Mario Cesariny - Nobilíssima Visão

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COLECÇÂO POESIA E VERDADE MÁRIO CESARINY nobílíssima visão GUIMARÃES EDITORES

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Mario Cesariny - Nobilíssima Visão

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  • C OLE C O P O E S IA E V E R D A D E

    MRIO CESARINY

    noblssimaviso

    G U I M A R E S E D I T O R E S

  • N o b i l s s i m a Viso

  • D O A U T O R

    Na coleco Poesia e VerdadeNobilssima Viso, l .a edio, 1959, esgotado Planisfrio e Outros Poemas, 1961, esgotado Antologia Surrealista do Cadver-Esquisko, 1961, esgotado Organizao do Volume Poesia, de Antnio Maria Lisboa,

    1962, esgotadoNa coleco Ideia Nova

    Organizao do volume Erro Prprio, de Antnio Maria Lisboa., 1962, esgotadoltimas publicaes:

    A Cidade Queimada arranjo grfico e ilustraes de Cruzeiro Seixas, iEd. Ulisseia,, 1965, esgotado

    A' Interveno Surrealista, Ed. Ulisseia, 1966, esgotado Cruzeiro Seixas, Ed. Lux, 1967, esgotado 19 Projectos de Prmio Aldonso Ortigo seguidos de Poe

    mas de Londres, Ed. Quadrante, 1971 Reimpressos cinco textos oolectivos de surrealistas em por

    tugus de que so autores..., ed. Cruzeiro Seixas e do organizador, 1971, esgotado

    Burlescas, Tericas1 e Sentimentais, Ed. Presena, 1972 Aforismos de Teixeira de Pascoaes, ed:. Cruzeiro Seixas e

    do organizador, 1971, esgotado Poesia de Teixeira de Pascoaes, Estdios Cor, 1972, esgotado As Mos na igua a Cabea no Mar, ed. Joo Pinto de Fi

    gueiredo, 1972, esgotado Iluminaes Uma Cerveja no Inferno, traduzido de

    Rimbaud, Estdios Cor, 1972 Contribuio ao Registo de Nascimento' Existncia e Extino

    do Grupo Surrealista de Lisboa, ed. Cruzeiro Seixas e do organizador, 1974, esgotado

    Jornal do Gato, Resposta a Um Co, ed. Raul Vitorino Rodrigues, 1974

    Traduo e prefcio do livro Os Poemas de Lus Bunuel, de J. F. Aranda, Ed. Arcdia, 1974

  • M A R I O C E S A R I N Y

    seguida de

    Nicolau Cansado Escritorde

    Louvor e Simplificao de lvaro de Campos

    e de

    Um Auto Para Jerusalm

    - BIBLIOTECA UHIVEKSJTRIA

    0032819202

    NO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA

    COLECO POESIA E

    G U I M A R E S & C . a

  • **CUU>AD* U I.CT11AS/UEM0* 'SlBLOT&w^

  • N O T A D O A U T O R

    Diferentemente da primeira edio, em que uma miscelnia de datas de feitura e talvez tambm de intuitos formava o livro, esta segunda edio da Nobilssima Viso inclui s os poemas escritos sob esse ttulo em 191]5-J}6, anps que correspondem a uma leitura do pas real topado pelo autor sada da adolescncia linda mas j desconfiada da terra em que assentara os seus projectos de poesia civil: lrica, inocente: dramtica.

    Naturalmente se juntam a esses versos os textos dos livros Niclau Cansado Escritor, Louvor e Simplificao de lvaro de Campos e Um Auto Para Jerusalm, escritos tambm de

    O que ou como fica assim este livro, a sua, forma natural de ficar, no exclui, como ser bvio, da parte do autor o ter cozido um bolo de inaguertveis horrores: um livro trgico, que o 25 de Abril ainda no removeu e nlguns casos horrivelmente agravou, oxal que to s para formar o abcesso que livre o corpo da infeco geral.

    Outubro de 1975.MRIO CESAR1NY

  • Nobilssima Viso

  • 0 HOMEM EM ECLIPSE

    Ora foi que certo dia o homem eclipsou-se a data digam a data a datazinha faz favor qual data foi por decreto que a gente se eclipsou foi s manobra espertice um dois trs e pronto noite que nem a lua aparea seja de que lado for

  • Uns seguraram-se logo eram espertos bem se viu outros eairam ao mar com cabea pernas e tudo quanto a mim perdi a calma fiquei desaparafusado tradio cultura estilo certeza amigos fatiota tudo fora do seu stio um desaparafuso terrvel

    Segurem-me camaradas sinto pernas a boiar cheiro fantasmas enxofre estou aqui mas posso voar o parafuso da lngua vai partido vai saltar agarrem-me! agarra! prontopari o mais leve que o ar

  • 0 POETA CHORAVA.

    O poeta choravao poeta buscava-se todoo poeta andava de penso em pensocomia mal tinha diarrias extenuantesmas buscava uma estrela talvez a salvaoO poeta era sincerssimohonestototalraras vezes tomava o elctricoem podendovoltavano podendover-se-iatudo mais ou menos a cair de vergonha mais ou menos como os ladres

  • E agora o poeta comeou por rir rir de vs manutensores da afanosa ordem capitalista comprou jornais foi para casa leu tudo quando chegou pgina dos anncios o poeta teve um vmito que lhe estragou as nicas que ainda tinha e ps-se a rir do logro um tanto sinistro mas inevitvel um bem uma ddiva

    Tirai-lhe agora os poemas que ele prprio despreza negai-lhe o amor que ele mesmo abandona caai-o entre a multido crucificai-o de novo mas com mais requinte. Subsistir. pior do que isso.Prendei-o. Viver de tal formaque as prprias grades faro causa com ele.E mat-lo no soluo.O poeta O PoetaO POETA DESTROI-VOS

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  • RUA DA BICA DUARTE BELO

    ESTES PRDIOS SO QUASE DE GRAA diz a tabuleta encarnada gente que passa

    E que s vezes passa uma gente engraada: um estudante sem livros e ao lado um operrio desempregado

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  • PASTELARIA

    Afinal o que importa no a literatura nem a crtica de arte nem a cmara escura

    Afinal o que importa no bem o negcio nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de cio

    Afinal o que importa no ser novo e galante ele h tanta maneira de compor uma estante

    Afinal o que importa no ter medo: fechar os olhos frente ao precipcio

    e cair verticalmente no vcio

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  • No verdade rapaz? E amanh h bola antes de haver cinema madame blanche e parola

    Que afinal o que importa no haver gente com fome

    porque assim como assim ainda h muita gente que come

    Que afinal o que importa no ter medo

  • RUA DA ACADEMIA DAS CINCIAS

    Procurei os teus olhos quis achar nos teus olhos a luz que nos salvasse mas tu no tinhas olhos tinhas platias no Liz no S, Lus e no Terrasse

    Busquei teu corao no desisti primeirateu seio arfava arfava docementepor fora que por baixo que por dentrotinhas um corao terno como gatinhosmas afinal no tinhas corao tinhas um sacocom Jean-Paul Sartre e rendas a cinqenta o metro

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  • Falei a, tua me. Era impossvelo engano, Com certezaque o engano era impossvelmas ela murmurou: saia daqui, senhor,que anda voc a traficar com a minha filha

    De forma que o entrar nas tuas pernas foi como entrar num tribunal de contas no tinhas sexo tinhas um juiz de paz arroz licores outro noivo e gritinhos

  • ARCO D A S PORTAS DO M AR

    (O riso til da amorosa retine de tal maneira no pobre quarto cor de rosa

    que as tuas mos de senhor j no sabem por que milagre ainda puro o amor)

  • RUA DO OURO

    Ai dele que tanto lutou e afinal est to s. To sozinho. Chora. Direco da Companhia Tantos de Tal. Cinqenta e trs anos. Chove, l fora,

    Ch ora, porqu? Ora, chora.Uma crise de nervos, coisa passageira. (Ti, talvez, pela mulher que o adora (A ele? carteira?)

