MARX NO TEMPO DA GAZETA RENANA - Revista on-line de ...A cidade onde nasceu o pequeno Karl Marx,...
Transcript of MARX NO TEMPO DA GAZETA RENANA - Revista on-line de ...A cidade onde nasceu o pequeno Karl Marx,...
Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 1 Ano I Outubro de 2004 periodicidade semestral ndash ISSN 1981-061X
MARX NO TEMPO DA GAZETA RENANA
Vacircnia Noeli Ferreira de Assunccedilatildeo
Introduccedilatildeo
Um pensador da importacircncia do filoacutesofo alematildeo Karl Marx (1818-83)
suscita discussotildees permanentes nas quais se insere este trabalho Natildeo se
trata para noacutes contudo apenas de um interesse acadecircmico ou simples
curiosidade desliado da realidade trata-se de encontrar respostas para
questotildees que na atualidade ferem gravemente a ciecircncia e a praacutetica de uma
humanidade extremamente carente de autoconhecimento Tal anaacutelise se torna
ainda mais premente apoacutes o colapso dos regimes do leste europeu
pretensamente socialistas cuja consideraccedilatildeo impotildee-se a quem quer que se
preocupe com a questatildeo da emancipaccedilatildeo humana Enfim as discussotildees
levantadas numa pesquisa sobre o pensamento de Marx estatildeo estreitamente
atadas a problemas praacuteticos e cientiacutefico-filosoacuteficos contemporacircneos
Problemas estes que refletiram nos inuacutemeros ldquoreexamesrdquo nas
incontaacuteveis ldquoleiturasrdquo a que foi submetida obra de Marx ndash o que efetivamente
configura o seu destino traacutegico ela sofre com deturpaccedilotildees incompreensotildees
atribuiccedilotildees aleatoacuterias de sentido Mesmo os autodenominados partidaacuterios de
Marx ndash ou justamente eles ndash muito tecircm contribuiacutedo para isso Hobsbawm
observou certa vez que o marxismo ldquosempre sofreu com a tendecircncia dos
marxistas de comeccedilar por decidir o que pensam que Marx deveria ter dito e
depois procurar a confirmaccedilatildeo nos textos dos pontos de vista escolhidosrdquo
(Hobsbawm apud Fernandes 1989 p 10)
Compreender um objeto implica apreender sua differentia specifica no
nosso caso isso faz fundamental remeter agrave gecircnese do marxismo a seu
1
periacuteodo de gestaccedilatildeo o que contribui para ultrapassar toda perspectiva
unilateralizante impeditiva de sua adequada compreensatildeo De fato em boa
parte como heranccedila da II Internacional o ideaacuterio de Marx foi visto por longo
tempo como um materialismo mecanicista de caraacuteter semipositivista como
reaccedilatildeo a isso passou-se a destacar ldquoo papel ativo e criador dos fatores
subjetivos fazendo do marxismo uma filosofia da consciecircncia proacutexima do
idealismo hegeliano e distante do materialismordquo (Frederico 1990 p 9) O
ldquojovem Marxrdquo eacute considerado ora simplesmente hegeliano ora meramente
feuerbachiano e diante da ldquounilateralizaccedilatildeo sofisticada sob a qual passaram a
ser apreendidas as investigaccedilotildees desimportavam as origens passando a valer
apenas a desembocadura no meacutetodo redentorrdquo que desobriga ao exame do
caminho (Chasin 1995 p 339) O Marx adulto ou eacute desmesuradamente
aproximado de Hegel chegando mesmo a ser qualificado como mero aplicador
da loacutegica deste ao modo de produccedilatildeo do capital ou no outro extremo eacute
totalmente afastado dele
Outro problema que aparece nos uacuteltimos dececircnios eacute a pura atribuiccedilatildeo de
significados ao texto marxiano visto como uma ldquoobra de pensamentordquo que
escapa ao autor tornando-se o que os ledores fazem dela de acordo com os
dilemas de seu tempo histoacuterico Com isso a subsunccedilatildeo ativa aos escritos (e
sua objetividade) acaba cedendo lugar agraves imputaccedilotildees mais ou menos bem-
intencionadas
De outra parte a transiccedilatildeo para a maturidade de Marx eacute atribuiacuteda a uma
resoluccedilatildeo epistecircmica fazendo crer que o eixo de sua teoria baseia-se nesse
campo pelo que tecircm se reproduzido as disputas acerca do estatuto cientiacutefico
do discurso marxiano e pela ldquodescobertardquo constante nela de perfis teoacutericos
cognitivos e metodoloacutegicos os mais diversos Ao final como observou M Loumlwy
as tentativas de superar o pensamento de Marx tecircm conduzido aqueacutem dele
(Loumlwy 2002 p 18)
Assim poder-se-ia dizer parafraseando o Marx drsquoA Sagrada Famiacutelia
que os marxoacutelogos das posiccedilotildees dominantes no seacuteculo XX transformam
2
ldquotrivialidades em misteacuteriosrdquo e ldquosua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas
ocultar o reveladordquo
Em verdade entender a gecircnese e o caminho constitutivo do pensamento
proacuteprio de Marx eacute condicionante para atingir efetivamente as categorias que ele
apreende no real e os contornos mesmos da sua teoria Com tal objetivo ndash e
ainda que com a profundidade rasa que uma atividade deste tipo comporta ndash
iniciaremos com um traccedilado histoacuterico da Alemanha no iniacutecio dos anos 1840
mostrando em seguida as principais reflexotildees do Marx preacute-marxiano tal como
explicitadas nos artigos jornaliacutesticos Incluiacutemos uma ligeira discussatildeo sobre o
problema do ldquojovem Marxrdquo posicionando-nos acerca do periacuteodo da vida em
que ele merece tal epiacuteteto
1) A ldquoMiseacuteria Alematilderdquo
A forma especiacutefica pela qual a Alemanha chegou ao
capitalismo industrial recebeu (por Lecircnin) a designaccedilatildeo de via
prussiana que busca refletir a ideacuteia de um paiacutes cujo
desenvolvimento capitalista embora fizesse progressos era
atrasado mantendo-se essencialmente agriacutecola com um
proletariado incipiente em termos numeacutericos e poliacuteticos e que
estava sob o jugo semifeudal dos Junkers ndash influentes
aristocratas que forneciam os quadros para a poderosa
burocracia prussiana e o exeacutercito tatildeo importantes num paiacutes em
que vigia o culto ao militarismo
Enquanto na Inglaterra e na Franccedila a coesatildeo paacutetria deu-se
jaacute no processo de dissoluccedilatildeo feudal (com a constituiccedilatildeo das
monarquias nacionais) na Alemanha a problemaacutetica da unidade
nacional estava na ordem do dia da revoluccedilatildeo burguesa Isso
porque ateacute quase o final do seacuteculo XIX ela natildeo existia como um
paiacutes unificado compunha-se de 38 pequenos Estados cada um
dos quais tivera durante um longo periacuteodo suas proacuteprias leis civis
3
impostos e moedas fronteiras aduaneiras seu sistema de pesos
e medidas ndash eram enfim um organismo econocircmico fechado
cujos soberanos se aferravam ao poder e se opunham
decididamente a todo progresso
Consequumlentemente na Alemanha a revoluccedilatildeo burguesa ndash
se feita ndash teria de comeccedilar pela conquista da unidade nacional
teria de se bater com preceitos que nos paiacuteses claacutessicos haviam
sido destruiacutedos por seacuteculos de lutas de classe e teria de instaurar
de uma vez oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais que naqueles paiacuteses
tambeacutem haviam sido o resultado de um processo secular E
como o desenvolvimento do paiacutes foi tardio mas vigoroso a partir
da segunda metade do seacuteculo XIX a questatildeo tornava-se ainda
mais urgente pois a necessidade de realizar a unidade nacional eacute
tanto mais premente quanto mais robusto for o desenvolvimento
capitalista
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxam mutuamente mas se contrapotildeem Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo consegue produzir uma
classe burguesa capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo
Recusando-se a correr o menor riscordquo as classes dominantes
soacute ldquoaceitam se mobilizar em torno de temas novosrdquo ldquoquando seu
poder estaacute gravemente posto em questatildeo pelas ideacuteias da
Revoluccedilatildeo Francesardquo pois ldquotecircm por uacutenico objetivo manter seus
privileacutegios arcaicos ajuntando a eles tanto quanto possam as
vantagens da induacutestria pelo que se compotildeem entre si e ldquoassim
que a tormenta tenha passado eles reconstituem com toda
tranquumlilidade e sob a proteccedilatildeo de sua poliacutecia o lsquopassado de
tempos modernosrsquordquo (Chacirctelet 1971 pp 21 e 24)
Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia alematilde consciente
do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e temerosa dos
feitos deste mais aleacutem abandona covardemente suas tarefas
4
poliacuteticas realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria
liberdade profissional e de circulaccedilatildeo etc) E explicita seu caraacuteter
antiliberal em conciliaccedilotildees constantes com os representantes da
antiga ordem[1]
De outra parte quando o capitalismo industrial iniciou
verdadeiramente seu caminho na Alemanha e noutros paiacuteses
retardataacuterios (Ruacutessia Japatildeo Itaacutelia) o antagonismo entre
burguesia e proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e
praticamente alhures e aqueacutem Ainda mais na Alemanha com a
transformaccedilatildeo dos grandes senhorios feudais em um
ldquoabsolutismo em miniaturardquo (privado de seus aspectos
progressivos como o servir de nascedouro e fonte de forccedilas para
a burguesia) as formas acentuadas de exploraccedilatildeo dos
camponeses natildeo permitiam que se transformassem em
proletaacuterios dada a ausecircncia de manufaturas levando eles ldquovidas
de lumpemproletaacuteriosrdquo (Lukaacutecs 1972 p 29)
Lembre-se que os anos 1840 assistem agraves primeiras lutas
independentes e autocircnomas do proletariado europeu que ateacute
entatildeo na maior parte das vezes estava ao lado da burguesia nas
lutas revolucionaacuterias (as ofensivas isoladas tinham geralmente
um caraacuteter espontacircneo e destruidor como o ludismo)[2] Daiacute em
diante o incipiente movimento operaacuterio comeccedila a alcanccedilar um
desenvolvimento ideoloacutegico por meio de uma ligaccedilatildeo com as
teorias socialistas e comunistas ndash embora a bem da verdade
estas natildeo tenham em princiacutepio se declarado uma forccedila social e
natildeo pudessem resistir a uma criacutetica no plano teoacuterico Enquanto
isso na Alemanha o
proletariado tatildeo pouco desenvolvido quanto a burguesia
educado numa concreta submissatildeo espiritual natildeo organizado
e inclusive incapaz ainda de formar uma organizaccedilatildeo
independente somente pressentia de modo vago o profundo
5
antagonismo de interesses que o separava da burguesia
Continuava sendo portanto seu apecircndice poliacutetico apesar de
na realidade ser seu adversaacuterio ameaccedilador (Engels sd p
145)
A burguesia se assusta portanto com o que o proletariado
alematildeo poderia ser em face do que jaacute era o francecircs optando por
um conchavo com a monarquia e a nobreza contra os
trabalhadores A maioria da populaccedilatildeo era formada pela pequena
burguesia urbana e pelos camponeses e diferentemente da
Franccedila
natildeo tinha a Alemanha uma classe meacutedia forte consciente
politicamente educada que liderasse a luta contra aquele
absolutismo A classe meacutedia urbana distribuiacuteda em
numerosas municipalidades cada uma com seu proacuteprio
governo e seus proacuteprios interesses locais era impotente para
cristalizar e efetuar qualquer oposiccedilatildeo seacuteria (Marcuse 1988
p 26)
Transitou-se pois de antiga para nova ordem sem uma
revoluccedilatildeo impondo-se um quadro de forte censura proibiccedilatildeo de
reuniotildees poliacuteticas ausecircncia de organizaccedilotildees poliacuteticas rigoroso
controle das universidades predomiacutenio da religiatildeo (o Estado natildeo
se tinha tornado laico) e inexistecircncia de um processo extensivo
de industrializaccedilatildeo ou urbanizaccedilatildeo do mesmo porte do que
ocorria nos outros paiacuteses europeus localizando-se o paiacutes na
retaguarda do desenvolvimento social europeu ldquoNatildeo existiam
instituiccedilotildees nacionais representativas As assembleacuteias provinciais
os Landtag apenas tinham voz consultiva e o seu princiacutepio de
representaccedilatildeo por estados sociais reduzia fortemente os direitos
da burguesiardquo (VVAA 1983 p 14) Por isso conforme observou o
filoacutesofo huacutengaro G Lukaacutecs
Precisamente pelos anos em que a Europa ocidental
abraccedilava resolutamente o caminho do capitalismo da
6
fundamentaccedilatildeo econocircmica e do desdobramento ideoloacutegico da
sociedade burguesa vemos como na Alemanha se manteacutem
em peacute tudo o que haacute de miseraacutevel nas formas de transiccedilatildeo da
Idade Meacutedia agrave eacutepoca moderna (Lukaacutecs 1972 p 29)
Mas havia diferenccedilas regionais A cidade onde nasceu o
pequeno Karl Marx Trier localiza-se na regiatildeo da Renacircnia entatildeo
a mais desenvolvida em termos econocircmicos e poliacuteticos tendo
sido fortemente influenciada pela Revoluccedilatildeo Francesa Entre
1794 e 1815 o vale do Reno tinha feito parte da Repuacuteblica
Francesa sob o governo de Napoleatildeo e ainda que o Congresso
de Viena tenha determinado a volta da maior parte da regiatildeo para
a Pruacutessia feudal e absolutista foi impossiacutevel apagar totalmente as
modificaccedilotildees introduzidas pela dominaccedilatildeo napoleocircnica e sua
ldquomissatildeo civilizatoacuteriardquo que no essencial suprimira o feudalismo O
descontentamento com o governo prussiano era patente na
burguesia renana que acabou por se tornar porta-voz dos
ciacuterculos burgueses da Pruacutessia e de toda a Alemanha
Ao mesmo tempo e em aparente contradiccedilatildeo com as
condiccedilotildees sociohistoacutericas do paiacutes as construccedilotildees teoacutericas
alematildes alcanccedilavam grande desenvolvimento a ponto de Marx
dizer que os alematildees pensavam o que os outros povos
realizavam Aqui as grandes lutas e polecircmicas ocorriam no
acircmbito da filosofia e neste domiacutenio ndash o ideal ndash havia na Alemanha
