dirigentes responsáveis pela

educação de adultos nos municípios" (FÓRUM DE POLÍTICAS MUNICIPAIS DE

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, 1990, p. 7).

A equipe de Coordenação do Projeto de educação de adultos não partilhava com Esther

Grossi da crença em uma alfabetização ultra acelerada e, diferentemente da Secretária,

priorizava não só a experimentação pedagógica, mas também a expansão quantitativa do

atendimento escolar destinado aos jovens e adultos e sua inserção orgânica no sistema

municipal de ensino. Essas divergências no terreno político-pedagógico (potencializadas por

antagonistos advindos da filiação a correntes partidárias distintas18) dificultaram a

comunicação entre a Secretária e a equipe do Projeto ao longo de toda a gestão19. 18 O Prefeito Olívio Dutra, filiado à tendência Articulação (situada no centro do espectro interno do

Partido), compôs seu secretariado e ocupou os cargos de confiança com membros de diferentes correntes,

visando manter o equilíbrio e a unidade partidária. Parte da equipe responsável pela educação de adultos

articulava-se ao Campo de Esquerda, ao passo que a Secretária Ester Grossi mantinha-se independente das

tendências organizadas, porém próxima à Articulação. 19 O episódio da interdição das salas de aula localizadas no Mercado Público Municipal para restauro do

edifício (cujo teto ameaçava desabar) é exemplo paradigmático dessa dificuldade de comunicação. Durante

oito meses, entre 1991 e 1992, as classes desalojadas do Mercado migraram por instalações improvisadas,

Malgrado os desencontros com a Secretária, o respaldo do Prefeito permitiu que a equipe

responsável pela educação de jovens e adultos delineasse a estrutura, funcionamento e

diretrizes político-pedagógicas do Projeto, configurando já naquele momento muitas das

características vigentes nos dias atuais. No que concerne à expansão quantitativa do

atendimento, porém, prevaleceu a posição da Secretária: durante toda essa gestão, o serviço

municipal de educação de jovens e adultos de Porto Alegre não ampliou-se para além das

30 classes iniciais.

Após a eleição em 1992 de Tarso Genro para uma segunda administração do PT em Porto

Alegre, a indicação do titular da SMED foi objeto de intensa disputa, polarizada em torno

da hipótese de recondução de Esther Grossi ao cargo. Essa disputa refletiu, de um lado,

diferentes orientações em relação às prioridades da política educacional para o Município e,

de outro, a luta interna das correntes do Partido. Entre os temas propriamente educacionais

envolvidos neste debate, ocupou lugar de destaque a prioridade a ser conferida à educação

básica de jovens e adultos. A escolha do Secretário recaiu sobre o nome de Nilton Bueno

Fischer, um prestigiado professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

identificado com o paradigma da educação popular.

Na versão do Prof. Fischer, o fato de ter operado o papel de tertius na disputa intra-

partidária abriu flanco a que as tendências organizadas do Partido submetessem-no a intensa

pressão e progressivo isolamento, que acabaram por derrubá-lo do cargo apenas dez meses

após a posse.

Na breve gestão do Prof. Fischer, a EBJA recebeu o status e denominação de Serviço,

contratou novos professores e expandiu-se significativamente nas escolas municipais; a

reforma e ampliação da sede do CEMEJA foi concluída e instalaram-se as primeiras salas de

cedidas ou alugadas, nos edifícios do INSS, de uma empresa seguradora, da Câmara de Vereadores e da

Faculdade de Educação da UFRGS, com evidentes prejuízos para professores, alunos e para o processo de

ensino-aprendizagem. A Secretária não recebia a Coordenação do Projeto para resolver o problema de

espaço físico. A Coordenação, por sua vez, tentava inutilmente equacionar o problema recorrendo à

mediação política do Prefeito, a quem coube, por fim, autorizar o aluguel do edifício em que hoje está

instalado o CEMEJA. Sua intervenção, porém, não ocorreu a tempo de evitar que professores e alunos

promovessem uma manifestação pública de protesto, que gerou desgaste político para todos os envolvidos e

levou ao afastamento de um membro da Coordenação que apoiou o movimento.

5ª a 8ª séries. O impulso que o SEJA recebeu neste período, entretanto, não impediu que

divergências relativas à gestão interna da SMED levassem a Coordenação a apoiar a

substituição de Nilton Fischer por Sônia Pilla Vares.

"Quando Nilton entrou, ele abriu espaço total, geral, não teve restrições, a

ponto da gente fazer um planejamento para os quatro anos de governo, ao

final dos quais chegaríamos próximos a 500 salas ocupadas na rede, fora 20%

no primeiro ano. Isso aí era tranqüilo, podíamos pôr 10% de salas de 5ª a 8ª

séries." (Odete Bresolin, membro da Coordenação do Seja)

Embora as metas de expansão quantitativa fixadas em 1993 tenham sido substancialmente

reduzidas em virtude das restrições orçamentárias, o SEJA continua sendo uma das

prioridades da SMED na gestão 1993-96, graças ao apoio que o Prefeito Tarso Genro lhe

assegura.

"Para nós, da equipe atual da Secretaria, a educação de jovens e adultos é,

sem dúvida, uma prioridade. A gente conhecia a história de dificuldades da

equipe que coordena esse projeto na Secretaria teve na outra administração

no sentido de ter maior apoio para desenvolver, qualificar e para ampliar esse

projeto. Isso já era um ponto de partida nosso: priorizar a educação de jovens

e adultos como uma política da Secretaria. E hoje não é só da Secretaria; o

SEJA é hoje uma das políticas prioritárias do governo municipal. O Prefeito

tem sempre destacado o SEJA como sendo um dos projetos que caracterizam o

perfil deste governo, que é justamente atender àquelas franjas da população

mais excluídas. O SEJA tem sido sempre citado claramente nos documentos de

governo como sendo um dos projetos prioritários dessa administração. Por

isso mesmo a gente tem recebido da Prefeitura todo o respaldo para continuar

investindo fortemente neste trabalho de qualificação e ampliação do SEJA (...)

Em relação à expansão quantitativa, nós tínhamos um plano que a gente não

conseguiu realizar de acordo com o previsto, não conseguimos alcançar os

patamares numéricos que a gente se propunha em função das restrições

financeiras da Prefeitura, especialmente na área de recursos humanos, mas

mesmo assim se conseguiu expandir significativamente o trabalho do SEJA em

termos quantitativos. Nós conseguimos inclusive fazer concurso específico

para professores de educação de jovens e adultos e criar cargos em número

significativo para o SEJA dar conta dessa ampliação. Agora, inclusive,

estamos batalhando para conseguir adquirir um espaço próprio da Prefeitura

para o CEMEJA." (Sônia Pilla Vares)

Depreende-se dos depoimentos colhidos que a implantação do programa municipal de

EBJA de Porto Alegre resultou fundamentalmente da vontade política de agentes que,

posicionados na burocracia estatal, exprimiram orientações de política educacional

congruentes com a tradição ideológica do Partido que ocupa o governo municipal. A

tradição ideológica do PT, porém, comporta em seu interior certa diversidade de

orientações que refletem distintas correntes de pensamento educacional presentes na

sociedade brasileira, de modo que essa vontade política não expressou-se de maneira

unívoca, resultando antes na confluência de intencionalidades diversas e, por vezes,

contraditórias, o que explica certa descontinuidade observada ao longo da trajetória de

construção do programa.

3.1. A proposta político-pedagógica do SEJA

Partindo de uma crítica às campanhas de alfabetização em massa e às práticas do Mobral e

da Fundação Educar, aos quais atribui uma imagem preconceituosa do analfabeto e um

conceito estreito de alfabetização, o projeto político-pedagógico do SEJA reivindica um

conjunto de rupturas com a tradição da educação de adultos no Brasil (BORGES, 1993),

propondo-se a:

substituir a idéia de erradicação do analfabetismo (à qual subjaz a imagem

preconceituosa de "chaga" a exterminar) pela noção de direito à educação; à política de

campanha com prazo determinado, contrapõe a de movimento de alfabetização

permanente;

ampliar o conceito de alfabetização em direção à educação básica, entendida em suas

múltiplas dimensões: instrumento de libertação e luta contra a injustiça, acesso aos

conhecimentos sistematizados, preparação para a participação social e no mundo do

trabalho, articulação entre o saber popular e acadêmico, valorização da diversidade de

estilos cognitivos, expressões culturais e linguísticas das classes populares;

romper a "ossatura excludente" da escola tradicional (rigidez das normas, inadequação

curricular e metodológica, avaliação seletiva) em direção à construção de um espaço

educativo para jovens e adultos trabalhadores;

superar o voluntarismo e o assistencialismo, combater a transposição de métodos da

educação infantil e o empirismo pedagógico, por intermédio da profissionalização

docente e da formação teórico-prática do professor.

O SEJA propõe-se construir um espaço educativo específico para jovens e adultos

ocupados, rompendo com o modelo escolar do ensino regular. Sua orientação teórico-

metodológica combina de um modo particular os postulados da educação popular e da

psicologia cognitiva de orientação construtivista-interacionista, tendendo a uma abordagem

interdisciplinar do currículo.

"A ousadia de uma ampliação institucional, com caráter de serviço

permanente, enfrenta o desafio, cotidianamente renovado, da superação da

escola regular como modelo de referência par educação de jovens e adultos.

Desafios que se manifestam tanto nos aspectos pedagógicos quanto nos

administrativos.

A busca de superação se alimenta em duas vertentes teórico-práticas que

contribuem na construção desse projeto educativo popular. Por um lado, as

contribuições atuais da epistemologia genética e, por outro, a revisitação do

ideário da educação popular dos anos 60, num movimento circunvolutivo de

aproximação e distanciamento. A aproximação se manifesta pelo encontro

com a mesma 'garra' de uma educação voltada par a construção de uma nova

sociedade através da conscientização do sujeito-educando e mediada pela

busca da dialogicidade freireana. O distanciamento resulta da ampliação da

mirada que, agora, percebe: a sociedade como plural, cujos referenciais não

são mais o desenvolvimento e o nacionalismo, mas a cidadania; a

complexidade social dos sujeitos envolvendo o setor não organizado da

sociedade constituído por desempregados, semi-empregados e biscateiros que

fogem à clássica categoria de trabalhador; a conscientização na sua dimensão

maior de resgate da dignidade humana e não somente na da formação do

crítico-político-militante." (FISCHER, 1992, p. 72)

"O aprender é considerado como uma interação dialética entre o homem e o

mundo, e o conhecimento é visto como construção social. Estes eixos acabam

por imprimir a lógica da precedência da leitura do mundo sobre a leitura da

palavra, e tem a educação como parceira de outras ciências na busca de

transformação da realidade, a partir da ação de sujeitos epistêmicos e

históricos." (BORGES, 1993, p. 3)

"Sem dúvida, esse casamento entre construtivismo e educação popular é

perfeitamente possível e necessário, a começar do próprio princípio político

pedagógico do resgate da auto-estima, do resgate e da valorização do saber

do aluno. A ampliação do conhecimento e da cultura do aluno tem que ser

preenchida com algum conteúdo, o conteúdo quem vai dar para a gente é a

educação popular. (...) Eu estou caracterizando a educação popular no sentido

de perceber e trabalhar os elementos da cultura popular, da realidade do

educando - não no sentido de mostrar a desgraça que a gente vive, como nós

somos miseráveis, mas no sentido de reverter isso, trazendo as coisas que são

positivas do próprio saber popular, do próprio senso comum que é tão

desprezado, e fazer o desvelamento dessas coisas, o casamento disso com a

realidade, como isso se relaciona. Eu entendo a educação popular nesse

sentido de ampliar a visão de mundo: não é fazer a apologia da miséria e nem

do senso comum que não nos serve, mas limpar esse terreno (que a gente não

vai fazer demagogia, dizer que tudo que é popular é maravilhoso, que a gente

sabe que não é) e nem desprezar esse conhecimento e essa cultura, mas sempre

fazendo a relação com essa realidade, isso que é negado, que está nas

entrelinhas, que não é visto, que não é permitido, que não é considerado

socialmente." (Depoimento de membro do GAP)

3.2. As relações com a sociedade civil na promoção da EBJA

Os documentos de política do SEJA defendem a institucionalização do atendimento em

caráter permanente, mas aspiram preservar o sentido de movimento, que convoca a

sociedade a tomar iniciativas de alfabetização de jovens e adultos. Esta diretriz inspira-se

em recomendações formuladas pelo Fórum de Políticas Municipais de Educação de Jovens

e Adultos em 1989:

"As administrações municipais que constituem este Fórum posicionam-se

criticamente em relação às campanhas tradicionais de alfabetização por um

conjunto de razões (...). Por outro lado, (...) reconhecem que a dimensão do

problema do analfabetismo exige resposta urgente e incisiva, e que a

capacidade de atendimento das redes de ensino muitas vezes é insuficiente

para fazê-lo, particularmente nos grandes centros urbanos que atraem

correntes migratórias. Consideram ainda importante buscar a colaboração da

sociedade civil organizada para a tarefa da alfabetização de adultos e apoiar

aqueles grupos que já a desenvolvem no meio popular. Neste contexto,

privilegiam a organização de movimentos de alfabetização, cujo

desenvolvimento seja processual, e não datado como as campanhas."

(FÓRUM DE POLÍTICAS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS, 1990, p. 14-15)

O SEJA de Porto Alegre, porém, institucionalizou-se com uma estrutura tipicamente

escolar e revela dificuldades em desenvolver essa feição de movimento. Diferentemente de

outras administrações municipais do mesmo Partido, Porto Alegre não desenvolveu a

estratégia de repasse de recursos a entidades da sociedade civil que desenvolvem atividades

de alfabetização de adultos, mediante conveniamento, embora tal prática seja corrente junto

às creches comunitárias do Município. À exceção de convênios estabelecidos com a

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a

Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), o SEJA também não

dispõe de professores da rede municipal para atuarem em projetos comunitários.

Referindo-se às diferenças de concepção e prática com a Coordenação do SEJA durante

sua gestão na SMED, o ex Secretário Nilton Fischer assinalava:

"As dificuldades estavam mais relacionadas com uma tentativa de fazer algo

parecido com o MOVA20. A idéia era sinalizar para os movimentos sociais

uma disponibilidade, uma vontade política da Prefeitura em cooperar com a

alfabetização de adultos. Com isso se iniciou a alfabetização em pelo menos

dois locais nos quais eu tinha uma vivência anterior, que era junto aos galpões

onde as mulheres papeleiras atuam na Av. Dique (atrás do aeroporto) e na

ilha Grande dos Marinheiros." (Nilton Bueno Fischer)

Ao final de 1993, por ocasião do Fórum Municipal de Alfabetização (Porto Alegre, RS: 9 a

11/12/1993), o SEJA lançou o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos. Como

deixa claro o texto a seguir, a proposta de Movimento canaliza para a estrutura do próprio

SEJA as energias da sociedade civil.

20 Refere-se ao Movimento de Alfabetização implementado no transcorrer da gestão de Luiza Erundina

(1989-1992) na Prefeitura Municipal de São Paulo, por inspiração de Paulo Freire, seu primeiro Secretário

de Educação.

"O desafio de levar educação básica de qualidade a jovens e adultos

trabalhadores extrapola os limites do Poder Público municipal. Por isso, a

Administração Popular está propondo para a sociedade um Movimento de

Alfabetização, que rompe definitivamente com as mal sucedidas campanhas

oficiais.

Este movimento é composto pelos setores organizados, como sindicatos,

entidades empresariais, associações comunitárias, igrejas e universidades.

Com a participação de todos, se espera garantir o acesso e a permanência dos

cidadãos à escola até conclusão das quatro séries iniciais, no mínimo.

Dessa mobilização vão surgir espaços alternativos de educação, que ao serem

abertos terão a parceria da SMED na assessoria pedagógica e no registro da

vida escolar dos alunos.

Os sindicatos e associações podem participar reunindo seus associados e

fazendo o levantamento da demanda da região ou local de trabalho. Os

empresários podem contribuir com dinheiro, além de estimular seus

funcionários a se alfabetizarem. E as universidades têm condições de realizar

pesquisas para aprimorar o projeto." (Revista do Seja, dez. 1993, p. 16)

Embora no texto a SMED se proponha a assessorar os "espaços alternativos de educação"

que se abram no Movimento, na prática isso não ocorre.

Infere-se do depoimento a seguir que a hipotrofia da dimensão de movimento no SEJA

esteja relacionada, de um lado, à formação e trajetória pessoal de seus dirigentes (cuja

afinidade ao paradigma da educação popular era tênue, mais teórica que prática); de outro,

à rigidez da organização burocrática do Estado e, por fim, à precariedade dos vínculos entre

as escolas e as comunidades nas quais se inserem:

"Na verdade, a formação e a experiência da nossa equipe de dirigentes do

SEJA era muito mais na área técnica de alfabetização em escola do que

alguma experiência de movimento social ou partidária.(...) Isso já refere um

pouco a questão da educação popular e da alfabetização. Nossa experiência

era mais de sala de aula, de alfabetização e, dentro da questão da

alfabetização, uma formação construtivista mais do que de educação popular.

Claro que a gente tinha leituras, esse trabalho que eu fiz na favela da Maré

deu algumas referências, mas eu acho que não era assim uma coisa de

experiência forte, acumulada. Nem eu nem a Liana tínhamos esse tipo de

experiência. Hoje, eu acho que o SEJA, apesar de levar essa luta, essa

discussão de que a educação de adultos tem que estar na escola, ele não tinha

o lado da educação popular muito claro. Quando a gente trabalhou a

formação dos educadores, sempre priorizamos os conhecimentos sobre a

psicogênese da alfabetização, a intervenção pedagógica com os alunos, e não

tanto a questão da educação popular.

(...) Os movimentos sociais nos pediram professores para trabalhar ou

assessoria de base ou mesmo formação deles para trabalhar. A gente sempre

recusou, porque não tinha como fazer, não tinha pessoal disponível. Até o fato

de nunca termos escrito muitas coisas sobre como alfabetizar impedia que a

gente pudesse socializar para outros grupos a nossa experiência; a gente

acabou sempre muito fechado. As demandas partiam de Associações de

Moradores, de pessoas voluntárias ligadas a uma igreja e que tinham um

grupo de senhoras que gostariam de ser alfabetizadas. Uma pessoa ia lá nos

procurar, pedindo que a gente ensinasse como fazer, pois ela não tinha

formação; e a gente sempre disse não. Instituições, associações de moradores,

sindicatos também apareceram. A gente nunca conseguiu pensar alternativas

aos limites do Estado. Nós não tínhamos autoridade dentro da Secretaria para

deslocar professores; a gente já tinha problemas de deslocar professores para

alfabetização de funcionários da Prefeitura, quanto mais para uma coisa que

não era escola. Um professor que faz parte da rede tem que trabalhar na rede,

não pode trabalhar noutro local senão configura uma cedência para uma

outra entidade não ligada à Secretaria. A gente nunca discutiu muito isso lá

dentro, meio que acatou essa ordem e não tomou o problema como um

problema nosso. Também não enfrentamos o desafio de fazer uma

multiplicação, formar formadores (se a gente não podia atender, a gente

poderia formar pessoas).

(...) Quando a gente definiu como seria o projeto, a gente pensou instalar uma

escola central para atender à população que vem de todos os lugares e

instalar classes em algumas escolas que já funcionam à noite, que já têm

infra-estrutura, os critérios foram por aí, sem nenhum diagnóstico de por onde

andavam as pessoas que demandam educação. Quando a gente estava

selecionando escolas, havia duas escolas possíveis na Vila Cruzeiro do Sul. A

Vila Cruzeiro do Sul é muito grande, tem várias sub-vilas dentro, uma delas

bem mais pobre e uma mais rica; na parte alta do morro ficam os mais pobres.

Tinha uma demanda muito grande por educação de adultos lá, é uma vila

muito populosa e a gente tinha que escolher em qual das duas escolas ia

colocar o projeto. A gente escolheu a escola que tem o ônibus na porta, que os

professores poderiam ir e voltar. Abrimos as inscrições e não aparecia

ninguém, as inscrições ficaram abertas um mês e apareceram só dois alunos.

'Alguma coisa está errada', pensamos. Fomos ver na Associação Comunitária

o que tinha de errado e ficou claro que a comunidade que precisa de

alfabetização não é a daquela parte da vila, é a do outro lado, mas como tem

brigas de gangues, eles jamais iriam atravessar a vila de noite para ir estudar

naquela outra escola. Assim, a demanda estava num lugar e a gente foi fazer a

oferta em outro. Depois que a gente soube de tudo isso a gente continuou

trabalhando nesta escola, porque era ali que os professores poderiam ir... As

nossas escolhas estavam muito voltadas à lógica interna da rede, menos que

para a demanda. E assim, uma opção pelos movimentos sociais passava a ser

secundária, até porque a gente nunca deu espaço aos movimentos sociais de

entrar nas nossas reuniões.

(...) A gente não se preocupou em nenhum momento da formação dos

professores em dar lugar a essa questão dos movimentos sociais.(...) as gurias

não teriam, pela escola, nenhum vínculo com comunidade, com o movimento

social. A gente, enquanto coordenação de projeto, também não propiciou esse

vínculo, até porque também a gente não tinha." (Maria Carmem Barbosa, ex

membro da Coordenação do SEJA)

3.3. Características, estrutura, funcionamento e currículo do SEJA

O SEJA está institucionalizado na estrutura da SMED como serviço permanente dotado de

um corpo profissional próprio. Sua equipe político-administrativa é constituída por uma

Chefe e pela Coordenação central de quatro membros, apoiada por uma única secretária. A

equipe técnico-pedagógica é denominada Grupo de Apoio Pedagógico - GAP, formado por

dez professoras experientes (selecionadas pela Coordenação) que assessoram as reuniões e

supervisionam os professores em seus locais de trabalho. O corpo docente é formado por

aproximadamente 170 professores.

O SEJA oferece ensino presencial em três turnos semanais - usualmente às segundas, terças

e quintas feiras -, por três horas-aula (duas horas e meia relógio) ao dia. Não há aulas às

quartas feiras (quando os professores têm reuniões pedagógicas) e o recesso de final de

semana se inicia nas sextas feiras. As classes constituídas exclusivamente por funcionários

públicos têm uma carga horária menor, pois as aulas realizam-se durante a jornada de

trabalho e este foi o acordo possível com as respectivas chefias.

Com a intenção de romper a seriação convencional, o SEJA estabelece níveis de

complexidade de conhecimento. A carga horária de cada segmento do 1º grau (1ª a 4ª séries

e 5ª a 8ª séries) soma 2.400 horas/aula, subdivididas em dois ciclos de seis períodos

trimestrais com 200 horas/aula de duração. Esses períodos já receberam diferentes formas

de organização e denominações. Até 1993 o atendimento do SEJA restringia-se às séries

iniciais do 1º grau e os termos eram denominados "etapas". O Ciclo de Alfabetização

destinava-se à fase inicial de aquisição da língua escrita e atendia alunos que apresentavam

escrita parcialmente fonética, dificuldades de leitura e compreensão de textos e insegurança

no emprego de símbolos e operações matemáticas. O Ciclo Básico correspondia à pós-

alfabetização e destinava-se à construção de níveis mais complexos de conhecimento

(SCOMAZZON, 1991, p. 39-40).

Ciclo Alfabetização Ciclo Básico

Etapas Alfa 1 Alfa 2 CB1 CB2 CB3 CB4

Duração 3 meses 3 meses 3 meses 3 meses 3 meses 3 meses

O segundo segmento do 1º grau foi criado em 1993 por pressão dos alunos do SEJA que

aspiravam continuidade de estudos e que levaram esta demanda às plenárias do Orçamento

Participativo, conquistando o serviço em algumas unidades escolares do Município.

A partir de 1994, os períodos passaram a ser denominados "totalidades", embora

professores e alunos ainda refiram-se a eles como "etapas". O conceito de "totalidade" -

elaborado por ocasião da reformulação curricular empreendida pelo SEJA - foi

sistematizado pelo professor de história Helder da Silveira no texto "Totalidades: uma

proposta de estrutura curricular", em que critica o currículo fragmentário do ensino

regular, a desarticulação intra e inter-áreas e o privilégio aos conteúdos do ensino em

detrimento dos processos de ensino-aprendizagem. A proposta, baseada em concepções de

interdisciplinaridade, "formação de senso crítico" e "aluno como ser presente", resulta nas

três "totalidades": cidade, país e mundo, correspondentes a eixos articuladores do

currículo. Pela nova organização dos níveis de complexidade de conhecimento, cada um dos

segmentos do 1º grau corresponde a um ciclo desenvolvido em três "totalidades", com

duração de 18 meses letivos.

Ciclo Totalidades Iniciais Totalidades Finais

Etapas T1 T2 T3 T4 T5 T6

Duração máxima 2 trimestres 2 trimestres 2 triemestres 2 trimestres 2 trimestres 2 trimestres

Correspondência 1ª a 4ª séries do 1º grau 5ª a 8ª séries do 1º grau

Cada uma das "totalidades" tem um objetivo de ensino específico, perseguido através de

uma abordagem interdisciplinar dos conceitos centrais que constituem o currículo de cada

uma delas. As primeiras totalidades têm por objetivo principal a construção do código

escrito e por conceito central a cidade; as totalidades intermediárias visam à sistematização

dos códigos e têm por conceito unificador o país; as totalidades finais têm por objetivo o

registro da sistematização dos códigos escritos e por tema integrador o mundo.

Os professores das "totalidades" iniciais são polivalentes. Sempre que possível, as classes

são seriadas; entretanto, quando o número de alunos é pequeno em determinada localidade,

são constituídas classes multisseriadas.

Nas "totalidades" finais, os professores são especialistas das oito disciplinas que compõem o

currículo, a saber: língua, matemática, ciências naturais, história, geografia, espanhol,

educação física e educação artística. Cada um dos oito componentes curriculares tem igual

carga horária: em cada um dos dias letivos são ministradas duas disciplinas em aulas de 90 e

60 minutos. Os horários das disciplinas são invertidos em semanas alternadas. A aula de 60

minutos tem o caráter de consolidação da aprendizagem e recuperação permanente.

O sistema de avaliação empregado pelo SEJA é permanente, sendo a promoção de uma

totalidade a outra possível a qualquer momento do processo de ensino aprendizagem. O

mais usual, porém, é que a promoção ou retenção se realize ao final de cada trimestre,

quando realizam-se os conselhos de classe, em que cada educando recebe um parecer

descritivo de seu aproveitamento, sintetizado nos conceitos de avanço (que corresponde à

promoção ao termo seguinte) e permanência (que corresponde à continuidade no termo em

curso); a evasão é classificada como afastamento.

3.3.1. O enquadramento legal do SEJA

Até 1994 o Ensino Supletivo gaúcho era regulamentado pelo Parecer 189 do Conselho

Estadual de Educação (CEE), que definia uma carga horária mínima de 1.200 horas aula

para cada um dos segmentos do 1º grau. Visando "moralizar" o Ensino Supletivo (sempre

afetado por denúncias de facilitação na rede privada de ensino), o CEE revogou o Parecer

189, substituído pela Resolução 213 de 12/04//94 (cuja redação foi modificada pela

Resolução 215/94), que elevou a carga horária mínima de ambos segmentos do 1º grau para

1.600 horas. O SEJA não foi afetado por esta mudança, pois sua carga horária sempre

excedeu os mínimos exigidos pela legislação estadual.

Até o presente momento, porém, a SMED de Porto Alegre só está autorizada a expedir

certificados relativos às séries iniciais do 1º grau, nível de ensino para o qual o SEJA foi

aprovado pelo CEE enquanto experiência pedagógica já em 1989. O CEE ainda não

apreciou o processo encaminhado pelo SEJA relativo às séries finais do 1º grau e, portanto,

a SMED ainda não está autorizada a expedir certificados de conclusão neste nível de

ensino. Os alunos que estão concluindo o 1º grau estão obtendo certificação mediante

avaliação junto ao CES - Centro de Estudos Supletivos - da Capital, enfrentando

dificuldades decorrentes da diversidade de currículo e metodologia entre as duas

modalidades de ensino supletivo.

3.4. A demanda potencial por EBJA em Porto Alegre e a cobertura escolar do SEJA

Segundo o Censo do IBGE de 1991, Porto Alegre possuía uma população total de

1.155.159 pessoas com 5 anos ou mais de idade, das quais 104.823 eram analfabetas, o que

representa uma taxa de analfabetismo de 9,07% para esta faixa etária. A população com

idade superior a 14 anos somava 922.972 pessoas, das quais 5,23% ou 48.299 seriam

analfabetos absolutos.

O dados sobre níveis de escolarização por faixas etárias do Censo de 1991 ainda não foram

divulgados, exceto para os chefes de domicílios. Dos 379.734 chefes de domicílios, 21.129

não possuíam instrução ou tinham menos de um ano de estudos, representando 5,56% deste

grupo, índice que reproduz aproximadamente a taxa geral de analfabetismo jovem e adulto.

Outros 37.555 chefes de domicílios possuíam de 1 a 3 anos de estudos, o que representa

9,88% deste grupo. Somados estes dois subgrupos, 15,44% dos chefes de família não

haveriam concluído o primeiro segmento do 1º grau. O número dos chefes de domicílios

que possuíam entre 4 e 7 anos de estudos somava 108.373 pessoas, 28,53% deste grupo.

