Matéria Mochileiros - Revista Regional

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22 REVISTA REGIONAL Um mundo que cabe na mochila iajar sempre vale a pena, mesmo com os perrengues encontra- dos”. A frase do jornalista Evandro Messias ilustra com clareza os ideais de liberdade e aventura, comuns aos chamados turistas backpackers, palavra cuja tradução literal corresponde a algo como “aquele que carrega a mala”, ou simplesmente mochileiros. Embora não haja dados precisos, este é um mercado que vem chamando a atenção das autoridades: o mais recente Plano Nacional de Turismo propõe algumas medidas para incentivar a vinda de viajantes estrangeiros para o país. Trata-se de um segmento cujos praticantes possuem um perfil bastante diversificado. É um equívoco acreditar que a opção por esta modalidade – que se caracteriza por abandonar o tripé “agências, hotéis, roteiro” – está relacionada diretamente à situação financeira. “Muitos preferem comprar pacotes, que buscam as pessoas em casa e levam-nas ao aeroporto, mas eu dispenso todos esses luxos em troca da experiência ganha, principalmente nos dias mais difíceis, em que dá vontade de voltar”, explica Evandro. O jornalista fez seu primeiro mochilão no início de 2007. O destino: Machu Picchu, no Peru. Atrativo para qualquer aventureiro e amante das civilizações históricas, o local emana uma energia indescritível – conforme palavras do próprio Evandro – que mesmo os mais céticos admitem sentir. É considerado pelos esotéricos o maior “chacra” da Terra, ou seja, o principal ponto de energia, por onde o planeta “respira”. Foram 24 dias de viagem e cerca de dois meses de preparativos (veja mais dicas adiante), que come- çaram com dicas de um amigo que já havia estado no local e uma pesquisar na internet, onde descobriu que outros usuários fariam a mesma viagem. “Combinamos de ir juntos e isso realmente aconteceu. Eram 23 pessoas, de todas as partes do Brasil, com as quais tenho contato até hoje”, relembra. Nestes quase três anos, o jornalista também já esteve na Patagônia, no deserto do Atacama, no lago Titicaca e em várias capitais sul-americanas, entre outros locais. regional texto Piero Vergílio | fotos Arquivo pessoal repórter Turistas backpackers vivem situações inusitadas para conhecer mais de perto os lugares que visitam A primeira experiência de Evandro como mochileiro foi uma aventura no Peru, mais especificamente em Machu Picchu NOME COMPLETO, IDADE E PROFISSÃO: Evandro Messias da Silva, 31, jornalista ANO EM QUE REALIZOU O PRIMEIRO MOCHILÃO: 2007 QUANTOS LUGARES (PAÍSES/CIDADES) JÁ VISITOU? Cinco países DURAÇÃO MÉDIA DAS VIAGENS: Um mês

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Reportagem publicada na edição de novembro / 2009 da Revista Regional (www.revistaregional.com.br) sobre a rotina dos chamados turistas backpackers, ou simplesmente, mochileiros.

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Um mundo que cabe na mochila

iajar sempre vale a pena, mesmo com os perrengues encontra-dos”. A frase do jornalista Evandro Messias ilustra com clareza os ideais de liberdade e aventura, comuns aos chamados turistas backpackers, palavra cuja tradução literal corresponde a algo

como “aquele que carrega a mala”, ou simplesmente mochileiros. Embora não haja dados precisos, este é um mercado que vem chamando a atenção das autoridades: o mais recente Plano Nacional de Turismo propõe algumas medidas para incentivar a vinda de viajantes estrangeiros para o país.

Trata-se de um segmento cujos praticantes possuem um perfil bastante diversificado. É um equívoco acreditar que a opção por esta modalidade – que se caracteriza por abandonar o tripé “agências, hotéis, roteiro” – está relacionada diretamente à situação financeira. “Muitos preferem comprar pacotes, que buscam as pessoas em casa e levam-nas ao aeroporto, mas eu dispenso todos esses luxos em troca da experiência ganha, principalmente nos dias mais difíceis, em que dá vontade de voltar”, explica Evandro.