uma reflexatildeo filosoacutefica que tendia a concentrar as grandes
questotildees da eacutepoca
O descasamento entre a realidade sociopoliacutetica atrasada a
ausecircncia de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosoacutefico
avanccedilado fez que os ideoacutelogos alematildees cultivassem uma
ideologia de caraacuteter abstrato e especulativo que aparentemente
que natildeo soacute natildeo dependia da vida concreta como era o motor da
histoacuteria de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais
7
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
periacuteodo de gestaccedilatildeo o que contribui para ultrapassar toda perspectiva
unilateralizante impeditiva de sua adequada compreensatildeo De fato em boa
parte como heranccedila da II Internacional o ideaacuterio de Marx foi visto por longo
tempo como um materialismo mecanicista de caraacuteter semipositivista como
reaccedilatildeo a isso passou-se a destacar ldquoo papel ativo e criador dos fatores
subjetivos fazendo do marxismo uma filosofia da consciecircncia proacutexima do
idealismo hegeliano e distante do materialismordquo (Frederico 1990 p 9) O
ldquojovem Marxrdquo eacute considerado ora simplesmente hegeliano ora meramente
feuerbachiano e diante da ldquounilateralizaccedilatildeo sofisticada sob a qual passaram a
ser apreendidas as investigaccedilotildees desimportavam as origens passando a valer
apenas a desembocadura no meacutetodo redentorrdquo que desobriga ao exame do
caminho (Chasin 1995 p 339) O Marx adulto ou eacute desmesuradamente
aproximado de Hegel chegando mesmo a ser qualificado como mero aplicador
da loacutegica deste ao modo de produccedilatildeo do capital ou no outro extremo eacute
totalmente afastado dele
Outro problema que aparece nos uacuteltimos dececircnios eacute a pura atribuiccedilatildeo de
significados ao texto marxiano visto como uma ldquoobra de pensamentordquo que
escapa ao autor tornando-se o que os ledores fazem dela de acordo com os
dilemas de seu tempo histoacuterico Com isso a subsunccedilatildeo ativa aos escritos (e
sua objetividade) acaba cedendo lugar agraves imputaccedilotildees mais ou menos bem-
intencionadas
De outra parte a transiccedilatildeo para a maturidade de Marx eacute atribuiacuteda a uma
resoluccedilatildeo epistecircmica fazendo crer que o eixo de sua teoria baseia-se nesse
campo pelo que tecircm se reproduzido as disputas acerca do estatuto cientiacutefico
do discurso marxiano e pela ldquodescobertardquo constante nela de perfis teoacutericos
cognitivos e metodoloacutegicos os mais diversos Ao final como observou M Loumlwy
as tentativas de superar o pensamento de Marx tecircm conduzido aqueacutem dele
(Loumlwy 2002 p 18)
Assim poder-se-ia dizer parafraseando o Marx drsquoA Sagrada Famiacutelia
que os marxoacutelogos das posiccedilotildees dominantes no seacuteculo XX transformam
2
ldquotrivialidades em misteacuteriosrdquo e ldquosua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas
ocultar o reveladordquo
Em verdade entender a gecircnese e o caminho constitutivo do pensamento
proacuteprio de Marx eacute condicionante para atingir efetivamente as categorias que ele
apreende no real e os contornos mesmos da sua teoria Com tal objetivo ndash e
ainda que com a profundidade rasa que uma atividade deste tipo comporta ndash
iniciaremos com um traccedilado histoacuterico da Alemanha no iniacutecio dos anos 1840
mostrando em seguida as principais reflexotildees do Marx preacute-marxiano tal como
explicitadas nos artigos jornaliacutesticos Incluiacutemos uma ligeira discussatildeo sobre o
problema do ldquojovem Marxrdquo posicionando-nos acerca do periacuteodo da vida em
que ele merece tal epiacuteteto
1) A ldquoMiseacuteria Alematilderdquo
A forma especiacutefica pela qual a Alemanha chegou ao
capitalismo industrial recebeu (por Lecircnin) a designaccedilatildeo de via
prussiana que busca refletir a ideacuteia de um paiacutes cujo
desenvolvimento capitalista embora fizesse progressos era
atrasado mantendo-se essencialmente agriacutecola com um
proletariado incipiente em termos numeacutericos e poliacuteticos e que
estava sob o jugo semifeudal dos Junkers ndash influentes
aristocratas que forneciam os quadros para a poderosa
burocracia prussiana e o exeacutercito tatildeo importantes num paiacutes em
que vigia o culto ao militarismo
Enquanto na Inglaterra e na Franccedila a coesatildeo paacutetria deu-se
jaacute no processo de dissoluccedilatildeo feudal (com a constituiccedilatildeo das
monarquias nacionais) na Alemanha a problemaacutetica da unidade
nacional estava na ordem do dia da revoluccedilatildeo burguesa Isso
porque ateacute quase o final do seacuteculo XIX ela natildeo existia como um
paiacutes unificado compunha-se de 38 pequenos Estados cada um
dos quais tivera durante um longo periacuteodo suas proacuteprias leis civis
3
impostos e moedas fronteiras aduaneiras seu sistema de pesos
e medidas ndash eram enfim um organismo econocircmico fechado
cujos soberanos se aferravam ao poder e se opunham
decididamente a todo progresso
Consequumlentemente na Alemanha a revoluccedilatildeo burguesa ndash
se feita ndash teria de comeccedilar pela conquista da unidade nacional
teria de se bater com preceitos que nos paiacuteses claacutessicos haviam
sido destruiacutedos por seacuteculos de lutas de classe e teria de instaurar
de uma vez oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais que naqueles paiacuteses
tambeacutem haviam sido o resultado de um processo secular E
como o desenvolvimento do paiacutes foi tardio mas vigoroso a partir
da segunda metade do seacuteculo XIX a questatildeo tornava-se ainda
mais urgente pois a necessidade de realizar a unidade nacional eacute
tanto mais premente quanto mais robusto for o desenvolvimento
capitalista
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxam mutuamente mas se contrapotildeem Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo consegue produzir uma
classe burguesa capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo
Recusando-se a correr o menor riscordquo as classes dominantes
soacute ldquoaceitam se mobilizar em torno de temas novosrdquo ldquoquando seu
poder estaacute gravemente posto em questatildeo pelas ideacuteias da
Revoluccedilatildeo Francesardquo pois ldquotecircm por uacutenico objetivo manter seus
privileacutegios arcaicos ajuntando a eles tanto quanto possam as
vantagens da induacutestria pelo que se compotildeem entre si e ldquoassim
que a tormenta tenha passado eles reconstituem com toda
tranquumlilidade e sob a proteccedilatildeo de sua poliacutecia o lsquopassado de
tempos modernosrsquordquo (Chacirctelet 1971 pp 21 e 24)
Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia alematilde consciente
do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e temerosa dos
feitos deste mais aleacutem abandona covardemente suas tarefas
4
poliacuteticas realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria
liberdade profissional e de circulaccedilatildeo etc) E explicita seu caraacuteter
antiliberal em conciliaccedilotildees constantes com os representantes da
antiga ordem[1]
De outra parte quando o capitalismo industrial iniciou
verdadeiramente seu caminho na Alemanha e noutros paiacuteses
retardataacuterios (Ruacutessia Japatildeo Itaacutelia) o antagonismo entre
burguesia e proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e
praticamente alhures e aqueacutem Ainda mais na Alemanha com a
transformaccedilatildeo dos grandes senhorios feudais em um
ldquoabsolutismo em miniaturardquo (privado de seus aspectos
progressivos como o servir de nascedouro e fonte de forccedilas para
a burguesia) as formas acentuadas de exploraccedilatildeo dos
camponeses natildeo permitiam que se transformassem em
proletaacuterios dada a ausecircncia de manufaturas levando eles ldquovidas
de lumpemproletaacuteriosrdquo (Lukaacutecs 1972 p 29)
Lembre-se que os anos 1840 assistem agraves primeiras lutas
independentes e autocircnomas do proletariado europeu que ateacute
entatildeo na maior parte das vezes estava ao lado da burguesia nas
lutas revolucionaacuterias (as ofensivas isoladas tinham geralmente
um caraacuteter espontacircneo e destruidor como o ludismo)[2] Daiacute em
diante o incipiente movimento operaacuterio comeccedila a alcanccedilar um
desenvolvimento ideoloacutegico por meio de uma ligaccedilatildeo com as
teorias socialistas e comunistas ndash embora a bem da verdade
estas natildeo tenham em princiacutepio se declarado uma forccedila social e
natildeo pudessem resistir a uma criacutetica no plano teoacuterico Enquanto
isso na Alemanha o
proletariado tatildeo pouco desenvolvido quanto a burguesia
educado numa concreta submissatildeo espiritual natildeo organizado
e inclusive incapaz ainda de formar uma organizaccedilatildeo
independente somente pressentia de modo vago o profundo
5
antagonismo de interesses que o separava da burguesia
Continuava sendo portanto seu apecircndice poliacutetico apesar de
na realidade ser seu adversaacuterio ameaccedilador (Engels sd p
145)
A burguesia se assusta portanto com o que o proletariado
alematildeo poderia ser em face do que jaacute era o francecircs optando por
um conchavo com a monarquia e a nobreza contra os
trabalhadores A maioria da populaccedilatildeo era formada pela pequena
burguesia urbana e pelos camponeses e diferentemente da
Franccedila
natildeo tinha a Alemanha uma classe meacutedia forte consciente
politicamente educada que liderasse a luta contra aquele
absolutismo A classe meacutedia urbana distribuiacuteda em
numerosas municipalidades cada uma com seu proacuteprio
governo e seus proacuteprios interesses locais era impotente para
cristalizar e efetuar qualquer oposiccedilatildeo seacuteria (Marcuse 1988
p 26)
Transitou-se pois de antiga para nova ordem sem uma
revoluccedilatildeo impondo-se um quadro de forte censura proibiccedilatildeo de
reuniotildees poliacuteticas ausecircncia de organizaccedilotildees poliacuteticas rigoroso
controle das universidades predomiacutenio da religiatildeo (o Estado natildeo
se tinha tornado laico) e inexistecircncia de um processo extensivo
de industrializaccedilatildeo ou urbanizaccedilatildeo do mesmo porte do que
ocorria nos outros paiacuteses europeus localizando-se o paiacutes na
retaguarda do desenvolvimento social europeu ldquoNatildeo existiam
instituiccedilotildees nacionais representativas As assembleacuteias provinciais
os Landtag apenas tinham voz consultiva e o seu princiacutepio de
representaccedilatildeo por estados sociais reduzia fortemente os direitos
da burguesiardquo (VVAA 1983 p 14) Por isso conforme observou o
filoacutesofo huacutengaro G Lukaacutecs
Precisamente pelos anos em que a Europa ocidental
abraccedilava resolutamente o caminho do capitalismo da
6
fundamentaccedilatildeo econocircmica e do desdobramento ideoloacutegico da
sociedade burguesa vemos como na Alemanha se manteacutem
em peacute tudo o que haacute de miseraacutevel nas formas de transiccedilatildeo da
Idade Meacutedia agrave eacutepoca moderna (Lukaacutecs 1972 p 29)
Mas havia diferenccedilas regionais A cidade onde nasceu o
pequeno Karl Marx Trier localiza-se na regiatildeo da Renacircnia entatildeo
a mais desenvolvida em termos econocircmicos e poliacuteticos tendo
sido fortemente influenciada pela Revoluccedilatildeo Francesa Entre
1794 e 1815 o vale do Reno tinha feito parte da Repuacuteblica
Francesa sob o governo de Napoleatildeo e ainda que o Congresso
de Viena tenha determinado a volta da maior parte da regiatildeo para
a Pruacutessia feudal e absolutista foi impossiacutevel apagar totalmente as
modificaccedilotildees introduzidas pela dominaccedilatildeo napoleocircnica e sua
ldquomissatildeo civilizatoacuteriardquo que no essencial suprimira o feudalismo O
descontentamento com o governo prussiano era patente na
burguesia renana que acabou por se tornar porta-voz dos
ciacuterculos burgueses da Pruacutessia e de toda a Alemanha
Ao mesmo tempo e em aparente contradiccedilatildeo com as
condiccedilotildees sociohistoacutericas do paiacutes as construccedilotildees teoacutericas
alematildes alcanccedilavam grande desenvolvimento a ponto de Marx
dizer que os alematildees pensavam o que os outros povos
realizavam Aqui as grandes lutas e polecircmicas ocorriam no
acircmbito da filosofia e neste domiacutenio ndash o ideal ndash havia na Alemanha
uma reflexatildeo filosoacutefica que tendia a concentrar as grandes
questotildees da eacutepoca
O descasamento entre a realidade sociopoliacutetica atrasada a
ausecircncia de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosoacutefico
avanccedilado fez que os ideoacutelogos alematildees cultivassem uma
ideologia de caraacuteter abstrato e especulativo que aparentemente
que natildeo soacute natildeo dependia da vida concreta como era o motor da
histoacuteria de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais
7
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
ldquotrivialidades em misteacuteriosrdquo e ldquosua arte natildeo consiste em revelar o oculto mas
ocultar o reveladordquo
Em verdade entender a gecircnese e o caminho constitutivo do pensamento
proacuteprio de Marx eacute condicionante para atingir efetivamente as categorias que ele
apreende no real e os contornos mesmos da sua teoria Com tal objetivo ndash e
ainda que com a profundidade rasa que uma atividade deste tipo comporta ndash
iniciaremos com um traccedilado histoacuterico da Alemanha no iniacutecio dos anos 1840
mostrando em seguida as principais reflexotildees do Marx preacute-marxiano tal como
explicitadas nos artigos jornaliacutesticos Incluiacutemos uma ligeira discussatildeo sobre o
problema do ldquojovem Marxrdquo posicionando-nos acerca do periacuteodo da vida em
que ele merece tal epiacuteteto
1) A ldquoMiseacuteria Alematilderdquo
A forma especiacutefica pela qual a Alemanha chegou ao
capitalismo industrial recebeu (por Lecircnin) a designaccedilatildeo de via