Assim, 43,97% dos chefes de domicílios não possuíam escolarização ou a teriam seguido

sem ter concluído o 1º grau.

A título de estimativa, se projetarmos os índices de escolarização dos chefes de domicílios

para a população jovem e adulta total, teríamos aproximadamente 138.000 pessoas sem

escolaridade alguma ou com menos de 4 ano de estudos - configurando a demanda

potencial por programas de alfabetização e educação básica de jovens e adultos

correspondentes às 1ª a 4ª séries do 1º grau -, ou algo em torno de 400 mil pessoas com

menos de 8 anos de estudos - configurando a demanda potencial por programas de

educação básica de jovens e adultos correspondentes ao 1º grau completo.

Considerados os dados de atendimento disponíveis para o início de 1995, a cobertura

escolar realizada pelo SEJA é inexpressiva, representando entre 0,6% e 1,7% da demanda

potencial estimada segundo os critérios acima.

Quadro XI: Evolução da matrícula inicial em EBJA na RME de Porto Alegre (1989-1995)

Ano 1989 1990 1991 % 1992 % 1993 % 1994 % 1995 %

Salas - - 30 - - - 97 - 126 + 29,9 - -

Matrícula 700 700 940 +34,3 1.080 +14,9 2.340 +116,6 2.409 +2,9 2.430 +0,87

Fonte Informática/SMED - 1995.

A evolução da matrícula inicial do SEJA não apresenta um comportamento uniforme, ainda

que a tendência geral seja de ampliação. O atendimento deu um salto quantitativo ao início

da gestão do Prefeito Tarso Genro, em 1993, quando observou-se um crescimento de 116%

das matrículas. A meta de expansão projetada ao início dessa gestão, da ordem de 500 salas

de aula, porém, já foi reduzida à metade, em virtude das restrições orçamentárias do

Município. A meta de expansão para as 5ª a 8ª séries é de 10% do total das salas, restrita ao

atendimento de demandas explicitadas pelas comunidades nas reuniões do Orçamento

Participativo do Município, de vez que o governo municipal entende ser encargo do Estado

atender a este segmento do ensino supletivo de 1º grau.

As matrículas para o SEJA podem ser feitas a qualquer momento do ano, na sede da

SMED. Para racionalizar o procedimento, as matrículas vêm sendo feitas na primeira

semana de cada mês. O fato de uma rádio ter divulgado a existência do Serviço fez com que

a demanda se elevasse a um ponto das vagas se esgotarem, o que significa que a capacidade

do programa atender à demanda está limitada à procura espontânea. As restrições à

expansão do Serviço são dadas pela disponibilidade de recursos e de professores, cujo

processo burocrático de contratação é lento e condicionado à criação de cargos,

procedimento que depende de iniciativa do Executivo e aprovação da Câmara de

Vereadores.

Mesmo sem dispor de estatísticas de rendimento escolar dos alunos do SEJA21, sua

Coordenação afirma que a evasão é relativamente reduzida e os índices de aprovação

elevados. Para justificar esta afirmação, mencionam um estudo amostral realizado em 1995

junto a seis núcleos por um pós graduando de Estatística, que teria registrado que o índice

de evasão junto a estas salas seria de 7% e a promoção alcançaria os 93% restantes do

alunado22. Caso esse dado reflita de fato o universo total do programa, o SEJA estaria

superando uma das principais limitações da educação básica de jovens e adultos, de vez que

todas as pesquisas disponíveis vêm assinalando a persistência de elevados níveis de evasão e

repetência em programas desenvolvidos no Brasil e na América Latina:

"Os estudos por nós analisados (...) revelam também níveis de evasão e

repetência extremamente elevados, indicativos de que mecanismos seletivos já

identificados no sistema de ensino regular vêm se reproduzindo na suplência

em níveis e intensidade que não temos elementos suficientes para mensurar."

(HADDAD, 1987, p.131).

21 Embora a secretaria do SEJA disponha de registros manuais minuciosos da trajetória escolar de cada

aluno em fichas que assinalam matrícula, abandonos, re-ingresso e os resultados de todos os pareceres

descritivos emitidos trimestralmente pelos professores para avanço ou permanência, o setor não foi

informatizado, o que inviabilizou até o momento a produção de estatísticas de rendimento escolar. 22 A substituição do conceito de reprovação pelo conceito de permanência com o objetivo de combater a

cultura do fracasso escolar, acaba por mascarar o problema real de fluxo vertical dos alunos do SEJA.

"A pesar de la ausencia de evidéncias empíricas confiables, la repitencia es

una realidad habitual y severa, según los investigadores nacionales,

especialmente en el primer nivel de la EBA. Responde incluso a una estrategia

educacional del docente y del sistema en vistas a consolidar conocimientos. Se

reproduce así una tradición propia del estilo escolar de aprendizaje.

(...) se observa un alto nivel de repitencia global, en porcentaje significativo

de estudiantes. Entre el 40 e el 50% de cinco de las muestras ha repetido una o

más vezes." (MESSINA, 1993, p. 44 e 98)

Dados recentes disponíveis para outros municípios (inclusive alguns em que os esforços de

qualificação dos serviços educativos realizados pelo poder local são significativos) servem

como parâmetro e para exemplificar quão elevados têm sido os índices de fracasso escolar

na suplência correspondente às séries iniciais do 1º grau, revelando ainda que, nesta

modalidade, a evasão é mais acentuada que a reprovação:

no Estado de São Paulo, entre 1988 e 1991, os índices médios de evasão nas redes

municipais oscilaram entre 24 e 28%, enquanto a repetência variou de 22 a 28% em média,

somando perdas da ordem de metade do alunado inscrito (HADDAD et al, 1993, p.59-62);

estatísticas oficiais revelam que, em Recife (PE), entre 1983 e 1992, a reprovação

oscilou entre 21,6 e 26,6% e a evasão alcançou patamares de 29,6 a 47,2%, totalizando

perdas elevadíssimas, de 52 a 70% dos estudantes do Programa municipal de Educação

Básica de Jovens e Adultos;

em Diadema (SP), no período compreendido entre 1987 e 1993, a evasão oscilou entre

24% e 39% e a repetência atingiu entre 29 e 47% dos educandos do Serviço de Educação

de Jovens e Adultos, somando astronômicos índices de insucesso escolar de até 75%

(DIADEMA, 1994, p. 21).

Confirmando esta tendência, os relatórios elaborados em 1989 e 1990 pelas educadoras do

SEJA mencionam freqüentemente a problemática da evasão, atribuída à combinação de

fatores extra e intra-escolares (SCOMAZZON, 1991, p.112-17).

Um estudo de caso realizado em 1981 nas 33 escolas de suplência de 1º grau da rede

estadual em Porto Alegre também registrou elevados índices de evasão escolar, que

oscilavam de 27,6% a 59,6% (SANTOS, 1982).

Assim, ainda que a RME de Porto Alegre venha obtendo padrões de desempenho escolar

bem superiores à média nacional (com índices de aprovação oscilando de 70 a 78% no

ensino de 1º grau regular), é pouco provável que as estatísticas venham a confirmar as

expectativas otimistas da Coordenação do SEJA em relação aos índices de aproveitamento

e permanência dos alunos.

3.5. Custos e financiamento da EBJA em Porto Alegre

Segundo a Lei Orgânica do Município (LOM) de Porto Alegre, a Prefeitura deve dedicar à

educação 30% da receita oriunda de impostos e transferências. A Assessoria Técnica de

Planejamento da SMED esclarece que, como a LOM é omissa quanto aos ítens de despesa

pertinentes à educação, o Executivo destina os 25% previstos pela Lei Federal para

manutenção e desenvolvimento do ensino e inclui nos 30% previstos pela LOM as despesas

com transporte escolar e merenda.

Não é isto, porém, o que se constata analisando os dados de execução orçamentária obtidos

junto a diferentes fontes23, pois em nenhum dos anos observados as despesas efetuadas nas

funções Educação e Cultura alcançaram os 25% da receita.

Quadro XII: P. Alegre - Recursos orçamentários despendidos em Educação e Cultura (83-92)

Ano 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992

% 10,70 9,83 10,16 12,72 15,58 24,83 18,99 15,21 20,14 19,47 Fonte: Ministério da Fazenda – STN/COREF/DIVEM. Apud: Instituto Pólis - Núcleo de Gestão Municipal.

Quadro XIII: P. Alegre - Resultados da execução orçamentária 1988-92 (em milhões de U$)

Ano Receita Total Despesa Total Despesa Educ. e Cult. % Receita % Despesa

1988 108,5 118,5 26,94 24,82 22,74

1989 142,4 193,4 27,03 18,98 13,98

1990 253,4 278,6 38,55 15,21 13,84

1991 221,6 256,4 44,66 20,15 17,42

1992 247,3 262,0 47,23 19,09 18,03 Fonte: TCU/Min. Fazenda/PMPA. Apud: Instituto Pólis - Núcleo de Gestão Municipal. Cálculos do autor.

23 A diferença entre os percentuais registrados em uma e outra fonte devem-se, provavelmente, à conversão

para a moeda americana.

No segundo semestre de 1995 a SMED calculou em aproximadamente U$ 1.500 o custo-

aluno médio de sua rede, considerados os diferentes níveis e modalidades de ensino. Esse

custo é pelo menos quatro vezes maior à média nacional estimada para o ano de 1989 no

ensino público de 1º e 2º graus, da ordem de US$ 350 (GOLDEMBERG, 1993, p. 11).

Na tentativa de estimar os valores despendidos pela SMED especificamente em EBJA, é

possível apenas fazer inferências indiretas, multiplicando-se o custo aluno médio da RME

pelo número de alunos matriculados no SEJA24. Como a matrícula inicial em 1994 foi de

2.409 alunos, estima-se uma despesa total naquele ano da ordem de U$ 3.600.000. Esse

valor é muito superior ao do convênio assinado naquele ano com o MEC mediante

apresentação de projeto à Divisão de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de

Educação Básica, que foi de R$ 25.985,21 (ou US$ 41.911,63)25, sendo R$ 20.509,57

(78,92%) provenientes do MEC e a contrapartida da SMED de R$ 5.475,64 (21,07%). Por

outro lado, a Chefia do SEJA informa que a quase totalidade dos recursos investidos 199326

e 1994 em atividades de capacitação, aquisição de materiais didático-pedagógicos, livros,

equipamentos e produção de materiais de apoio pedagógico provinham dos recursos

federais, o que significa que o Município cobria principalmente as despesas de construção e

manutenção de edifícios, assistência ao estudante (merenda e transporte escolar) e a folha

de pagamento dos trabalhadores da educação.

As informações acima só nos permitem concluir que a principal fonte de financiamento do

SEJA são os recursos próprios do orçamento municipal (aí incluídas as transferências

obrigatórias das outras esferas de governo) e que o custo aluno é elevado em relação à

média nacional. É provável que parte deste custo mais elevado resulte dos níveis salariais 24 As despesas em educação de Porto Alegre são classificadas em manutenção (pessoal, edifícios e

instalações, material permanente e de consumo básico), desenvolvimento do ensino (material pedagógico,

assessoria, eventos, cursos, etc), merenda e repasses para creches comunitárias conveniadas. Até 1994, todas

as despesas de desenvolvimento do ensino, inclusive as do SEJA, eram lançadas conjuntamente. Na

previsão orçamentária para 1995, passou-se a discriminar essas despesas por Educação Infantil (0 a 6 anos),

Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Especial. As despesas com o SEJA, porém, foram incluídas

no conjunto do Ensino Fundamental, não sendo possível desagregá-las. 25 Cálculo baseado na cotação média do dólar americano/ano, que em 1994 foi de US$ 1 = R$ 0,62. 26 Em 1993, o valor total deste convênio foi de CR$ 11.699.631,10 ou US$ 132.588,74, sendo CR$

7.411.820,60 ou US$ 83.996,15 provenientes do MEC (63,3%) e a contrapartida da SMED de CR$

4.287.810,50 ou U$ 48.592,59 (36,6%). Cálculo baseado na cotação média do dólar americano/ano, que em

1993 foi de US$ 1 = CR$ 88,24.

percebidos pelos professores da RME de Porto Alegre, bastante superiores aos padrões

médios praticados no País.

3.6. Os educadores do SEJA

Para exercer o cargo de professor do SEJA é exigida a formação mínima de 2º grau com

habilitação para o magistério (para as três primeiras "totalidades", correspondentes à 1ª a 4ª

séries) ou licenciatura em curso superior (para as três "totalidades" finais, correspondentes à

5ª a 8ª séries). Até 1994 os professores eram escolhidos por uma seleção interna realizada

pela equipe do SEJA; esses professores foram efetivados no quadro do magistério

municipal por decreto legislativo, sem concurso. A maioria dos professores do SEJA,

porém, são docentes concursados com cargo no ensino regular que acrescem à sua jornada

habitual um adicional de 20 horas cumpridos junto ao SEJA. Ao final de 1994 foi realizado

o primeiro concurso específico para seleção de professores para o SEJA, que vêm

preenchendo as vagas abertas a partir de então.

Os educadores do SEJA de Porto Alegre são contratados por uma jornada semanal de 20

horas, das quais 12 correspondem a atividades docentes em sala de aula, 4 a reuniões

pedagógicas e 4 horas-atividade cumpridas livremente fora do local de trabalho. Percebiam,

em maio de 1995 um salário mensal inicial que variava de R$ 272 (aproximadamente US$

300) para os ingressantes habilitados ao Magistério em nível médio a R$ 475

(aproximadamente US$ 540) para os Pós Graduados. A maioria, porém, formada em cursos

de nível superior, percebia salário de R$ 420 (US$ 477)27. Os educadores percebem ainda

salário indireto sob a forma de vale transporte (cujos custos são partilhados entre

27 Os professores organizam-se na ATEMPA (Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de

Porto Alegre) mas as campanhas salariais envolvem toda a categoria dos funcionários públicos municipais,

reunidos no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre. Maio é a data base da categoria e por ocasião do

trabalho de campo os municipários encontravam-se em estado de greve, reivindicando 11,24% de reajuste

imediato. Em 1994 eles haviam realizado um acordo com o Executivo que foi consagrado em Lei pela

Câmara Municipal de Vereadores, pelo qual o Município passou a pagar aos seus funcionários reajustes

bimestrais com base no IPC (Índice de Preços ao Consumidor) do DIEESE, desde que a folha de pagamento

não excedesse 60% da arrecadação. Graças a este acordo, os municipários tiveram, de maio de 1994 a maio

de 1995, um ganho real acima da inflação da ordem de 20%. Alegando não ter mais como cumprir os

compromissos com os funcionários e aqueles fixados com a população no Orçamento Participativo, a

Prefeitura recorreu e obteve pronunciamento favorável do Superior Tribunal do Trabalho, argüindo

inconstitucionalidade dessa Lei.

trabalhador e empregador)28 e vale refeição29, sendo beneficiados por adicionais de difícil

acesso quando lotados em escolas da periferia.

Os educadores do SEJA de Porto Alegre percebem salários mais elevados que aqueles

pagos na maioria dos municípios brasileiros. Estudo realizado em 1994 junto a 60

municípios que mantêm programas de EBJA (HADDAD, 1995) revelou que, em 38% dos

casos, o salário inicial para uma jornada de 20 a 25 horas semanais de trabalho oscilava

entre 1 e 2 mínimos; em 16 % dos casos, o salário inicial oscilava entre 2 e 4 mínimos (faixa

em que se situam os salários pagos em Porto Alegre para educadores com formação de 2º

grau); apenas 5% dos municípios consultados pagavam salários iniciais superiores a 4

mínimos (faixa em que se se situam os salários percebidos pela maioria dos professores do

SEJA, que possuem formação superior).

O corpo de professores do SEJA é constituído predominantemente por mulheres30 adultas,

com experiência prévia no magistério com crianças, habilitadas em cursos superiores de

Pedagogia ou Licenciatura, sendo expressivo o contingente daquelas que cursam ou

concluíram Especialização31 ou Pós Graduação. A maioria desenvolve outras atividades

docentes fora o SEJA, que é sua primeira experiência em educação de adultos, para a qual

se sentem motivadas. Suas preferências na literatura pedagógica revelam a dupla influência

do pensamento freireano e do construtivismo de orientação sócio-interacionista (vide

caracterização da amostra de professoras entrevistadas no Anexo 8).

"A construção desse projeto popular de educação passa, em grande parte, pela

qualificação do coletivo de professores. E, sem dúvida, a garantia

institucional de formação permanente em serviço de seus professores

apresenta-se como um avanço inovador no campo das políticas públicas em

educação de jovens e adultos." (FISCHER, 1992, p. 72)

28 Em Porto Alegre, todos os professores das redes públicas de ensino são beneficiados pelo passe escolar,

que assegura desconto de 50% no preço das passagens em transportes coletivos urbanos. 29 Em maio de 1995, o professor com jornadas 40 horas semanais recebia 25 vales de R$ 4,00. 30 Confirma-se aqui a tendência verificada no País (GATTI et al, 1993) e no continente (MESSINA, 1993,

p. 154-5) de feminização da profissão docente. 31 A Universidade Federal do Rio Grande do Sul é uma das únicas do país que manteve até 1994 um curso

de especialização (pós graduação latu sensu) em Educação de Adultos.

"O paradigma que norteia toda a formação do professor do SEJA é o da

concepção dialético-crítica, uma vez que a escola e o professor assumem o

conflito social existente e trabalham política e pedagogicamente com ele.

Para isto, o SEJA tem vários mecanismos que garantem esta formação:

quando o professor ingressa no SEJA ele participa de um Seminário Inicial

que tenta dar conta da totalidade sobre os pressupostos teórico-metodológicos

e sobre o compromisso que deve ser assumido frente ao trabalho e frente à

postura do pesquisador. No decorrer da prática ficam garantidos outros

canais, tais como: as reuniões semanais, que podem ser no local de trabalho;

as reuniões zonais, que abrangem vários locais; e as gerais, que envolvem

todo o grupo. (...) Além das reuniões, o professor tem o apoio pedagógico em

sala de aula, tem a tarefa de escrever relatórios e participar dos Seminários de

Avaliação do trimestre e do fim de ano. O caminho da reformulação, do

aprofundamento e do avanço do SEJA é alimentado diariamente a partir

desses canais, porque são eles que refletem as necessidades, limites e

alternativas construídas pela responsabilidade e participação de cada

educador.

Os mecanismos aqui citados têm uma prática apoiada no processo de cada

professor; no que ele já traz de referenciais teóricos e nas trocas que

estabelece com seus pares, na busca de subsídios que possam responder às

demandas do cotidiano.

(...) Para o SEJA, a qualidade do trabalho de cada professor passa pela

possibilidade da apropriação do fazer pedagógico, pensando a prática e não

sendo um executor de 'kits' ou pacotes didáticos elaborados por especialistas

iluminados." (BORGES, L. et al, 1993, p. 9)

Além do Seminário Inicial de formação, com 20 horas de duração, os professores

ingressantes no SEJA realizam estágios de monitoria junto a salas de aula regidas por

professores mais experientes. A formação permanente realiza-se nas reuniões periódicas

semanais, coordenadas pelo GAP - Grupo de Apoio Pedagógico.

As educadoras conferem extremo valor à formação em serviço, entendida como espaço

coletivo de reflexão, troca de experiências, desacomodação e busca de qualidade:

"O que mais acontece por aí é pegar um professorzinho e dizer: 'Vai lá e te

vira'. Aqui existe uma grande preocupação com a formação do professor, tem

espaço para a gente fazer um trabalho comum, planejamento comum, temos

sempre alguém que nos pergunte: 'Seu trabalho está sendo significativo ?

Você está vendo qual que é teu objetivo?' para que a gente não perca o fio

condutor. Para mim é muito importante compartilhar com o outro, senão eu

me sinto muito solitária. Eu entrei um pouco viciada, (...) estava fazendo meu

trabalho, a Conceição o dela; no primeiro momento que nós sentamos na

escola, o trabalho deslanchou, deu um salto de qualidade. E junto com o GAP

e todos com orientação central, eu me sinto muito segura. A gente tem um

socorro pronto: quando estou sentindo que alguma coisa não está bem, eu

converso com minha colega, com meu GAP, a gente retoma esse fio para ter

sempre um objetivo à frente, saber sempre porque você está trabalhando.

Acho isso da maior importância, eu nunca vi isso em nenhum outro

lugar.”(Vera)

"Esse processo não deixa tu te acomodar, tu tá sempre em constante

desacomodação, sempre se questionando, sempre solicitando mais. Eu acho

que isso é importante, faz o trabalho da gente crescer e melhorar a

qualidade do SEJA. Eu me vejo sempre buscando mais, o SEJA te condiciona a

isso, tem esse espaço: você pode parar, pensar, buscar, trocar." (Marília)

"É bem uma construção mesmo. No meu GAP, o pessoal é polêmico, a gente

tem altas discussões, (...) e tem coisas que a gente tem que reformular. Eu

acho fundamental isso de nós termos realmente um espaço garantido para

planejar, para discutir, para trocar. Eu estou no Seja há dois anos, não me

considero veterana, mas uma das preocupações da gente nos últimos tempos

é que não se percam os princípios, que eles se mantenham, porque o grupo

está ficando maior e tem que tomar o cuidado de manter a qualidade do

trabalho." (Márcia)

"Em primeiro lugar eu gostaria valorizar algumas coisas que encontrei no

SEJA: trabalho há pelo menos 12 anos no Estado e escolas particulares,

nunca vi uma valorização profissional quanto a gente tem aqui; outra coisa

também é o respeito e a questão da autoria que a gente não tem em outros

locais de trabalho; o incentivo ao crescimento da gente nas reuniões, através

do próprio GAP (depende muito do GAP, isso varia muito). Essa questão do

espaço para formação, no início a gente sentia que tinha bem mais (...)

Agora vêm com pequenas coisas em relação a horário, por exemplo, para

participar de seminário. (...) Dentro da Prefeitura todos os seminários

sempre foram abertos para os professores, era super valorizado que a gente

participasse, justamente pela qualificação profissional. Agora a gente está

vendo, não sei porque, que para sair para ir a um seminário tem que pagar

carga horária. A gente acha que isso não é uma coisa legal, não fecha com a

nossa proposta do SEJA (...) Também os espaços das reuniões locais, que são

os momentos para troca, estão sendo ocupados com coisas burocráticas."

(Liege)

Os professores são responsáveis pela seleção e elaboração dos materiais didáticos, de vez

que o programa não adota cartilhas, embora o SEJA publique os livros Palavra de

Trabalhador e o Jornal do SEJA - reunindo produção escrita dos alunos - e os Cadernos

do SEJA - com registros de práticas e análises dos professores.

"Madalena Freire sugere o registro escrito da prática pedagógica como forma

de reflexão e o SEJA tem procurado incorporar esta idéia pela qual o

professor pode perceber o que tem proposto aos seus alunos e se os mesmos

têm construído novos conhecimentos. O relatório pode refletir cada momento

do trabalho e articulá-lo com a totalidade dos princípios do SEJA. Esse

relatório é trimestral e tem características diferenciadas do planejamento

formal que disfarça a realidade vivida em sala de aula. O relatório é

dinâmico, vivo e contém a 'verdade' do ponto de vista do professor."

(BORGES, L. et al, 1993, p. 9)

O Grupo de Apoio Pedagógico é constituído por dez educadoras selecionadas no próprio

corpo docente do SEJA segundo os critérios de identidade com as diretrizes político-

pedagógicas do programa, padrão de formação e conteúdo teórico-prático, tempo de

exercício docente no SEJA e disponibilidade para realizar as reuniões e atividades exigidas

pela função (vide caracterização da equipe técnica no Anexo 9).

Cabe aos membros do GAP apoiar pedagogicamente os professores, coordenando as

reuniões e visitando as salas de aula. Cada membro do GAP é responsável por um turno do

CEMEJA ou por um dos 7 NAIs (Núcleos de Ação Institucional)32, apoiando suas reuniões

locais e regionais.

"O GAP não faz o papel tradicional da 'super visão' nem do supervisor e não

concebe o professor como objeto mas como sujeito da ação pedagógica. O

GAP é parceiro neste processo de desvelar os saberes e não saberes do grupo

(e o seu), não tendo, portanto, papel fiscalizador e burocrático." (BORGES, L.

et al, 1993, p. 9)

32 A regionalização adotada pelo SEJA segue a divisão administrativa da SMED em sete Núcleos de Ação

Institucional - NAIs - que agregam as 16 micro-regiões da cidade.

Apesar dessa declaração, há indícios de que a relação assimétrica estabelecida no período

mais recente entre os membros do GAP e os professores tem provocado fissuras na base de

confiança entre eles:

"Logo no início, o GAP teve um papel mais de mediador e agora ele está tendo

uma outra função que é de articulador, de coordenador, de instigador. Agora

nós estamos retomando a discussão do papel do GAP, pois há grupos que

estão pedindo a eleição do GAP, porque o GAP não é eleito, é formado por

pessoas convidadas. (...) As professoras mais antigas é que fazem essa

cobrança. Na realidade, a diferença com o GAP anterior é que ele era

constituído por pessoas que estavam representando os professores, nomes que

surgiram para serem do GAP por indicação dos professores, então ele era um

mediador. Agora ele assumiu um outro caráter que é de assessoria, muda o

papel completamente. Tem também a questão do crescimento do SEJA, que

influenciou bastante nos rumos que a gente acabou tomando, nossa

organização teve que ter uma mudança. No início, quando tinha 30

professores, era uma realidade; hoje, com 170, quase 180 professores, muda

completamente o quadro. Talvez os professores antigos fiquem assim meio

saudosistas daquele tempo em que tudo era definido em uma reunião com 30

pessoas." (Cátia, membro do GAP e da Assessoria Pedagógica da SMED)

"Hoje é realmente mais difícil. Se a gente não conseguir se organizar nessas

instâncias, a gente não consegue dar conta de coordenar o trabalho, de ver o

que está acontecendo em cada região da cidade. A SMED, a Coordenação,

não consegue ter a visão do todo, porque a gente não vai estar em todas as

salas de aula. O GAP, hoje, está fazendo o papel de ir às salas de aula, que

antigamente a Coordenação fazia e agora não faz mais, nem tem como."

(Rose, membro da Coordenação)

"Eu tenho uma dificuldade frente aos professores mais antigos relacionada ao

papel do GAP. Faz parte (pelo menos eu acreditava que fazia parte) do

trabalho do GAP entrar nas salas de aula, intervir com o aluno, participar do

trabalho com o professor, até para ter subsídios para uma discussão, para

poder auxiliar. Eu estou aqui no CEMEJA de manhã, onde existe um grupo de

professores bem antigos que opõem uma resistência grande à minha entrada

em sala de aula, o que, para mim, é particularmente importante. 'Se eu

permitir tu entra, se eu não permitir tu não entra. Tu entra quando eu te

convidar, senão tu tá invadindo.' É uma defesa contra a avaliação, é uma

resistência a mostrar a prática. Eu me sinto sem respaldo, sem subsídios para

conversar. A pessoa te sente como uma invasora, alguém que chegou ali

representando de alguma forma o poder, alguém que está do lado da

Coordenação e que está fiscalizando, então eles têm resistência. No entanto,

tem outras escolas com professores em que isso já não acontece, a presença do

GAP na sala de aula é natural, até pedem, acham que é bom, que tu vai

contribuir". (Sinara, membro do GAP)

3.7. Os alunos do SEJA

"(...) los estudiantes de la EBA (...) se presentan como marginados urbanos,

con tradición rural y sometidos a aculturación, procesos sociales, económicos

y políticos ajenos a sus voluntades individuales que los llevaron a ellos o a sus

padres, a migrar a las ciudades. Posteriormente su condición social los obligó

(en la niñez o adolescencia) a abandonar la escuela regular e insertarse en una

posición desfavorable en el sistema productivo. Pocos años despues, ya adultos

jóvenes, regresan a la educación sistemática impulsados por las mismas

demandas sociales que en el pasado los alejaron de la escuela. Es decir, la

necesidad de trabajar y la escasa utilidad del conocimiento escolar los hacen

desertar; la búsqueda de mejoras económicas y la necesidad de legitimarse

socialmente los llevan nuevamente a la escuela. La pregunta que queda

pendiente es el papel que le cabe a la escuela dentro de este movimiento

pendular." (MESSINA, 1993, p. 87-8)

O SEJA não dispõe de dados sócio-demográficos sobre o perfil de sua clientela (pesquisa

nesta direção está planejada para ter início em 1996), o que impossibilitou a estruturação de

uma amostra representativa. Por outro lado, as restrições materiais, humanas e de tempo do

estudo não nos permitiram realizar um survey amplo. Assim, a seleção dos sujeitos

entrevistados não resultou de um procedimento estatístico e procurou apenas cobrir a

diversidade de realidades em que a oferta do SEJA se realiza, incidindo sobre duas unidades

escolares: à noite, nos dirigimos à E.M. João Antônio Satte (localizada no Parque dos

Maias, um bairro periférico na região norte da cidade); em horário matutino, entrevistamos

alunos do CEMEJA, localizado no centro da cidade. Complementamos as entrevistas com

observações realizadas no horário vespertino em uma classe instalada no Centro

Comunitário Parque Manequinho, um equipamento multi funcional mantido pela FESC no

bairro Cavalhada, zona sul da cidade.

