Marx e a Técnica

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Susana Jimenez Jackline Rabelo Maria das Dares Mendes Segundo OR G A N I Z ADD R A S N MARXISMO, ED~(A~AO E LUTA DE, (LAS~ES: PRESSUPOSTOS ONTOLOGICOS E DESDOBRAMENTOS IDEO-POLITICOS BETANIA MORAES CLEIDE CARNEIRO CRISTIANE PORFIRIO DERIBALDO SANTOS EDNA BERTOLDO EDLENE PIMENTEL EDILENE TOLEDO ED UARDO CHAGAS FREDERICO COSTA GILMAfSA MACEDO DA COSTA HELENA FRERES JOSE JACKSON COELHO SAM PAID JACKLINE RABELO MARIA DAS DORES MENDES SEGUNDO MARTEANA FERREIRA DE LIMA MONICA REGINA NASCIMENTO DOS SANTOS MAURILENE DO CARMO NATALIA AYRES OSTERNE MAlA RUTH DE PAULA ROSANGELA RIBEIRO DA SILVA SUSANA JIMENEZ VALDEMARIN COELHO GOMES Fortaleza 2010

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Marxismo e tecnica

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Susana JimenezJackline Rabelo

Maria das Dares Mendes SegundoOR G A N I Z ADD R A S

N

MARXISMO, ED~(A~AO E LUTA DE, (LAS~ES:PRESSUPOSTOS ONTOLOGICOS E DESDOBRAMENTOS IDEO-POLITICOS

BETANIA MORAESCLEIDE CARNEIRO

CRISTIANE PORFIRIODERIBALDO SANTOS

EDNA BERTOLDOEDLENE PIMENTEL

EDILENE TOLEDOED UARDO CHAGASFREDERICO COSTA

GILMAfSA MACEDO DA COSTA

HELENA FRERES

JOSE JACKSON COELHO SAM PAIDJACKLINE RABELOMARIA DAS DORES MENDES SEGUNDOMARTEANA FERREIRA DE LIMAMONICA REGINA NASCIMENTO DOS SANTOSMAURILENE DO CARMONATALIA AYRESOSTERNE MAlARUTH DE PAULA

ROSANGELA RIBEIRO DA SILVASUSANA JIMENEZVALDEMARIN COELHO GOMES

Fortaleza2010

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MARXISMO, EDUCA<;Ao E LUTA DE CLASSES:PRESSUPOSTOS ONTOLOGICOS E DESDOBRAMENTOS IDEO-POLITICOS

© 2010 Copyright by Susana jimenez, jackline Rabelo,Maria das Dores Mendes Segundo

Impresso no Brasil / Printed in BrazilEfetuado dep6sito legal na Biblioteca Nacional

TODOS OS DIREITOS RESERVADOSEditora da Universidade Estadual do Ceara. - EdUECE

Av. Paranjana, 1700 - Campus do Itaperi - Reitoria - Fortaleza - CearaCEP: 60740-000 - Tel: (085) 3101-9893. FAX: (85) 3101-9603

Internet: www.uece.br- Email: [email protected]

I••'ASSOClAy\O BRASILEIRADAS EDITORAS UNIVERSITARIAS

Coordenar;:do EditorialLiduina Farias Almeida da Costa

Projeto GraficoCarlos Alberto Alexandre Dantas

CapaValdemarin Coelho Gomes (UFPB)

Figura da CapaDo quadro Trabalhador, de Portinari

Revisdo de TextoAutores

Normalizar;:ao BibliograficaRegina celia Paiva da Silva - CRB 1051

Ficha CatalograficaFrancisco WSilton Silva Rios

M392 Marxismo, educar;:ao e luta de classes: pressupostos ontol6gicos e desdobra-mentos ideo-politicos/OrganizQl;:ao Susana jimenez, jackline Rabelo,Maria das Dores Mendes Segundo - Fortaleza: EdUECE, 2010.

343 p.

ISBN: 978-85-7826-075-0

1. Marxismo. 2. Educac;:ao. 3. Ontologia. 4. Ideologia. I. Susana jimenez.II. jackline Rabelo. III. Maria das Dores Mendes Segundo.

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REfLEXAO SOBRE A T£CNICA EM MARX

o debate sobre a questao da tecnica e as suas inovac;oes, 0 pro-gresso tecnico-cientifico, e relativamente recente, e atualmente estaem pauta, tendo em vista que a sociedade, de um modo geral, mo-biliza-se para enfrentar diversos problemas que podem submeter arisco 0 proprio Planeta ou a destruic;ao do genero humano, como, porexemplo: os recentes fenomenos climaticos, os efeitos do aquecimentoglobal, a desertificac;ao da terra, a degradac;ao do meio ambiente, 0

desaparecimento das florestas tropicais, a falta de materias-primas,de agua, de alimento, a fome, os perigos das guerras e a corrida arma-mentista, as crises economicas e 0 desemprego estrutural.