prussiana que busca refletir a ideacuteia de um paiacutes cujo
desenvolvimento capitalista embora fizesse progressos era
atrasado mantendo-se essencialmente agriacutecola com um
proletariado incipiente em termos numeacutericos e poliacuteticos e que
estava sob o jugo semifeudal dos Junkers ndash influentes
aristocratas que forneciam os quadros para a poderosa
burocracia prussiana e o exeacutercito tatildeo importantes num paiacutes em
que vigia o culto ao militarismo
Enquanto na Inglaterra e na Franccedila a coesatildeo paacutetria deu-se
jaacute no processo de dissoluccedilatildeo feudal (com a constituiccedilatildeo das
monarquias nacionais) na Alemanha a problemaacutetica da unidade
nacional estava na ordem do dia da revoluccedilatildeo burguesa Isso
porque ateacute quase o final do seacuteculo XIX ela natildeo existia como um
paiacutes unificado compunha-se de 38 pequenos Estados cada um
dos quais tivera durante um longo periacuteodo suas proacuteprias leis civis
3
impostos e moedas fronteiras aduaneiras seu sistema de pesos
e medidas ndash eram enfim um organismo econocircmico fechado
cujos soberanos se aferravam ao poder e se opunham
decididamente a todo progresso
Consequumlentemente na Alemanha a revoluccedilatildeo burguesa ndash
se feita ndash teria de comeccedilar pela conquista da unidade nacional
teria de se bater com preceitos que nos paiacuteses claacutessicos haviam
sido destruiacutedos por seacuteculos de lutas de classe e teria de instaurar
de uma vez oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais que naqueles paiacuteses
tambeacutem haviam sido o resultado de um processo secular E
como o desenvolvimento do paiacutes foi tardio mas vigoroso a partir
da segunda metade do seacuteculo XIX a questatildeo tornava-se ainda
mais urgente pois a necessidade de realizar a unidade nacional eacute
tanto mais premente quanto mais robusto for o desenvolvimento
capitalista
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxam mutuamente mas se contrapotildeem Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo consegue produzir uma
classe burguesa capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo
Recusando-se a correr o menor riscordquo as classes dominantes
soacute ldquoaceitam se mobilizar em torno de temas novosrdquo ldquoquando seu
poder estaacute gravemente posto em questatildeo pelas ideacuteias da
Revoluccedilatildeo Francesardquo pois ldquotecircm por uacutenico objetivo manter seus
privileacutegios arcaicos ajuntando a eles tanto quanto possam as
vantagens da induacutestria pelo que se compotildeem entre si e ldquoassim
que a tormenta tenha passado eles reconstituem com toda
tranquumlilidade e sob a proteccedilatildeo de sua poliacutecia o lsquopassado de
tempos modernosrsquordquo (Chacirctelet 1971 pp 21 e 24)
Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia alematilde consciente
do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e temerosa dos
feitos deste mais aleacutem abandona covardemente suas tarefas
4
poliacuteticas realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria
liberdade profissional e de circulaccedilatildeo etc) E explicita seu caraacuteter
antiliberal em conciliaccedilotildees constantes com os representantes da
antiga ordem[1]
De outra parte quando o capitalismo industrial iniciou
verdadeiramente seu caminho na Alemanha e noutros paiacuteses
retardataacuterios (Ruacutessia Japatildeo Itaacutelia) o antagonismo entre
burguesia e proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e
praticamente alhures e aqueacutem Ainda mais na Alemanha com a
transformaccedilatildeo dos grandes senhorios feudais em um
ldquoabsolutismo em miniaturardquo (privado de seus aspectos
progressivos como o servir de nascedouro e fonte de forccedilas para
a burguesia) as formas acentuadas de exploraccedilatildeo dos
camponeses natildeo permitiam que se transformassem em
proletaacuterios dada a ausecircncia de manufaturas levando eles ldquovidas
de lumpemproletaacuteriosrdquo (Lukaacutecs 1972 p 29)
Lembre-se que os anos 1840 assistem agraves primeiras lutas
independentes e autocircnomas do proletariado europeu que ateacute
entatildeo na maior parte das vezes estava ao lado da burguesia nas
lutas revolucionaacuterias (as ofensivas isoladas tinham geralmente
um caraacuteter espontacircneo e destruidor como o ludismo)[2] Daiacute em
diante o incipiente movimento operaacuterio comeccedila a alcanccedilar um
desenvolvimento ideoloacutegico por meio de uma ligaccedilatildeo com as
teorias socialistas e comunistas ndash embora a bem da verdade
estas natildeo tenham em princiacutepio se declarado uma forccedila social e
natildeo pudessem resistir a uma criacutetica no plano teoacuterico Enquanto
isso na Alemanha o
proletariado tatildeo pouco desenvolvido quanto a burguesia
educado numa concreta submissatildeo espiritual natildeo organizado
e inclusive incapaz ainda de formar uma organizaccedilatildeo
independente somente pressentia de modo vago o profundo
5
antagonismo de interesses que o separava da burguesia
Continuava sendo portanto seu apecircndice poliacutetico apesar de
na realidade ser seu adversaacuterio ameaccedilador (Engels sd p
145)
A burguesia se assusta portanto com o que o proletariado
alematildeo poderia ser em face do que jaacute era o francecircs optando por
um conchavo com a monarquia e a nobreza contra os
trabalhadores A maioria da populaccedilatildeo era formada pela pequena
burguesia urbana e pelos camponeses e diferentemente da
Franccedila
natildeo tinha a Alemanha uma classe meacutedia forte consciente
politicamente educada que liderasse a luta contra aquele
absolutismo A classe meacutedia urbana distribuiacuteda em
numerosas municipalidades cada uma com seu proacuteprio
governo e seus proacuteprios interesses locais era impotente para
cristalizar e efetuar qualquer oposiccedilatildeo seacuteria (Marcuse 1988
p 26)
Transitou-se pois de antiga para nova ordem sem uma
revoluccedilatildeo impondo-se um quadro de forte censura proibiccedilatildeo de
reuniotildees poliacuteticas ausecircncia de organizaccedilotildees poliacuteticas rigoroso
controle das universidades predomiacutenio da religiatildeo (o Estado natildeo
se tinha tornado laico) e inexistecircncia de um processo extensivo
de industrializaccedilatildeo ou urbanizaccedilatildeo do mesmo porte do que
ocorria nos outros paiacuteses europeus localizando-se o paiacutes na
retaguarda do desenvolvimento social europeu ldquoNatildeo existiam
instituiccedilotildees nacionais representativas As assembleacuteias provinciais
os Landtag apenas tinham voz consultiva e o seu princiacutepio de
representaccedilatildeo por estados sociais reduzia fortemente os direitos
da burguesiardquo (VVAA 1983 p 14) Por isso conforme observou o
filoacutesofo huacutengaro G Lukaacutecs
Precisamente pelos anos em que a Europa ocidental
abraccedilava resolutamente o caminho do capitalismo da
6
fundamentaccedilatildeo econocircmica e do desdobramento ideoloacutegico da
sociedade burguesa vemos como na Alemanha se manteacutem
em peacute tudo o que haacute de miseraacutevel nas formas de transiccedilatildeo da
Idade Meacutedia agrave eacutepoca moderna (Lukaacutecs 1972 p 29)
Mas havia diferenccedilas regionais A cidade onde nasceu o
pequeno Karl Marx Trier localiza-se na regiatildeo da Renacircnia entatildeo
a mais desenvolvida em termos econocircmicos e poliacuteticos tendo
sido fortemente influenciada pela Revoluccedilatildeo Francesa Entre
1794 e 1815 o vale do Reno tinha feito parte da Repuacuteblica
Francesa sob o governo de Napoleatildeo e ainda que o Congresso
de Viena tenha determinado a volta da maior parte da regiatildeo para
a Pruacutessia feudal e absolutista foi impossiacutevel apagar totalmente as
modificaccedilotildees introduzidas pela dominaccedilatildeo napoleocircnica e sua
ldquomissatildeo civilizatoacuteriardquo que no essencial suprimira o feudalismo O
descontentamento com o governo prussiano era patente na
burguesia renana que acabou por se tornar porta-voz dos
ciacuterculos burgueses da Pruacutessia e de toda a Alemanha
Ao mesmo tempo e em aparente contradiccedilatildeo com as
condiccedilotildees sociohistoacutericas do paiacutes as construccedilotildees teoacutericas
alematildes alcanccedilavam grande desenvolvimento a ponto de Marx
dizer que os alematildees pensavam o que os outros povos
realizavam Aqui as grandes lutas e polecircmicas ocorriam no
acircmbito da filosofia e neste domiacutenio ndash o ideal ndash havia na Alemanha
uma reflexatildeo filosoacutefica que tendia a concentrar as grandes
questotildees da eacutepoca
O descasamento entre a realidade sociopoliacutetica atrasada a
ausecircncia de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosoacutefico
avanccedilado fez que os ideoacutelogos alematildees cultivassem uma
ideologia de caraacuteter abstrato e especulativo que aparentemente
que natildeo soacute natildeo dependia da vida concreta como era o motor da
histoacuteria de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais
7
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
impostos e moedas fronteiras aduaneiras seu sistema de pesos
e medidas ndash eram enfim um organismo econocircmico fechado
cujos soberanos se aferravam ao poder e se opunham
decididamente a todo progresso
Consequumlentemente na Alemanha a revoluccedilatildeo burguesa ndash
se feita ndash teria de comeccedilar pela conquista da unidade nacional
teria de se bater com preceitos que nos paiacuteses claacutessicos haviam
sido destruiacutedos por seacuteculos de lutas de classe e teria de instaurar
de uma vez oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais que naqueles paiacuteses
tambeacutem haviam sido o resultado de um processo secular E
como o desenvolvimento do paiacutes foi tardio mas vigoroso a partir
da segunda metade do seacuteculo XIX a questatildeo tornava-se ainda
mais urgente pois a necessidade de realizar a unidade nacional eacute
tanto mais premente quanto mais robusto for o desenvolvimento
capitalista
Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se
empuxam mutuamente mas se contrapotildeem Ali o
desenvolvimento do capitalismo natildeo consegue produzir uma
classe burguesa capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo
Recusando-se a correr o menor riscordquo as classes dominantes
soacute ldquoaceitam se mobilizar em torno de temas novosrdquo ldquoquando seu
poder estaacute gravemente posto em questatildeo pelas ideacuteias da
Revoluccedilatildeo Francesardquo pois ldquotecircm por uacutenico objetivo manter seus
privileacutegios arcaicos ajuntando a eles tanto quanto possam as
vantagens da induacutestria pelo que se compotildeem entre si e ldquoassim
que a tormenta tenha passado eles reconstituem com toda
tranquumlilidade e sob a proteccedilatildeo de sua poliacutecia o lsquopassado de
tempos modernosrsquordquo (Chacirctelet 1971 pp 21 e 24)
Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia alematilde consciente
do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e temerosa dos
feitos deste mais aleacutem abandona covardemente suas tarefas
4
poliacuteticas realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria
liberdade profissional e de circulaccedilatildeo etc) E explicita seu caraacuteter
antiliberal em conciliaccedilotildees constantes com os representantes da
antiga ordem[1]
De outra parte quando o capitalismo industrial iniciou
verdadeiramente seu caminho na Alemanha e noutros paiacuteses
retardataacuterios (Ruacutessia Japatildeo Itaacutelia) o antagonismo entre
burguesia e proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e
praticamente alhures e aqueacutem Ainda mais na Alemanha com a
transformaccedilatildeo dos grandes senhorios feudais em um
ldquoabsolutismo em miniaturardquo (privado de seus aspectos
progressivos como o servir de nascedouro e fonte de forccedilas para
a burguesia) as formas acentuadas de exploraccedilatildeo dos
camponeses natildeo permitiam que se transformassem em
proletaacuterios dada a ausecircncia de manufaturas levando eles ldquovidas
de lumpemproletaacuteriosrdquo (Lukaacutecs 1972 p 29)
Lembre-se que os anos 1840 assistem agraves primeiras lutas
independentes e autocircnomas do proletariado europeu que ateacute
entatildeo na maior parte das vezes estava ao lado da burguesia nas
lutas revolucionaacuterias (as ofensivas isoladas tinham geralmente
um caraacuteter espontacircneo e destruidor como o ludismo)[2] Daiacute em
diante o incipiente movimento operaacuterio comeccedila a alcanccedilar um
desenvolvimento ideoloacutegico por meio de uma ligaccedilatildeo com as
teorias socialistas e comunistas ndash embora a bem da verdade
estas natildeo tenham em princiacutepio se declarado uma forccedila social e
natildeo pudessem resistir a uma criacutetica no plano teoacuterico Enquanto
isso na Alemanha o
proletariado tatildeo pouco desenvolvido quanto a burguesia
educado numa concreta submissatildeo espiritual natildeo organizado
e inclusive incapaz ainda de formar uma organizaccedilatildeo
independente somente pressentia de modo vago o profundo
5
antagonismo de interesses que o separava da burguesia
Continuava sendo portanto seu apecircndice poliacutetico apesar de
na realidade ser seu adversaacuterio ameaccedilador (Engels sd p
145)
A burguesia se assusta portanto com o que o proletariado
alematildeo poderia ser em face do que jaacute era o francecircs optando por
um conchavo com a monarquia e a nobreza contra os
trabalhadores A maioria da populaccedilatildeo era formada pela pequena
burguesia urbana e pelos camponeses e diferentemente da
Franccedila
natildeo tinha a Alemanha uma classe meacutedia forte consciente
politicamente educada que liderasse a luta contra aquele
absolutismo A classe meacutedia urbana distribuiacuteda em
numerosas municipalidades cada uma com seu proacuteprio
governo e seus proacuteprios interesses locais era impotente para
cristalizar e efetuar qualquer oposiccedilatildeo seacuteria (Marcuse 1988