O jornalista fez seu primeiro mochilão no início de 2007. O destino: Machu Picchu, no Peru. Atrativo para qualquer aventureiro e amante das civilizações históricas, o local emana uma energia indescritível – conforme palavras do próprio Evandro – que mesmo os mais céticos admitem sentir. É considerado pelos esotéricos o maior “chacra” da Terra, ou seja, o principal ponto de energia, por onde o planeta “respira”.

Foram 24 dias de viagem e cerca de dois meses de preparativos (veja mais dicas adiante), que come-çaram com dicas de um amigo que já havia estado no local e uma pesquisar na internet, onde descobriu que outros usuários fariam a mesma viagem. “Combinamos de ir juntos e isso realmente aconteceu. Eram 23 pessoas, de todas as partes do Brasil, com as quais tenho contato até hoje”, relembra. Nestes quase três anos, o jornalista também já esteve na Patagônia, no deserto do Atacama, no lago Titicaca e em várias capitais sul-americanas, entre outros locais.

regionaltexto Piero vergílio | fotos arquivo pessoal

repórter

Turistas backpackers

vivem situações

inusitadas para

conhecer mais de perto os

lugares que visitam

A primeira experiência de Evandro como mochileiro foi uma aventura no Peru, mais

especificamente em Machu

Picchu

Nome completo, idade e profissão: evandro messias da silva, 31, jornalistaaNo em que realizou o primeiro mochilão: 2007quaNtos lugares (países/cidades) já visitou? cinco países

duração média das viageNs: um mês

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Gasto, não. InvestImento Àqueles que estão preocupados com custos, o analista Maicon Sanchez

dá a dica. Para ele, a palavra “gastar” não é a mais indicada, pois passa a impressão de perder dinheiro. “O investimento em um mochilão varia de acordo com cada pessoa. Há quem passe a pão e água e acampe nos diversos parques por aí. Outros, por outro lado, preferem as três refeições diárias e uma boa cama para descansar durante a noite”.

Maicon confessa que se sentia insatisfeito com a ideia de viajar para apenas um lugar durante as férias. Eis que, em 2009, o intercâmbio, que serviria para aprimorar o idioma, se transformou num mochilão – que percorreu 11 cidades em sete países da Europa – graças às oportunidades que foram surgindo. “Consegui realizar parte deste sonho”, resume.

O analista lembra com bom humor de quando foi da Itália até a Alema-nha. Foram 11 horas de trem. “Um dos companheiros da cabine cheirava muito mal, outro tossia a viagem inteira e um terceiro derrubava seus pertences em cima de mim o tempo todo. Mas a paisagem cinematográfi-ca do lado de fora valeu cada minuto; o Leste Europeu é completamente diferente de tudo o que já havia visto. Amsterdã, em especial, me marcou muito, pela liberação de drogas e por ter presenciado a prática de sexo ao ar livre em alguns parques da cidade”.

Maicon ressalta que uma das principais vantagens do mochilão é o grau de interação que ele proporciona. Ele revela que o tempo de estada em cada local tende a ser ligeiramente curto, mas, em contrapartida, a quantidade de informações que se absorve neste período é muito grande. A viagem dos seus sonhos seria aquela em que pudesse permanecer tempo suficiente para sentir como as pessoas realmente vivem em cada lugar. “Um ano sabático seria ótimo”, finaliza.

Maicon viajou sete países da

Europa, mas se encantou com

a holandesa Amsterdã

Nome completo, idade e profissão:

maicon sanchez, 25, analista

aNo em que realizou o primeiro mochilão: 2009

quaNtos lugares (países/cidades) já visitou?

sete países, onze cidadesduração média das viageNs: 30 dias

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REPÓRTER REGIONAL

De hobby a trabalhoNo caso do vendedor e fundador-presidente

do “Território EcoAventuras”, Renan Zauzar Bernardelli, o hobby acabou virando trabalho. “Minha primeira viagem foi em 2005. Desde então, perdi as contas de quantos lugares já conheci. Nesse período, fiz cursos, me formei em várias modalidades e quando me dei conta estava viajando todos os finais de semana; levando comigo uma turma com cerca de dez mochileiros iniciantes”, recorda.