    Bois horas. Foi-se o pessoal, o homem que venceu est sozinho. Mas reage: qwe diabo. Afinal...E olha para o cofre cheinho.

  • Sim estou s ainda bem porque no? ele diz batendo com os punhos na mesa.Lutei e venci. Sou feliz.E bate com os punhos na mesa.

    Seis e meia. neurastenia!O homem que venceu est de borco e sente uma grande agonia que afinal da carne de porco que comeu no outro dia.

    da carne de porco ele diz vendo a chuva que cai no saguo. da carne de porco. Sou feliz. e ampara a cabea com as mos.

    Durante toda a vida explorou o semelhante. Por causa dele arruinaram-se uns ciem. Agora, tem medo. E o farsante diz que feliz diz que est muito bem!

    Sim, reage. Que diabo. Terei medo? E v as horas no relgio vizinho. Mas, ai, no tarde nem cedo.Ele, que venceu, est siozinho.

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  • Venoeu quem? Venceu o qu? Venceu os outros Os outros, os que o queriam vencer! Arruinou-os, matou-os aos poucos.Ento no o queriam l ver?!

    Sim reage: Esta noite a Leonor amanh de manh o Salemos c depois? ah o novo motor veremos veremos veremos

    Mas pouco do que diz tem sentido.Tudo hoje lhe vago, uniforme, miudinho. () homem que venceu est vencido.O dinheiro tapou-lhe o caminho.

    Os filhos? esperam que ele morra.A- mulher? espera que ele morra.() scio? pede a Deus que ele morra. S a Anita no quer que ele morra!

    Ai, maldita carne murmura vmido a gua que h no saguo. Tinha demasiada gordura!H5 voate o casaco e o gabo.

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  • Passa os olhos pelo leno. Acabou-se. Vai sair. Talvez v jantar? inverno. L fora, faz frio.

    O homem que venceu matou-se na margem mais escura do rio ao volante dum belo Packard

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  • RUA DA MISERICRDIA

    Arrumaram-se luz de um candeeiro a recolher escolas.

    Mas quem passa, passa. Nem sempre h dinheiro. assim mesmo!... Bolas!

    No fazem pena. No fazem coisa alguma. Esto ali.

    Ela, tem a boca cheia de espuma e ele, cego, sorri.

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  • CALADA DO CARDEAL

    Pequeno tambor orgia modesta o lago tranqilo a descolorao tintura de brancos e verdes floresta o lago tranqilo a prostituio candura doura nos olhos em festa mo no corao

    A bola de vidro rola vis-a-vis com as flores que altas so no jardim H justos e rprobos porque o Senhor quis vingar-se de ns porque sim

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  • LORD BEVAN EM LISBOA

    Ora deixai-me dizerque vejo tudo ao contrriodo que ena lcito ver

    Ontem encontrei um operrio todo de pernas para o ar no bolso de um usurrio

    Que linda vista para o mar! dizia e dizendo isto tinha uns olhos de chorar

  • que eram tal qual os do Cristo nos bonecos de se orar.De repente o usurrio

    foi para o bolso do operrio Que linda vista para o campo! dizia e dizendo isto

    escondia num leno branco um dinheirinho que era a tnica do Cristo moda do Minho.

    Vai da veio a polciao exrcito a milciacom trinta carros de assalto

    e um capito muito alto.Zs! Zim! Bum! j nada vejo e at creio que morri.

    Que linda vista para o Tejo!

    Mias o que que se passa aqui ?

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  • TOCANDO PARA A RUA BASLIO TELES

    As linhas os carros aerodinmicos a nuvem cinzenta por cima de mim a sapateirinha noiva de trs o moo operrio presa de mil o salto que dei galgando o passeio o lapis miudo no bolso de trs os versos que fao sem grande alegria a voz dos amigos amigos amigos ngocios aparte sempre (qualquer dia) me daro alento

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  • Bem vem pensei que a coisa era outra desculpa sou jovem tenho incongruncias pensei... bem, pensei em vida que o fosse no deu resultado no d resultado

    Resultado o qu?

    Abrir a barragem vazar a despensa brincar ao heri ou ser heri mesmo

    Heri? Heri como?

    Pois sou novato no tenho experincia j disse pensei que fosse possvel mas pronto acabou juro envelhecer!

  • enforcados o tempo passa o tempo passa que desgraa!

    Passa nada, amigos!A nica coisa que passa o publicista Azeredo que chauffeur de praa. Paragem. Aprto.Vai isso? Vai isso?Vai mal, obrigado. Palestras? Pois sim, entrego depois E o que que ?Ah isso veremos cinema teatro poesia talvez Bem bem Bom bom Sade Adeus

    Aprto. Partida. Fico no meu stio. L vem o elctrico amarelssimo

    ...

  • As ruas as casas de zincogravura os barcos que saem a barra que eu vejo o freio nos dentes do burro inocente o forte em Monsanto o santo em Monforte o homem que fracoo homem que forte sempre (qualquer dia) me daro alento.

  • VOZ NOS MONTES DE ALMADA

    Ol sol! Ol co de dez minutos!Hora dia a no cu, longe da terra!II iivias de vir connoseo l para dentro, brilhar l dentro, belo como fogo no mar!I In vias de aprender a empalidecer havias de aprender

    a vomitar

  • sol, bom sol, cmico! Filaram-te.Puseram-te a coleira, eh, sol, ests preso!Ests proibido de ir l baixo, ouviste?Ests proibido de ir connosco l para baixo.Eh, sol, que dizes? Tudo proibido.Do teu lado direito, do teu lado esquerdo frente e atrs, sobre e sob, ora! de qualquer modo proibido. cmico. atroz,. 12 assim.Portantoadeus! At mais ver, um dia!At mais ver, eh, co que vens connosco a medo durante dez minutos, todas as manhs!