p 26)
Transitou-se pois de antiga para nova ordem sem uma
revoluccedilatildeo impondo-se um quadro de forte censura proibiccedilatildeo de
reuniotildees poliacuteticas ausecircncia de organizaccedilotildees poliacuteticas rigoroso
controle das universidades predomiacutenio da religiatildeo (o Estado natildeo
se tinha tornado laico) e inexistecircncia de um processo extensivo
de industrializaccedilatildeo ou urbanizaccedilatildeo do mesmo porte do que
ocorria nos outros paiacuteses europeus localizando-se o paiacutes na
retaguarda do desenvolvimento social europeu ldquoNatildeo existiam
instituiccedilotildees nacionais representativas As assembleacuteias provinciais
os Landtag apenas tinham voz consultiva e o seu princiacutepio de
representaccedilatildeo por estados sociais reduzia fortemente os direitos
da burguesiardquo (VVAA 1983 p 14) Por isso conforme observou o
filoacutesofo huacutengaro G Lukaacutecs
Precisamente pelos anos em que a Europa ocidental
abraccedilava resolutamente o caminho do capitalismo da
6
fundamentaccedilatildeo econocircmica e do desdobramento ideoloacutegico da
sociedade burguesa vemos como na Alemanha se manteacutem
em peacute tudo o que haacute de miseraacutevel nas formas de transiccedilatildeo da
Idade Meacutedia agrave eacutepoca moderna (Lukaacutecs 1972 p 29)
Mas havia diferenccedilas regionais A cidade onde nasceu o
pequeno Karl Marx Trier localiza-se na regiatildeo da Renacircnia entatildeo
a mais desenvolvida em termos econocircmicos e poliacuteticos tendo
sido fortemente influenciada pela Revoluccedilatildeo Francesa Entre
1794 e 1815 o vale do Reno tinha feito parte da Repuacuteblica
Francesa sob o governo de Napoleatildeo e ainda que o Congresso
de Viena tenha determinado a volta da maior parte da regiatildeo para
a Pruacutessia feudal e absolutista foi impossiacutevel apagar totalmente as
modificaccedilotildees introduzidas pela dominaccedilatildeo napoleocircnica e sua
ldquomissatildeo civilizatoacuteriardquo que no essencial suprimira o feudalismo O
descontentamento com o governo prussiano era patente na
burguesia renana que acabou por se tornar porta-voz dos
ciacuterculos burgueses da Pruacutessia e de toda a Alemanha
Ao mesmo tempo e em aparente contradiccedilatildeo com as
condiccedilotildees sociohistoacutericas do paiacutes as construccedilotildees teoacutericas
alematildes alcanccedilavam grande desenvolvimento a ponto de Marx
dizer que os alematildees pensavam o que os outros povos
realizavam Aqui as grandes lutas e polecircmicas ocorriam no
acircmbito da filosofia e neste domiacutenio ndash o ideal ndash havia na Alemanha
uma reflexatildeo filosoacutefica que tendia a concentrar as grandes
questotildees da eacutepoca
O descasamento entre a realidade sociopoliacutetica atrasada a
ausecircncia de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosoacutefico
avanccedilado fez que os ideoacutelogos alematildees cultivassem uma
ideologia de caraacuteter abstrato e especulativo que aparentemente
que natildeo soacute natildeo dependia da vida concreta como era o motor da
histoacuteria de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais
7
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
poliacuteticas realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria
liberdade profissional e de circulaccedilatildeo etc) E explicita seu caraacuteter
antiliberal em conciliaccedilotildees constantes com os representantes da
antiga ordem[1]
De outra parte quando o capitalismo industrial iniciou
verdadeiramente seu caminho na Alemanha e noutros paiacuteses
retardataacuterios (Ruacutessia Japatildeo Itaacutelia) o antagonismo entre
burguesia e proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e
praticamente alhures e aqueacutem Ainda mais na Alemanha com a
transformaccedilatildeo dos grandes senhorios feudais em um
ldquoabsolutismo em miniaturardquo (privado de seus aspectos
progressivos como o servir de nascedouro e fonte de forccedilas para
a burguesia) as formas acentuadas de exploraccedilatildeo dos
camponeses natildeo permitiam que se transformassem em
proletaacuterios dada a ausecircncia de manufaturas levando eles ldquovidas
de lumpemproletaacuteriosrdquo (Lukaacutecs 1972 p 29)
Lembre-se que os anos 1840 assistem agraves primeiras lutas
independentes e autocircnomas do proletariado europeu que ateacute
entatildeo na maior parte das vezes estava ao lado da burguesia nas
lutas revolucionaacuterias (as ofensivas isoladas tinham geralmente
um caraacuteter espontacircneo e destruidor como o ludismo)[2] Daiacute em
diante o incipiente movimento operaacuterio comeccedila a alcanccedilar um
desenvolvimento ideoloacutegico por meio de uma ligaccedilatildeo com as
teorias socialistas e comunistas ndash embora a bem da verdade
estas natildeo tenham em princiacutepio se declarado uma forccedila social e
natildeo pudessem resistir a uma criacutetica no plano teoacuterico Enquanto
isso na Alemanha o
proletariado tatildeo pouco desenvolvido quanto a burguesia
educado numa concreta submissatildeo espiritual natildeo organizado
e inclusive incapaz ainda de formar uma organizaccedilatildeo
independente somente pressentia de modo vago o profundo
5
antagonismo de interesses que o separava da burguesia
Continuava sendo portanto seu apecircndice poliacutetico apesar de
na realidade ser seu adversaacuterio ameaccedilador (Engels sd p
145)
A burguesia se assusta portanto com o que o proletariado
alematildeo poderia ser em face do que jaacute era o francecircs optando por
um conchavo com a monarquia e a nobreza contra os
trabalhadores A maioria da populaccedilatildeo era formada pela pequena
burguesia urbana e pelos camponeses e diferentemente da
Franccedila
natildeo tinha a Alemanha uma classe meacutedia forte consciente
politicamente educada que liderasse a luta contra aquele
absolutismo A classe meacutedia urbana distribuiacuteda em
numerosas municipalidades cada uma com seu proacuteprio
governo e seus proacuteprios interesses locais era impotente para
cristalizar e efetuar qualquer oposiccedilatildeo seacuteria (Marcuse 1988
p 26)
Transitou-se pois de antiga para nova ordem sem uma
revoluccedilatildeo impondo-se um quadro de forte censura proibiccedilatildeo de
reuniotildees poliacuteticas ausecircncia de organizaccedilotildees poliacuteticas rigoroso
controle das universidades predomiacutenio da religiatildeo (o Estado natildeo
se tinha tornado laico) e inexistecircncia de um processo extensivo
de industrializaccedilatildeo ou urbanizaccedilatildeo do mesmo porte do que
ocorria nos outros paiacuteses europeus localizando-se o paiacutes na
retaguarda do desenvolvimento social europeu ldquoNatildeo existiam
instituiccedilotildees nacionais representativas As assembleacuteias provinciais
os Landtag apenas tinham voz consultiva e o seu princiacutepio de
representaccedilatildeo por estados sociais reduzia fortemente os direitos
da burguesiardquo (VVAA 1983 p 14) Por isso conforme observou o
filoacutesofo huacutengaro G Lukaacutecs
Precisamente pelos anos em que a Europa ocidental
abraccedilava resolutamente o caminho do capitalismo da
6
fundamentaccedilatildeo econocircmica e do desdobramento ideoloacutegico da
sociedade burguesa vemos como na Alemanha se manteacutem
em peacute tudo o que haacute de miseraacutevel nas formas de transiccedilatildeo da
Idade Meacutedia agrave eacutepoca moderna (Lukaacutecs 1972 p 29)
Mas havia diferenccedilas regionais A cidade onde nasceu o
pequeno Karl Marx Trier localiza-se na regiatildeo da Renacircnia entatildeo
a mais desenvolvida em termos econocircmicos e poliacuteticos tendo
sido fortemente influenciada pela Revoluccedilatildeo Francesa Entre
1794 e 1815 o vale do Reno tinha feito parte da Repuacuteblica
Francesa sob o governo de Napoleatildeo e ainda que o Congresso
de Viena tenha determinado a volta da maior parte da regiatildeo para
a Pruacutessia feudal e absolutista foi impossiacutevel apagar totalmente as
modificaccedilotildees introduzidas pela dominaccedilatildeo napoleocircnica e sua
ldquomissatildeo civilizatoacuteriardquo que no essencial suprimira o feudalismo O
descontentamento com o governo prussiano era patente na
burguesia renana que acabou por se tornar porta-voz dos
ciacuterculos burgueses da Pruacutessia e de toda a Alemanha
Ao mesmo tempo e em aparente contradiccedilatildeo com as
condiccedilotildees sociohistoacutericas do paiacutes as construccedilotildees teoacutericas
alematildes alcanccedilavam grande desenvolvimento a ponto de Marx
dizer que os alematildees pensavam o que os outros povos
realizavam Aqui as grandes lutas e polecircmicas ocorriam no
acircmbito da filosofia e neste domiacutenio ndash o ideal ndash havia na Alemanha
uma reflexatildeo filosoacutefica que tendia a concentrar as grandes
questotildees da eacutepoca
O descasamento entre a realidade sociopoliacutetica atrasada a
ausecircncia de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosoacutefico
avanccedilado fez que os ideoacutelogos alematildees cultivassem uma
ideologia de caraacuteter abstrato e especulativo que aparentemente
que natildeo soacute natildeo dependia da vida concreta como era o motor da
histoacuteria de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais
7
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
antagonismo de interesses que o separava da burguesia
Continuava sendo portanto seu apecircndice poliacutetico apesar de
na realidade ser seu adversaacuterio ameaccedilador (Engels sd p
145)
A burguesia se assusta portanto com o que o proletariado
alematildeo poderia ser em face do que jaacute era o francecircs optando por
um conchavo com a monarquia e a nobreza contra os
trabalhadores A maioria da populaccedilatildeo era formada pela pequena
burguesia urbana e pelos camponeses e diferentemente da
Franccedila
natildeo tinha a Alemanha uma classe meacutedia forte consciente
politicamente educada que liderasse a luta contra aquele
absolutismo A classe meacutedia urbana distribuiacuteda em
numerosas municipalidades cada uma com seu proacuteprio
governo e seus proacuteprios interesses locais era impotente para
cristalizar e efetuar qualquer oposiccedilatildeo seacuteria (Marcuse 1988
p 26)
Transitou-se pois de antiga para nova ordem sem uma
revoluccedilatildeo impondo-se um quadro de forte censura proibiccedilatildeo de
reuniotildees poliacuteticas ausecircncia de organizaccedilotildees poliacuteticas rigoroso
controle das universidades predomiacutenio da religiatildeo (o Estado natildeo
se tinha tornado laico) e inexistecircncia de um processo extensivo
de industrializaccedilatildeo ou urbanizaccedilatildeo do mesmo porte do que
ocorria nos outros paiacuteses europeus localizando-se o paiacutes na
retaguarda do desenvolvimento social europeu ldquoNatildeo existiam
instituiccedilotildees nacionais representativas As assembleacuteias provinciais
os Landtag apenas tinham voz consultiva e o seu princiacutepio de
representaccedilatildeo por estados sociais reduzia fortemente os direitos
da burguesiardquo (VVAA 1983 p 14) Por isso conforme observou o
filoacutesofo huacutengaro G Lukaacutecs
Precisamente pelos anos em que a Europa ocidental
abraccedilava resolutamente o caminho do capitalismo da
6
fundamentaccedilatildeo econocircmica e do desdobramento ideoloacutegico da
sociedade burguesa vemos como na Alemanha se manteacutem
em peacute tudo o que haacute de miseraacutevel nas formas de transiccedilatildeo da
Idade Meacutedia agrave eacutepoca moderna (Lukaacutecs 1972 p 29)
Mas havia diferenccedilas regionais A cidade onde nasceu o
pequeno Karl Marx Trier localiza-se na regiatildeo da Renacircnia entatildeo
a mais desenvolvida em termos econocircmicos e poliacuteticos tendo
sido fortemente influenciada pela Revoluccedilatildeo Francesa Entre
1794 e 1815 o vale do Reno tinha feito parte da Repuacuteblica
Francesa sob o governo de Napoleatildeo e ainda que o Congresso
de Viena tenha determinado a volta da maior parte da regiatildeo para
a Pruacutessia feudal e absolutista foi impossiacutevel apagar totalmente as
modificaccedilotildees introduzidas pela dominaccedilatildeo napoleocircnica e sua
ldquomissatildeo civilizatoacuteriardquo que no essencial suprimira o feudalismo O
descontentamento com o governo prussiano era patente na
burguesia renana que acabou por se tornar porta-voz dos
ciacuterculos burgueses da Pruacutessia e de toda a Alemanha
Ao mesmo tempo e em aparente contradiccedilatildeo com as
condiccedilotildees sociohistoacutericas do paiacutes as construccedilotildees teoacutericas
alematildes alcanccedilavam grande desenvolvimento a ponto de Marx
dizer que os alematildees pensavam o que os outros povos
realizavam Aqui as grandes lutas e polecircmicas ocorriam no
acircmbito da filosofia e neste domiacutenio ndash o ideal ndash havia na Alemanha
uma reflexatildeo filosoacutefica que tendia a concentrar as grandes
questotildees da eacutepoca
O descasamento entre a realidade sociopoliacutetica atrasada a
ausecircncia de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosoacutefico
avanccedilado fez que os ideoacutelogos alematildees cultivassem uma
ideologia de caraacuteter abstrato e especulativo que aparentemente
que natildeo soacute natildeo dependia da vida concreta como era o motor da
histoacuteria de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais
7
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
fundamentaccedilatildeo econocircmica e do desdobramento ideoloacutegico da
sociedade burguesa vemos como na Alemanha se manteacutem
em peacute tudo o que haacute de miseraacutevel nas formas de transiccedilatildeo da
Idade Meacutedia agrave eacutepoca moderna (Lukaacutecs 1972 p 29)
Mas havia diferenccedilas regionais A cidade onde nasceu o
pequeno Karl Marx Trier localiza-se na regiatildeo da Renacircnia entatildeo
a mais desenvolvida em termos econocircmicos e poliacuteticos tendo
sido fortemente influenciada pela Revoluccedilatildeo Francesa Entre