A localização geográfica e o horário - características da oferta - modulam o perfil social da

demanda por EBJA em Porto Alegre: no Centro, pela manhã, e no bairro, pela tarde,

predominam senhoras (donas de casa ou funcionárias públicas municipais) e adolescentes

recém egressos da escola regular, a maioria dos quais não realiza trabalho remunerado. Os

jovens apresentam marcas da marginalização social e educacional: dentre eles encontramos

portadores de deficiências físicas e mentais brandas33, ex-institucionalizados, adolescentes

que tinham algum grau de envolvimento com o mundo das drogas e da violência. À noite,

na periferia, também encontramos senhoras que realizam trabalho doméstico não

remunerado, mas predominam trabalhadores (inseridos nos mercados de trabalho formal ou

informal) de ambos os sexos e diferentes faixas etárias.

Os 12 alunos entrevistados foram indicados pelas professoras das respectivas unidades

escolares. Embora tenhamos solicitado que as indicações respeitassem um critério de

diversidade de sexo, idade e tempo de ingresso no SEJA, ao tabularmos os dados de

caracterização dos alunos entrevistados (Quadro XIV) e cotejarmos os resultados com

pesquisas anteriores, constatamos que o grupo não apresenta o perfil típico dos estudantes

da suplência de 1º grau.

Quadro XIV: Caracterização dos alunos do SEJA entrevistados

Pergunta Variável E.M. CMJA Total %

----------------------- Entrevistados 6 6 12 100,00

Estado de origem RS 6 6 6 100,00

Local de moradia Porto Alegre 5 6 11 91,66

Alvorada 1 0 1 8,33

Idade - 25 anos 2 2 4 33,33

25 a 35 0 0 0 0,00

35 a 40 3 1 4 33,33

+ de 40 1 3 4 33,33

Sexo Feminino 4 5 9 75,00

Masculino 2 1 3 25,00

Estado civil Solteira/o 2 3 5 41,66

Casada/o 4 2 6 50,00

Viúvo 0 1 1 8,33

Número de filhos Nenhum 2 1 3 25,00

1 1 1 2 16,66

2 a 3 3 3 6 50,00

mais de 3 0 1 1 8,33

Emprego Empregado 4 5 9 75,00

Setor formal 2 2 4 44,44

Setor informal 2 3 5 55,55

Doméstico não remunerado 1 1 2 16,66

33 Em 1995, como parte da política da SMED de integração dos portadores de necessidades especiais, o

SEJA acolheu um grupo de aproximadamente 180 jovens e adultos provenientes das unidades de educação

especial mantidas pelo Município.

Desempregado 1 0 1 8,33

Renda mensal Sem renda 2 1 3 25,00

até 1 SM 2 0 2 16,66

+1 a 2 SM 1 3 4 33,33

+ 2 SM 1 22 3 25.00

Escolaridade anterior Nunca estudou ou - 1 ano 1 2 3 25,00

1 a 2 anos 2 0 2 16,66

+ 2 a 3 anos 0 3 3 25,00

+ 3 anos 3 1 4 33,33

Tipo de escola Não sabe informar 1 0 1 8,33

Regular urbana 4 2 6 50,00

Escola especial 1 0 1 8,33

Senai 1 0 1 8,33

Orfanato/internato 0 1 1 8,33

Sem Resposta 1 0 1 8,33

Escolaridade SEJA Ingresso T1 3 3 6 50,00

Ingresso T2 2 2 4 33,33

Ingresso T3 1 0 1 8,33

Ingresso T4 0 1 1 8,33

Atual T1 2 3 5 41,66

Atual T2 2 2 4 33,33

Atual T3 1 0 1 8,33

Atual T4 1 1 2 16,66

Ocupações atuais mencionadas: donas de casa (3); servente/encarregado de limpeza de escritório

(2); metalúrgico (1); empregada doméstica (1); servente de pedreiro (1); gari (1); costureira (1);

auxiliar de serviços gerais (1); marcineiro (1).

Profissões mencionadas: metalúrgicos (2); mecânico e marcineiro (1); costureira (1).

Para o Estado do Rio Grande do Sul, encontramos um estudo que traça um perfil sócio

demográfico de alunos de cursos de suplência de 1º grau, realizado em 1978 junto a 99

escolas da rede estadual (SILVA, 1979). Em uma amostra constituída por 2.131 alunos dos

níveis 3 e 4 (correspondentes às 5ª e 6ª séries do ensino de 1º grau) distribuídos nas 19

Delegacias de Ensino, a pesquisa concluiu haver um equilíbrio entre os sexos (51,9%

feminino, 48,1% masculino), predomínio de jovens na faixa etária de 18 a 25 anos (59,3%

do total), ocupados (88%), que trabalhavam 8 ou mais horas ao dia (78%) e que haviam

freqüentado anteriormente escolas regulares por diversos anos (89,8%).

Para o Município de Porto Alegre, localizamos uma pesquisa de 1981 com uma amostra de

88 alunos do nível 4 de suplência das escolas estaduais sob jurisdição da 1ª Delegacia de

Ensino (SILVA, 1982). Também aí há certo equilíbrio entre os sexos (53,4% de mulheres e

46,6% de homens), predomínio de jovens solteiros (63,6% na faixa etária de 17 a 21 anos),

trabalhadores com renda entre 1 e 2 salários mínimos (53,8%) que freqüentaram

anteriormente o ensino regular.

Esses perfis do alunado são similares aos descritos em outros estudos realizados no Brasil

(HADDAD, 1987), o que nos levou a supor que o grupo que entrevistamos é desviante do

padrão dominante ao menos no que se refere ao sexo e a idade, pois constitui-se

majoritariamente por mulheres adultas com mais de 35 anos.

Há que se considerar, porém, que a maior parte das pesquisas consultadas refere-se a

estudantes que freqüentam níveis mais elevados da EBJA, e que o perfil predominantemente

feminino e com idade mais elevada de nossa amostra é compatível com os resultados de

estudos anteriores realizados com estudantes do SEJA (SCOMAZZON, 1991) e em

diversos países da América Latina, em que observou-se o predomínio de estudantes

mulheres e uma presença relativamente maior de alunos mais velhos nos níveis iniciais da

EBJA (MESSINA, 1993).

Ainda assim, os depoimentos apresentados a seguir não têm validade estatística e têm valor

estritamente qualitativo, pois referem-se a uma reduzida amostra aleatória de doze alunos,

Ainda assim, os depoimentos apresentados a seguir não têm validade estatística e têm valor

estritamente qualitativo, pois referem-se a uma reduzida amostra aleatória de doze alunos,

cujo perfil sócio demográfico por vezes difere dos traços predominantes identificados em

pesquisas realizadas no Município, no Estado, no Brasil e na América Latina.

Para minimizar esta reconhecida limitação, a análise dos depoimentos procurou confrontar

os fatos observados com os resultados de pesquisas anteriores e mais abrangentes.

3.7.1. Trabalho, condição social e escolarização

Os grupos de entrevistados eram constituídos por trabalhadores, 75% dos quais

empregados assalariados, um desempregado e duas donas de casa. Dentre os empregados,

mais da metade não possuía carteira de trabalho assinada, movendo-se no mercado de

trabalho informal em serviços domésticos, na construção civil, marcenaria ou costura.

Enquanto que as donas de casa e a desempregada não auferiam renda monetária, o grupo de

empregados distribuía-se entre diferentes faixas de baixa renda; apenas um quarto deles

recebia mais de 2 salários mínimos mensais.

A condição social dos alunos é percebida por professoras e técnicas como resultado de um

processo de exclusão:

"Eu trabalho em Campos do Cristal, que realmente é uma vila bem miserável,

próxima ao Cruzeiro (Cruzeiro, eu diria, tem um nível superior, porque a

população já é mais organizada). É uma vila paupérrima, eles são excluídos

de tudo, eles são marginalizados mesmo. Tem até menores infratores, a

gente está trabalhando com eles também. Então eu acho que a nossa

clientela é uma clientela de excluídos, são as pessoas excluídas da sociedade

em todos os termos, a auto-estima deles é baixíssima. A gente trabalha bem

com eles essa questão da organização, de lutar por objetivos comuns, (...) que

eles têm direitos para resgatar. Acho que a gente tem que trabalhar com eles

no sentido de fazer uma releitura desse mundo que eles têm, a gente está se

propondo com eles a resgatar a cidadania, porque eles estão bem excluídos,

se sentem muito marginalizados". (Marília)

"São excluídos que procuram o SEJA pelas mais diversas razões,

especialmente o trabalho ou o convívio familiar, para melhorar suas relações

e sentir-se útil na família. Os mais jovens, evidentemente, sempre com uma

perspectiva de melhorar de vida, de emprego; as pessoas com mais idade

procuram no sentido de crescimento pessoal e de enriquecer a sua relação

familiar." (Cátia)

Para a maioria desses alunos a escolarização representa possibilidades de atenuar os

preconceitos em relação a sua situação social (pobre, negro, mulher, analfabeto, velho,

morador de vila), ter acesso ou permanecer no mercado de trabalho, ascender na estrutura

ocupacional e perceber melhores salários:

"Eu vim estudar principalmente prá mim arrumar um serviço, que se a pessoa

vai arrumar um serviço hoje, eles estão pedindo do 1º ao 2º grau; então,

qualquer serviço que a pessoa vai procurar não aceitam, pode ter experiência.

Eu trabalhei 19 anos em uma metalúrgica de fazer talheres, depois fui embora.

Tentei conseguir serviço em outras firmas e, com 19 anos de carteira assinada

numa única firma, não consigo por falta de estudo. Aí eu apelei pro SEJA. Prá

mim foi muito importante, eu tenho aprendido bastante, não cheguei até onde

eles querem, até a 8ª, ainda. (Gelci, aluna da E.M. J. A. Satte)

"É muito importante, porque mesmo no trabalho da gente às vezes a gente

perde oportunidade. Eu trabalho num escritório. Lá, eu sirvo cafezinho. Mas a

gente perde oportunidade de ser uma secretária ou ser uma recepcionista,

trabalhar num serviço melhor, ganhar mais; porque o trabalho que a gente

faz, como servir cafezinho e limpeza, eles acham que não têm muito valor."

(Lourdes, aluna da E.M. J. A. Satte)

"(...) Eu pare estudar quase 30 anos, parei na 5ª série no Alvorada, naquela

época era bastante. Mas, graças a Deus, eu tive sorte em empregos e eu fiz

muitos cursinhos nas firmas que eu trabalhei, inclusive tenho diploma do Senai

de ferramenteiro, eu sou metalúrgico, tenho curso de torneiro, sou

especializado. Mas sempre falta alguma coisa, eles sempre exigem um

currículo melhor. Se tem um estudo melhor quer dizer que vale mais. Se eu

consigo terminar a 8ª série, de repente já me interesso pelo 2º grau, eu quero

ver se não paro. Tá bom, eu estou gostando mesmo. Então isso aí pode até

mudar, posso fazer um técnico e ir mais prá cima. (...) Já aconteceu comigo de

sofrer exclusão. Eu cheguei numa empresa prá pegar um serviço, tinha

anúncio no jornal, fui lá, preenchi ficha, tinha 5 pessoas, tinha 2 vagas. Então

tinha um rapaz que ele não tinha curso do Senai, ele tinha 2º grau e tinha

experiência e não era negro; eu tinha quase 20 anos de experiência, tinha 2

anos de diploma de Senai, tinha muito mais, meu currículo era muito melhor,

mas quando chegou a hora da instrução pegaram ele porque tinha 2º grau, só

por causa do nível do 2º grau (...)." (Jurandir, aluno da E.M. J. A. Satte)

"Eu trabalho no município, sou funcionária pública, então eu quero continuar

os estudos prá fazer novos concursos. Eu já fiz vários concursos mas não fui

chamada, sou só auxiliar de serviços gerais, mas já passei em auxiliar de

merendeira e de costureira, só que não fui chamada ainda, mas tirei boas

notas e eu quero continuar os estudos prá fazer novos concursos, prá poder ser

alguém maior." (Tânia, aluna do CEMEJA)

3.7.2. Origem rural-urbana e migrações

Os dois grupos de alunos entrevistados eram constituídos integralmente por gaúchos e, à

exceção de uma moradora do município vizinho de Alvorada, todos vivem em Porto

Alegre, cidade em que 58,33% nasceu. Esta amostra não repete o perfil característico dos

estudantes de programas de EBJA identificado em pesquisas realizadas na Região Sudeste,

em que a maioria do alunado é constituída por migrantes rural-urbanos inter regionais

(Haddad, 1982; Galheigo, 1984; Pereira & Marques, 1975; Pfister, 1979 - citados por

HADDAD, 1987), o que se deve provavelmente ao fato das capitais desta região serem

pólos de atração de correntes migratórias inter regionais. Os dados obtidos em Porto Alegre

- em que predominam estudantes nascidos na própria capital ou migrantes rural-urbanos

intra-estaduais - assemelham-se mais àqueles observados em Recife (RECIFE, 1995, tabelas

11 e 12), pois ambas as metrópoles são pólos de atração de correntes migratórias intra-

estaduais e regionais.

Cabe destacar que, ainda que não sejam a maioria34, os entrevistados de origem rural

encontram-se na faixa etária mais elevada e foram aqueles que maiores dificuldades tiveram

de acesso à escola na infância:

"Eu fui criada prá fora, não tinha aula, sou da Encruzilhada do Sul, lá não

tinha essas coisas" (Maria Luiza, 61 anos, aluna do CEMEJA)

"Eu morava no interior, então não tinha como nós ir pro colégio, aí não deu

prá estudar." (Geraldina, 62 anos, aluna do CEMEJA)

"Eu mesma nunca estudei, meus pais nunca me colocaram no colégio. Minha

terra é Porto Xavier, interior, os pais pobre não pode, aí eu não estudei

nunca." (Lourdes, 39 anos, aluna da E.M. J. A. Satte)

3.7.3. Idade e convívio inter geracional

Embora os jovens sejam numerosos nas unidades escolares visitadas e as professoras os

mencionem como maioria do alunado do SEJA, eles estiveram sub representados nas

entrevistas. É possível que, ao fazer a indicação dos alunos, as professoras tenham

privilegiado os adultos, ou ainda que os adolescentes não tenham se interessado por

participar das entrevistas. Dois terços de nossa amostra eram constituídos por estudantes

com idade superior a 35 anos, o que contradiz a totalidade dos estudos consultados, que

indicam claro predomínio de jovens nos programas de EBJA (mais da metade com idade

inferior a 25 anos e parcela significativa com menos de 18 anos). Entretanto, deve-se

assinalar que as características dos alunos que entrevistamos em 1995 assemelham-se

bastante às descritas por uma professora-pesquisadora que estudou algumas salas de aula

do SEJA de Porto Alegre entre 1989 e1990:

"Os alunos que freqüentam as classes instaladas no Mercado Público de Porto

Alegre, que funcionam à tarde, são na maioria mulheres, com idades que

34 Merece registro que, no estudo de Scomazzon (1991), os alunos do SEJA eram majoritariamente

migrantes rural-urbanos intra-estaduais (p. 57).

variam dos 16 aos 70 anos, predominando a faixa entre 35 e 60 anos. Entre as

mulheres de mais idade, há grande número de viúvas que dizem agora ter

tempo para estudar, 'por já terem criado filhos e netos'." (SCOMAZZON,

1991, p. 56)

Este dado nos leva a considerar a hipótese de que, no SEJA de Porto Alegre, as mulheres

adultas e idosas constituam uma parcela significativa do alunado e que, ainda que não sejam

a maioria, configuram um sub-grupo relativamente homogêneo, cuja identidade nitidamente

delineada aumenta sua visibilidade no interior do conjunto heterogêneo de estudantes.

Um terço dos alunos entrevistados tinham mais de 40 anos e, dentre eles, havia duas

senhoras idosas, para as quais o acesso à escola é percebido como o resgate de um direito e

a ruptura de uma situação de marginalização social:

"(...) agora eu estou estudando porque já estou com 62 anos, me aposentei,

comecei a estudar, estou me sentindo muito bem. (...) porque é muito bom a

gente estudar. No trabalho, às vezes algum recado, a gente, não sabendo ler,

não sabe. Eu trabalhava numa firma de limpeza, me aposentei mas eu ainda

trabalho, ainda faço algum servicinho de limpeza em escritório, não dá prá

gente parar de trabalhar. Graças a Deus, estou indo muito bem nesse colégio,

que é muito bom essa oportunidade que eles dão prás pessoas de idade

estudar, que tem certos lugar que as pessoa de idade não pode estudar, e aqui

não, aqui tenho oportunidade de estudar". (Geraldina, aluna do CEMEJA)

"É tão difícil uma pessoa não saber ler, escrever! Se eu tinha que ir em algum

lugar, tomar ônibus, eu ia no fim da linha; agora não, eu fico na parada, eu

tomo o ônibus que eu tenho que pegar. Prá gente é muito importante saber ler,

escrever um pouquinho e, embora com a idade que está, ficando cansada, a

gente participar com os jovens, tudo junto, é uma coisa bacana, bonita.

Porque não é só pros jovens a oportunidade, tem pros adultos também. (...)

Mas sabe como é, de menina eu não tive oportunidade, agora eu me sinto feliz

no meio dos jovens também tendo essa oportunidade.(...)- Eu estou

aprendendo com elas, na sala de aula. Vou fazer 62 em dezembro, dia 12 faço

62 anos. Então eu digo assim: 'Eu tô velha' e elas dizem: 'Não'. É uma coisa

que elas estão transmitindo prá mim, é uma coisa boa, que eu não devo me

sentir velha, no momento que a pessoa se sentir velha ela se sente até

rejeitada. (...) Mas tem gente pior do que eu, eu não sou velha, eu sou jovem

ainda." (Maria Luiza, aluna do CEMEJA)

Dentre os poucos jovens entrevistados, encontramos aqueles que viveram (ou ainda vivem)

situações extremas de violência familiar:

"Tenho 17 anos, eu vim prá escola prá poder aprender alguma coisa. Quando

eu era pequeno não tive oportunidade. Não fui criado por pai e mãe, fui

criado em orfanatos - Bagé, Caçapava, Morro Santana -, então fui criado

assim pelos estranhos. (...) Minha mãe não me queria, meu pai não me queria,

então botava ali. (...) Eu apanhava muito quando eu era pequeno. (...) Porque

eu fui criado assim: minha mãe não gostava de mim, então eu apanhei de

válvula de fogão, apanhei de ferro, pedaço de tudo (...) [mostrando a cicatriz

na cabeça] Aqui, assim, eu tive que operar, tem um osso, tava um dedo assim

prá dentro de uma válvula de fogão. (...) Muitas vezes eu apanhava e nem

sabia porque (...) botava numas tampinhas, me botava 2, 3 horas nas

tampinhas. Eu fui criado no respeito: 'Espera aí, tá cortando meu joelho'.

Ainda de mão prá cima, sabe o que é? começa a balançar as mãos, vai

cansando. Mas isso aí foi antigamente. Meu pai tem dois filhos. Tem um relho

lá, que vou te contar...Às vezes tenho vontade de separar ele, mas ele pega,

chega a tirar sangue das pernas. Mas ele diz: 'Se quiser, cria os filhos dele,

educa eles', ele diz na cara de pau. Eu moro com meu pai, agora, depois de

grande. (...) se ele der em mim eu dou nele, ele já sabe, se ele botar a mão em

mim ele apanha. Claro, ele quer porque eu tenho que ajudar ele, porque eu tô

grande, tô um homem, prá trabalhar prá ele. Ele nunca me quis quando eu era

pequeno, me rejeitou, ele diz que eu era filho de negra, meu vô me rejeitava,

quando eu cheguei assim: 'Meu filho', me correu de facão que eu era filho de

negro, não era prá chegar ali perto. Ele era meio racista, ele era, ele é

alemão, eu sou alemão, mas ele diz que sou filho de negro, que eu não era

filho de meu pai, chegou quase a me correr de lá. Aí fui morar com meu pai,

ele brigou com meu pai por causa de mim e meu pai foi pegando raiva. Agora

que eu tô me dando melhor com meu pai, mas não posso sair, não posso

passear, não posso ter amigo, nada, eu sou pior do que preso, se chegar lá

qualquer uma de vocês: 'O Elias pode ir num baile?' 'Sai daqui, vai pro diabo

que te carregue!' Ele não quer nem saber, ele não aceita ninguém, eu tenho

que estar sempre dentro de casa." (E., 17 anos, aluno do CEMEJA)

A motivação para retomar os estudos entre os jovens entrevistados não é puramente

instrumental; centra-se no acesso ao saber, do qual foram privados em sucessivas

experiências de fracasso escolar:

"Meu causo é bem simples, eu desde pequeno estudei em várias salas de aula,

(...) daí não deu, atrasei, parei vários anos (...) Agora me 'bateu na telha'

voltar a estudar de novo, aprender. (...) Estudava num morro ali, classe

especial, não aprendia nada: a ler, escrever. Deu uma vontade de aprender!

Não sabia que tinha o SEJA. Depois, no ano passado que eu descobri que

tinha, eu vim aqui, me informei e entrei. Só é um pouquinho difícil a

matemática, a cabeça... mas eu vou pegando o jeitinho, chego lá." (Sandro, 23

anos, aluno da E.M. J. A. Satte)

"Sou a mais jovem. Eu trabalho em casa de família. (...) Passou pela cabeça

ter vontade de estudar de novo, aprender mais. Eu tinha parado de estudar,

faz um tempo que eu estudei, estudava prá lá de Guaíba, aí eu parei de

estudar, aí eu voltei a estudar de novo aqui no SEJA, estou aprendendo

bastante coisa aqui, tô aproveitando bastante." (Denise, 19 anos, há dois anos

"estacionada" na turma de alfabetização inicial da E.M. J. A. Satte)

A persistência desses jovens na luta pelo acesso e permanência na escola exprime não só a

busca de qualificação para melhorar sua inserção no mercado de trabalho, mas também a

aspiração por ocupar um lugar simbólico na sociedade urbana, no interior da qual a

escolarização é condição para que eles possam partilhar a identidade e cultura juvenis.

Os depoimentos sobre a convivência entre os adolescentes, adultos e idosos revelam

elementos de diferenciação e conflito, mas também de tolerância e respeito. Durante as

entrevistas com os alunos, travaram-se os seguintes diálogos:

"- Na nossa sala tinha uma guria de 14 anos que irritava, ela ficava todo

tempo chamando a professora. Eu não serviria prá ser professora, porque eu

já xingava.

- Nós somos adultos, conseguimos se organizar na aula de matemática. Porque

na outra sala, tem pessoas mais jovens, mas foi assim um horror. Eu sou uma

que aprendi a falar agora, eu disse: 'se tiver que ir com a outra turma eu não

vou, que eu não consigo'; porque tem quem mandar o colega calar a boca,

sabe? Eles gritam, aquela coisa, mas já são mais adolescentes.

- Sim, mas na nossa aula, como os colegas tudo se conhece, a gente manda

calar essa boca e se respeita. E olha que o professor tem paciência: 'Só um

momentinho, pessoal'. E já nós, os alunos, não temos essa paciência: 'Fica

quieto aí, o professor tá falando'. Mas a gente se gosta, se respeita, no nosso

grupo." (Diálogo entre alunos adultos da E.M. João Antônio Satte)

"- Tem uns que colégio que tem muitos velhos (...) que não aceita os jovens

estudando junto, que fazem muita bagunça, que fazem isso.

- Mas fazem mesmo um pouco...

- Tá, é verdade, mas é preciso saber compreender, todos eles foram jovens...

- Eu também já fui jovem, também fazia ... Eu não sou contra, eles têm toda

energia, eles são jovem, eles têm que botar isso prá fora... E nós temos que

aprender a conviver com eles e eles com nós, nos respeitando como nós

respeitemo eles, jovens.

- Pode ter algum jovem que bagunça, mas não distrata um velho, nunca teve

um palavrão, todo mundo aqui pensa assim, eu pelo menos sempre pensei

assim." (Diálogo entre alunos do CEMEJA).

Os depoimentos de alunos e professores revelam que os conflitos e diferenças geracionais

são abordados conscientemente pelos educadores, que os consideram dentre os seus

principais desafios:

"- (...) as professoras estão querendo promover um debate entre os jovens e os

velhos, todos os idosos, então a gente quer promover um debate, velhos,

idosos, qualquer um ..." (E, 17 anos, aluno do CEMEJA)

"Também tem aula separado dos jovens, mais no caso prá explicar sobre as

doenças que tem hoje em dia, AIDS, essas coisas assim. Eu achei muito legal

que todos os professores são muito dedicados, eu admirei. Ainda esses dias

falei no meu serviço que eu não tinha encontrado um colégio igual a esse aqui,

que as professoras se dedicam tanto pros adultos como pros jovens. Cada um

tem um problema diferente, então prá todos eles tem uma delicadeza. Assim eu

achei maravilhoso, a gente vai prá frente, vai estudando, cada dia vai

aprendendo coisas diferentes, se formando tanto no dia a dia da sociedade

como dos estudos, a gente vai adquirindo novas informações." (Tânia, mais de

40 anos, aluna do CEMEJA)

"- Esses dois terços de adolescentes que eu tenho não têm aquela atitude do

adulto de estar cônscio, de saber exatamente porque está ali, a impressão

que se tem é que os pais foram empurrando, então a atitude é diferente e às

vezes o adulto não tem muita paciência. Eu tenho que fazer um esforço que é

pro meu público adulto compreender o adolescente.

- Esse ano eu tive esse problema na minha sala, diferença de adolescentes e

adultos, daí eles queriam fazer turmas de adultos e turma de adolescentes.

Eu perguntei a eles: 'Como é lá fora?' Então eu fiz ver que a coisa não é

assim, que a gente tem que conviver com todas as pessoas, lá fora é assim, a

gente não segrega: 'Olha, vou viver só com adolescente, ou só com adultos'. O

trabalho está rolando e está sendo muito produtivo. Inclusive eu tive

problemas como eu nunca tinha encontrado, problemas de conduta mesmo

com dois adolescentes, e o grupo todo está segurando essa e está sabendo

ajudar, contornar, e eles estão indo. Então esse eu acho que não é um

problema tão grave.

- Interessante, porque ocorreu a mesma coisa comigo esse trimestre, vieram

alunos que o grupo da manhã não aguentava mais e foram convidados a

passar prá noite. E eu tive muita resistência, tive aluno que chegou ao ponto

de eu não aguentá-lo mais dentro da sala. Extrapolou mesmo, eu já tinha

decidido: 'Na minha aula não pisa mais!' Depois a mãe veio conversar

comigo, houve toda uma mediação e é um daqueles alunos que disse: 'Como

a tua aula é boa, se eu soubesse que era assim eu já tinha vindo antes'. Mas é

aquela coisa, tem que estar sempre encima, porque eu tenho adultos, tenho

pessoas de mais idade na sala que cobram. Até perdi um aluno trabalhador

por causa desses alunos e não consegui resgatar mais.

- A sexualidade também é outra coisa. Eu tenho que usar a linguagem deles

(se é porra, é porra). A gente tem conversado, eles têm trazido alguns

problemas, não muito que a gente não teve muito tempo prá isso, mas os que

estão começando a transar, que querem saber o que que é... Quase eu me

queimo, levando duas adolescentes prá uma médica. Ai a GAP falou: 'Dá o

endereço, elas vão sozinhas'. Eu gostaria mesmo de ter um pouco mais de

orientação prá saber como conciliar isso, porque a maior parte são

adolescentes. Não só em relação a adolescentes, mas o adulto também, eles

querem saber como orientar os filhos, têm muitas dúvidas, tem muitas coisas

que estão distorcidas mesmo e falta informação.". (Diálogo entre as

professoras)

O que mais surpreende no perfil etário dos entrevistados, porém, é que a faixa de 25 a 35

anos não esteja representada. O mais provável é que se trate de um desvio da amostra, mas

é possível também que as dificuldades em conciliar trabalho, estudo e responsabilidades

familiares atinjam de modo mais acentuado este grupo etário. Uma terceira hipótese

(derivada da anterior) é de que o dado reflita a dificuldade de acesso ao estudo das

mulheres em idade reprodutiva, o que remete à questão das relações entre educação,

trabalho doméstico e gênero.

3.7.4. A questão de gênero

Entrevistamos 75% de mulheres, quando os estudos nacionais precedentes indicam ser

equilibrada a participação dos sexos no ensino supletivo. Uma das técnicas entrevistadas,

sugere a hipótese da feminização da clientela:

"Eu quero falar sobre algo que eu venho observando: a quantidade de

mulheres que estão voltando à escola, principalmente à noite. Quando eu

comecei, em 1989, nós tínhamos problemas porque as mulheres começavam o

trabalho e não ficavam nem um mês ou dois, com mil problemas (o marido não

permitia, se não tinha marido tinha filhos, isso ou aquilo); agora isso está

mudando. Na visita às escolas, principalmente as da periferia, que estão

ligadas a uma comunidade, nos bairros, as mulheres estão indo para a escola,

estão deixando seus filhos, seus maridos, estão optando por cuidarem de si e

isso é uma coisa muito marcante. No centro também, elas saem do trabalho e

ficam na escola; elas não estão indo para casa. O número de mulheres no Seja

é muito grande, às vezes as mulheres são maioria dentro da sala de aula, (...)

