MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA - … · Aos amigos de pesquisa Marcelo, ... RESUMO...
Transcript of MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA - … · Aos amigos de pesquisa Marcelo, ... RESUMO...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Marianna Fernandes de Vasconcellos
MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA
Rio de Janeiro 2009
MAUPASSANT ENTRE JORNALISMO E LITERATURA
Marianna Fernandes de Vasconcellos
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Literaturas de Língua Francesa).
Orientador: Professor Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2009
Maupassant entre Jornalismo e Literatura Marianna Fernandes de Vasconcellos
Orientador: Professor Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina.
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Literaturas de Língua Francesa).
Examinada por:
________________________________________________ Presidente, Prof. Doutor Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina ________________________________________________ Profa. Doutora Celina Maria Moreira de Mello – UFRJ ________________________________________________ Profa. Doutora Maria Cristina Batalha – UERJ
________________________________________________ Prof. Doutor Irineu Eduardo Jones Corrêa – F.B.N, Suplente
_______________________________________________ Profa. Doutora Sonia Cristina Reis – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2009
Vasconcellos, Marianna Fernandes de. Maupassant entre Jornalismo e Literatura. /Marianna Fernandes de Vasconcellos. - Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2009. xi, 155f.; 31 cm. Orientador: Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Letras/Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, 2009. Referências Bibliográficas: f. 156-161. 1. Literatura Francesa. 2. Guy de Maupassant. 3. Trajetória. 4. Posicionamento 5. Estética naturalista. I. Catharina, Pedro Paulo Garcia Ferreira II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. III. Título.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Ariel e Fernanda, ao meu irmão Leonardo e aos
familiares mais próximos, pela dedicação e apoio constantes nos momentos
mais difíceis e pela confiança que depositaram em mim, dando-me forças
para seguir em frente.
Ao meu noivo João Paulo, pela paciência, pela força e pelo
companheirismo de sempre em todos os momentos.
Aos amigos de pesquisa Marcelo, Edmar, Fernanda e Sabrina por se
mostrarem sempre dispostos a ouvir e discutir questões referentes à minha
pesquisa e, principalmente, por serem amigos presentes.
Ao meu orientador, Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina, por ter me
apresentado o universo da pesquisa, por ter me incentivado de maneira
incansável e constante a não desistir frente às dificuldades que, por vezes,
insistiram em aparecer, pelas leituras sempre atentas dos meus textos e,
sobretudo, pelo empenho admirável em cada orientação.
À Professora Celina Maria Moreira de Mello, pela riqueza de
conhecimentos, pelas indicações de leitura sempre pontuais e preciosas, por
se mostrar sempre solícita e, principalmente, pelas inúmeras palavras de
encorajamento nos momentos mais difíceis.
À Noëlle Benhamou, doutora em Letras, professora na Universidade de
Picardia, França, responsável pelo sítio da revista eletrônica francesa
Maupassantiana, por ter sido meu contato junto à comunidade de
especialistas da obra de Maupassant, desde abril de 2006, facilitando o
desenvolvimento da minha pesquisa.
À Biblioteca Nacional, ao Real Gabinete Português de Leitura, à
Biblioteca da Maison de France, às Bibliotecas da Faculdade de Letras da
UFRJ e da UFMG, pelo acesso a inúmeras obras importantes e, por vezes,
raras.
À CAPES, pela bolsa que foi muito importante para o custeamento dos
meus estudos.
« Qui peut se vanter, parmi nous, d’avoir écrit une page, une phrase qui ne se trouve déjà, à peu près pareille, quelque part ? »
MAUPASSANT, Guy de. « Le Roman », 1887.
RESUMO Vasconcellos, Marianna Fernandes de. Maupassant entre Jornalismo e Literatura. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação. (Mestrado em Letras Neolatinas, área de concentração Estudos Literários Neolatinos, opção Literaturas de Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2009. À luz dos conceitos de trajetória e de campo, do sociólogo Pierre Bourdieu e, sobretudo, do conceito de posicionamento proposto pelo pesquisador da análise do discurso Dominique Maingueneau, examina-se a trajetória e o posicionamento do escritor francês Guy de Maupassant, no campo literário francês da segunda metade do século XIX. Discute-se a vinculação entre seus posicionamentos sucessivos ao longo de sua carreira literária e jornalística e os espaços sociais que freqüentava, evidenciando-se a sua busca por status e conseqüente acumulação do que Bourdieu denomina capital simbólico, isto é, reconhecimento artístico frente aos outros escritores e à sociedade. Analisa-se a estética naturalista de Maupassant, a partir dos estudos de David Baguley.
RÉSUMÉ Vasconcellos, Marianna Fernandes de. Maupassant entre Jornalismo e Literatura. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação. (Mestrado em Letras Neolatinas, área de concentração Estudos Literários Neolatinos, opção Literaturas de Língua Francesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, 2009. À la lumière des concepts de « trajectoire » et de « champ », du sociologue Pierre Bourdieu et surtout, du concept de « positionnement » proposé par le linguiste Dominique Maingueneau, on examine la trajectoire et le positionnement de l’écrivain français Guy de Maupassant, dans le champ littéraire français de la deuxième moitié du XIXe siècle. On discute le rapport entre ses positionnements successifs le long de sa carrière littéraire et journalistique et les espaces sociaux qu’il fréquentait, faisant ressortir sa recherche de succès et, par conséquent, d’accumulation de ce que Bourdieu appelle capital symbolique, c’est-à-dire, la reconnaissance artistique auprès des autres écrivains et de la société. On analyse l’esthétique naturaliste de Maupassant, à partir des études de David Baguley.
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................1
2 – BIO/GRAFIA DE GUY DE MAUPASSANT.............................................5
3 – MAUPASSANT E SUA OBRA ..............................................................16
3.1 – A poesia e o teatro .....................................................................20
3.2 – O conto e a novela......................................................................28
3.3 – A crônica, o ensaio e o prefácio ..................................................39
3.4 – A narrativa de viagem ................................................................48
3.5 – O romance..................................................................................56
3.6 – A correspondência.......................................................................64
4 – MAUPASSANT, CARREIRA E POSICIONAMENTO .................................74
4.1 – Guy de Maupassant e sua trajetória........................................... 80
4.2 – Maupassant periodista .............................................................. 85
5 – MAUPASSANT E O NATURALISMO ......................................................99
5.1 – A relação entre Maupassant e Émile Zola ................................. 105
5.2 – O Romance Experimental e o Prefácio de Pierre et Jean.............. 119
5.3 – O Naturalismo e seus diferentes gêneros .................................. 128
6 – INVESTIMENTO GENÉRICO, UMA QUESTÃO DE
POSICIONAMENTO..................................................................................139
7 - CONCLUSÃO ....................................................................................148
8 - REFERÊNCIAS....................................................................................156
9 – ANEXOS ............................................................................................164
1 – INTRODUÇÃO
A presente Dissertação de Mestrado resulta de uma pesquisa que se
iniciou ainda durante os primeiros anos do curso de graduação em Letras
Português-Francês, na UFRJ, e cujo objetivo inicial visava, através de um
estudo comparativo, analisar as técnicas descritivas em dois textos de Guy
de Maupassant: a crônica Le pays des korrigans, publicada em 1880, no
periódico francês Le Gaulois e a narrativa de viagem En Bretagne, escrita em
1882 e publicada dois anos mais tarde, no periódico francês La Nouvelle
Revue, em janeiro de 1884, segundo informações obtidas na coletânea de
narrativas de viagem Le Voyage en France (1997).
Embora certas passagens presentes em Le pays des korrigans tenham
sido retomadas por Guy de Maupassant em En Bretagne, aventava-se a
hipótese de que as diferenças genéricas (o primeiro sendo uma crônica e o
segundo, uma narrativa de viagem) e o perfil dos dois periódicos teriam
contribuído para a determinação da importância (caráter qualitativo) e da
extensão (caráter quantitativo) das passagens descritivas nos dois textos que
apresentam como tema central a região da Bretanha.
Contudo, ao longo da pesquisa, descobri que, na verdade, a narrativa
de viagem não havia sido publicada, originalmente, na Nouvelle Revue, em
1884, e sim no próprio Le Gaulois, fato que invalidava parcialmente a
hipótese. Ao mesmo tempo, na busca por informações relacionadas ao
Gaulois, foi possível notar que Maupassant, além de ter se consagrado como
literato, também teve uma rica trajetória jornalística, já que grande parte de
suas produções, como será aqui apresentado, foi publicada, inicialmente, em
colunas de jornais ou revistas e, somente depois, em forma de livro.
Mediante essa constatação, fortaleceu-se, portanto, o interesse em estudar a
relação de Maupassant com a literatura e o jornalismo.
Houve, então, uma alteração na base da pesquisa: se antes o objetivo
centrava-se em um estudo comparativo das técnicas descritivas dos dois
textos escritos por Maupassant e pertencentes a diferentes gêneros, a partir
daquele momento, o foco da pesquisa passava a ser a trajetória de
Maupassant no campo literário francês da segunda metade do século XIX,
marcada tanto pela literatura quanto pelo jornalismo.
Assim, visando um conhecimento mais amplo da vida de Maupassant
e de sua relação com a sua própria obra, apropriei-me, no capítulo 2 desse
estudo, do conceito de bio/grafia, proposto pelo analista do discurso
Dominique Maingueneau, em O contexto da obra literária (1995), atualizado
em Discurso Literário (2006). Já sobre as informações referentes à biografia
de Maupassant, foram essenciais o “Quid de Guy de Maupassant” dirigido
por Dominique Frémy e com a colaboração de Brigitte Monglond e Bernard
Benech, na edição de Contes et Nouvelles (1988) e o artigo La Normandie de
Maupassant (1933), de René Dumesnil.
No capítulo 3, ainda orientando-me pelos pressupostos teóricos de
Dominique Maingueneau, retomo algumas de suas principais questões
levantadas em Discurso Literário: a problemática da enunciação e a
necessidade de se distinguir as três instâncias enunciativas denominadas
pelo pesquisador de pessoa, escritor e inscritor; as noções de Obra, espaço
canônico e espaço associado. Abordadas essas noções e sabendo-se que ao
se falar em cena de enunciação, parece ser inevitável que se fale dos gêneros
do discurso, proponho uma divisão de seis seções, através das quais
procurei dar conta das produções de Maupassant, desde o início de sua
carreira, quando escrevia apenas poesias e peças de teatro, até a fase final
da mesma (quando escreveu, sobretudo, romances), passando pelo conto e a
novela, a crônica, as narrativas de viagem e os prefácios. Também considerei
a correspondência do autor, rica em pistas para entender sua trajetória.
Já no capítulo 4, a fim de melhor compreender a relação de homologia
existente entre o texto literário e o espaço social em que é produzido, além
das relações de Maupassant com o campo do poder e com outros literatos de
sua época, como Gustave Flaubert e Émile Zola, lancei mão de alguns
conceitos propostos pelo sociólogo Pierre Bourdieu, como os de habitus,
campo e trajetória, presentes, por exemplo, nas obras As regras da arte:
gênese e estrutura do campo literário (1996), Razões práticas: Sobre a teoria
da ação (1996) Questões de sociologia (1983). Desse modo, para dar conta da
carreira de Maupassant no campo literário francês da segunda metade do
século XIX, optei por dividir esse capítulo em duas seções: na primeira, são
apresentadas reflexões acerca da trajetória de Maupassant – através dos
estudos de Bourdieu – e de seus posicionamentos – desta vez, sob a
orientação dos estudos de Maingueneau -, e na segunda, tendo em vista a
colaboração de Maupassant com os periódicos de sua época, optei por
analisar a trajetória do escritor enquanto jornalista.
No capítulo 5, baseando-me nos estudos de David Baguley em Le
Naturalisme et ses genres (1995), proponho algumas reflexões acerca da
estética naturalista de Maupassant. Este capítulo constitui-se de três
seções: na primeira, abordo a relação pessoal e profissional entre
Maupassant e Émile Zola; na segunda, procuro dissertar acerca de dois
textos importantes desses autores, Le Roman Expérimental (1880), de Zola e
o prefácio ao romance Pierre et Jean, intitulado Le Roman (1888), de
Maupassant, a fim de marcar as diferenças entre os princípios estéticos dos
dois autores; já na terceira seção, a partir das questões vistas na seção
anterior e fundamentando-me nos estudos de Baguley, proponho algumas
reflexões sobre a estética naturalista de Maupassant, comparando-a com a
de alguns escritores da época.
No que concerne ao capítulo 6, apresento reflexões acerca da relação
existente entre o posicionamento, a memória intertextual e o investimento
genérico do autor, a partir dos estudos teóricos desenvolvidos por
Maingueneau, em Discurso Literário.
Nesta Dissertação, foram traduzidos para o português os textos
teóricos e fontes a partir dos quais trabalhamos, mantendo os originais em
notas de rodapé. As passagens dos textos de Maupassant mantiveram-se em
francês. No que diz respeito à sua correspondência, apenas as cartas
escritas pelos destinatários de Maupassant foram traduzidas.
Ao final deste trabalho, encontra-se um anexo constituído de dois
quadros: o primeiro refere-se às crônicas escritas por Maupassant entre
1876 e 1891; o segundo aos prefácios que escreveu a diversas obras, no
período entre 1882 e 1891.
2 - BIO/GRAFIA DE GUY DE MAUPASSANT
Segundo Dominique Maingueneau, renomado pesquisador da Análise
do Discurso da escola francesa, a biografia de um autor deve ser investigada
utilizando-se “uma barra que une e separa dois termos em relação instável”.2
Dessa maneira, a vida de um escritor pode ser lida através de uma nova
perspectiva biográfica “que se percorre nos dois sentidos: da vida rumo à
grafia ou da grafia rumo à vida”.3
Em O contexto da obra literária (1995), Maingueneau, para explicar o
conceito de bio/grafia, cita Michel de Montaigne, que estabeleceu em seus
Ensaios um grande envolvimento entre a escrita e a vida. Para Montaigne, a
feitura de seu livro se dá em cooperação com a vida. Assim, afirma: “não fiz
mais meu livro do que meu livro me fez”.4 A formação do nome de um
escritor se dá, portanto, no trânsito entre a vida (bio) e a obra (grafia),
caracterizando, “um envolvimento recíproco e paradoxal”5, que só se resolve
no movimento da criação.
Refletindo um pouco mais sobre este enlace paradoxal entre a vida e a
obra, reconhece-se que a vida do escritor é constituída igualmente por suas
produções, ao mesmo tempo em que estas são marcadas pela existência
pessoal e social, como se observa também no caso de Guy de Maupassant.
Nascido na Normandia, região francesa onde passou a infância e a
juventude, Maupassant escolheu essa região para constituir a topografia de
2 MAINGUENEAU, Dominique. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 46. 3 Idem. 4 MONTAIGNE, Michel de apud MAINGUENEAU, idem. 5 MAINGUENEAU, 1995, p. 47.
muitas de suas histórias. Neste sentido, em um artigo publicado no
periódico francês Le Mercure de France, em primeiro de fevereiro de 1933, o
crítico René Dumesnil, afirma ser “uma sorte para um artista se encontrar,
pelo seu temperamento e seu caráter, em tão perfeito acordo com a região da
qual ele vai tirar a substância de suas obras.”6 Com efeito, em grande parte
de seus textos, Maupassant faz alusão aos costumes locais da região de
Caux, situada na Alta-Normandia, uma das vinte e seis regiões
administrativas da França. A história de sua primeira novela se passa,
sobretudo, nos arredores de Fécamp, no País de Caux. Segundo Fernand
Lemoine, “um passeio por essa região permite recriar a atmosfera de Une
Vie, [...] nada é mais fácil do que reconhecer os lugares em que se passam
seus relatos.” 7 Assim como Une Vie, Pierre et Jean, quarto romance de
Maupassant, também se passa na região da Alta-Normandia, mas em Le
Havre.
No que diz respeito aos seus personagens, Dumesnil evidencia que
“são de uma autenticidade que o tempo não atinge”.8 Nobres, burgueses,
camponeses, marinheiros, pescadores, operários e moças com os quais
Maupassant conviveu são descritos como realmente foram vistos por ele, que
6 DUMESNIL, René. « La Normandie de Maupassant », Le Mercure de France, CCXLI, 1er
janvier 1933, p. 271. Disponível em [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k202152q] Acesso em 13 de junho de 2008. 7 LEMOINE, Fernand. Guy de Maupassant. Trad. José Manuel Ramos González. Pontevedra, março 2006, p. 6. Un paseo por esa región permite recrear la atmósfera de Una vida, […]Nada más fácil de reconocer que los lugares donde se desarrollan sus relatos.” Disponível em [http://www.iesxunqueira1.com/maupassant/Libros/biografialemoine.pdf] Acesso em 19 de junho de 2008. 8 DUMESNIL, René apud LEMOINE, op. cit, idem. “En cuanto a sus personajes, como justamente ha observado Dumesnil: « son de una autenticidad por la que el tiempo no pasa.»
não exalta suas qualidades, nem mascara seus defeitos. São trabalhadores
rudes, bons vivants como o herói de Un Normand, ou o personagem Père
Toine que aparece no início do conto Toine. O misticismo não os atormenta;
a religião existe mais como uma espécie de código social e as jovens
camponesas, geralmente, mantêm relações extraconjugais9. O camponês de
Maupassant é ávido por dinheiro, característica que causou, por exemplo,
em La Ficelle, o infortúnio do senhor Hauchecorne, que recolhe do chão um
pequeno pedaço de barbante e morre sendo suspeito de roubo; a avareza
também provocou o crime do senhor Chicot em Le petit fût. Outro traço
constante nas narrativas de Maupassant é a desconfiança em relação ao
estrangeiro e ao que é diferente, como é mostrado em Boitelle, conto em que
Antoine Boitelle se apaixona por uma jovem negra, mas é impedido de se
casar com ela porque seus pais a achavam “muito negra”.10
Ao mesmo tempo em que descreve fielmente o que vê, evidenciando o
aspecto particular e transitório dos homens, Maupassant dá conta dos
temperamentos específicos e inalteráveis da raça, “dá a cada um deles seu
destaque e seu valor geral, humano.”11 Desse modo, ao se conhecer a obra
de Maupassant em sua trajetória, é possível observar que sua região de
origem, com seus hábitos e tradições, sua vida social, são importantes
elementos de sua história pessoal que constituem intrinsecamente suas
novelas e contos. Para construir seu mundo ficcional, Maupassant lança
9 DUMESNIL, 1933, p. 288-289. 10 MONGLOND, Brigitte. Notices et notes. In: MAUPASSANT, Guy de. Contes et nouvelles, 1875-1884, et Une Vie. Paris: Robert Laffont, 1988, p. 249-258. 11 DUMESNIL, 1933, p. 289.
mão de sua vivência e do que observa, não se distanciando do que lhe é
familiar.