1794 e 1815 o vale do Reno tinha feito parte da Repuacuteblica
Francesa sob o governo de Napoleatildeo e ainda que o Congresso
de Viena tenha determinado a volta da maior parte da regiatildeo para
a Pruacutessia feudal e absolutista foi impossiacutevel apagar totalmente as
modificaccedilotildees introduzidas pela dominaccedilatildeo napoleocircnica e sua
ldquomissatildeo civilizatoacuteriardquo que no essencial suprimira o feudalismo O
descontentamento com o governo prussiano era patente na
burguesia renana que acabou por se tornar porta-voz dos
ciacuterculos burgueses da Pruacutessia e de toda a Alemanha
Ao mesmo tempo e em aparente contradiccedilatildeo com as
condiccedilotildees sociohistoacutericas do paiacutes as construccedilotildees teoacutericas
alematildes alcanccedilavam grande desenvolvimento a ponto de Marx
dizer que os alematildees pensavam o que os outros povos
realizavam Aqui as grandes lutas e polecircmicas ocorriam no
acircmbito da filosofia e neste domiacutenio ndash o ideal ndash havia na Alemanha
uma reflexatildeo filosoacutefica que tendia a concentrar as grandes
questotildees da eacutepoca
O descasamento entre a realidade sociopoliacutetica atrasada a
ausecircncia de fortes bases sociais e o desenvolvimento filosoacutefico
avanccedilado fez que os ideoacutelogos alematildees cultivassem uma
ideologia de caraacuteter abstrato e especulativo que aparentemente
que natildeo soacute natildeo dependia da vida concreta como era o motor da
histoacuteria de forma que a vida real devia submeter-se aos ideais
7
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
que eles tinham elaborado Isso soacute foi possiacutevel porque estava
distanciada da realidade mantendo-se inquestionada mesmo
diante da falsidade de seus pressupostos
O idealismo alematildeo surgiu em grande medida como
resposta agrave Revoluccedilatildeo Francesa que no entender dos filoacutesofos
idealistas veio completar a tarefa da Reforma A Revoluccedilatildeo
abolira os restos do absolutismo feudal e emancipara o indiviacuteduo
que livre de tradiccedilotildees e instituiccedilotildees ataacutevicas agora dependeria
aparentemente apenas de sua proacutepria atividade racional e livre
Ao mesmo tempo o processo econocircmico parecia dar razatildeo a
essas noccedilotildees pois o capitalismo industrial punha agrave disposiccedilatildeo
novos meios demandados para a satisfaccedilatildeo das necessidades
humanas[3]
Em termos filosoacuteficos a Alemanha havia encontrado sua
mais alta expressatildeo em Georg W F Hegel (1770-1831) em cuja
filosofia ecoavam os grandes abalos ocorridos na Europa entre
fins do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seguinte As transformaccedilotildees
profundas que se seguiram agrave Revoluccedilatildeo Francesa ldquobem como o
impetuoso desenvolvimento das ciecircncias principalmente das
ciecircncias da natureza assestaram um seacuterio golpe no velho modo
de pensar metafiacutesicordquo (VVAA 1983 p 25) Escrita como resposta
a tais processos sociais a obra de Hegel filoacutesofo marcou de tal
forma a Alemanha que apoacutes a sua morte ocorrida em 1831 e as
Revoluccedilotildees de 1848 o xis da filosofia alematilde eacute a disputa pelo
legado hegeliano De fato iniciou-se para a escola associada ao
seu pensamento uma divisatildeo de forma que existem entatildeo dois
grandes grupos ambos hegelianos que apreendem a obra de
Hegel de forma diferente e tiram dela conclusotildees opostas Ambas
as tendecircncias tecircm em comum o centrar suas forccedilas em um ou
outro aspecto da obra hegeliana forccedilando uma interpretaccedilatildeo
estranha agrave figura do proacuteprio Hegel em quem a conciliaccedilatildeo era o
8
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
que mantinha o todo do seu pensamento unido ainda que de
maneira precaacuteria
O noacute goacuterdio do pensamento hegeliano estaacute sintetizado
principalmente na frase ldquoo racional eacute real o real eacute racionalrdquo Os
hegelianos ortodoxos enfatizaram a primeira parte da frase
buscando com isso justificar a racionalidade do existente
identificado com a sociedade e o Estado prussianos Jaacute a nova
geraccedilatildeo de pensadores hegelianos realccedilava a uacuteltima parte da
frase recaindo aiacute a ecircnfase no racional objeccedilatildeo mais oacutebvia
segundo eles agraves mazelas da realidade o racional entatildeo soacute se
realizaria de fato com a contestaccedilatildeo e negaccedilatildeo do existente
irracional[4]
Assim de um lado os hegelianos ortodoxos (formando a
chamada direita hegeliana) que privilegiava na obra de Hegel
aspectos ou dubiedades que lhes permitiam forccedilar uma
interpretaccedilatildeo conservadora de forma a tornaacute-lo um teoacuterico do
Estado prussiano um apologeta do existente Esta corrente se
fixou na construccedilatildeo sistecircmica da obra de Hegel como algo
acabado expressa fundamentalmente no seu logicismo filosoacutefico
Para Hegel a histoacuteria mundial eacute o processo loacutegico do
desenvolvimento do Espiacuterito desenvolvimento este cujo sentido eacute
a tomada de consciecircncia pelo Espiacuterito de sua liberdade A partir
disso ele constroacutei uma teoria do fim da histoacuteria segundo a qual o
processo de reconciliaccedilatildeo do Espiacuterito com a realidade histoacuterica
acaba se realizando na racionalidade do Estado
Do lado oposto jovens pensadores que rechaccedilavam o
sistema filosoacutefico geral de Hegel e tomavam como fundamental o
que chamavam meacutetodo hegeliano De fato esse grupo destaca
na filosofia hegeliana o caraacuteter negativo da dialeacutetica o movimento
contiacutenuo da Ideacuteia que potildee o mundo em constante
desenvolvimento ascensorial desenvolvimento que se faz por
9
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
meio de uma luta entre as contradiccedilotildees internas e que resulta no
novo na aboliccedilatildeo das velhas contradiccedilotildees e no aparecimento de
outras proacuteprias da nova situaccedilatildeo Baseando-se em tais
premissas esses jovens pensadores apontam para uma
contradiccedilatildeo forte e imanente do pensamento do velho filoacutesofo
entre meacutetodo e sistema falar em realizaccedilatildeo da razatildeo na histoacuteria
atraveacutes do Estado desdiz as bases da filosofia de Hegel segundo
as quais a histoacuteria eacute processualidade contraditoacuteria dinacircmica que
natildeo tem um ponto final
Os hegelianos mais radicais agrupavam-se em torno do
Clube dos Doutores[5] e eram criacuteticos acerbos da teologia e do
misticismo presentes na filosofia hegeliana e na cultura alematilde
Todavia enquanto entre os conservadores havia uma grande
unidade a ideologia dos jovens hegelianos natildeo representava algo
de uacutenico de internamente homogecircneo os ldquojovens hegelianosrdquo
estavam unidos apenas na oposiccedilatildeo agrave direita e constituiacuteam um
bloco de pensadores extremamente heterogecircneo Dentre eles
havia desde pensadores com tendecircncias liberais ateacute ateus mais
tendentes ao materialismo (estes uacuteltimos constituindo sob grande
influecircncia de Feuerbach precisamente a esquerda hegeliana)[6]
Aqui cabe um parecircntese acerca da importacircncia da religiatildeo
ndash e portanto da criacutetica desta levada a cabo pelos jovens
hegelianos Lembre-se que o Estado prussiano natildeo era um
Estado laico de forma que pela criacutetica agrave religiatildeo estar-se-aacute
fazendo na verdade uma criacutetica social eliacuteptica jaacute que ldquonegar a
religiatildeo como revelaccedilatildeo divina declarar que ela era o produto do
desenvolvimento do espiacuterito humano era minar um dos mais
importantes pilares do regime absolutistardquo (VVAA 1983 p 27)
Tomando mais detalhadamente um aspecto que Ludwig
Feuerbach (1804-1872) destacava ldquoSe os homens
redescobrirem graccedilas agrave criacutetica agrave religiatildeo enfim posta a nu sua
proacutepria essecircncia eles experimentaratildeo sua liberdaderdquo (Chacirctelet
10
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
1971 p 179) Assim a criacutetica da religiatildeo tem um inequiacutevoco
papel poliacutetico torna-se a criacutetica de um Estado que ainda natildeo se
laicizou Como o proacuteprio Marx diria na Alemanha daquela eacutepoca
a criacutetica religiosa era a porta de entrada da criacutetica social ldquoTal
como a religiatildeo eacute o resumo dos combates teoacutericos da
humanidade o Estado poliacutetico eacute o resumo de seus combates
praacuteticosrdquo (Marx 1987e p 459) Dessa maneira ateacute o final dos
anos 30 as principais controveacutersias no interior do hegelianismo
estavam concentradas nessa questatildeo ampliando-se a partir
desse ponto para problemas sociopoliacuteticos - nesse aspecto
Feuerbach tem grande proeminecircncia
Marx emerge como pensador no momento que haacute uma
clariacutessima disputa pelo legado monumental que eacute a obra de
Hegel Desde o princiacutepio mostra simpatia pelos autores da
esquerda hegeliana e muito especialmente para com Feuerbach
Mas mesmo quando se soma agraves fileiras da esquerda hegeliana
tem uma atitude diferenciada que remetia a filosofia hegeliana agrave
realidade prussiana (e a incompreensotildees do proacuteprio meacutetodo pelo
velho filoacutesofo) e mantinha uma atitude criacutetica em relaccedilatildeo a ela Jaacute
nos textos jornaliacutesticos podemos encontrar criacuteticas sociais
radicais que inexistem em Hegel isso se deve ao
desenvolvimento burguecircs na Alemanha poacutes-Hegel agrave influecircncia de
M Hess e do socialismo francecircs sobre Marx e agrave recusa deste das
soluccedilotildees hegelianas para o conflito Estado-sociedade civil
Completemos o quadro com a dissoluccedilatildeo da heranccedila
hegeliana De fato embora sua ascensatildeo (1840) tenha sido
cercada de ilusotildees progressistas da parte dos jovens hegelianos
(das quais Marx natildeo compartilhou) Frederico-Guilherme IV se
dirigiu prontamente contra os jovens hegelianos afastando Bauer
da Universidade de Berlim (marccedilo de 1842) e a multiplicando as
medidas repressivas e policiais Ateacute por conta disso em 1843 o
grupo dos jovens hegelianos fragmentou-se em vaacuterias tendecircncias
11
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
que coagulavam as divergecircncias delineadas no ano anterior ndash
ainda que tendo como denominador comum a recusa do Estado
prussiano e do liberalismo burguecircs A partir de entatildeo o
hegelianismo entrou acentuadamente em descaimento processo
que alcanccedilou o auge em 1848 quando seus mais consequumlentes
adeptos apoiaram as revoluccedilotildees daquele ano e foram reprimidos
por isso
2) Estudos na Universidade
Em seus estudos na universidade (1836-1841) Marx se
dedicou a uma grande variedade de temas ndash jurisprudecircncia
filosofia histoacuteria socialismo e comunismo economia poliacutetica ndash
natildeo estando satisfeito com nenhuma das teorias do direito
existentes tentou desenvolver um sistema filosoacutefico completo
experimento que foi objeto de numa feroz autocriacutetica por estudar
de forma dogmaacutetica natildeo permitindo ldquoque a coisa se encarregue
de desenvolver-se ela mesma como algo rico e vivordquo mas
apresentando-se como ldquoobstaacuteculo para compreender a verdaderdquo
(Marx 1987a pp 6-7) E arremata ldquona expressatildeo concreta de
um mundo de pensamentos vivos como satildeo o direito o Estado a
natureza toda a filosofia eacute necessaacuterio parar e escutar
atentamente o proacuteprio objeto em seu desenvolvimento sem
procurar inserir nele classificaccedilotildees arbitraacuterias mas deixando que
a razatildeo mesma da coisa siga seu caminho contraditoacuterio e
encontre em si mesma sua proacutepria unidaderdquo (Marx 1987a p 7)
Assim consciente das debilidades de suas primeiras
incursotildees filosoacuteficas no iniacutecio de 1839 Marx mergulha no estudo
da filosofia empreendendo vasto trabalho histoacuterico sobre a
filosofia da Antiguumlidade e em princiacutepios de 1841 inicia a redaccedilatildeo
de sua tese doutoral Ao comparar a filosofia da natureza de
Demoacutecrito (460 aC - 370 aC) e Epicuro (341 aC ndash 270 aC
aproximadamente) ndash ambos adeptos do atomismo portanto
12
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
materialistas ndash Marx salienta nelas radicais diferenccedilas no que
tange agrave verdade e agrave proacutepria possibilidade do conhecimento e da
ciecircncia O filoacutesofo alematildeo lecirc em Demoacutecrito passagens
contraditoacuterias sobre a certeza do conhecimento uma dissociaccedilatildeo
entre essecircncia e fenocircmeno que redundaria na impossibilidade de
atingir a essecircncia jaacute que os sentidos conhecem apenas a
aparecircncia dos fenocircmenos Jaacute para Epicuro os sentidos satildeo dizem
da verdade e o mundo sensiacutevel eacute objetivo sendo que o elemento
que permite que a essecircncia seja desvelada eacute o tempo no qual o
fenocircmeno se apresenta como uma alienaccedilatildeo da essecircncia
Outra das diferenccedilas fundamentais salientadas por Marx
entre os dois atomistas daacute-se acerca do movimento dos aacutetomos
Em relaccedilatildeo a Demoacutecrito Epicuro insere nesse campo a
declinaccedilatildeo da linha reta um movimento incausado de
autodeterminaccedilatildeo dos aacutetomos Segundo Marx Epicuro concluiu a
necessidade da declinaccedilatildeo do fato de que se os aacutetomos se
movessem a igual velocidade de cima para baixo em linhas
retas como afirmava Demoacutecrito jamais chegariam a se
encontrar Portanto o movimento desvio era tido como
necessaacuterio para que se desse o encontro entre os aacutetomos e
consequumlentemente a formaccedilatildeo de todas as coisas
Por outro lado uma vez que na filosofia epicureacuteica o
homem natildeo passa de um composto de aacutetomos a possibilidade da
declinaccedilatildeo transcende os aspectos naturais e toma significaccedilatildeo ndash
nada menos ndash de escape ao determinismo natural assumindo