Depois de expressas essas observac;oes iniciais, tratarei da tec-nica no pensamento de Karl Marx. Esse autor nao desenvolveu umateoria espedfica sobre a tecnica. 0 seu pensamento instigante deu,contudo, espac;opara uma discussao sobre a tecnologia, especialmen-te na sua obra 0 Capital (Das Kapital) (1867), que toea tambem naquestao do papel dela em nossa sociedade. Com referencia a umareflexao sobre ela, 0 pensamento de Marx se poe, no sentido geral,de forma positiva, 0 que nao se deve entender por uma filosofia doprogresso tecnico, de cunho liberal-burgues. Marx foi 0 primeiro adestacar 0 papel da tecnica no desenvolvimento dos potenciais pro-dutivos de uma dada formac;ao socioeconomica. Para ele, 0 homem eum ser capaz de produzir as proprias ferramentas e suas condic;oesdevida. Como ele diz:

Assimcomo 0 homem para respirar precisa de urn pul-moo, para consumirprodutivamente as fon;:asda nature-za precisa de urn 'produto criado pelas suas moos'. Paraexplorar a forc;:amotriz da agua, e necessariouma roda

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hidraulica e para explorar a elasticidade do vapor, umamaquina a vapor. 0 que ocorre com as forc;asda natu-reza sucede tambem com a ciencia (MARX, 1962,v. 23,p.407).

espiritual como dois momentos cristalizados, estaticos, mas ~im comodois instantes que se operam ao mesmo tempo, comoyartes m~egran-tes da totalidade social. Marx (1965, v. 26, p. 257) delxa claro IStO,aodizer, nas Teorias sobre a Mais-Valia (Theorien iiber den Mehrwert), que aprodw;ao material nao deve ser considerada

como uma categoria geral, mas em sua forma hist6ricadeterminada. [...] Sea pr6pria produC;aomaterial nao forconcebida em sua forma hist6rica especifica, e impossivelcompreender0 que e especificoa produc;aoespiritual quea ela correspondee a influencia reciprocade uma sobrea outra.

Em 0 Capital, Marx mostra que produ<;ao mecanizada, isto e,a maquinaria e 0 seu desenvolvimento, cada vez mais aperfei<;oado,trouxe aumento da produtividade do trabalho, no menor tempo pos-sive!. A tecnologia, com a sua transforma<;ao e/ou inova<;ao, podeser interpretada como urn elemento necessario para a transforma<;aosocial, pois e ela que incrementa e possibilita os meios de produ<;ao.Neste sentido positivo, a tecnologia e neutra, e 0 seu significado de-pende da rela<;aosocial de produ<;aoem que ela esta inserida, ou seja,de seu usa, de quem esta no dominio dos meios de produ<;ao.

Na sociedade capitalista, a tecnologia € vista por Marx, no en-tanto, negativamente, na medida em que ela e manipulada pelo capi-tal, esta a servi<;odele, para expandi-Io contra 0 homem, acentuandoa sua desumaniza<;ao; ou seja, para Marx, a tecnologia e influencia-da, determinada, pela esfera economica, orientada pelo capital e, por-tanto, nao e autonoma nem neutra. Sendo assim, a tecnologia naopode ser uma potencia independente, ja que ela nao pode se negar aoscomprometimentos com 0 capital, nem pode ser em si neutra, uma vezque ela nao e indiferente aos fins politicos, tendo explicitamente urncompromisso politico e economico com os interesses do capital.

Isto foi interpretado por algumas posi<;6esantimarxistas comourn uma debilidade no pensamento de Marx, ao ponto de ver nele urnmecanicismo entre a esfera da produ<;ao da existencia (determinante)e a esfera da ciencia, da tecnica, das ideias e da consciencia (determi-nada), sem uma ideia da praxis como media<;ao entre 0 material (0

economico) eo espiritual, entre a "base" e a "superestrutura". Na ver-dade, essa acusa<;ao feita a Marx e inadequada, pois ela se baseia emno<;6essimb6licas, "infra-estrutura" e "superestrutura", tomadas combase em urn fator determinante ante os demais, que sao, no entan-to, arbitrarias e falhas (imprecisas) para explicar a especificidade dosmomentos como partes de urn todo. E isto nao pode ser atribuido aMarx, porquanto ele nao considera a produ<;aomaterial e a produ<;ao

Nao ha em Marx, portanto, uma supervaloriza<;ao do aspectosocioeconomico no que concerne a dimensao da "superestrutur?"; o~seja, para ele, nao se trata de uma valoriza<;ao, em que uma e .mmsimportante do que a outra, ou em que uma e det~rmina.nte e

Aatl:,a, e

a outra determinada e passiva, mas de uma reClproca mfluenclQ deuma sobre a outra.

Marx nao compreende a tecnica como mero produto do eco-nomico e sim como urn componente inseparavel dos processos deforma<;5.oda vida humana. 0 seu pensamento nao p~d~ ser re.du-zido a urn objetivismo,a urn mero determinismo e:on?mlCO, pOlSaobjetividade e impensavel sem a intima co~r:spondenCl~ co~ a ~~b-jetividade. Nao ha, para ele, objeto sem su~elto, :o~o nao. ha s~Jeltosem objeto. Nenhum dos polos dessa rela<;ao, sUJelto~ obJeto, e ~os-to como urn dado a priori; eles se constituem na rela<;ao. Quer dlzer,Marx (SILVEIRA;DORAY,1989, p. 11) nao considera 0 ho~em ~penasno seu carater objetivo, determinado, mas em seu devlr. E e nesseprocesso que se criam formas de objetiva<;ao q~e ~ossibil.i:a~, porsua vez outras formas de subjetiva<;ao, como a tecmca, a ClenCla.etc.Marx ~uer mostrar e que, na verdade, a tecnica nao e nem uma ms-tcmcia pr6pria, autonoma, abstrata, n~m posta ~aturalmente, d~daimediatamente ao individuo, mas constltmda soclQlmente, produzldanuma dada forma<;ao social, num determinado tempo hist6ri,c? Porisso, a sua reflexao sobre ela nao pode deixar de lado uma anahse dasociedade capitalista que a forja.