às vezes acontece dos homens não virem e as mulheres não faltam. Isso é uma

coisa que está muito forte, eu tenho observado bastante, o que aponta para

uma pesquisa sobre esta novidade. (...) Isso é uma coisa que está batendo

muito forte: as mulheres estão presentes." (Márcia, membro do GAP)

Contradizendo esta hipótese, pesquisa regional latinoamericana chega a afirmar que:

"(...) no existen evidencias que confirmen la feminización de la EBA. Por el

contrario, podría aventurarse como tendencia regional que las mujeres

participan en la EBA en la misma proporción que los varones o en menor

grado, entre otros motivos, por tener menos escolaridad previa. Dado que el

analfabetismo y los niveles de escolaridad formal (al menos en algunos países

y regiones) son desfavorables para la población femenina, es evidente que la

EBA no promueve el retorno o inserción de aquellos que tuvieran menos

oportunidades en el passado." (MESSINA, 1993, p. 54)

Por outro lado, o mesmo estudo regional reconhece certa ampliação da participação

feminina nos programas de EBJA, ainda que condicionada por mecanismos de

discriminação:

"Sin embargo, es posible observar cómo en el campo de la EBA operan las

mismas tensiones que se hacen presente en el sistema educativo normal de la

región: las mujeres ganan espacios pero existen nuevas y mas sutiles formas

de discriminación.(...)

Podría conjecturarse que en la educación de adultos de la región, las mujeres

participan en alto grado pero en programas que las mantienen alejadas del

setor formal de la economía y de la participación en los niveles macrosociales.

Vários autores35 afirman que las motivaciones educacionales se diferencian

por sexo. Aún en los países desarrollados la participación femenina en la

educación de adultos no formal responde más a la búsqueda del desarrollo

personal que a competencias professionales." (MESSINA, 1993, p. 70)

A autora levanta a hipótese de relação entre as variáveis idade e sexo:

"Puede 'conjecturarse' que esta relación entre edade y sexo (los estudiantes

varones tienden a ser más jóvenes) se establece cuando los centros de los

cuales proceden los estudiantes se encuentran predominantemente ubicados en

las zonas urbanas. En este sentido puede aventurar-se que en las ciudades los

desertores de la escuela regular de sexo masculino regresan antes al sistema

educativo porque tienen más motivos (fundamentalmente laborales), así como

menos obstáculos para hacerlo, ya que en general no asumen las denominadas

tareas 'domesticas'." (MESSINA, 1993, p. 75).

Os depoimentos colhidos junto a alunas do SEJA corroboram esta hipótese. O acesso das

mulheres adultas e idosas à escola foi dificultado na infância, especialmente quando elas

viveram na zona rural e, mesmo no ambiente urbano, seu retorno aos estudos foi limitado

pelas responsabilidades familiares, ao menos enquanto os filhos eram pequenos, situação

que se agrava quando elas chefiam a família.

"Quando nós viemo prá cidade, nós tinha que trabalhar prá ajudar os irmão

menor que estava estudando, aí não deu prá estudar". (Geraldina, 62 anos,

faxineira aposentada, casada, mãe de três filhos)

"Que nem no meu caso: eu criei duas filhas sozinha, não tive tempo de

estudar, desde os 19 anos que eu estou na rua batalhando prá criar os filhos.

Não tive tempo de estudar de novo quando estava trabalhando tipo na cidade,

porque eu tinha que dar de comer pros filhos." (Gelci, 42 anos, metalúrgica

desempregada, mãe de duas filhas)

35 Consultar Sutherland, Margareth. "La mujer y la educación: progresos y problemas" en Revista

Perspectiva, 21 (78) : 157-169. Paris, Unesco, 1991.

"(...) eu fico pensando agora como eu perdi oportunidade de estar mais

adiantada, porque - o meu marido sentado lendo, as filhas estudando -, por

que eu não me interessava a estudar, com eles ali, eu tenho uma filha que é

professora, formada já, a outra se formou em administração de empresa,

então por que eu não estudava? Eu só vim abrir a idéia agora, a oportunidade

que eu perdi em casa, eu digo assim, quem sabe se eu tivesse estudado em casa

com o marido e as filhas, quem sabe eu não precisaria estar aqui. Porque com

duas filhas estudando eu tinha mais que pegar e estudar. Não, eu achava que

eu era dona de casa, eu era mãe, o marido tinha que chegar e ter o chimarrão

pronto, já ajeitava tudo cedo, as filhas prá estudar, tudo. (...) Aí eu ficava

pensando assim, mas me falta alguma coisa ainda. Faltava eu tá lendo,

escrevendo, abrir o jornal lendo (pois a gente é assinante disso aqui, ficava

eles todos sentado lendo ali), mas eu achava que a dona de casa era tudo

certinho, almoço na hora, a casa arrumadinha, eu achava que isso aí era dona

de casa." (Maria Luiza, 62 anos, viúva, dona de casa, mãe de duas filhas)

"Eu voltei novamente a estudar porque achei que tava na hora de começar de

novo. Parei cedo por falta de oportunidade, porque perdi minha mãe muito

pequenininha, com 5 anos, e tive que ser criada um pouco em cada casa,

minhas tias que me criaram. Estudei até a 3ª série e depois tive que trabalhar

prá poder me sustentar. Aí casei, aí ficou mais difícil ainda de estudar (...).

Agora eu digo: 'Não, está na hora de começar a estudar'. Deixei os filhos

crescer primeiro, que tinha que atender a família, o esposo e serviço e não

dava tempo; agora parece que eles desprenderam um pouco de mim. Assim,

digo: 'Vou cuidar um pouco de mim, vou estudar também'." (Tânia, mais de 40

anos, funcionária pública, três filhos)

Se a família e a maternidade foi um obstáculo no acesso aos estudos, uma das motivações

mais freqüentes para o ingresso ou retorno das mulheres adultas à escola é auxiliar os filhos

em seus estudos. Muitas retornam com incentivo dos próprios filhos e, por vezes, levam

consigo os maridos. Entretanto, permanecer na escola e conciliar família e estudo é uma

dificuldade permanente.

"(...) vim o ano passado prá cá estudar porque com 13 anos eu tive que parar

meus estudos que me minha mãe me botou prá trabalhar. Achei muito

importante, que eu tinha muita vergonha dos meus filhos, que às vezes me

perguntava matéria da escola e eu não sabia responder. Quando nós tivemos

oportunidade, não pensei duas vezes, vim prá escola. Tenho cinco filhos e três

netos. Hoje me sinto bem feliz porque eles me perguntam e eu sei responder.

(...) Eu tô bem contente mesmo, tanto eu como meus filhos, que hoje em dia

eles não ficam mais me enrolando com dinheiro. Agora, não, eles dizem: 'Mãe,

a senhora tá ficando muito esperta lá na escola'." (Cecília, 39 anos, gari da

Prefeitura, solteira, 5 filhos e 3 netos)

"Eu também, a causa é o filho que estuda, precisa de ajuda e a gente não tem

como dar. (...) os filhos eles apertam a gente: 'Porque tu não estuda mamãe,

prá ensinar a gente mais?' Aí eu fui indo, um dia eu disse: 'Sabe de uma

coisa? Eu vou estudar mesmo. Agora já estou com quase 40, vou lutar.' Vim

pro colégio, já trouxe meu marido também junto, que ele também tem pouco

estudo, estamos aí." (Lourdes, servente de escritório, 39 anos, casada, 2 filhos)

"No meu caso não foi só por causa do serviço, mas também para ajudar a

minha filha, que está na 5ª série e eu tenho dificuldade de ajudar ela. (...) A

gente tá com uma certa idade, não é como criança, tem um pouco de

dificuldade de pegar na primeira vez as matérias. Mas prá mim está sendo

ótimo e eu ainda vou lutar pro município ter o 2º grau porque não vou desistir.

É, gente, tem que lutar. Só que eu peço que não desistam, porque não é fácil,

cuidar de casa, de filho e de marido e vir prá escola." (Lídia, mais de 40 anos,

dona de casa, casada, 1 filha)

Se no passado as responsabilidades familiares foram um obstáculo no acesso à

escolarização, o incentivo da família no presente é um dos principais estímulos à

continuidade dos estudos:

"Meu neto tem 1 ano e 4 meses, foi lá e me levou uma caneta, me abraçou,

então trouxe uma caneta bonita porque eu já estava lendo, escrevendo, tão

contente, feliz. Quero continuar mais um pouquinho, aproveitar essa

oportunidade que estão me oferecendo, não é sempre que tem essas

oportunidades, adulto estudar.' (Cecília, gari, 39 anos, solteira, 3 filhos e 5

netos)

"Eu sou apoiada por todas elas, eu já quis sair do colégio o ano passado, eu

vou desistir, aí elas: 'Não senhora, a senhora não tem quem esteja lhe

cobrando, a senhora não tem filho pequeno, não tem marido' - só tenho um

moço e o moço trabalha também, então elas disse assim: 'Nós não estamos lhe

cobrando nada, a senhora vai devagar, vai conforme a senhora pode'. Minhas

filhas não estão me cobrando, não vão lá e apertam uma coisa e outra, eu às

vezes é que me queixo prá elas." (Maria Luiza)

As mulheres idosas procuram a escola até mesmo para superar o gap cultural que se

estabeleceu com os filhos que elas lutaram para educar. Só o fazem depois de tê-los

crescidos, quando podem ou têm que redefinir seu papel na família. Algumas delas vivem

esse momento como crise; a escola as ajuda a resgatar a auto estima e encontrar um novo

espaço de sociabilidade:

"(...) eu vim estudar aqui, eu vim procurar tipo um refúgio prá mim, porque no

momento que eu vim prá cá eu estava deprimida; foi o acontecimento que eu

perdi meu esposo, então eu fiquei assim como prá morrer. O que eu ia fazer

em casa? Nada, porque eu ia só viver chorando práqui e práli. Tenho duas

filhas inteligentes, então foi aonde minha filha disse: 'Mãe, quem sabe a

senhora vai estudar um pouquinho, a senhora não sabe, então vai estudar' e eu

aceitei." (Maria Luiza)

"Eu tinha que trabalhar (meu marido era aposentado), trabalhar prá dar

estudo pros filhos. Porque eu achava assim: eu não quero ver meus filhos

lavando o chão que nem eu. Também tenho 3 filhos, todos eles são formados:

o mais moço que tem 25 anos é um oficial da Brigada, tem a guria que vai

fazer 30, essa tá fazendo pós-graduação. Então todos eles estudaram. Às vezes

eu ficava assim: todo mundo formado (eu saía com a guria em festa, a

formatura do guri eu que entreguei a espada prá ele), eu não sabia nada, todo

mundo sabendo, meus filhos lá em cima (...)." (Geraldina)

3.7.5. As experiências da exclusão e do fracasso escolar

Enquanto um quarto dos entrevistados jamais foi à escola antes de ingressar no SEJA, um

terço deles freqüentou escolas regulares urbanas por mais de três anos, provavelmente sem

lograr alfabetizar-se, de vez que o percentual daqueles que ingressaram no SEJA nas séries

iniciais de alfabetização eleva-se a 83%, e os que nelas ainda hoje se encontram

corresponde a 75% dos entrevistados. Esse dado é a cabal expressão da produção do

fracasso na escola regular. Entre os casos extremos, encontramos dois alunos jovens que

permaneceram longo tempo em escolas especiais para deficientes mentais e outro que foi

"educado" em orfanatos: nenhum dos três jovens se alfabetizou nestas instituições.

Quase sempre o estigma de incompetência intelectual associado à ausência de escolarização

ou fracasso escolar foi introjetado e reflete-se como baixa auto-estima (o adjetivo "burro"

aparece com freqüência no discurso), que eles começam a superar com o incentivo das

educadoras e dos familiares:

"(...) meus filhos têm estudo (tenho 3 filhos, tenho uma filha no 2º grau já,

passou no vestibular, e tenho um que está concluindo o 1º grau), só eu que lá

em casa era a mais burrinha da família." (Tânia)

"Eu tinha vergonha, eu tinha verdadeiro pavor de falar que eu ia pro colégio,

vão rir de mim (...)" (Marinês, costureira, pouco mais de 20 anos, solteira, mãe

de uma filha)

"Às vezes eu dizia prá elas: 'A mãe é bem burrinha'. 'Não senhora, a senhora

não é, a senhora tem duas filhas tão inteligentes, a senhora não é'." (Maria

Luiza)

"Eu tô bem contente mesmo, tanto eu como meus filhos que hoje em dia eles

não ficam mais me enrolando com dinheiro. Agora, não, eles dizem: 'Mãe, a

senhora tá ficando muito esperta lá na escola' . 'É, antes vocês me enrolavam

no dinheiro; fazia uma conta, eu dizia - Não é possível eu não gastei tanto'!

'Não, mãe, é isso aqui'. Agora que eu tô vendo como a gente, quando não sabe

as coisas, como é enganada, eles passam a gente pra trás, mas eu tô ficando

esperta, graças a Deus." (Cecília)

Freqüentemente, a condição de analfabeto não é percebida como um fato social, a

ponto do encontro com um outro analfabeto cuja aparência denota um status mais

elevado causar surpresa:

"Eu era gari, então eu varria lá na rodoviária (que eu varro ainda) e conheci

uma moça bem arrumada que me olhou e disse assim: 'Moça, vem cá um

pouquinho, onde eu pego o ônibus Tristeza?' 'Pega aqui, ele passa aqui'.

Fiquei olhando prá ela, achando que ela tava rindo de mim, aí ela disse: 'É

que eu não sei ler, tu me mostra?' Ai eu disse prá ela: 'Porque tu não estuda?'

Aí começamo a conversar, eu disse prá ela: 'Eu estou estudando, tenho mais

idade, quantos anos você tem?' Ela disse: '22 anos, é que eu nunca estudei,

cedo caí na vida'. Aí começou me contar... Mas uma moça bem arrumada, eu

achei que ela tava rindo de mim. Daí, conversando, eu disse prá ela: 'Eu tenho

39 anos, estou estudando na escola, não pago nada, é uma escola grátis'.

Quando o ônibus veio, mostrei prá ela. Depois de um tempo falei prá nossa

colega Terezinha: 'Sabe que aquela moça não sabe ler?' Eu fiquei

impressionada com ela, me chamou no cantinho, achei que era alguma coisa,

porque eu estou acostumada, que eu varro na rua, estou acostumada as

pessoas perguntarem endereço." (Cecília)

Alguns alunos exprimem uma dicotomia entre seus conhecimentos práticos e o saber

escolar, cuja privação é percebida como limitação cognitiva:

"(...) eu não sabia ler, não sabia escrever, não sabia escrever o nome, não

sabia nada, nada. Acontece que eu nunca servi prá estudar mas sempre que me

mandava fazer um serviço eu aprendia. Eu sou mecânico profissional, pego

um carro desmonto, monto, deixo o carro funcionando, e nunca tive cabeça

prá estudar, mas eu fazia certas coisas que ninguém fazia. Sou inteligente prá

algumas coisas, mas prá estudar não. Aqui já aprendi a escrever meu nome, já

até tirei identidade, prá quem não sabia escrever, já assino meu nome, todo

meu sobrenome, também já sei ler um pouco, sei escrever, leio os ônibus, meio

de longe mas leio. Porque a pessoa que não sabe ler hoje em dia fica embaixo

dos pés dos que sabem, não tem recurso, não tem idéia, não tem nada. (...)

Não sei fazer conta, não sei quase ler, não sei escrever, não sei ciências, não

sei matemática. É aquele ditado: 'tem cabeça prá umas coisas, prá outras

não'. Mas sabe o que que é, (...) eu apanhei de válvula de fogão, apanhei de

ferro, pedaço de tudo, então como que eu vou aprender?" (E.)

"Ele tem mania de dizer que é burro. A gente não é burro! Como que sabe

construir casa, tudo?! Uma pessoa burra não sabia fazer isso também. (...) Ele

sabe matemática de cabeça, ninguém engana ele, ele é empreiteiro, ele

empreita e ninguém engana ele no serviço dele, levanta uma casa, monta tudo.

Mas o problema, ele diz, é 'colherar' as letras." (Lourdes, referindo-se ao

marido, que também é aluno)

"Eu aprendi com a vida, ler eu sei ler bastante, o problema é que eu tinha

vergonha de escrever e agora essa vergonha eu estou perdendo." (Jurandir,

aluno da E.M. J. A. Satte)

Durante a entrevista, solicitamos que as técnicas e professoras caracterizassem os alunos do

ponto de vista cognitivo. Seus depoimentos ressaltam a falta de auto confiança dos alunos

na capacidade de aprender e a expectativa de reprodução do modelo tradicional de escola:

"Quanto à aprendizagem, eu sinto que o adulto a princípio chega bem

fechado; a gente faz todo um trabalho de resgate de auto-estima em função de

que ele não acredita na capacidade de aprender, sempre traz um histórico de

exclusão sob todas as formas, até da própria família, porque existe

preconceito em relação à volta à escola do adulto, que ele não vai aprender,

não vai conseguir. Por isso o nosso ponto de partida é o resgate da auto-

estima, pois, a princípio, ele tem maior dificuldade para aprender." (Sinara,

membro do GAP)

"Eu vejo que eles entram com uma auto-estima baixa e com aquela idéia que

realmente não sabem nada, que não têm nada a acrescentar e, de repente, com

o grupo e o trabalho que se desenvolve, eles começam a descobrir que têm

toda uma carga de conhecimento, de contribuição para trazer e condições de

se apropriar de outros conhecimentos." (Lorena, membro do GAP)

"Eles chegam com o pé atrás, meio desconfiados, até estabelecerem vínculos e

acreditarem que é possível a aprendizagem acontecer dessa forma, que não é

aquela do professor encher o quadro." (Cátia, membro do GAP)

"Quando as gurias falam que eles chegam desconfiados, eu percebo que eles

chegam com nenhuma experiência ou já com uma experiência ruim na sua

vida, desconfiados se isso aqui vai continuar, se isso aqui é como o Mobral, se

vai ter professor, se realmente isso aqui é sério, eles chegam bastante

desconfiados realmente. Acho que a gente tem casos de uma aprendizagem

super rápida e tem casos que a gente vê realmente mulheres de mais idade que

estão há muitos anos no SEJA e cujo avanço realmente é mais lento. Isso é

uma coisa que a gente teria que investigar." (Rose, membro da Coordenação)

"Eles até te cobram um método de ensino mais tradicional. 'Eu vou ficar para

ver, mas se continuar assim...', ameaçam deixar a escola. Isso ocorre até se

constituir esse grupo de trabalho. Normalmente, a concepção de escola que

eles trazem é a de uma escola tradicional. Eles questionam muito que não

estão tendo aula quando vão ao teatro, quando vão a um passeio, têm uma

certa resistência a esse tipo de atividade. Eles cobram o quadro, o caderno, a

aula, o encher linha, o tema, o certo no caderno, que é o que eles conhecem da

escola. (Marinara, membro do GAP)

Ao caracterizar os alunos do SEJA, Scomazzon (1991) também menciona resistências a

inovações, expectativa de reprodução da escola tradicional e posturas de submissão à

autoridade do professor; a autora chega a afimar que os alunos detêm baixo grau de

autonomia intelectual (p.76).

Por outro lado, algumas das professoras que entrevistamos enfatizam a elevada motivação e

empenho pessoal dos alunos frente à aprendizagem, bem como atribuem razoável

complexidades às estratégias congnitivas que eles construíram na experiência de vida e

trabalho:

"Uma coisa que eu vejo com os alunos que vêm da escola regular, que foram

meus alunos na escola regular, que até sairam por motivos de que de manhã

ninguém mais aguentava em termos de disciplina, e hoje em dia são alunos

que dizem: 'Puxa vida professora, que aula legal essa, que aula boa, eu não

pensei que fosse ter tanta coisa, que fosse tão exigido de noite.' 'Exigido', foi

esse termo que eu ouvi a semana passada. Então, muda a postura, tem até

aquela coisa de não sair para o banheiro agora 'Porque eu quero ouvir, não

quero perder'. Faz pouco tempo que eu trabalho com adultos e jovens, fazem

dois anos, e o que eu achei mais significativo nisso tudo é que eles querem,

eles têm uma vontade de aprender, uma ânsia, uma coisa que eu ainda não

consegui entender, porque eu trabalho no regular, (eu sou professora de

matemática de manhã) e tu faz de tudo, tu sapateia, tu traz material concreto,

faz jogos, modifica, faz de tudo e, ali, o cara não te dá a resposta que tu tá

tentando. De noite não, eu digo que é o turno mais tranqüilo para mim. Eu

estou mais cansada, já passou uma jornada inteira, estou no 3º turno, mas não

sinto cansar em vista disso: eles interagem tanto com a gente, têm tanta

vontade! Isso não é demagogia, estando presente a gente sente isso, que é

sensacional, eles te motivam. (...) Eu acho uma coisa incrível o que eles têm de

bagagem. Quando eles chegam, eles pensam que não sabem nada.

Barbaridade, eles ensinam um monte prá gente! O que me ensinaram,

principalmente na parte do raciocínio matemático, da lógica... eles têm todas

essas operações, eu acho que são mais complexas. Eu fico boba de ver como

eles pensam a matemática, como eles organizam, são coisas bem mais

elaboradas que eu imaginaria. Até para fazer cálculo, eles acham que aquilo

que eu faço ali no papel, uma coisa que não tem cabimento. Essa é a diferença

de trabalhar com adultos, eles têm todos aqueles conhecimentos, eles só não

colocam daquela maneira que nós colocamos, então eles vão só sistematizar. É

uma vantagem nossa de lidar com adulto: a criança vai ter que adquirir todo

aquele pensamento, o adulto já vem com isso. Alguns alunos que a gente

achava que estavam do lado de fora do mundo, estão do lado de dentro do

mundo. Você pega uma menino que é cobrador: o cara tem uma rapidez no

troco! Os mecanismos deles são muito diferentes dos nossos. Às vezes eu

penso: será que vale a pena mostrar essa outra maneira sistematizada, o

formal? O ideal era ele preservar esses mecanismos e aprender o jeito

sistematizado, até porque eles precisam disso, eles têm que se defender desse

mundo." (Márcia, professora)

3.7.6. Os vínculos com o professor e com o saber

"Que conteúdos se instituem como fundantes de um currículo escolar fecundo

de expressão social? Encontrar a resposta é um desafio que exige do coletivo

de professores, além da postura de pesquisador, muita sensibilidade. E,

também, a capacidade generosa de estabelecer uma relação político-

pedagógica amorosa com esse aluno-aprendiz, percebendo-o em toda sua

dimensão humana, como sujeito frente à vida que busca, na sobrevivência

cotidiana, o respeito à sua dignidade de cidadão." (FISCHER, 1992, p. 72)

Por reconhecer a baixa auto-estima como o primeiro obstáculo a ser transposto pelo

jovem e adulto que inicia ou retorna à escola, o SEJA exige dos educadores uma

profunda sensibilidade no relacionamento com os alunos. As professoras tentam

transmitir aos alunos o reconhecimento por seus esforços e o valor que atribuem aos

saberes dos quais são portadores:

"Inclusive eles dizem que aprendem um pouco com a gente também. A gente

tem a vivência da gente, a convivência sobre os filhos mesmo. Que nem no

meu caso: eu criei duas filhas sozinha, não tive tempo de estudar, desde os 19

anos que eu estou na rua batalhando prá criar os filhos, não tive tempo de

estudar de novo quando estava trabalhando tipo na cidade, porque eu tinha

que dar pros filhos. Então isso aí ela diz que aprende com nós, por causa que

uma pessoa, querendo, vai; ela diz que a força de vontade leva onde quer.

Muita gente chegou desanimada ali prá estudar: 'Isso não entra na minha

cabeça, vou desistir'. Ela diz: 'Tu vai ver como entra na tua cabeça, tu tem que

ter força de vontade, porque se tu tivesse um filho nas tuas mãos tu teria que

criar o filho, então agora faz a mesma coisa com o estudo'. Então isso ai nos

ajudou muito, a força que ela dava prá gente, a gente conseguiu aprender um

monte." (Gelsi, metalúrgica desempregada, casada, mais de 40 anos, 2 filhos,

aluna da E.M. J.A. Satte)

"Em uma discussão preparatória ao Congresso Constituinte sobre gestão

democrática e avaliação, os alunos aqui da tarde tinham que colocar o que

eles achavam, onde que o professor aprendia, onde não aprendia, para que

servia a avaliação, se a avaliação era só para o professor, era só para a

escola... Até que uma aluna disse: 'Não, o professor que tem que avaliar,

porque ele sabe mais'. Ela quase foi linchada, porque os outros diziam: 'Não

senhora, o professor também aprende, tem que avaliar o trabalho dele

também'. Isso me marcou muito, porque aquela pessoa era nova e os outros

alunos já tinham uma caminhada aqui dentro do SEJA e traduziam para ela o

que a gente estava pensando: 'Não, as professoras aprendem conosco, a gente

também traz coisas e elas sabem bastante mas a gente também sabe.' Eu acho

que é essa relação que a gente tem que construir." (Márcia, membro do GAP)

Os vínculos afetivos que se estabelecem entre professores e alunos são interpretados pelas

educadoras ora como uma estratégia de sedução, ora como uma identificação social:

"Os nossos professores fazem um trabalho de sedução dos alunos para

conseguir resgatar esses alunos e fazer com que eles venham para a aula sem

temores, depois de um dia inteiro de trabalho ou depois de uma vida

completamente problemática. Tentam fazer que aqui seja um espaço bom, um

espaço de prazer, onde ele vai aprender. Os alunos são muito ligados nos

professores, até ligados demais, a ponto de não querer largar aquele professor

e nem o professor querer largar aqueles alunos." (Rose, membro da

Coordenação)

"Eu penso um pouco diferente disso, não acho que é sedução o termo mais

correto para isso. Eu vejo que os nossos professores todos são trabalhadores

e, em geral, os professores de educação de adultos já estão também na sua

terceira jornada de trabalho. Eu acho que existe uma identificação - de

trabalhador, com a questão da mulher, com a própria questão social -, que

produzem uma solidariedade. Eu me emociono até hoje com eles, por me

identificar com eles nas suas lutas, nos seus sonhos, com dimensões diferentes,

evidentemente, mas que de certo modo tem essa ligação, tem essa base comum.

Eu acho que, mais do que isso, a sustentação pedagógica do trabalho passa

por essa identificação. Porque os problemas pedagógicos de professores com

alunos que a gente enfrenta se dão, em geral, quando a professora não tem

nada a ver com aquele mundo, nem com aqueles sonhos, quando ela não

consegue entender aquela realidade dos alunos, ela não estabelece essa

relação com os alunos. São casos raros, a gente pode dizer que são casos bem

raros, em que isso acontece; mas quando eles acontecem detonam com o

processo: a professora sai, pede para sair, ou os alunos rejeitam a professora,

aí não dá certo mesmo." (Cátia, membro do GAP)

Por vezes, a cumplicidade com os alunos, o compromisso e a competência das

professoras são insuficientes para superar situações de discriminação, exclusão social

ou dificuldades de aprendizagem; a impotência frente a tais situações gera um

sentimento de frustração:

"Tem vezes que a gente se sente meio impotente com as coisas, porque tu

tem os espaços para teus alunos, tu levas eles se associarem a essas coisas e

tu vê que tem barreiras que ainda são muito difíceis de se transpor. Nós

tivemos episódios bem claros nesse sentido em termos de passeio. Nós

levamos os nossos alunos num Shopping e eles foram barrados no Shopping,

a segurança chegou: 'Não pode porque está mexendo.' Eu, falei: 'Não está

mexendo com nada, porque tu tá partindo de preconceito, que se estivesse

bem vestido, com a carteira forrada, tu não ia estar cobrando isso'. E o

gerente de uma loja falou: 'É isso ai, pode falar, porque chega um filhinho de

papai na minha loja, me enche de desaforo e não acontece nada'. Então tu

sabe que, ao mesmo tempo que tu tem que tomar essa atitude protetora na

defesa de teus alunos, os teus alunos começam a se ver que ali é espaço deles

também. Eu me sinto impotente nesse momento, porque: até onde eu posso

ir? o que que eu posso fazer prá reverter essa situação? Que não é tão fácil

assim, a gente sabe que não é. Nossos alunos irem assistir uma exposição de

artes onde tem chapanhe, tem coquetel, participarem, eles poderem

interagir com aquelas obras que estão ali e se apropriarem realmente desse

espaço." (Márcia, professora da E. M. Villa Lobos)

"Dói quando as coisas estão acima da capacidade profissional da gente, que

a gente se sente limitada determinadas vezes, com determinada clientela.

