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O cultivo do morangueiro em sistema de transição ecológica: componentes do rendimento e incidência de doenças Strawberry crop in an ecological transitional production system: yield components and diseases occurrence MARTINS, Denise de Souza 1 ; SCHWENGBER, José Ernani 2 ; STRASSBURGER, André Samuel 3 ; SILVA, Jurandir Buchweitz e 4 1Programa de Pós-Graduação em Sistema de Produção Agrícola Familiar, FAEM/UFPEL, Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 2Embrapa Clima Temperado, Estação Experimental Cascata, Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 3Programa de Pós-Graduação em Sistema de Produção Agrícola Familiar, FAEM/UFPEL, Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 4Programa de Pós-Graduação em Sistema de Produção Agrícola Familiar, FAEM/UFPEL, Pelotas/RS - Brasil, [email protected] RESUMO O objetivo do trabalho foi avaliar a influência do manejo na cultura do morangueiro sobre os componentes de rendimento e a incidência de doenças. O experimento foi realizado na Embrapa Clima Temperado, Pelotas, RS em 2008, utilizando-se duas cultivares em sistema de transição ecológica. Foi avaliada a utilização de duas caldas, calda bordalesa 0,5% e Curamor 5% em comparação com uma parcela testemunha. A distribuição da produção de pseudofrutos não é alterada pelas pulverizações foliares, salientando-se a produção de morango nos meses do verão pela cultivar Albion. As pulverizações semanais das caldas são desnecessárias, pois a incidência de doenças é baixa, desde que se adote um conjunto de práticas de manejo durante o ciclo produtivo. A cultivar Albion apresenta maior número de pseudofrutos que a cultivar Camarosa, mas as massas médias dos morangos se mantêm semelhantes. As cultivares Camarosa e Albion, em sistemas bem manejados, apresentam-se tolerantes a mancha da Gnomonia. PALAVRAS-CHAVE: Fragaria x ananassa, produção de base ecológica, caldas protetoras, manejo. ABSTRACT The aim of this study was to evaluate the influence of management use in strawberry crop yield components and disease occurrence. The experiment was conducted at Embrapa Clima Temperado, Southern Brazil, in 2008. Two cultivars were evaluated in an ecological transitional management system. In this experiment, two grouts, bordalesa syrup 0.5% and Curamor 5%, were assessed and compared with a control plot. Fruit production distribution was not altered by foliar applications. Cultivar Albion proved to be interesting choice for an increase of fruit supply in the summer months. Weekly sprays of grout on plants proved to be unnecessary because of the low disease incidence in these plants, and because of the adoption of a set of management practices during the production cycle. ‘Albion’ yielded a greater fruit number than ‘Camarosa’, but the average fruit masses were similar. Cultivars Camarosa and Albion were Gnomonia stain tolerant in well-managed systems. KEY WORDS: Fragaria x ananassa, organic production, alternative input, management. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 6(1) : 117-126 (2011) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 30/03/2011

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O cultivo do morangueiro em sistema de transição ecológica:componentes do rendimento e incidência de doençasStrawberry crop in an ecological transitional production system: yield components anddiseases occurrence

MARTINS, Denise de Souza1; SCHWENGBER, José Ernani2; STRASSBURGER, André Samuel3;SILVA, Jurandir Buchweitz e4

1Programa de Pós-Graduação em Sistema de Produção Agrícola Familiar, FAEM/UFPEL, Pelotas/RS -Brasil, [email protected]; 2Embrapa Clima Temperado, Estação Experimental Cascata,Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 3Programa de Pós-Graduação em Sistema deProdução Agrícola Familiar, FAEM/UFPEL, Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 4Programade Pós-Graduação em Sistema de Produção Agrícola Familiar, FAEM/UFPEL, Pelotas/RS - Brasil,[email protected]

RESUMOO objetivo do trabalho foi avaliar a influência do manejo na cultura do morangueiro sobre os componentesde rendimento e a incidência de doenças. O experimento foi realizado na Embrapa Clima Temperado,Pelotas, RS em 2008, utilizando-se duas cultivares em sistema de transição ecológica. Foi avaliada autilização de duas caldas, calda bordalesa 0,5% e Curamor 5% em comparação com uma parcelatestemunha. A distribuição da produção de pseudofrutos não é alterada pelas pulverizações foliares,salientando-se a produção de morango nos meses do verão pela cultivar Albion. As pulverizaçõessemanais das caldas são desnecessárias, pois a incidência de doenças é baixa, desde que se adote umconjunto de práticas de manejo durante o ciclo produtivo. A cultivar Albion apresenta maior número depseudofrutos que a cultivar Camarosa, mas as massas médias dos morangos se mantêm semelhantes.As cultivares Camarosa e Albion, em sistemas bem manejados, apresentam-se tolerantes a mancha daGnomonia.PALAVRAS-CHAVE: Fragaria x ananassa, produção de base ecológica, caldas protetoras, manejo.