Assim, ciente de que a doutrina estética de um escritor é constituída
ao mesmo tempo em que a obra se faz, serão apresentados a seguir alguns
dados referentes à vida e à carreira de Guy de Maupassant que constituem a
relação do autor com o meio literário em que vivia, determinando, de alguma
maneira, sua Obra.
Nascido em 5 de agosto de 1850, no castelo de Mirosmenil, em
Tourville-sur-Arques, próximo a Dieppe (comuna francesa na região da Alta-
Normandia), Henri-René-Albert-Guy de Maupassant teve sua formação
educacional orientada pela mãe, Laure de Maupassant, que obteve a guarda
de seus dois filhos, Guy e Hervé, após o fim de seu casamento com Gustave
de Maupassant, em 1858. Durante toda a sua vida, Guy de Maupassant
considerou sua mãe a única confidente e conselheira. Laure, dotada de uma
cultura literária pouco comum e apaixonada pela literatura clássica em
especial, percebendo que seu filho se encaminhava para uma carreira
literária, não hesitou em procurar o amigo Gustave Flaubert para saber se o
filho estava no caminho correto. Desde então, Flaubert tornou-se o grande
padrinho literário de Guy de Maupassant.
Em 1863, aos treze anos, Maupassant começa a estudar no seminário
de Yvetot, onde se revolta por se sentir aprisionado; aí comete seus primeiros
poemas. Cinco anos mais tarde, é expulso do seminário e admitido no
Colégio Imperial de Rouen. Em 1872, já adulto, entra para o Ministério da
Marinha e das Colônias e também se dedica à canoagem e aos trabalhos
literários, orientados por Flaubert. Enfim, três anos mais tarde, é publicado
o seu primeiro conto, La main d’écorché, no Almanach Lorrain de Pont-à-
Mousson. Em 1876, quando se instala em Paris, Maupassant é convidado
para participar do grupo de Médan que se constituía em torno do escritor
Émile Zola. Dois anos mais tarde, graças a Flaubert, é empregado no
Ministério de Instrução pública de Cultos e de Belas Artes.
Entre 1880 e 1890 Guy de Maupassant escreveu mais de cem
crônicas12, aproximadamente, trezentos contos, sete romances, três
narrativas de viagem e um volume de versos, obras publicadas, inicialmente,
em colunas de jornais ou revistas e depois, em forma de livro. Observando-se
as datas em que seus contos apareceram nos periódicos como datas
aproximativas de sua criação, percebe-se que o período compreendido entre
1882 e 1884 é considerado o auge de sua carreira, com uma média de
cinqüenta contos escritos por ano. Entretanto, de 1885 a 1890, o que se
verifica é uma redução significativa de sua produção de contos, já que em
1890 foram escritos apenas vinte e cinco.
No que diz respeito aos romances, a produção se deu de maneira
inversa a dos contos, pois se o período entre 1882 e 1884 é o de maior
produção de contos pelo autor, este é também o de menor produção de
romances. Entre 1880 e 1886, Maupassant escreveu apenas os romances
Les Dimanches d’un Bourgeois de Paris (1880), Une Vie (1883) e Bel-Ami
(1885), enquanto que, de 1887 até 1890, foram escritos Mont-Oriol (1887),
Pierre et Jean (1888), Fort comme la Mort (1889), Notre Coeur (1890), L’Âme
12 Cf. ANEXOS.
Étrangère (1890) e L’Angélus (1890-1891), sendo que os dois últimos não
foram terminados.13
Em relação às narrativas de viagem, pode-se afirmar que elas foram
escritas na fase final de produção do autor e se resumem a três obras: Au
Soleil (1884), Sur l’eau (1888) e La vie errante (1890).
Maupassant também escreveu oito peças de teatro e mais de duzentos
e cinqüenta crônicas, em diversos periódicos, sobre os principais
acontecimentos sociais e costumes da época, e ainda críticas sobre obras de
alguns colegas e salões de pintura. Escreveu ainda onze prefácios14 que
foram, geralmente, reproduzidos nas edições das crônicas jornalísticas.15
Em 1878, Maupassant foi incitado por Émile Zola a colaborar
regularmente com o periódico francês Le Gaulois, por ser um bom meio de
obter êxito financeiro, no entanto, conseguiu publicar apenas um texto, em
19 de março de 1878: La Dernière escapade, que já tinha aparecido em
1876, em La République des Lettres.16 Além de se dedicar aos contos,
romances e narrativas de viagem, em 1880, incentivado e orientado por
Gustave Flaubert, Maupassant publica Des Vers, livro dedicado a este
último17, no qual reuniu todos os seus poemas escritos até então. Nesse
mesmo ano, era publicada na coletânea Les Soirées de Médan, editada por
13 Segundo François Tassart (criado de quarto de Maupassant, de novembro de 1883 a julho de 1893), L’Âme Étrangère começou a ser escrito em agosto de 1890. No entanto, no fim deste mesmo ano, Maupassant o abandona para se dedicar ao seu último romance, L’Angélus, também inacabado. Cf. MONGLOND, op. cit., p. 227. 14 Cf. ANEXOS. 15 Informações obtidas através da revista eletrônica Maupassantiana [http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/Prefaces.html] Acesso em 12 de junho de 2008. 16 Cf. MONGLOND, op. cit., p. 29. 17 Como podemos ver na dedicatória da coletânea: « A Gustave Flaubert, à l’illustre et paternel ami que j’aime de toute ma tendresse, à l’irréprochable maître que j’admire avant tous. » Cf. ibidem, p. 232.
Georges Charpentier, a novela Boule de Suif, que marcou o início do sucesso
de Maupassant, consagrando-o como escritor de contos.18
Até 1885, na primeira fase de sua carreira literária, Maupassant nem
sempre assinava suas produções com o seu nome verdadeiro. Em uma carta
enviada a sua mãe, em 3 de abril de 1879, expõe algumas condições para
assinar os artigos que escrevia em colaboração com alguns periódicos da
época :
Je ne voudrais pas faire des chroniques régulières qui seraient forcément bêtes, je consentirais seulement à prendre de temps en temps un événement intéressant et à le développer avec des réflexions et des dissertations à côté ... Enfin, je ne voudrais faire que des articles que j’oserais signer et je ne mettrais jamais mon nom en bas d’une page écrite en moins de deux heures.19
No que diz respeito aos pseudônimos, estes apresentavam diferentes
origens. A sua primeira novela, La main d’écorché, por exemplo, foi assinada
como Joseph Prunier, pseudônimo que teve sua origem em um apelido dado
pelos amigos Léon Fontaine20 e Robert Pinchon21, que conheceu enquanto
estava em Rouen, por volta de 1868.
Já o poema Au bord de l’eau, publicado no jornal La République des
Lettres, em março de 1876, e os contos Le donneur d’eau bénite e Coco, coco,
coco frais, publicados na revista ilustrada semanal La Mosaïque,
respectivamente, em novembro de 1877 e setembro de 1878, aparecem 18 Em 1901, as Edições Ollendorff publicaram uma coletânea contendo vinte e uma novelas escritas por Maupassant, entre 1883 e 1884, cujo título era Boule de Suif. Cf. MONGLOND, op. cit., p. 115. 19 Citado por MONGLOND, op. cit., p. 28. 20 Léon Fontaine e Maupassant se conheceram ainda na infância, em Étretat. Em 1875, Fontaine recebia a notícia de que seu primo, diretor do Almanach Lorrain de Pont-à-Mousson, publicaria La main d’écorché, a primeira novela de Maupassant. Ibidem, p. 90. 21 Juntamente com Léon Fontaine, Robert Pinchon – filho de Albert Pinchon, professor da escola Corneille, em Rouen, onde Maupassant estudou – era o melhor amigo de Maupassant. Ibidem, p. 97.
assinados por Guy de Valmont, pseudônimo que não apresenta, até hoje,
sua origem determinada. Cogitam-se três hipóteses: os Maupassant teriam o
hábito de chamar o filho mais velho de Valmont; poderia ser uma alusão à
Normandia, uma vez que Valmont é uma região próxima de Yvetot ou ainda
poderia ser uma associação com o herói amoral de Liaisons Dangereuses,
romance epistolar de 1782, no qual o oficial e escritor francês Pierre
Choderlos de Laclos – admirado por Maupassant – analisa de maneira
incisiva o cinismo e a perversidade.
Outro nome fictício adotado pelo autor – talvez o mais utilizado – é
Maufrigneuse, cuja primeira sílaba faz lembrar o seu próprio nome, além de
ser o nome da heroína da obra Cabinet des antiques (1839), de Honoré de
Balzac. Geralmente, Maupassant optava por este pseudônimo quando
escrevia para o periódico Gil Blas. Como Maupassant colaborava há mais
tempo com o jornal Le Gaulois e assinava seu nome verdadeiro nas
produções nele publicadas, preferiu adotar um pseudônimo para assinar
seus textos de Gil Blas.22 Existe ainda um outro pseudônimo não muito
difundido, mas também adotado pelo autor: Chaudrons du Diable,
empregado na crônica Étretat, publicada em Le Gaulois, em 20 de agosto de
1880, e cuja origem se associa às falésias de Étretat.
Em janeiro de 1877, Maupassant começou a apresentar alguns
sintomas da sífilis, que se agravaram em 1880. Além de dores de cabeça
intensas e freqüentes, iniciou-se uma paralisia de acomodação do olho
direito. Apesar de todos esses sintomas, continuou a escrever. No entanto, 22 Na verdade, também existem quatro contos assinados por Mauffrigneuse que apareceram no Gaulois: En voyage, Baiser, L’Ami Patience e Le père. Cf. MONGLOND, op.cit., p. 1-2.
em 1891, o quadro de paralisia geral o impediu de dar seqüência à sua
produção. Dois anos mais tarde, em seis de julho, anunciava-se o
falecimento do autor.
Todas essas informações biográficas de Maupassant se mostraram
significativas para a realização desse estudo, já que se pretende
compreender os posicionamentos do autor durante a sua trajetória no
campo literário, a partir da intrínseca relação entre a sua escrita e a sua
vida, que Maingueneau conceituou como bio/grafia.
Em seu livro Discurso Literário (2006), Dominique Maingueneau se
debruça sobre a complexidade dos processos de subjetivação que atuam na
criação literária, não tendo retomado diretamente o conceito bio/grafia,
mencionado acima. Reafirma que “não se pode justapor sujeito biográfico e
sujeito enunciador como duas entidades sem comunicação, ligadas por
alguma harmonia preestabelecida.”23 Desse modo, propõe que se distingam
três instâncias: a pessoa, que se refere ao indivíduo dotado de uma vida
privada; o escritor, designando o ator que define uma trajetória na
instituição literária; e o inscritor, que é “tanto enunciador de um texto
específico como, queira ou não, o ministro da instituição literária, que
confere sentido aos contratos implicados pelas cenas genéricas e que delas
se faz o garante”.24 Maingueneau evidencia, ainda, a relação de
complementação que existe entre essas três instâncias, mostrando que cada
uma delas é atravessada pelas outras, “não sendo nenhuma delas o
23 MAINGUENEAU, Dominique. Discurso Literário. Trad.: Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006, p.136. 24 Idem.
fundamento ou pivô.”25 Não se pode, portanto, isolar nenhuma dessas
instâncias das outras pois, “através do inscritor, é também a pessoa e o
escritor que enunciam; através da pessoa, é também o inscritor e o escritor
que vivem; através do escritor, é também a pessoa e o inscritor que traçam
uma trajetória no espaço literário.”26
No caso de Maupassant, nota-se que tanto em suas crônicas como em
suas narrativas de viagem, traz-se à cena “a pessoa” – Maupassant enquanto
um jovem normando, apaixonado pela água e pela canoagem, por exemplo –
sem que se oculte “o escritor” – que apresenta uma trajetória no jornalismo,
na instituição literária, marcada pela sua produção de contos, pela sua
filiação ao princípio da observação minuciosa proposta pela estética
naturalista – nem “o inscritor” – o enunciador que demonstra suas
capacidades estilísticas ao lançar mão, por exemplo, de uma escrita simples,
irônica, sem erudição, inscrito numa tradição oral caracterizada pela
delegação da palavra a narradores de segunda instância.
De acordo com Maingueneau, o regime da literatura no qual há esse
entrelaçamento das três instâncias denomina-se elocutivo e se alimenta do
regime delocutivo, marcado pela impessoalidade, ou seja, há um
distanciamento do sujeito em relação ao seu discurso, evidenciando-se,
portanto, o efeito de objetividade do texto. Esses dois regimes alimentam-se
um do outro “segundo modalidades que variam a depender das conjunturas
históricas e dos posicionamentos dos diferentes autores.”27 Grosso modo,
25 Idem. 26 Ibidem, p. 137. 27 Ibidem, p. 139.
pode-se dizer que, ao longo de sua trajetória, Maupassant criou,
paralelamente, como será apresentado a seguir, produções delocutivas,
como contos, novelas e romances e elocutivas, como narrativas de viagem,
crônicas e prefácios.
3. MAUPASSANT E SUA OBRA
A principal proposta desse capítulo é apresentar de maneira
panorâmica a Obra de Maupassant, levando-se em conta os gêneros
discursivos aos quais se dedicou, a fim de apontar o seu caráter
multifacetado.
De acordo com Maingueneau, em Discurso Literário, a Obra de um
autor é “a trajetória de conjunto em que cada obra singular assume um
lugar”28 e se caracteriza por associar dois espaços considerados
indissociáveis, mas que não se encontram em um mesmo plano: o espaço
canônico e o espaço associado.29 O espaço canônico alia-se, em geral, ao
regime denominado delocutivo, “em que o autor se oculta diante do mundo
que instaura”; trata-se de um regime “dominante, mas [...] constantemente
afetado pelo regime elocutivo”.30 Já o espaço associado alia-se,
principalmente, ao regime “elocutivo no qual “o inscritor”, “o escritor” e “a
pessoa”, conjuntamente mobilizados, deslizam uns nos outros”.31 Não se
trata, contudo, de “um espaço contingente que se somaria a partir de fora ao
espaço canônico”32. Portanto, há uma permanente negociação entre os
espaços, que se dá em função de cada obra.
As fronteiras entre espaço canônico e espaço associado não podem ser
definidas previamente.33 No entanto, podemos relacionar textos
28 MANGUENEAU, 2006, p. 143. 29 Cf. Idem. 30 Cf. Ibidem, p. 139. 31 Idem. 32 Ibidem, p. 144. 33 Maingueneau (2006, p. 144), em nota à seção sobre “espaço associado”, diferencia essa noção daquela de “paratexto” que Gérard Genette propõe em Seuils (1987). Enquanto
autobiográficos, relatos de viagens, diários, prefácios e correspondências ao
regime elocutivo e ao espaço associado, enquanto que romances, contos e
novelas, pertenceriam ao regime delocutivo e constituiriam, em grande parte,
o espaço canônico da literatura francesa do século XX.
Ao estudar, de maneira geral, a produção de Maupassant, em que se
incluem poesias, peças de teatro, contos, novelas, crônicas, prefácios,
narrativas de viagem, romances e correspondências, nota-se a existência
dessa fronteira flutuante - renegociada a cada momento da trajetória -, entre
esses dois espaços que formam a Obra. Há ainda o entrelaçamento das três
instâncias – o inscritor, o escritor e a pessoa – e a dificuldade, portanto, em
se “dissociar as operações enunciativas mediante as quais se institui o
discurso e o modo de organização institucional que ao mesmo tempo o
pressupõe e estrutura.”34 Assim sendo, como lembra Maingueneau, deve-se
observar, ao se construir uma cena de enunciação, a existência de uma
sustentação mútua da legitimação do dipositivo institucional, dos conteúdos
manifestos e da relação interlocutiva.35
Genette considera tudo que envolve o livro, Maingueneau se refere apenas aos textos atribuídos ao próprio autor. Assim, um prefácio escrito por uma terceira pessoa não entra na categoria proposta por Maingueneau. Genette, por sua vez, intitula “índices paratextuais”, os elementos que, em uma obra publicada, mesmo sem pertencerem ao texto em si, cercam-no e contribuem para a sua identificação. Dentre estes índices paratextuais, no caso particular de Maupassant, destaco o título, que em sua grande parte, tanto nas crônicas como nos contos, nas novelas e nos romances, apresentam uma função metalingüística, já que logo de início, trazem a identidade do texto, remetendo ao seu tema. Assim, a título de exemplo, temos a crônica Le pays des korrigans, que remete à região da Bretanha, uma vez que o termo “korrigan” designa, na região, os espíritos malfeitores, a novela Boule de Suif, que apresenta como protagonista uma mulher gorda, o conto Nuit de Noël, cuja trama se passa em uma noite de Natal, o romance Une vie, que nada mais é que a história de vida de Jeanne, ou ainda o romance Pierre et Jean, cuja trama gira em torno dos irmãos. 34 MAINGUENEAU, 2006, p. 135. 35 Cf. Idem.
Para a Análise do Discurso, a noção de cena de enunciação é associada
à noção de situação de comunicação. Contudo, ao se falar de cena de
enunciação, parece ser inevitável que se toque na questão dos gêneros do
discurso, uma vez que cada gênero determina um espaço socialmente
instituído e, em sua dimensão constitutiva, instaura seu espaço de
enunciação de acordo com o discurso que será colocado em cena. O gênero
discursivo caracteriza-se por uma cena, e cada cena requer uma
dramaturgia específica. Assim, a cena não pode ser concebida como um
quadro simples previamente construído do qual emerge o discurso; deve ser
entendida como constitutiva do discurso.
Em Discurso Literário, Dominique Maingueneau propõe uma análise
da cena de enunciação em três cenas distintas: cena englobante, cena
genérica e cenografia.36 A cena englobante, comumente entendida como um
tipo de discurso (político, religioso, literário, publicitário, etc.), é a cena que
sinaliza um estatuto pragmático ao gênero de discurso de onde provém o
texto; a cena genérica define-se pelos gêneros do discurso e a cenografia é a
cena com que o co-enunciador se depara em primeiro plano, já que as cenas
englobante e genérica são deslocadas para o segundo plano.