Como este ano, por exemplo, o turno da tarde, que eu estou participando este

ano pela primeira vez, é uma experiência nova, tem bastante alunos com

deficiência mental, então é bem diferente do trabalho que eu fiz até então

dentro do SEJA. Porque eu tenho especialização em educação especial, mas

neste momento meu trabalho não é este, então às vezes fica difícil prá gente

querer dar conta de tanta diversidade. Então a gente tem que buscar mais,

buscar mais e mais. Nesses momentos a gente se sente um pouco impotente

em determinadas situações, e mesmo dando tudo o que a gente supõe ter, o

retorno é pequeno e às vezes a gente até se culpa por isso, fica se culpando:

'Meu Deus, o que eu estou fazendo é suficiente? Que outras alternativas nós

teríamos dentro desse trabalho?' Acho que são coisas assim que fogem à

nossa capacidade profissional, pelo menos no momento." (Liege, professora

do CEMEJA)

Os depoimentos dos alunos indicam que o vínculo com o saber e com a escola é

mediado, em primeira instância, pela relação interpessoal e afetiva com o professor,

expressa em termos de "atenção", "carinho", "paciência", "vontade de ensinar",

respeito ao ritmo e às necessidades individuais de aprendizagem, de modo a

conformar na classe um ambiente de acolhida que os alunos qualificam como

"familiar" ou "comunitário":

"(...) eu até tentei estudar. Fui uma vez estudar no Monteiro Lobato, de noite,

no colégio novo, mas não se compara com aqui, que lá eles dão a matéria e

cada um se vira como pode; e aqui, eu admiro muito esse colégio, que as

professoras são bem interessadas pelos alunos, elas chegam prá cada um,

cada um tem uma dificuldade diferente, todos é bem atendidos. Se eu soubesse

que tivesse antes eu teria vindo antes estudar. Comecei esse ano e estou

gostando, acho que até estou me saindo bem, me adiantando em algumas

coisas " (Tânia, aluna do CEMEJA)

"Tenho uma professora que às vezes, nossa professora é uma segunda mãe,

que ela tem uma calma! Professora Helena, muito atenciosa. 'Professora, não

consigo fazer isso aqui'. Ela fala: 'Não, vamos fazer tudo de novo'. Às vezes

tem uns problemas, chega na escola, conversa com ela, ela diz: 'Então fica no

cantinho', ela passa outra matéria. Eu tô bem contente mesmo. (Cecília, aluna

do CEMEJA)

"(...) eu me sinto em casa. Eu tinha vergonha, eu tinha verdadeiro pavor de

falar que eu ia pro colégio, vão rir de mim. Eu cheguei nesse colégio, me senti

verdadeiramente em casa, a professora dá muito apoio prá gente, se sente à

vontade, se sente bem. Tem uma professora especializada aqui que dá consulta

prá aquelas que têm problema, dificuldade prá entender a aula." (Marinês,

aluna do CEMEJA, referindo-se à psicopedagoga)

"Eu acho assim que é um colégio bom, que os outros que eu já passei não

aprendia. Aqui as professoras tem um jeito meio assim, apesar que greve dos

professores, greve daqui, greve dali, elas nunca recai, sempre estão com o

mesmo carinho, não é assim-assim, não são daquelas professoras que deixam

as provas em cima da mesa e: 'Vão fazer!', quem sabe faz, quem não sabe não

faz. Elas se interessam. Aqui elas dizem: 'Vamos fazer. Errou? Vamos fazer de

novo'. São professoras que tratam como se fossem filhos dela, então é um

carinho, que eu nunca vi em outro colégio." (E., aluno do CEMEJA)

"Eu acho o esquema da professora muito bom, porque ela não 'empurra' a

gente, vamos dizer assim, faz aquilo ali; ela retorna àquela matéria. Ela

chegou prá mim (como chegou prá tantos outros): 'Fulano está fraco um

pouco'. Por mim tudo bem, eu quero garantir. (...) As professoras daqui são

muito legal mesmo, eu já aprendi bastante, dois meses que eu estou aqui eu já

estou gostando que estou aprendendo bastante." (Jurandir, aluno da E.M. J. A.

Satte)

"As professoras são excelentes, têm uma paciência, uma vontade de ensinar a

gente! Eu posso dizer porque eu tive a minha professora em 93 que era a

Ivana, eu tive 21 aulas com ela, foi a paixão! Aí eu conheci a Fátima, fiquei

até o ano passado com ela, amei mais ainda, porque além de nos ensinar ela

nos levou para outros órgãos além da escola, prá nós conhecer o que que era

esse projeto do SEJA e nos ensina muito a realidade, é muito amiga, ótima

professora. E esses outros - agora que eu estou na 5ª série tem mais

professores - estou me dando bem com eles, gosto de todos eles, me tratam

muito bem, não botam a gente 'na prensa' - 'Tem que fazer!' Vão com calma,

com jeito, que a gente tá com uma certa idade, não é como criança, tem um

pouco de dificuldade de pegar na primeira vez as matérias." (Lídia, aluna da

E.M. J. A. Satte)

"Os professores conhecem um pouco a gente. Quando a gente está triste, a

gente chega na sala de aula, ela fica olhando, daqui a pouco ela pergunta: 'O

que é que houve?', cada aluna ela faz perguntas, aí tem as emoções na sala de

aula, tem a risada, tem tudo. Quer dizer, é uma família ali dentro, os colegas e

a professora; ela vai, se entrosa com a gente, ela pergunta, ao menos comigo

era assim, na minha sala.(...) eu acho sensacional." (Lourdes, aluna da E.M. J.

A. Satte)

"Agora, a professora é fora de sério, porque ela incentiva. O ano passado eu

disse prá ela que não ia voltar mais. Ela disse: 'Vai voltar sim, Luisa, tu é

assim assim'. Ela incentiva a escrever: se não sabe - às vezes eu fico indecisa,

mas meu Deus, não acertar a letra assim - aí eu só olho prá ela, ela diz: 'É tal

letra'. Ela não vem dizer todas as letras, mas vem dizer a que tá faltando ali

prá completar a palavra. Então quer dizer que ela é maravilhosa, é uma

professora fora de sério. Nós fizemos reunião, nós se demo tanto que, volta e

meia, cada uma traz uma coisinha prá fazer um chazinho, de tanto que nós

adoremo nossa professora. É uma família, nós aqui semo em família, semo em

comunidade, vivemo em comunidade." (Maria Luiza, aluna do CEMEJA)

Esses depoimentos confirmam resultados de outros estudos realizados com jovens

estudantes das camadas populares no Brasil e na França. Comparando as representações da

escola de jovens migrantes e de origem urbana no ensino supletivo, Freitas (1995) observa

que as qualidades atribuídas ao professor relacionam-se menos à eficácia no ensino

('explicar bem a matéria') e mais aos aspectos relacionais ('paciência' em explicar quantas

vezes for necessário, capacidade para criar clima de cooperação, 'não ficar só falando', saber

brincar e dialogar sem perder domínio sobre a classe, não procurar dominar o aluno pela

humilhação, dar atenção igual a todos, percebê-los como individualidades e demonstrar

amizade). A autora conclui que esses alunos tendem a apresentar uma visão monolítica da

instituição escolar em geral mas, por intermédio dos professores, abrem-se fissuras de

relações diferenciadas com a escola e o saber. Citando Dubet36, ela rejeita a hipótese de que

esse padrão de relação dos alunos com a escola configure dependência:

"Seria talvez demasiado apressado interpretar psicologicamente a

dependência psicológica dos alunos. Ela se apresenta antes como uma

modalidade de gestão e de controle de uma situação escolar por muito tempo

dominada pelo fracasso, pela incerteza com seu próprio valor e pelo

sentimento de não dominar o jogo escolar. A benevolência do professor

permite restabelecer uma relação de equivalência, fundamental para todo

aluno, entre o trabalho produzido e a nota obtida, pois esse professor 'motiva'

o aluno encorajando-o, reconhecendo o mínimo de seus esforços." (DUBET,

apud FREITAS, 1995, p. 240)

Charlot (1992) levanta a hipótese de que, estabelecendo os vínculos dos estudantes com a

escola no terreno afetivo, os professores acabem produzindo efeitos contrários aos

desejados, limitando os vínculos com o saber e obscurecendo o papel específico da escola

na sua veiculação:

"(...) Podemos formular a hipótese de que a escola, tentando colocar-se ao

nível dos alunos, tende a encerrá-los em uma relação com o saber que

começaram a construir no seu espaço familiar e social. (...) Isso ocorre

quando a escola funciona jogando sobre o afetivo: trabalhar na escola porque

se quer bem ao professor pode ser eficaz no curto prazo, mas impede que se

desenvolva aquilo que conta no largo prazo: o significado das disciplinas, do

36 DUBET, François. Les licéens. Paris : Seuil, 1991, p. 133.

saber, da escola como lugar específico cujas funções são bem distintas das

funções familiares." (CHARLOT, 1992, p.5)37

Os educadores envolvidos no SEJA identificam-se mais com a interpretação de Dubet; para

eles, o estabelecimento de vínculos afetivos com os alunos é parte constitutiva de sua

função social, compreendida como a de promoção da cidadania:

"O nosso trabalho é muito voltado para desenvolver todo o potencial que

nosso aluno (que, na sua maioria, muitas vezes foi excluído da escola por n

motivos) e resgatar essa cidadania para que ele possa se apropriar de todos

aqueles espaços que são da cidade (não só em termos de cidade, de estado, de

mundo), que ele tem uma identidade e que ele se valorize, que ele possa

desenvolver toda a potencialidade que ele tem, sempre visando os nossos

princípios que é muito em termos de cidadania, o aluno-cidadão." (Márcia)

"Eu acredito no projeto do SEJA porque ele devolve o cidadão a si mesmo.

Enquanto toda a sociedade vai alienando (...) que a pessoa não se apercebe

mais do mundo, (...) de repente ele se sente cidadão do mundo, ele se localiza

no mundo, participante, onde ele deixa aquela característica de total

fatalidade (...) prá começar a participar das decisões da sua vida pessoal e de

grupo. Ele pode ir participando pelas vias democráticas - que no nosso caso

isso tem nome: orçamento participativo, conselho de classe - e ele vai tendo

suas mudanças pela luta, (...) ele como autor, ele como sujeito, agente de

mudança. No texto você vê isso, na oralidade dele, porque ele acaba se

expondo muito mais do que a gente, que é cheia de muralha, eles se expõem

tanto, ficam completamente despojados. E aí, concomitantemente, as

atitudes sociais em que ele começa a participar. A auto-estima fica elevada."

(Vera)

3.8. A participação de alunos e professores

Quando inqueridos sobre quais são seus espaços de participação social, os alunos

entrevistados mencionam atividades assistenciais junto à Igreja Católica e reinvindicatórias

37 "(...) On peut faire l'hipothèse que l'école, en essayant de se mettre au niveau des enfants, tend a les

enfermer dans le rapport au savoir qu'ils ont commencé à contruire dans leur espace famillial et social.(...)

Il en est ainsi lorsque l'école fonctionne en jouant sur l'affectif: travailler à l'école parce que l'on aime

bien l'enseignant est efficace à court terme mais empêche de se saisir de ce qui compte à long terme, le

sens des disciplines, du savoir, de l'école comme lieu spécifique dont les fonctions sont bien distintes des

fonctions familiales."

no Orçamento Participativo da Prefeitura. Apenas os funcionários públicos mencionam

participação no Sindicato da categoria38.

"Eu tenho um trabalho muito importante, eu acho importante, eu sou da

Assistência Social da Igreja, todas as quintas eu faço esse trabalho. Eu

trabalho com as crianças carentes, então acho uma coisa bacana. (...) Nós,

agora, temos festa dia 11, sexta-feira dia 2 começa a novena, então fui

convidada prá festeira na Igreja. É uma coisa tão bacana prá mim, me sinto

tão bem! (...) A gente se sente feliz. (...) Agora deve fazer uns 15 dias nós, eu e

minha colega lá da Igreja, fomos participar tipo um seminário. Então veio

padres de todas paróquia onde tem a comunidade que ajuda as pessoas

carentes e a Assistência Social (...). Mas tava a coisa mais linda (...)." (Maria

Luiza)

"Eu vou numa Igreja, é católica, toda terça feira a gente vai rezar e tem uns

grupos que ajudam, ajunta dinheiro, esse tipo de coisa, eu vou toda terça

feira."(Marinês)

As gestões do PT em Porto Alegre caracterizaram-se pela política de participação direta

dos munícipes na administração, por intermédio do chamado "Orçamento Participativo",

que consiste na apreciação pela população das alternativas de investimento público

previamente ao envio da proposta orçamentária à Câmara Municipal. O Executivo

municipal convoca uma série de plenárias regionais e temáticas, em que a população

apresenta suas demandas e negocia com os técnicos municipais as prioridades de

investimento. A educação insere-se entre as políticas setoriais aprecidadas no Orçamento

Participativo. Segundo a coordenação do SEJA, os agentes mais ativos nas reuniões

temáticas sobre educação são as entidades comunitárias que mantêm creches conveniadas,

os diretores de escolas, os educadores e os alunos do SEJA. Essa participação dos alunos é

encorajada pelos professores, que focalizam a temática em suas salas de aula.

"Muitos participaram desses encontros do Orçamento Participativo e foi

ótimo, a gente descobriu muita coisa importante prá gente e agora a gente já

não tem aquela vergonha de falar em público, a gente já pede, não importa se

38 Nas duas classes do SEJA em que foi professora e pesquisadora, Scomazzon identificou apenas um aluno

sindicalizado (que entretanto não participava das atividades sindicais) e dois alunos que "participavam de

movimentos sociais: um travesti, que participava do Grupo de Apoio aos Aidéticos (GAPA), e um menino,

que participava do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR)." (SCOMAZZON,

1991, p. 88).

seja pro Presidente ou pro lixeiro, agora a gente não tem essa vergonha."

(Lourdes, aluna da E.M. J.A. Satte)

"A gente lutou muito prá conseguir isso, estamos numa recente 5ª série e

esperamos que ela não pare aí.(...) fui informada porque vizinhas minhas

mesmo elas fizeram aqueles abaixo-assinados prá ter de 1ª. a 4ª, mas não me

falaram nada. Aí uma outra me encontrou e (...) eu vim. Sou muito falante,

mas no íntimo sou tímida. E foi indo, foi indo, entrosei e fui, participei do

Orçamento e lutei, fui prá Câmara dos Vereadores e estou aqui agora.(...) Mas

prá mim está sendo ótimo e eu ainda vou lutar pro Município ter o 2º grau

porque não vou desistir. É, gente, tem que lutar. (...) Eu acho que é um sonho

da gente que tem que se tornar realidade. Esse sonho aí, não podemos deixar

prá ficar só no sonho, por isso que temos que lutar." (Lídia, aluna da E.M.

J.A.Satte)

Dentre as reivindicações apresentadas pelos alunos do SEJA nas reuniões temáticas de

educação do Orçamento Participativo, destacam-se a abertura de salas em novas escolas, a

ampliação de vagas nas "totalidades finais" (de modo a assegurar continuidade de estudos)

e a aquisição e/ou construção de uma sede própria para o CEMEJA que tenha espaços

abertos de convivência e prática de esportes.

Quando perguntamos aos alunos sobre as melhorias necessárias à educação no município,

os temas mais citados são a falta de vagas nas escolas públicas de 1º e 2º graus, o controle

disciplinar dos adolescentes nas escolas públicas, os baixos salários e a substituição de

professores, e a continuidade do próprio SEJA.

"- Olha, prá mim precisa tudo, porque hoje em dia tem gente que quer estudar,

não tem vaga, não tem isso, não tem aquilo.

- Precisaria mais escola, professora, porque lá no bairro onde eu moro,

aumentou muito a vila lá, uma imensidade de pessoas. (...) Então as pessoas se

deslocam de lá prá outras escolas. Que também não tem condições nem de

pagar passagem pros alunos, mas tem que pagar; às vezes são grandes,

meninos com 12, 13 anos, passam por baixo da roleta que não têm dinheiro

prá pagar a passagem. Eu acho que lá tá precisando de mais escola o bairro.

- E lá onde eu moro, é só até a 4ª série, tanto é que meu menino está no [?],

que ele passou prá 5ª e não tinha, só tinha até 4ª.

- Mas também, os professores não querem mais trabalhar, claro, com esse

salário. Professor faz concurso, é chamado, mas não assume.

- Mas se eu pudesse estudar eu ia dar tudo prá ser professor, eu não faltava

um dia.

- Eu não tenho visto construção de escola. Eu acho que teria que acontecer,

porque não se vê construção de escola, nem do Olívio, só aconteceu creches

prá cranças, mas escola não. Passou o Olívio, 4 anos, agora veio o Tarso, não

construiu escola nenhuma também ...

- Não é só pela parte da Prefeitura, a parte também do Estado não tem. Olha

que é difícil 2º grau, disse que tem muito pouco aqui.

- Lá onde eu moro não tem 2º grau, prá ir pro 2º grau os pais têm que pousar

nas filas prá conseguir uma vaga. Se vai começar matricular na segunda, a

pessoa tem que ir na sexta, sábado, domingo, ficar naquela enorme fila, será

que isso é possível? Fiquei três dias na rua dormindo prá conseguir vaga prá

7ª série.

--Eu acho que as professoras deviam ganhar mais porque elas estudam e todas

as profissão que existem hoje são delas que saem e eu não acho justo o salário

que elas ganham, pelas horas que elas dão, elas têm que agüentar os alunos,

ter paciência, eu acho injusto o salário que elas ganham. Se continuar assim

como está as professoras vão ficar desanimadas. Se alguém chegou a ser

advogado, chegou a ser médico, foi por causa das professoras. Eu acho que a

profissão delas não são valorizadas.

-- Lá na escola onde eu trabalho as professoras ficam, na miséria, com 30, 31

alunos, como incomodam! O salário que elas recebem eu fico até com pena.

Como é que uma professora não merece ganhar mais, ainda com aquela turma

de crianças? E as crianças dão o que fazer a tarde inteira, ficam da 1 e meia

até as 5 e meia da tarde com aquelas crianças. Se o salário é pouquinho, qual

o entusiasmo que elas vão ter?" (Diálogo entre alunos do CEMEJA)

" Ah, precisa melhorar muitas coisas. Uma das coisas que foram pedidas é

professor substituto, quando falta aquele professor, não tem; por exemplo,

faltou a professora de geografia o ano passado na escola e a direção pediu e

demorou e os pais ficaram nervosos, telefonaram prá SMED e aí falou: ' já vai

vir', ficou naquela. E as crianças ficavam com medo de perder o ano, só agora

que está voltando a professora de geografia. Uma está grávida, já teria que ter

substituto. Porque a professora passa prá direção (sei lá qual é o órgão) que

está grávida, então ela tem a licença dela, tudo. Então tem que ter uma outra

pessoa substituto que quando ela sair ela já entra." (Lídia)

"- Eu só quero que o SEJA não pare aí.

- É isso que a gente quer, porque o 2º grau ainda não tem no SEJA.

Liana - Não tem porque o Município não tem 2º grau, só o Estado.

- Se o pessoal se movimentar talvez saia... Vamos à luta."

(Diálogo entre alunos e a Chefe do SEJA na E.M. J. A. Satte)

Entre as professoras, os espaços de participação social estão mais referidos à

condição de educadoras que de cidadãs comuns. Elas participam principalmente do

Sindicato da categoria, dos conselhos escolares e das plenárias temáticas de educação

do Orçamento Participativo da Prefeitura. Ao promover a participação dos alunos, o

SEJA cumpre uma função educativa e mobilizadora delas próprias.

"- Acho que tem que haver coerência com o que a gente apregoa com a

postura pessoal da gente, a gente tem que participar sim.

- A escola define: movimento sindical, coisas desse tipo, organização dos

professores. Num outro segmento que não aqui...

- Eu vou ser bem clara: quanto ao Orçamento Participativo, eu participo

mais lá no bairro da escola do que no meu mesmo, em vista do tempo, como

eu passo mais tempo lá realmente.

- Até em termos de movimento, os trabalhos que teve no movimento negro

(que os meus alunos a maioria são negros, então há muita discussão em

torno disso), já participei de alguns eventos que ocorreram no Gasômetro e

todas essas instâncias é mais via escola mesmo, como a própria Constituinte

que a gente está trabalhando, elaborando, sistematizando.

- Eu nunca fui de me definir por partido, nunca fui de dizer vou prá isso, vou

prá aquilo. Tem tendências que, é lógico, a gente se coloca mais. Mas são

coisas que a gente até começa a pensar melhor e até de se engajar melhor

realmente, são coisas até em termos do trabalho que se faz." (Depoimento

de professoras)

3.8.1. A participação na gestão da escola e do SEJA

Segundo as professoras, os alunos do SEJA têm uma grande disposição em participar

de todos os espaços de gestão da educação que para eles se abram. A percepção delas

é de que essa participação é resultado do trabalho pedagógico, cujo objetivo é

resgatar a cidadania do aluno:

"- Eles são sempre as pessoas mais dispostas a participarem do Conselho

Escolar, das reuniões do Congresso da Escola Cidadã. Eu tive até que tirar

dois alunos que tinham muita vontade mas não tinham condições, por

motivo de indisponibilidade mesmo. Eles sempre querem participar muito,

mais que as outras pessoas da escola, dos normais. Então ele participa do

Conselho Escolar, de todas as decisões, ele vai no Orçamento Participativo,

quer dizer, a consciência dele que ele pode mudar e que isso é importante.

- É o trabalho que a gente está fazendo, que lá na vila foi super difícil eles

querer participar porque eles achavam que isso ai não levava a nada, que ia

sempre continuara ser a mesma coisa. Eles começaram a participar, a ir nas

reuniões do orçamento participativo. Esse ano a nossa vila ficou em 1º lugar

[dentre os bairros prioritários], então eles estão vendo que a coisa funciona,

que a organização, a participação leva a algum lugar. Acho que esse

trabalho que a gente faz é importante também.

- A gente vê a diferença dos que estão ingressando e daqueles que já têm

uma caminhada, o que eles pensam e já vão colocando pros outros. No

Conselho Escolar também os nossos alunos da noite se inscreveram prá

eleição, na Constituinte também foi bem participativo." (Depoimento de

professoras)

Os depoimentos que colhemos junto aos alunos confirmam essa disposição em participar da

gestão escolar. Entretanto, os alunos do SEJA que mencionam participar do Conselho

Escolar freqüentemente dissociam essa participação da condição de estudantes e o fazem na

condição de pais de crianças e adolescentes do ensino regular. É possível que eles também

percebam, como a professora antes citada, que a condição de aluno do SEJA não os faz

iguais às "outras pessoas da escola, aos normais", incorporando uma situação de

discriminação, ou que sua identidade de pais esteja melhor configurada que aquela de

estudantes. Há que se considerar, também, que até o momento do trabalho de campo, o

Conselho Escolar não havia sido eleito no CEMEJA, uma das unidades em que realizamos

as entrevistas.

Na condição de pais de alunos eles se dispõem a participar, porém se sentem com menos

instrumentos que os profissionais da escola para influir na gestão escolar

"Eu participei já do CPM [Comissão de Pais e Mestres] da escola, que trata da

verba da escola, não é o conselho, a CPM trata da matrícula da escola, do

orçamento da escola, que a renda que entra prá escola, atividades de festa que

promove na escola, chás. Eu saí do CPM e faço parte do Conselho de Escola,

que é a parte da administração da escola. Sempre gostei de participar assim,

mesmo quando não trabalhava na escola, gostava de participar. Meus filhos

estudaram, se formaram, duas vezes se formaram, já se formaram no 2º grau

também, tem só o guri lá, de 14 anos. Mas mesmo não tendo estudo sempre

gostei de participar das coisas. Claro, eu sentia que eu era pequena perto das

professoras, não tinha estudo, mas tinha vontade de aprender." (Tânia, aluna

do CEMEJA e funcionária de escola)

"Eu vou no Conselho da Escola, que eu tenho um guri ali, então eu falo o que

eu aprendi aqui, eles perguntam o que eu tô achando da escola: 'O SEJA é

diferente, vocês deveriam ser a mesma coisa'. A professora, quando sabe, dá

risada. Vamos fazer que nem o SEJA, ter mais calma, não é gritando, tem que

fazer isso não, é com calma. Como que a professora faz? Eu explico, elas dão

risada.." (Cecília, aluna do CEMEJA)

"(...)Ele me convidou para ser delegada [representante de categoria no

Congresso Escola Constituinte], mas eu disse prá ele que eu teria que ter

tempo prá isso. Eu não quis assumir porque eu estudo. Eu até tenho uma idéia

lá da escola, porque uma pessoa que vai pegar isso aí ela tem que estar dentro

da escola, porque senão eu não posso discutir com a direção.(...) Porque eu

sou assim: depois que eu dou a minha palavra eu vou até o fim e eu procuro

trazer as pessoas prás minhas idéias. E para eu ir na direção, eu teria que

estar sempre na escola e eu não ía conseguir conciliar as duas coisas. A minha

filha estuda lá no Piaget e eu estudo aqui, ela sai 10 prás 6 e eu saio 6 e 20, eu

não ia conseguir. Eu acho que a gente lutou, estamos lutando, teve debate

sobre essa mudança, principalmente a disciplina nas escolas municipais que

está ruim. Nessa reunião que eu participei, os pais querem uma disciplina.

Uma frase que foi dita: ter autoridade sem ser autoritário, mas ter uma

disciplina. A primeira coisa que a gente estava discutindo era a mudança na

escola, então a gente debateu muito sobre isso ai, as avaliações entre os

alunos, direção, pais, mais o caso da SMED, foram debates muito bons.(...)

Mas foi um debate, os pais apavorados principalmente com a disciplina dentro

das escolas do município, os próprios alunos estão formando ganguezinhas,

pegam os outros, surram os outros, quer dizer, não tem controle sobre as

crianças. (...) uma noite que teve essa reunião, foi pessoas do SEJA do Piaget.

Só que eu não participei como aluna do SEJA, porque eu tava representando

mãe e não poderia, eu ia ficar assim sem saber o que dizer, porque eu fui mais

prá debater sobre os alunos adolescentes, que a minha está nessa faixa etária

e que na disciplina na escola está terrível." (Lídia, aluna da E.M. J. A. Satte)

Algumas dssas mães que participam do Conselho Escolar criticam os próprios pais pela

reduzida participação na escola:

"Mas como o povo é acomodado, na primeira reunião foi a totalidade e depois

foi diminuindo até chegar a 4ª. (...) Nós estava decepcionada, porque eu e uma

comadre minha - as nossas filhas estudam na mesma escola - e a gente foi a

todas as reuniões, a única que eu não fui foi a última agora porque eu tinha

compromisso, não pude ir, mas eu avisei. (...) Quer dizer, porque a nossa

classe, não é desfazer de nenhum, tem as pessoas que aprenderam a escutar e

tem aquelas pessoas que ainda não aprenderam a escutar. Então fica um

tumulto. Aí quando saem de lá ... Porque tem pessoas que não falam na hora e

depois quando saem na rua ... e na próxima reunião já não vai. (...) Isso que a

gente pede muito é que os pais vá mais à escola, os pais não vai à escola. É o

mínimo, que não adianta eu julgar o órgão tal, a direção, se os pais não

participam da escola, se não vai saber." (Lídia)

Internamente ao SEJA, há incentivos à participação de professores e alunos na gestão do

programa. Excetuadas questões administrativas, os professores participam das definições

político-pedagógicas, sempre tomadas em reuniões gerais, ainda que seja evidente a eficácia

da função de direção assumida pela chefia do Serviço.

"O SEJA foi construído por todos nós. Nós até enfrentamos dificuldade de

trabalhar com algumas professoras mais antigas, que têm algumas resistências

em relação ao próprio trabalho do GAP. Quando o SEJA foi construído, tinha

uma outra dimensão; nós começamos com 30 professores, tudo era discutido,

tudo era votado, tudo era pensado, tudo era organizado dessa forma. Hoje nós

temos uma dimensão que requer uma outra estrutura e a gente tem alguma

dificuldade em relação a isso. Mas a questão político pedagógica é construída

coletivamente, em seminários, em debates, em grupos de estudo, não só do

GAP, mas de todos os professores." (Cátia, membro do GAP)

"No ano passado a gente encaminhou essa discussão de redefinição do

currículo. Nós fizemos grupos de estudo e as decisões foram aprovadas em

plenária. A própria redefinição do currículo foi um parto, fizemos com 130

professores, todos participaram. A gente foi olhando disciplina por disciplina,

colocaram destaques e até questões administrativas, como a própria

organização das nossas reuniões. Teve uma proposta de um grupo de

professores de criar as reuniões regionais, foi votada e aprovada. É uma

experiência, a gente está avaliando a nova estrutura constantemente para ver

se ela continua dessa forma ou se vai reformular as instâncias de reuniões.

Esse ano houve a mudança: além da reunião local, com um grupo menor de

professores, se tem uma reunião regional das escolas da mesma região. Foi

uma proposta que saiu dos professores, que houvesse também tem a

participação dos alunos nessas reuniões regionais em alguns momentos, que se

abrisse um espaço para que os alunos participassem." (Marinara, membro do

GAP)

Os alunos, por sua vez, são chamados a expor suas demandas em diversas ocasiões, como

nas reuniões regionais trimestrais instituídas a partir de 1994, mesmo ano que realizou-se o

primeiro congresso dos educandos do SEJA. O Congresso Alfabetização Cidadã (Porto

Alegre, RS: 5 a 7 de setembro de 1994) reuniu no Ginásio Tesourinha centenas de alunos

do SEJA que, entre palestras e atividades culturais, debateram em grupos três eixos

temáticos: "o que aprendemos", "como aprendemos" e "para que aprendemos".

