Martim-Cererê-teatro de sombras

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1 Encenação do teatro de Sombras História adaptada do livro “Martim-Cererê” de Cassiano Ricardo. Cassiano Ricardo (1895-1974) – jornalista, poeta e ensaísta brasileiro. Representante do modernismo de tendência nacionalista. Em 1928 publica o livro Martim-Cererê, espécie de fábula ou lenda em forma de poema épico (narrativa contada em versos), inspirado na nossa mitologia e no nosso folclore. Martim-Cererê foi importante experiência modernista na linha mitológica de Macunaíma de Mario de Andrade e Cobra-Norato de Raul Bopp. É importante ressaltar que no modernismo, por exemplo, houve grande intenção de resgatar nossas raízes culturais, de modo que muitos modernistas, a exemplo do poeta Mario de Andrade, foram grandes folcloristas e dedicados pesquisadores da cultura do povo brasileiro. Deste modo, o folclore brasileiro foi e continua sendo fonte de inspiração para muitos artistas eruditos devido à riqueza do seu imaginário (da imaginação do povo) e de suas inúmeras formas de expressão. Temos muitos artistas consagrados que produziram suas obras inspirando-se e bebendo desta fonte que é o folclore e a cultura do povo, a exemplo de grandes nomes tais como o grande compositor Villa-Lobos (na música), Cândido Portinari (na pintura), Mario de Andrade, Cassiano Ricardo (poetas), entre outros. Assim, Martim-Cererê é uma espécie de narrativa em versos, inspirada nas lendas do folclore brasileiro e que narra uma espécie de mito da formação do Brasil [ou seja, uma construção mítica (imaginária) do povo do Brasil, em forma de versos]. Assim, a Uiara e Aimberê, o Marinheiro (português) e o africano são componentes da narrativa que, na trama mítica que os envolvem (e repleta de elementos do imaginário destes componentes), remete às três raças que foram essenciais para a formação do Brasil e do povo brasileiro. Resumo da história: A história apresentada será então uma adaptação de um trecho do livro e que fala, em linguagem metafórica e repleta de alusões

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Encenação do teatro de Sombras

→ História adaptada do livro “Martim-Cererê” de Cassiano Ricardo.

Cassiano Ricardo (1895-1974) – jornalista, poeta e ensaísta brasileiro. Representante do modernismo de tendência nacionalista. Em 1928 publica o livro Martim-Cererê, espécie de fábula ou lenda em forma de poema épico (narrativa contada em versos), inspirado na nossa mitologia e no nosso folclore. Martim-Cererê foi importante experiência modernista na linha mitológica de Macunaíma de Mario de Andrade e Cobra-Norato de Raul Bopp.

É importante ressaltar que no modernismo, por exemplo, houve grande intenção de resgatar nossas raízes culturais, de modo que muitos modernistas, a exemplo do poeta Mario de Andrade, foram grandes folcloristas e dedicados pesquisadores da cultura do povo brasileiro. Deste modo, o folclore brasileiro foi e continua sendo fonte de inspiração para muitos artistas eruditos devido à riqueza do seu imaginário (da imaginação do povo) e de suas inúmeras formas de expressão. Temos muitos artistas consagrados que produziram suas obras inspirando-se e bebendo desta fonte que é o folclore e a cultura do povo, a exemplo de grandes nomes tais como o grande compositor Villa-Lobos (na música), Cândido Portinari (na pintura), Mario de Andrade, Cassiano Ricardo (poetas), entre outros.

Assim, Martim-Cererê é uma espécie de narrativa em versos, inspirada nas lendas do folclore brasileiro e que narra uma espécie de mito da formação do Brasil [ou seja, uma construção mítica (imaginária) do povo do Brasil, em forma de versos]. Assim, a Uiara e Aimberê, o Marinheiro (português) e o africano são componentes da narrativa que, na trama mítica que os envolvem (e repleta de elementos do imaginário destes componentes), remete às três raças que foram essenciais para a formação do Brasil e do povo brasileiro.