Ainda no que diz respeito à cenografia, esta não é imposta pelo gênero
do discurso, mas instituída pelo discurso, que a determina logo no início e,
no seu desenrolar, busca justificá-la em seu dispositivo. Assim, a cenografia
é considerada a gênese e a finalidade do discurso; legitima e é legitimada no
e pelo discurso que, por sua vez, estabelece sua cenografia específica. Como
36 Cf. Ibidem, p. 251.
evidencia Maingueneau, a cenografia não é tão-somente um cenário onde o
discurso aparece no interior de um espaço já construído e independente
dele; ela é a enunciação que, ao se desenvolver, constitui progressivamente –
e paradoxalmente – o seu próprio dispositivo de fala; a cenografia é “[...] ao
mesmo tempo fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um
enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la estabelecendo que essa
cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para
enunciar como convém.”37
Maingueneau explicita ainda que a cenografia implica em um
momento específico (cronografia) e em um lugar específico (topografia) de
onde o discurso emerge. A determinação da identidade dos parceiros da
enunciação está em estreita ligação com a definição de um conjunto de
lugares (saberes partilhados e mundos possíveis) e de momentos de
enunciação (instante da interação). Dentre as três cenas, a cenografia
aparece como a cena de enunciação mais propícia aos investimentos de
criação do discurso. Trata-se de uma dimensão criativa, na qual se forma o
simulacro de um momento, de um espaço e dos papéis sociais conhecidos e
compartilhados culturalmente.
A partir desses conceitos desenvolvidos por Maingueneau, surgiram,
portanto, algumas reflexões que serão desenvolvidas nesse estudo: haveria
diferença entre o Maupassant que assinava suas produções e o que lançava
mão do uso de pseudônimos? No caso específico de Maupassant, o que faria
parte do espaço associado e do espaço canônico?
37 Ibidem, p. 253.
3.1 – A poesia e o teatro
O teatro e a poesia foram os primeiros gêneros literários a que Guy de
Maupassant se dedicou. Segundo informações obtidas em uma edição
especial dedicada a Guy de Maupassant da revista francesa Magazine
Littéraire, desde pelo menos 1868, ele já escrevia poemas narrativos, em
geral voltados para a temática amorosa, não raro entremeados de diálogos e
cuja forma é na maioria das vezes clássica, em versos alexandrinos.38 Uma
pequena parte desses poemas foi reunida no volume de estréia do autor,
intitulado Des vers, de 1880, dedicado a Gustave Flaubert; outros ficaram
dispersos.
A poesia de Maupassant recebeu o incentivo de Louis Bouilhet, poeta
morto em 1869, também amigo de Flaubert. A redação nesse gênero seria
abandonada por Maupassant, sobretudo a partir de 1880, quando começou
a escrever e publicar seus contos com maior freqüência. Há também uma
justificativa da mãe de Maupassant, Laure, de que ele teria deixado a poesia
para se dedicar à prosa devido à morte do primeiro mestre e à influência
literária, de maior peso, do segundo: “Se Bouilhet estivesse vivo, ele teria
feito de Maupassant um poeta [...] Foi Flaubert que fez dele um
romancista”.39
A pouca importância hoje atribuída a essa coletânea de poemas deve
ser relativizada. Deixando de lado os juízos de valor, o mais significativo da
leitura desses poemas, assim como de sua obra teatral, é notar, já nas
38 LECLERC, Yvan. Chronologie. Magazine Littéraire, n° 310, Paris, mai 1993, p. 16-27. 39 Apud TROYAT, Henri. Maupassant. Paris: Flammarion, 1989, p. 31.
primeiras tentativas literárias de Maupassant, a presença de certas
obsessões que se aprimorariam no registro maior que o consagrou, a prosa.
Não se pretende aqui, portanto, analisar a poesia de Maupassant, mas sim
mostrar esses elementos que seriam retrabalhados por ele em seus contos.
Observa-se freqüentemente em seus poemas, além da temática
recorrente do amor ou da desilusão amorosa, tendo ao fundo uma paisagem
natural, o uso de palavras como soudain, tout à coup40, o que insere nos
poemas uma situação de reviravolta, tal como ocorre na maioria de seus
contos, que surpreendem o leitor com o inusitado. Nesses poemas, de um
modo geral, a natureza é descrita com bastante lirismo, mas não é vista
romanticamente. Em “Fin d’amour”41, por exemplo, enquanto o rapaz se
prepara para deixar de vez a sua amante que sofre com o fim do
relacionamento, todos os animais estão aos pares, gozando o amor (“L’amour
était partout comme une grande fête”, v. 59), de modo que a moça constata:
“Amour! L’homme est trop bas pour jamais te comprendre!” (v. 113).
Podem-se ainda depreender os temas mais recorrentes nos poemas do
volume, muitas vezes misturados em uma mesma peça: o amor sensual, às
vezes até obsceno.42 Nestes, é freqüente o emprego do termo frisson para
definir a sensação amorosa; a despedida de um amor, terminado por uma
das partes, como ocorre no já citado “Fin d’amour” e também no poema
40 Foi realizada uma contagem sem maiores pretensões e esses dois termos foram encontrados em diversos poemas. Ver, por exemplo, os poemas: “Le mur” (v. 68 e 115), “Un coup de soleil” (v.12 e 18), “Une conquête” (v. 5, 76 e 114), “Envoi d’amour” (v. 24), “ Vénus rustique” (parte VI). MAUPASSANT, Guy de. Des vers. Disponível em [http://maupassant.free.fr/cadre.php?page=oeuvre] Acesso em 22 de fevereiro de 2008. 41 Idem. 42 Cf. “Au bord de l’eau”, pelo qual Maupassant foi alvo de um processo no tribunal de Étampes. A lettre-préface de Flaubert, incluída na edição consultada, serviu à defesa desse processo que não foi adiante graças à carta. Cf. MONGLOND, op. cit., p. 83.
“Sonnet”; a passante que desperta o desejo do poeta, como em “Une
conquête” e “Désirs”; as nuances do amor que culminam com a morte em
“Un coup de soleil”, “Au bord de l’eau”, “La dernière escapade” e “Vénus
rustique”; o medo do desconhecido, em “Terreur”; a ironia do amante contra
o marido oficial, em “Sommation”; as conversas de rua ouvidas pelo eu-lírico,
em “Propos de rues”.
A partir da leitura de seus poemas, já é possível notar o interesse de
Maupassant pelos temas da sedução, do fantástico e da crítica à burguesia,
temas estes que permeiam muitos de seus contos. Em seus poemas, a
mulher retratada é, geralmente, a maîtresse, ou a amante, que atrai pela
beleza, pelo perfume, mas que permanece incompreendida pelo poeta. O
amor é quase sempre proibido socialmente, seja pela família dos jovens, seja
pelo casamento.
Leitor de poetas contemporâneos como Victor Hugo, Edgar Allan Pöe,
Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, conforme se observa nas crônicas e
narrativas de viagem em que os citam, Maupassant abandonou a forma
literária do poema sem, no entanto, deixar de lado a poeticidade em sua
prosa. Tendo em vista que, em seus poemas, Maupassant já tratava das
questões que ocupariam seus textos narrativos, não se pode ignorar essa
parte de sua obra, à qual ele se dedicou durante os primeiros anos de sua
trajetória. A busca de um efeito, para o qual a história converge, e a defesa
dos princípios poéticos simbolistas subjazem às discussões estéticas do
autor. Independente da forma literária escolhida, alguns de seus princípios
literários provieram da reflexão sobre a poesia.
Assim como nos poemas, nas peças de teatro de Maupassant, a
temática do amor infiel reaparece, aliada a uma irônica crítica social da
burguesia.
Histoire du vieux temps, sua primeira peça em versos alexandrinos,
finalizada em 1874 e encenada pela primeira vez em 1879, apresenta-se sob
a forma de um diálogo entre um conde e uma marquesa, ambos em idade
avançada, um pouco deprimidos pelo tempo e pelas lembranças. No início
dessa conversa, a marquesa, como diversas personagens dos contos de
Maupassant, pede ao conde que lhe conte uma história vivenciada, de amor
galante. Há aqui também, portanto, histórias em mise en abîme. O conde
conta-lhe então algumas histórias até surpreendê-la com uma que lhe diz
respeito: sem que nenhum deles tivesse se dado conta, ele fora o seu
primeiro amor quando ela tinha dezesseis anos e a deixou à espera por toda
a juventude. O contraste da visão feminina e masculina do amor nas falas
do conde e da marquesa sobre a mulher caracteriza um tipo de observação a
que o autor voltaria em sua produção futura, muitas vezes avaliada
simplesmente como machista e pessimista, mas que traduz uma leitura
social da mulher parisiense da segunda metade do século XIX.
A segunda experiência teatral de Maupassant foi feita em colaboração
com outros colegas, em 1875. À la feuille de rose, Maison turque é uma peça
que foi ultimamente republicada.43 A edição das obras teatrais a que tive
acesso, porém, não traz À la feuille de rose nem La comtesse de Béthune
43 Em 1984, pela Encre, e em 2000, pela Flammarion, segundo a bibliografia do autor presente no site http://maupassant.free.fr/, estabelecida pela especialista na obra do autor, Noëlle Benhamou.
(também chamada La trahison de la comtesse de Rhune), justificando que
não ofereceriam interesse, uma vez que são tentativas da juventude do
autor.44 Por outro lado, é possível que o caráter pornográfico de À la feuille
de rose tenha impedido, ainda em 1910, essa publicação.
A intenção desse texto era a diversão do grupo e principalmente dos
mestres Flaubert e Zola, a cuja primeira e única encenação assistiram,
quando o próprio Maupassant representou uma prostituta.45 Como se vê, o
tom naturalista libidinoso interessava ao grupo ao qual Maupassant se
ligara. Os temas ali discutidos seriam retomados, de outro modo, como será
visto, mas já estabelecidos no rol do autor.
Ilustração 1
Capa da edição de 1945 da peça À la feuille de rose, Maison turque.46
44 MAUPASSANT. Oeuvres complètes. Paris: Louis Conard, 1910, p. 246. 45 LECLERC, op. cit., p. 20. 46 Imagem disponibilizada por Bernard Vassor, presidente da Associção Autour du Père Tanguy, no site http://autourduperetanguy.blogspirit.com/media/00/00/1376675767.jpg Acesso em 28 de outubro de 2008.
Todos os dramas de Maupassant parecem dedicados à sátira social.
Une répétition, de 1875, é uma comédia em verso que ironiza a figura do
marido traído. Trata-se de uma peça dentro da outra em que um jovem vai
até a casa de sua coadjuvante, Mme Destournelles, para ensaiar. O amor
platônico que o rapaz nutre por ela vem a ser anunciado ali, diante do dono
da casa e marido, M. Destournelles. Entretanto, este pensa que a confissão
faz parte do texto encenado, numa confusão entre representação e realidade.
Nessa peça, portanto, o jogo feito com a metalinguagem cênica é o elemento
de maior destaque. Com esse procedimento, o discurso inicial de resignação
feminina ao casamento é abandonado pela esposa, uma vez que esta sai
triunfante de cena, enganando o marido. A comédia em um ato não foi aceita
para encenação na época, decepcionando Maupassant, que escreveu em
uma carta ao amigo Robert Pinchon:
Décidément, les directeurs ne valent pas la peine qu’on travaille pour eux. Ils trouvent, il est vrai, nos pièces charmantes, mais ils ne les jouent pas, et pour moi, j’aimerais mieux qu’ils les trouvassent mauvaises et qu’ils les fassent représenter. C’est assez te dire que Raymond Deslandes juge ma Répétition trop fine pour le Vaudeville.47
A peça seguinte de Maupassant só seria escrita, e desta vez
representada, em 1891. Musotte é uma espécie de drama burguês, uma
tragicomédia familiar em três atos. Primeira peça em prosa, feita em co-
autoria com Jacques-Normand, trata-se da adaptação por Maupassant de
um conto de sua autoria, “L’Enfant”, do volume Clair de lune. Há em Musotte
uma ação concentrada em um único dia, mas em dois planos – o lar de M.
de Petitpré e o quarto da modelo e antiga amante de Jean de Martinel, a
47 MAUPASSANT apud MONGLOND, op. cit., p. 237.
Musotte. Essa ação, em traços gerais, segue o enredo do conto “L’enfant”: no
dia do casamento, o noivo recebe uma carta que o obriga a abandonar a
esposa, por algumas horas, a fim de trocar as últimas palavras com a antiga
amante, modelo, com quem havia rompido e que está prestes a morrer, não
sem antes lhe revelar o filho recém-nascido.
Ao se comparar o conto e a adaptação para o teatro, nota-se que são
os traços distintivos entre estes que reforçam alguns dos elementos
marcantes da poética do autor. A ironia contra a burguesia e o espírito livre
de Léon – irmão da noiva Gilberte e amigo do noivo – personagem ausente
em “L’enfant”, contribuem para o humor do texto. As personagens são bem
caracterizadas, algumas chegam ao esboço de tipos do quadro familiar, como
a tia mal-amada, o pai advogado e correto, que põe em discussão o tema do
divórcio, controverso na época, e a modelo que morre por amor. O conto por
sua vez, oferece outra esfera de detalhes, caros a essa forma literária em
Maupassant, como o amor à primeira vista de Jacques Bourdillère – no
papel do noivo –, na praia, ao ver sua futura noiva, Berthe Lannis, sair da
água. No conto, a relação com a amante anterior não representa um
relacionamento amigável, nem é esta tão digna quanto Musotte. A descrição
da amante à beira da morte é mais brutalizada, diferindo da versão teatral,
na qual a morte ocorre em cena, mas quase como um suspiro.
Os temas de intriga doméstica, freqüentes em grande parte dos contos
de Maupassant, os tornam passíveis de adaptação. Há contos como “Au bord
du lit”, que traduz em sua forma o sketch do drama, com as instruções para
o diretor (nesse caso, a descrição do narrador sobre o tempo e o espaço)
destacadas do texto, em itálico. Esse diálogo de “Au bord du lit” é retomado
quase por inteiro na peça em prosa La paix du ménage, escrita em 1888 e
representada em 1893, na Comédie Française.48
Há nessa comédia de costumes a representação do casamento de
aparências: marido e mulher mantêm de comum acordo relacionamentos
extraconjugais, mas é conveniente mostrar para a sociedade, e
financeiramente para ambos, a “paix du ménage”. Põe-se em pauta,
novamente, uma discussão da época sobre o casamento e há uma ironia fina
do autor sobre as conveniências burguesas. Nas palavras de Mme de Sallus, a
esposa que quase põe tais regras a perder, o casamento é um direito, um
título de possessão adquirido pelo marido, “une association d’intérêts, un
lien social”49, em que o amor e o afeto não têm lugar e, à exceção de matar a
esposa, o marido tudo pode. O que existe em comum entre o final do
primeiro ato e o conto “Au bord du lit” é a proposta ardilosa da esposa para
servir de amante do marido, em troca do dinheiro que ele daria à melhor de
suas amantes. Essa situação, surpreendente para o marido, acaba de modo
diferente em cada uma das obras: no conto, a mulher pega o dinheiro; na
peça, ela se recusa a dormir com M. de Sallus e joga-lhe a quantia na cara.
Ao se fazer a leitura do segundo ato, descobre-se, então que o interesse do
marido da peça não era de restabelecer o contato com ela, mas de manter o
status quo matrimonial, deixando o caminho livre para a liberdade moral da
48 MAUPASSANT. Contes et nouvelles. Paris: Gallimard, t. I, 1974, p. 1598. (Bibliothèque de la Pléiade) 49 MAUPASSANT, Guy de. La paix du ménage. Disponível em [http://maupassant.free.fr/theatre/paix/piece.html ] Acesso em 23 de junho de 2008.
esposa.50 No fim do drama, M. de Sallus sai para ver sua amante, enquanto
deixa o amante jantando com sua esposa.
A leitura dessas obras pouco comentadas propiciou uma melhor
compreensão da trajetória artística do escritor. Elas também ofereceram um
rico material para a discussão de temas polêmicos da estética
maupassantiana, como o divórcio e a liberdade feminina, e de formas
recorrentes, como a estrutura enquadrada e o cruzamento de diversos níveis
diegéticos, sob os quais se oculta o autor, oferecendo maior grau de
verossimilhança aos seus textos.
3.2 – O conto e a novela
Thierry Oswald, refletindo acerca das definições de conto e novela,
assinala que a novela, na verdade, “nasce e procede do conto, que, pouco a
pouco, mas em troca de muitas hesitações, retrogradações, reiterações, dá à
luz laboriosamente a uma forma nova que ele carregava como corpo
embrionário.”51
A problemática desses dois gêneros empenha ainda hoje o interesse de
estudiosos, que perseveram na busca de uma conceituação. Entre
divergências e oscilações, a questão permanece aberta. Assim, diante da
50 “Je désire rétablir et maintenir un status quo de neutralité pacifique. Une sorte de paix de Platon. (Riant.) Mais j'entre en des détails qui ne vous intéressent pas.” Idem. Disponível em [http://maupassant.free.fr/theatre/paix/piece.html] Acesso em 23 de junho de 2008. 51 « La nouvelle en vérité naît et procède du conte, qui, peu à peu, mais au prix de bien d’hésitations, des rétrogradations, des réitérations, accouche laborieusement d’une forme neuve qu’il portait comme un corps embryonnaire. » OSWALD, Thierry. La nouvelle. Paris: Hachette, 1966, p. 14.
complexidade de se fixar, portanto, uma fronteira entre essas noções, e de
não ser esse o propósito nesse estudo, seguem algumas informações acerca
das novelas e dos contos escritos por Maupassant.
Assim como os poemas, Maupassant começou publicando de modo
disperso seus contos – assinados com pseudônimos – em jornais e revistas
literários.52 Em 1875, publicou “La main d´écorché”, seu primeiro conto. De
1881 até 1890, Maupassant lançou quinze volumes de contos53, deixando
ainda esparsos muitos outros. As edições mais completas perseguem hoje
critérios diversos. A mais especializada, a da Pléiade, com notas e variantes,
adotou o método cronológico de organização.
Ao se pensar no gênero conto, não raro se pensa no nome de
Maupassant. A maioria de seus contos caracteriza-se por uma denúncia
realista e risível da sociedade burguesa, como será visto adiante. Talvez, a
originalidade de Maupassant resida, portanto, no fato de ele fundar suas
narrativas em acontecimentos cotidianos, aparentemente sem importância.