A experiência do Congresso foi gratificante para os alunos, que tomaram a palavra,

identificaram-se no interior do coletivo "alunos do SEJA" e sentiram-se socialmente

reconhecidos:

"(...) as professoras nos ensinou que a gente também é ser humano e também

tem esse direito de estudar. O Congresso que nós tivemos de alunos do SEJA

nos ajudou muito. A gente fez um debate, comunicou com com outros colegas

de várias escolas e aí a gente perdeu aquela timidez que tinha." (Lourdes,

aluna da E.M. João Antônio Satte)

"- (...) sobre os debates, nós vamos debater até em outros colégios mesmo, tem

um mês que todos os colégios do SEJA se reúne os alunos no ginásio, então

nós debatemos sobre prá que estudar, com que, o que significa.

- Foi uma coisa muito linda, muito bacana. Como tinha gente, barbaridade!

Olha, eu acho que tinha aproximado uns 14, 15 ônibus de gente.

- Até veio uma professora de lá do Ministério da Educação, foi tirado fotos e

foi filmado. Eu fui um dos melhores alunos que estava debatendo. Tiraram

foto, mas eu nem vi, bateram assim de surpresa, eu estava olhando na janela,

quando eu vi o cara bateu.

- Tinha muita gente lá, eram vários turnos, sala 3, sala 4, aí nós dividimos prá

esses turnos ficarem numa sala, ficaram com outras professoras que nós nem

conhecia." (Diálogo entre alunos do CEMEJA)

Para as professoras e a Coordenação do SEJA, a grande descoberta do Congresso foi o

valor que os alunos atribuem à escola enquanto espaço social e cultural:

"O Congresso tinha uma temática - que era 'como a gente aprende, para que a

gente aprende e onde a gente aprende' - que foi preparada num processo que

começou no 2º semestre. A gente tinha uma avaliação que os alunos não

gostavam da atividade cultural, que eles faziam uma leitura que consideva que

atividade cultural não era aula. Uma das coisas importantes que nós

descobrimos e ficou clara no Congresso é que eles se apropriaram das

questões culturais - do teatro, da música, do cinema, dos passeios - como

atividades político-pedagógicas e passaram a exigir que tivesse cada vez mais

isso. Tanto que o projeto de férias para o mês de janeiro foi montado para dar

resposta à demanda deles39" (Liana, membro da Coordenação e Chefe do

SEJA)

"Nós reunimos todas as etapas e fomos conversar mesmo, discussões em sub-

grupos: o que eles queriam dessa escola? Essa escola é muito voltada como

um espaço, não só prá produção de saber, mas também como até um espaço

social, eles vêem muito essa escola como um espaço social e cultural.

- Prá eles, participarem daquela escola é fundamental. No meu caso, a escola

dentro da comunidade lá na Vila Lobos, é um eixo de toda comunidade,

porque lá acontecem todos os eventos, não é só a vida escolar mas também

os batizados, as reuniões de igreja, samba, é um centro cultural.

- Aqui no centro, não tanto como nas escolas de periferia, mas também de

qualquer forma eles encaram a escola como um lugar social, um lugar que

tem encontros e uma das coisas que eles pedem é, por exemplo, um espaço

onde eles possam em intervalo fazerem trocas, conversarem, se conhecerem

melhor, eles querem um pátio onde eles possam conversar, onde eles possam

se encontrar com outras turmas. Nós não temos nem intervalo prá recreio, a

gente lancha enquanto vai trabalhando, então eles querem espaço prá isso,

prá trocas, eles pedem local pra esporte, querem oficinas, se depender deles

eles querem tudo.

- Eu vejo também como um local afetivo. Como eles são alunos

trabalhadores, o dia inteiro estão trabalhando, de manhã, à tarde estão

trabalhando, aqui é que eles conseguem aprofundar a amizade com o colega

de trabalho, que eles vão saber o que que o colega pensa, que tá achando

daquelas coisas sobre a vida, sobre o mundo, é aqui que as relações se

aprofundam. " (Depoimento das professoras)

39 Desde janeiro de 94 o SEJA desenvolve um projeto de férias, empregando os professores recém nomeados

e aqueles que vendem 10 dias das férias. Todo aluno do SEJA pode inscrever-se para participar de oficinas e

atividades diferenciadas realizadas na sede do CMEJA. Em 1994 o tema foram os Direitos Humanos na

escola; em 95 o tema foi Cultura, Conhecimento e Férias, tratando da questão cultural (literatura, cinema,

etc).

Recentemente foi instituída a representação dos educandos do SEJA, por iniciativa dos

professores que propuseram a substituição das antigas reuniões zonais por reuniões

regionais trimestrais de avaliação, com a participação de representantes dos alunos. A

Coordenação do SEJA admite que foi "atropelada" por esta mudança introduzida pelos

professores, mas faz uma avaliação positiva da experiência, que finalmente deu voz aos

alunos na gestão e orientação pedagógica do programa, ampliando-se também para as

reuniões plenárias do Orçamento Participativo.

3.9. A inserção orgânica do SEJA no sistema municipal de ensino

Desde sua origem, o SEJA procurou configurar-se como serviço permanente,

institucionalizado no interior da RME. Segundo a avaliação da Coordenação, o SEJA

conquistou este objetivo:

"O principal ganho é enfiar a educação de adultos dentro da Prefeitura (goela

abaixo prá uns, prá outros não), saber que a gente vai sair e esse negócio vai

ficar. A cidade se apropriou desse negócio e agora não tem mais volta, eu

tenho essa avaliação, não sei se é exagero meu. (...) O que pode não

sobreviver é a concepção, isso ai a gente sabe que está sujeito a chuvas e

trovoadas, acho que isso a gente nunca vai conseguir garantir, mesmo por

conta dos professores que se tem, a gente conhece um pouco a categoria (...)"

(Coordenação do SEJA)

"Tentando fazer um pouco de avaliação, o que eu acho positivo é que

realmente eles conseguiram ampliar muito o trabalho que surgiu pequeno.

Acho que isso é importante, criou-se um fato social: a educação de adultos

existe, tem que ser trabalhada, tem que ser qualificada, os professores têm que

ser bem formados." (Maria Carmem Barbosa, ex membro da Coordenação)

O SEJA foi concebido como uma modalidade da educação fundamental, organicamente

integrada ao sistema municipal de ensino. Entretanto, nem toda a RME incorporou o SEJA

como elemento constitutivo do sistema e da escola, vendo-o como um projeto especial ao

qual a escola concede seu espaço e recursos. Por outro lado, a forma autônoma e

centralizada pela qual o SEJA se organiza pedagógica e administrativamente faz com que os

educadores e alunos remetam-se mais à Coordenação do SEJA e ao GAP que à direção da

escola, sua equipe técnica e mesmo seu Conselho Escolar. A combinação desses dois

fatores produziu um certo isolamento do SEJA.

"Tem uma coisa com a qual eu tenho problemas. Quando começou a história

do SEJA, a gente tinha como princípio que era um programa, mas que entraria

para a rede, ele não poderia sobreviver como programa durante muito tempo.

A gente enfrentava muito problema com relação ao fato de ser um programa,

pois as professoras tinham uma vida administrativa na escola mas obedeciam

outras regras; isso as deixava mal vistas na escola, porque a diretora tinha 5

ou 6 professoras que ela mal conhecia, que não participavam das reuniões da

escola, que portanto não podiam ter uma inserção maior na comunidade,

porque não estavam nem inseridos na escola quanto mais na comunidade.

Tinha esse problema da vida dupla dos professores e também a história das

campanhas, dos movimentos passageiros, que a gente sempre criticara. Para

assegurar a permanência do programa, a melhor alternativa era ele entrar

realmente na vida das escolas, deixando de ser projeto e, progressivamente, se

convertendo em mais uma das ofertas que a escola: a escola faz oferta de pré-

escola, de educação básica e de educação de adultos, que passa a ser um

projeto da escola. Bem, mas isso não era uma das prioridades do trabalho da

Esther, até porque toda a administração da Esther era muito centralizada na

própria Secretaria. A formação de professores era feita por pessoas da

Secretaria, cujas equipes eram muito grandes e divididas em áreas de

conhecimento ou de atendimento (pré-escola, alfabetização, 2ª a 3ª séries,

depois 5ª à 8ª séries em disciplinas); então não se tinha uma visão de escola

como um todo. Eu acho que na gestão da Esther o projeto estava bem

enquadrado, apesar de não ser esse o enquadramento que a gente queria que

se desse, a gente queria que ele fosse para a escola. Essa foi uma das grandes

discussões com a Liana, porque eu sou muito descentralizadora, ela é uma

pessoa mais centralizadora. Ela dizia: 'Nós temos força enquanto a gente for

um projeto centralizado, tem mais poder em termos de barganha dentro da

Secretaria e em termos de controle sobre o que as pessoas fazem, dando as

nossas linhas de trabalho'. Mas havia uma demanda do grupo muito forte,

tanto que, num determinado momento - a gente sempre tinha reuniões gerais -

e as professoras começaram a pedir reuniões locais para elas trabalharem

entre si, exatamente para poder criar uma identidade de escola. Pertencer ao

projeto diferenciava as pessoas na rede. Por um lado as pessoas gostavam, por

outro lado não. Por exemplo: ao se pensar em representação sindical, as

gurias não tinham nada, porque a Associação trabalha com representantes de

escola, só que elas não se relacionavam com a escola, então elas não tinham

representante nenhum. Tudo isso era muito complicado. A gestão atual,

principalmente a gestão da Sônia, tenta atender projetos escolares, incentiva

que as escolas façam seus projetos pedagógicos, é uma gestão em que o

atendimento da Secretaria às escolas é feito não mais centralizadamente por

área de conhecimento, mas por grupos regionais. O que me surpreende e eu

não consigo entender muito (penso que passa muito por essas relações de

poder) é porque o SEJA não entrou nisso, por que que o SEJA continua sendo

um programa independente, até mesmo administrativamente. No final da

gestão da Esther e durante a gestão do Nilton havia uma Divisão de Educação

Básica, uma de Educação Infantil e tinha a educação de adultos; na nova

reorganização, a educação infantil foi incorporada à educação básica e a

educação de adultos continua separada. Isso me mostra que é muito mais a

questão política, de ter um espaço de poder e de controle, que está por trás

dessa separação, e não as intenções pedagógicas." (Maria Carmem Barbosa)

Esta não é, porém, a percepção de Scomazzon que, em suas conclusões, valoriza a prática

pedagógica do SEJA como constructo coletivo e não identifica centralismo no estilo de

coordenação do programa:

"Foi a partir da vontade política que se abriu o espaço para a implantação do

Projeto (...). É a partir da ação de uma coordenação que realmente coordena

e não centraliza a autoridade e do desejo de transformação de um grupo de

professores e alunos que ele se mantém vivo; passando por momentos de

conflito e outros de muito avanço (...)". (SCOMAZZON, 1991, p. 137-8)

A Coordenação do SEJA assume que centralizou a gestão com a finalidade de assegurar a

direção político-pedagógica do programa:

"Teve um defeito grande que é centralizar, mas graças à centralização é que se

conseguiu atingir e garantir a qualidade; se tivesse deixado cada um fazer o

que quisesse - e com todas as disputas, com essas brigas que ocorreram -, teria

perdido a linha há muito tempo." E acrescentam, em tom de brincadeira: "Sabe

o centralismo democrático?" (Equipe de Coordenação)

Um momento privilegiado para o equacionamento do problema da inserção orgânica do

SEJA na RME tem sido o processo participativo denominado "Escola Constituinte", pelo

qual os agentes da rede vêm, desde 1994, debatendo diretrizes gerais para reformulação do

regimento das escolas. Esse processo culminou com a realização do Congresso Municipal

Escola Constituinte (Porto Alegre, RS: 26 e 27/05/1995), preparado nas escolas e nas

regionais, com aprovação de teses e eleição de delegados40. No documento apreciado pelo

plenário do Congresso, o SEJA era objeto de dois ou mais artigos. No aspecto da gestão,

os participantes do Congresso questionaram, de um lado, sua marginalização da estrutura

escolar e, de outro, sua "excessiva" autonomia. Assim, a redação inicial do artigo 8º do

documento-base do Congresso: "Garantir que o SEJA esteja incluído na escola,

preservados sua estrutura, seus princípios e filosofia" sofreu modificação no plenário,

transformando-se em: "Garantir que o SEJA seja oferecido pelas escolas que tenham

estrutura para tal, contemplando as diversas regiões do Município, preservando-se sua

estrutura, princípios e filosofia, em consonância com o projeto administrativo e

pedagógico da escola".

Das observações realizadas, concluimos que:

O SEJA assumiu o caráter de uma instância relativamente autônoma que ocupa posição

hierárquica inferior à educação infantil ou ao ensino fundamental no interior do órgão

de gestão educacional; é um serviço institucionalizado, que conta com corpo

profissional próprio e gerencia recursos orçamentários com alguma autonomia.

A materialidade instalada - existência de legislação regulamentando o Serviço, de

unidade escolar específica (o CEMEJA), criação de cargos de professores especialmente

dedicados à EBJA no corpo estável do magistério e alunos em processo - coloca em

marcha a "lei de desenvolvimento da burocracia". Ainda que sua inserção no sistema

municipal de ensino seja marginal, o grau de institucionalização alcançado tende a

assegurar a continuidade dos serviços, ainda que ocorram mudanças político-

administrativas no Governo Municipal.

Para construir uma identidade político-pedagógica e preservar as especificidades desta

modalidade de atendimento educacional, rompendo parcialmente com os padrões de

funcionamento da escola tradicional, o SEJA adotou um sistema de gestão centralizado

40 Participaram do Congresso 349 delegados representando os diversos segmentos da comunidade escolar,

sendo 238 professores, 43 funcionários, 36 pais e 32 alunos.

e manteve-se relativamente isolado dos demais níveis e modalidades de ensino com os

quais convive no interior das escolas. A este distanciamento voluntário, somou-se a

rejeição e o preconceito existente nas unidades escolares com a presença de jovens e

adultos. Deste processo resultou uma inserção precária da EBJA no sistema municipal

de ensino e, particularmente, nas unidades escolares.

Mais recentemente, o SEJA vem sendo impelido a uma integração mais orgânica ao

sistema educacional, motivada pela política de democratização da gestão e ampliação da

autonomia escolar (expressa na mudança dos regimentos das escolas). A tendência que

se delineia é a de uma maior integração dos serviços de EBJA às unidades escolares nas

quais o atendimento é realizado. Esse movimento pode trazer saldos positivos,

desfazendo preconceitos e abrindo espaço à participação de educadores e alunos na

gestão escolar, mas provavelmente implicará concessões às regras escolares com os

conseqüentes riscos de perda da autonomia e flexibilidade do atendimento. Neste caso,

é preciso cuidar para que a rigidez burocrática que caracteriza o sistema formal de

ensino não acentue o estilo predominantemente escolar e compensatório que

historicamente caracterizou o ensino supletivo, impedindo que os SEJA adote

estratégias flexíveis, capazes de atenuar os mecanismos seletivos que restringem sua

democratização e qualificação.

4º Capítulo - Análise dos resultados e recomendações

1. Descentralização educativa e municipalização da EBJA

A problemática da municipalização da EBJA tangencia e é afetada pelo movimento geral de

descentralização da educação em curso no Brasil. Até a Constituição de 1988, as redes

municipais de ensino não constituíam sistemas, pois não detinham autonomia em relação à

legislação federal e estadual, submetendo-se à supervisão das esferas superiores. Como já

expusemos anteriormente, a Constituição de 1988 redistribuiu a receita fiscal e fortaleceu o

sistema federativo, ampliando substancialmente a autonomia relativa da esfera municipal de

governo na gestão dos serviços educacionais. Até o presente momento, porém, o

crescimento da participação da esfera municipal no financiamento e manutenção do ensino

não se refletiu em incremento proporcional da matrícula pública no ensino fundamental:

Quadro XV: Brasil - Evolução da matrícula inicial nas redes de ensino fundamental (1988-90)

Ano Total Estadual % Municipal % Particular %

1988 26.821.000 15.017.100 56,0 8.116.000 30,3 3.551.100 13,2

1989 27.557.500 15.755.100 57,2 8.218.500 29,8 3.443.000 12,5

1990 28.302.200 16.175.900 57,2 8.414.100 29,7 3.566.800 12,6

Variação 88/90 +5,5% +7,7% - +3,6% - +0,4% -

Fonte: MEC/SEEC/SAG/CPS/CIP (apud BOAVENTURA, 1994, p. 240)

Este é o motivo pelo qual a União e os estados vêm tomando uma série de medidas visando

induzir os municípios a investirem mais recursos e ampliarem sua participação nas

matrículas do ensino de 1º grau41. Esse processo resulta do acirramento da crise de

financiamento e gestão do setor público que, frente ao modelo de desenvolvimento

excludente adotado, restringiu sua capacidade de implementar políticas sociais. A União e

estados vêm impulsionando a transferência de encargos sociais da para a esfera local de

governo, por processos simultâneos de desconcentração e descentralização. No que

concerne às políticas educacionais, a União, que há longo tempo assumiu os encargos do

ensino superior público, dá sinais de que não pretende ampliar sua participação no setor (até

41 O Governo Federal, por intermédio do MEC, anunciou em outubro de 1995 o Plano de Desenvolvimento

do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, cujo principal instrumento é o Fundo de mesmo

nome que, se aprovado pelo Congresso, gerenciará a transferência dos recursos das esferas federal e estadual

aos municípios. Os mecanismos de acesso ao Fundo privilegiam o investimento no ensino fundamental.

porque sua despesa com este nível de ensino já excede os limites constitucionais), propondo

que as universidades federais passem a ser geridas com maior autonomia e crescentemente

financiadas pelos estados e pelo setor privado. Os estados propõem-se expandir e revitalizar

o ensino médio e tecnológico, cuja matrícula se encontra há tempo estagnada, transferindo

progressivamente aos municípios o ensino fundamental, sob o argumento de que os mesmos

têm responsabilidades constitucionais neste nível de ensino e dispõem de recursos para

atendê-las. Assim, as redes municipais de ensino vêm sendo convocadas a assumir

crescentemente os encargos do ensino fundamental de crianças e jovens.

Para compreender as distorções atualmente existentes na distribuição dos encargos

educacionais pelas instâncias de governo, porém, é necessário analisar a evolução histórica

das redes municipais de ensino no Brasil. Ao longo deste século, os municípios

responsabilizarm-se principalmente pelo ensino primário rural:

Quadro XVI: Brasil - Matrículas iniciais nas redes públicas por localização (1989)

Regiões Localização Rede Estadual Rede Municipal Índice de municipalização42

Brasil Total 57,2% 29,8% 1,000

Urbana 65,8% 18,5% 0,619

Rural 23,7% 73,8% 2,476

Norte Total 53,6% 33,8% 1,134

Urbana 65,9% 17,5% 0,588

Rural 25,8% 70,7% 2,371

Nordeste Total 39,7% 46,6% 1,561

Urbana 56,3% 24,0% 0,805

Rural 9,2% 87,9% 2,946

Sudeste Total 68,0% 18,4% 0,615

Urbana 69,3% 15,8% 0,529

Rural 55,0% 43,6% 1,461

Sul Total 59,2% 30,2% 1,013

Urbana 21,4% 14,6% 0,718

Rural 33,5% 65,3% 2,190

Centro Total 68,7% 21,7% 0,728

Oeste Urbana 76,3% 13,1% 0,430

Rural 21,3% 76,1% 2,540

Fonte: MEC.SAG.CPS.CIP. Apud: BOAVENTURA, 1994, p. 241.

42 O índice de municipalização é calculado tomando por referência o percentual de municipalização no total

nacional, ao qual atribui-se o valor 1.

Com o acentuado processo de urbanização observado no país nas últimas décadas, as redes

municipais de ensino diversificaram seu atendimento cobrindo lacunas deixadas pelas

demais esferas de governo, atendendo não apenas as demandas por ensino fundamental de

crianças, mas também por educação pré escolar e de jovens e adultos, áreas que até 1988

não eram cobertas pelo ensino público obrigatório.

As medidas adotadas para que os municípios redirecionem seus recursos prioritariamente

para o ensino fundamental de crianças e adolescentes tende a estabelecer uma concorrência

com os serviços recém instalados de ensino pré escolar e de jovens e adultos. Como a

demanda explícita por educação infantil é maior que por educação de jovens e adultos e a

capacidade de expressão política de seus beneficiários é maior, o movimento geral de

descentralização educativa pode instaurar uma concorrência perversa que tende, no limite, a

restringir a expansão da oferta de EBJA pelas redes municipais de ensino. Esta é, porém,

uma hipótese emergente, que merece investigação empírica específica.

Por outro lado, não parece totalmente adequado conceituar como descentralização o

processo anteriormente descrito de assunção por um governo municipal de parcela dos

encargos do ensino fundamental de jovens e adultos. A rigor, um processo de

descentralização educativa pressupõe planejamento, gradualismo e negociação entre as

partes envolvidas. O caso descrito não contempla nenhum desses requisitos. Conforme

expusemos ao início deste trabalho, a municipalização da EBJA vem sendo induzida pela

omissão das demais esferas de governo. O repasse dos encargos da EBJA da União e

estados para os municípios se consuma mais pela realização de uma oferta antes inexistente,

extremamente reduzida, estagnada ou declinante, que propriamente pela transferência de

serviços pré existentes. No entanto, o resultado objetivo deste processo é que os municípios

tendem a ser responsáveis pela maior parte da matrícula no ensino fundamental de jovens e

adultos e passam a ser vistos pela sociedade e pelas demais esferas de governo como a

instância privilegiada para realizar esse atendimento.

Nossa pesquisa procurou verificar a hipótese de que este processo de municipalização

estaria produzindo resultados positivos em direção à democratização de oportunidades

educacionais e melhoria da qualidade da EBJA. Os dados colhidos ao longo do estudo do

caso de Porto Alegre confirmam apenas parcialmente esta hipótese:

há indícios de que a esfera local de poder tem maior permeabilidade para acolher

demandas provenientes de grupos com pouca capacidade de expressão pública e

pressão política43, especialmente quando a orientação ideológica do partido eleito para

o governo mobiliza na burocracia governamental uma "vontade política" de mudança e

instalam-se mecanismos participativos de gestão;

a expansão de oportunidades de escolarização para jovens e adultos ocorre, entretanto a

cobertura escolar dela resultante ainda é inexpressiva face a demanda potencial por

EBJA;

embora o desenho político-pedagógico delineado pelo programa estudado revele

pertinência e adequação às necessidades educativas das populações demandatárias -

configurando uma nova qualidade de ensino para jovens e adultos -, as características da

oferta não são suficientemente flexíveis e diversificadas para interpor-se aos mecanismos

de exclusão e seleção instalados na sociedade e no sistema escolar.

Nos tópicos seguintes analisaremos cada um destes aspectos mais detidamente.

2. Limites e perspectivas à democratização da EBJA

Ainda que o caso do SEJA de Porto Alegre configure uma política pública municipal que,

para além do discurso, adotou medidas concretas voltadas à ampliação das oportunidades

educacionais, fica patente a distância entre o atendimento efetivamente realizado e a

satisfação da demanda potencial por EBJA: as matrículas registradas em 1995 são inferiores

a 5% do número de analfabetos absolutos com 15 anos ou mais computados pelo Censo em

1991.

Diversos autores têm afirmado que a marginalidade das políticas de EBJA frente ao

desenvolvimento do sistema escolar formal resulta da debilidade política que caracteriza o

43 "Na instância municipal, por haver maior proximidade física, há também maior responsividade ao

meio." (WERLE, 1994, p. 56)

grupo social ao qual ela se destina (LATAPÍ, 1986; TORRES, 1983a). Constituído por

desempregados, trabalhadores do setor informal ou que ocupam baixos postos no setor

formal da economia, os jovens e adultos analfabetos ou com baixa escolarização

provenientes dos setores populares têm precária inserção ocupacional e estão sujeitos a

contínuas oscilações em suas condições de vida e trabalho. Fragmentado e desorganizado,

esse grupo social tem pouca relevância e é sucetível à manipulação político-eleitoral. A

condição econômica subalterna somada à fragilidade de organização política privam estes

segmentos sociais de poder de pressão para dirigir demandas educativas ao Estado. Soma-

se a isto um fenômeno cultural registrado em diversos estudos, segundo os quais segmentos

sociais de baixa renda tendem a delegar às gerações futuras as expectativas educacionais

não realizadas. Esta linha de análise explica algumas das causas pelas quais uma demanda

potencial tão extensa como a verificada no caso estudado permaneça latente ou encontre

formas tão tímidas de explicitação, dando margem a que a cobertura educacional

assegurada pelo Estado se distancie quantitativamente do contingente populacional por

atender.

De fato, a demanda popular por EBJA não foi fator determinante na formulação da política

municipal de educação de Porto Alegre, até porque raramente ela se fez explicitar sob a

forma de movimento social organizado ou outros mecanismos coletivos de pressão. Ainda

que a cobertura educacional seja reduzida face à demanda potencial por EBJA, a demanda

explícita da população é pouco ativa. Há menções a reivindicações pontuais de

comunidades pela abertura de salas, mas estas não conformam movimentos coletivos e

encontram nos canais de participação abertos pela administração municipal sua via de

expressão.

Por outro lado, se a demanda explícita da população em geral é reduzida, há uma forte

pressão dos estudantes já integrados ao serviço municipal de EBJA pela abertura de

oportunidades de continuidade de estudos. Esse elemento fornece evidências de que a

explicitação de uma demanda latente é favorecida pela política social, como em um jogo de

espelhos em que a oferta de um serviço público confere reconhecimento a um direito social

até então negado.

Os dados do estudo, porém, revelam que sequer a demanda explícita vem sendo plenamente

atendida. Os dirigentes assumem que não realizam maior publicidade dos serviços pois sua

capacidade de atendimento segue a reboque da demanda manifesta. O recursos materiais e

humanos alocados em EBJA são limitados principalmente pela prioridade conferida à

educação infantil e ao ensino fundamental de crianças e adolescentes, mas sua contenção

reflete também a disputa ou indefinição de responsabilidades entre as esferas estadual e

municipal de poder sobre os encargos do segmento final do ensino supletivo de 1º grau (5ª a

8ª séries).

Além de estar condicionada pelos limites acima mencionados, a política de ampliação de

oportunidades escolares implementada pelo Município de Porto Alegre não impede a

reprodução de mecanismos seletivos estruturais e conjunturais instalados na sociedade. É

bem verdade que, nas condições sócio-econômicas atuais - em que mesmo as mais

elementares necessidades básicas de sobrevivência permanecem insatisfeitas - nem todas a

demanda potencial por escolarização se manifesta, relegada a plano secundário frente às

carências urgentes de alimentação, saúde, moradia e trabalho. Por outro lado, o contexto

urbano impactado por processos de modernização favorece a emergência simultânea de

novas necessidades de qualificação para o trabalho, de comunicação e participação cultural

em sociedades regidas por códigos letrados. Essas são necessidades coletivas que a história

da democracia liberal reconheceu como direitos universais e objeto de políticas sociais, mas

que a frágil democracia representativa brasileira reduziu a um pleito individual do cidadão

perante o Estado, simbolizado no ato solitário da matrícula.

Assim, a expressão das necessidades de educação básica é modulada pelas características da

oferta que, por apresentar um estilo predominantemente escolar de ensino-aprendizagem e

individualizar a demanda, provê acesso restrito e diferencial que beneficia grupos de

usuários com melhores condições relativas (MESSINA, 1993). Conforma-se assim um

padrão de seleção hierarquizado por quatro filtros principais de exclusão/inclusão - os

espaços rural e urbano, a experiência escolar prévia, a idade, a marginalidade social -, aos

quais acrescentam-se, em contextos específicos, outros dois: o gênero (beneficiando os

homens em detrimento das mulheres) e o emprego (beneficiando os empregados em

detrimento dos desempregados).

O caminho da demanda

Demanda Potencial

Tendência à Inclusão Tendência à Exclusão

O espaço vital: a cidade

e seus códigos

Jovens e adultos urbanos analfabetos

ou com primária incompleta

Jovens adultos rurais analfabetos

ou com primária incompleta

A escola e seus códigos

Jovens e adultos urbanos com

escolaridade prévia

Jovens e adultos urbanos sem

escolaridade prévia

Pertinência geracional:

juventude (15 a 25 anos)

Jovens urbanos com escolaridade

prévia

Adultos urbanos com

escolaridade prévia

Marginalização social

Jovens urbanos de escassos recursos

e escolaridade prévia

Jovens urbanos com escolaridade

prévia em extrema pobreza

Demanda efetiva

Adaptado de: MESSINA, 1993, p. 139.

A ruptura deste processo de exclusão depende, em última instância, da mudança nas

relações mais gerais de acesso ao trabalho e distribuição da riqueza por ele gerada.