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Marx viveu 0 furor de uma revolu~ao industrial a toda mar-cha, que mudou extraordinariamente a vida do cidadao comum, quet~ansfor~o~ camponeses em citadinos assalariados refens de preca-nas condl~oes de trabalho e que jogou cruelmente mulheres e crian-~as nas fabricas. Marx pode presenciar a revolu~ao do instrumentaldo trabalho, a transforma~ao sem precedente do mundo do trabalhoqu~, certamente, foi possivel por causa do desenvolvimento da tecno~10glO.£Ie chega a constatar que, no perfodo de 1861 a 1868, desapare-cer~m, da I~glaterra, .338 fabricas de algodao; ou seja, a maquinariamms ~rodutIva e mms potente da epoca se concentrou nas maos deu~ numero men or de capitalistas. 0 numero de teares a vapor dimi-nulU em 20.663, embora 0 seu produto ao mesmo tempo aumentasse,de r.n0do que ~m tear aperfei~oado produzia enta~ mais do que urnantIgo. !a~bem 0 numero de fusos cresceu de 1.612.547, enquantoo ~~~nt~,tatlvod~ ~r~balhadores empregados diminuiu de 50.505. Amlsena. temporana com que a crise algodoeira oprimiu os trabalha-dores fOl,no entanto, intensificada e consolada pelo progresso rapidoe permanente da maquinaria.

Mar~ eViden~iaaqui a centralidade da tecnologia no capitalis-mo" o~ seJa, ele delxa claro 0 lugar privilegiado que a inova~ao tec-nologlCa tern no mundo capitalista, ou seja, a inova~ao tecnologicaco~o f~r~a motriz do capital, como motor da dinamica do sistemacapItahsta. E~e~ostra, ~o entanto, que essa inova~ao tecnologica,o progresso tecmco na dlmensao capitalista, gera crises e revela urndescaso em rela~ao a existencia do horn em, unilateral, fragmentadoe de~endente de urn processo produtivo que se the impoe. Marx evi-denclO urn homem oprimido pela maquinaria reificada: 0 homemque trab~lha nao e ativo, limita-se a executar alguns movimentoscom os pes ou com as maos e ja nao se serve da maquina como nopassado ele se serviu de ferramentas para executar suas ati~idades Arela~ao foi invertida: no capitalismo, e a maquina autonomizada ~uese serve do homem e 0 substitui; em vez da tecnologia ser subordina-da e controlada pelo homem, e ela que 0 controla.

~arx trata ,da ~ecnologia, ao longo de sua obra, e ja nos tex-tos de Juventude e eVldente sua crftica a ela, embora nao tenha aqui

desenvolvido conceitos fundamentais de sua teoria, como for~a detrabalho, tempo de trabalho, trabalho abstrato, trabalho concreto,valor, mais-valia. A tecnica nao em si, enquanto tal, mas inseridana rela~ao social de produ~ao capitalista, e, para Marx, negativa,porque ela tern como fun~ao subordinar 0 trabalho ao capital, e meiode explora~ao e dominio do trabalho, e concorrente do trabalhador,desvaloriza a for~a de trabalho, rebaixa salarios, provoca redu~ao deemprego e resulta no empobrecimento da subjetividade do trabalha-dor no processo de trabalho. Ja na decada de 1840, destacam-se doistextos de Marx, nos quais e evidente esse seu tratamento negativoacerca da tecnica no capitalismo, a saber, A Miseria da Filosofia (DasElend der Philosophie) (1847) eo Manifesto do Partido Comunista (Mani-fest der Kommunistischen Partez)(1847-48).

Em A Miseria da Filosofia, particularmente no segundo capitulo,§20, intitulado "A Divisao do Trabalho e as Maquinas" (Arbeitsteilungund Maschinen), Marx se opoe a posi~ao de Proudhon, para quem atecnica, a maquinaria, no capitalismo, significa a supera~ao da di-visao do trabcilho e a restaura~ao plena da unidade do homem notrabalho, a recomposi~ao da sintese do homem, especializado, frag-mentado nas antigas oficinas, na manufatura. Segundo a opiniao deproudhon, (apud MARX,1959, v. 4, p. 149) de acordo com Marx,

o aparecimento constante das moquinas e a antftese, aformula inversa do trabalho: Ela e 0 protesto do genioindustrial contra 0 trabalho parcelar [...]. De fato, que euma moquina? Vma maneira de reunir diferentes par-tes do trabalho, que a divisiio tinha separado. Qualquermoquina pode ser definida como urn resume de diversasopera~6es. [...] Por isso, pela moquina havero restaura~iiodo trabalhador.

Marx defende 0 argumento de que, pelo contrario, a maquina-ria, ao concentrar urn conjunto de "instrumentos espedficos de pro-du~ao", ao reunir as ferramentas de trabalho, e apen(ls urn somatoriode varias atividades isoladas, quer dizer, reune apenas as propriasatividades isoladas dos horn ens que trabalham e, alem disso, essacombinac;ao das tarefas nao e para 0 proprio homem que trabalha,

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mas para 0 capital (0 capital foi reunido), por conseguinte, ela naoe a antftese da divisao do trabalho, nem a sfntese que restabelece aunidade no trabalho dividido; com outras palavras, ela nao s6 apro-funda a divisao social do trabalho (0 homem foi dividido ainda mais),como tambem nao possibilita 0 desenvolvimento integral do homem,a sua reconstruc;ao plena no ambito de sua universalidade.