extrema relevacircncia para a afirmaccedilatildeo da liberdade humana Dessa
forma no plano da sociabilidade este desvio da linha reta estaacute
relacionado agrave suplantaccedilatildeo dos aspectos imediatamente naturais
trata-se da consciecircncia de si que se concebe como o singular
abstrato ndash a autoconsciecircncia resguarda o livre-arbiacutetrio
13
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
Marx considerava Epicuro o grande iluminista da
Antiguumlidade pela sua luta em prol da libertaccedilatildeo dos homens dos
preconceitos do misticismo do determinismo natural ou
sobrenatural De fato o objetivo que o pensamento epicurista
atribui agrave ciecircncia eacute fundamentalmente o de tranquumlilizar o espiacuterito e
natildeo o de trazer conhecimento efetivo da natureza Marx ndash que
participa entatildeo de um movimento de criacutetica sobretudo da religiatildeo
ndash salienta aiacute o elemento libertaacuterio a afirmaccedilatildeo da autoconsciecircncia
singular-abstrata como princiacutepio absoluto da liberdade mesmo
percebendo que ela no epicurismo eacute uma propriedade interna de
cada indiviacuteduo isolado
Quando terminou seus estudos Marx pensava lecionar ao
lado de Bruno Bauer que contava com este aliado valoroso
contra os adversaacuterios dos jovens hegelianos O governo
investindo contra os neohegelianos frustra esses planos
3) Idealismo Ativo e Atividade Jornaliacutestica
Tendo recrudescido a investida prussiana contra a caacutetedra universitaacuteria
a imprensa tornou-se para inuacutemeros intelectuais o uacutenico meio de desenvolver
suas ideacuteias teoacutericas e poliacuteticas O jornalismo tinha entatildeo caracteres
especiacuteficos mesmo com o crescimento industrial ndash retardataacuterio e incipiente
mas robusto ndash que perpassava vaacuterias regiotildees da Alemanha e em face do
atraso do paiacutes e da resistecircncia prussiana natildeo havia organizaccedilotildees poliacuteticas
fortes a burguesia excluiacuteda do Estado (dominado pela burocracia)
reivindicava participaccedilatildeo poliacutetica e direitos de manifestaccedilatildeo compatiacuteveis com a
nova realidade em processo de constituiccedilatildeo Os novos oacutergatildeos de imprensa
refletiam justamente essas mudanccedilas de vez que na ausecircncia de organismos
poliacuteticos de monta a articulaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica ocorria entre os intelectuais
Destes os jovens hegelianos se arvoraram em aliados diretos da burguesia
liberal divulgando suas ideacuteias poliacutetico-filosoacuteficas por meio de perioacutedicos
14
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
Tem-se assim a dimensatildeo da imprensa como centro privilegiado do
debate entre os intelectuais acerca de assuntos vaacuterios da vida alematilde daquele
iniacutecio dos anos 1840 ldquoNaquele tempo nenhuma organizaccedilatildeo comum estaacutevel
congregava correligionaacuterios de um mesmo ideal poliacutetico fosse por se
considerar a ideacuteia de accedilatildeo conjunta e disciplinada incompatiacutevel com uma
concepccedilatildeo poliacutetica que valorizava a responsabilidade e a consciecircncia
individuais fosse simplesmente pelo obstaacuteculo legal uma vez que natildeo existia
liberdade de associaccedilatildeordquo Dessa maneira ldquoo que havia de mais parecido com
os escritoacuterios comitecircs e estados-maiores de lsquopartidosrsquo do seacuteculo XX eram as
redaccedilotildees dos jornaisrdquo (Agulhon 1991 pp 24 e 26)
Quanto agrave situaccedilatildeo particular de Marx sua atuaccedilatildeo jornaliacutestica eacute de
grande relevacircncia Eacute a partir dela que ele questiona o arcabouccedilo teoacuterico que
ateacute entatildeo era o seu e parte para a busca de um novo proacuteprio pois perceberaacute
que sua formaccedilatildeo natildeo lhe permite enfrentar os problemas da realidade
sociopoliacutetica Marx como de resto os neohegelianos acreditava na importacircncia
da imprensa para a vida poliacutetica alematilde daiacute que ajude a fundar e se torne
articulista e redator-chefe de um dos perioacutedicos de maior destaque entatildeo a
Gazeta Renana editada entre 1deg de janeiro de 1842 e 31 de marccedilo do ano
seguinte produto e representante do curto enlace entre a burguesia liberal da
Renacircnia e a intelligentsia jovem-hegeliana
Marx escrevia para o jornal desde abril[7] e assumiu o posto de chefe de
redaccedilatildeo em outubro quando pelejou por fazer da GR um oacutergatildeo eficaz da
democracia e uma arma da luta poliacutetica por meio da discussatildeo loacutegica de
questotildees praacuteticas da vida social Comeccedila entatildeo uma nova fase da sua
evoluccedilatildeo ideoloacutegica
Eacute bem conhecida a reflexatildeo autobiograacutefica do ldquoPrefaacuteciordquo de 1859
quando Marx afirma que ldquoEm 184243 sendo redator da Gazeta Renana vi-me
pela primeira vez no difiacutecil transe de ter que opinar sobre os chamados
interesses materiaisrdquo (Marx sd a pp 300-1) De fato os textos tratam de
variados assuntos de caraacuteter poliacutetico econocircmico e social questotildees relativas agrave
lei sobre o roubo de lenha especulaccedilatildeo filosoacutefica assuntos de ordem religiosa
15
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
e em especial a questatildeo da liberdade de imprensa e da censura De forma
que nessa eacutepoca Marx vecirc suas concepccedilotildees confrontadas com a realidade ao
tratar diretamente de problemas vitais concretos que acabam sendo
resolvidos no espiacuterito do democratismo radical
Para Marx a imprensa apresentava-se como um ambiente iacutempar para o
debate filosoacutefico mas tambeacutem como espaccedilo para a modificaccedilatildeo do espiacuterito e
para a efetivaccedilatildeo da liberdade humana A imprensa livre ldquoeacute o espelho espiritual
no qual um povo vecirc a si mesmo e a autocontemplaccedilatildeo eacute a primeira condiccedilatildeo
da sabedoriardquo (Edit 2001 pp 84 e 90) A forccedila da imprensa estaacute em que atua
sobre a esfera espiritual do povo e esta amadurece a partir da criacutetica filosoacutefica
via imprensa das questotildees relativas agrave vida nacional Por esse meio mesmo as
questotildees mais habituais tornam-se puacuteblicas ajudando pela solidariedade a
diminuir o sofrimento dos envolvidos e elevando os fatos particulares isolados
ao espaccedilo da universalidade
A imprensa livre e popular diz Marx eacute um organismo com caracteres
hiacutebridos e bem singulares eacute puacuteblica mas natildeo burocraacutetica civil mas natildeo
meramente privada tem ldquocabeccedila de cidadatildeo do Estado e coraccedilatildeo de burguecircsrdquo
Marx atribuiacutea a esse oacutergatildeo a capacidade de sintetizar e mediar conflitos entre
interesse puacuteblico e privado estando a meio caminho entre o Estado e a
sociedade civil pode ser o ldquoterceiro elementordquo entre a administraccedilatildeo e os
administrados Ali onde a imprensa eacute livre os homens tendo por base a
racionalidade tecircm iguais condiccedilotildees de manifestar suas ideacuteias diferentes sem
dever respeito agrave hierarquia aos estamentos etc Quando a imprensa eacute livre ela
se torna o ldquooacutergatildeo pelo qual satildeo eliminadas as relaccedilotildees poliacuteticas hieraacuterquicas e
satildeo estabelecidas relaccedilotildees de igualdade entre os cidadatildeos de Estadordquo sendo
uma de suas capacidades por via de consequumlecircncia a de instaurar entre
governo e povo relaccedilotildees cidadatildes ldquoque se estabelecem como forccedilas
intelectuais sustentadas por fundamentos racionaisrdquo (Eidt 2001 p 86)
No jovem Marx entatildeo beirando os 25 anos de idade ldquoA imprensa eacute
compreendida como a mediaccedilatildeo que leva agrave realizaccedilatildeo no Estado da essecircncia
espiritual do homemrdquo contraposta agraves religiotildees particulares e indiviacuteduos
16
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
singulares (Enderle 2000 p 4) No entanto ele observa que as instituiccedilotildees
poliacuteticas da Alemanha natildeo estatildeo capacitadas para efetivar a igualdade poliacutetica
pelo que defende a liberdade de imprensa como um pressuposto desta Isso
porque na ausecircncia da liberdade de comunicar-se com o outro o espiacuterito estaacute
acorrentado ndash em face do que todas as outras liberdades tornam-se uma
ilusatildeo Assim a liberdade de imprensa aparece como ldquodemiurgo da sociedaderdquo
ldquoforccedila redentora do espiacuterito de um povordquo e ldquoreconhecer na imprensa o lugar
mais propiacutecio ao desenvolvimento do espiacuterito da eacutepoca natildeo eacute precisamente um
meacuterito da imprensa alematilde eacute muito mais uma decorrecircncia da miseacuteria dos
demais espaccedilos de manifestaccedilatildeo de tal espiacuteritordquo (Eidt 2001 p 94)
Marx constata que a filosofia estaacute dissociada da realidade alematilde
ldquoocupando-se acima de tudo da construccedilatildeo de sistemas ordenados de forma
loacutegica mas natildeo conciliados com sua eacutepocardquo (Marx apud Eidt 2001 p 97)
Contudo assevera Marx os filoacutesofos natildeo estatildeo fora do mundo ao contraacuterio
exprimem justamente a ldquoseiva mais sutil invisiacutevel e preciosardquo de seu tempo e
seu povo essa discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre filosofia e mundo constitui uma
diferenccedila substancial entre ele e os jovens hegelianos jaacute expressa em sua tese
doutoral Desde entatildeo Marx despende grande esforccedilo para ligar a filosofia
avanccedilada agrave vida ao mesmo tempo em que entende que esta eacute irrealizaacutevel no
quadro do idealismo De iniacutecio compreende este fato como um defeito da
forma de anaacutelise especulativa hegeliana e sua ldquolinguagem miacutestica
incompreensiacutevelrdquo imposta pelas condiccedilotildees histoacutericas anteriores jaacute superadas
que persistia como uma expressatildeo da ldquomaniardquo alematilde de prestar culto agraves ideacuteias
e ldquode natildeo as realizar agrave forccedila de as respeitar em excessordquo (apud Laacutepine 1983
p 86) Entatildeo tratava-se de realizar a filosofia ndash isso implicava mostrar aos
homens que esta delibera natildeo acerca de absurdidades mas de seus
interesses imediatos
Nos textos da GR Marx considera que a proacutepria histoacuteria redunda de uma
accedilatildeo reciacuteproca entre filosofia e mundo que incluiu vaacuterias etapas iniciadas
todas pela elevaccedilatildeo da filosofia agrave categoria de sistema (minuciosamente
elaborado) o que reflete o isolamento dela em relaccedilatildeo ao mundo Alcanccedilado
este acabamento interno a filosofia entra em interaccedilatildeo reciacuteproca com o mundo
17
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
exterior num processo em que a realizaccedilatildeo da filosofia transforma tanto a ela
proacutepria quanto ao mundo Dessa forma a filosofia ldquopor ser a essecircncia
espiritual de um tempo haacute de se conciliar com o mundordquo deixando ldquosua
postura sacra para se revelar cidadatilde do mundordquo de tal forma que este se torna
filosoacutefico e a filosofia se torna mundana (Marx apud Eidt 2001 pp 97-8) Tal
se consegue por meio da imprensa livre quando natildeo trava contato com a
esfera jornaliacutestica a filosofia (sistemas filosoacuteficos isolados) opotildee-se agrave imprensa
(preocupada com os fatos cotidianos) a primeira ganha assim um colorido
nitidamente antipopular ldquose assemelha a um professor das artes maacutegicas
cujos exorcismos parecem solenes porque natildeo se os entenderdquo
Note-se ldquoMarx chega (por uma via idealista naturalmente) agrave
compreensatildeo do alcance histoacuterico da luta filosoacutefica do seu tempo como fator
ativo que contribui para transformar radicalmente a realidade prussianardquo
(Laacutepine 1983 pp 55-6) Lembre-se que para os jovens hegelianos o ponto
nodal estava na autoconsciecircncia numa subjetividade capacitada a por uma
ldquoaccedilatildeo criacuteticardquo eliminar as irracionalidades do mundo objetivo ldquoEssa
circularidade inicia com a concepccedilatildeo de homem como espiacuterito ou
autoconsciecircncia que se desenvolve e amadurece na atividade criacutetico-filosoacutefica
da livre imprensa e chega agrave realizaccedilatildeo nas vaacuterias instituiccedilotildees humanas e em
particular nas instituiccedilotildees de ordem poliacuteticardquo (Enderle 2000 p 4)
Ora pelo que foi dito podemos perceber que natildeo obstante pertencer
ainda entatildeo a um ldquogradiente idealistardquo (ativo) Marx a este ldquoagrega dimensatildeo
criacutetica particularizadora que o distingue tanto de Hegel quanto dos
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 352) e que exprime o proacuteprio esgotamento da
filosofia precedente
No crepuacutesculo de 1842 os governos alematildees recrudescem a acometida
contra a imprensa liberal Embora Marx salientasse a equivalecircncia entre essa
reprovaccedilatildeo e a condenaccedilatildeo do espiacuterito poliacutetico do povo percebia que isso soacute
ocorria porque a imprensa popular tornara-se forte e era reconhecida como tal
a luta contra algo eacute a primeira forma do seu reconhecimento Para fazer jus a
esse novo status Marx busca impedir o governo de valer-se de razotildees fuacuteteis
18
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
para destruir a GR obrigando-o a discussotildees sobre problemas fundamentais
Esse intento se concretiza com a publicaccedilatildeo de dois artigos do correspondente
do Mosella sobre a situaccedilatildeo de penuacuteria em que viviam os vinhateiros da regiatildeo
respondidos pelo primeiro-presidente von Schaper que exigiu esclarecimentos
quanto ao conteuacutedo dos textos
Marx acabaraacute por se encarregar pessoalmente da resposta dando iniacutecio
agrave seacuterie de artigos Justificaccedilatildeo do Correspondente do Mosella redigida apoacutes