Entretanto, mesmo nas condições sociais atuais seria possível adotar linhas de política

educacional pelas quais as características da oferta amenizassem os mecanismos de exclusão

social mediados pela escola:

A melhoria da qualidade do modelo escolarizado predominante na EBJA tendo em vista

as necessidades educativas da juventude trabalhadora com escassos recursos que a ele

tem acesso prioritário, superando o caráter marcadamente compensatório que a tem

caracterizado na direção de uma maior flexibilidade organizacional, pertinência

curricular, inovação metodológica e participação dos agentes na gestão dos serviços

educativos.

A superação da exclusividade do modelo escolar, tendendo à coletivização da demanda

e da oferta, com o desenvolvimento de programas de EBJA altamente flexíveis,

voltados a atender necessidades educativas de segmentos sociais organizados ou

dotados de certo grau de identidade coletiva. Inserem-se nesta linha de políticas os

programas de educação popular e parcerias com movimentos sociais, organizações da

sociedade civil, empresas etc para atendimento diferenciado nas comunidades de

moradia, locais de trabalho, igrejas, entidades culturais ou associativas.

A adoção de políticas de discriminação positiva voltadas ao atendimento diferenciado

dirigido a grupos especialmente vulneráveis ou prejudicados por processos de exclusão

social em seu acesso à educação, tais como mulheres em idade reprodutiva, indígenas,

portadores de deficiências, presidiários, dentre outros.

Os resultados do estudo indicam que, até o presente momento, a política educacional do

Município de Porto Alegre concentrou esforços na primeira das três estratégias. Embora

grande parte do atendimento realize-se no CEMEJA, no centro da cidade, a distribuição

geográfica das escolas municipais nos bairros pobres da periferia urbana facilita o acesso ao

estudo de parcela de grupos socialmente desfavorecidos, mas as iniciativas voltadas ao

atendimento de demandas coletivas restringem-se aos funcionários públicos municipais e da

UFRGS. Deve-se creditar à administração de Porto Alegre, porém, o esforço por integrar e

atender os portadores de necessidades especiais e a recente iniciativa de criação da Escola

Porto Alegre, para atender crianças e jovens em situação de rua.

3. As intencionalidades subjacentes à constituição de um serviço público de EBJA

Frente à fragil pressão da demanda, emerge a hipótese de Latapí de que as políticas públicas

de EBJA são determinadas, em primeira instância, por interesses políticos, econômicos e

educacionais formulados por iniciativa unilateral do Estado.

O atual serviço municipal de EBJA de Porto Alegre conformou-se após a promulgação da

Constituição de 1988, coincidindo com o refluxo da ação federal neste âmbito do ensino, a

democratização do sistema político e conseqüente retomada do sistema de eleições diretas

para as capitais dos estados. Foram três os fatores históricos, político institucionais e sociais

que influíram na conformação e desenvolvimentos do programa:

Um dos impulsos iniciais para a criação do Serviço de Educação de Jovens e Adultos de

Porto Alegre foi um sentido de experimentalismo e inovação educacional em busca de

uma nova qualidade para a educação das camadas populares, informado pela corrente

pedagógica que vem sendo difundida como "construtivismo".

A esse impulso inicial somou-se o compromisso do Governo Municipal em assegurar o

acesso da população à educação básica, concebida como direito social da cidadania,

resultante do deslocamento do poder local em direção a um partido do espectro

político-ideológico de esquerda. O desenvolvimento da política pública de EBJA

correspondeu a um movimento mais geral de democratização de oportunidades

educacionais e assunção pelo Poder Executivo Municipal de parcela das

responsabilidades decorrentes da nova ordem jurídica instaurada pela Constituição de

1988, que estendeu a todas as faixas etárias o direito ao ensino fundamental público e

gratuito, a ser mantido e desenvolvido pelos estados e municípios em regime de

colaboração. Esse movimento caracteriza interesses políticos do Estado em expressar o

"interesse geral" pelo qual é responsável, fomentando a justiça social, e expressa

orientações fundamentais de ação congruentes com a tradição ideológica do Partido,

mediadas pela "vontade política" dos seus agentes na burocracia governamental.

As duas intencionalidades acima descritas foram potencializadas pela influência do

ideário da educação popular na formulação da política educacional e na criação de

mecanismos participativos de gestão municipal. Ao associar positivamente a educação

básica à conscientização e participação política dos cidadãos, o ideário da educação

popular e sua histórica associação à alfabetização de adultos contribuíram para que os

governantes conferissem à EBJA uma importância relativa na política educacional do

Município estudado. Expressa-se aí a combinação de interesses político e educativos do

Estado em assegurar sua legitimidade perante os setores populares, impulsionando sua

participação, mobilização e formas de organização em uma conjuntura de ativação

política (TORRES, 1983b).

Segundo depreende-se dos depoimentos colhidos junto aos diferentes agentes, a pré-

existência de serviços educacionais remanescentes de convênios mantidos com o Mobral

até 1985 e a Fundação Educar após esta data não foi, em Porto Alegre, um fator de

peso na definição da política de EBJA. Não se configurou com nitidez, neste caso, a

transferência de serviços federais previamente existentes para a esfera municipal.

4. Uma nova qualidade na EBJA

A configuração do programa municipal de EBJA em Porto Alegre teve como ponto de

partida críticas a práticas pedagógicas correntes na história da educação brasileira, desde as

experiências de campanhas de alfabetização em massa, do Mobral, da Fundação Educar, até

o ensino supletivo. Cabe, pois, perguntar se o SEJA configurou um modelo político-

pedagógico alternativo de EBJA dotado de qualidade.

Uma resposta cabal sobre a qualidade do ensino aí oferecido exigiria a coleta de dados de

avaliação dos alunos, de seu rendimento escolar e da relevância das aprendizagens escolares

para sua participação cultural, social, laboral e política. Não foi possível, no âmbito desta

pesquisa, colher dados relevantes sobre estes temas. Os documentos recolhidos e os

depoimentos dos agentes tornam possível, porém, identificar algumas orientações que

configuram rupturas ou inovações significativas em relação à história das práticas

pedagógicas destinadas a jovens e adultos no Brasil.

4.1. A dupla matriz teórico-metodológica: educação popular e construtivismo

O SEJA edifica seu discurso e prática em torno de um duplo referencial teórico-

metodológico, cuja síntese esforça-se por elaborar: de um lado, o paradigma político-

filosófico da educação popular, referido ao pensamento freireano; de outro, as teorias do

desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem abrigadas sob a denominação

"construtivismo sócio-interacionista".

Da tradição da educação popular, o discurso dos dirigentes e os documentos de políticas

ressaltam: a interpretação da educação como ato político e processo cultural que não se

restringe à escola, permeando as diversas práticas sociais; a valorização da cultura e a

legitimidade do saber popular frente à cultura dominante de elite e ao conhecimento

científico; o sentido de desvelamento da consciência atribuído ao processo de aquisição do

conhecimento e o compromisso ético do educador com esse processo; a compreensão do

educando como sujeito ativo do processo de aprendizagem e como ator social da história; a

dialogicidade da relação educador-educando; a crítica à concepção bancária de educação.

Essa concepção concretiza-se:

na formulação dos objetivos do ensino, que propõem-se à formação sujeitos críticos,

conscientes, solidários, cidadãos plenos de direitos e partícipes ativos da história de seu

tempo;

na seleção curricular, em que os conteúdos significativos de ensino são referidos à

cultura popular, à experiência de vida dos educandos e às temáticas que animam os

movimentos sociais locais;

na prática educativa junto aos jovens e adultos, em que o professor assume o papel de

animador de um círculo popular de cultura, no interior do qual o relato de experiências,

o debate de idéias e fatos contemporâneos constituem o ponto de partida para o

desenvolvimento de novas aprendizagens.

Nas práticas de alfabetização, porém, ocorre uma ruptura com o conjunto de procedimentos

pedagógicos que ficaram conhecidos como o "método Paulo Freire ": o emprego do

método silábico e a expectativa de alfabetização acelerada44.

Embora o princípio da aceleração seja preservado na escolarização dos adultos, a idéia de

alfabetização ultra-acelerada vem sendo abandonada por sua ineficácia historicamente

comprovada (pelos fenômenos de regressão ao analfabetismo e analfabetismo funcioanal),

pelo alargamento das necessidades sociais de letramento e conseqüente ampliação do

conceito de alfabetização:

"Um avanço importante dessas experiências mais recentes parece ser a

incorporação de uma visão de alfabetização como processo que exige certo

grau de continuidade e sedimentação. Desde os anos 50 eram recorrentes as

críticas a campanhas que pretendiam alfabetizar em poucos meses, com

perspectivas vagas de continuidade, depois das quais se constatavam altos

índices de regressão ao analfabetismo. Os programas mais recentes prevêem

um tempo maior - um, dois ou até três anos - dedicados à alfabetização e pós

alfabetização, procurando garantir que o adulto atinja maior grau de

autonomia e traquejo com os instrumentos da cultura letrada, para que possa

utilizá-los na vida diária ou mesmo prosseguir seus estudos, completando sua

escolarização básica. A alfabetização é crescentemente incorporada a

programas mais extensivos de educação básica de jovens e adultos."

(RIBEIRO, 1995, p. 12-3)

O crescente abandono do método silábico na alfabetização de adultos acompanhou um

movimento mais geral iniciado nos anos 80 na educação de crianças de difusão de teorias da

aprendizagem da leitura e da escrita influenciadas pela psicopedagogia pós piagetiana e pela

sócio lingüística. Influíram nesta mudança de procedimentos os estudos sobre a psicogênese

da língua escrita desenvolvidos pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro, que revelaram a

pré existência à experiência escolar de hipóteses sobre o sistema de representação escrita

entre crianças, jovens e adultos inseridos em sociedades letradas, hipóteses estas

desprezadas pelos métodos correntes na alfabetização. Incorporou-se, a partir daí, a

44 Há que se considerar que estes são aspectos secundários e datados do "método Paulo Freire", que

exprimem a disponibilidade de conhecimentos psicológicos e linguísticos sobre os processos de

alfabetização naquele momento histórico.

convição de que não é necessário e sequer recomendável que se manipule artificialmente a

língua nos processos de alfabetização, privilegiando-se o desenvolvimento das hipóteses de

representação da língua das quais os educandos são portadores a partir de experiências

significativas de leitura e escrita em contextos comunicativos socialmente usuais. As

cartilhas escolares foram substituídas pelo contato intenso com a diversidade de estilos,

estruturas e funções textuais presentes no ambiente cultural e a escrita artificial das

redações escolares substituídas por tarefas comunicativas presentes na experiência cotidiana

dos indivíduos.

Junto às inovações nos métodos de alfabetização, difundiram-se também seus pressupostos,

apoiados nas correntes da psicologia cognitiva, da sócio-lingüística e da antropologia social

que enfatizam a atividade do sujeito sobre o objeto do conhecimento, as interações sociais

mediadas pela linguagem que desencadeiam e modulam as aprendizagens, a busca de

significado e sentido que as impulsionam, o caráter eminentemente social da produção da

cultura. A essa fusão de aportes multi-disciplinares, a cultura escolar vem rotulando de

construtivismo sócio-interacionista.

Nas experiências promissoras de EBJA, a filiação ao construtivismo sócio-interacionista se

concretiza principalmente na renovação dos métodos de alfabetização, mas incide também

sobre o ensino das primeiras contas.

A metodologia da alfabetização passa a valorizar a oralidade, relativizar a norma culta

frente às variantes lingüísticas e dialetais, suprimir o uso das cartilhas, diversificar os

materiais e gêneros de leitura (jornais, receitas, rótulos, anúncios, revistas, livros,

enciclopédias, etc) e escrita (listas, cartas, petições, diários, poemas, contos, crônicas,

notícias, formulários, etc), adotar a frase e do texto como unidades significativas de

comunicação (HARA, 1989; RIBEIRO, 1990, 1995).

No ensino das primeiras contas, a metodologia substitui a ênfase no registro da escrita

numérica e o treinamento nas técnicas operatórias pela valorização do raciocínio

matemático e dos procedimentos intuitivos e espontâneos de cálculo mental empregados

pelos alunos, a re-construção das estruturas conceituais implicadas nas operações, o

emprego de materiais concretos e a resolução de problemas significativos extraídos da

experiência prática (CARVALHO, 1995; RIBEIRO, 1995).

O âmbito de nosso estudo - que não penetrou a fundo no cotidiano escolar - não permite

aferir qual a intensidade com que estas concepções foram incorporadas à prática

pedagógica. Podemos apenas reconhecê-las como orientações político-pedagógicas e

metodológicas explícitas nos documentos de políticas e discurso dos atores.

4.2. Um jeito jovem e adulto de ser e fazer escola

Na tradição latino-americana e na história da educação brasileira, a oferta pública destinada

a jovens e adultos tem um caráter predominantemente escolar. Sequer a precariedade dos

recursos materiais e humanos com que a educação de adultos sempre contou foi capaz de

interromper a inércia da cultura escolar dominante. Embora os influxos dos paradigmas da

educação popular e da educação permanente se façam sentir aqui e acolá, o modelo de

escolarização dominante aproxima-se mais do conceito de instrução primária acelerada que

propriamente de educação básica, prevalecendo uma oferta de caráter compensatório,

moldada nas referências do ensino regular de crianças (MESSINA, 1993).

Os programas municipais de EBJA no Brasil são relativamente recentes e descendem

diretamente do Mobral e do ensino supletivo, cujas normas legais estão obrigados a

cumprir. Na maior parte das vezes, o ensino supletivo seriado reproduz as referências de

tempo, espaço e processo predominantes na educação infantil: os horários, calendários e

seriação são rígidos e convencionais; mesmo no interior de uma empresa ou de um centro

comunitário, o lugar de aprender e ensinar reproduz a sala de aula convencional, com lousa,

giz e carteiras enfileiradas; a instituição escolar pré define o currículo; o professor reproduz

os procedimentos pedagógicos da educação infantil, para a qual foi formado; a sistemática

de ingresso, promoção e retenção obedece sistemas de avaliação padronizados que

negligenciam as diferenças individuais e referem-se mais aos resultados que aos processos

de aprendizagem.

Romper este modelo escolar e encontrar um jeito jovem e adulto de prover educação básica

para gente pobre e trabalhalhadora é ainda um desafio por experimentar. O programa

municipal de Porto Alegre não transcende de todo o modelo escolar, porém faz

experimentos substantivos em direção a sua flexibilização:

A matrícula pode realizar-se a qualquer momento, desde que haja disponibilidade de

vaga.

Embora o horário de aulas seja pré definido, nenhum aluno é excluído das atividades em

virtude de atrasos. A freqüência não é obrigatória, embora seja incentivada, de vez que

a metodologia não prevê recursos de ensino à distância.

Ao invés de classificar abandonos temporários e justificados da escola como evasão, foi

criada no registro do aluno a categoria "afastamento"; o aluno afastado pode retomar

seus estudos no estágio em que os deixou.

A maior parte das classes funciona em período noturno, à exceção do CEMEJA de Porto

Alegre (que tem aulas em três turnos) e das classes especialmente instaladas para

atender funcionários públicos municipais.

As referências de tempo escolar são heterodoxas: a jornada semanal é de apenas três

turnos; a unidade temporal de ensino é o trimestre; o recesso escolar é preenchido por

um programa de lazer e educação informal de adesão voluntária.

Embora a maior parte do cotidiano escolar transcorra no interior da sala de aula, são

incentivadas as oportunidades de aprendizagem extra-classe (espetáculos artísticos,

torneios esportivos, visitas a museus, excursões, conferências, debates, etc).

O programa fixou (com a participação dos educadores ) marcos curriculares mínimos

comuns, mas os professores têm grande autonomia e são incentivados a reorganizá-los e

enriquecê-los de acordo com as características de seus alunos.

A metodologia de ensino privilegia dinâmicas de grupo e atividades coletivas, podendo

recorrer a meios auxiliares de ensino diversificados, de vez que, na maior parte dos

casos, o SEJA ocupa instalações escolares adequadas, que dispõem de mobiliário e

equipamentos áudio-visuais, espaços abertos e bibliotecas.

Embora a nomenclatura e o conceito de "totalidades de conhecimento" sejam

inovadores, a seriação aproxima-se do modelo tradicional, flexibilizada por um sistema

de avaliação diagnóstica, processual e de resultados que permite a progressão a

qualquer momento, a critério do professor.

A organização das turmas - seriada ou multisseriada - obedece mais as disponibilidades

de recursos materiais e humanos do sistema escolar que as necessidades dos alunos.

Somente nas unidades escolares que concentram um número maior de classes (como o

CEMEJA) promovam-se eventualmente re-arranjos dos grupos para atividades

diversificadas (oficinas de matemática ou grupos de orientação sexual para

adolescentes, por exemplo).

Algumas destas medidas podem ser tão válidas para a educação de crianças como para

jovens e adultos das classes populares. O específico da EBJA parece residir na flexibilização

do currículo (para atender à diversidade de interesses e necessidades de aprendizagem de

grupos sociais diversos) e do tempo escolar (pensado em suas diversas dimensões, além

daquela prevista no princípio da aceleração). Esse conjunto de procedimentos não pode ser

classificado como profundamente inovador, mas certamente dota o programa da

flexibilidade mínima necessária para permitir o acesso de uma clientela extremamente

heterogênea e reduzir a evasão escolar.

4.3. O docente no centro do processo

Já há algum tempo a literatura sobre formação de educadores de jovens e adultos vem

centrando seus diagnósticos, críticas e recomendações nas condições inadequadas de

formação e trabalho docente junto a esta faixa etária (UNESCO. OREALC, 1988, p. 28;

BRASIL. MEC, 1990a, p.7; BRASIL. MEC, 1994, p. 15).

É provável que a maior virtude do caso estudado resida na "aposta" que o sistema

municipal de ensino vem realizando na centralidade do papel docente como instrumento de

melhoria da qualidade da EBJA. Não se trata propriamente de uma "inovação" em política

educacional, de vez que os instrumentos e recursos empregados são largamente conhecidos:

de um lado, a profissionalização do magistério, de outro, a busca constante da autonomia

profissional.

"Es necesario establecer políticas nacionales de formación de docentes en las

quales se contemple una formación general y integral. Esto significa que la

profesionalización del educador de adultos deve ser vista en el marco de la

formación del conjunto de los docentes de nivel básico. La formación del

educador de adultos puede concebir-se como una especialización. Esta

formación específica en educación de adultos debe asumir, a su vez, una

integralidad que le permita compreender el contexto social, cultural,

económico y político en que el adulto y el joven se desenvuelven, además de

los elementos epistemológicos y metodológicos necesarios.

La noción de profesionalización fue entendida en un doble sentido: por un

lado, implica una formación rigurosa que permite disponer de un docente

debidamente preparado para coordinar procesos de aprendizaje y

vinculándose con el conjunto de elementos que constituyen el desarollo local;

y por otro lado, supone un reconocimiento social, formalizado y legalizado por

el Estado, al ejercício profesional de la educación con adultos. Tal

reconocimiento debería tener, a su vez, un impacto positivo en lo que se refiere

a la estabilidad y dedicación del educador a su trabajo en la EBA.

La profesionalización supone, por otra parte, garantizar al docente

condiciones materiales y pedagógicas adecuadas de trabajo. Esto implica un

sistema de remuneraciones y de estabilidade laboral que le permita convertir

el trabajo docente con adultos en una opción profesional a la qual puede

dedicarse plenamente y perfecionar-se adecuadamente." (UNESCO.

OREALC, 1988, p. 28-9)

Em Porto Alegre, a estratégia de profissionalização docente resulta da combinação de

exigências mínimas de formação (critérios de recrutamento e seleção) e oferta de condições

básicas de trabalho profissional (regime de contratação + política salarial + plano de

carreira), mediadas por uma política de formação permanente em serviço desenvolvida no

interior da jornada de trabalho que se confunde com a sistemática de orientação e

supervisão pedagógica.

Porto Alegre recruta e seleciona seus professores por meio de concursos públicos

específicos para a EBJA, em que é exigida habilitação para o magistério em nível de 2º grau

e domínio de uma literatura pedagógica dirigida ao grupo social e etário a que o SEJA se

destina. A escolaridade predominante dos docentes excede o mínimo exigido

(correspondendo a uma tendência geral naquele Estado45). Os professores mantêm vínculo

de trabalho que lhes assegura estabilidade no emprego e desfrutam dos benefícios de um

plano de carreira. Sem dúvida, os salários percebidos não são suficientemente elevados para

que os docentes deixem de acumular outras ocupações, porém superam a média das

remunerações pagas em outras redes de ensino, o que os torna competitivos no mercado de

trabalho do magistério. Assim, pode-se afirmar que a administração municipal assegurou

padrões mínimos de profissionalização docente.

Designamos por autonomia profissional uma síntese das qualificações ideais do professor

projetadas pela literatura sobre formação de educadores, dentre as quais destacam-se:

identificação com uma referência utópica ordenadora dos objetivos gerais da educação;

consciência e compromisso com sua função social no espaço público; domínio dos

conhecimentos científicos das disciplinas que compõem o currículo, dos métodos de ensino

e das teorias pedagógicas que os informam; curiosidade intelectual e espírito investigativo;

capacidade de iniciativa e criatividade; facilidade de comunicação; sensibilidade e

desenvoltura para estabelecer relações inter-pessoais e coordenar atividades em grupos.

Enquanto coleção de atributos ideais, a autonomia profissional é menos um pré requisito

que uma meta da política de formação em serviço.

Embora a pequena representatividade das amostras e a escassez de dados avaliativos nos

impeçam de proceder generalizações, os dados qualitativos reunidos ao longo do estudo

oferecem indicações de que o professorado do SEJA conquistou um grau significativo de

autonomia: em sua maioria, encontramos professoras ética e politicamente compromissadas,

sensíveis às temáticas sociais, capazes de solucionar com criatividade os desafios cotidianos,

45 Dados oficiais da rede estadual gaúcha para 1991 indicavam que apenas 19,31% do magistério possuía

habilitação de 2º grau, enquanto 57,24% eram licenciados em curso superior (pleno ou de curta duração0 e

23,43% possuíam curso de pós graduação (BULHÕES : ABREU, 1992, p. 132).

motivadas para aperfeiçoar sua formação e a qualidade do trabalho pedagógico. Nossa

hipótese é de que essas qualificações resultam do elevado investimento realizado na

formação em serviço, à qual dedica-se 40% da jornada semanal de trabalho remunerado e a

assessoria técnico-pedagógica de equipes especialmente dedicadas, na proporção de um

assessor para cada grupo de 15 a 20 professores. Esse padrão de investimento na formação

em serviço dos professores eleva os custos do serviço educacional e denota a transferência

de encargos das instituições de formação do magistério para os serviços de escolares.

"Pelas características da formação do docente no Brasil, a habilitação para o

magistério não assegura o desenvolvimento de competências específicas para

a educação de adultos, encargo este transferido aos programas de

atendimento.

Condicionados pela posição secundária ocupada pela EBJA nas políticas de

ensino fundamental e premidos pelo imenso contingente de jovens e adultos

por atender, os programas de EBJA vêem-se obrigados a despender parcela

significativa de seus escassos recursos financeiros na sofisticação dos sistemas

de planejamento, supervisão e acompanhamento pedagógico, convertidos em

sistemas de formação permanente de professores em serviço.

Em última instância, este processo configura um desvio de funções que

caberiam às universidades e ao sistema de formação do magistério para os

serviços de atendimento educacional, a quem caberia oferecer não a formação

básica, mas as condições de trabalho e remuneração docente que

assegurassem a profissionalização do educador de adultos. Assim, ainda que

seja repetitivo fazê-lo, cabe recomendar ao sistema de formação básica de

professores que assuma o encargo de prepará-los adequadamente para a

docência em EBJA e, às universidades em particular, que fomentem a pesquisa

educacional e disseminem as inovações pertinentes a este campo do

conhecimento pedagógico.

Enquanto isto não ocorre, devemos reconhecer que, hoje, o laboratório mais

fecundo de reflexão pedagógica sobre a EBJA no Brasil localiza-se nos

próprios programas de atendimento. A renovação pedagógica e o

adensamento do conhecimento sobre a educação de adultos no Brasil, hoje,

requer o registro, sistematização, intercâmbio e análise dessas experiências

em curso, especialmente aqueles instalados na esfera municipal e não

governamental." (DI PIERRO, 1995b, p. 16)

5. Impasses não solucionados

5.1. Ampliação da cobertura escolar, financiamento e cooperação no setor público

Pelo exposto nos tópicos anteriores, fica patente que o primeiro impasse que as

administrações municipais têm por solucionar no campo da EBJA ainda é o da expansão

quantitativa de vagas.

A ampliação do atendimento depende, preliminarmente, de um aporte maior de recursos

para esta modalidade de ensino, o que transpõe o debate para o terreno do financiamento da

educação. Onde obter os recursos necessários à ampliação do atendimento em EBJA? Na

atual conjuntura, descarta-se a hipótese de ampliação das vinculações consititucionais para

a educação, de vez que a saúde pública tem evidente prioridade neste terreno. Frente ao

ímpeto reformista liberalizante do Governo Federal e do Congresso, a conjuntura presta-se

mais a uma política de resistência em defesa das conquistas obtidas em 1988 que a ousadias

no terreno do financiamento da educação. Os precários dados de financiamento disponíveis

indicam que os municípios podem alocar recursos adicionais para a EBJA provenientes de

seu próprio orçamento, simplesmente cumprindo com maior rigor a determinação

constitucional de aplicação mínima em educação de 25% das receitas oriundas de impostos

e transferências, o que não vem ocorrendo até o presente momento. Como vimos, porém, o

problema é ainda mais complexo, de vez que o movimento geral de descentralização

educativa tende a impor aos municípios encargos crescentes também em outras modalidades

e níveis de ensino, estabelecendo-se concorrência entre eles pelos recursos municipais. Uma

solução mais adequada para este problema demandaria um amplo pacto de cooperação

entre as esferas de governo para a descentralização educativa, que fixasse a transferência

proporcional de encargos e recursos, o que implica ampliar também nas esferas federal e

estadual o montante destinado à EBJA, hoje situado em patamares irrisórios. Isso só será

possível com a reversão da tendência atual de perda de importância relativa da EBJA no

interior das políticas educacionais, o que depende da produção de um novo consenso sobre

o tema.

Por outro lado, observa-se uma indefinição na divisão de encargos das esferas estadual e

municipal no atendimento de jovens e adultos. O conceito legal de ensino fundamental

obrigatório - cuja responsabilidade pública é compartida por estados e municípios -

corresponde ao 1º grau completo. Assim como Porto Alegre, a maioria dos municípios que

mantêm programas de EBJA têm demonstrado capacidade técnica e financeira para assumir

os encargos do primeiro segmento do 1º grau; suas incursões nas séries finais são raras e

quantitativamente inexpressivas46. Subjaz a estas práticas o entendimento de que caberia

aos estados assegurar a continuidade de estudos até a conclusão do 1º grau. Essa divisão de

encargos, porém, não corresponde a um consenso estabelecido, não está fixada em lei e

sequer foi pactuada entre as esferas de governo.

Outras instituições públicas das quais se esperaria a cooperação para a promoção da EBJA

são os centros de formação do magistério - de 2º e 3º graus. Ao omitir-se na preparação

inicial dos educadores para participarem da EBJA, as instituições de formação de

educadores transferem para os serviços de atendimento pesados encargos de formação em

serviço, conforme observado no tópico 4.3.

5.2. Lógica burocrática do Estado versus educação popular

Na essência do paradigma da educação popular reside a idéia de que os educandos são

atores sociais e agentes da história; a ela o construtivismo acrescentou a idéia de que os

educandos são também sujeitos ativos nos processos de construção e aquisição do

conhecimento. No caso de Porto Alegre, há indicações de que o ideário da educação

popular, enriquecido e atualizado pelo construtivismo, penetrou na política municipal de

EBJA pelas mãos do Partido que ocupa o poder, constituindo-se em um dos referenciais

teórico-práticos fundamentais ao desenho do programa. Os resultados do estudo

demonstram, porém, que este processo não ocorre sem contradições. Ao contrário, há uma

tensão permanente entre os impulsos de flexibilização e participação fomentados pelo

ideário da educação popular e a rigidez burocrática da organização governamental.

46 Em pesquisa realizada em 1994, de 60 municípios que mantinham programas de EBJA, 36% possuiam

serviços correspondentes às séries finais do 1º grau.

As políticas sociais públicas se produzem na interação entre a sociedade e o Estado,

mediadas pelas burocracias governamentais, que detêm autonomia relativa. A disputa

existente no interior da sociedade civil pelas orientações das políticas se reproduz no

interior da burocracia governamental, que nela introduz fatores relacionados à sua lógica

interna. A política educacional do partido que ocupa o governo municipal pela via eleitoral

só se expressa como orientação de ação movida pela vontade política de seus agentes na

burocracia governamental. Essa vontade política, porém, se defronta com resistências

instaladas no próprio aparato governamental. Entre os impulsos de democratizar o acesso à

escola e estreitar suas relações o entorno social e as ações políticas correspondentes,

interpõem-se procedimentos convencionais, regras burocráticas e leis que restrigem e

moldam a ação governamental. A somatória dessas decisões que isoladamente podem

parecer irrelevantes, vão dando forma e conteúdo à oferta educacional pública.