Proudhon, ao se opor a divisao do trabalho nas manufaturas,como, por exemplo, na fabricac;ao de alfinetes, em que uns cortam osfios de latao em comprimento, e outros fabricam e fixam as cabec;asdos alfinetes, acredita que 0 trabalhador, com a tecnica,com a oficinaautomatica, com a maquinaria, faria "nao apenas a duodecima partede urn alfinete, mas sucessivamente todas as dozes partes. 0 trabalha-dorchegaria assim a cH~nciae a consciencia do alfinete." (MARX, 1959,v. 4, p. 157) Proudhon ve nisso 0 desapareci~ento das especialidades,das especies e do idiotismo da profissao no seio da sociedade moderna.Marx ressalta que ele, na verdade, confunde a poliespecializac;ao como desenvolvimento integral e pleno do homem no trabalho, pois 0 quea maquinaria possibilita ao homem nao e a especializac;ao, tampouco"0 trabalho sintetico", a universalizac;ao, mas 0 multifuncionalismo,o somat6rio de atividades isoladas, pr6prio das transformac;6es queocorrem atualmente no processo de trabalho.

Tambem, em 0 Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engelsdestacam que, no ambito da tecnica capitalista, da maquinaria in-dustrial moderna, 0 trabalho do homem perde 0 seu carMer atrativoe autonomo, uma vez que 0 homem se torna urn mero acess6rio damaquina, manejando apenas atividades simples, enfadonhas. Comodizem Marx e Engels (1957, v. 4, p. 469): "0 trabalhador passa a serurn simples apendice da maquina e s6 se requer dele a operac;ao maissimples, mais mon6tona, mais facH de aprender." E mais:

bem diariamente, a cada hora, escravos da maquina, docontramestre e, sobretudo, do burgues mesmo, dona dafabrica (MARXe ENGELS,1959, v. 4, p. 469).

Com a maquinaria capitalista, 0 indivfduo que trabalha deixa,portanto, de ser sujeito de sua atividade, ou seja, perde nao s6 0 con-trole do processo de trabalho, na medida em que s6 executa ordens,como tambem embrutece a sua subjetividade. .

Marx diz que 0 que especifica essa sociedade capitalista e 0 va-lor de troca, 0 capital, e este determina 0 nexo da sociedade, 0 convf-via social entre os homens, fazendo com que estes assumam a formade coisa. Nos Grundrisse (1857-58), diz ele:

A dependencia mutua e generalizada dos individuos reci-procamente indiferentes constitui 0 seu nexo social. Estenexo social e expresso no valor de troca [...], isto e, [em]algo universal, no qual toda individualidade, toda parti-cularidade e negada e cancelada (MARX,1983, v. 42, p.90-91).

A industria moderna transformou a pequena oficina doantigo mestre da corpora~ao patriarcal na grande fabricado industrial capitalista. Massas de trabalhadores, amon-toadas na fabrica, estao sob a vigilancia de uma hierar-quia completa de oficiais e suboficiais. Nao san somenteescravos da classe burguesa, do Estado burgues, mas tam-

o carMer social da atividade, assim como a forma socialdo produto e a participa~ao do individuo na produ~ao,apresentam-se aqui como algo estranho e com carater decoisa frente aos individuos; nao como seu estar reciproca-mente relacionados, mas como seu estar subordinados arela~6es que subsistem independentemente deles e nas-cern do choque dos individuos reciprocamente indiferen-tes. 0 intercambio geral das atividades e dos produtos,que se converte na condi~ao de vida para cada individuosingular e sua conexao recfproca com os outros, apresen-ta-se diante deles pr6prios como algo estranho., indepen-dente, como uma coisa. No valor de troca, 0 vinculo socialentre as pessoas transforma-se em rela~ao social entre coi-sas; a capacidade pessoal, em uma capacidade das coisas(MARX,1983, v. 42, p. 91).

Marx destaca aqui a indiferenc;a, 0 estranhamento, 0 alheamen-to, como a caracteristica particular do homem na sociedade capitalista.

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E 0 capital, 0 valor de troca, 0 dinheiro, que medeia as relac;6essociais,eliminando as diferenc;associais, ou tornado-as indiferentes. £ssa indi-ferenc;aentre os homens, na sociedade capitalista, e uma consequenciado modo de produc;ao capitalista que elimina nao s6 as determinac;6esparticulares em relac;ao aos homens e as diferenc;as qualitativas dosprodutos, das propriedades, dos atributos particulares das coisas (cor,cheiro, peso etc.), isto e, daquilo que distingue materialmente osvaloresde uso particulares das coisas, tornando-as meras mercadorias, comotambem as formas especificas do trabalho util-concreto, reduzindo--os, assim, a uma s6 especie de trabalho, 0 trabalho humano abstrato(CHAGASin MENEZESet aI, 2009, p. 25-26) Portanto, nas condic;6esdo capitalismo, 0 homem se determina como forc;ade trabalho, comomercadoria, como coisa. £, na qualidade de coisa, as relac;6esentre oshomens se transformam em relac;6esentre coisas; cada urn e indiferen-te ao outro, esta separado dos demais, levando 0 homem a urn comple-to isolamento social, a uma ausencia de sociabilidade.