intensa investigaccedilatildeo e estudo de dados concretos e na qual ele esforccedilou-se por
impor uma discussatildeo sobre as proacuteprias bases do Estado e natildeo apenas dos
aspectos juriacutedicos e loacutegicos da questatildeo Eacute de supor que a coleta e anaacutelise de
tais dados tenham contribuiacutedo para minar suas concepccedilotildees idealistas
emparedadas pela necessidade de encarar o caraacuteter objetivo das relaccedilotildees
sociais Embora natildeo se trate ainda de uma ruptura com o idealismo ndash e nem
de longe tenha encontrado o papel determinante das relaccedilotildees de produccedilatildeo ndash a
atenccedilatildeo do jovem Marx estaraacute dirigida agraves relaccedilotildees materiais e ainda agrave relaccedilatildeo
entre esta esfera e o Estado
Nesse sentido seus artigos tecircm como ponto nevraacutelgico a afirmaccedilatildeo da
racionalidade do Estado do direito e das instituiccedilotildees em geral e a consequumlente
denuacutencia dos realmente existentes Notam-se neles assim exalaccedilotildees
claramente neohegelianas ldquoo Estado natildeo pode ser constituiacutedo partindo da
religiatildeo mas da razatildeo da liberdade Soacute a mais crassa ignoracircncia pode
sustentar a afirmaccedilatildeo de que esta teoria a autonomia do conceito de Estado
seja uma postulaccedilatildeo efecircmera dos filoacutesofos de nossos diasrdquo Trata-se de afirmar
ldquoo Estado como o grande organismo no qual a liberdade juriacutedica moral e
poliacutetica devem encontrar a sua realizaccedilatildeo e no qual cada cidadatildeo
obedecendo agraves leis do Estado natildeo faccedila mais do que obedecer somente agraves leis
da sua proacutepria razatildeo da razatildeo humanardquo (Marx apud Chasin 1995 p 355)
Assim o Estado eacute compreendido como diretamente derivado da ideacuteia do todo
como a estrutura na qual a liberdade ndash juriacutedica eacutetica e poliacutetica ndash se efetiva
Sua noccedilatildeo de poliacutetica ndash entatildeo democrata-radical ndash pode ser bem
apreendida nos textos em que trata da propriedade privada principalmente nos
19
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
Debates a Propoacutesito da Lei sobre os Roubos de Madeira e nas discussotildees
sobre o livre-cacircmbio e o protecionismo Neles satildeo contrapostas a
universalidade do Estado e a particularidade da propriedade privada e feitas
duras criacuteticas ao primeiro por se ldquorebaixarrdquo ao niacutevel da propriedade privada
degradando-se ao descair da universalidade quando na verdade deveria
submeter os interesses particulares ao interesse comum representado pelo
proacuteprio Estado Contra sua natureza diraacute Marx este estaacute subordinado ao
Landtag organismo que representa os interesses privados das ordens ou da
propriedade privada ao inveacutes de serem a personificaccedilatildeo de princiacutepios
abstratos da razatildeo Ocorre entatildeo o inverso do que pregam as concepccedilotildees
idealistas natildeo eacute o Estado que subordina os interesses privados ndash de caraacuteter
econocircmico fundamentalmente ndash aos interesses racionais da sociedade mas
estes que reduzem ldquoo Estado ao papel de instrumento do interesse privadordquo
Daiacute que Marx ldquoPassa entatildeo a analisar natildeo as noccedilotildees de ordens de Estado
etc mas os fatos a natureza real dos diferentes fenocircmenos da vida social e as
suas relaccedilotildees reaisrdquo (Laacutepine 1983 p 99)
Lembre-se que a lenha era por aquela eacutepoca um bem de extrema
utilidade para uma famiacutelia camponesa e esta resistia a abrir matildeo do direito
ancestral de apanhaacute-la na floresta A gestatildeo prussiana poreacutem propocircs aos
Landtags um projeto de lei proibindo ndash e qualificando como roubo sujeito a
puniccedilatildeo ndash a recolha sem a autorizaccedilatildeo do proprietaacuterio da floresta Marx se
utiliza de argumentos juriacutedico-poliacuteticos contra tal lei a lenha eacute floresta morta
isto eacute natildeo eacute floresta objeto de propriedade ou apanhar lenha equivale a
tomar posse dela de maneira legiacutetima pelo trabalho nunca a um roubo Para
aleacutem disso diz eacute da condiccedilatildeo social dos camponeses e da atitude das outras
classes em relaccedilatildeo a eles que devem vir seus direitos Por isso protesta contra
o poder das outras classes pelo qual ocorre ldquoa transformaccedilatildeo de privileacutegios em
direitosrdquo ldquoquando deveria ao contraacuterio reconhecer no costume da classe
pobre o instintivo sentido de direito que na forma do direito consuetudinaacuterio
elevaria esta classe agrave efetiva participaccedilatildeo no Estadordquo (Enderle 2000 p 5)
Veja-se como aiacute o problema social (miseacuteria dos camponeses) aparece
como um problema juriacutedico ou de ordem poliacutetica ldquoSendo a loacutegica uma
20
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
propriedade da razatildeo Marx deduz a racionalidade de um Estado da loacutegica das
suas accedilotildees Mostra a contradiccedilatildeo loacutegica existente nos atos do governo
prussiano e demonstra desse modo a irracionalidade do Estado prussianordquo
(Laacutepine 1983 p 65) Mas ainda natildeo sabe o porquecirc do problema ldquoComo
hegeliano descobre sobretudo uma causa ideal o caraacuteter unilateral do
entendimento que se esforccedila por tornar o mundo unilateralrdquo (Laacutepine 1983 p
98) Tambeacutem a criacutetica agrave religiosidade do Estado prussiano evidencia-se por
uma argumentaccedilatildeo hegeliana este Estado ldquocontradizia a ideacuteia de
universalidade do Estado ao privilegiar uma uacutenica crenccedilardquo da mesma forma
que ia contra a ldquoracionalidade do Estado entendida como realizaccedilatildeo da
liberdade que natildeo precisa dos dogmas para poder existirrdquo (Frederico 1990 p
26)
Como corolaacuterio desta visatildeo da poliacutetica Marx mostra em seus textos a
dissociaccedilatildeo e a oposiccedilatildeo entre representaccedilatildeo popular e representaccedilatildeo
estamental ndash que divide o povo de maneira artificial ldquoem partes soacutelidas
abstratasrdquo impedindo-lhe os movimentos orgacircnicos ndash e proclame que um
Estado autecircntico eacute uma democracia produto da atividade do povo auto-
representado onde os interesses privados estaratildeo sujeitos aos interesses
puacuteblicos Cumpre observar que a evoluccedilatildeo ideoloacutegica de Marx natildeo era linear
nem inteiramente consciente justapunham-se discussotildees que apontavam para
um democratismo revolucionaacuterio a outras tiacutepicas do idealismo
No que tange agrave forma de entender o problema poliacutetico portanto o jovem
Marx seguia a tradiccedilatildeo ocidental e de resto estava de acordo com o
neohegelianismo De fato como vimos nos artigos da GR percebe-se em
Marx uma apreensatildeo da poliacutetica como locus de realizaccedilatildeo do ser humano e de
sua racionalidade Nos termos de Chasin nos textos jornaliacutesticos da eacutepoca a
ldquopoliticidade eacute tomada como predicado intriacutenseco ao ser socialrdquo inerente agrave sua
proacutepria natureza ldquoMarx estava vinculado agraves estruturas tradicionais da filosofia
poliacutetica ou seja agrave determinaccedilatildeo ontopositiva da politicidade o que o atava a
uma das inclinaccedilotildees mais fortes e caracteriacutesticas do movimento dos jovens
neohegelianosrdquo (Chasin 1995 p 354) Nesta forma de conceber a poliacutetica
ldquoEstado e liberdade ou universalidade civilizaccedilatildeo ou hominizaccedilatildeo se
21
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
manifestam em determinaccedilotildees reciacuteprocasrdquo considera-se ldquoo plano poliacutetico como
o lugar proacuteprio da resoluccedilatildeo dos problemas sociaisrdquo e ateacute se tenta os ldquoelevarrdquo agrave
ldquoalturardquo daqueles de forma que ldquoeacute conferido agrave poliacutetica o poder de entificar a
sociabilidaderdquo paracircmetro em cujo interior ldquoMarx muito sintomaticamente
procurou resolver problemas socioeconocircmicos recorrendo ao pretendido
formato racional do Estado moderno e da universalidade do direitordquo (Enderle
2000 p 5)
Em dia 19 de janeiro de 1843 a publicaccedilatildeo da GR (entatildeo com cerca de
3400 assinantes e amplamente difundida na Pruacutessia e mesmo aleacutem-fronteiras)
eacute proibida a partir de 1ordm de abril episoacutedio que Marx analisa como um
reconhecimento da forccedila do perioacutedico e um efetivo progresso da consciecircncia
poliacutetica[8] Ele resolveu entatildeo voltar-se aos estudos agrave busca de solucionar as
duacutevidas que carregaraacute ateacute Kreuznach Assim ainda que persista vendo o
Estado de forma essencialmente idealista ateacute fins de 1842 o trato com as
ldquochamadas questotildees materiaisrdquo o obrigou a buscar o real conteuacutedo do Estado e
a discutir problemas vitais e concretos num processo que alcanccedilou o auge na
Criacutetica de 43
4) O ldquoJovem Marxrdquo e a Tradiccedilatildeo Filosoacutefica Ocidental
Ainda com o objetivo de bem compreender a correta situaccedilatildeo de Marx
no momento dado vamos incursionar rapidamente pela discussatildeo acerca da
medida exata da contribuiccedilatildeo da tradiccedilatildeo ocidental e do caldo cultural de sua
eacutepoca para o pensamento proacuteprio deste autor aleacutem do exato momento em que
este surgiu
Eacute bem conhecida a teoria das assim chamadas ldquotrecircs fontesrdquo constitutivas
do pensamento de Marx segundo a qual ele teria se apropriado e reelaborado
a doutrina dos mais avanccedilados domiacutenios do pensamento social do seacuteculo XIX
ndash a filosofia alematilde a economia poliacutetica inglesa e o socialismo francecircs ndash
fundindo-os na ldquodoutrina marxistardquo[9] Acreditamos que subjaz a esta teoria uma
certa teleologia histoacuterica dado que cada um dos produtos deste triacuteplice
amaacutelgama originaacuterio desenvolvido isoladamente por cada povo seria a um soacute
22
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
tempo passiacutevel de ser apropriado e carente de reelaboraccedilatildeo o que teria
tornado possiacutevel a Marx selecionar seus elementos mais progressistas e
refundi-los num pensamento proacuteprio
Contudo J Chasin apoacutes proceder a uma anaacutelise do ideaacuterio de Marx ndash
desde sua eacutepoca preacute-marxista ateacute a configuraccedilatildeo adulta de seu pensamento ndash
se daacute conta da impossibilidade dessa associaccedilatildeo Seria possiacutevel indaga
conceber uma nova pelo retalhamento filtragem e fundiccedilatildeo de trecircs universos
teoacutericos tatildeo diferentes Natildeo seria necessaacuterio bem mais que um salto mortal
para mesclar o conteuacutedo de teorias tatildeo diacutespares e cuja estrutura elementar era
contraditoacuteria
Ou especificamente eacute possiacutevel engendrar algum tipo de discurso de rigor
minimamente articulado por meio da fusatildeo de uma filosofia especulativa ndash que
sustenta a identidade entre sujeito e objeto ndash mesmo se redutiacutevel a meacutetodo
com porccedilotildees de uma ciecircncia vazada em termos ldquoempiristas ainda abstratosrdquo
e ainda combinado com emanaccedilotildees da consciecircncia utoacutepica que por
natureza reenviam agrave especulaccedilatildeo (piedosa ou sonhadora) (Chasin 1995 p
346)
Eacute por isso Chasin acredita que ldquoo triacuteplice amaacutelgama eacute a rigor
impensaacutevel a natildeo ser como vaga alusatildeo metafoacuterica agraves doutrinas mais notaacuteveis
do universo intelectual ao qual Marx pertencia e agraves quais ele teve o
discernimento de se voltar preferencialmente a partir de certo instante de seu
proacuteprio desenvolvimentordquo (Chasin 1995 p 345) Mas estudou-as natildeo para se
apropriar integral ou parcialmente delas mas para proceder agrave sua criacutetica
ontoloacutegica inicialmente a criacutetica agrave especulaccedilatildeo agrave qual se seguiriam a criacutetica agrave
politicidade e agrave economia poliacutetica (englobando esta a criacutetica do capital e suas
formas de sociabilidade e a de sua ciecircncia) Estas trecircs criacuteticas ao se
enlaccedilarem permitem a parturiccedilatildeo de uma visatildeo global de mundo proacutepria ldquouma
vez que tecircm por objetos a praacutetica a filosofia e a ciecircncia respectivamente nas
formas da poliacutetica da especulaccedilatildeo hegeliana e da economia poliacutetica claacutessica
admitidas como expressotildees de ponta da elaboraccedilatildeo teoacuterica de toda uma
eacutepocardquo (Chasin 1995 pp 380-1)
23
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
Por outro lado o saber ateacute quando se pode qualificar a obra de Marx
como ldquojuvenilrdquo ndash portanto natildeo ainda um pensamento proacuteprio amadurecido ndash
tem dado origem a um grande nuacutemero de manifestaccedilotildees variadas e natildeo raro
divergentes Haacute os que potildeem toda a obra de Marx anterior a 1848 sob a
autoria do ldquojovem Marxrdquo dando a ilusatildeo de que o autor ldquoascendeu agrave ciecircncia
sem ter atravessado pelo inferno da duacutevida e pelo fogo do combate com as
questotildees de sua eacutepocardquo ldquosem nada aprender com seus interlocutoresrdquo
(Frederico 1990 p 11) Outras tendecircncias consideram como partes
integrantes de seu pensamento adulto mesmo as obras preacute-marxianas
esquadrinhadas na busca apologeacutetica de ideacuteias futuras Desconsideram a
advertecircncia de M Loumlwy (2002 p 59) segundo a qual tais escritos satildeo
ldquoestruturas relativamente coerentesrdquo que ldquose tem de considerar enquanto tais e
dos quais natildeo se pode isolar certos elementos sem que lhes faccedila perder toda
significaccedilatildeordquo
Entre ambas as correntes haacute poreacutem uma quase unanimidade opor um
Marx jovem ndash filoacutesofo idealista ndash a um Marx maduro ndash economista ou cientista
ndashdesprezando o fio condutor de suas obras escolhendo arbitrariamente um de
seus aspectos e usando-o contra o outro saliente-se que a desconsideraccedilatildeo
pela especificidade do ideaacuterio marxiano tambeacutem serve a certos interesses
socioteoacutericos
De modo geral os que desejam fugir dos problemas filosoacuteficos vitais ndash e nada
especulativos ndash da liberdade e do indiviacuteduo se colocam ao lado do Marx
ldquocientiacuteficordquo ou ldquoeconomista poliacutetico madurordquo enquanto os que natildeo desejam
assumir a implicaccedilatildeo praacutetica do marxismo (que eacute inseparaacutevel de sua
desmistificaccedilatildeo da economia capitalista) exaltam o jovem ldquojovem filoacutesofo Marxrdquo
(Meacuteszaacuteros 1981 p 206)
Tentando nos afastar de ambos os equiacutevocos reafirmamos 1841-47
como o periacuteodo de formaccedilatildeo do ideaacuterio marxiano eacute quando ele se confronta
com os grandes temas de sua eacutepoca e faz-lhes a criacutetica transitando do
idealismo ativo agrave democracia radical e agrave revolucionaacuteria Aqui se apresentam os
elementos necessaacuterios para compreensatildeo da evoluccedilatildeo constitutiva de sua
teoria apoacutes extenso e complexo percurso intelectual o pensamento de Marx eacute
24
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
entatildeo jaacute adulto embora natildeo plenamente maduro a que chegaraacute nos anos 50
com a retomada dos estudos econocircmicos
Para fins de apresentaccedilatildeo esse periacuteodo pode ser dividido em dois
outros o primeiro (1841-43) compreende sua dissertaccedilatildeo de doutorado e os
artigos da GR quando ainda eacute bastante visiacutevel a influecircncia de Hegel e de Kant
e que ndash somente ele - pode se encaixar na rubrica de ldquoobra juvenilrdquo visto que eacute
a fase inicial e natildeo-marxiana da elaboraccedilatildeo teoacuterica de Marx Percebem-se
entatildeo certas inquietaccedilotildees teoacutericas que resultam de sua refinada sensibilidade
para os dilemas humanos mas ldquoque natildeo alteram a natureza do arcabouccedilo
ideal que matriza o conjunto desses escritos nem tampouco satildeo traccedilos
constitutivos do futuro desenvolvimento teoacuterico de seu autorrdquo (Chasin 1995 p
357) Pelo contraacuterio Marx romperaacute logo em seguida com essa estrutura
ideoloacutegica ainda neohegeliana ainda ldquoideologia alematilderdquo Em siacutentese natildeo se
pode fazer recair na diferenccedila de Marx com os jovens hegelianos o eixo de
anaacutelise da tese doutoral e dos artigos de sua fase jornaliacutestica nem valorizar em
demasia os elementos de continuidade entre este periacuteodo e o seguinte em que
a criacutetica agrave especulaccedilatildeo e agrave politicidade nasce e amadurece pelo que as raiacutezes
do pensamento poliacutetico-filosoacutefico posterior de Marx natildeo podem ser aiacute
encontradas
A particularidade da fase jornaliacutestica estaacute em que entatildeo Marx se filia agraves
estruturas tradicionais da filosofia poliacutetica (que capta a poliacutetica como
caracteriacutestica imanente ao ser social) e se inclui no movimento neohegeliano
da filosofia da accedilatildeo ou idealismo ativo ainda que com matizes proacuteprios como
jaacute vimos Os artigos da GR nesse sentido incluem-se e rematam o que
efetivamente pode ser chamado de sua ldquofase juvenilrdquo e se distanciam
radicalmente da fase posterior ainda que permitam o iniacutecio de seu salto para a
maturidade teoacuterica
A segunda etapa de meados de 43 a 47 se inicia com a Criacutetica de 43 e
artigos imediatamente subsequumlentes (Sobre a Questatildeo Judaica Para a Criacutetica
da Filosofia do Direito de Hegel ndash Introduccedilatildeo e Glosas Criacuteticas ao Artigo ldquoO Rei
da Pruacutessia e a Reforma Socialrdquo) e estende-se ateacute agrave Miseacuteria da Filosofia Os
25
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
escritos de entatildeo representam uma primeira exposiccedilatildeo de seu pensamento
proacuteprio pois que incluem conquistas fundamentais que seratildeo conservadas e
desenvolvidas em sua obra posterior como ele mesmo assumiu ao se referir a
seu processo formativo Portanto eacute na redaccedilatildeo da Criacutetica de 43 que
identificamos o momento exato da inflexatildeo de Marx em direccedilatildeo a sua fase
marxiana resultado do debate com as grandes correntes filosoacuteficas de sua
eacutepoca sua critica e superaccedilatildeo radical tendo por momentos altos as trecircs
grandes criacuteticas que ali se iniciam agrave especulaccedilatildeo agrave politicidade e agrave economia
poliacutetica Mas isso jaacute eacute assunto para outro trabalho
BIBLIOGRAFIA
AGULHON Maurice 1848 ndash O Aprendizado da Repuacuteblica Rio de Janeiro Paz
e Terra 1991
ALBINATI Ana Selva C B Gecircnese Funccedilatildeo e Criacutetica dos Valores Morais nos
Textos de 1841-1847 de Karl Marx Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1
Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad Hominem 2001 pp 101-43
CHASIN J A Determinaccedilatildeo Ontonegativa da Politicidade Revista Ensaios Ad
Hominem nordm 1 ndash Tomo III - Poliacutetica Satildeo Paulo Ad Hominem 2000 pp 5-
78
___________ (org) Marx Hoje 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1990
____________ ldquoMarx no Tempo da Nova Gazeta Renanardquo In MARX Karl A
Burguesia e a Contra-Revoluccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Ensaio 1993
___________ ldquoMarx ndash Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegicardquo In
TEIXEIRA Francisco J S Pensando com Marx Satildeo Paulo Ensaio 1995
CHAcircTELET Franccedilois ldquoPreacutefacerdquo agrave Contribution a la Critique de la Philosophie
du Droit de Hegel Paris Aubier Montaigne 1971
CLAUDIacuteN Fernando Marx Engels y la Revolucioacuten de 1848 3 ed Madrid
Siglo XXI 1985
DE DEUS Leonardo Gomes (2001) Soberania Popular e Sufraacutegio Universal O
Pensamento Poliacutetico de Marx na Criacutetica de 43 Dissertaccedilatildeo apresentada ao
Curso de Mestrado da Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da
UFMG Belo Horizonte mimeo
26
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
EIDT Celso A Razatildeo como Tribunal da Criacutetica Marx e a Gazeta Renana
Revista Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp 79-100
ENDERLE Rubens Moreira Ontologia e Poliacutetica A Formaccedilatildeo do Pensamento
Marxiano de 1842 a 1846 Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada agrave
Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas da UFMG Belo Horizonte
mimeo 2000
ENGELS F ldquoMarx e a Nova Gazeta Renanardquo In MarxEngels ndash Obras
Escolhidas vol 3 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd
FERNANDES Florestan ldquoIntroduccedilatildeordquo In MarxEngels Histoacuteria Coleccedilatildeo
Grandes Cientistas Sociais 3 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1989
FREDERICO Celso O Jovem Marx Satildeo Paulo Cortez 1990
LAacutePINE Nicolai O Jovem Marx Lisboa Editorial Caminho 1983
LOumlWY Michel A Teoria da Revoluccedilatildeo no Jovem Marx Rio de Janeiro Vozes
2002
LUKAacuteCS Georg El Asalto a la Razoacuten (Especialmente cap ldquoEl Desarrolo
Histoacuterico de Alemaniardquo) Barcelona Grijalbo 1972
MARCUSE Herbert Razatildeo e Revoluccedilatildeo 4 ed Rio de Janeiro Paz e Terra
1988
MARX Carlos ldquoCarta al Padrerdquo In MARX Carlos e ENGELS Frederico Marx
Obras Fundamentales 1 - Escritos de Juventud Meacutexico Fondo de Cultura
Econoacutemica 1987
MARX Karl ldquoPrefaacutecio agrave Contribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Economia Poliacuteticardquo In
MarxEngels ndash Obras Escolhidas vol 1 Satildeo Paulo Alfa-Ocircmega sd a
MEacuteSZAacuteROS Istvaacuten Marx A Teoria da Alienaccedilatildeo Rio de Janeiro Zahar
Editores 1981
_________________ Filosofia Ideologia e Ciecircncia Social Satildeo Paulo Ensaio
1993
PAULO NETTO Joseacute A Propoacutesito da Criacutetica de 1843 Revista Nova Escrita
Ensaio nordm 11 Satildeo Paulo Escrita 1983
___________________ ldquoContribuiccedilatildeo agrave Criacutetica da Filosofia do Direito de Hegel
ndash Introduccedilatildeo Quarta Aulardquo In O Meacutetodo em Marx anotaccedilotildees de aulas
mimeo 1492001
27
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
VAISMAN Ester Dossiecirc Marx Itineraacuterio de um Grupo de Pesquisa Revista
Ensaios Ad Hominem nordm 1 Tomo 4 ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad
Hominem 2001 pp I-XXIX
VVAA (1983) Karl Marx Biografia LisboaMoscou Ediccedilotildees AvanteEdiccedilotildees
Progresso
Publicado originalmente na Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano XI n
29 p 193-217 set2003 Mestre e doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo (com bolsa CNPq) tema da pesquisa Marx e a Poliacutetica
Em torno do Bonapartismo Pesquisadora do Nuacutecleo de Estudos de Histoacuteria
Trabalho Ideologia e Poder Departamento de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais da
PUC-SP E-mail vanianoeliuolcombr [1] ldquoAssim em troca da lei aduaneira de 1818 que transformou a Pruacutessia em
regiatildeo econocircmica unificada a burguesia prussiana aceitou docilmente em
1819 os decretos reacionaacuterios de Karlsbad que marcaram o iniacutecio de uma
nova etapa de perseguiccedilatildeo aos liberais A criaccedilatildeo da Uniatildeo Aduaneira Alematilde
(1834) que fez de toda a Alemanha uma zona de livre-cacircmbio foi
acompanhada pela adoccedilatildeo de seis decretos da Dieta da Uniatildeo que tiveram
como resultado reduzir ao miacutenimo a vida constitucional das proviacutenciasrdquo
(Laacutepine 1983 p 43) [2] Foi em Lion entre 1831-34 que por vez primeira os operaacuterios insurgiram-se
de forma particular ocorrendo tambeacutem importantes batalhas operaacuterias em
Manchester e Paris Em 1842 o movimento operaacuterio cartista inglecircs ndash
considerado o primeiro movimento operaacuterio poliacutetico de massas ndash alcanccedila o
apogeu realizando inclusive uma greve geral apoiada pelos sindicatos e de
influecircncia extensiva a vaacuterias regiotildees industriais do paiacutes e tambeacutem da Franccedila e
ateacute da Alemanha [3] Lembre-se que a maacutequina a vapor havia sido inventada no iniacutecio daquele
seacuteculo seguida de vaacuterias outras inovaccedilotildees o barco a vapor a locomotiva o
telefone a eletricidade para citar apenas alguns
28
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
[4] Natildeo haacute uma identificaccedilatildeo imediata entre razatildeo e realidade para Hegel
primeiro porque ele diferencia o real (processual) do existente (contingente)
segundo o pensamento deve governar a realidade mas para tanto eacute
necessaacuterio que esta tambeacutem tenda para a razatildeo Para Hegel ldquoNa medida em
que haja qualquer hiato entre o real e o potencial o primeiro deve ser
trabalhado e modificado ateacute se ajustar agrave razatildeo lsquoRealrsquo eacute o racionalizaacutevel
(racional) e soacute este o eacuterdquo (Marcuse 1988 pp 23-4) [5] Como em 1837 nenhum tinha nem 30 anos os ortodoxos os chamavam
ldquojovens hegelianosrdquo [6] Entre os jovens hegelianos havia um grupo fortemente marcado por posiccedilotildees
liberais que atribuiacutea a situaccedilatildeo de atraso da Alemanha agrave inexistecircncia de
poderosas correntes de pensamento liberal A ausecircncia de potentes
movimentos sociais de lutas de classes de transformaccedilotildees sociais era
criticada por esses autores e imputadas ao atraso do proacuteprio povo visto como
incapaz de apreender os elementos emancipadores que atribuiacuteam agrave filosofia
Assim esses pensadores evoluiacuteram para uma criacutetica agrave incapacidade das
massas populares da Alemanha de incorporar as conquistas da filosofia
hegeliana e passaram a acreditar que a transformaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais
da Alemanha viria exclusivamente atraveacutes dos movimentos de ideacuteias Eacute a
chamada criacutetica criacutetica cujos expoentes satildeo os irmatildeos Bauer que Marx
censuraraacute acidamente depois Observe-se contudo que praticamente todos os
jovens hegelianos tendiam a uma concepccedilatildeo subjetivista da histoacuteria e agrave crenccedila
na onipotecircncia da criacutetica teoacuterica agrave forccedila insubstituiacutevel do pensamento criacutetico
com o que subestimavam a accedilatildeo praacutetica [7] Seu primeiro artigo Observaccedilotildees sobre as Novas Instruccedilotildees Prussianas
acerca da Censura foi publicado soacute um ano depois de escrito no iniacutecio de
1842 na coletacircnea Ineacuteditos Filosoacuteficos (Anekdota) juntamente com outros
ldquotextos inflamaacuteveisrdquo que a censura impedira de ser publicados nos Anais
Alematildees [8] O anuacutencio da suspensatildeo do jornal provoca uma enorme vaga de protestos e
peticcedilotildees inclusive por parte dos camponeses pobres dos cantotildees rurais ndash
obviamente os Junkers e a burguesia urbana da Renacircnia tinham uma visatildeo
diferente Por dois meses ainda Marx permaneceraacute agrave frente do perioacutedico sob
29
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII
30
condiccedilotildees excepcionais de controle mesmo para um Estado policial como o era
na eacutepoca a Pruacutessia ateacute que se demite sumariamente [9] Natildeo se trata de referecircncia ao inescapaacutevel ldquohuacutemus culturalrdquo (J P Netto) da
eacutepoca Evidentemente natildeo se pode ignorar que Marx eacute herdeiro criacutetico de uma
determinada tradiccedilatildeo filosoacutefica que vai do Renascimento (concepccedilatildeo do
homem como o uacutenico ser aberto) ao neohegelianismo (a problemaacutetica do
homem) passando pelo materialismo (a ruptura com a conduta especulativa)
Contudo notados seus limites histoacutericos Marx lhes faz a criacutetica natildeo
simplesmente se apropria delas Os limites desse trabalho natildeo nos permitem
nos delongar na questatildeo Ver Vaisman 2001 pp VII-VIII