Toda essa motivação por aventura e a necessidade constante de testar seus próprios limites já lhe trouxeram alguns problemas, como por exemplo, o término de um namoro de quatro anos e várias brigas com a família. Mas, para a sorte dele, esses conflitos já foram solucionados. A frequência das viagens diminuiu e, com isso, acabaram as discussões com seus pais. Ao mesmo tempo, Renan reatou seu rela-cionamento. Ele e sua companheira estão juntos há mais de cinco anos e gradativamente, ela passou a acompanhá-lo em suas viagens. “Fico muito feliz quando isso ocorre”.

Diferentemente de Evandro e Maicon, Renan nunca saiu do Brasil. Isto não significa, porém, que suas experiências são menos marcantes. Esta é uma das razões pelas quais o vendedor prefere estar acompanhado. Mas engana-se quem pensa que a opção por viagens em grupo está relacionada a alguma fobia. Segundo ele, acontecem tantas coisas inusitadas que é primordial que alguém confirme a veracidade dos fatos. Caso contrário, as pessoas que ouvirem as histórias vão pensar que é mentira.

Uma das situações que ficaram na memória foi um treinamento de canoagem em Brotas, no qual teve que descer o rio do Peixe em época de cheia e debaixo de chuva. “O mais bacana era comer o lanche molhado e montar a barraca na beira do rio. Usávamos os caiaques como mesa e banco, pois não havia nada ao nosso redor. Além disso, um argentino que estava em nosso grupo deslocou o ombro em uma determinada queda d’água e teve que ser carregado durante todo o resto da descida. Sorte que já estava no fim.

Ufa!”, diz o aliviado Renan, que tem vontade de conhecer o rio Zambeze (África do Sul), Chapada Diamantina (BA) e Machu Picchu (Peru).

revolução vIrtual Depois de tantas histórias, voltemos ao começo de tudo. Pesquisar é

uma das etapas mais importantes durante o planejamento da viagem e faz toda a diferença. Por esta razão, o turismo hoje tem na rede mundial um de seus principais aliados. Um dos idealizadores do portal Mochila Brasil – ao lado da esposa, a jornalista Cláudia Savero – o fotógrafo e webmaster Silnei Andrade considera-se pioneiro neste segmento. A ideia fez tanto sucesso que, pouco tempo depois, surgia o fórum Mochileiros.com, um espaço para que os viajantes compartilhem suas vivências.

“A internet mudou completamente a relação das pessoas com a infor-mação. Nos primórdios da década de 90, era muito difícil organizar uma viagem para Machu Picchu, por exemplo, pois a única fonte de pesquisa era o consulado daquele país. O site nasceu em 1998 e cresceu: cada usuário que voltava de sua viagem trazia dicas de como fazê-la da melhor forma, evitando ao máximo as roubadas”, avalia Silnei.

Renan prefere as aventuras mais radicais e sempre em grupo, como

as vividas em Brotas

Nome completo, idade e profissão:

renan zauzar Bernardelli, 22, vendedor

aNo em que realizou o primeiro mochilão: 2005

quaNtos lugares (países/cidades) já visitou?

Não soube responder o total de cidades. Não saiu do Brasil

duração média das viageNs: três dias ou mais

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Revista Regional 25

Para evitar situações desagradáveis ou constrangedoras, é fundamental que o mochileiro tome algumas providências. Mais do que o cumprimento às normas legais, a adoção de certos hábitos é uma questão de sobrevi-vência, pois uma viagem destas é sempre imprevisível: nunca se sabe os “perrengues” que serão enfrentados pelo caminho. Veja abaixo alguns itens que devem ser levados em consideração:• O primeiro passo é ter em mãos um passaporte com validade adequada.