Resumo da história:

A história apresentada será então uma adaptação de um trecho do livro e que fala, em linguagem metafórica e repleta de alusões simbólicas da formação do Brasil. Primeiro era só uma enorme terra, de Palmeiras, pássaros e animais diversos onde vivia Uiara e também Aimberê, Rei do Mato. Mas, no início, nesta terra, só havia sol, não havia noite e Uiara diz que aceita se casar com Aimberê apenas se ele for buscar a noite. Aimberê vai buscar a noite, indo parar no sítio fim do mundo. A cobra grande, então, lhe entrega o fruto de tucumã onde a noite estaria dentro... , mas recomenda a Aimberê não abrir o fruto antes da hora marcada, ou ele ficaria perdido para sempre no fim do mundo, pois a noite que mora no fruto virará onça preta e comerá o sol do fim do mundo, escondendo os seus caminhos. No caminho, Aimberê é tentado e abre o fruto, ficando perdido. E a terra de Uiara continua apenas tendo dia. Até que, certa vez, chega um marinheiro (alusão ao português) e ouvindo o canto da Uiara, ofereceu-se também para casar-se com ela. Uiara dirá que se casará apenas com quem a noite trouxer. Mas como poderia alguém achar a Noite onde tudo era Sol? Então, o novo pretendente se aventurou em seu navio e foi buscar a noite no mar. Em tantas idas e vindas no mar, um dia, Uiara viu descer do navio do marinheiro, um povo da pele cor da noite (o africano) e acreditou ser um sinal de que ele estava trazendo a noite. E assim, aceitou casar-se com ele. Na praia, se casaram e sob o escândalo dos pássaros, finalmente Deus diz: “Faça-se a Noite”. E a Uiara se

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casou com o Marujo. E depois deste, vieram muitos casamentos e gente de muitas cores. Mas no princípio foram três: o homem da terra, com seu nomadismo, o homem do mar, com sua carga de aventura e o homem da noite, para mesclar-se com o sol dos trópicos. Todos eles, de mãos dadas e, depois de beber em grandes goles a água do rio em que nascera, correndo pra dentro da terra e de costas voltadas para o mar, todos três, bateram à porta do interior do Brasil num tropel formidável: “Nós queremos entrar!” Era uma vez... E lá se foram todos três.

PERSONAGENS:-UIARA-AIMBERÊ- MARUJO PORTUGUÊS-AFRICANO

Outros:-Coruja-Boto-Cobra-Grande-onça

Alguns elementos a serem utilizados na encenação:-Navio do Português-fruto do dia e o fruto da noite- fruto de tucumã- e outros a serem pensados...

→ Como o texto é em forma poética, creio que seria bom uma boa quantidade de NARRADORES , uns seis, talvez.

ARESENTAÇÃO DA ENCENAÇÃO A PARTIR DA ADAPTAÇÃO DE UM TRECHO DO LIVRO MARTIM-CERERÊ (Apresentação apenas do texto, as criações das cenas a partir do texto deverão ser elaboradas)

TÍTULO: (uma idéia seria, depois de ler para eles, recolher as sugestões de títulos dadas por eles)NARRADOR 1: (o narrador 1 poderá fazer uma introdução à história que será apresentada: que se trata de um poema de autor tal...inspirado nas lendas de nosso folclore etc e tal.NARRADOR 2: Havia um local desconhecido, era apenas uma Terra Grande e, no começo dos tempos, nesta Terra Grande, não havia noite, apenas sol. E a moça bonita, chamada Uiara, morava na Terra Grande. Dizem que tinha cabelo verde, olhos amarelos. O mato é verde; pois seus cabelos eram mais verdes. A flor do ipê é amarela; pois seus cabelos eram mais amarelos.Assim,De primeiro neste mundoSó havia sol mais nadaNoite não haviaHavia só manhãUma manhã espessaCom a coroa de plumasVermelhas à cabeçaSó manhã no mundo

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Pois noite não haviaSó manhã no mundoSem nenhuma idéia de haver noite nem dia

Todas as mulheres Eram filhas do solNa manhã gentil

E os homens cantavamQue nem pássaros nusPelos galhos das árvoresSem noite sem diaPorque só havia solNoite não havia

Mas dois frutos haviaE num deles moravaA Noite no outro o DiaMas ninguém sabiaEm que galho em que arbustoÉ que a Noite estariaE onde estava o Dia.

Não havia medo De perder a horaOu contar-se um segredoSó havia sol se rindoSe rindo grande e realComo um ruivo animalDentro do matagal.

NARRADOR 2:

No país do solHavia uma mulherVerde olho de ouroVestida de solImagem da manhãSem noção do amanhãChamava-se Uiara.