No que concerne seus contos e novelas, nota-se que sua composição é
caracterizada por uma estrutura que aparece regularmente e que se compõe
dos seguintes elementos: exposição, apresentação dos personagens,
introdução de uma situação banal, aparecimento de um fato inesperado e o
desenlace. Avento a hipótese de que é a introdução de um fato inesperado
que constitui o cerne dessa estrutura, uma vez que é ele o responsável por
52 Como, por exemplo, em L’Almanach Lorrain de Pont-à-Mousson, La Revue de Paris, Le Bulletin Français, La Mosaïque, com os pseudônimos Guy de Valmont e Joseph Prunier. 53 La Maison Tellier (1881), Mademoiselle Fifi (1882), Contes de la bécasse (1883), Clair de l’une (1883), Miss Harriet (1884), Les soeurs Rondoli (1884), Yvette (1884), Contes du jour et de la nuit (1885), Toine (1885), Monsieur Parent (1886), La petite Roque (1886), Le Horla (1887), Le Rosier de Mme Husson (1888), La main gauche (1889) e L’inutile beauté (1890).
dinamizar a ação e conduzi-la ao fim. Este fato dinâmico é a causa da
mudança brusca de uma situação literária cotidiana comum para uma
situação inesperada, tendo uma finalização dramática. Assim, em La Ficelle
(1883), por exemplo, o fato inesperado é a perda de um porta-moedas: em
Goderville, no país de Caux, os camponeses tinham o hábito de irem a uma
feira, na praça. Econômico, o senhor Hauchecorne recolheu do chão um
pequeno pedaço de barbante, quando de repente, se deu conta que seu
inimigo, senhor Malandain, o observava. Envergonhado de seu gesto, ele
fingiu que estava procurando algo e depois seguiu para a feira e foi almoçar
no albergue. O tambor ressoou: um guarda anunciava a perda de um porta-
moedas. Pouco depois, um oficial foi procurá-lo afirmando que o tinham
visto, pela manhã, pegar um porta-moedas. Ao questionar o oficial da
procedência da queixa, soube que havia sido o senhor Malandain, que o
acusara. Ele negou a acusação com veemência. Uma busca em sua roupa
mostrou apenas o barbante, mas a calúnia contra ele o perturbara tanto que
ficou obcecado com isso e morreu no início de janeiro, jurando inocência, em
delírio, no seu leito de morte.
Segundo Otto Maria Carpeaux, trezentas narrativas sobre um assunto
qualquer poderiam ter levado Maupassant a cair na repetição do mecanismo
da técnica.54 No entanto, Maupassant continuou sendo lido com interesse.
Em sua época, alguns acreditavam que o aspecto regionalista de
Maupassant faria perdurar o gosto por suas narrativas, idéia que ocupou
54 Cf. CARPEAUX, Otto Maria. Relendo Maupassant. Publicado no suplemento “Letras & Artes”, do jornal A Manhã, de 20 de julho de 1947, p. 1 e 8.
algumas das discussões apontadas pelos escritores entrevistados por Artine
Artinian, em Pour et contre Maupassant.55
Diversas maneiras de classificação dos contos e das novelas foram já
ensaiadas. Deve-se, no entanto, compreendê-las apenas como instrumento
didático, uma vez que quaisquer tentativas de abordagem prevêem uma
leitura parcial na riqueza representada por cada um dos textos em
particular.
Albert-Marie Schmidt, biógrafo de Maupassant e organizador da edição
das narrativas curtas para Albin-Michel56, seguiu uma divisão em onze
temas: “Drames et propos rustiques”, “Les confinés”, “Les séductions et l’art
d’aimer”, “Le charme des liaisons”, “Le danger des liaisons” (o mais extenso,
com 59 textos), “La cage aux filles”, “Scènes de la vie cléricale”, “Ironie et
horreurs de la guerre”, “Le massacre des innocents”, “Les chemins de la
démence” e “diverses créatures”. O organizador apenas propõe uma ordem
de leitura, e o leitor, dispondo dos textos, tem a possibilidade de lê-los como
preferir. Assim como Maupassant optou por apresentar o texto “La bécasse”
na introdução do seu volume Contes de la bécasse, Albert-Marie Schmidt
manteve o mesmo texto, na mesma posição: introduzindo a sua antologia, o
que mostra a importância que o organizador dá, de certa maneira, ao
aspecto estrutural das narrativas do escritor.
O crítico Otto Maria Carpeaux ocupa-se de Maupassant, sobretudo
pelo seu vínculo com a tradição do conto popular medieval francês, os
55 ARTINIAN, Artine. Pour et contre Maupassant: enquête internationale (147 témoignages inédits). Paris: Nizet, 1955. 56 MAUPASSANT, Guy de. Contes et nouvelles. (Dir. de Albert-Marie Schmidt) Paris: Albin Michel, 1972. 2t.
fabliaux, em que as marcas da oralidade e a função lúdica, de passatempo,
eram centrais. Nesse sentido, os contos enquadrados de Maupassant – ou
seja, aqueles em que há pelo menos dois narradores, um heterodiegético
(externo ao evento relatado) e outro homodiegético (que testemunhou o
evento) ou autodiegético (protagonista do evento), segundo a classificação
greimasiana consagrada57 - correspondem a cerca de metade de sua
produção de contos, segundo informa Jaap Lintvelt58, que realizou uma
análise da relação entre os narradores externo e interno, da reação das
personagens ouvintes e do leitor, nas narrativas de Maupassant, partindo do
conceito de polifonia de Mikhail Bakhtin. Lintvelt cita o conto “Histoire vraie”
em que, apesar de o relato do narrador autodiegético descaracterizar a
personagem feminina em questão, Rose, o narrador heterodiegético, leva o
leitor a compadecer-se dela. Assim sendo, o crítico conclui que essa
estratégia formal complexa é um recurso que expressa o objetivo estético de
Maupassant de sugerir, de compor dubiamente, de maneira que o leitor
busque uma interpretação que não é dada diretamente pelo autor. Essa
teoria está expressa no prefácio de Maupassant a Pierre et Jean, do qual
algumas passagens vêm citadas no seguinte trecho do artigo de Lintvelt:
A imagem de mulher, fornecida pela narração feminina não difere, portanto, essencialmente da que é dada pelo homem, e a recepção feminina não mostra toda a complexidade de uma narrativa feminina. Cabe sempre ao leitor ter um papel ativo na interpretação ideológica. Este é o objetivo estético de
57 Os termos empregados para a classificação dos narradores apresentam-se resumidos em: REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de narratologia. 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1994, p. 257-274. 58 LINTVELT, Jaap. La polyphonie de l’encadrement dans les contes de Maupassant. In: Maupassant et l’écriture. Actes du colloque de Fécamp. (dir. de Louis Forestier) Paris : Nathan, 1993, p. 173. Nesse artigo, o estudioso afirma que há 144 narrativas enquadradas, dentre as 301 reunidas por Louis Forestier, na edição da Pléiade dos Contes et nouvelles.
Maupassant, que estima que o romancista deva ‘compor sua obra de uma maneira tão hábil, tão dissimulada’, que seja impossível ‘descobrir suas intenções’, ‘sua visão pessoal do mundo’. O objetivo do romancista é forçar o leitor a ‘compreender o sentido profundo e secreto.59
Quanto aos temas mais discutidos que foram desenvolvidos pelo
escritor em seus contos e novelas, destacam-se algumas questões sobre o
amor. Nas relações amorosas, nem sempre acidentadas, não há apenas a
visão pessimista de Schopenhauer sobre a mulher-armadilha, como discutiu
Besnard-Coursodon em Étude thématique et structurale de l’oeuvre de
Maupassant: Le piège. Esta autora estuda, nas obras ficcionais do escritor,
as relações ardilosas impostas pela figura feminina por meio do amor, da
natureza e de Deus. Faz um levantamento e analisa a recorrência das
imagens da armadilha nos textos, o que contribui para sua argumentação
em defesa da tese de que Maupassant se divertiu ao tratar de certa
complacência entre o marido e o amante da mulher: desde os romances Bel-
Ami (entre Duroy e M. de Marelle) e Mont-Oriol (entre Brétigny e Andermat)
até os contos “Le gâteau” e “La porte”, bem como de certa malícia e sedução
feminina, que nem sempre levavam à fatalidade, como em “Idylle” e “Le
signe”, por exemplo.60
O determinismo e o fatalismo, freqüentes no romancista, se vêem
nuançados pela arte do contista. M. Leras, o protagonista do conto 59 « L’image de femme, fournie par la narration féminine ne diffère donc pas essentiellement de celle donnée par l’homme, et la réception féminine ne rend pas forcément toute la complexité d’un récit féminin. C’est toujours au lecteur de jouer un rôle actif dans l’interprétation idéologique. C’est là justement l’objectif esthétique de Maupassant, qui estime que le romancier devra “composer son oeuvre d’une manière si adroite, si dissimulée”, qu’il soit impossible de “découvrir ses intentions”, sa “vision personnelle du monde”. Le but du romancier est de forcer le lecteur “à comprendre le sens profond et caché ”.» LINTVELT, op. cit., p. 180. 60 BESNARD-COURSODON, Micheline. Étude thématique et structurale de l’oeuvre de Maupassant: le piège. Paris: Éditions A.-G. Nizet, 1973.
“Promenade” (1884), é um instrumento da ironia e da crítica a uma categoria
profissional que Maupassant já desprestigiava na crônica “Les employés”.
Nessa crônica de 1882, o autor traça o comodismo e a passividade do
funcionário público que teve seu destino como resultado de sua própria
escolha:
L'employé ne quitte point son bureau, cercueil de ce vivant ; et dans la même petite glace où il s'est regardé, jeune, avec sa moustache blonde, le jour de son arrivée, il se contemple, chauve, avec sa barbe blanche, le jour où il est mis à la retraite. Alors, c'est fini, la vie est fermée, l'avenir clos. Comment cela se fait-il qu'on en soit là, déjà ? Comment donc a-t-on pu vieillir ainsi sans qu'aucun événement se soit accompli, qu'aucune surprise de l'existence vous ait jamais secoué ? Cela est pourtant. Place aux jeunes, aux jeunes employés ! Alors on s'en va, plus misérable encore, avec l'infime pension de retraite. On se retire aux environs de Paris, dans un village à dépotoirs, où l'on meurt presque tout de suite de la brusque rupture de cette longue et acharnée habitude du bureau quotidien, des mêmes mouvements, des mêmes actions, des mêmes besognes aux mêmes heures.61
Certa irreversibilidade das personagens romanescas, que pouco podem
contra o acaso, flexibiliza-se nos contos e novelas: muitas vezes elas fazem
as suas escolhas.
No que diz respeito ao gênero fantástico, nota-se que Maupassant,
desde a sua primeira narrativa publicada, “La main d’écorché”, já era atraído
pelo gênero, sobre o qual tinha as suas próprias teorias, conforme visto em
“Le fantastique”. Enquanto Albert-Marie Schmidt62 atribui o fantástico à sua
doença nervosa, Marie-Claire Bancquart, entre outros críticos, destacou a
61 MAUPASSANT, Guy de. « Les employés ». Disponível em [http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/ChrLesEmployes.html] Acesso em 22 de julho de 2008. 62 SCHMIDT, op. cit.
importância em se deixar de observar o fantástico como um produto da
doença terminal do escritor.63 No estudo “Maupassant, un homme
énigmatique”, ela argumenta sobre este ponto de vista:
Mas o leitor francês é tão desconfiado diante do irracional que ele gostaria, de toda maneira, de colocá-lo em uma categoria especial, deixá-lo inofensivo: veja, é um louco que escreve histórias de loucura; nós podemos lê-las sem sermos atingidos por elas! Tal asserção não resiste ao exame. Na curta e tão intensa carreira literária de Maupassant, os contos fantásticos estão presentes desde o início (“ Sur l’eau” faz parte de La maison Tellier, “Fou ?” de Mademoiselle Fifi) e conhecem um máximo de freqüência em 1885-1886, no momento do Horla, para diminuir, em seguida, como se Maupassant tivesse precisamente recuado diante de narrativas que encenassem um destino que ele sentia que seria o seu. Ele não deu um lugar especial aos seus contos fantásticos, que fez aparecer em coletâneas nas quais eles estavam juntos com narrativas ditas “realistas”. E quando os escreveu, ele não estava “louco”. Ele dominava perfeitamente seu assunto e sua escrita; ele se distanciava. O momento em que Maupassant mergulha na loucura é precisamente aquele em que ele pára de interessar à literatura: ele hesita, começa romances que ficaram inacabados; depois não escreve mais nada, toda criação artística dependendo de um controle que ele não é mais capaz de ter. Os contos fantásticos são o indício de um temperamento sensível, chegando ao sofrimento; mas para explicar o talento deles, o talento, esse temperamento não saberia servir como fio condutor. Criado nas mesmas condições, atingido pelo mesmo mal, morto no asilo três anos antes de Maupassant, seu irmão Hervé nunca escreveu nada. […] Maupassant baseia suas narrativas fantásticas nos riscos de alienação constantes de nosso ser.64
63 BANCQUART, Marie-Claire. Maupassant conteur fantastique. Paris: Minard, 1976. 64 « Mais le lecteur français est tellement méfiant devant l'irrationnel qu'il voudrait à toute force le caser dans une catégorie spéciale, le rendre inoffensif : voyez, c'est un fou qui écrit des histoires de folie ; nous pouvons les lire sans être entamés par elles ! Pareille assertion ne résiste pas à l'examen. Dans la courte et si remplie carrière littéraire de Maupassant, les contes fantastiques sont présents dès le début (« Sur l'eau » fait partie de La maison Tellier, « Fou ? » de Mademoiselle Fifi) et connaissent un maximum de fréquence en 1885-1886, le moment du Horla, pour diminuer en nombre ensuite, comme si Maupassant avait précisément reculé devant des récits qui mettraient en scène un destin dont il sentait qu'il serait le sien. Il n'a pas donné de place spéciale à ses contes fantastiques, qu'il a fait paraître dans des recueils où ils avoisinaient des récits dits « réalistes ». Et quand il les a écrits, il n'était pas « fou ». Il maîtrisait parfaitement son sujet et son écriture ; il prenait distance. Le moment où Maupassant sombre dans la folie, c'est précisément celui où il cesse d'intéresser la littérature : il hésite, il commence des romans, restés inachevés ; puis il n'écrit plus rien, toute création artistique procédant d'un contrôle dont il est désormais incapable. Les contes fantastiques sont l'indice d'un tempérament sensible jusqu'à la souffrance ; mais pour expliquer leur talent, le talent, ce tempérament ne saurait servir de
A ilusão da arte do escritor realista trabalha as soluções racionalmente
viáveis, mas impõe uma impressão do fantástico (uma hesitação) que se
passa dentro de cada um, em que a própria identidade, mesmo que por
alguns instantes, é posta em jogo. Em Le Horla, por exemplo, que
apresentou duas versões65, é mostrada ao leitor a complicada relação eu-
outro (feita de oposição e identificação), a luta com o (seu) duplo, com a
sociedade.
Em termos gerais, a primeira versão, de 1886, trata da história de um
homem que vive bem, perto de Rouen, e que começa a ter sintomas
diferentes como insônia, emagrecimento, mau humor. Com o tempo,
acontecimentos estranhos, inexplicáveis, passam a ocorrer com ele e
também com outras pessoas da redondeza. Ele, convictamente, anuncia que
há um ser inserido na sociedade, a quem nomeia como “Horla”.66
Já na segunda versão67, de 1887, apresentada em forma de diário
(numa espécie de registro confessional), o narrador revela a mesma trama,
porém com final aterrador: ateia fogo na casa na esperança de matar o
Horla. Sem a certeza de ter matado o Horla, pensa em cometer o suicídio:
«Mort? Peut-être? [...] Non...non...sans aucun doute, sans aucun doute… il
fil conducteur. Elevé dans les mêmes conditions, atteint du même mal, mort à l'asile trois ans avant Maupassant, son frère Hervé n'a jamais rien écrit. […] Maupassant fonde ses récits fantastiques sur les risques d'aliénation constants de notre être. » BANCQUART, Marie-Claire. Maupassant, un homme énigmatique. Paris: Ministère des Affaires étrangères, 1993, p. 15-17. 65 MONGLOND, op. cit., p. 151. 66 MAUPASSANT, Guy de. Le Horla (1e version). Contes et nouvelles. Gallimard, 1979, t.II, p. 822-830. 67 MAUPASSANT, Guy de. Le Horla (2e version). Ibidem, p. 913-938
n'est pas mort…Alors…alors…il va donc falloir que je me tue, moi !...»68 A
dimensão espacial da narrativa é construída de maneira a informar que o
suposto paciente vive em um lugar aprazível (na segunda versão, há uma
preocupação narrativa ainda maior em dizê-lo) e privilegiado. Não há índices
de ambiente ermo, mórbido, ao contrário: o Sena (rio adorado por
Maupassant) corta sua propriedade. Até esse ponto, o insólito não se
anuncia, mas sim o suspense: o homem internado vai explicar aos médicos o
que o traz ali, embora pareça física e moralmente sadio. É importante que,
também aqui, as personagens secundárias como o cocheiro e a vizinhança
atuem como “confirmadores” daquilo que vive o personagem. Os sintomas
estranhos evoluem na narrativa para acontecimentos estranhos: água e leite
são tomados por alguém que não se identifica; vasos se quebram sozinhos;
páginas viradas sem ação nenhuma, até que o homem atormentado pelo
medo e pelo estranho, julga ver o “ser”: o sobrenatural é explicitado. A sua
existência, e seus atos, é confundida (ou questionada) com a possibilidade
de uma alucinação ou um sonho, mas a dúvida é rapidamente sanada
quando é narrado que, além de seus vizinhos, habitantes da província de
São Paulo também apresentam sintomas semelhantes. Pela memória,
resgata o fato de que um navio brasileiro passara pelo Sena, próximo a sua
casa, o que concatena as suas impressões. Assiste-se, então, a uma história
do pavor, do medo, do suspense. A dúvida, a ambigüidade, nas duas
versões, persiste: na primeira, há a angustiante pergunta do que é a
realidade e do que é a ilusão; na segunda, a existência de um ser que resiste
68 Ibidem, p. 938.
ao fogo. Essa observação acerca do efeito produzido na trama narrativa
parece estar em consonância com o que considera o próprio autor, no
prefácio do romance Pierre et Jean:
Le romancier qui transforme la vérité constante, brutale et déplaisante, pour en tirer une aventure exceptionnelle et séduisante, doit, sans souci exagéré de la vraisemblance, manipuler les événements à son gré, les préparer et les arranger pour plaire au lecteur, l'émouvoir ou l'attendrir. Le plan de son roman n'est qu'une série de combinaisons ingénieuses conduisant avec adresse au dénouement. Les incidents sont disposés et gradués vers le point culminant et l'effet de la fin, qui est un événement capital et décisif, satisfaisant toutes les curiosités éveillées au début, mettant une barrière à l'intérêt, et terminant si complètement l'histoire racontée qu'on ne désire plus savoir ce que deviendront, le lendemain, les personnages les plus attachants.69
Nas novelas, merece ainda destaque, além de Le Horla e Boule de Suif,
Les dimanches d’un bourgeois de Paris, publicada postumamente, em que
aparece a fina ironia de Maupassant. O protagonista, M. de Patissot, é um
funcionário público que se mantém no cargo devido à sua hábil capacidade
de mudar de opinião e fazer os outros acreditarem nisso: em tempos do
Império, veste-se como o imperador, durante a República, mostra
sentimentos de republicano nato. Maupassant extrai humor das diversas
peripécias dominicais desse burguês de Paris, nos dias preenchidos seja com
as festas da República, seja com uma tarde de decepção com uma
prostituta, seja com as sessões públicas de feministas, consideradas
histéricas e inúteis, mas imperdíveis pelo bom burguês. Assim como nesse
texto, em “La Lysistrata moderne”, crônica publicada no Le Gaulois em 1880,
Maupassant ridiculariza o movimento feminista:
69 MAUPASSANT, Guy de. Le Roman. In : ___.Pour Gustave Flaubert. Préface de Maurice Nadeau. Paris : Complexe, 1986, p. 136-137.