    Dez minutos o tempo de ir de casa fbrica.Dez minutos de sol s oito da manh Dez minutos de luz, dez rpidos minutos

    Pois apesar do fumo espesso e imundo estes homens adoram a carcia de um sol que brilha doze horas e acalenta a gente que h no

    mundo E mais: falam baixinho duma aurora sem fim, duma luz intemerria que s oito da manh sada virilmente o sol de dez minutos da populao operria

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  • RUA PRIMEIRO DE DEZEMBRO

    hora X, ,no Caf Portugal mesa Z, sempre a mesma cena: uma toupeira ergue a mozinha e acena... Dois picapaus querelam, muito entusiasmados que a dita dura dura que no dura a dita dita dura dura desdita!Um pssaro cantor diz que isto assim pena e um senhor avestruz engole ovos estrelados

  • BALADA DA BELA BURGUESA SEM UM OLHO

    Chamava-se Marlia Bastos um estilhao de vidro fez o resto

    B perigoso encostarmo-nos a vidro quando no somos to fortes como isso

    Nem s do cu nem s do cu vem a justia uma trave uma roda um parafuso

    so justia no mundo fazem sempre qualquer coisa antes de se passarem a outra coisa

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  • Ora o esgar da Besta espreita ,a sua vez mi momice da Bela

    lima risada simples necessita um segundo l>ara ser o que em osso luzido

    Quantas a vezes ,a torre de babel outras tantas a torre vem abaixo

    ' ao poeta nada custa mudar o tempo de um verbo

    Marlia Bastos (por exemplo) que desgraada foste

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  • TODOS POR UM

    A manh est to tristeque os poetas romnticos de Lisboamorreram todos com certeza

    Santos Mrtires e Heris

    Que mau tempo estar a fazer no Porto?Manh triste, pela certa.

    Oxal que os poetas romnticos do Porto sejam compreensivos a pontos de deixarem uma nesgazinha de cemitrio florido que para os poetas romnticos de Lisboa no terem

    de recorrer vala comum

  • Nicolau Cansado Escritor

  • NOTA AO PROJECTO DE EDIO ARARUTA PROVNCIA (1945)

    Perdida, entre tanta outra coisa que em Portugal se perdeu roda de 1944, a Biografia de Nicolau Cansado moldava em verso jmbico por Papua de Arrebol; desaparecida com esta, nas ruas de Constantina, toda a possvel documentao para a dcscascagem ntica de um ser a todos os ttulos raro, na literatura e na vida; ingloriamente perdida lambm a obra em prosa do autor do A Ti a qual no vi mas disseram, em 1944, ser ainda melhor do que os poemas: restam os versos que ora se publicam antecedidos de ntula crtica da incansvel polgrafa e grande amiga do poeta, Professora Doutora Marlia Palhinha.

    Nas mos de Crocodilo, pseudnimo literrio do I0x.mo Sr. Lus de Oliveira Guimares, lembra-me ter vinto um flio rabiscado pelo poeta a quando da sua viagem a Espanha, pas onde, premido pela sua bem conhecida fome de autenticidade, Cansado fora

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  • colher em 1943 e o mais possvel in loco alguns quadros multmodos da guerra civil espanhola. Tanto quanto me lembro, tratava-se de um feixe de diti- rambos ao pobre Frederico claramente datados Agosto-Setembro de 1943, Esta peregrinagem ter dado a Cansado a possibilidade de uma destilao clarificadora de quanto ali se passou nos anos 1936-39, ao mesmo tempo que havia de preserv-lo de contactos directos com tiros, granadas e outras relaes de incerteza como as ento ali vividas por Hemingway, Malraux, Pret, Octvio Paz, Csar Vallejo, David Gascoyne, Roland Penrose e outros excessivos sequiosos de reportagens directas gnero fim de citao.

    Araruta Provncia

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  • EM TORNO DA POESIA DE CANSADO

    Ntula Crtica de Marlia Palhinha

    Lisboa, 1945 Os fortes laos de amizade que desde cedo me ligaram a Nicolau Cansado fazem com que seja a expensas de uma profunda mgoa ([iie eu deya pr aqui uma por assim dizer restrio aos inditos vindos agora a lume: eles no sero compreendidos por toda a gente.

    Com efeito, s uma escassa roda de iniciados na ltima fenomenologia potica portuguesa (futurismo, sobrerrealismo, nervosismo, etc.) poder acolher nem surpresa toda a sua mensagem. Uma vez mais, digamo-lo sem disfarce, a contradio fez a obra. I'] nisto como em tudo, apesar dumas coisas esqui- Mitas, dumas audcias mais brilhantes que fecundas, o poeta seguiu a tradio. Tive oportunidade de verific-lo ante o desprendimento que muitos homens

  • garam mesmo a interromper nestes termos (tentava eu explicar a grandeza humanista que ia de par com a funo social do poema): O doutor d cinco tostes para uma sopa, que ainda l no fui hoje!. Em contrapartida, os literatos tero com que rego- zijar-se. Esses e mais quem anda a par sagraro o poeta Cansado como um grande incompreendido, uma genial vtima de um meio estupefacto.

    Falar do substrato da sua obra para qu? De certo modo, a poesia o real absoluto, j o disse um editor que tambm escreve. Atravancador se torna pois qualquer didatismo, e ainda mais no caso de Cansado. Este homem, que abandonou as concepes burguesas sem por isso ter mudado de vida, um artista muito complexo. Formalmente, no raro v-lo brincar com as subtis experincias de um Paulo Neruda. Noutros passos, chama a si Majakovsky, e, ento, que esplendor pico! Noutros ainda, deita um olhar amigo a, por assim dizer, Fernando Pessoa. E ao Cames um Cames que tivesse lido Afonso Duarte! Conhece a fase ntima. Atravessa a fronteira do religioso. E quando j desistamos de ver nele mais do que um jogral de prodigiosos recursos, eis que nos atira com as iluminaes do Heri, do Raio de Luz, do iA Ti!

    Obra pequena, sim, mas de tentado alcance e forte significado, eu quero repeti-lo: ainda cedo para falar de Nicolau. No faltar porm gente dis

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  • posta a acus-lo de ter plagiado meio-mundo e vivido, como dizei?, assim. ASSIM! Eternos incom- preensivos. Das vossas impotentes instncias ho-de altear-se sempre a dedicao funda e o labor sem mcula de Prof. Araruta Provncia, que, no seu regresso de Las Palmas, logo meteu ombros ao conhecimento do valor dos textos e sua pronta edio.

    Outra coisa: Cansado nunca versou o tema do amor. Inapetncia? Excesso de ombridade? Penso que no. O amor , para muitos poetas de hoje, um tema de segunda ou terceira categoria.

    Novos luzeiros brilham no estelar do mundo, como Cansado, certa vez, me disse. E todos compreendemos.

    (a) Fantasia Gramtica e Fuga, Com Eco. Nota do Dr. Araruta Provncia: O poema deste ttulo foi perdido pela prpria Marlia Palhinha diurante a ltima das manifestaes de rua que entre ns assinalaram o fim da segunda guerra mundial. Tendo sido, como se sabe, particularmente dura essa manifestao, quase se aceita to infeliz descuido levar um poema daqueles para o meio da rua!

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  • NOTA PRESENTE EDIO

    To cedo pude desocupar-me das investigaes e desaterros da obra de Fernando Pessoa (bas do Castelo de S. Jorge, muros de Penalva e Aljustrel, celhas da Ordem Terceira de S. Francisco e Mineiros Associados (Mafamede) logo acorri de novo ao meu querido Nicolau. E hoje, finalmente, como- vidamente, at s lgrimas, posso anunciar: a Fantasia Gramtica e Fuga, obra-prima da gesta de Cansado, indevidamente considerada perdida data da primeira edio dos poemas, estava depositada num gaveto da Sociedade Portuguesa de Escritores pouco antes desta ter sido fechada pelo Governo. Algum, que no sabemos quem, a enviou para ali. Chamada eu prpria, logo reconheci o flio, que: no conduz, como abusiva e fantasiosamente Araruta Provncia algures aventou, a srie alguma de versos escritos em Espanha, mas, alm da finalmente recuperada Fantasia Gramtica apresenta ainda

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  • uma contribuio de primeira plana: os poemas surgem dedicados pelo punho do poeta a todos quantos, mestres ou amigos, o inspiraram. Achamos esta acha muito importante pois a quando da primeira publicao, 1961, estabeleceu-se dvida quanto a certas atribuies.