Urn texto importante sobre 0 homem reificado e, precisamen-te, "0 Carater Fetichista da Mercadoria e 0 seu Segredo" (Oer Fetis-chcharakter der Ware und sein Geheimnis), publicado em 0 Capital. In-vestigando 0 fetichismo da mercadoria, Marx observa que 0 carater"mfstico", "enigmatico", da mercadoria nao provem de seu valor deusa, mas da forma do valor, do valor de troca. Assim ele descreve 0

fenqmeno do fetichismo da mercadoria:

Ja que os produtores somente entram em contato socialmediante a troca de seus produtos de trabalho, as caracte-risticas especificamente sociais de seus trabalhos privadoss6 aparecem no interior dessa troca. [...] Por isso, aos [pro-dutores], as relac;:oessociais entre os seus trabalhos priva-dos aparecem como 0 que sao, isto e, nao como relac;:oesimediatamente sociais entre pessoas em seus pr6priostrabalhos, mas, pelo contrario, como relac;:oesreificadasentre as pessoas e relac;:oessociais entre as coisas (MARX,1962, v. 23, p. 87).

o misterio da forma mercadoria consiste, portanto,simplesmente no fato de que ela reflete aos homens ascaracteristicas sociais do seu pr6prio trabalho como ca-ractensticas objetivas dos pr6prios produtos do trabalho,como propriedades naturais sociais dessas coisas e, porisso, tambem reflete a relac;:aosocial dos produtores como trabalho total como uma relac;:aosocial entre objetosexistentes fora deles. Por meio desse quiproqu6 [dessadissimulac;:ao], os produtos do trabalho se tornam mer-cadorias, coisas sensiveis insensiveis [imperceptiveis aossentidos] ou sociais. [...] E apenas uma relac;:aosocial de-terminada entre os pr6prios homens, que para eles assu-me aqui a forma fantasmag6rica de uma relac;:aoentrecoisas (MARX,1964, v. 23, p. 86).

Marx enfatiza, aqui, a condic;ao tragica do homem no mundomoderno, pois, no processo produtivo de mercadorias, se cria uma ob-jetividade (a forma acabada do mundo das mercadorias) que anulaos pr6prios homens. Marx destaca a presenc;a de uma objetividadesem 0 humano, ou de urn humano esvaziado, para 0 qual a realidadeaparece como urn mundo exterior; quer dizer, 0 homem desconheceo mundo, a sua pr6pria atividade, as condic;6es pelas quais se pro-duz sua existencia, percebendo 0 mundo, a existencia real, como algofora dele, externo e alheio a ele, e nao como urn produto de seu pr6-prio trabalho, de sua subjetividade. Marx mostra ainda que, nessascondic;6es fetichizadas, os homens como sujeitos sao abolidos, con-trolados pelas coisas, no lugar de as controlar e se tornam coisas vi-vas (de ordem mercadoI6gica), e o~produtos de seu trabalho, quandogerados como mercadorias, aparecem como atributos de si mesmos,autonomizados, a margem dos trabalhos individuais (privados) dosprodutores, dotados, portanto, de uma feic;ao fantasmag6rica, diver-sa de sua realidade, portadores de urn segredo oculto, de urn podermisterioso, sobrenatural, encobrindo, assim, a relac;ao social entre ostrabalhos individuais (os trabalhos concretos, particulares) e 0 tra-balho total (trabalho abstrato) e os produtos do trabalho ou, melhorexpressando, ocultando a sua origem, a sua fonte, 0 trabalho socialque os fundamenta.

Num importante texto, intitulado Manuscritos Economicos de1861-1863 (Okonomisches Manuskript 1861-1863), que representa 0momenta de passagem entre os Grundrisse e 0 Capital, Marx estabele-

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ce a relas;ao entre a maquinaria e 0 trabalho vivo, destacando os efei-tos nocivos da mecanizas;ao sobre 0 homem, que ela mesma eliminae substitui. E na industria moderna, e no emprego do novo sistema demaquinas sobre 0 qual se fundamenta a mecanizas;ao das fabricas,que 0 produto do trabalho passado (vergangnere Arbeit), do trabalhomorto (vergegenstiindlichte Arbeit), 0 trabalho ja materializado, que setorn a novamente ferramentas, maquinas (meio de trabalho), substi-tui 0 trabalho vivo (lebendige Arbeit), 0 trabalho humano, produzindo,assim, em larga escala, urn excedente de trabalhadores como meiopara baratear 0 valor da propria fors;ade trabalho (pessimamente re-munerada) e, com isto, aumentar a produs;ao de "mais-trabalho", demais-valia, a especulas;ao do capital. 0 trabalho humano, sendo subs-titufdo pela maquina, evidencia, segundo Marx, a tendencia geral daprodus;ao capitalista tomad.a em todos os .seusramos produtivos.

Marx deixa claro que a produs;ao mecanizada-capitalista criou,pois, urn excedente de trabalhadores e substituiu 0 trabalho vivo pelotrabalho passado (vergangnere Arbeit) (trabalho morto), ou seja, 0 tra-balho humano pelo instrumento de trabalho, pela maquina, razaopor que a primeira luta dos trabalhadores contra a produs;ao capita-lista desenvolvida foi expressa, de forma imediata, pela destruis;ao dasmaquinas e pela oposis;ao geral a introdus;ao de maquinaria comomeio de produs;ao. Essa luta de oposis;aopor parte dos trabalhadoresocorria "instintivamente" contra 0 principio, 0 fundamento geral, so-bre 0 qual aconteceu a transis;ao da produs;ao manufatureira, artesa-nal, para 0 modo de produs;ao capitalista, sem que as fors;as sociaisdo trabalho fossem inclufdas; pelo contrario, a produs;ao capitalistatrazia na sua essencia uma deprecias;ao ao trabalho que ela mesma,na qualidade de produs;ao mecanizada, desenvolvia. Em todo caso,Marx destaca que nao se pode negar que a maquinaria desenvolveua agricultura, transformando a terra aravel em pastagens, com 0 usade melhores instrumentos e cavalos; ah~m disso, a produs;ao capita-lista, tendo por base 0 emprego de capital, da dencia e da maquina,intensificou, em larga escala, 0 crescimento da produs;ao e diminuiuo numero de trabalhadores efetivamente ocupados. Com 0 empregoda maquinaria, deu-se a superas;ao da produs;ao artesanal, manufa-tureira; a maquina substituiu a ferramenta manual, 0 trabalho me-