Voilà ! Oh ! oui votez. - Oh ! oui, nommez-nous des représentants. Oh oui ! soyez indépendantes, citoyennes, - car nous rirons, nous rirons, nous rirons - en dussions-nous mourir ; ce qui serait, du reste, la seule vengeance dont vous puissiez vous enorgueillir. Allons, levez vos boucliers, guerrières : ça ne sera jamais qu'une levée de jupes !70
No entanto, em diversos outros textos, Maupassant teve a
oportunidade de defender, ao seu modo, a mulher marginalizada
socialmente: a prostituta (em “Le lit 29”, “Mademoiselle Fifi”, “L’odyssée
d’une fille”, entre outros), a mãe solteira (a empregada Rosalie, de Une vie; a
Blanchotte, de “Le papa de Simon”).
Ainda que a obra de Maupassant se distancie do caráter sociológico da
obra de Zola, há a tendência para a valorização das personagens humildes e
da ironia cruel contra os burgueses e os funcionários públicos.
3.3 – A crônica, o ensaio e o prefácio
A crônica narra a vida cotidiana, o tempo vivido. Através dela há a
possibilidade de se poder captar o espírito de uma época, mesmo que este
seja mediado pelo olhar e pela interpretação do cronista. Considerando-se
que a construção de determinada temporalidade é acompanhada de uma
subjetividade de seleção e de interpretação, a mediação do texto, nesse caso,
permite que os leitores captem mais de perto, através dos olhos do cronista,
as particularidades de seu tempo. Pensando nessa relação entre a crônica e
o jornal, Massaud Moisés explica que a crônica oscila entre a reportagem e a
70 Cf. MAUPASSANT, Guy de. “La Lysistrata moderne”. Disponível em [http://maupassant.free.fr/chroniq/lysistrata.html ] Acesso em 13 de agosto de 2007.
literatura, entre o relato impessoal de um acontecimento corriqueiro e a
recriação do cotidiano por meio da fantasia. Afirma ainda que, no jornal,
encontram-se duas categorias de texto lingüístico: os escritos para o jornal e
os escritos no jornal. Os primeiros morrem diariamente, os segundos não.
No ponto de vista do especialista, a crônica estaria no meio termo entre os
dois, já que se move entre “ser no” e “para o”.71
Durante sua carreira literária, Maupassant contribuiu com inúmeros
periódicos de sua época, nos quais publicou diversas crônicas. Em mais de
duzentos textos escritos regularmente até 188572 e publicados, sobretudo,
nos periódicos Le Gaulois, Gil Blas e Écho de Paris, Maupassant expôs suas
idéias acerca de variados assuntos, tanto de cunho literário, quanto político-
social.
Segundo o escritor e crítico literário francês Émile Faguet, o autor de
Boule de Suif conhecia pouco dos clássicos das letras francesas e revelava
certo desinteresse por assuntos da esfera pública. Em 1893, por exemplo, o
crítico escreveu um artigo sobre o escritor (já falecido) que foi publicado no
periódico francês La Revue Bleue e no qual revela tal julgamento acerca de
sua notoriedade:
Nenhum espírito foi menos livresco. Quando ele publicou, encabeçando Pierre et Jean, talvez para aumentar o volume, um curto estudo crítico, ele não provou nada, senão que não havia lido nada. Ele desprezava completamente as discussões e as dissertações literárias, ou antes, as rejeitava naturalmente.73
71 Cf. MOISÉS, Massaud. A crônica. In: ___. Criação Literária. São Paulo: Cultrix, 1982. 72 Cf. ANEXOS. 73 « Aucun esprit ne fut moins livresque. Quand il publia en tête de Pierre et Jean, peut-être pour grossir le volume, une petite étude critique, il ne prouva rien, sinon qu’il n’avait rien lu. Il méprisait même infiniment les discussions littéraires et les dissertations littéraires, ou
No entanto, em seu livro L'oeuvre de Maupassant (1954), Knud Togeby
parece não compartilhar da mesma idéia de Faguet ao aproximar a estética
naturalista de Maupassant da estética clássica de escritores como Racine,
por exemplo, o que nos leva a crer que a afirmação de Faguet, de que
Maupassant nada tinha lido, precisa ser reavaliada:
[...] É o meio e o caráter dos personagens que explicam que eles agem desta ou daquela maneira. Pôde-se dizer que uma obra de Maupassant é construída com a fatalidade lógica de uma tragédia de Racine. [...] Maupassant preza, como os clássicos, o vocabulário central da língua. Ele prefere a palavra exata à palavra imprecisa dos românticos, e ele a coloca em construções claras e simples. Enfim, se Maupassant é um clássico pelo seu senso da medida, ele também o é pelo seu aspecto cômico. O romantismo é de uma seriedade quase completa. ─ Não é por acaso que, no prefácio de Pierre et Jean, Maupassant cita duas vezes A arte poética de Boileau.74
Algumas de suas crônicas, como a primeira, Gustave Flaubert (1876),
Les Poètes français du XVIe siècle (1877) e Le fantastique (1883), são ensaios
sobre os assuntos explicitados nos próprios títulos. A fim de se conhecer um
pouco mais dos princípios estéticos de Maupassant, foram selecionadas
algumas crônicas.
Em 1886, foi publicada como crônica no periódico Gil Blas a carta
escrita por Maupassant, La vie d’un paysagiste. Entre críticas ao Estado,
plutôt y répugnait naturellement. » FAGUET, Émile. Guy de Maupassant. La Revue Bleue, t. LII, 15 juillet 1893, p. 65-68. 74 « […] C’est le milieu et le caractère des personnages qui expliquent qu’ils agissent de telle ou telle manière. On a pu dire qu'une œuvre de Maupassant est construite avec la fatalité logique d’une tragédie de Racine. […] Maupassant s’en tient, comme les classiques, au vocabulaire central de la langue. Il préfère le mot propre au mot imprécis des romantiques, et il le place dans des constructions claires et simples. Enfin, si Maupassant est un classique par son sens de mesure, il l’est aussi par son comique. Le romantisme est d’un sérieux presque complet. – Ce n’est pas par hasard que, dans la préface de Pierre et Jean, Maupassant cite à deux reprises L’art poétique de Boileau. » TOGEBY, Knud. L’oeuvre de Maupassant. Paris: PUF, 1954, p. 27.
« L’État est toujours le même sot impuissant et autoritaire »75, e algumas
lembranças de Étretat – cidade normanda cuja paisagem ele viu ser
retratada por pintores como Monet, Corot e Courbet -, o autor oferece aos
seus leitores uma compreensão de arte que aproxima efeitos pictóricos e
técnicas que procura empregar em literatura. Na verdade, ele não chega a
teorizá-los, mas já faz menção à ilusão do verdadeiro, o efeito realista
necessário à sua concepção de arte, que ele definiria em Le Roman, escrito
em 1887. Tal efeito, segundo Maupassant, só é alcançado a partir de uma
apurada observação dos mais imperceptíveis tons, modulações de luz, cores
e harmonias que o olhar do artista revela. Essa acuidade visual, por meio da
qual Maupassant retratou suas personagens e paisagens, era seu desejo
maior.
Ávido de visão, o autor mostra nesta crônica ter grande prazer em
apreender tudo ao seu redor: « Mes yeux ouverts, à la façon d’une bouche
affamée, dévorent la terre et le ciel. Oui, j’ai la sensation nette et profonde de
manger le monde avec mon regard, et de digérer les couleurs comme on
digère les viandes et les fruits. »76 Seus textos parecem, portanto, ser o meio
através do qual Maupassant, com seu olhar atento às ações e atitudes
humanas – sob a forma de representações do realismo – conseguiria saciar
essa avidez.
Em Le Fantastique, crônica publicada em 7 de outubro de 1883, no
periódico Le Gaulois, com a intenção de homenagear o escritor russo e amigo
75 MAUPASSANT, Guy de. La vie d’un paysagiste. In :___. Œuvres Complètes de Guy de Maupassant. Paris : 1930, t.2, p. 84. 76 Ibidem, p. 84.
Turgueniev, morto naquele ano, Maupassant defende uma idéia sobre a qual
o estudioso e historiador francês de origem búlgara, Tzvetan Todorov,
voltaria a refletir: a de que a literatura fantástica caminhava rumo ao
desaparecimento. Maupassant explica os limites do gênero através de uma
compreensão do homem de seu tempo no que diz respeito aos eventos antes
apenas inexplorados:
[...] Nous avons rejeté le mystérieux qui n’est plus pour nous que l’inexploré. Dans vingt ans, la peur de l’irréel n’existera plus même dans le peuple des champs. Il semble que la Création ait pris un autre aspect, une autre figure, une autre signification qu’autrefois. De là va certainement résulter la fin de la littérature fantastique. 77
Além dos contos fantásticos de Turgueniev, Maupassant menciona
ainda, como exemplos do gênero, as histórias de Hoffmann e Pöe. O medo e
o mistério provocados pelo sobrenatural permeiam a obra de Maupassant
desde os seus primeiros escritos, dentre os quais destaco as duas versões do
conto intitulado La peur, que trazem datas próximas à desta crônica, 1882 e
1884, o que demonstra que antes de sua doença o autor já estava envolvido
com as narrativas fantásticas e já procurava inseri-las na corrente desse
gênero literário, como acredita Marie-Claire Bancquart.
Em diversas crônicas, Maupassant também valoriza o diálogo como
uma arte que, para ele, também estava prestes a desaparecer. Em Les
causeurs, crônica publicada em Le Gaulois, em 20 de janeiro de 1882,
Maupassant afirma: « il n’y a plus de causeurs, à part quatre ou cinq, peut-
être ; et ceux-là même, ne trouvant jamais personne qui leur tienne tête à
77 MAUPASSANT, Guy de. Le fantastique. Disponível em [http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/ChrLeFantastique.html] Acesso em 10 de agosto 2008.
cette charmante mais difficile escrime, deviennent peu à peu des
monologueurs. »78 Em La finesse, crônica publicada em 1883, no periódico
Gil Blas, Maupassant discorre sobre a perda do hábito da conversação:
Or il serait cent millions de fois plus intéressant d'entendre un charcutier parler saucisse avec compétence que d'écouter les messieurs corrects et les femmes du monde en visite ouvrir leur robinet à banalités sur les seules choses grandes et belles qui soient. Croyez-vous qu'ils pensent à ce qu'ils disent, ces gens ? qu'ils fassent l'effort de comprendre ce dont ils s'entretiennent, d'en pénétrer le sens mystérieux ? Non. Ils répètent tout ce qu'il est d'usage de répéter sur ce sujet. Voilà tout. Aussi je déclare qu'il faut un courage surhumain, une dose de patience à toute épreuve, et une bien sereine indifférence en tout pour aller aujourd'hui dans ce qu'on appelle le monde et subir avec un visage souriant les bavardages ineptes qu'on entend à tout propos. Quelques salons font exception. Ils sont rares. Je ne prétends point qu'on doive dégager dans une causerie de dix minutes le sens philosophique du moindre événement, cet « au-delà » de chaque fait raconté, qui élargit jusqu'à l'infini tout sujet qu'on aborde. Non certes. Mais il faudrait au moins savoir causer avec un peu d'esprit. Causer avec esprit ? Qu'est-ce que cela ? Causer c'était jadis l'art d'être homme ou femme du monde, l'art de ne paraître jamais ennuyeux, de savoir tout dire avec intérêt, de plaire avec n'importe quoi, de séduire avec rien du tout. Aujourd'hui on parle, on raconte, on bavarde, on potine, on cancane ; on ne cause plus, on ne cause jamais.79
Já em Les poètes français du XVIe siècle, Chronique e Les bas-fonds,
Maupassant defende os temas naturalistas, mostrando que desde Les Fleurs
du Mal, de Charles Baudelaire e Madame Bovary, de Gustave Flaubert –
ambos publicados em 1857 – já se evidenciava a liberdade dos assuntos
para a poesia e a prosa:
Il n’y a pas de choses poétiques, comme il n’y a pas de choses qui ne le soient point: car la poésie n’existe en réalité que
78 MAUPASSANT, Guy de. Les causeurs. [Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/causeurs.html] Acesso em 15 de agosto de 2008. 79 MAUPASSANT, Guy de. La finesse. [Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/finesse.html] Acesso em 15 de agosto de 2008.
dans le cerveau de celui qui la voit. Qu’on lise, poUr s’en convaincre, la merveilleuse « Charogne » de Baudelaire.80
Em L’homme de Lettres, crônica publicada em seis de novembro de
1882, no periódico Le Gaulois, é possível conhecer um pouco do perfil do
literato que, abordando algumas características típicas de cada profissão,
defende que a mais desgastante é a do homem de letras: « de toutes les
professions, celle qui produit le plus de ravages dans l'organisme cérébral,
celle qui trouble le plus les fonctions normales de l'esprit, c'est assurément
la profession des lettres ».81 Segundo Maupassant, o homem de letras se
apresenta como ator e espectador de si mesmo e dos outros, possui uma
observação minuciosa e certa clarividência de pensamento que acabam se
tornando desgastantes para ele mesmo:
S'il [o homem de letras] cause, sa parole semble souvent médisante, uniquement parce que sa pensée est clairvoyante, et qu'il désarticule tous les ressorts cachés des sentiments et des actions des autres.
S'il écrit, il ne peut s'abstenir de jeter en ses livres tout ce qu'il a vu, tout ce qu'il a compris, tout ce qu'il sait ; et cela sans exception pour les parents, les amis ; mettant à nu, avec une impartialité cruelle, les cœurs de ceux qu'il aime et qu'il a aimés, exagérant même, pour grossir l'effet, uniquement préoccupé de son œuvre et nullement de ses affections.
Et s'il aime, s'il aime une femme, il la dissèque comme un cadavre dans un hôpital. Tout ce qu'elle dit, ce qu'elle fait, est instantanément pesé dans cette délicate balance de l'observation qu'il porte en lui, et classé à sa valeur documentaire. Qu'elle se jette à son cou dans un élan irréfléchi, il jugera le mouvement en raison de son opportunité, de sa justesse, de sa puissance dramatique, et le condamnera tacitement s'il le sent faux ou mal fait.
Acteur et spectateur de lui-même et des autres, il n'est jamais acteur seulement comme les bonnes gens qui vivent sans malice. Tout autour de lui devient de verre, les cœurs, les actes, les intentions secrètes, et il souffre d'un mal étrange,
80 MAUPASSANT, Guy de. Les poètes français du XVIe siècle. [Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/poetes.html] Acesso em 20 de julho de 2008. 81 MAUPASSANT, Guy de. L'homme de lettres. [Disponível em http://maupassant.free.fr/cadre.php?] Acesso em 20 de julho de 2008.
d'une sorte de dédoublement de l'esprit, qui fait de lui un être effroyablement vivant, machiné, compliqué et fatigant pour lui-même.82
Para Maupassant, o exemplo mais preciso desta observação
involuntária praticada em relação a si mesmo, em momentos de sofrimento,
está em Flaubert. Nessa mesma crônica, Maupassant cita uma carta do
mestre em que, a partir do relato da morte do tio de Maupassant, o poeta
Alfred de Poitevin, o autor de Madame Bovary dá a expressão aguda da sua
“douleur clairvoyante”.83
Entre os anos de 1882 e 1891, além de se dedicar aos contos,
crônicas, narrativas de viagem e romances, Maupassant também escreveu
alguns prefácios a obras de outros escritores.84 Assim, em Étude sur Gustave
Flaubert, prefácio de 1885, escrito para a obra póstuma de Flaubert,
Bouvard et Pécuchet, Maupassant traça o perfil de seu mestre, partindo de
uma sucinta biografia, em que se observam seus próprios interesses, como o
de contar e pedir histórias:
Sa grande passion, dans son enfance, était de se faire dire des histoires. Il les écoutait immobile, fixant sur le conteur ses grands yeux bleus. Puis il demeurait pendant des heures à songer, un doigt dans la bouche, entièrement absorbé, comme endormi.85
Maupassant percorre os principais eventos da carreira de Flaubert,
documentando com trechos de cartas o processo sofrido com a publicação de
Madame Bovary, em 1857, até chegar ao estudo da obra que prefacia. O
“afilhado literário” de Flaubert acompanhou a redação dessa obra e para ela
82 Idem. 83 Idem. 84 Ver ANEXOS. 85 MAUPASSANT, Guy de. Etude sur Le Roman suivi de deux textes sur Flaubert. Disponível em [http://www..net/lib/maupassant-roman-1.pdf], p. 22. Acesso em 13 de maio de 2007.
colheu informações documentais, conforme informações contidas em uma
carta de 3 de novembro de 1877, destinada a Flaubert.
Na segunda parte desse estudo, o autor trata da relação de Flaubert
com o público, do estilo do mestre e do seu modo dedicado e ímpar de
trabalhar. Assim como se observa nas cartas, Maupassant comenta os
domingos passados na casa de Flaubert, em Croisset, onde se reuniam
diversos escritores e pessoas vinculadas aos meios editoriais, entre eles o
próprio Maupassant.