ABSTRACTThe aim of this study was to evaluate the influence of management use in strawberry crop yieldcomponents and disease occurrence. The experiment was conducted at Embrapa Clima Temperado,Southern Brazil, in 2008. Two cultivars were evaluated in an ecological transitional management system.In this experiment, two grouts, bordalesa syrup 0.5% and Curamor 5%, were assessed and compared witha control plot. Fruit production distribution was not altered by foliar applications. Cultivar Albion proved tobe interesting choice for an increase of fruit supply in the summer months. Weekly sprays of grout onplants proved to be unnecessary because of the low disease incidence in these plants, and because ofthe adoption of a set of management practices during the production cycle. ‘Albion’ yielded a greater fruitnumber than ‘Camarosa’, but the average fruit masses were similar. Cultivars Camarosa and Albion wereGnomonia stain tolerant in well-managed systems.KEY WORDS: Fragaria x ananassa, organic production, alternative input, management.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 6(1) : 117-126 (2011)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 30/03/2011

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IntroduçãoSegundo dados do Censo agropecuário (IBGE,

2011), em 2006 o Brasil produziu 72.245 toneladasde morangos em aproximadamente 7.777estabelecimentos rurais, sendo o Rio Grande doSul responsável por 13,6% da produção nacional,atrás apenas de Minas Gerais, que produziu55,7% do total de morangos brasileiros. Grandeparte desta produção se dá em estabelecimentosque praticam agricultura convencional, poissegundo este mesmo Censo, apenas 1,8% dosestabelecimentos agropecuários praticamagricultura orgânica no país e, destes, 9,9%dedicam-se à horticultura.

Neste sistema predominante em que vemsendo cultivado o morangueiro utilizam-se altascargas de agrotóxicos, deixando-o entre as quatrohortaliças campeãs em contaminação por estesprodutos, citadas no Relatório do Programa deAnálise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentosde 2009 da ANVISA (ANVISA, 2010). Entre asamostras de morango, 50,8% apresentaramresultado insatisfatório, ou seja, ingredientes ativosde agrotóxicos acima do Limite Máximo deResíduos (LMR) permitido ou resíduos deingredientes ativos não autorizados para a cultura.

A busca por alimentos mais “limpos” e livresdestes contaminantes faz com que a procura pelosalimentos orgânicos cresça no Brasil (GAZETA DOPOVO, 2010), estimulando com isso a transiçãodos sistemas convencionais de produção parasistemas agrícolas mais sustentáveis para atenderesta demanda crescente. Segundo Gliessman(2000), essa transição passa por três etapasfundamentais, sendo a primeira a racionalizaçãodos insumos da agricultura convencional; asegunda etapa é a substituição dos insumosconvencionais por insumos alternativos; e aterceira é o redesenho do agroecossistema deforma que ele funcione baseado em um novoconjunto de processos ecológicos.

A substituição dos insumos da agriculturaconvencional por insumos alternativos, no período

da transição ecológica, se faz necessária até queocorra o restabelecimento do equilíbrio natural doagroecossistema. Nesta fase é comum osurgimento de dúvidas como produtos alternativosque podem ser utilizados na cultura, a escolha dascultivares e as práticas de manejo adequadas naprodução de base ecológica.

Na produção de base ecológica domorangueiro, se deve dar preferência paracultivares adaptadas aos locais de produção eresistentes ao ataque de doenças e pragas(SOUZA e RESENDE, 2006; SCHWENGBER eSCHIEDECK, 2008). Outro fator fundamental é omanejo adequado das plantas no sistema, como aabertura dos túneis na primeira hora da manhãpara retirada da umidade e assim permitir osecamento das plantas, evitando o aparecimentode doenças (SCHWENGBER e SCHIEDECK,2008).

Quanto aos insumos alternativos indicadospara a cultura existem diversos estudos (CLARO,2001; SOUZA e RESENDE, 2006; MAZARO et al.,2008; DIAS-ARIEIRA et al., 2010), dando aoagricultor uma série de opções no momento demanejar a lavoura. Porém, isso também faz comque muitos agricultores apenas troquem o pacotetecnológico dos agrotóxicos por insumosalternativos, utilizando altas freqüências deaplicações das caldas, sem realizar omonitoramento da necessidade de aplicação esem levar em consideração que outras práticas demanejo também são fundamentais paramanutenção de um cultivo saudável.

A partir do exposto, o objetivo do trabalho foiavaliar a influência da aplicação de caldasalternativas aliadas a outras práticas de manejosobre os componentes de rendimento e aincidência de doenças em duas cultivares demorangueiro em sistema de transição ecológica.

Material e MétodosO experimento foi realizado na Estação

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Experimental Cascata (Embrapa ClimaTemperado), localizada no 5º distrito do municípiode Pelotas, Rio Grande do Sul. A localizaçãogeográfica aproximada é: 31º 37’ S, 52º 31’ W ealtitude de 181 metros. A área de estudo encontra-se no Planalto Dissecado de Sudeste (Escudo Sul-Riograndense), com solo do tipo Argissolo(SANTOS et al., 2006) e clima do tipo Cfa,segundo a classificação de Köppen-Geiger (PEELet al., 2007).

Utilizaram-se canteiros, abrigados por túneisbaixos, cobertos com filme de polietileno de baixadensidade (PEBD) com 0,1 mm, dispostos nosentido Leste-Oeste, com dimensões de 1,20 x 9,0m distanciados de 0,50 m, sendo que cada parcelaexperimental foi constituída de 10 plantasdispostas na forma de quincôncio espaçadas de0,30 em 0,30 m em três linhas de plantio sobre ocanteiro. A cobertura do solo foi realizada complástico preto (PEBD) com 0,05 mm de espessurae 2,00 m de largura, colocado sobre os canteiros30 dias após o transplante das mudas.

Utilizou-se calcário dolomítico para a correçãodo pH e, vermicomposto bovino e torta de mamonapara a correção da fertilidade do solo, de acordocom análise química e recomendação para acultura (SBCS, 2004). As mudas foramtransplantadas no dia 12/05/2008 e em seguida foirealizada aplicação de trichoderma (2g m-2) paramanejo de fungos de solo causadores depodridões das raízes e por consequência mortedas plantas (OLIVEIRA & VALDEBENITO-SANHUEZA, 2005). O delineamento experimentaladotado foi o de blocos completos casualizados,com três repetições.

A irrigação foi realizada de forma localizada,por gotejamento, sendo sua necessidademonitorada pelo método da tensão da água nosolo com o auxílio de um vacuômetro commanômetro, instalado a 0,15m de profundidade deacordo com as recomendações de PIRES et al.

(2006) em um ponto estratégico na área. Afertirrigação foi realizada utilizando-se húmuslíquido a 10%, preparado a partir de estercobovino misturado com água. Essa mistura eraagitada pelo menos uma vez ao dia durante 4 a 7dias, quando estava pronta para uso (SCHIEDECKet al., 2006), sendo coada e aplicada ao sistemade irrigação por meio de tubo de Venturi.

O experimento constou da utilização de duascultivares de morangueiro: Camarosa, de dia curto,amplamente utilizada na região Sul; e Albion,cultivar de dia neutro que está sendo introduzidana região (MARTINS, et al., 2009). O manejoadotado durante o ciclo produtivo constou daabertura dos túneis na primeira hora da manhã(8h00) e fechamento no final da tarde (16h00 noinverno e 18h00 no verão). Limpezas quinzenaisforam realizadas em todas as plantas, retirando-sefolhas, pseudofrutos ou até mesmo plantasseveramente atacadas por insetos ou doenças. Omanejo fitossanitário de ácaros foi efetuadomediante aplicação de calda sulfocálcica nos dias07/07, 18/07, 31/07, 17/10, 19/11, 04/12.