c(mico se impos sobre 0 trabalho simples, ja que 0 trabalho mecanicoproduzia, por exemplo, mais fechaduras do que 0 trabalho manualde urn serralheiro independente, alojado num dado atelier ou numaoficina medieval. Marx demonstra que, com 0 referido emprego damaquinaria, se expandiu subitamente, de maneira prodigiosa, a pro-dus;ao de mercadorias, elevou-se ainda mais a produtividade, 0 quefez decair a demanda de trabalho, diminuindo 0 tempo absoluto detrabalho necessario, mas nao eliminando 0 trabalho vivo, 0 temporelativo de trabalho empregado na produs;ao de mercadorias, quecontinua sendo a base de extras;ao da mais-valia, da exploras;ao docapital sobre 0 trabalho.

A mecanizas;ao foi uma revolus;ao, neste sentido, no modo deprodus;ao em geral e e intrfnseca a produs;ao capitalista. Assim queela se consolidou no interior das oficinas, sua finalidade passou a sero constante aperfeis;oamento da maquinaria como ferramenta im-pulsionadora das fors;as produtivas, e, justamente por isso, resultounuma diminuis;ao relativa do numero de trabalhadores no interiordo conjunto da produs;ao de uma determinada massa de mercado-rias. Marx (1983, v. 43) diz, em Okonomisches Manuskript 1861-1863,que a formula basica da maquinaria nao e a diminuis;ao relativa dajornada individual de trabalho - a qual e parte necessaria da jor-nada de trabalho - mas redus;ao da quantidade de trabalhadores,isto e, das muitas jornadas paralelas, formadoras de uma jornadacoletiva de trabalho, fundamental a constituis;ao da maquinaria. Aprodus;ao mecanizada, tecnificada, calcula e determina 0 quantum detrabalho vivo, de trabalho necessario, para se obter urn quantum demais-trabalho, de mais-valia, pondo para fora do processo de pro-dus;ao uma. quantidade determinada de trabalho vivo, uma parte detrabalhadores, que passa a ser vista pelo capital como massa inutil,populas;ao superflua, incapaz de ocasionar mais valor para ele. Tor-nando superflua a fors;a muscular, a maquinaria criou as condis;6espara 0 emprego de trabalhadores com men or fors;amuscular ou comdesenvolvimento ffsicomais debil, mas com membros mais sensfveise flexfveis. A intens;ao aqui dos capitalistas era, com 0 emprego damaquina, da tecnica, utilizar e explorar tambem 0 trabalho das mu-lheres e crians;as.

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Assim,de poderosomeio de substituir trabalho e traba-lhadores, a maquinaria transformou-se imediatamenteem meio de aumentar 0 numero de assalariados, colo-cando todosos membrosda familia do trabalhador, semdiferenc;:ade sexo e de idade, sob 0 dominio imediato docapital (MARX,1962, v. 23, p. 416)

estranho, volta-se contra seu produtor e passa a domina-Io. 0 homemexterioriza suas qualidades subjetivas no objeto, poe sua vida nele,porem, agora, esta nao the pertence, mas ao objeto. Assim, quantamais objetos 0 homem produzir, tanto men os pode dele se apropriar emais se subjuga ao dominio de seu produto;

Nessa relac;ao de explorac;ao e eliminac;ao da capacidade vivade trabalho, surgem a contradic;ao e 0 conflito entre capital e traba-lho. Por isso, e ingenuo pensar que 0 Estado, sob 0 controle do capital,criara condic;oes para empregar omaior numero de trabalhadorespossivel.

No modo de produc;ao capitalista, as maquinas, a tecnica, saoinventadas e empregadas em oposic;ao ao trabalho vivo, aos traba-lhadores, que por meio delas sao enfraquecidos e divididos. De acordocom Marx, 0 grande trac;o, a caracteristica geral dessa sociedade e,todavia, contraditoria (expulsao e atrac;ao), pois nela a maquinaria,por urn lado, expulsa 0 trabalhador para fora do processo produtivo,mas, por outro, 0 reintegra, porque 0 aumento da mais-valia so se efe-tiva com a elevac;ao de trabalhadores ocupados, trabalhando. Nessasociedade, e evidenciado tambem 0 estranhamento (Entfremdung) dohomem das condic;oessociais e materiais do trabalho (materia-primae meios de trabalho), condic;oesessas que nao the pertencem e a elese contrapoem. Assim, a tecnologia, a maquinaria autonomizada,apresenta-se como forc;ashostis, ferramentas complexas e estranhasao horn em, armas que 0 atiram a rua, que 0 oprimem e se poem emfavor dos interesses particulares dos capitalistas.

Marx destaca, nos Manuscritos Economico-Filosoficos de 1844(6konomisch-philosophische Manuskripte aus dem Jahre 1844), quatroconexoes em que se apresenta 0 estranhado: a do homem com seuproduto, do homem com sua atividade produtiva, do homem com suavida generica e, por fim, do homem com outros homens. Marx mos-tra que, na produc;ao burguesa, 0 produto, resultado da objetivac;aodo trabalho, deixa de ser, para 0 horn em, seu proprio ser objetivado,para ser apenas urn objeto estranho que 0 enfrenta e escraviza. 0 ob-jeto produzido pelo homem - seu produto - opoe-se a ele como ser

quanta mais refinado0 produto, tanto mais deformado0

trabalhador; quanta mais civilizado0 objeto,tanto maisbarbara 0 trabalhador; quanta mais poderoso 0 traba-lho, tanto mais impotentese torna 0 trabalhador; quantamais brilhante e pleno de inteligencia0 trabalho, tantomais 0 trabalhador diminui em inteligencia e se tornaservoda natureza (MARX,1990, v.40, p. 513).