No que diz respeito a este estudo, considera-se que o mais importante
desse prefácio reside nas observações acerca das preocupações estéticas de
Flaubert, diretamente ouvidas por Maupassant em forma de conselhos e que
viriam a constar de um projeto do autor de Le Horla. Tais observações
convergem para o que o escritor apresentaria, desta vez em prefácio a uma
obra própria, dois anos depois: Le Roman, que introduz Pierre et Jean. A
impessoalidade em arte, a necessidade de afastamento, de não moralizar, o
ideal de uma arte livre de tendências e ensinamentos, preocupada apenas
em retratar as atitudes, e não a psicologia das personagens, aparecem neste
artigo atribuídos à arte de Flaubert, o que Maupassant assumiria em sua
própria obra, no outro prefácio mencionado.
Le Roman constitui-se de inúmeras questões literárias já ensaiadas em
várias crônicas e cartas anteriores86. Nesse prefácio, Maupassant se coloca
contra os críticos de escola, que definem tema e gênero a figurarem na
86 Além da carta a M. Vaucaire (1886) e de “Étude sur Gustave Flaubert” (1884), podem ser mencionados ”Messieurs de la chronique” (1884), ”Chronique” (1882), ”Les bas-fonds” (1882) e ”Par délà” (1884).
literatura, defendendo uma arte cujo ponto de observação principal é
particular. Assim, descrê da possibilidade de se fazer um romance
impassível, uma vez que a arte pressupõe certa subjetividade no recorte do
real que quer mostrar.
A importância maior desses prefácios, a meu ver, é a de pôr em
relação diversos princípios artísticos utilizados por Maupassant, afastando
as leituras estritamente naturalistas ou aquelas que o qualificavam como
estilista extremado.87 Vemos, por vezes, Maupassant simpático aos
simbolistas, cujo apelo às sensações seria trabalhado por ele, principalmente
nas narrativas de viagem. A defesa de uma verossimilhança artística que
refuta o extraordinário, que atinja o efeito do real por meio da descrição e da
narração de acontecimentos cotidianos, empregando as palavras justas, vem
em favor da arte ilusionista do escritor.
3.4 – A narrativa de viagem
Além das crônicas de viagem, como Une fête árabe, publicada em treze
de abril de 1891, em L'Echo de Paris, Maupassant publicou três narrativas
de viagem, todas contendo descrições da costa Mediterrânea entre a Europa
e a África: Au soleil (1884), Sur l’eau (1888) e La vie errante (1891). Os dois
últimos livros são os mais mencionados pelos críticos e comentadores. Os
três volumes são subdivididos em pequenos relatos, ora com subtítulos que
apresentam as localidades visitadas, as impressões do artista, a paisagem ou
87 Louis Forestier prefere classificá-lo como autor impressionista. FORESTIER, Louis. Préface In: MAUPASSANT, Guy de. Romans. Paris : Gallimard, 1987, p. XII.
o momento do dia recortados para descrição; ora pela data de sua redação,
como um diário.
A apresentação formal das narrativas de viagem, porém, foi também
forjada pelo escritor no momento de organização dos volumes. A maior parte
dos textos ali reunidos pouco difere de muitas de suas crônicas (e até de
alguns de seus contos), sejam as que relatam algum aspecto de suas
viagens, sejam as que se detêm em reflexões sobre política ou literatura. No
prefácio que abre a edição Folio de Sur l’eau, Jacques Dupont afirma:
Como já havia feito para Au soleil (que conta uma viagem na África do Norte), e como ainda fará para La Vie Errante, Maupassant reutilizou crônicas, contos ou novelas, já publicados entre 1881 e 1887. Conhecemos, atualmente, aproximadamente uns trinta desses textos que são retomados, remanejados, redistribuídos em Sur l’eau. 88
São, de fato, textos que misturam narração, descrição, reflexão, o que
torna difícil sua classificação. O melhor, nesse caso, parece ser a
manutenção da etiqueta dada pelo autor, já que qualquer outra seria tão
arbitrária quanto essa.
Contam-se sempre em primeira pessoa as aventuras durante os
cruzeiros feitos em momentos diversos da vida do escritor, na busca de
evadir-se, repletos de sensações poeticamente descritas e retratos captados
por seu dom de observação fina. Forma, técnica literária e assunto estão em
harmonia, uma vez que, para o escritor, « Le voyage est une espèce de porte
par où l’on sort de la réalité connue pour pénétrer dans une réalité
88 « Comme il l’avait déjà fait pour Au soleil (qui raconte un voyage en Afrique du Nord), et comme il le fera encore pour La Vie Errante, Maupassant a réutilisé des chroniques, contes ou nouvelles, déjà publiés, entre 1881 et 1887. Nous connaissons donc, à ce jour, une bonne tretaine de ces textes qui sont repris, remaniés, redistribués dans Sur l’eau. » DUPONT, Jacques in MAUPASSANT, Guy de. Sur l’eau. Paris : Gallimard, 1993a. (Folio Classique), p. 10.
inexplorée qui semble un rêve. »89 Muitas vezes, o tom subjetivo do narrador
atinge um alto grau, estabelecendo uma conexão tênue entre os momentos
de pura imaginação, divagações e os de descrição realista do quadro
observado.
Au soleil divide-se em nove partes: Au soleil, La mer, Alger, La province
d’Oran, Bou-Amama, Province d’Alger, Le Zar’ez, La Kabylie-Bougie,
Constantine. Outras três narrativas (Aux eaux, En Bretagne e Au Creusot) são
acrescentadas em algumas edições, mas apenas para aumentar-lhe o
volume90, sendo que Aux eaux foi incluído por Louis Forestier na edição dos
contos e novelas. A escolha pela primeira pessoa narrativa provoca o
prevalecimento do subjetivismo. As paisagens vistas, as histórias ouvidas
dos colonos pobres e dos militares, suas observações (as de um europeu)
sobre a cultura e a religião árabes compõem a maior parte da narrativa, na
qual, porém, o protagonista é o Sol – implacável e silencioso na sua
destruição. A viagem transcreve um período não preciso, a partir de 6 de
julho de 1881, quando o narrador parte de Marseille. Chega a Alger, de
navio, entrando no continente por trem, a pé e a cavalo, até a última cidade
visitada, Constantine.
Dando por parâmetro, em certas descrições, As mil e umas noites, o
narrador maupassantiano nos oferece de receitas da culinária árabe,
descrições de tempestades de areia e miragens até relatos sobre as relações
políticas entre oficiais franceses e os nativos. O escritor abre também espaço
89 MAUPASSANT, Guy de. Au soleil. Paris : Ollendorf, 1902, p. 5. Essa edição contém também Aux eaux, En Bretagne e Au Creusot. 90 Como na edição de 1888, da Havard, como consta no site Maupassantiana: http://www.maupassantiana.fr/Bibliographie/Recits_de_voyage.html
para refletir sobre as tradições diversas daquelas que compartilha com seus
leitores, vendo-as ainda como exóticas e pitorescas:
Les Árabes passent, toujours errants, sans attaches, sans tendresse pour cette terre que nous possédons, que nous rendons féconde, que nous aimons avec les fibres de notre coeur humain ; ils passent au galop de leurs chevaux, inhabiles à tous nos travaux, indifférents à nos soucis, comme s’ils allaient toujours quelque part où ils n’arriveront jamais.91
Por outro lado, onde a cultura francesa já está estabelecida, nos
centros urbanos, seu lamento parece outro. Este fragmento sobre a presença
francesa em Alger mostra a pertinência histórica do texto de Maupassant,
pois ele abre seu texto à discussão do colonialismo, ao qual ele já se opunha
em suas crônicas:
Le quartier européen d'Alger, joli de loin, a, vu de près, un aspect de ville neuve poussée sous un climat qui ne lui conviendrait point. En débarquant, une large enseigne vous tire l'oeil: Skating-Rink algérien; et, dès les premiers pas, on est saisi, gêné, par la sensation du progrès mal appliqué à ce pays, de la civilisation brutale, gauche, peu adaptée aux moeurs, au ciel et aux gens. C'est nous qui avons l'air de barbares au milieu de ces barbares, brutes il est vrai, mais qui sont chez eux, et à qui les siècles ont appris des coutumes dont nous semblons n'avoir pas encore compris le sens. Napoléon III a dit un mot sage (peut-être soufflé par un ministre): "Ce qu'il faut à l'Algérie, ce ne sont pas des conquérants, mais des initiateurs." Or nous sommes restés des conquérants brutaux, maladroits, infatués de nos idées toutes faites. Nos moeurs imposées, nos maisons parisiennes, nos usages choquent sur ce sol comme des fautes grossières d'art, de sagesse et de compréhension. Tout ce que nous faisons semble un contresens, un défi à ce pays, non pas tant à ses habitants premiers qu'à la terre elle-même. [...] Les Arabes, dans tous les cas, ont sur nous un avantage contre lequel nous nous efforçons en vain de lutter. Ils sont les fils du pays.92
91 MAUPASSANT, Guy de. Le Zar’ez. In:___. 1902, p. 120. O trecho citado pertence à sétima parte da narrativa, Le Zar’ez, sobre o lago do mesmo nome, visto em miragem. 92 Ibidem O primeiro excerto é da parte intitulada Alger, p. 20-21; o segundo, de Bou-Amama, p. 56.
Sur l’eau apresenta-se na forma de um diário, cujas oito partes são
introduzidas pela data da redação, compreendendo um período bastante
curto, entre 6 a 14 de abril. O texto começa assim:
Ce journal ne contient aucune histoire et aucune aventure intéressante. Ayant fait, au printemps dernier, une petite croisière sur les côtes de la Méditerranée, je me suis amusé à écrire chaque jour ce que j’ai vu et ce que j’ai pensé. En somme, j’ai vu de l’eau, du soleil, des nuages et des roches – je ne puis raconter autre chose – et j’ai pensé simplement, comme on pense quand le flot vous berce, vous engourdit et vous promène.93
Sabemos, porém, que o momento da redação é outro. O ficcionista cria
um contexto de escritura que não corresponde àquele que nos revela seu
texto. Sobre o período de sua redação, também Jacques Dupont nos
esclarece:
A quinzena de dias que define a cronologia fictícia da narrativa mascara a duração de aproximadamente seis anos de escrita e destrói a sucessão cronológica dessas publicações – e provavelmente da redação dessas últimas. Da mesma forma, o itinerário segundo o qual parece se ordenar a narrativa fornece pontos de ancoragem narrativos e camufla a descontinuidade desses textos relativamente breves e inicialmente “calibrados” segundo as exigências do jornalismo.94
Nessa narrativa, Maupassant introduz diversas reflexões estéticas,
digressões sobre a paisagem, o vento e a luz. Ao se instalar em Cannes, por
conta do vento que impedia de prosseguir a viagem, o narrador critica a
burguesia que ali se encontrava, bem como os homens de letras que
93 MAUPASSANT, 1993b, p.2. 94 « La quinzaine de jours qui définit la chronologie fictive du récit masque la durée de quelques six ans d’écriture, et détruit la succession chronologique de ces publications – et probablement de la rédaction de ces dernières. De même, l’itinéraire selon lequel semble s’ordonner le récit fournit des points d’ancrage narratifs, et camoufle la discontinuité de ces textes relativement brefs, et initialement « calibrés » selon les exigences du journalisme. » DUPONT, op.cit., p. 10.
conversavam sobre banalidades. Mais adiante, num tom relativista, põe em
dúvida até a necessidade da literatura e da arte:
Les arts? La peinture consiste à reproduire avec des couleurs les monotones paysages sans qu’ils ressemblent jamais à la nature, à dessiner les hommes, en s’efforçant sans y jamais parvenir, de leur donner l’aspect des vivants. [...] Les poètes font avec des mots ce que les peintres essaient avec des nuances. Pourquoi encore ?95
Fazendo e citando literatura (Haraucourt, Musset, Hugo, Lisle), perfaz
sua viagem até a Itália, nesse texto que oferece como um diário pessoal
despretensioso, na verdade escrito para a publicação:
Il me reste à demander pardon pour avoir ainsi parlé de moi. J’avais écrit pour moi seul ce journal de rêvasseries, ou plutôt j’avais profité de ma solitude flottante pour arrêter les idées errantes qui traversent notre esprit comme des oiseaux. On me demande de publier ces pages sans suite, sans composition, sans art, qui vont l’une derrière l’autre sans raison et finissent brusquement, sans motif, parce qu’un coup de vent a terminé mon voyage.
Je cède à ce désir. J’ai peut-être tort.96
La vie errante apresenta-se em sete narrativas menores: Lassitude, La
nuit, La côte italienne, La Sicile, D’Alger à Tunis, Tunis e Vers Kairouan. Não
dá, por sua vez, a data de partida, mas somente a da última parte da
viagem, escrita entre 11 e 16 de dezembro. Cansado da Torre Eiffel, essa
“carcasse métallique [...] squelette disgracieux et géant” sobre a qual todos
os jornais falavam e que multidões corriam para ver, o narrador explica na
primeira parte porque deixou Paris e seguiu em viagem, sozinho, a fim de se
dépayser em Florença.97 Está claro que o ficcionista, aberto às novas
expressões da literatura – o Simbolismo como vemos na segunda parte, La
95 MAUPASSANT, 1993b, p. 33. 96 Ibidem, p. 138. 97 MAUPASSANT, Guy de. « Lassitude ». In : ___. La vie errante. Paris : Ollendorf, 1903, p. 1-10.
nuit -, em artes visuais não era modernista. A concepção de Maupassant
sobre a pintura e a arquitetura era fechada ao que o cosmopolitismo e a
indústria pudessem contribuir com as artes. Sua visão, nesses termos, era
ligada ao belo clássico, à arte aristocrática e ao não-utilitarismo.
Informado por Baudelaire e Rimbaud, cujos poemas Correspondances
e Voyelles, respectivamente, ele cita e rapidamente estuda, o narrador
maupassantiano oferece um relato de grande apelo aos sentidos, a fim de
refletir sobre a visão do artista. Entre explicações científicas que justificam o
que se chamava na época de “audição colorida”, Maupassant dá a sua
própria proposta: a de que escritores como Heine, Baudelaire, Balzac e
Byron sucumbiram ao mecanismo infatigável de seu pensamento, visando à
superação da inteligência pelos sentidos:
[…] Je ne pouvais pas dormir, et je me demandais comment un poète moderniste, de l'école dite symboliste, aurait rendu la confuse vibration nerveuse dont je venais d'être saisi et qui me paraît, en langage clair, intraduisible. Certes, quelques-uns de ces laborieux exprimeurs de la multiforme sensibilité artiste s'en seraient tirés à leur honneur, disant en vers euphoniques, pleins de sonorités intentionnelles, incompréhensibles et perceptibles cependant, ce mélange inexprimable de sons parfumés, de brume étoilée et de brise marine, semant de la musique par la nuit. […] Ce phénomène, d'ailleurs, est connu médicalement. On a écrit, cette année même, un grand nombre d'articles en le désignant par ces mots : l'audition colorée. Il a été prouvé que, chez les natures très nerveuses et très surexcitées, quand un sens reçoit un choc qui l'émeut trop fortement, l'ébranlement de cette impression se communique, comme une onde, aux sens voisins qui le traduisent à leur manière. Ainsi, la musique, chez certains êtres, éveille des visions de couleurs. C'est donc une sorte de contagion de sensibilité, transformée suivant la fonction normale de chaque appareil cérébral atteint. Par là, on peut expliquer le célèbre sonnet d'Arthur Rimbaud, qui raconte les nuances des voyelles, vraie déclaration de foi, adoptée par l'école symboliste. […] C'est en ce domaine impénétrable que chaque artiste essaie d'entrer, en tourmentant, en violentant, en épuisant le mécanisme de sa pensée. Ceux qui succombent par le cerveau, Heine, Baudelaire, Balzac, Byron, vagabond, à la recherche de la mort, inconsolable du malheur d'être un grand poète, Musset, Jules de Goncourt et tant d'autres, n'ont-ils pas été brisés par le même effort pour renverser cette barrière matérielle qui emprisonne l'intelligence
humaine ? Oui, nos organes sont les nourriciers et les maîtres du génie artiste.98
E conclui: “C'est là une simple question de pathologie artistique bien
plus que de véritable esthétique.”99
O itinerário de La vie errante prossegue pela Sicília até a costa
africana. As descrições dos habitantes e da cor local novamente ganham
espaço, por esse viajante que deixa o seu iate para percorrer o continente de
trem. Maupassant trabalha nesses textos seu dom de observação e sua
prática de narrar e descrever. Mais palavroso e intimista que em certos
contos (como Marroca e Allouma) reaproveita as experiências de viajante,
trazendo como pano de fundo paisagens e personagens árabes.
Ao se conhecer um pouco mais das narrativas de viagem de
Maupassant, nota-se que elas apresentam em comum o fato de revelarem
além da paixão do escritor normando pela paisagem e, sobretudo pela água,
o seu olhar face a diferentes culturas e povos. Assim, em nota presente no
volume Sur l’eau, Maupassant revela aos seus leitores que suas narrativas
foram escritas a partir de suas próprias impressões durante as viagens
realizadas:
Ce journal [Sur l’eau] ne contient aucune histoire et aucune aventure intéressante. Ayant fait, au printemps dernier, une petite croisière sur les côtes de la Méditerranée, je me suis amusé à écrire, chaque jour, ce que j’ai vu et ce que j’ai pensé.100
Mais uma vez, prezando pela observação dos costumes e dos
diferentes povos, e pela atenção a fatos da época, Maupassant revela em 98 MAUPASSANT, 1903, p. 20-22. 99 Idem. 100 MAUPASSANT, 1993b, p. 2.
suas narrativas que constituem a coletânea Au Soleil, o seu olhar acerca da
situação do colono e de uma possível insurreição que seria orientada pelo
sheik Bou-Amama.101 Enfim, a originalidade das narrativas de viagem de
Maupassant parece residir em um sincero comprometimento do escritor em
estabelecer um diálogo entre o Oriente e o Ocidente do século XIX.
3.5 – O romance
Uma característica marcante dos romances escritos por Maupassant,
publicados entre 1883 e 1890, é o emprego do narrador onisciente de
terceira pessoa. No que diz respeito ao espaço, esses romances apresentam
como pano de fundo Paris ou paisagens naturais normandas, ou ainda da
estação termal de Enval, como ocorre em Mont-Oriol. Já no que concerne a
seus protagonistas, nota-se que alguns são viajantes, como Georges Duroy
de Bel-Ami, que passou dois anos na África do Norte, e Aubry-Pasteur, de
Mont-Oriol, que fez fortuna na Rússia, e cuja aprendizagem amorosa se faz
pelo deslocamento no espaço, além da maturação proposta pelo tempo. Os
meios sociais em que convivem são apresentados em menor número que nos
contos: a aristocracia (Une vie, Fort comme la mort, Notre coeur) ou a alta
burguesia (Pierre et Jean, Bel-Ami e Mont-Oriol – ambas as classes se
misturam nestes dois últimos).