    Agora, de acordo com o canhenho original, indica-se como segue e no repetimos na portada dos poemas, para no desfear :

    MIGRAO Ao Ex.mo Sr. Dr. Poeta Adolfo Casais Monteiro.

    A TI Ao Sr. Dr. Poeta Ruy Cinatti.HERI Aos Meus Queridos Companheiros

    de Jornada.REABASTECIMENTO Ao Poeta Dr. D. Pe

    dro I.BRASILEIRA Correo ao Poeta Decaden-

    tista Manuel Bandeira.POEMA BO A cigarros Negritas e a

    Dr. 'Francisco Jos Tenreiro.RURAL Ao Poeta Escritor Dr. Fernando

    Namora.FANTASIA GRAMTICA E FUGA COM ECO

    A Poeta Dr. Mrio Dionsio.RAIO DE LUZ Ao Poeta Dr.O LTIMO POEMA Ao Paulo luard.

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  • Note-se como, apesar do crescente vontade com que Cansado dedica, o tom sempre forte, claro, VESPERAL!

    Quanto ao belssimo Poema Bo, tambm aqui produzido pela primeira vez, recebi-o em correio registado, sem qualquer palavra de companhia, cinco dias antes do desfalecimento do Poeta Dr. Deputado Francisco Jos Tenreiro,

    Bem hajam, todas e todos!

    Palhinha, Ag. 1970.

    ADENDA CORRIGENDA Nem a infausta morte de Marlia Palhinha nem a admirao respeitosa em que tenho a sua memria podem inibir-me de taxar de aleivosas algumas (declaraes que fez da minha pessoa. Eu vi, de facto, nas mos de Crocodilo, pseudnimo literrio do Ex.mo Sr. Lus de Oliveira Guimares, um caderno de versos de Cansado, firmados e datados: Talavera de La Reina e Buaco, 1944, que todavia no li. O facto de tais poemas no estarem na Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta foi fechada pelo Governo nada demonstra contra a existncia do caderno. E sendo D. Marlia useira e vezeira em deixar cair mais me inclino, a contra gosto o digo, para um novo descuido da morta. O que apenas sugiro e fao

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  • publicar para que de todo em todo no se perca de virmoH a encontrar (no procuro, encontro dizia Kundinski) os Ditirambos Hispnicos de Nicolau Ifimcndo Gastendo Cansado.

    Araruta, Fev. 1974.

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  • OS POEMAS

  • Jj

  • MIGRAO

    Ahnfu) me venham dizer ohnilo quero saber uhquem me dera esquecer

    H6 o incerto que o poema aberto (< u Palavra flui inesgotvel!

  • A TI

    minha casta esposa vais sofrendo... E eu sofro de ver-te sofrer!Espera um pouco! Faamos como o caule da rosa des- fo-Ihada.

    Nosso convvio triste. A vida, errada.S a tortura existe e o poema .AhTENHO A ALMA CHEIA DE GAROTOS. No queiras no no queiras vir comigo para esta atmosfera de caf.

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  • HERI

    Do claro sol e de hum teatro cheo Seriam dignas to notveis obras... noite que em teu seio tenebroso To grandes feitos darmas escondeste!

    TORQUATO TASSO Jerusalm Libertada

    llori o meu nome,

    Meu olhar frio, arguto, Ni\o v coisa que o dome. Meu esforo rudo e sano Nilo desmaia um minuto.

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  • Sou heri todo o ano.

    Quando passar por vs, naturalmente,Com este meu ar simples e no entanto diferente E no entanto diferente do ar do resto da gente, No digais: fulano.

    Dizei: o Heri.O heri, simplesmente.

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  • BRASILEIRA

    O vento no varria as folhas O vento no varria os frutos O vento no varria as flores..

    E a minha vida no ficava Cada vez mais cheia De frutos, de flores, de folhas...

    O vento no varrias as luzes O vento no varria as msicas O vento no varria os aromas

    E a minha vida no ficavaCada vez mais cheiaDe aromas, de estrelas, de cnticos...

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  • O vento no varria os sonhos E no varria as amizades...O vento no varria as mulheres...

    E a minha vida no ficava Cada vez mais cheia De afectos e de mulheres...

    O vento no varria os meses E no varria os teus sorrisos... O vento no varria tudo!

    E a minha vida no ficava Cada vez mais cheia De tudo.

  • REABASTECIMENTO

    Vamos ver o povo Que lindo

    Vamos ver o povo. D c o p.

    Vamos ver o povo.Hop-l!

    Vamos ver o povo.

    J est.

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  • RURAL

    Como chove, Cacilda!Como vem a o inverno, Cacilda!Como tu ests, Cacilda!

    Da janela da choa o verde um prato Que deve ser lavado, Cacilda!E o boi, Cacilda!E o ancinho, Cacilda!E o arroz, a batata, o agrio, Cacilda! J cozeste?

    Eu logo passo outra vez,Em prosa provavelmente.Arrozinho, Cacilda!Os melhores anos da nossa vida, lida!

    'Ausente.

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  • POEMA BO

    Preta cospe preta cospe preta cospe No ehao

    l!Ilha de Nome Santo!

    O mar pr fbrica de patalo.

    Bo!

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  • FANTASIA GRAMTICA E FUGA (COM ECO)

    No fundo eu no sinto Como sou burgus Vou ao baile baile Mas no sei danar

    Visto de setim Vou depressa e bem Eu sei que serei Do mundo que vem

    Bate corao Palhao em Palheiro Meu golpe de vista Tapa a boca Oh Tapa a Boca Oh tApa a bOca Oh taPa A boCa Oh tapa a boca sim

    minto minto minto vs? vs? vs? aile aile aile ar ar ar

    sim no sim olha quem reimui to bem

    o! o! o!mrio de s-carneiro-cu-listap-ni-pi-ni-pp-ni-pi-ni-p

    Fim.

    N ota Brao-brao ?!;:...

  • RAIO DE LUZ

    Burgueses somos ns todos ou ainda menos.

    Burgueses somos ns todos desde pequenos.

    Burgueses somos ns todos literatos.

    Burgueses somos ns todos ratos e gatos

    Burgueses somos ns todos por nossas mos.

    Burgueses somos ns todos que horror irmos.

    Burgueses somos ns todos ou ainda menos.

    Burgueses somos ns todos desde pequenos.

  • O LTIMO POEMA

    Cavalo. Cavalinho. Cavalicoque.Deix-lo.

    Coitadinho.Carvo de coque.

    Mat-loDevagarinho.

    L vai ele a reboque.

    Cavalo. Cavalinho. Cavalicoque.

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  • Louvor e Simplificao de lvaro de Campos

    (fragmento)

  • NOTA DO AUTOR NA PRIMEIRA EDIO (1953)

    Parece que houve Natal e Ano Novo e eu resolvo retribuir assim algumas das boas festas em que amigos e parentes tiveram a bondade de envolver- -me: a impresso do presente fragmento do meu poema Louvor e Simplificao de lvaro de Campos, para vender aos amigos, e aos parentes, por vinte e cinco tostes.