A essa objetivac;ao estranhada corresponde uma subjetivac;aoestranhada, pois a perda do objeto produzido,da produc;ao dos meiosnecessarios a propria produc;ao, enfim, de tudo 0 que significa pro-duc;ao pelo trabalho humano, nao e so material, mas recai tambemno mundo interior. Ha, pois, uma inversao de valores: urn empobre-cimento da subjetividade, uma desvalorizac;ao do homem diante deuma valorizac;ao da coisa, de urn enriquecimento do objeto, do pro-duto do trabalho.

Na medida em que 0 produto e estranho ao horn em, a propriaatividade produtiva se the torna alheia; 0 proprio trabalho se converteem atividade externa, que the produz deformac;ao e unilateralizac;ao.Por isso, 0 homemso pode sentir-se em si fora do trabalho, porqueneste esta fora de si; agora, sua realizac;ao evidencia-se nas func;oespuramente animais - comer, beber, procriar etc. Nessas condic;oes,0elemento humano torna-se animal e 0 animal, humano. Desse modo,quando 0 homem se confronta com 0 trabalho estranhado (entfre-mdete Arbeit) - como uma atividade nao tipica de sua especie, naopropria de seu genero - 0 seu ser generico (tanto no que diz respeitoa sua natureza fisica como as suas faculdades espirituais espedficas)converte-se num ser alheio a ele proprio. De fato, 0 trabalho, comoatividade livre e consciente, que especifica 0 carater generico do homem e 0 distingue do animal, the e negado e se transforma em sirn~pIes atividade de subsistencia e contraposta aos demais seres hunlll-

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nos. NAess~atividade especifica, que e repetitiva, fatigante e negadorada essenClahumana, 0 homem,assegura Marx,

do consumidor, como tambem "cria" subjetivamente 0 consumidor,a sua necessidade, ao determinar 0 modo, a forma especifica em queo objeto deve ser consumido. Como diz Marx (1983, v. 42, p 27): "Afome e a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozinhada, co-mida com faca e garfo, nao e a mesma fome que come a carne cruaservindo-se das maos, das unhas, dos dentes." Do mesmo modo: "0objeto de arte - tal como qualquer outro produto - cria urn publicosensivel a arte e capaz de desfrutar a beleza."(MARX, 1983, v. 42, p.27) Portanto, a prodw;ao cria 0 objeto para 0 sujeito (para 0 consu-mo), 0 modo de consumi-Io e a necessidade no sujeito desse produto(0 apetite, 0 desejo do consumo). Eo consumo e 0 mobH que impul-siona a prodw;ao, que p6e em movimento 0 processo produtivo, namedida em que ele produz a necessidade de urn novo produto, deuma nova produ~ao; Entre a produ~ao e 0 consumo, situa-se a dis-tribui~ao, que nao pode ser uma reparti~ao coletiva, igualitaria, dosprodutos, porque ela nao e independente, e sim determinada inteira-mente pela estrutura da produ~ao, que e privada, particular. Nessesentido, a distribui~ao dos produtos e determinada pela forma daprodu~ao (privada), da distribui~ao dos instrumentos de produ~ao(privados) e do fun~ao (capital e trabalho) dos membros da socie-dade na produ~ao. Do mesmo modo, a troca nao e independente eindiferente a produ~ao, e, se a produ~ao e privada, a troca tambem 0

e. Portanto, produ~ao, distribui~ao, troca e consumo sac elos de urntodo unico; eles nao sac identicos nem exteriores uns aos outros, masmomentos diferentes, embora reciprocos, no interior de uma unida-de, de uma totalidade organico-dialetica (CHAGASin JIMENEZ;OLI-VEIRA,SANTOS,2008, p. 45-62).

As analises acerca dos efeitos negativos da tecnica na sociedadecapitalista sac desenvolvidas tambem em 0 Capital, livro 1, tome I,particularmente no capitulo XIII, intitulado "Maquinaria e a GrandeIndustria" (Maschinerie und grosse Industrie), em que Marx deixa claroque, com a inven~ao da maquinaria, nao houve alivio para aquelesque trabalham. 0 objetivo da introdu~ao da maquinaria no processode trabalho nao e, como dito, amenizar 0 sofrimento do trabalhador,mas 1. aumentar a produtividade do trabalho; 2. baratear a produ~aodas mercadorias; 3. encurtar 0 tempo de trabalho (trabalho necessa-

n~o se afirma em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo;nao se sente bern, mas infeliz; nao desenvolve livrementeas energias fisicas e espirituais, mas, ao contrario, mortifi-co seu corp? e armina seu espirito. Por conseguinte, 0 tra-balhador so se sente em si fora do trabalho e no trabalhofora de si (MARX,1990, v. 40, p. 514). '

A~astado de seu ser generico, da vida de sua especie, 0 homem,na quahd~d: de.mercadoria, enquanto for~a de trabalho, restringe-sea uma eXlstenClQcorporea, biologica, preso as condi~6es mais ele-n:e~tares e men?sAde~e~volvidasde sua especie, ou seja, aquelas con-d1~oesde sobreVlVenClQ1mediata e de reprodu~ao fisica.