Foram avaliadas duas caldas alternativas parao manejo na ocorrência de doenças nomorangueiro, calda bordalesa a 0,5% e o Curamora 5%, um produto a base de calda bordalesa maisextratos vegetais (CLARO, 2001), o qual aindanão possui registro, em comparação com umaparcela testemunha que recebeu pulverizaçõescom água destilada, proporcionando oumedecimento das folhas como na aplicação dascaldas, mas sem presença de nenhum ingredienteativo. A aplicação das caldas foi realizadasemanalmente, imitando o que ocorre com aaplicação de agrotóxicos em cultivosconvencionais, quando os agricultores aplicamprodutos fitossanitários com grande frequência,sem realizar um monitoramento da realnecessidade de aplicação. As pulverizaçõesiniciaram dois meses após o transplante das

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mudas.Foram avaliados a distribuição da produção

durante o ciclo produtivo, número de pseudofrutose produção total por planta, massa média dospseudofrutos, porcentagem da produção nãocomerciável e incidência de doenças. As colheitasforam realizadas três vezes na semana, somandoao final do ciclo produtivo 44 colheitas. Após cadacolheita, os pseudofrutos foram contados eclassificados, sendo considerados nãocomerciáveis aqueles com massa inferior a 6g,danificados por insetos, atacados por doenças oucom deformações (CEAGESP, 2002), e sua massadeterminada em balança.

A presença da mancha de Gnomonia(Gnomonia comari P. Karst), principal doençaencontrada nas folhas, foi avaliada quinzenalmentede acordo com escalas de notas, adaptada de

Verona et al. (2006) para mancha de Micosfarela(Mycosphaerella fragariae (Tul.) Lin) e Mazaro etal. (2006) para a mancha de Dendrophoma(Dendrophoma obscurans (Ell &Ev.)H.W.Anderson) em morangueiro.

A avaliação foi realizada pela atribuição de umaescala de notas levando-se em consideração amédia geral da parcela: 0=ausência de sintomasvisíveis (equivalendo a 0,9% da área do folíolocom sintoma); 1=Folíolos com início de lesões(equivalendo a 2,9 a 9,1% da área do folíolo comsintoma); 2=Folíolos com lesão mediana(equivalendo a 25,2% da área do folíolo comsintoma); 3= Folíolos com lesão avançada(equivalendo a 53,3% da área do folíolo comsintoma); 4=Lesão distribuída em toda folha(equivalendo a 79,5% da área do folíolo comsintoma), sendo que foram realizadas nove

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Figura 1: Distribuição da produção mensal de morangos durante o ciclo produtivo de cultivo dascultivares Camarosa e Albion. Embrapa Clima Temperado, Pelotas, 2008.1Valores seguidos pela mesma letra no mesmo mês não diferem entre si pelo teste DMS (P<0.05).

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avaliações, iniciando-se dois meses após otransplante das mudas.

Os resultados foram submetidos à análise devariância pelo teste F, comparando-se as médiasdo fator cultivar pelo teste DMS com 5% deprobabilidade de erro.

Resultados e DiscussãoA análise de variância demonstrou que não

houve interação entre os fatores experimentaisestudados para nenhuma das variáveis avaliadas,assim como não houve diferença estatística entreas pulverizações foliares para manejo das doençaspara cada época de análise dentro de cadacultivar. As cultivares, no entanto, apresentaram

diferença estatística entre si para a média deprodução de pseudofrutos nas diferentespulverizações foliares de acordo com a época deanálise (Figura 1).

A produção de morangos esteve distribuídaentre os meses de setembro a dezembro, para acultivar Camarosa e setembro a fevereiro para acultivar Albion, com maior concentração nosmeses de outubro e novembro, para ambas ascultivares, independentemente das caldasutilizadas. A produção de pseudofrutos por plantaacumulada em cada mês de colheita não diferiuestatisticamente entre os tratamentos para asdiferentes cultivares estudadas, por isso ascultivares foram apresentadas em um único

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Figura 2: Enfezamento das plantas da cultivar Camarosa devido à aplicação semanal de calda bordalesa(0,5%). Embrapa Clima Temperado, Pelotas, 2008.

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gráfico, comparando-se a média das pulverizações.Como se pode observar na Figura 1, no mês de

setembro o fator cultivar exerceu influência naprodução de pseudofrutos, sendo que a produçãode morangos na cultivar Camarosa foisignificativamente maior, apresentando em médiauma produção de 45,3g planta-1 enquanto que acultivar Albion apresentou uma produção de 6,8gplanta-1. Isso mostra a característica de maiorprecocidade da cultivar Camarosa, tambémobservada por Santos (2003), fator importante nomomento de escolher cultivares que produzamantecipadamente, quando o agricultor obtém preçodiferenciado na venda do morango.