    O poema j antigo, mas tambm barato e sempre anima o ambiente. D, suponho eu, certa compensao, mormente nesta quadra em que alguns dos mais festivos entram na tarefa de iniciar o que h-de ser, o que j o martirolgio de Fernando Pessoa. Os mais cumprimentados no deixaro decerto de perpetuar os festejos com uma bela ligao de girndolas, das quais viro a sair grandes fichas obnxias com os seguintes dizeres: Poetas Pataratas: Fernando Pessoa, Rainer Maria Rilke, etc., etc., e etc. Poetas Muito Bons e de Muito Juizinho: este, aquele, aqueloutro.

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  • Simplificar Fernando Pessoa tomando de emprstimo alguma da sua linguagem, e reduzi-lo ao voto de um barco para o Barreiro, coisa em que cada um s deve cair uma vez. Fique, pela parte que me toca, o molde da queda e o valor da experincia: as pessoas sabidas descobriro depressa onde que est o logro e onde pde anichar-se autenticidade. As outras, no sabidas (entusiastas, estas!) servem-me o apetite de dizer para j alguma coisa de que o poema no diz:

    Que Fernando Pessoa um grande poeta. Viajou sempre em primeira classe, mesmo quando estava parado.

    S as pessoas que no viajam ganham dio s classes que o comboio tem,

    Quem alcana viajar, mesmo s em terceira, vai sempre radiante. No anda l a prender-se com essas coisas.

    As pessoas que no viajam tambm tm as suas qualidades, so como os chefes de estao: bondosos, diligentes, aplicados. Mas no viajam, pronto. Para que nos querem convencer que viajam?

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  • Assim como a Poesia no para um par de sapatos, assim Fernando Pessoa no para todos os dias. No consta, porm, que Pessoa haja querido monopolizar os dias. Se dssemos a Pessoa os dias que ele tem, faramos como ele e at podamos, como ele, ser grandes, com muitos dias para ele e para muitos de ns, seus iguais num desastre

    Que no convm nomear.

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  • LOUVOR E SIMPLIFICAO DE LVARO DE CAMPOS (FRAGMENTO)

    Coitado do lvaro de Campos!To isolado na vida! To deprimido nas sensaes!

    Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melanooMa,!

    Coitado dele, que com lgrimas ( autnticas) nos olhos,

    Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha

    pouco, quelePobre que no era pobre, que tinha olhos tristes

    por profisso.Coitado do lvaro de Campos, com quem ningum

    se importa!Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

    E, sim, coitado dele!Miais coitado dele que de muitos que so vadios

    e vadiam.Que so pedintes e pedem,

    Porque a alma humana um abismo.

    7 2

  • Eu que sei. Coitado dele!

    Primeiro o navio a meio do rio, destacado e ntido, Depois o navio a caminho da barra, pequeno e

    preto,Depois, ponto vago no horizonte ( minha

    angstia!,Ponto cada vez mais vago no horizonte.

    FERNANDO PESSOA, Obva Potica

    H uma hora, h uma hora certaque um milho de pessoas est a sair para a rua.H uma hora, desde as sete e meia horas da manhquje um milho kie pessoas est a sair para a rua.Estamos no ano da graa de 1946em Liishoa, a sair para o meio da rua.Samos? Mas sim, samos!Samos: seres usuais, gente-gente, olhos, narinas,

    bocas,gente feliz, gente infeliz, um banqueiro, alfaiates,

    telefonistas, varinas, caixeiros desempregados

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  • uns com os outros, uns dentro dos outros tossicando, sorrindo, abrindo os sobretudos, descendo

    aos mictifios para panhar elctricos, gente atrasada em relao ao barco para o Barreiro que afinal ainda l estava apitando estridentemente, gente de luto, normalmente silenciosa mas obrigada a falar ao vizinho da frente na plataforma veloz do elctrico em marcha, gente jovial a acompanhar enterros e uma me triste a aceitar dois bolos para a sua

    menina.H uma hora, isto: Lisboa e muito mais. Humanidade cordial, em suma, com todas as conseqncias disso mesmo e a sair a sair para o meio da rua.

    E agora, neste momento que horas so? a telefonista guarda o baton na mala usa os auscul

    tadores liga electricamente Lisboa a Santarm e comeou o diao pedreiro escalou para o telhado (mais alto e cantou

    qualquer coisa para comear o diao banqueiro sentou-se, puxou de um charuto havano,

    pensou um bocado na famlia e comeou o diaa varina infectou a perna esquerda nos lixos da

    Ribeira e comeou o dia

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  • o desempregado ergueu-se, viu chuva na vidraa, e imaginou-se banqueiro

    para comear o dliae o presidirio, ouvindo a sineta das nove, comeou o seu dia sem dar incio a coisa alguma.

    Agora fumo, trepidao,correias volantes de um a outro extremo da fbrica

    isolada,cigarros meio fumados em cinzeiros de prata, bater de portas ps! em muitas reparties, umia velha a morrer silenciosamente em plena rua e um detido a apanhar porrada embora acreditem

    nele.Agora pranto e prantona bata da manucure apetitosa do salo Azul. Agora, regresso, milhes de anos para trs, patas em vez de mos, beios em vez de lbios, crocodilos a rir em corredores bancrios apesar das mulheres terem varrido muito bem o cho. Agora tudo isto e nada disto em plena e indecorosa licenciosidade comercial pregando partidas, coando, arruinando, retorcendo

    o facto atrs dos vidros um tiro nos miolos e muito obrigado, sempre s

    ordens!(a velha j morreu e no seu leito de morte est agora um automvel verdadeiramente aerodi

    nmico

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  • e a tocar telefonia: and you, and you my darling?) H uma hora, Isto! H duas, ISTO!E eu?

    Eu, nada. Eu, eu, olaro...

    Paro um pouco a enrolar o meu cigarro (chove) e vejo um gato branco janela de um prdio bas

    tante altoPenso que a questo esta: a gente certa gente

    sai para a rua, cansa-se, morre todas as manhs sem proveito nem

    glriae h gatos brancos janela de prdios bastante

    altos!Contudo e j agora pensoque os gatos so os nicos burguesescom quem ainda possvel pactuar vem com tal desprezo esta sociedade capitalista!Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a...No, a probabilidade do dinheiro ainda no estragou

    inteiramente o gato mas de gato para cima nem pensar nisso bom! Propalam no sei que nusea, retira-se-me o est

    mago s de olhar para eles!So criaturas, verdade, calcule-se, gente sensvel e s vezes boamas to recomplicada, to bielo-cosida, to ininte

    ligvel

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  • que j conseguem chorar, com certa Sinceridade, lgrimas cem por cento hipcritas.

    E o certo que ainda tm rapazes de Arte, gente que ps a alegria a pedir esmola e nessa mesma noite

    foi comprar para o cinema porque h que ir ao cinema, ele por fora, por

    amor de Deus, ah, no! no! isso no!, no se atravessem nesta bilheteira!!

    Vamos estar to bem! Vai tudo ser To Bonito!Ah, e quem que, v o logro? A quem que isto

    cheira a rano?Porque que a freguesa de Panos Limitada no exige

    trs quartas de cinema e sim trs quartas partes pretas de l carneira? Porquei que a pianista compra do Alves Redol quando est a pensar nas pernas e no peito do louro

    gal yankee?E porque raio despede o senhor Director trs hum-

    limos empregados quando a verdade que j l vo trs meses e ainda

    no viu um que lhe enchesse as medidas ?