A interface entre os gêneros literários, contidos no romance moderno,
também se mostra recorrente nas narrativas longas de Maupassant. Em Une
vie, tem-se um pequeno conto popular narrado pelas personagens córsicas,
101 Cf. MONGLOND, 1988, p. 234.
visitadas pelo casal Julien e Jeanne, durante sua lua-de-mel.102 Assim como
preza pela presença dos diálogos em seus escritos, Maupassant também faz
questão de apresentar as cartas trocadas entre as personagens –
principalmente as amorosas – em seus romances Une vie, Bel-Ami, Fort
comme la mort e Notre coeur. Versos das leituras literárias de suas
personagens integram também alguns romances: em Fort comme la mort, a
pedido do pintor Bertin, Annette lê “Les pauvres gens”, de La légende des
siècles, de Victor Hugo, a fim de caracterizar o modelo que reproduzirá na
tela; ele mesmo lê Musset, visando recuperar um amor juvenil incompatível
com o seu, ou se identifica com o Fausto, de Goethe, que vê encenado; em
Notre Coeur, André Mariolle ouve a empregada ler-lhe Manon Lescaut, de
Antoine François Prévost, o que dará margem ao seu romance com essa
leitora.
Vários estudiosos de Maupassant tentaram organizar sua obra
romanesca em fases, tomando diversos critérios, como uma mudança no
modo narrativo e a cronologia das obras, todos observando certa presença de
análise psicológica a partir do romance prefaciado por “Le Roman”. André
Vial e Louis Forestier (este último de maneira mais categórica do que o
primeiro) apontam duas fases: os três primeiros romances – Une vie, Bel-Ami,
e Mont-Oriol – como romances de costumes; e a partir de Pierre et Jean
(incluindo, portanto, Fort comme la mort e Notre coeur), os romances de
análise.103 Os dois primeiros também são freqüentemente inseridos na
102 MAUPASSANT, 1987a, p. 59-60. 103 FORESTIER, op. cit., p. XXXII. André Vial define todos os seis romances como de costumes, mas observa a presença da análise psicológica a partir de Pierre et Jean. Cf.
tradição romanesca de Flaubert – Jeanne, de Une vie, é comumente
associada a Emma Bovary –, de Balzac e Stendhal; Georges Duroy, de Bel-
Ami, seria uma versão atualizada dos ambiciosos Julien Sorel e Eugène de
Rastignac104; já os últimos - Pierre et Jean, Fort comme la mort e Notre coeur -
antecipariam os romances de Paul Bourget e de Marcel Proust, na sondagem
psicológica.105 É possível que, rivalizando com tantos romancistas de
qualidade, essa faceta do autor tenha se ocultado, o que estimulou a sua
valorização como contista, em que a variedade de soluções literárias
propostas e de situações contempladas é, de fato, maior.
A diferença principal entre os primeiros e os últimos romances reside
em uma maior concentração na vida interior das personagens. Ainda em
termos gerais, há uma mudança de foco entre os primeiros romances, em
que acompanhamos a evolução do protagonista ao longo de um período
maior da sua vida adulta, ao passo que, nos últimos, notamos com mais
freqüência a técnica do retrospecto narrativo (flash back), o fluxo de
consciência de duas ou mais personagens, o que restringe o período de suas
vidas retratado durante o tempo de ação do romance. Tanto em Pierre et
Jean quanto em Fort comme la mort, por exemplo, a ação inicia-se
pressupondo os fatos que convergem para a situação, cujo nó será mantido
capítulo 2 da parte II: VIAL, André. Du Roman de moeurs au Roman psychologique. In :___. Maupassant et l’art du roman. Paris: Nizet, 1954, p. 373-434. 104 Brigitte Hervot estudou as semelhanças e diferenças entre esses e outros protagonistas na sua dissertação Vencer ou vencer: a ética do arrivista. Ver em especial o segundo capítulo da segunda parte: “2. Duroy e alguns companheiros”. HERVOT, Brigitte. Vencer ou vencer: a ética do arrivista. Assis: UNESP, 1993, 220 p. (dissertação de Mestrado) 105 Segundo Louis Forestier, Maupassant está a meio caminho entre Baudelaire e Proust “na arte de suscitar a lembrança pela sensação”. In: FORESTIER, op. cit., p. 1588. Tal constatação se mostra de maneira evidente ao leitor de Fort comme la mort, em que visões, sons e outras sensações do protagonista voltam à sua memória, confundindo-o.
até as últimas linhas do romance: no primeiro, os dois irmãos viviam
aparentemente bem até que foi despertada a desconfiança, em Pierre, de que
Jean não era filho do Sr. Roland; em Fort comme la mort, Anne Guilleroy e
Olivier Bertin eram amantes há doze anos quando ocorre o retrospecto
narrativo para a explicação do início do relacionamento, ativado pelas
reminiscências do protagonista. A mudança do ponto de vista do narrador,
ora focando as ações isoladas e os pensamentos de uma personagem, ora de
outra, contribuem para o afastamento desejado pelo romancista realista. A
sua pretensão, porém, de observar somente de fora – expressa em “Le
Roman” – não é bem sucedida, visto que há o conhecimento onisciente dos
sentimentos de Pierre e sua mãe, Louise Roland, em Pierre et Jean, e Olivier
Bertin, em Fort comme la mort. Sentimentos que não são dados somente por
suas falas e ações, mas por esses pensamentos retrospectivos, ora relatados
pelo narrador, ora dados como discurso indireto livre. É evidente o recurso
cada vez mais freqüente a esse modo de apresentação dos sentimentos das
personagens em seus momentos de maior tensão.
A presença da análise psicológica nos últimos romances auxilia no
aumento da idéia fixa que domina a mente dos protagonistas dos três
últimos romances, discutindo questões como a possessão alucinante pelo
ciúme, pelo duplo feminino e o amor platônico. As personagens sofrem de
alucinação dos sentidos, também presente em novelas como Le Horla. Os
protagonistas são vítimas desses sentimentos e não encontram saída, no
romance. Maupassant aponta as soluções mais trágicas em seu
encaminhamento: a evasão e o suicídio, que é apenas sugerido em Fort
comme la mort, não podendo o leitor ter a certeza sobre isso.
Se os últimos romances centram-se no tempo interior das personagens
(Any e Olivier, em Fort comme la mort; André Mariolle e Michele de Burne, em
Notre coeur), em que há um choque entre o tempo externo, cronológico, que
marca o envelhecimento e interage no sentimento amoroso, Une vie marca a
desilusão paulatina de uma jovem até a idade avançada, pela perda de todas
as suas crenças no ideal: a integridade de sua mãe, o amor, o casamento, a
maternidade, a religião. Todos os apoios de Jeanne perdem fiabilidade, de
modo que a sua degradação física e material apenas perseguem o caminho
que a sua vida interior prescreve, em sua resignação e em seu esgotamento
silenciosos. A morte da mãe e a descoberta (através de cartas de amor
encontradas por Jeanne) de seu adultério, as traições e a morte do marido e
a desilusão ao não reencontrar o filho são, enfim, fatos amenizados por uma
esperança final: ao lado da única amiga, a empregada Rosalie, primeira
amante de seu marido, espera recolher uma criança recém-nascida, fruto da
união do filho com uma amante que acaba de morrer. Maupassant,
dialogando com a epígrafe de Stendhal (“L’âpre vérité”, de Le Rouge et le noir,
retirada de Danton), encabeçou seu texto com a asserção: “L’humble vérité”,
querendo mostrar que a história de Jeanne se relativiza entre diversas
histórias parecidas com a sua.
Ao que também concluíram alguns críticos, como André Vial e Albert-
Marie Schmidt, por exemplo, o romancista Maupassant não inclina seu leitor
ao devotamento amoroso: Jeanne, Georges Duroy, Pierre, Olivier Bertin e
André Mariolle, em graus diferenciados, desiludem-se com o amor. Vários
obstáculos se impõem para essa não-concretização: as normas do
casamento, a ambição, o adultério, as diferenças de idade, a não-
equivalência do sentimento do outro. Tal desilusão reincide não raro em uma
passividade e certa monotonia dos últimos romances, em que artistas são
protagonistas. Talvez pensando nisso, Albert-Marie Schmidt denominou Fort
comme la mort e Notre coeur como “fisiologia do ócio”.106 Não fosse a entrada
no final dos dois romances de certa movimentação, pela suposta tentativa de
suicídio de Bertin e pela nova amante de Mariolle, a empregada Elisabeth, os
dois romances seriam linearmente o retrato do tédio amoroso de seus
protagonistas. Maupassant, contudo, soube dar a mobilidade dramática
necessária aos seus textos, preenchendo-os com finas observações acerca do
comportamento humano.
Nos romances, em geral, discussões políticas e religiosas são, antes de
tudo, inseridas para demarcar o ponto de vista de suas personagens, sua
imersão no grand monde ou ainda a profissão ou a classe social de onde
provêm. Assim, em Fort comme la mort, o conde e deputado M. de Guilleroy
discute a questão alemã, da época de Bismarck, com a propriedade de um
homem interessado somente pela política e pouco atento à esposa e às
questões da arte, deixando ao amigo Bertin a possibilidade de se aproximar
de sua esposa Anne. Já em Bel-Ami, Georges Duroy, ao debater a questão
colonial francesa na África, reproduz, segundo alguns, o conhecimento
próprio de Maupassant em suas viagens, como cronista de jornal. O fato é 106 SCHIMIDT, Albert-Marie. Maupassant par lui-même. Paris: Seuil, 1962, p. 149. (Écrivains de Toujours)
que esse elemento pitoresco da vida do protagonista de Bel-Ami, além da
sedução que sua figura provocava em mulheres e homens, será marcante
para a ascensão de Duroy na sociedade, até a conquista de todos os postos
almejados por ele, que para tanto, lança mão dos meios mais escusos, como
o flagrante policial da esposa com o amante, a fim de obter o divórcio. Ainda
relacionando os romances, se, por um lado, o discurso religioso do padre
Marvaux no romance inacabado L’Angélus, e do barão, pai de Jeanne, de
Une vie, rediscutem questões de interesse freqüente do contista de “Moiron”
e “Le champ d’oliviers”, e contribuem na dinâmica do texto para o
abatimento que a desilusão amorosa já provocava em seus protagonistas.
Enfim, as reflexões sobre os acontecimentos extra-literários, como o
colonialismo (tema presente nos contos “La Morte”, “L’Ordonnance”, “Le Tic”,
“Les Tomabales” e no romance Bel-Ami, por exemplo), as crianças (como nos
contos “Monsieur Parent”, “Le Baptême”, “L'Enfant” e nos romances Notre
Coeur e Une vie), a pesca (nos contos “Le Champ d’oliviers”,“Deux amis” e
“Les Dimanches d’un bourgeois de Paris”, por exemplo) trazem ao texto de
Maupassant maior verossimilhança e coerência interna.
O romance inacabado L’âme étrangère107, como as outras obras
analisadas, também se propunha a uma discussão da vida de salão da
aristocracia decadente e da burguesia em ascensão, da qual Robert, bon
vivant que vive das rendas deixadas pelo pai falecido, é representante. Rico,
jovem, amador das artes e afeito aos esportes, foi vítima da ex-amante
Henriette, que mantinha outros relacionamentos por dinheiro. O romance
107 MONGLOND, op. cit., p. 227.
inacabado não deixa saber o destino amoroso desse burguês de fino trato,
mas indica, pelo próprio título, o seu possível relacionamento com uma
viúva aristocrata romena, conhecida por ele no grand monde.
A redação desse romance foi abandonada por Maupassant em 1891, a
fim de dar início à escrita do outro que também ficaria inacabado. Trata-se
de L’Angélus, cuja história se desenrola durante a Guerra Franco-Prussiana.
Até onde se sabe, a jovem condessa Germaine de Brémontal, grávida,
acompanhada do filho Henri, de quatro anos, aguarda o retorno do marido,
patriota que se ofereceu aos serviços da França e que há cinco meses não
lhe enviava notícias. Toda a narração detém-se em uma única noite, na qual
o castelo de Mme de Brémontal, na Normandia, é invadido pelos prussianos.
O romance também é narrado na terceira pessoa, mas é repleto de discurso
indireto livre, o que permite à personagem feminina expressar sua angústia
pela falta do marido e as lembranças de sua mãe falecida. Há no relato da
invasão prussiana certa semelhança com passagens de Boule de Suif.
Alguns temas trabalhados nos romances provieram de um primeiro
esboço nos contos. Assim, a questão da herança aparece como tema central
no conto “Le testament” (1882) e, mais tarde, no romance Pierre et Jean
(1888); e o desacordo entre dois seres que não partilham de um mesmo
sentimento amoroso ao mesmo tempo, por exemplo, foi um tema dos contos
“Adieu” (1884) e “Fini” (1885) mais desenvolvido em Fort comme la mort
(1889). Nota-se, portanto, que a obra se rediscute. Para o crítico literário
francês Albert Thibaudet, Maupassant tinha claramente o sentido das
diferenças entre os dois gêneros: “Ele nunca escreveu uma novela com um
tema de romance (o que, aliás, acontece raramente), nunca escreveu um
romance com tema de novela (o que acontece com a maioria dos
romancistas).”108
Sabe-se que quando Maupassant se dedica aos romances é
justamente quando se desinteressa pelo conto e pela novela e quando o
romance naturalista entra em crise ou em fase de revisão. Em 1891, escreve
a um amigo: “Je me suis absolument décidé à ne plus faire de contes ni de
nouvelles. C’est usé, fini, ridicule. J’en ai trop fait d’ailleurs. Je ne veux
travailler qu’à mes romans.”109 A partir daí, não só Maupassant não produz
contos como também logo pára de escrever, por conta de sua doença. Após
essa data, escreveu a peça Musotte, algumas crônicas e deixou inacabados
os dois romances mencionados anteriormente.
3.6 – A correspondência
Através da leitura da correspondência de Maupassant, é possível obter
uma série de informações acerca de sua trajetória artística, assim como
sobre os contatos e as questões literárias que o ocuparam em diversos
momentos de sua vida. Dessa maneira, o aspecto principal dessa parte da
sua Obra reside no acesso a certas opiniões do autor reveladas, por vezes de
maneira confidencial, aos seus destinatários, ao passo que certas rivalidades
e determinadas reflexões foram ocultadas em seus artigos, em suas crônicas 108 « Il n’a jamais écrit une nouvelle avec un sujet de roman (ce qui d’ailleurs arrive rarement) jamais écrit un roman avec un sujet de nouvelle (ce qui arrive à la majorité des romanciers). » THIBAUDET, Albert. Histoire de la Littérature Française: de 1789 à nos jours. Paris: Stock, 1936, p. 376. 109 Citado por Louis Forestier em nota a MAUPASSANT, 1974, p. 1679. O destinatário da carta é desconhecido.
ou nas próprias cartas endereçadas aos mesmos.110 Comentaremos aqui
algumas passagens desta vasta produção.
Entre os seus correspondentes mais assíduos estão a mãe Laure Le
Poitevin de Maupassant, Gustave Flaubert, Émile Zola; o médico Henry
Cazalis, o editor Victor Havard, amigos do autor e outros parentes.
Algumas cartas de Maupassant trocadas com a mãe e confidente
revelam informações sobre seus procedimentos de criação literária, como a
carta escrita de Paris, em 30 de outubro de 1874: “Essaye donc de me
trouver des sujets de nouvelles. Dans le jour, au Ministère, je pourrai y
travailler un peu. Car mes pièces me prennent toutes mes soirées et
j'essayerai de les faire passer dans un journal quelconque.” 111
Entre outras cartas familiares, pouco há a se comentar, senão as
informações que se podem extrair sobre as publicações em vista do escritor.
Assim, em 26 de novembro de 1874, Maupassant anuncia também a Laure a
possível apresentação de sua peça Histoire du vieux temps, no teatro Odéon
e, na mesma carta, resume o enredo de uma comédia em um ato que ele
pretendia escrever.112 Já em uma carta de 8 de março de 1875, informa
Laure da apresentação da peça “absolument lubrique” À La feuille de rose:
“Nous allons, quelques amis et moi, jouer dans l'atelier de Leloir une pièce
110 Apenas a título de esclarecimento, nota-se, por exemplo, que Maupassant tem uma postura diferente a respeito de Zola, caso as cartas sejam endereçadas a ele, ou a Flaubert. O mesmo ocorre nas crônicas sobre Zola. Igualmente, nas cartas a Edmond de Goncourt, a quem sempre chama de ‘mon cher maître e ami’, a rivalidade entre eles não se evidencia. 111 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em: [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=31] Acessado em 10 de setembro de 2008. 112 Cf. MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=32] Acesso em 10 de setembro de 2007.
absolument lubrique où assisteront Flaubert et Tourgueneff – Inutile de dire
que cette pièce est de nous.”113
Em 6 de outubro do mesmo ano, conta à mãe como vai a redação da
novela “Le Docteur Héraclius Gloss”, da peça Une répétition e de outros
contos em projeto:
Je ne sais absolument de quelle façon arranger mon chapitre de la bonne et du singe dans Héraclius et je suis très embarrassé. Je commence ma comédie Une Répétition et aussitôt qu'elle sera finie je ferai, en même temps que mes nouvelles de canotage, une série de nouvelles intitulées Grandes Misères des Petites Gens. J'ai déjà six sujets que je crois très bien. Par exemple ce n'est pas gai. 114
Através dessas cartas, é possível notar que Maupassant revelava por
carta as suas dificuldades estéticas também à sua mãe, e não somente aos
colegas literatos. Em 1877, trata da redação de um romance que, segundo
alguns críticos citados por Louis Forestier, não deve ser Une vie, mas sim
algum outro romance que jamais publicou115: “Je travaille en ce moment
beaucoup à mon roman. Mais c'est rudement difficile, surtout pour la mise
en place de chaque chose et les transitions. Enfin dans quatre ou cinq mois
je serai bien avancé.”116
A leitura das cartas trocadas com Flaubert permite uma compreensão
maior acerca do contato desses dois autores, o que já a obra de Maupassant
deixa entrever. Se esse contato foi decisivo para a iniciação pública do
113MAUPASSANT, Guy de. Disponível em http://maupassant.free.fr/corresp/36.html Acesso em 10 de setembro de 2007. 114 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=47] Acesso em 11 de setembro de 2007. 115 Notas de Louis Forestier. In: MAUPASSANT, 1987, p. 1230-1231. 116 MAUPASSANT, Guy de. [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=74] Acesso em 11 de setembro de 2007.
escritor, não justifica, no entanto, sua qualidade literária intrínseca.