No mês de outubro, se pode observar que ascultivares não diferiram estatisticamente entre si.Em novembro a produção das duas cultivares seequipararam, chegando a uma média de 224,8gplanta-1 quando as plantas apresentam seu picode produção. A cultivar Albion para o mês dedezembro apresentou produção significativamentemaior que a cultivar Camarosa, diferindoestatisticamente desta, com uma média de 163g

planta-1 enquanto que a cultivar Camarosaapresentou 86,8g planta-1 (Figura 1). A cultivarAlbion, nos meses de janeiro e fevereiro produziumais 119,3g planta-1, o que representaaproximadamente 700g m-2 de área cultivada,enquanto a cultivar Camarosa parou sua produçãoainda no mês de dezembro (Figura 1). Essacaracterística de produção tardia é importante paraque o agricultor obtenha produção depseudofrutos fora do período de maior oferta,quando os preços pagos pelo morango aumentamem média 60% quando comparados aos preçospagos na safra.

A produção total de pseudofrutos por plantaacumulada de setembro a fevereiro nãodemonstrou diferença estatística entre as cultivaresestudadas para a média das pulverizações (Figura1), sendo que a cultivar Camarosa apresentou585,2g planta-1 e a cultivar Albion 661,8g planta-1,produções que superam a média geral para acultura no Estado do RS (ANTUNES & DUARTEFILHO, 2005). Porém, como se observa na Figura1, a distribuição da produção para as duas

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cultivares se dá de forma distinta, sendo a cultivarCamarosa mais precoce enquanto a cultivar Albionapresenta produção mais tardia. A distribuição daprodução na cultura do morangueiro se apresentatão ou mais importante que a produção total depseudofrutos, pois se a produção for maisdistribuída no tempo, dilui o emprego da mão-de-obra na lavoura, bem como os riscos de perda daprodução no tempo, além de aumentar o períodode oferta do morango no mercado.

As variáveis analisadas para as cultivares nãomostraram diferença estatística significativa(p<0,05) para nenhuma das caldas foliaresaplicadas (Tabelas 1 e 2), porém, numericamente,notou-se que a aplicação de calda bordalesa nacultivar Camarosa diminuiu a produção em 19,7%em relação a aplicação de Curamor e 22,4% emrelação ao tratamento testemunha. Isso significaque a testemunha produziu 841,7g m-2 a mais queo tratamento com calda bordalesa, que representaum acréscimo na produção total de 8,4 Mg ha-1,sendo este um aumento significativo para oagricultor.

Através das avaliações visuais das plantas nocampo (não foram realizadas análisesquantitativas) percebeu-se que a aplicaçãosemanal de calda bordalesa diminuiu ocrescimento vegetativo da cultivar Camarosa(Figura 2), sendo que muitas plantasapresentaram enfezamento, que se atribuiu a açãodo cobre na planta, causador deste tipo desintoma. Acredita-se que essa reação da planta àaplicação de calda bordalesa ocorreu pela altafrequência de aplicação do insumo, que foiescolhida para simular o que ocorre em cultivosbaseados no pacote tecnológico da revoluçãoverde, quando se aplicam produtos na lavoura semhaver monitoramento da necessidade de utilizaçãodos mesmos e sem preocupação com asconsequências posteriores. Assim, resultadosdiferentes poderiam ter sido obtidos com outrafrequência de aplicação do insumo.

A cultivar Camarosa apresentou em média 38,5pseudofrutos por planta, enquanto a cultivar Albionapresentou 45,8 pseudofrutos por planta. Essadiferença numérica ocorreu devido à produção da

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cultivar Albion ter se estendido nos meses dejaneiro e fevereiro, o que aumenta a produção demorangos por planta, mas faz com que a massamédia geral dos pseudofrutos diminua, pois nesseperíodo os morangos são advindos da frutificaçãomais significativa de flores terciárias e quaternáriasdo que de flores primárias e secundárias, além daplanta já estar no final do ciclo produtivo. A massamédia dos pseudofrutos da cultivar Camarosa,independentemente do tratamento utilizado, foi15,2g, o que superou os resultados obtidos porVerona et al. (2007) em Chapecó, Santa Catarina epor Farinacio et al. (2008) em Pato Branco, Paraná,utilizando esta mesma cultivar sob sistema deprodução orgânica.