    Com certa espcie de solidariedade lembro-me de ti, Mrio de S-Carneiro, Poeta-gato-branco janela de muitos prdios altos Lembro-me de ti, ora pois, para saudar-te, para dizer bravo e bravo, isso mesmo, tal qual!

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  • Fizeste bem, viva Mrio!, antes a morte que isto, viva Mrio a laar um golpe de asa e a estatelar-se

    todo c em baixo (viva, principalmente, o que no chegaste a saber,

    mas isso j outra histria...)

    E com uma solidariedade muito mais viva lembro-me de ti, meu vizinho de baixo, sapateiro-gato-branco mas no rs-do-cho, desta

    vez... curioso que no te possas suicidar s porque a tua janela est ao nvel do mundo e que cantes alegremente de manh noite como uma casa de seis andares em cima de ti. Tambm tu foste empurrado, tambm te disseram:

    Fora, gato!Mas achaste isso quase natural (e no o , deveras?) E agora, guardando em ti todas as tuas grandes

    qualidadesvais vivendo um pouco margem, um pouco no

    quinto andar...

    Deito fora o cigarro que j me sabia a amargo e decido-me a andar mas para qu? Mas para

    onde?As lojas esto todas abertas mas nunca se viu coisa

    to fechadaAh! heris do trabalho, que coisas raras fazeis! No sou um proletrio v-se logo

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  • mas odeio cordialmente a gataria e quanto a crocodilos, nem os do Jardim Zoolgico

    me atraemquanto mais estes! E aqui que comea o em-

    brglio...

    O pouco amor que eu tive burguesiadeixei-o todo numa casa de passequando me perguntaram: quer assim? Ou assim?E agona, era fatal, falto ao escritrio,falto ao escritrio, pontualmente, todas as manhs.Mas vejamos, minha alma, se podes, arrumemosum pouco a casa escura que te deram.Euestudei msica, como toda a gente

    (ou talvez um pouco mais do que toda a gente?)

    No. Por aqui no nos entenderemos.Estudemos outro papel. Outro fim. Outras msicas.

    Recomecemos: Um:Estes versos no querem de modo algum ser versos porque quem hoje em Portugal quer de algum modo

    fazer versos versos est em muito maus lenis (este o primeiro artigo da minha constituio)

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  • Segundo:Apesar de tudo, sa para a rua com bastante natu

    ralidadee que vi eu? Que isto? (E que esperava eu ver?)

    Terceiro:(e aqui comea, talvez, o desembrglio)vi tambm um vapor que ia para o Barreiroe tive pena de no ir com elemas no sou um proletrio (no, ainda no)e atravessar a nado quem que disse que pode?

    Fiquei-me a v-lo: primeiro junto ao caiscom um certo ar simptico de proletrio dos marese apinhado de gente tanta espcie dela!Depois a meio do rio, destacado e ntido, depois um ponto vago no horizonte ( minha an-

    gstiia!)ponto cada vez mais vago no horizonte

    e de repente, ao virar uma esquina, j depois de outra esquina,

    vejo uma nova espcie de enforcado um homem novo em cima de um escadote a colar afixar cartazes deste gnero:

    VOTA POR SALAZAR

    80

  • Paro. Pro de novo. Pararei sempre enquanto afixarem cartazes deste gnero.Curioso, curiosssimo este gnero.Um chefe no grande pelo nome que arranjou. Salazar Xavier Francisco da Cunha Altinho isso que

    importa,Um chefe grande pelas suas obras, pelo amor que

    inspira.Pois os fascistas os nossos bons fascistas querem que a gente vote por um nome por um nome oalcula essa coisa qualquer que qual

    quer fulano tem!Vota por Salazar ora pois meu povo vota por sete letras muito bem arrumadas em trs

    slabas.

    Deito a cabea para trs para deixar sair a gargalhada

    e aproximo-me do homem em cima do escadote aproximo-me tanto que ele nota algum que se aproximae o brao cai-lhe, grosso, pingando gua num balde

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  • Auto para Jerusalm

  • Este Auto foi escrito em 191fi por raiva apreenso da colectnea Bloco onde se inseria o texto que o motiva: Histria Antiga e Conhecida, de L m s Pacheco.

    Foi estreado no Teatro Municipal de S. Lus, em Lisboa, em 11 de Maro de 1975 numa encenao de Joo d?vila com o Grupo Sete.

    O texto integral, publicado pela Editorial Mino- tauro em 196Jf, em edio tambm apreendida, foi revisto antes e tambm j depois da realizao do Grupo Sete devendo considerar-se definitiva a presente verso.

  • Personagens, por ordem de entrada no palco:

    O Orador O Servo-Portiro Matatias, o Sbio Rezingo Eleazar, o lntelectw Snob Tobias, o Sensato Salom, Princesa de Jud Oornlius Macissus, Apontador O Menino Jesus O Homem da Gestapo

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  • A cena passa-se num tugrio desmantelado que apresenta bem visvel o dstico Acadmico-Clube dos Sbios de Jerusalm. Tdbias e Matatias usam tnica e compridas barbas, Eleazar jovem e traja com distino. O Orador veste um guarda- -p cinzento, aberto, mangas arregaadas, chapu colonial. O Homem da Gestapo aparece numa luxuriosa fantasia abundando em plumas e amuletos. Capacete romano no brao direito. Botas de tenente. Salom pindrica-pretenciosa, Cor- nelius Macissus latago.

    No proscnio, cadeira e secretria D. Joo V em cima de um estrado, para o Orador. Sobre a secretria, um grande livro fechado, candeeiro, sineta, e o chapu do Orador. Atrs da secretria um vetusto relgio de caixa alta, sem ponteiros.

    ORADOR saindo ao proscnio Minhas queridas senhoras, estimados senhores: quando o pano cair sobre a ltima cena do mundo que j rola atrs desta cortina, percebereis que eu nem sequer chego

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  • a representar. Que vos aproveite a descoberta! Por expressa vontade do autor o meu papel resume-se a, como se diz?, cla-ri-fi-car tudo o que vai passar- -se neste paloo. Por vezes intervirei tenho poderes para isso. Mas nunca directamente: por interposta figura. Assim uma coisa grega. Evidentemente, eu, como actor, quereria dar mais. Muito mais. Bastante mais! No pde ser.

    Elnfim, quando asi coisas no vo pelo caminho dos nossos desejos, o melhor que h a fazer levar os nossos desejes pelo caminho que as coisas vo tomando. Parece-nos. (Tira um vasto leno o guar- da-p e amarra-o ao pescoo). Vou dar incio. (Dirige-se sua secretria, senta-se, abre o livro, faz uma rpia simulao de leitura e encara d novo o pblico). A pea admirvel! (Indica,

  • Ora pois;era isto no tempo em que os animais falavam; Jerusalm estava em festa e os meninos fugiam da

    severidade dos pais; iam em magote para os brejos, berravam entre as

    silvas at vir a noite; outros metiam-se pelas veredas, iam feira ver os

    cavalin,hos;mas este, de que fala o Grande Livro, no fugira

    para gozos e arruaas; fora procurar os Doutores.