Segundo Offe (1984), a solução dessa tensão indica em uma dupla direção: de um lado, a

mudança dos critérios de racionalidade da ação político-administrativa, convertendo seu

funcionamento de um modelo legal-burocrático para um modelo social-estatal em que a

eficiência deixe de ser definida pelo respeito estrito às regras e passe a referir-se

principalmente à realização das funções; de outro, a ampliação do controle social sobre o

sistema educacional, com a crescente participação dos atores (em especial dos usuários - os

alunos) na sua gestão administrativa e pedagógica, de modo a produzir consensos e

desencadear comportamentos de base cooperativos em relação aos fins da ação político-

administrativa.

"(...) a administração moderna (...) é antes de mais nada uma administração

planejadora que programa, ela própria, as instituições jurídicas das quais

necessita, e que só parcialmente é programada pela forma jurídica. Por isso

mesmo, ela depende do nível infra legal da formação do consenso, como

instância à qual pode recorrer, e como fonte de suas legitimações. Isto é

válido, antes de mais nada, em relação a sua clientela. Por isso defendo a tese

de que a administração pública se vê hoje em muitos de seus campos de

atuação com uma situação em que a execução de planos e funções estatais não

pode mais ser assumida unicamente pela administração. O próprio cidadão e

suas organizações sociais assumem uma função executiva." (OFFE, 1984, p.

228)

Na SMED de Porto Alegre observa-se a persistência de certa dicotomia na ação político-

administrativa: o Partido que ocupa o governo e seus agentes na burocracia são portadores

da intencionalidade política em direção aos fins da ação sócio-educativa, enquanto o

funcionamento ordinário da máquina governamental é regido predominantemente pela

lógica legal-burocrática, que tende a delimitar territórios intangíveis às políticas

governamentais e aos processos participativos de gestão. Embora selecionados por

concursos, os trabalhadores da educação têm seu trabalho regido por um estatuto

característico do modelo legal burocrático, o que lhes faculta preservar interesses

corporativos independentemente da avaliação de seu desempenho em relação aos fins da

educação. Neste quadro, a qualidade da ação político-administrativa fica condicionada à

produção de uma cultura social estatal, cujos instrumentos privilegiados são a formação em

serviço dos trabalhadores da educação e a democratização da gestão do sistema

educacional.

Como vimos ao longo do estudo, a municipalidade de Porto Alegre investiu fortemente na

formação dos educadores e no exercício participativo da ação administrativa, criando

mecanismos de gestão democrática do orçamento municipal e do sistema educacional.

Entretanto, a escassez e reduzida difusão de informações básicas sobre o investimento e o

desempenho do sistema educacional retira da população instrumentos fundamentais de

avaliação dos serviço público, o que restringe a produção e difusão de uma cultura social

estatal da ação político-administrativa.

6. Recomendações finais

Os resultados o estudo nos autorizam formular algumas indicações para os gestores de

políticas educacionais públicas (em especial para a administração municipal de Porto

Alegre) e suas muitas lacunas nos estimulam sugerir questões para pesquisas futuras.

6.1. Quanto às políticas públicas de EBJA

Seria recomendável que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em

tramitação no Congresso, exprimisse um conceito de EBJA que, ao invés de reduzí-la

à instrução primária em caráter compensatório, assegurasse a identidade própria e a

necessária flexibilidade desta modalidade educativa.

A legislação federal deveria ainda fixar com maior nitidez a divisão dos encargos da

EBJA pelas esferas de governo, indicando as competências específicas em relação a

ambos os segmentos do ensino fundamental. Em nosso entendimento, as esferas

municipal e estadual de governo deveriam atuar articulada e cooperativamente na

oferta de ensino fundamental à população jovem e adulta, cabendo prioritariamente

aos municípios o segmento correspondente às séries iniciais e aos estados as séries

finais do 1º grau, ficando ao encargo da União cooperar técnica e financeiramente com

ambas as esferas no exercício da função equalizadora das desigualdades regionais.

É urgente ampliar os meios de financiamento da EBJA nas três esferas de governo, o

que poderia ser realizado imediatamente, no interior do Projeto de Lei que institui o

Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério,

seja através da reserva de um percentual mínimo de aplicações (tal como estabelecido

no FNEP - Fundo Nacional do Ensino Primário - em 1945), seja pelo condicionamento

das transferências ao cumprimento de metas de atendimento fixadas no Plano Nacional

de Educação (a ser estabelecido nos termos da Constituição).

As determinações legais em vigor têm sido inoperantes para induzir as instituições de

formação docente a incorporar nos respectivos currículos a teoria e prática da EBJA.

Seria, pois, recomendável, instituir mecanismos adicionais de indução político-

pedagógica e incentivo econômico à incorporação dos conteúdos da EBJA na

formação inicial e continuada do magistério, assim como na pesquisa educacional.

6.2. Quanto ao SEJA de Porto Alegre

As exigências sociais de democratização do acesso à educação básica impõem à

SMED de Porto Alegre a ampliação do atendimento propiciado pelo SEJA em níveis

compatíveis com a demanda potencial por EBJA. Para realizá-lo, a PMPA necessitará

não só ampliar os recursos materiais e humanos próprios dedicados a este nível e

modalidade de ensino, como desenvolver os mecanismos de cooperação com as

demais esferas de governo, os centros de formação do magistério e as organizações da

sociedade civil, visando à obtenção de recursos adicionais e à racionalização das

despesas efetuadas.

Os estudos demonstram que a democratização do acesso e permanência na EBJA não

se esgota na ampliação da oferta tipicamente escolar para atender às demandas

individuais explícitas na busca de matrículas, mas implica também acionar a demanda

potencial que não se manifesta em virtude de múltiplos mecanismos de exclusão

vigentes na sociedade brasileira contemporânea. Caberia, pois, divulgar o SEJA nos

meios de comunicação de massa, bem como estimular e atender demandas educativas

coletivas, instituindo programas informais e/ou altamente flexíveis nos locais de

trabalho e moradia, em parceria com sindicatos, empresas, organizações religiosas e

comunitárias, bem como ampliar as iniciativas dirigidas a segmentos sociais específicos

prejudicados no acesso à educação (a exemplo da Escola Porto Alegre).

Os dados do estudo oferecem indicações de que a consolidação da inserção orgânica

da EBJA no sistema municipal de ensino de Porto Alegre exigiria maior integração do

SEJA às unidades escolares e, conseqüentemente, maior descentralização da sua

gestão político-pedagógica. A preservação da identidade e especificidade da EBJA,

porém, recomenda preservar instância própria de coordenação de recursos materiais e

humanos, dos processos de seleção, formação e acompanhamento pedagógico da

atividade docente, produção de materiais pedagógicos, etc.

A avaliação da qualidade do SEJA requer, preliminarmente, a produção de estatísticas

que permitam mensurar o fluxo e rendimento escolar de seus educandos e,

posteriormente, pesquisar os fatores intra e extra escolares que determinam a evasão

ou permanência e a progressão ou fracasso no sistema de ensino. Seria recomendável

ainda que fossem avaliados os resultados do processo de ensino por meio de

instrumentos de pesquisa que permitissem aferir a relevância pessoal e social das

aprendizagens realizadas. A transparência dessas informações é requisito fundamental

para uma participação qualificada dos usuários e da sociedade na gestão dos serviços

educativos, de modo a produzir um consenso positivo sobre a prioridade da EBJA no

interior da política educacional.

A necessária flexibilização das práticas educativas consoantes o paradigma da

educação popular implica integrar as lógicas social-estatal e legal-burocrática de ação

político-administrativa, o que requer, ao lado da persistência nas políticas de gestão

participativa e formação dos trabalhadores da educação, sejam adotadas políticas de

avaliação de seu desempenho e de agilização e desburocratização do funcionamento

ordinário da SMED.

6.3. Questões para pesquisas futuras

O caráter exploratório de nosso estudo deixou muitas lacunas por preencher e propôs

questões para investigações futuras, algumas das quais enunciamos a seguir:

A discussão que empreendemos em torno das relações entre os processos de

descentralização do ensino fundamental e a municipalização da EBJA ensejou a

hipótese da concorrência intra-níveis e modalidades de ensino (pré escolar e

fundamental de crianças, adolescentes, jovens e adultos) nos sistemas educacionais dos

municípios. Como tais processos são bastante recentes, esta hipótese emergente

mereceria investigação empírica.

O SEJA de Porto Alegre ensaia uma síntese inovadora entre o paradigma pedagógico

da educação popular e o construtivismo sócio-interacionista. A natureza de nosso

estudo, que não penetrou no cotidiano da sala de aula e sequer debruçou-se sobre as

metodologias de ensino-aprendizagem, não permitiu aferir a intensidade e as formas

que a assunção de tais preceitos teórico-metodológicos assumiram no processo

pedagógico. Como a EBJA se ressente de marcos teórico-metodológicos atualizados,

este seria um dos temas relevantes para pesquisas futuras.

A tese de Messina (1993) de que as características da oferta determinam o perfil da

demanda nos parece fecunda para explicar os filtros seletivos que se interpõem entre a

demanda potencial e efetiva por EBJA, porém mereceria investigação específica para

confirmar-se no contexto brasileiro e explicar alguns de seus fenômenos particulares

(tais como aquele que identificamos na amostra de estudantes pesquisados em Porto

Alegre, da pequena incidência da faixa etária de 25 a 35 anos).

***

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***

Anexo 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM DIRIGENTES

1. Historiar participação no Seja

contexto histórico-político

papel ocupado/posição na estrutura de poder

ênfases da ação

gestão do programa (expansão, organização, financiamento, etc)

desenho pedagógico e formação dos educadores

relação com agentes/atores (professores, alunos, comunidade, etc)

2. Avaliação

apontar aspectos positivos (principais avanços) ; justificar

apontar aspectos negativos (principais entraves) ; justificar

3. Questionar sobre identidade com ideário da educação popular

exprimir conceito

participação popular

pressão por atendimento de demanda

participação na gestão

participação na conformação do saber veiculado

valorização e incorporação do saber popular

relação dialógica educador-educando

conscientização/ relação política/conhecimento

relação com movimentos sociais (autonomia X cooptação)

formação do educador (competência técnica + política)

mudança em métodos de gestão/ fluxo de relações hierárquicas de poder

Anexo 2 -ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PESSOAL TÉCNICO

1. Quais são, na percepção de vocês, os objetivos do SEJA?

2. Que percepção vocês têm dos alunos (dos pontos de vista social, cognitivo e cultural)?

3. Que fontes e critérios vocês utilizam para orientar o currículo e a metodologia do ensino

do SEJA?

4. Que concepção informa a orientação que vocês realizam sobre a relação professor-aluno?

Como vocês concretizam essa orientação?

5. De que maneira vocês participam da gestão do SEJA (na formulação de suas diretrizes e

nas definições das formas de sua organização)?

Qual o grau de autonomia que vocês têm e como são as relações com as demais

instâncias da administração?

Professores e alunos participam da gestão do SEJA? Como?

6. Quais as principais dificuldades que vocês identificam no trabalho?

7. Vocês têm vínculos/contatos com os movimentos sociais do município? De que ordem?

Em que medida isso incide sobre a orientação do programa?

Anexo 3 - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DO PESSOAL TÉCNICO

1. Local de moradia

Porto Alegre

Outro município - Especificar: _____________________________________________

2. Idade

até 25 anos

+ 25 a 30 anos

+ 30 a 35 anos

+ 35 a 40 anos

+ de 40 anos

3. Sexo

Feminino Masculino

4. Estado civil

Solteira/o Casada/o ou outra forma de união estável Outra

5. Número de filhos

Nenhum 1 2 a 3 mais de 3

6. Escolaridade

2º grau

Magistério 2º grau

Superior incompleto Especificar: _______________________________________

Superior completo Especificar: _______________________________________

Pós graduação incompleto Especificar: _________________________________

Pós graduação completo Especificar: _________________________________

7. Tempo de exercício de atividades docentes

Menos de 2 anos

2 a menos de 5 anos

5 a menos de10 anos

10 anos ou mais

8. Período em que ingressou no SEJA

- 1989-1992

- 1993-1995

9. Ao ingressar, sua função era:

Docente Técnica Outra Especificar: ___________________________

10. Teve experiência profissional anterior ao Seja em educação de adultos?

Não Sim Qual/quais? ____________________________________________

11. Tem outras atividades profissionais?

Não

Sim - Especificar: ____________________________ Jornada semanal (horas): ______

12. Atividades que desenvolve Habitual/e Ocasional/e Raram/e

Visita às salas de aula

Orientação individual dos professores

Reuniões pedagógicas com grupos de professores

Reuniões pedagógicas gerais dos professores

Leituras individuais

Reuniões da equipe técnica

Preparação de subsídios teóricos para professores

Preparação de materiais didáticos

Provimento de meios auxiliares de ensino

Preparação de eventos (torneios, festas etc)

Controle administrativo dos professores

Atividades de secretaria

Resolução de problemas disciplinares de alunos

Resolução de problemas com funcionários

Resolução de problemas de infraestrutura

Resolução de problemas com merenda

Mencione outras atividades que desenvolve e foram omitidas acima:

_________________________________________________________________________

13. Especialização

Você tem alguma especialização ou tem se dedicado a uma área de conhecimento específica

(língua, matemática, ciências sociais ou naturais, artes, educação física)?

Não Sim - Especificar:____________________________________________

14. Mencione os principais livros e/ou autores que influíram na sua formação enquanto

educador._________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

15. Mencione o(s) fator(es) que influíram em sua opção de trabalho pela educação básica de

jovens e adultos.

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

Anexo 4 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PROFESSORES

1. Qual o seu principal objetivo no trabalho educativo realizado no SEJA?

2. Como vocês caracterizariam seus alunos (do ponto de vista social, cultural e cognitivo)?

3. Quais critérios vocês utilizam para selecionar os conteúdos de ensino?

4. Quais as dinâmicas que vocês empregam mais freqüentemente em sala de aula?

5. Quais são as formas pelas quais os alunos participam do processo de ensino-

aprendizagem e da organização do SEJA?

6. É comum na sala de aula vocês se confrontarem com questões de valores, éticas e

morais? Em caso positivo, qual a postura que adotam?

7. A comunidade em que a escola está inserida influi de alguma maneira na dinâmica do

trabalho? Como?

8. Vocês acham que o trabalho cotidiano em sala de aula tem alguma dimensão política? Em

caso positivo, qual/quais? Por que?

9 Vocês participam de algum movimento social ou político em Porto Alegre? Qual/quais?

Como se dá essa participação? Em que medida isso influi no processo de ensino

aprendizagem do SEJA?

10. Como vocês vêem o processo de formação do educador em serviço desenvolvido no

SEJA? Quais suas maiores virtudes e limites? Que sugestões têm para seu aperfeiçoamento?

11. Quais são as maiores limitações e entraves que vocês encontram para desenvolver seu

trabalho?

Anexo 5 - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES

1. Local de moradia

Porto Alegre Outro município: ________________________________

2. Idade

até 25 anos + 25 a 30 + 30 a 35 + 35 a 40 + de 40 anos

3. Sexo

Feminino Masculino

4. Estado civil

Solteira/o Casada/o ou outra forma de união estável Outra

5. Número de filhos

Nenhum 1 2 a 3 mais de 3

6. Escolaridade

2º grau

Magistério 2º grau

Superior incompleto Especificar: _______________________________________

Superior completo Especificar: _______________________________________

Pós graduação Especificar: _______________________________________

7. Tempo de exercício de atividades docentes

- de 2 anos 2 a - de 5 anos 5 a - de10 anos 10 anos ou +

8. Período em que ingressou no SEJA

1989-1992 1993-1995

9. Regime de contratação

Concursado/estável Não concursado/contrato

10. Teve experiência profissional anterior ao Seja em educação de adultos?

Não Sim Qual/quais? _______________________________________

11. Tem outras atividades profissionais?

Não

Sim Especificar:__________________________ Jornada semanal (horas): _____

12. Mencione os principais livros e/ou autores que influíram na sua formação enquanto

educador.

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

13. Mencione o(s) fator(es) que influíram em sua opção de trabalho pela educação básica de

jovens e adultos.

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

14. Atividades que desenvolve Sempre Às vezes Raramente

Planejamento de aulas

Preparação de materiais didáticos

Reuniões pedagógicas com grupos de professores

Reuniões pedagógicas gerais dos professores

Leituras individuais

Pesquisa de meios auxiliares de ensino

Preparação de eventos (torneios, festas etc)

Cursos de atualização

Resolução de problemas disciplinares de alunos

Atividades de secretaria

Resolução de problemas com merenda

Resolução de problemas de infraestrutura

Atividades comunitárias

Mencione outras atividades que desenvolve e foram omitidas acima:

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

Anexo 6 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM ALUNOS

1. Quais os motivos que os levaram a procurar no SEJA? Quais são os seus objetivos com o

estudo?

2. Esses objetivos vêm sendo satisfeitos no SEJA? Sim, não, em que medida?

3. No SEJA há diálogo entre os alunos e o professor? Em caso positivo, como se dá esse

diálogo?

4. Vocês são jovens/adultos com bastante experiência de vida, o que lhes deu uma série de

conhecimentos. Esses conhecimentos são partilhados no dia a dia da sala de aula? Em caso

positivo, como isso ocorre?

5. Os assuntos da sua comunidade, da sua categoria profissional, ou da cidade são tratados

na sala de aula? Em caso positivo, esse tratamento é satisfatório? Por que?

6. Os assuntos políticos, econômicos, sociais e culturais brasileiros são tratados em sala de

aula? Em caso positivo, esse tratamento é satisfatório? Por que?

7 Os alunos do seja são unidos? Vocês se organizam de alguma maneira?

8. Vocês participam do Conselho da Escola ou de alguma outra instância de decisão da

política da Prefeitura?

9. Vocês têm propostas para melhorar a educação no município?

Anexo 7 - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DOS ALUNOS ENTREVISTADOS

1. Local de nascimento: Município _______________________ Estado ____________

2. Local de moradia

Porto Alegre Outro município- Especificar: ___________________________

3. Idade

até 25 anos +25 a 30 + 30 a 35 + 35 a 40 + de 40 anos

4. Sexo

Feminino Masculino

5. Estado civil

Solteira/o Casada/o ou outra forma de união estável Outra

6. Número de filhos

Nenhum 1 2 a 3 mais de 3

7. Emprego

Empregado Setor formal Setor informal

Ocupação atual ____________________________________

Dona de casa ou outro trabalho doméstico não remunerado

Desempregado

8. Profissão ___________________________________________________________________

9. Renda mensal

menos de 1 salário mínimo

1 salário mínimo

+ 1 a 2 salários mínimos

mais de 2 salários mínimos

10. Escolaridade anterior

Menos de 1 ano Escola regular na zona rural

1 a 2 anos Escola regular na zona urbana

2 a 3 anos Mobral

mais de 3 anos Outro - Especificar _____________________

11. Escolaridade no SEJA

Termo de ingresso: _________________ Termo atual: _______________________________

Anexo 8 - CARACTERIZAÇÃO DAS PROFESSORAS ENTREVISTADAS

(tabulação do questionário)

Total de entrevistados = 5 = 100%

1. Local de moradia: Porto Alegre = 5 = 100%

2 .Faixa etária Freqüência %

até 25 anos 0 0

+ 25 a 30 anos 0 0

+ 30 a 35 anos 2 40

+ 35 a 40 anos 1 20

+ 40 anos 2 40

3. Sexo: Feminino = 5 = 100%

4. Estado civil Freqüência %

Solteira 3 60

Casada 1 20

Outra 1 20

5. Nº de filhos Freqüência %

Nenhum 2 40

1 2 40

2 a 3 1 20

+ de 3 0 0

6. Escolaridade Freqüência % Especificação

Superior completo 2 40 C. Sociais; Pedagogia

Pós graduação 3 60 Metod. Ensino Superior; Educ. Especial; Literatura

7. Tempo de exercício docente Freqüência %

- 2 anos 0 0

2 a - 5 anos 1 20

5 a - 10 anos 1 20

+ de 10 anos 3 60

8. Ingresso no Seja Freqüência %

1989-1992 0 0

1993-1995 5 100

9. Regime de contrato Freqüência %

Concursado/estável 3 60

Não concursado/contratado 1 20

Não concursado/estável47 1 20

10. Experiência anterior em EBJA Freqüência %

Sim 0 0

Não 5 100

11. Outras ativ. prof. Freqüência % Especificação

Sim 5 100 Ed. especial 40 h; Ens. regular (2) 60h/20h; CAT 20h

Técnico hospitalar 30 h;

Não 0 0

12. Principais livros e autores que influenciaram formação

Autores mencionados48 Menções % Menções % Respondentes Obras citadas

Paulo Freire 5 27,77 100

Jean Piaget 4 22,22 80

Emília Ferreiro 2 11,11 40

Ana Teberoski 2 11,11 40

Lev Vygotsky 1 5,55 20

Luria 1 5,55 20

Carl Rogers 1 5,55 20

Moacir Gadotti 1 5,55 20

Alexandre Dumas 1 5,55 20 David Coperfield

Total 18 - -

13. Fatores que influenciaram a opção por EBJA:

Oportunidade de vivenciar novas experiências/ Experiência com outra faixa etária/ Havia

decidido deixar de trabalhar com pré escola, educação de adultos era a 2ª opção e foi

uma surpresa agradável/

Um trabalho pertinente com minhas concepções sobre educação

Trabalho importante para o desenvolvimento sócio-cultural do Brasil

47 Esta alternativa não existia no questionário. Entretanto, a SMED de Porto Alegre efetivou professores

não concursados, o que gerou a situação acima descrita. 48 Não houve menção a obras, apenas a autores.

14. Atividades que desenvolve Sempr

e

% Às

vezes

% Rara/e % Nunca %

Planejamento de aulas 5 100 0 0 0 0 0\ 0

Reuniões pedagógicas c/ grupos de profs. 5 100 0 0 0 0 0 0

Preparação de materiais didáticos 4 80 1 20 0 0 0 0

Leituras individuais 4 80 1 20 0 0 0 0

Reuniões pedagógicas gerais dos professores 3 60 2 40 0 0 0 0

Cursos de atualização 3 60 2 40 0 0 0 0

Pesquisa de meios auxiliares de ensino 3 60 1 20 0 0 1 20

Atividades comunitárias 3 60 0 0 1 20 1 20

Preparação de eventos (torneios, festas) 0 0 4 80 1 20 0 0

Resolução de problemas disciplinares alunos 1 20 1 20 1 20 2 40

Atividades de secretaria 0 0 2 40 2 40 1 20

Resolução de problemas de infra estrutura 0 0 2 40 1 20 2 40

Resolução de problemasde merenda 0 0 1 20 2 40 2 40

Outros: participação no Conselho Escolar (2); trabalhos extra-classe -visitas, passeios (1); participação na

Constituinte Escolar (1).

Anexo 9 - PERFIL DA EQUIPE TÉCNICA (GAP)

Total de entrevistados = 8 = 100%

1. Local de moradia: Porto Alegre = 8 = 100%

2. Idade Nº %

- 25 anos 1 12,5

25 a 30 anos 3 37,5

30 a 35 anos 3 37,5

35 a 40 anos 0 -

+ 40 anos 1 12,5

3. Sexo: Feminino = 8 = 100%

4. Estado civil Freqüência %

Solteiras 1 12,5

Casadas 7 87,5

5. Nº de Filhos Freqüência %

Nenhum 4 50

1 2 25

2 a 3 2 25

+ de 3 0 -

6. Escolaridade Freqüência % Cursos citados

Superior completo 1 12,5 Pedagogia, Letras, C. Sociais

Pós graduação incompleto 1 12,5 Letras

Pós graduação completo 6 75 Educ. Adultos 3; Alfab 2; Adm. Escolar

1

7. Tempo de exercício docente Freqüência %

- 2 anos 0 -

2 a - 5 anos 0 -

5 a - 10 anos 4 50%

10 anos e + 4 50%

8. Período de ingresso no SEJA Freqüência %

1989-1992 5 62,5

1993-1995 3 37,5

9. Função no ingresso: Docente = 8 = 100%

10. Experiência anterior em EDA Freqüência % Tipo

Não 6 75

Sim 2 25 CES, assessoria ao movimento

popular

11. Outras ativ. profis. Freqüência % Tipos

Não 4 50

Sim 4 50 Docência escola regular 20h; coordenação

pedagógica escola regular 20h; assessoria

pedagógica SMED 20h; rede estadual

Trata-se de um grupo exclusivamente feminino, com idades predominando entre os 25 e os

35 anos e, ainda que a ampla maioria esteja casada, metade dela não têm filhos. Possuem

elevada escolaridade, sendo que 3/4 já concluiu curso de pós graduação e mais de 1/3 fez

especialização em educação de jovens e adultos, embora apenas 25% delas tenha tido

experiência anterior nesta modalidade de ensino. Ainda que algumas tenham especialização

em alguma das áreas do conhecimento, a maioria são pedagogas. São docentes experientes,

todas com mais de 5 anos de magistério e metade delas com mais de 10 anos de exercício

docente. A maioria ingressou no Seja já na primeira gestão e metade delas acumula a

jornada no Seja com outra atividade de ensino ou pedagógica nas redes públicas municipal

ou estadual.

12. Atividades que desenvolve Habitual % Ocasional % Rara % Nunca %

Visita às salas de aula 7 87,5 1 12,5 0 0 0 0

Orientação individual dos professores 7 87,5 1 12,5 0 0 0 0

Reuniões pedagógicas c/ grupos de profs. 8 100 0 0 0 0 0 0

Reuniões pedagógicas gerais dos profs. 8 100 0 0 0 0 0 0

Leituras individuais 7 87,5 1 12,5 0 0 0 0

Reuniões da equipe técnica 8 100 0 0 0 0 0 0

Preparação de subsídios teóricos p/ profs. 5 62,5 2 25 0 0 1 12,5

Preparação de materiais didáticos 2 25 1 12,5 0 0 5 62,5

Provim/o de meios auxiliares de ensino 5 62,5 3 37,5 0 0 0 0

Preparação de eventos (torneios, festas) 2 25 0 0 4 50 2 25

Controle administrativo dos professores 1 12,5 7 87,5 0 0 0 0

Atividades de secretaria 0 0 0 0 7 87,5 1 12,5

Resolução problemas disciplinares

alunos

1 12,5 5 62,5 1 12,5 1 12,5

Resolução de problemas c/ funcionários 2 25 1 12,5 3 37,5 2 25

Resolução de problemas infra estrutura 2 25 5 62,5 1 12,5 0 0

Resolução de problemas de merenda 0 0 2 25 5 62,5 1 12,5

Percebe-se uma forte concentração em atividades especificamente pedagógicas, ainda que

lhes caiba freqüentemente o controle administrativo dos professores e eventualmente

assumam outros encargos administrativos. Dentre as tarefas de orientação pedagógica,

entretanto, não é comum que o GAP assuma a preparação de materiais didáticos.

13. Especialização Freqüência % Áreas do Conhecimento

Não 5 62,5

Sim 3 37,5 Língua Portuguesa (2), Ciências Sociais (1)

14. Autores49 Menções % Menções % Respondentes

Paulo Freire/ Emília Ferreiro 8 14,54 100

Jean Piaget 7 12,72 87,5

Vygotsky/ Ana Teberoski/ Miguel Arroio 4 7,27 50

Madalena Freire 3 5,45 37,5

Alícia Fernandez/ Antonio Gramsci/

Baktin/ Bertold Brecht/ Carlos Brandão/

Constance Kammii/ Eni Orlandi/ Friedrich

Engels/ Gnerre/ Henri Giroux/ Karl Marx/

Márcia Resende/ Mariano Enguita/

Sniders/

2 3,63 25

Total 55 (55) (8)

Na formação destas educadoras, é nítida a dupla influência das matrizes da educação

popular, expressa pela referência unânime a Paulo Freire (e, com menor incidência, a Carlos

Brandão), e da psicologia cognitiva, expressa pelas referências a Emília Ferreiro, Ana

Teberosky, Jean Piaget e Lev Vygotsky. Dentre os nomes menos citados, misturam-se

sociólogos da educação, lingüistas, clássicos do marxismo.

15. Fatores que influíram na opção de trabalho por EBJA:

Por opção política/ Por minha ideologia política e pedagógica / Compromisso político-

pedagógico / Desafio de colaborar com proposta político-pedagógica na qual acredito /

Opção filosófica e político-pedagógica/ A proposta municipal de educação de adultos

Contribuir para que a sociedade possa ser diferente, mais justa, onde todos participem e

sejam considerados realmente cidadãos / Qualificar as classes populares e ser por elas

qualificada pela troca de saberes, no sentido de construir outras referências solidárias,

fraternas, socialmente justas.

Não houve menção a obras, apenas a autores.

Identificação com as classes populares / Identificação com o grupo formado por

trabalhadores / Opção por trabalhar com as classes populares / Trabalho com as classes

populares

Desafio cotidiano / Um novo desafio como pessoa e profissional

Conciliar trabalho (profissão) com participação (atuante)

O curso de Pós Graduação em Educação de Adultos

O trabalho deu nova dimensão à opção pela educação

Inicialmente, foi curiosidade

A elevada motivação para o trabalho com educação de adultos é claramente permeada por

uma intencionalidade política de formação para a cidadania e para a transformação social e

revela forte identidade com os educandos provenientes das classes populares, aos quais se

atribui a posse de um saber válido.