o que se considera com rela~ao ao "estranhamento do homema.nte 0 seu p'roduto, a sua atividade e a sua vida generica, eviden-C1a-setambem na rela~ao dele com os outros homens. Diz Marx(1990,. p. 517-518): "quando 0 homem se contrap6e a si mesmoentra Igualment~ em oposi~ao,aos outros homens." Trata-se aqui d~e~tranhamento mterno ao proprio horn em, que implica uma rela-~ao estranhada com outros homens (die Entfremdung des Menschenvon dem Menschen). 0 homem, reduzido a for~a de trabalho, a mer-Ca?oria, se relacionando com outros homens, vistos tambem comoCOlsas,mera_me~te com? ~orriens fisicos, e isto 0 principio que con-duz as rela~oes mtersubJetlvas, inter-human as, nas quais e expressoo estranhamento dos proprios homens.(CHAGAS 1994 v 6 n 16p. 23-33) , ,.,.,

E~ 0 Capital, Marx parte da produ~ao material, socialmentedetern~mada, e. demonstra que ela e urn todo organico, dinamico,uma .nc~ totahdade de rela~6es diversas, na qual seus momentosconStlt~t1voS,a distribui~ao, a troca e 0 consumo, estao concatenadose~tre SI,formando unidade sintetica, embora contraditoria: a produ-~ao o~e~ece,na forma material, 0 seu objeto, isto e, os elementosmaten~ls do co?sum~, p~is sem objeto nao ha consumo. A produ~aodeter~llna,. por:m, nao_so ~ forma objetiva, como tambem subjetivado obJeto, IStOe, ela nao so fornece 0 objeto material a necessidade

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rio) do qual 0 trabalhador precisa para si, ampliando a outra partedo tempo da jornada de trabalho, a quantidade de tempo de trabalhonew pago (trabalho excedente), pois a maquina nao e apenas 0 meiode produzir excedentes de mercadoria, mas tambem 0 meio mais efi-ciente de prolongar a jornada de trabalho; e 4. aumentar 0 ganho docapitalista, produzindo mais-valia para ele. Portanto, a tecnologia,a maquinaria, produz as condi~6es que capacitam 0 capital a seguiressa tendencia que 0 caracteriza, qual seja, a viver da explora~ao dotrabalho alheio.

Marx detecta a no~ao de que e de fundamental importanciapara a sociedade capitalista que a tecnica, a maquina, encurte 0 tem-po de trabalho, sem deixar de expandir 0 valor para 0 capital. Istoporque, como diz ele, 0

'''Poupai, raparigas, vossas maos que trituram 0 grao, e dormiSuavemente.Que 0 gala vosanuncie em vao a madrugada.Deoconfiou0 trabalho das jovensas ninfasQue corremagora saltitantes e lepidas sobreas rodas,as eixosestremecidosgiram comseus raiosFazendorodar a pesada pedra.Vivamosa vida dosantepassados e alegremo-nos,Semtrabalho, com as dcidivasque a deusa nos proporciona."'(MARX,1962,v. 23, p. 431)

prolongamento desmedidoaa jornada de trabalho, pro-duzido pela maquinaria nas maos do capital, ao fim decerto tempo provoca [..,] uma rear;ao da sociedade que,amear;ada em suas raizes vitais, estabeleceuma jornadanormal de trabalho, legalmente limitado (MARX,1962,v.23, p. 431).

CHAGAS,Eduardo F. A natureza duplice do trabalho em Marx: tra-balho utH-concreto e trabalho abstrato. MENEZES,Ana Maria Dortade. et al. (Org.). Trabalho, educa~ao, estado e a crftiea marxista.Fortaleza: Edi~6esUFC,2009. p. 25-36.___ . Diferen~a entre aliena~ao e estranhamento nos manuscritoseconomico-filos6fico de 1844. Revista Educa<;ao e Sociedade. Uber-landia, v. 6, n. 16, p. 23-33, 1994.___ "0 metoda dialetico de Marx. In: JIMENEZ,Susana Y.; SANTOS,Deribaldo. Marxismo, educa<;ao e luta de classes. Fortaleza: EDUE-CE;IMO; SINTSH,2008. p. 45-62.MARX, K. Das Kapital. Busch 1, Erster Band. Berlin: Dietz Verlag,1962. p. 407 (Marx e Engels, Werke-Mega, v. 23).

. Theorien iiber den Mehrvert. Erster TeH.Belin: Dietz Verlag,1965. p. 257 (Marx e Engels. Werke-Mega, v. 26).___ . Das elenol der philosophie. Berlin: Dietz Verlag, 1959. p. 149(Marx e Engels, Werke-Mega, v. 4).

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Em consequencia dessa limita~ao da jornada de trabalho, con-quistada, por meio de luta, pela sociedade organizada contra 0 ca-pital, Marx mostra que 0 capital se utilizou, com plena consciencia,mais do que nunca, da tecnologiQ, da maquinaria, acelerando 0 seudesenvolvimento, para converter a grandeza extensiva do tempo detrabalho em grandeza intensiva, expandindo, assim, a produ~ao demercadorias e a extra~ao de valor, de mais-valia, sem prolongar 0dia de trabalho. Mesmo com 0 progresso tecnico, com a eficiencia e 0

aceleramento do sistema de tecnicas, de maquinas, nao se deu a tOosonhada eleva~ao do padrao de vida, a redu~ao da tensao, do ritmoe da intensidade do trabalho. Aquele tempo tao sonhado pelo poetagrego Antipatros, do tempo de Cicero, que sauda a inven~ao do moi-nho de agua para moer 0 trigo, como prenuncio da "idade do ouro"da humanidade, nao foi efetivado nem no passado, nem no presente.Com estas palavras, anuncia 0 poeta a aurora da liberdade de urnmundo que nao veio: