Mateira Fosfateira Revista Primeiro Plano

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matéria da fosfateira na Revista Primeiro PlanoMatéria: Vanessa Campos

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Dilemas do progresso

Por Vanessa Campos

É possível conciliar o desenvolvimento econômico, social e político com o sustentável? Qual deles deve ser priorizado? Qual vale mais? Conseguiremos parar antes de esgotar todos os recursos naturais que temos? É possível atender a essas três dimensões? Tais perguntas fazem parte da discussão sobre a construção de uma mina de fosfato no meio de dois parques de preservação ambiental e de nascentes de rios em Anitápolis, uma pequena cidade da Grande Florianópolis, em Santa Catarina. Aloísio, ex-agricultor, caminha pelas suas

terras em área de mina todos os dias.

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A mina de fosfato em Santa Catarina

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ão será a primeira mina de fosfato no Brasil, isso é fato. Há exemplos de tais empreendimentos em Araxá (MG), Cajati (SP), e em outros muni-

cípios espalhados pelo território nacio-nal. A ainda tão pouco conhecida “fosfa-teira” de Anitápolis, em solo catarinense, poderá ser mais um fruto da mineração em busca de progresso e desenvolvimen-to econômico para o país. Tudo estaria bem se a região, única rica em fosfato do Sul do Brasil, em que se pretende ex-plorar a jazida (essencial na fabricação de fertilizantes para a agricultura), não fosse um vale repleto de nascentes de água cristalina que contempla vegetação do bioma Mata Atlântica, o qual este se encontra atualmente em extinção.

Mesmo ainda em anonimato, a futura mineradora já causa polêmica no recan-to dos vales. Prefeitos, deputados, am-bientalistas, especialistas e moradores se dividem quanto ao “desenvolvimento” que a fosfateira levará para a região, já que ela poderá afetar a vida de outros 21 municípios. A Associação Montanha Viva, por meio do advogado Eduardo Bastos Moreira Lima, que é especialista em Direito Ambiental, Políticas Públicas e Ciências Ambientais, entrou com uma ação civil pública contra a mineradora, alegando os elevados impactos e riscos de poluição. A operação para a constru-ção da mina está suspensa por uma li-minar da Justiça Federal, concedida em setembro de 2009 pela Vara Ambiental de Florianópolis.

A reserva fosfática, ainda não ex-plorada, é cobiçada por multinacionais desde a década de 1970. Moradores da área escolhida para a extração do fosfa-to, tiveram que deixar suas casas há mais de 30 anos. Hoje, não resta sequer uma casa na área da mina. Ficaram somente a igreja e uma escola, frequentadas pelas famílias de agricultores que lá nasceram e cresceram.

Ao todo, 1.760 hectares de terra, o que corresponde a 1.800 campos de fu-tebol, foram comprados pela Indústria de Fosfatados Catarinense (IFC), cujos acionistas eram as multinacionais Bunge e Yara Fertilizantes (norueguesa). Em ja-

neiro de 2010, a Vale, maior mineradora do mundo, que prega transformar os re-cursos minerais em riqueza e desenvolvi-mento sustentável, comprou os ativos de fertilizantes da Bunge e Yara, num negó-cio da ordem de 3,8 bilhões de dólares. O investimento milionário no negócio de fosfatados é justificado pelo fato de o Brasil ser o quinto maior consumidor

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Galpão de materiais para análise

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do mundo de fertilizantes. Além disso, somos o maior importador de fosfatos, que chega a 53% do consumo mundial. A importação de fertilizantes provoca um déficit de 2,5 bilhões de dólares na balança comercial brasileira.

Para a Vale, o maior objetivo na aquisição dos ativos é ser um dos maio-res produtores de nutrientes para ferti-lizantes do mundo. A expectativa é que o consumo passe de 9% para 13,5% até 2017. Segundo o diretor-presidente da Vale, Roger Agnelli, a operação é fun-damental para a consolidação estratégi-ca da empresa em focar o Brasil como o grande mercado na produção de fos-fatados, o que viabiliza a criação de um novo líder global. O projeto de Anitápo-lis, que deve produzir 500 mil toneladas por ano de superfosfato simples (SSP), deve gerar 1,7 milhão de toneladas de fertilizantes ao ano. É um investimento que começou com R$ 400 milhões e já chega a R$ 700 milhões com projeção de vida útil de 33 anos.

Liderança versus impactos sociais De um lado, a liderança no mercado de fertilizantes. De outro, a vida de pouco mais de três mil habitantes que serão afetados diretamente pelos impactos sociais, econômicos e ambientais com a construção da mina. Aluísio Leoberto Back, 54 anos, nasceu exatamente na área em que será construída a fosfateira. O ex-agricultor cresceu, estudou e tra-balhou naquela região, rica em fosfato

e exuberante pela natureza. Ele se apo-sentou cedo por invalidez devido a pro-blemas de coluna por carregar toneladas de sacos de batatas quando trabalhava na roça. Back ainda se lembra quando a pri-meira empresa chegou ao local oferecen-do trabalho aos agricultores para ajudar nas pesquisas da futura mina.

Segundo o colono, o seu terreno é o único que tem minério e ainda não foi vendido. A área, que também pertence ao seu irmão, corresponde a 400 hectares de mata, com 65% de área de preservação permanente (APP).

Em pergunta se deveria vender, ele responde: “Hoje não se pode derrubar um pé de árvore. Não poderei plantar na minha terra. Não poderei nem ir ao

terreno, caso não queira vender. Eles disseram que não há possibilidade de ca-minhar pela estrada onde os caminhões irão passar. O tráfego será intenso e já me disseram que não vai dar para subir. O que farei então? Sou obrigado a ven-der. Quero ajudar meus filhos”, enfatiza.

Aluísio ainda percorre seu terreno dia-riamente. Ele diz que lá tem criação de porcos, galinha caipira e algumas plan-tações. Apesar de ainda não ter vendido suas terras, o ex-agricultor é a favor da mineradora. Para ele, é bom ter emprego na cidade. Ele lamenta a saída de seus filhos de casa para conseguir trabalho em outro município. “Não acredito que ha-verá contaminação dos rios. Não existe lei que permita isso. Eu confio na “fir-

aluísio Back mostra suas terras, que ainda não foram vendidas.

“Hoje não se pode derrubar um pé de árvore. Não poderei plantar na minha terra. Não poderei nem ir ao terreno, caso

não queira vender. Eles disseram que não há possibilidade de caminhar pela estrada onde os caminhões irão passar. O

que farei então? Sou obrigado a vender”aluísio Back, colono e morador de anitápolis

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ma”. Além disso, até que eles consigam furar a rocha em 800 metros de profundi-dade para extrair o fosfato, meus filhos, netos e bisnetos não estarão vivos. Eu sei disso, pois ajudei a furar as rochas. Fo-mos até 521 metros e não conseguimos chegar no final”, afirma o ex-agricultor. Atualmente, o colono vive com sua es-posa e um filho de 13 anos.

Édson Coelho, de 32 anos, também ex-morador da região da mina, não acredita no rompimento das barragens. Ele reforça que a fosfateira vai levantar a economia município. Tanto Aluísio quanto Édson, moram hoje em Anitápo-lis, cerca de 20 quilômetros abaixo da futura mineradora.

Insegurança Para as gêmeas Rosane e Raquel Back, de 37 anos, a insegurança sobre o em-preendimento é 100%. Seus pais, que moram há 62 anos na comunidade do Rio Pinheiros, local em que serão cons-truídas as barragens para conter os re-jeitos da exploração do fosfato, temem pelo rompimento, pela contaminação da água e pela segurança dos moradores. Rosane, que é professora de Educação Infantil, afirma que na última audiência foi dito que se houvesse rompimento da barragem, pessoas que moram no Rio Pinheiros teriam tempo de correr. Po-rém, os moradores do município que fica pouco mais abaixo, Santa Rosa de Lima, não teriam a mesma sorte. “Participei de todas as audiências. Eu amo esse lugar. Faço tudo por ele, se for preciso. Não

há garantia de não existir riscos. Nossa maior preocupação é com a água. Co-nheço pessoas que choram até hoje por terem vendido as terras na área da mina”, lamenta Rosane.

A mãe das irmãs, Iolanda Chiilter Back, de 60 anos, diz que não consegue mais dormir direito. A preocupação e o medo são grandes, segundo a moradora do Rio Pinheiros. “Temos medo tanto da barra-gem quanto dos caminhões que passarão por aqui”. Mesmo assim, não pretendem sair do município: “Nunca pensamos em sair daqui. Essa possibilidade não passa pelas nossas cabeças”.

Outro contrário à mina é o professor José Carlos Borges, de 25 anos. Ele dá aulas de Sociologia e Filosofia em uma escola do município. Para Borges, o im-pacto social será muito maior que o am-biental, pois até o momento não foi apre-sentado nenhum projeto com áreas para novas habitações, novas escolas e hospi-tais. “Onde ficarão os trabalhadores que virão de fora? Esse papo de que não vão sair da região da mina é impossível. Eles vão precisar vir para Anitápolis e a cidade não tem infraestrutura para suportar essa nova demanda de pessoas”, conta José Carlos. Para o jovem professor, os mora-dores da cidade não têm consciência de que o desenvolvimento do município vai trazer concorrência para o mercado lo-cal. Ele teme pelo desequilíbrio na eco-nomia e a criação de cortiços e favelas, que poderão surgir caso não haja renda suficiente para todos. “Vamos viver uma revolução industrial, comenta Borges. O impacto ambiental vai acontecer tam-

“Temos medo tanto da barragem quanto dos caminhões que vão passar por aqui. Mesmo assim, nunca pensamos em sair daqui. Essa possibilidade não passa pelas nossas cabeças”Iolanda chiilter Back, moradora do Rio pinheiros

o Rio povoamento passa por anitápolis e segue até Rancho Queimado.

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bém, mas será a longo prazo. A verdade é que as pessoas daqui têm medo de se manifestar. Tudo por causa das relações políticas”, lamenta o jovem.

A bióloga Ana Maria Batista, também professora e moradora de Anitápolis, teme pelo futuro das próximas gerações na bela região da Serra Catarinense. “O maior bem público que temos são nossos filhos e netos, não a mineração. Anitápo-lis é conhecida como o paraíso dos rios. Não podemos deixar que uma mina de fosfato ponha em risco nossa água, ar e mata nativa”.

Ana Maria aponta como uma alternati-va econômica para a cidade o ICMS eco-lógico, projeto que diz estar engavetado

na Assembléia Legislativa de Santa Ca-tarina e que consiste em cobrar impostos dos municípios abastecidos pelas águas da região em benefício de Anitápolis. Si-tuada entre o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e o Parque Nacional de São Joaquim, Anitápolis é um corredor eco-lógico. “Não tem cabimento uma mina no meio dessa área”, desabafa.

Ainda segundo a bióloga, a preocupa-ção do governo não deveria ser a produ-ção de fertilizantes para os alimentos, e sim a de elaborar políticas públicas para não se desperdiçar tanta comida.

Além dos impactos ambientais de su-pressão de áreas de preservação perma-nente, há a preocupação com as mudanças

sociais na rotina do município, onde o sos-sego e o silêncio poderão ser substituídos por barulhos de máquinas e caminhões. Estão previstas sete viagens por dia com caminhões carregados de enxofre, que sairão do Porto de Imbituba pela BR-101, seguindo pela BR-282 até Rancho Quei-mado (município vizinho), e depois pela SC-407, até chegar na área da mina.

O aumento no tráfego das rodovias, as quais estão no trajeto para que o enxo-fre seja levado até a mina, vai afetar não só Anitápolis, mas todos os usuários das estradas municipais, estaduais e federais. Segundo levantamento sobre as rodovias mais perigosas do país, feito pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e divulgado em 2010, Santa Catarina tem o segundo e terceiro trecho mais perigosos do país. E um deles é justamente em Palhoça, região por onde os caminhões irão tran-sitar. A Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina, inclusive, identifica a necessidade de obra de adequação nas rodovias para que haja mais segurança, caso ocorra algum acidente com os pro-dutos tóxicos. Porém, ainda não existem projetos quanto às reformas para o trans-porte nas regiões que serão afetadas.

A ação impetrada pelo advogado Edu-ardo Lima pede a suspensão da licença prévia ambiental concedida pela Fatma, além da paralisação de toda e qualquer obra eventualmente iniciada de constru-ção, aterramento, modificação ou ter-raplanagem. No texto da ação é previs-ta multa diária de R$ 10 mil caso haja qualquer supressão de vegetação na área. Outra exigência é que seja apresentado

o advogado eduardo Lima pediu suspensão da licença prévia ambiental concedida pela fatma.

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“Se houver rompimento da barragem que teria 30 hectares, ou seja, 300 mil m2 de rejeitos, o Rio dos Pinheiros vai sumir e toda a região que compõe a Bacia Hidrográfica do Braço do Norte e

Tubarão sofrerão reflexos” eduardo Lima, advogado

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um Estudo de Impacto Ambiental sobre a implantação da linha de transmissão de energia, que será usada na mina, o que não foi feito no estudo enviado à Fatma.

O valor da causa está estipulado em R$ 5,5 milhões, que corresponde a 1% do valor do empreendimento previsto pelas rés: União, Governo de Santa Catarina, Município de Anitápolis, Fundação do Meio Ambiente (Fatma), Instituto Bra-sileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Renováveis (Ibama), a Indústria de Fosfatados Catarinense, a Bunge e Yara Brasil. Se a liminar não cair e o dinheiro for pago, ele será revertido em progra-mas de conservação, preservação e edu-cação ambiental do Cômite de Bacias Hidrográficas da Bacia do Rio Tubarão e Complexo Lagunar e de Anitápolis.

Segundo o advogado, antes da ação, mais de 30 petições foram protocoladas nos órgãos envolvidos na questão da fos-fateira como Ministério Público Federal (MPF), Ibama, Fatma, Conselho Nacio-nal de Meio Ambiente (Conama) e Mi-nistério Público de Santa Catarina (MP-SC). Para Eduardo Lima, um projeto dessa magnitude não deveria ter sido tra-tado em apenas três audiências públicas (uma em Lages e duas em Anitápolis). O especialista diz que a publicidade e o espaço na mídia foi simplório perto do expressivo empreendimento. O Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Im-pacto Ambiental (EIA/RIMA) elabora-dos por mais de 15 empresas apresentam incongruências, segundo o advogado, e por isso devem ser revisados. Inclusive, é citado no estudo que a área onde será

construída a mina é propícia para desli-zamentos de terra. “Chamou-me a aten-ção em um anexo do EIA/RIMA, na qual a Fatma atenta, no volume 10 do docu-mento, que em nov/dez de 2008, dados fundamentais para a análise do estudo não foram inseridos com a verdadeira realidade do local, e que aquilo prejudi-cava a análise dos técnico da Fatma. A instituição fez ressalva dentro do próprio processo”, relata Eduardo Lima.

O especialista conta que o prejuízo mensal relatado pelas empresas é de US$ 1 milhão. Porém, para o advogado, independente do prejuízo do capital in-vestido, a ação, do ponto de vista legal, prega o princípio da prevenção e da pre-caução. A justificativa é constitucional: não se pode esperar que aconteça algum dano ambiental para depois tomar pro-vidências. Ele enfatiza ainda que a água vale mais do que o fosfato. “Se houver rompimento da barragem que teria 30 hectares, ou seja, 300 mil metros quadra-dos de rejeitos, o Rio dos Pinheiros vai sumir, além de toda a região que compõe a Bacia Hidrográfica do Braço do Norte e Tubarão sofrerem reflexos. Os municí-pios não poderão mais beber a água da bacia, que estará contaminada”, afirma Eduardo Lima.

Para o doutor em genética e biologia molecular e presidente da Associação Montanha Viva, entidade que entrou com a ação ação civil pública contra a mineradora, Jorge Albuquerque, a re-gião de Anitápolis é um paraíso para o desenvolvimento sustentável, não para a mineração, que é associada à

a área onde se pretende construir a mina de fosfato em anitápolis é rica em mata atlântica, bioma em extinção no Brasil. para que a fosfateira seja instalada, a vale precisará de autori-zação do Instituto Brasileiro do meio ambiente e dos Recursos naturais Renováveis (Ibama), documento que ainda não foi apresentado à fatma.

entretanto, a Lei 11.428/2006 da mata atlântica proíbe o corte e su-pressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio do bioma em extinção quando abrigar espécies de flora e fauna silvestres ameaçadas de extinção em território nacional ou em âmbito estadual.

no caso da região onde será a fos-fateira, segundo biólogos, há exemplos de extinção na flora: araucárias, cane-la sassafras, canela preta e xaxim. na fauna, o leão baio, também conhecido como puma, além de aves como ga-vião pega-macaco, papagaio do peito roxo, gavião penacho e gavião real fal-so. Além de abrigar fauna e flora em extinção, a lei também proíbe o corte de mata atlântica quando ele exerce a função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão, características da região.

Já a fatma usa como argumento a resolução do conama 396/06, onde consta que a mineração é utilidade pública. mas na lei da mata atlântica a mineração não entra na lista, e sim atividades de segurança nacional, proteção sanitária, obras essenciais de infraestrutura destinadas aos ser-viços públicos de transporte, sanea-mento e energia, declarados pelo po-der público federal ou dos estados.

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o Leão Baio é um dos ameaçados de extinção

na região da fosfateira de anitápolis.

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radioatividade. Albuquerque destaca que problemas éticos, sociais e de se-gurança não estão sendo considerados. Para ele, a mineração pode ser utilidade pública, mas não é de interesse público para a região. “Precisamos de políticas de respeito para quem vai viver no futu-ro. Não existe mineração que a água sai limpa”, aponta.

O especialista comenta que embo-ra os empreendedores afirmem que a atividade não trará riscos, estudos ela-borados pelo próprio Estado e dados publicados pela WISE (sigla em inglês de Serviço Mundial de Informação So-bre Energia) apontam que de 1960 até final de 2008 foram listados 86 desas-tres com barragens. Um dos exemplos citados foi o rompimento da barragem da mineradora Rio Pomba Cataguases em Mirai (MG), em 2003, onde mais de 500 milhões de litros de uma substância poluente vazaram afetando gravemente o abastecimento de água de mais de 20 milhões de pessoas, em Minas Gerais , Rio de Janeiro e São Paulo, além de grande quantidade de peixes e outros animais mortos.

ProgressoPara o prefeito da pacata cidade Ani-tápolis, Saulo Weiss, a mina de fosfato significa progresso ao município. Para ele o projeto vai trazer oportunidade de trabalho, mais recursos para o comér-cio e impostos – são previstos R$ 1,6 milhão por ano de retorno a Anitápolis

– que ajudarão a economia municipal gi-rar. Weiss também cita a criação de 420 empregos diretos e em torno de 1,5 mil indiretos quando a mina estiver em ope-ração, o que deve contribuir para que os jovens da cidade não busquem emprego em municípios vizinhos. O prefeito é oti-mista: “Confiamos nos órgãos ambien-tais. Além disso, o fosfato é um minério que não tem em qualquer parte do país”, aponta o prefeito. Segundo Weiss, Anitá-polis não prioriza o projeto da mina, mas qualquer um que vá proporcionar desen-volvimento turístico na região.

O agrônomo e presidente da Fatma, Murilo Flores, que também é Mestre em Economia Rural e Doutor em So-

ciologia Política, diz que a licença am-biental prévia (LAP) concedida para a mina em Anitápolis é focada no empre-endimento e não na vocação do local onde será construída a fosfateira. Para ele, o governo estadual por meio das Secretarias de Desenvolvimento Re-gional e Sustentável é que deve fazer essa avaliação. À Fatma cabe apenas dar as regras do jogo para que o empre-endimento esteja dentro da lei e impac-te o menos possível o meio ambiente. “Decidir se a mina é compatível com a estratégia de desenvolvimento de Ani-tápolis não é de competência da Fat-ma”, enfatiza Murilo.

Ele explica que é permitido no li-cenciamento pedir alternativas locais, mas que no caso da fosfateira não faz sentido perguntar, pois o fosfato não dá onde se quer. Murilo Flores explica que a Fatma é muito cobrada para se posicionar sobre a fosfateira. Entretan-to, afirma que não há como não ter im-pacto visual na região, nem dizer que a mina não vai causar dano ao projeto de vida da população. Porém, o debate legítimo deve ser discutido no plano de desenvolvimento do Estado com a população.

Pode haver falhas no estudo apresen-tado, afirma o presidente da Fatma. Po-rém isso aconteceria na análise técnica, já que os especialistas podem ter visões diferentes e discordâncias sobre pos-síveis conseqüências na construção da mina em Anitápolis.

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“Confiamos nos órgãos ambientais. Além disso, o fosfato é um minério que não tem em qualquer parte do país”saulo Weiss, prefeito de anitápolis.

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Interesse no fosfatoO fosfato de Anitápolis é mais importante para o Brasil do que para Santa Catarina, afirma o presidente da Fatma. Segundo Murilo, a fosfateira é um projeto que é defendido muito mais pelo governo fe-deral do que pelo governo estadual. Ele afirma que o fosfato é mais importante para o Centro-Oeste brasileiro e regiões onde a produção de grãos está crescendo. “Santa Catarina tem outra vocação para a agricultura”, diz. “O governo federal vê a mina em Anitápolis como projeto estra-tégico para tornar o Brasil gradativamente independente da importação de fosfato”.

Murilo defende que o Brasil precisa usar outros químicos na agricultura. Po-rém, afirma que é impossível aboli-los de hoje para amanhã. E para justificar, co-menta a dependência mundial do petróleo. “É possível parar de usar petróleo para mo-vimentar a energia do mundo? Não. Temos que fazer isso? Sim. Seja pelas mudanças climáticas, seja porque o petróleo vai aca-bar”. Por isso, explica o agrônomo, assim como é impossível imaginar, em um cená-rio de curto prazo, a substituição total do petróleo, o mesmo raciocínio tem-se com os fertilizantes. “É preciso mudar o para-digma tecnológico, que não se muda de uma hora para outra. Se você perguntar ao agricultor se ele quer deixar de usar pesti-cida, ele vai dizer que não. Para ele fazer agroecologia é muito mais complicado do que pegar um pulverizador, que é bem mais prático”, explica. “Administrar os conflitos na temática ambiental é o grande dilema”, conclui Murilo Flores.

DesafioA aquisição da mina pela Companhia Vale representou uma mudança no rumo da exploração em Anitápolis, pois a política da companhia em prol da sustentabilidade pode fazer a dife-rença e pesar nas decisões. A estraté-gia da Vale corresponde à expectativa do governo federal em consolidar uma situação menos comprometida com a importação do fosfato, com cada vez mais autonomia neste aspecto. Tam-bém a Petrobras tem planos de cons-truir uma nova fábrica de uréia e amô-nia no Mato Grosso do Sul e com isso viabilizar a autossuficiência nacional em fertilizantes.

No centro dessa discussão estão duas questões. A primeira é determi-nar qual a melhor forma de tratar um projeto que é de interesse nacional, levando em conta a realidade local e os impactos que ele vai provocar. A segunda, em caráter mais específico, é responder como conciliar aspectos econômicos, sociais e ambientais de uma forma em que não haja desequilí-brio significativo entre eles.

Fala-se já na constituição de um fó-rum de discussão onde estivessem re-presentados o poder público nas suas diferentes instâncias (municipal, esta-dual e federal), órgãos ambientais e a comunidade para buscar, em conjunto e democraticamente, essas respostas e soluções. Mas isso, lamentavelmente, ainda está no terreno das ideias.

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