    (Entra o Servo-Porteiro trauteano alto uma musicata qualquer. Acende as velas das trs mesas de estudo que atravancam o tugrio. A sua entrada interrompe o Orador qm o fita com cara de pouca pacincia).

    ORADOR Pst! Quero a cena deserta. SERVO-PORTEIRO Tenho de sair j, meu

    senhor?ORADOR Sabes bem que sim. SERVO-PORTEIRO J? J? Eu no devia

    ter entrado. O pano subia, viam-se as velas j acesas, e pronto, ningum dava pela minha falta.

    ORADOR Ah isso com certeza. SMRiVO-PORTEIRO Sou um tolo, um frustre,

    um facilmente dispensvel. No sei ler nem escrever embora o meu autor me faa falar com certa elegncia.

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  • ORADOR Eu sei. As exigncias do estilo. Ests a para dar ritmo representao.

    SERVO-PORTEIRO Para dar ritmo, pois.(Breve pausa).

    ORADOR lEoto? Estamos espera!SE3RVQ- PORTEIRO Aproximando-se do Ora

    dor Se soubesses que bocados de ideias, que espcies de sentimentos fervilharam em mim quando me disseram: Tu fazes o Servo-Porteiro, fazes o escravo. Entras, acendes a velinha, e de boca bem fechada, tratas de sair. Claro que posso sair, sumir-me, no aparecer mais.

    ORADOR o mais correcto.SERVO-PORTEIRO Escuta. Tu s quem tudo

    pode e manda neste palco enquanto durar a representao da nossa misria. Peo-te um acto grande, um acto que altere o curso de certos acontecimentos.

    ORADOR tocando a sineta Peio que tirem este homem daqui para fora!!

    SERVO-PORTEIRO Diz-lhes, ao menos, quem sou! Ou quem o que fao nesta terra. No, o que fao, no! O que s vezes parece que gostaria de querer fazer...

    ORADOR Mau!... Eu no tenho o poder que me atribuis, no posso adiantar-me ao que est escrito neste livro!

    SERVO-PORTEIRO caindo aos ps do Orador Era to simples! Era to pequenino! Talvez at depois nem fosse precisa esta pea!

    90

  • ORADOR Bom, de joelhos, no! Levanta-te, chega de lamrias tolas. Se prometes sair mal lhes digas quem s... Mas tens de prometer!

    SERVO-PORTEIRO Juro, senhor, juro pela cabea do Profeta!

    ORADOR Este o Servo-Porteiro da douta Academia dos Sbios de Jerusalm. No serve para coisa nenhuma a no ser para o que no presta. Nasceu num dia m que a terra se esqueceu de girar em volta do Sol...

    SERVO-PORTEIRO Ainda Moiss no tinha escrito as sacras tbuas...

    ORADOR E o homem aproveitou a escurido para cometer j no se sabe que horrvel perfdia. Desde ento, ficou assim. No sabe quem , desconfia do que pode vir a ser e anda meio tonto procura de qualquer coisa. Numa palavra: este aquele que tendo sido criado com alma de criado assim criado ficou por dentro e por fora.

    SERVO-PORTElIRiO num salto Mentes, ladro!

    ORADOR friamente Elu sei que minto. E agora vai l para dentro. Ainda no foi a hora da tua verdade.

    (O Servo-Porteiro retira-se).

    QRADOIR Safa! Ia estragando tudo! (Recomea a ler):Ora pois:era isto no tempo em que os animais falavam;

    91

  • e o menino Jesus fugiu mesmo: ia procurar os Doutores;estes reuniam-se todas as tardes nesta cena que

    aqui vedes, neste horrvel casaro judeu.

    (Entra Matatias, o Sbio Rezingo; avana majestoso com vrios livros a tiracolo. Vai para a sua secretria e dispe-na para trabalhar).

    reuniam sada dos seus empregos cinco horas cinco e meia

    e falavam de coisas vrias mas profundas: filosofia, religio, costumes principalmente costumes coisas estas muito acima dos entendimentos vulgares. Depois das falas vinham os trabalhos. Preparavam um livro obra colee- tiva a que atribuam suma importncia;

    ttulo, ainda no tinham. L mais para o fim se veria; mas era certo tratar-se das cem mais lindas maneiras de grafar o hebraico; regras, acordos e apndices.

    MATATIAS J esperava isto mesmo. Os meus caros colegas chegam sempre atrasados. Depois, no h tempo para nada.

    ORADOR Matatias, o Sbio Rezingo. Doutor em Literatura, Crtica e Religies. Empregado nos Correios desta cidade. Mulher e filhos na mais negra misria. Ligaes duvidosas, mas, no fundo, um excelente corao. s tu?

    92

  • MATATIAS Discordo de certos pormenores, mas, a trao largo, esse o meu retrato. Quem to forneceu ?

    ORADOR Est tudo neste livro, meu caro doutor... A vida e a morte, a noite o dia...

    MATATIAS Sim? Deixa-me ver...OiRADOIR afastando Matatias Querido Mes-

    'tre! Nunca me perdoaria se, por mero instante que fosse, o desviasse de um trabalho que sei notvel e em boa hora posto em mos de Vossa Excelncia...

    MATATIAS Compreendo. Provavelmente...ORADOR E j anteontem, com o sieur Ma-

    buze... Belo sindrio, no acha?MATATIAS j sua secretria Muito obri

    gado. (No viu, por acaso, j, doutor Tobias? Gomo diz? (Outro tom) O mundo est cheio de tolos e os sbios nas mos deles!...

    ORADOR j sua banca Muito bem. Siga a pea!

    (Entra Eleazar o Intelectual Snob. Fala atabalhoadamente e com requinte).

    ELEAZAR No ralhes, querido Matatias... Trago-te uma em primeira mo! Calcula tu que Judite, conheces, Judite, a fmea pblica, teve o arrojo de ir ao palcio de Herodes protestar contra o imposto que acabam de lanar sobre a sua gente! (Senta-s). Ai, deixa-me contar! Foi um papelinho! Bateu com as mos, com os ps, com as ancas,

    93

  • porta dos jardins do palcio e tanta bulha fez, tanta gente juntou que Herodes apareceu janela do segundo amdar e, zs, concedeu-lhe audincia!

    MATATIAS sem deixar os alfarrbios Sim. E depois?

    ELEAZAR Depois, no sei, s isto... Mias j h quem diga que Judite vai vencer Herodes numa 'batalha de prostituta contra monarca!

    MATATIAS E por esses dichotes que te atrasas?

    ELEAZAR No ralhes, Matatias, eu acho isto to sensacional! Ningum se atreve a levantar a voz quando Herodes est presente, e essa meretriz arrombou-lhe o palcio com as ancas! Que nmero para A Voz de Jerusalm! (Inspirado) Vou escrever um poema!

    ORADOR Eleazar!ELEAZAR Senhor...ORADOR Diz ao pblico quem s.ELEAZAR Eu, a falar de mim? Pois muito

    prazer. Sou Eleazar, o Intelectual Snobe, Tenho muito geito para abrir e fechar as portas por onde os outros entram e saem. (gesto) Reveste-me certa distino, atraio bem as mulheres e no me queixo dos homens. Ando a ver se trabalho num jornal, A Voz de Jerusalm, escrevi uma tragdia ao gosto persa, A Tropa de Jerusalm e tenho praticamente concludos cinco livros de versos proletrios, O Grito de Jerusalm. Mas to difcil publicar nesta terra! O jornalismo, ento, um horror! De forma que

    94

  • decidi trabalhar com os sbios e os filsofos... e aqui estou. So muito mais seguros.