Então AimberêNascido crescidoSem nunca chorar,Viu ela no banhoE – guerreiro moço –Se pôs a tocarNuma flauta de osso,Vil, rudimentar,Esta toada triste:

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Sou o Rei do MatoQuero me casarMas é com você.

E o pobre tapuiaSe pôs a chorarSem saber porquê.

NARRADOR 3:

Mas a Uiara responde:“A manhã é muito clara...Não há noite na terra...O sol espia a gentePelos vãos do arvoredo...Sem noite, francamente,Não quero me casarPorque não há segredo...O que há são olhosEm que o sol se reparteOlhos que espiam tudoOlhos por toda parte!Se você, meu amigo,Quer se casar comigo,Tenho uma condiçãoÉ haver Noite, na Terra”.

“Sem Noite, não e NÃO”

Então o Rei do MatoPintado a genipapo e urucumPartiu lesto, levandoOs povos da manhãPara os lados do atlânticoSob um dourado açoiteO solÀ procura da noite...

NARRADOR 4:

E m nome do seu povoAimberê vai ao Carão:“Onde está a Noite? Eu quero a Noite.”

- Pituna mora no ocoDo pau, na barriga do coco.A coruja que mora no oco do topo sabe onde.

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E em nome de seu povoAimberê vai à Coruja“Onde está a Noite? Eu quero a Noite.

-Pituna mora no fundoDa água maior que houver no mundoO Boto, que se escondeNo buraco do mundo sabe onde.

Então o Boto responde:“Pituna virou Onça Preta;O sol virou em araraE a onça comeu o Sol”

Mas onde?

Só um eco responde: onde?

NARRADOR 5:

Até que no fim da estradaNo sítio acaba-mundoO Rei do Mato encontraA Cobra Grande que, Olhos de safiraSe disse sua irmã.Então a Cobra GrandeLhe fala: “Eu tenho a Noite”.

E dá-lhe um espinhentoFruto de tucumã“A noite mora ao centroDesta fruta do mato, Que é espinhenta por foraMas gostosa por dentro...”

“Vá por este caminhoMas não abra o segredoAntes da hora marcadaPra seu amor não serSimples palavra vã.Que se abrires o frutoPor encanto ou por medoVocê terá o castigoDe sol e de chão bruto, Que te dará Tupã.

E a Noite que está dentroDeste crespo por foraFruto de tucumã

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Virará Onça Preta.

E tudo será noiteDe não se ver mais nadaMas apenas aqui neste trecho do fim do mundoE você, Rei do MatoFicará o vagabundoDo sítio acaba-mundoE vagará perdidoNa grande Noite cega.

NARRADOR 6:

Aimberê, o Rei do MatoVoltava pra casa contenteCom a Noite dentro do frutoE a madrugada nos olhos...

Mas no caminho, encontrou o Pererê:“Não percebe que a Cobra-Grande te enganouTe deu um oco, dentro do coco?”Ele ouviu e não fez conta.

Até que, no seu caminho,Onde parouPra descansar um bocado,Mordido pela formigaVerde da curiosidade,Levou o fruto ao ouvidoPra ouvir o canto da Noite;E ouviu o surdo gorjeioDo grande Bicho FelpudoQue gorjeava, lá no escuro“moro aqui dentroMas não durmo nem sosegoPois sou um pássaro cego.”

-“Bicho Felpudo da NoiteQue tens um olho na testa,Mas tens a cabeça ocaO meu povo te perguntaQue enorme segredo é o teuQue cantas mas não tens boca?”E ouviu uma coisa loucaQue o deixou branco de sustoComo se já houvesse lua.

E, por encanto, ou por medo,Porém já sem inocência,Tão louco está e tão tonto

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Que abre o fruto proibidoE pronto!

Salta de dentro a Onça Preta!Cadê o Sol?A Onça Preta comeu.

Cadê a Arara?A Onça Preta comeu.

Cadê a Noite?Ah! A Noite sou eu.

(nesta parte da encenação, por exemplo, poderíamos deixar tudo escurecer, ficando tudo bem escuro)

NARRADOR 7:

E a noite se fez,Mas apenas ao redor de AimberêE ele ficou no sítio acaba-mundoSem caminho, sem noiva

E no país de UiaraO tempo prosseguiaSem noite sem diaSó sol havia.