Adquirir um seguro saúde, como recomenda o Tratado de Schengen – que vigora em 24 países da Europa – também é importante. Outra dica é verificar as vacinas obrigatórias para cada localidade nos respectivos sites dos consulados.

• Nações com um sistema imigratório mais rígido, como é o caso da Inglaterra, exigem do viajante reserva de hospedagem e quantia mínima em dinheiro, além de cartões de crédito internacionais (não se esqueça de que as operadoras cobram juros e taxas). Nestes casos, o mochileiro deve cercar-se de provas de que sua permanência é temporária e pretende retornar ao seu país de origem.

• O mochileiro também deve ficar atento aos vários tipos de golpes. Se a viagem for com desconhecidos, procure saber mais sobre a rotina e a família de seus parceiros. Caso seja necessário, verifique os antecedentes criminais. Entre em contato com autoridades e outros viajantes para receber outras orientações sobre como se prevenir.

• Informe-se sobre o valor da moeda nos destinos em que pretende visitar. Na internet, existem sites que realizam essa conversão. Procure saber se há agências bancárias, pois alguns locais há restrições com o uso de cartões. Na outra ponta, mesmo que você tenha adquirido um, disponha sempre de uma quantia mínima no bolso para dar como gorjeta.

• Importante verificar também qual o tipo de hospedagem (apartamen-to, chalé, barraca, albergue, etc.) e o que ela oferece para não levar bagagem demais ou então deixar de lado algum item importante. Essa decisão influencia diretamente nos custos da viagem. Se você gosta de mais privacidade, vai ter que desembolsar um pouco mais.

• Outro aspecto crucial é a locomoção. A opção na Europa é viajar de trem: com determinados tipos de passagem permitem trafegar por di-versos países. No Brasil e na América do Sul, a preferência majoritária é pelas rodovias. O viajante que quiser arriscar pode ainda viajar de carona.

• Falar inglês é essencial para conseguir se comunicar com outros via-jantes. Em países de língua espanhola, é recomendável ter, pelo menos, noção básica do idioma.

• www.mochilabrasil.com• www.mochileiros.com• www.gheb.net • www.oandarilho.com.br• www.manualdoturista.com.br• www.hostel.org.• http://oviajante.uol.com.br• www.lonelyplanet.com (em inglês)• www.euroadventure.com.br

O webmaster também tem a chamada experiência prática. Ele, aliás, é o mais experiente da turma. Adepto do mochilão desde o final da década de 80 visitou mais de 100 cidades em 12 países. Em uma de suas viagens, atravessou o Brasil por quase três anos sem voltar para casa. A aventura fez parte do processo de elaboração do primeiro guia de hotéis e pousadas na web feito dessa forma, o GHEB.net e também do primeiro guia de alber-gues independente, o AlberguesdoBrasil.com. Seu sonho é dar uma volta ao mundo, mas, para isso, “é preciso um caminhão de dinheiro”, alerta.

Por último, Silnei aponta o motivo pelo qual acredita que a prática do mochilão não é tão comum. “As pessoas precisam perder o medo do que é simples. Viajar é apenas o ato de ir e vir; não há segredo quando se está bem informado e ninguém precisa te ensinar a fazer isto. As operadoras vendem a ideia de que é mais seguro viajar com o respaldo de um guia, pois disso depende a sua sobrevivência. No entanto, basta que elas acessem a internet para ter acesso a uma imensa variedade de serviços e relatos de gente que já vivenciou essa experiência”.

Manual de sobrevivência

Alguns dos locais visitados pelo webmaster Silnei Andrade, um dos idealizadores do portal Mochila Brasil

Nome completo, idade e profissão: silnei laise de andrade, 37, fotógrafo e webmasteraNo em que realizou o primeiro mochilão: final da década de 80

quaNtos lugares (países/cidades) já visitou? 12 países, cem cidadesduração média das viageNs: difícil, pois já fiz viagens que duraram uma semana e outras quase três anos

Dicas de sites