Mazaro et al. (2008) no Paraná com aplicaçõessemanais de calda bordalesa 0,5% na cultivarCamarosa obtiveram dados semelhantes quanto anúmero de pseudofrutos por planta, massa médiados morangos e produção total por planta, everificaram que utilizando concentrações da caldaacima de 2% ocorreram decréscimo do número depseudofrutos, diminuição da massa média e porconsequência menor produtividade da cultivar,indicando danos fitotóxicos à planta comconcentrações acima desta e na frequência deaplicação utilizada.

A porcentagem de pseudofrutos nãocomerciáveis para a Camarosa foi em média de9,3% e para Albion 9,6% (Tabelas 1 e 2). Apesardesta diferença não ser significativaestatisticamente, a maior perda em massa depseudofrutos ocorreu na cultivar Albion devido,principalmente, as perdas de morangos nos mesesde janeiro e fevereiro, quando o descarte depseudofrutos se deu pelo ataque de ácaros, brocado morango (Lobiopa insularis), queimaduras dosol e morangos com massa inferior a 6g. Odescarte de pseudofrutos pela incidência dedoenças praticamente não ocorreu.

Baseado nos resultados das escalas paraavaliação das doenças, que variaram de ausência

de sintomas a início dos mesmos, de 0,9 a 9,1%da área do folíolo com sintoma, observou-se queambas cultivares apresentaram baixa incidência dedoenças durante o ciclo de cultivo, sendo que aprincipal doença observada foi a mancha deGnomonia (Gnomonia comari P. Karst) nas folhas,também de baixa escala (Tabelas 1 e 2). SegundoUeno et al. (2006), a incidência de mancha deGnomonia na cultura do morangueiro ainda érecente no RS, mas essa doença vem ocorrendo elimitando a produção de pequenas frutas noEstado, tendo sido encontrada pela primeira vezem 2006, nas cultivares Aromas e Camarosa.

A cultivar Camarosa apresentou-se maisresistente à mancha da Gnomonia nos meses dejulho a outubro, independente das pulverizaçõesfoliares, pois apresentou baixa incidência desintomas nas folhas neste período (valor 0,1 naescala), sendo mais suscetível em novembro,quando as folhas apresentavam sintomas iniciaispara todas as caldas utilizadas (valor 1,0 naescala). A cultivar Albion apresentou maiorsuscetibilidade a mancha de Gnomonia nos mesesde julho e início de agosto para a utilização deCuramor (valor 0,55 na escala) e no tratamentotestemunha (valor 1,0 na escala), pois apresentoualguns sintomas da doença nas folhas, masrecuperou sua sanidade a partir do final do mês deagosto (valor 0,1 na escala). Como foi realizadalimpeza quinzenal das plantas de ambas ascultivares com retirada de folhas senescentes edoentes, não ocorreu agravamento das doençasnas plantas para nenhum dos tratamentos foliaresutilizados. Isso nos leva a inferir que mesmo nafase de transição, quando se utilizam insumosalternativos em substituição aos convencionais,deve existir uma racionalização do uso destesinsumos e um manejo rigoroso em relação àlimpeza das plantas na lavoura, pois mesmo notratamento testemunha, a presença de mancha dagnomonia não causou prejuízo à produtividadedas cultivares.

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Considerações FinaisA distribuição da produção de pseudofrutos não

é alterada pelas pulverizações foliares,destacando-se a cultivar Albion para oferta demorangos nos meses do verão.

As pulverizações semanais de caldasfitoprotetoras nas plantas são desnecessárias, poisa incidência de doenças nas plantas é baixa desdeque se utilizem práticas de manejo adequadasdurante o ciclo produtivo.

Novos experimentos devem ser realizados paratestar doses e frequência de aplicação adequadaspara utilização de caldas a base de cobre nacultura do morangueiro, pois nas usadas nesteexperimento, a calda bordalesa mostra-se fitotóxicapara a cultura.

A cultivar Albion apresenta maior número depseudofrutos que a cultivar Camarosa, mas asmassas médias de pseudofrutos se mantêmsemelhantes. Isso faz com que as cultivaresapresentem produtividade maior que a média doEstado do RS, com 34,4 Mg ha-1 para a cultivarCamarosa e 38,9 Mg ha-1 para a cultivar Albion.

As cultivares Camarosa e Albion, em sistemasbem manejados, apresentam-se tolerantes amancha da Gnomonia.Referências bibliográficasANTUNES, L.E.C; DUARTE FILHO, J. Importância

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