    ORADOR Eleazar,ELEAZAR Senhor.ORADOR Diz com quem vives.ELEAZAR Ora. Que interessa isso a estes

    senhores ?ORADOR Interessa tudo muito a estes se

    nhores.ELEAZAR Vivo com a minha irm que me

    sustenta pois estou desempregado. Por enquanto. 'A ela no lhe custa: podre de rica. A nossa casa ica a quatro passos do trono de Herodes, na rua dos Milionrios de Jerusalm. Mas eu detesto os ricos e estou ao lado dos pobres, So to infelizes coitadinhos!

    MATATIAS Pobres de Jerusalm! Que Messias vir para salv-los? Cheiram to mal, os desgraados...

    lEJLEAZAiR, Mas os mais infelizes ainda so os pobres de esprito, no verdade, Mestre?

    MATATIAS s um vaidoso, Elezar! Seria melhor que desses conta do muito que h a fazer. Pas- 'saste a limpo o propsito 4. do captulo 6 fascculo '2. da nossa grande obra?

    ELEAZAR dando um papelinho Aqui est, quase todo. (Sonhador) !Fijlo ontelm noite, ao sabor das estrelas e do vento do outono... Que cu maravilhoso o nosso, Matatias... Faz-nos esquecer a arrogncia dos legionrios de Roma. Ah, por falar nisso!

    95

  • Sabes que a minha irm vai casar com um fascista desses? A descarada!

    MATATIAS A uma e uma caem as praas fortes que outrora defendiam, com alto e so orgulho, o povo do Senhor... Quem o intruso?

    ELEAZAR Um Marco Pncio, ou Marco Es- trncio, ou l o que ! Um Marco qualquer.

    MATATIAS Um ignorado?ELEAZAR Ah no, um convencido. Passa as

    tardes a cacarejar-lhe os Cantos de Salomo.MATATIAS Que humilhao para a Casa de

    David!ELEAZAR Pois sim mas ela gosta. J com

    muita negaa lhe pediu o intercmbio: quer ler autores romanos. Petrnio antes dos outros.

    MATATIAS escrevendo ...............le,como creme.

    ELEZAR iem Aaaaaaaaag, como j est.MATATIAS J...... ta, como capota.ELEAZAR Til, como pau brasil.ORADOiR Linda coisa ver trabalhar! Mas h

    trabalho que presta e trabalho que no presta. Prestar para alguma coisa a trabalheira destes dois doutores? (Entra Tbias que ocupa a sua mesa de trabalho sem interromper os doutos colegas). Os ltimos sero os primeiros. Quem d aos pobres empresta a Zus. Entre seja quem for no se mete o sarrafo. Boa noite, Tobias.! TOBIAS Boa noite.

    ORADOR Estiveste para no vir.

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  • TOBIAS Pela terceira vez.ORADOR Fazias mal. Se hoje desses falta aca

    bava-se a obra... (volta a ler) Ora pois: era isto no tempo em que os animais falavam; dizia-se que Herodes, pai de Salom, era um antigo

    apreciador de cabeas e que l nisso era ele como a filha

    servidas no prato, todas, em cima dos ombros nem uma;

    (Tubas. Clangor. Hino da Mocidade Portuguesa. Eritra Salom, acompanhada de Comelius Macissus, Apontador. Salom usa uma vara que traz espetada na ponta a cabea j podre do Baptista que, a propsito e a despropsito, ela beija na boca. Tambm cortitinuamewite namora Comelius, pondo4he sobre a cara a mscara do Prof eta.)

    SALOM para Comelius Macissus No foi to bom, to bom, Comlio? To engraado?

    CORjNELIUS MACISSUS cptico Uno. SALOM Como era no fim do poema? Diz

    como era? (Oesto de ignorncia de C. M.. Salom declama:)

    Alegria! Alegria!Glria de sentir-me em cada dia Mais doente, mais fraca, mais dorida Mas cada vez mais agarrada vida!

    ...Mas cada vez mais agarrada vida! (Beija a boca

  • do Profeta e sada depois os Doutores) Meus bons amigos...

    MATATtlAS fazendo a reverncia Falai no mau...

    EDEAZAR idem Que vem esta fazer hoje aqui ?!

    TOBIAS idem e falando para o Orador No se poder dispensar isto?

    ORADOR Cautela, Tobias! Estes so a viso, e a fora, do mal. (para o pblico) Mias Senhoras e meus senhores: tenho a honra de apresentar... SALOM! Prrpppppp! Acompanhada de Cor- nelius Macissus, Apontador (Faz o gesto de cortar a garganta). 'Palmas, senhores! (Bate uma salva de palmas, no que acompanhado ppr todos os Doutores ).

    SALIM lnguida Muito obrigada... Muito obrigada... No venho incomodar? Interromper? Apeteceu-me ouvir poemas...

    ELEIAZAR correndo para Salom Tudo o que quiserdes! Inesperada-desusada honra ver aqui entre ns a Serenssima! (pega-lhe na mo) Ol, t boa?

    MATATIAS A Nossa Serenssima no quereria marcar? Hoje s damos aula de filologia, com excluso de outras listas.

    SALOM Filo qu?MATATIAS Filo... ( interrompe-se).CORNELIUS MACISSUS Essa resposta

    chata.

    98

  • SALOM No tem importncia. Os Doutores so assim. (Falando para a cabea do Baptista) S tu, meu sbio, foste outro comigo. Poeta. Poeita. Poeta. Mal venha a noite, danarei de novo para ti. Como fiz onitem. Como fao sempre (o tom passa a irnico) com a esforada colaborao de Comelius. (Rspida, para este ltimo e designando Matatias) Tira-lhe o subsdio contra as febres, o abono de famlia e o banho no Euf rates!! (Comelius apon/ta num caerni- nho )

    MATATIAS Oh, Serenssima!ELEAZAR By Zeus, Senhora! Misericrdia,

    um pouco! O Dr. Matatias s fazia explicar-se, Verdade que mal, sobre o Regulamentus desta Academia, o cujo qual foi h muito aprovado, chancelado e tocado pelo rei vosso pai. E at por ti prpria, lembras-te?

    SALOM Lembro. E depois? Hoje acordei virada a poesia. J tomei uma dose, Quero mais. (Os Doutores entrelham^se). Ento? Quase fazeis esperar!

    ELJElAZAiR Pois que se cumpra! (Toma atitude de quem vai recitar).

    SALOM interrompendo 'No, Os teus j conheo. Tambm muito bons, tambm muito engraado. (Aponta Matatias). Quero ouvir dali.

    MATATIAS lendo um papel que tira de entre os livros

    No sei, ama, onde era,Nunca o saberei...

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  • Sei que era primavera E o jardim do Rei...

    TODOS MENOS SALOM E CORNELIUS MA- CISSUS

    Filha, quem o soubera!

    MATATIAS Que azul to azul tinha Ali o azul do cu!Se eu no era a rainha,Porque era tudo meu?

    TODOS MENOS SALOM E CORNELIUS MA-dssus