NARRADOR 8:

Até que certo dia,Chegou um marinheiroQue saltara das ondasNum pássaro marinhoRuflando a asa enormeDas velas redondasPor errar o caminho.Desce nas terras de UiaraE em nome de seu povoVem o dono da casaE oferece o que é seu:Águas, cobras e flores!

Nisto a manhã loucaGrita: “Bem te vi”E o Marinheiro brancoCoração já confusoOuve maravilhadoO gorjeio do pássaroComo explicar que uma ave

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De país tão distante e agresteDiga que bem o viuParece que dois povosTinham marcado encontroNessa manhã sem par

Um que vinha do MarEm busca de um tesouroChamado sol da Terra

Outro vindo da TerraPara os lados do AtlânticoÀ procura da NoiteComo se adivinhasse,Por estranha magia.Que havia o Mar da NoitePois no fundo das águasÉ que a Noite estaria.

NARRADOR 9:

E ao ouvir o Canto da UiaraO Marinheiro também ofereceu-sePara casar com ela.

“Eu vim do mar! Sou filho de outra raça.Para servir meu rei andei à caçaDe mundos nunca vistos nem sonhados, Por mares nunca de outrem navegados”.Trago uma cruz de sangue em cada vela!

E agora, Ó Uiara, eu sou um rouxinol.Épico só no mar, lírico em terra,Quero gorjear à beira do regatoE o teu beijo colher, fruta do matoVigiada pelas onças de olhos de ouro

NARRADOR 10:

E os novos habitantes, por se tratar de uma ilha,Batizaram a Terra Grande como o nome Vera-Cruz

Ilha cheia de GraçaIlha cheia de pássarosIlha cheia de luz

Depois mudaram-lhe o nomePra Terra de Santa Cruz

Terra cheia de Graça

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Terra cheia de pássarosTerra cheia de luz.

E como a terra fosse de árvores vermelhasE se houvesse mostrado assaz gentil,Deram-lhe o nome de Brasil.

Brasil cheio de graçaBrasil cheio de pássarosBrasil cheio de luz.

NARRADOR 11:

Mas a Uiara assim respondeu ao novo pretendente:Vá buscar a noite; só casarei com aquele que primeiroMe trouxer a noite...

Mas como poderiaAlguém achar a noiteOnde tudo era o Sol?Onde a manhã feliz, sem concorrência,Andava solta pelo matagal?

Então o novo pretendente.Épico só no mar, lírico em terra,Partiu em seu navio aventureiroE foi buscar a Noite...

NARRADOR:

E começa a longa históriaDo navio que ia e vinhaPela estrada azul do Atlântico

E o Navio AventureiroQue trouxe o DescobridorE que trouxe o PovoadorE que trouxe o CaçadorEra um navio encantado que ia e vinha

E qual não foi a alegriaDa Uiara na manhã clara!No instante em que viu descerDo Navio aventureiroUm povo da cor da Noite

Acreditou então, a jovem UiaraQue era um sinalDe que o pretendente do martrazia a noite em suas ondas.

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NARRADOR:

Tal como o marinheiroEsses povos cor da noiteVinham de outro continenteOnde viviam os povosA quem, DeusProfuso e alternanteOs fez com a cor da noite.

E trouxeram o jongo, o batuqueDanças, festasE muito mais

E o país de UiaraFoi ficando cheioDe tanta coisa variadaE como acreditou a UiaraQue o marinheiro lhe houvesse Trazido a noiteAli mesmo, na praiaSob o escândalo dos pássarosA Uiara casou-se com ele.

E como depois deste casamentoMuitos outros se fizeramNo país das grandes terrasE das palmeirasFinalmente, Deus diz:Faça-se a noite.E assim, fez a noite,Para também casar-se com o solNo país dos trópicos.

NARRADOR:

E como depois,Muitos outros casamentos houveramNasceu gente de todos os tiposE todas as coresMisturados ao sol e a noiteAo mar e a terraDo país dos trópicos

Mas como conta o mitoNo princípio eram três

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O homem da terra, com seu nomadismoO homem do mar, com sua carga de aventuraO homem da noite, para mesclar-se com o sol dos trópicos

Todos três,De mãos dadasE pela primeira vez,Depois de terem bebido em grandes golesA água do rio em que nasceraTodos trêsBateram à porta do interior do BrasilNum tropel formidável:Nós queremos entrar!Era uma vês...E lá se foram todos três.

FIM