Enviadas entre 1873 e 1880 (ano em que morre Flaubert)117, as cartas
traduzem a relação estabelecida entre o discípulo e o mestre – como o próprio
Maupassant gostava de denominar a ambos –, iniciada em 1872, por
recomendação da mãe de Maupassant, que, como o irmão poeta, Alfred Le
Poitevin, era amiga de infância de Flaubert.118 Já nessa época, Maupassant
escrevia seus primeiros versos, que nada diziam ainda do seu talento, na
opinião de Flaubert, que incentivaria sempre o jovem escritor a encontrar a
sua veia artística, seja em cartas a Laure, seja ao próprio Maupassant.
Assim, em 23 de fevereiro de 1873, Flaubert escreve a Laure:
[...] é preciso encorajar seu filho no gosto que ele tem pelos versos, porque é uma nobre paixão, porque as letras consolam muitos infortúnios e porque ele terá talvez algum talento, quem sabe? Ele não produziu até agora o suficiente para que eu me permita fazer seu horóscopo poético; e depois, quem tem o direito de decidir o futuro de um homem? Acho nosso rapaz um pouco flâneur e mediocremente sério no trabalho. Gostaria de vê-lo produzir uma obra de fôlego, mesmo que fosse detestável. O que ele me mostrou equivale ao que é publicado pelos Parnasianos... Com o tempo, ele ganhará originalidade, uma maneira individual de ver e de sentir (é essa a questão); quanto ao resultado, ao sucesso, pouco importa! O principal nesse mundo é manter a sua alma em uma alta esfera, longe da lama burguesa e democrática. O culto da Arte dá orgulho, nunca é suficiente. Esta é a minha moral. 119
117 Maupassant escreveu cerca de cinquenta cartas e Flaubert, em resposta, noventa. Uma edição crítica desse material foi feita por Yvan Leclerc, pela editora Flammarion, infelizmente esgotada. Pela dificuldade de acesso a essa edição, dou como referência Correspondance à Gustave Flaubert, disponível em http://maupassant.free.fr. 118 Há igualmente cinco cartas de Laure endereçadas a Flaubert e escritas entre 1866 e 1878. Elas revelam grande intimidade entre a mãe e o escritor, de modo que se seguem pedidos de apoio e indicações para a inserção de Maupassant no meio literário. Apesar de se mostrar afável, Flaubert deixa o tempo responder à pergunta materna da carta de 1873, sobre a vocação literária do filho. Ao que veremos, só em 1880, com Boule de Suif, Flaubert se certifica do talento de Maupassant. ‘Lettres de Madame Laure de Maupassat à Gustave Flaubert”. Cf.: MAUPASSANT, 1908, p. IX-XXIII. 119 « […] il faut encourager ton fils dans le goût qu'il a pour les vers, parce que c'est une noble passion, parce que les lettres consolent de bien des infortunes et parce qu'il aura peut-être du talent : qui sait ? Il n'a pas jusqu'à présent assez produit pour que je me
Nos primeiros anos, entre 1876 a 1878, os assuntos das missivas
dividem-se entre os contatos editoriais conseguidos através de Flaubert para
as primeiras crônicas, estudos e poemas de Maupassant e os
agradecimentos. Mas, desde então, Maupassant deixa entrever algumas
convicções de jovem escritor contra os meios de publicação: “Or je vois par
mes yeux, je juge par ma raison et je ne dirai point que ce qui est blanc est
noir, parce que c'est l'avis d'un autre.”120
As cartas também servirão, até 1880, para agendar visitas à casa do
mestre, trocar informações sobre outros escritores, amigos e o meio editorial,
dar notícias de Laure, além de dar informações sobre a região normanda que
auxiliariam Flaubert na redação de Bouvard et Pécuchet. Em contrapartida,
Maupassant pede a opinião do amigo sobre os seus textos: em 1878, falam
de “Vénus rustique” e La trahison de La comtesse de Rhune; em 1879,
Histoire du vieux temps; em 1880, comentam os poemas de Des vers, alguns
elogiados (como “Le mur”), outros com grandes ressalvas de Flaubert, como
permette de tirer son horoscope poétique ; et puis à qui est-il permis de décider de l'avenir d'un homme ? Je crois notre jeune garçon un peu flâneur et médiocrement âpre au travail. Je voudrais lui voir entreprendre une œuvre de longue haleine, fût-elle détestable. Ce qu'il m'a montré vaut bien tout ce qu'on imprime chez les Parnassiens... Avec le temps, il gagnera de l'originalité, une manière individuelle de voir et de sentir (car tout est là) ; pour ce qui est du résultat, du succès, qu'importe ! Le principal en ce monde est de tenir son âme dans une région haute, loin des fanges bourgeoises et démocratiques. Le culte de l'Art donne de l'orgueil ; on n'en a jamais trop. Telle est ma morale. » Disponível em [http://flaubert.univ-rouen.fr/correspondance/conard/outils/1873.htm] Acesso em 15 de maio de 2008. 120 Nessa passagem da carta a Flaubert, de 8 de janeiro de 1877, Maupassant ataca o periódico La Nation, “cette feuille est radicalement imbécile, c’est le royaume des préjugés et du covenu, toute chose nouvelle les effarouchera comme idée et comme forme.” MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=59] Acesso em 08 de outubro de 2007.
“Désirs”; também falam da “obra-prima” Boule de Suif, profetizada por
Flaubert.121
A vida de funcionário público, levada por Maupassant entre 1878 e
1880, é muitas vezes tema de lamentação. Flaubert parece ocupar o papel
paternal de amigo mais velho e escritor experiente que dá diversos
conselhos, sobretudo sobre a vida boêmia de Maupassant e a necessidade de
dedicação do artista. Registro as passagens seguintes da carta de
Maupassant a Flaubert, de 3 de agosto de 1878, e a resposta de Flaubert, de
15 do mesmo mês, para fazer notar o grau de intimidade entre ambos e o
que os conselhos, aparentemente morais, referem-se, no fundo, à estética
que defendiam:
Je suis en ce moment en grande correspondance avec Mme Brainne, qui prend les eaux de Plombières. Elle m'envoie des encouragements, des exhortations à la patience et à la gaieté. Malheureusement, je n'en profite guère. Je ne comprends plus qu'un mot de la langue française, parce qu'il exprime le changement, la transformation éternelle des meilleures choses et la désillusion avec énergie, c'est: merde. Le cul des femmes est monotone comme l'esprit des hommes. Je trouve que les événements ne sont pas variés, que les vices sont bien mesquins, et qu'il n'y a pas assez de tournures de phrases. Je vous serre les mains et je vous embrasse, mon cher Maître.122
Eis a resposta de Flaubert, doze dias depois: […] Você reclama do sexo das mulheres dizendo que é “monótono”. Há um remédio bem simples, não fazer mais uso dele. “Os acontecimentos n ão são muito variados”. Isto é uma queixa realista, e, aliás, o que você sabe disso? Basta olhá-los de mais perto. Você nunca acreditou na existência das coisas? Tudo não é uma ilusão ? De verdade, só há “relações”, isto é, a maneira pela qual nós percebemos os objetos. “Os vícios são mesquinhos”, mas tudo é mesquinho !
121 Cf. FLAUBERT, Gustave. Disponível em [http://flaubert.univ-rouen.fr/correspondance/conard/outils/1880.htm] Acesso em 15 de maio de 2008. 122 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=a&num=98] Acesso em 08 de outubro de 2007.
“Não há muitas maneiras de dizer !” Procure e você encontrará. Enfim, meu caro amigo, você me parece bem chateado e seu tédio me aflinge, pois você poderia empregar seu tempo mais agradavelmente. É preciso, rapaz, trabalhar mais do que isso. Chego a suspeitar que você esteja ligeiramente calejado. Muitas putas! muita canoagem! muito exercício, sim, senhor ! O homem civilizado não tem tanta necessidade de locomoção quanto afirmam os médicos. Você nasceu para fazer versos, faça-os! “Todo o resto é vão” a começar pelos seus prazeres e sua saúde; coloque isso na sua cabeça. Aliás, sua saúde vai se dar bem seguindo sua vocação. Esta observação é de uma filosofia, ou melhor, de uma higiene profunda. Você vive em um inferno de merda, eu sei, e lamento do fundo do meu coração. Mas de 5 horas da tarde às 10 horas da manhã todo o seu tempo pode ser dedicado à musa, que é ainda a melhor das meretrizes.123
Em uma carta anterior, datada de 23 de julho de 1876, Flaubert já
aconselhava Maupassant justamente a se moderar no que considerava uma
vida distante da conveniente ao homem de letras: “Um homem que se
instituiu artista não tem mais o direito de viver como os outros.” 124
Se, por um lado, estes conselhos vieram em um momento precioso de
definição de vida do escritor, o qual, a partir de 1881, abandonaria de vez o 123 « [...] Vous vous plaignez du cul des femmes qui est « monotone ». Il y a un remède bien simple, c'est de ne pas vous en servir. « Les événements ne sont pas assez variés. » Cela est une plainte réaliste, et d'ailleurs qu'en savez-vous ? Il s'agit de les regarder de plus près. Avez-vous jamais cru à l'existence des choses ? Est-ce que tout n'est pas une illusion? Il n'y a de vrai que les « rapports », c'est-à-dire la façon dont nous percevons les objets. « Les vices sont mesquins », mais tout est mesquin ! « Il n'y a pas assez de tournures de phrases ! ». Cherchez et vous trouverez. Enfin, mon cher ami, vous m'avez l'air bien embêté et votre ennui m'afflige, car vous pourriez employer plus agréablement votre temps. Il faut, entendez-vous, jeune homme, il faut travailler plus que cela. J'arrive à vous soupçonner d'être légèrement calleux. Trop de putains ! trop de canotage ! trop d'exercice ! oui, monsieur! Le civilisé n'a pas tant besoin de locomotion que prétendent les médecins. Vous êtes né pour faire des vers, faites-en ! « Tout le reste est vain » à commencer par vos plaisirs et votre santé ; foutez-vous cela dans la boule. D'ailleurs votre santé se trouvera bien de suivre votre vocation. Cette remarque est d'une philosophie ou plutôt d'une hygiène profonde. Vous vivez dans un enfer de merde, je le sais, et je vous en plains du fond de mon coeur. Mais de 5 heures du soir à 10 heures du matin tout votre temps peut être consacré à la muse, laquelle est encore la meilleure garce. » FLAUBERT, Gustave. Disponível em [http://flaubert.univrouen.fr/correspondance/conard/lettres/lettres1.html] Acesso em 03 de agosto de 2007. 124 « Un homme qui s’est institué artiste n’a plus le droit de vivre comme les autres. » FLAUBERT, Gustave. Disponível em [http://flaubert.univrouen.fr/correspondance/conard/lettres/lettres1.html] Acesso em 03 de agosto de 2007.
emprego público para viver da e para a literatura, por outro lado, tal
possibilidade de viver de suas produções só foi possível com a publicação de
sua obra e de seu engajamento na vida literária e jornalística da época.
Se a relação com Flaubert foi decisiva e harmônica para Maupassant,
Émile Zola, muitas vezes mencionado nessas cartas e com quem
Maupassant também se correspondia, parece ter sido, sobretudo, um
contato que lhe foi conveniente. A primeira publicação de sucesso de
Maupassant foi Boule de Suif, novela inserida no volume intitulado Les
Soirées de Médan, publicado em 17 de abril de 1880 e cujo foco estava no
nome de Émile Zola.
O estudo de Brigitte Hervot sobre as cartas dos dois escritores mostra-
nos que se travou um relacionamento generoso entre Zola e Maupassant,
ambos se felicitando sempre diretamente; mas Maupassant, por vezes,
lançou, em cartas a outros destinatários, farpas indiretas ao amigo, que
parece nunca ter se ressentido disso.125 Interessa ressaltar o fato de que
Maupassant se mostrava diplomático nas suas relações literárias, o que
contribuiu para a sua fácil ascensão no meio. Entretanto, desde o início,
expôs os seus princípios estéticos, mesmo que com isso afetasse amigos já
célebres, cujos lugares no campo literário francês já estavam estabelecidos.
Por essa razão, vemo-lo criticar o naturalismo de Zola e a escritura artista
dos Goncourt no prefácio “Le Roman”, publicado em sete de janeiro de 1888,
125 Cf. HERVOT, Brigitte. Maupassant: um amigo e um crítico de Zola. Patrimônio e Memória: Acervos pessoais. Biografias, autobiografias e diários: memórias de si. São Paulo: UNESP – FCLAs – CEDAP, v.3, n°1, 2007, p. 1-15.
no jornal Le Figaro, sem intencionar nenhuma rivalidade pessoal com
aqueles que, nas cartas, chamava de mestres e amigos.
Da mesma maneira que ouviu os conselhos desses escritores,
Maupassant, em carta de 17 de julho de 1886, a um jovem literato, Maurice
Vaucaire, teceu também seus ensinamentos:
Monsieur, établir les règles d'un art n'est pas chose aisée, d'autant plus que chaque tempérament d'écrivain a besoin de règles différentes. Je crois que pour produire, il ne faut pas trop raisonner. Mais il faut regarder beaucoup et songer à ce qu'on a vu. Voir : tout est là, et voir juste. J'entends par voir juste, voir avec ses propres yeux et non avec ceux des maîtres. L'originalité d'un artiste s'indique d'abord dans les petites choses et non dans les grandes. Des chefs-d'œuvre ont été faits sur d'insignifiants détails, sur des objets vulgaires. Il faut trouver aux choses une signification qui n'a pas encore été découverte et tâcher de l'exprimer d'une façon personnelle. Celui qui m'étonnera en me parlant d'un caillou, d'un tronc d'arbre, d'un rat, d'une vieille chaise, sera, certes, sur la voie de l'art et apte, plus tard, aux grands sujets. On a trop chanté les aurores, les soleils, les rosées et la lune, les jeunes filles et l'amour, pour que les derniers venus n'imitent pas toujours quelqu'un en touchant à ces sujets. Et puis, je crois qu'il faut éviter les inspirations vagues. L'art est mathématique, les grands effets sont obtenus par des moyens simples et bien combinés. Chateaubriand a dit : « Le génie n'est qu'une longue patience. » Je crois que le talent n'est qu'une longue réflexion, étant donné qu'on a l'intelligence. Certes, vous avez des dons poétiques, un esprit qui reçoit bien les impressions, qui se laisse bien pénétrer par les objets et les idées. Il ne vous faudrait, à mon humble avis, qu'une tension de réflexion pour utiliser pleinement vos moyens en évitant surtout les pensées dites poétiques, et en cherchant la poésie dans les choses précises ou méprisées, ou peu d'artistes ont été la découvrir Mais surtout, surtout, n'imitez pas, ne vous rappelez rien de ce que vous avez lu ; oubliez tout, et (je vais vous dire une monstruosité que je crois absolument vraie), pour devenir bien personnel, n'admirez personne.
Il est difficile, en cinquante lignes, de parler de ces choses sans avoir l'air pédant, et je m'aperçois que je n'ai pas évité l'écueil.[...] 126
Ao ler fragmentos de algumas de suas cartas, destinadas a familiares,
amigos e a outros escritores, foi possível observar a importância da
correspondência no conjunto da Obra de Maupassant, uma vez que o autor
revela, não apenas os seus princípios estéticos – como evidenciado na carta
ao jovem Maurice Vaucaire, por exemplo –, mas também as dificuldades
provocadas pelo fazer literário, como visto no fragmento da carta de 1877,
destinada a sua mãe. Por essa razão, pareceu-me de significativa
importância a presença deste estudo acerca de sua correspondência, neste
capítulo, no qual tive a intenção de abordar de maneira geral os gêneros
discursivos aos quais Maupassant se dedicou ao longo de sua carreira.
126 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=415] Acesso em 10 de abril de 2008
4 - MAUPASSANT, CARREIRA E POSICIONAMENTO
Na década de 1960, Pierre Bourdieu, um dos principais sociólogos do
século XX, desenvolve a teoria dos campos, com o objetivo de “escapar à
alternativa da interpretação interna e da explicação externa, diante da qual
se achavam colocadas todas as ciências das obras culturais, história social e
sociologia da religião, do direito, da ciência, da arte ou da literatura”. 127
Em Questões de sociologia (1983), Bourdieu havia definido campo(s)
como:
[...] espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes [...]. Há leis gerais dos campos: campos tão diferentes como o campo da política, o campo da filosofia, o campo da religião possuem leis de funcionamento invariantes.128
Um campo seria, portanto, definido a partir dos conflitos e das tensões
no que diz respeito à sua própria delimitação. É constituído por redes de
relações ou de oposições entre os atores sociais que são seus membros. A
passagem acima citada esclarece ainda que cada campo possui certa
autonomia e suas próprias regras de organização e de hierarquia social.
Assim, um indivíduo age ou joga segundo a sua posição social neste espaço
delimitado.
A partir dessa teoria, percebe-se que o que existe, na verdade, é um
espaço de forças estruturado e estruturante que determina a capacidade de
ação e de decisão de quem dele participa, e não um sujeito livre, agindo
127 BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996b, p. 207. 128 BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Trad. Jeni Vaitsman. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 89.
conforme sua vontade individual. Então, é contra certa concepção de
autonomia do sujeito que Bourdieu se posiciona, preferindo falar de campo
relativamente autônomo.129 No entanto, ao mesmo tempo que goza da
autonomia do campo, o sujeito não está engessado em uma estrutura
imutável, possui espaço para a criação de novos valores, o que promove o
constante redimensionamento do campo.130
Um outro aspecto importante a ser notado nessa teoria dos campos é
a visão que se possui do espaço literário como um conjunto de práticas que
se autodefinem e auto-regulam. A literatura é considerada uma instituição,
uma prática que diz respeito não só ao escritor, mas ao conjunto de agentes
envolvidos na produção, reconhecimento e consumo dos bens simbólicos. A
produção literária de uma determinada época e sociedade seria, portanto,
baseada em concepções fundadas em valores reconhecido pela coletividade.
Em As Regras da arte, o sociólogo evidencia que o campo literário,
espaço social que reúne diferentes grupos de literatos, romancistas e poetas
que mantêm relações determinadas entre si e também com o campo do
poder, estabeleceu sua autonomia ao longo do século XIX, como resultado de
um intenso esforço por parte de alguns criadores, visando romper com as
formas de dependência social e econômica.131
Adotando como base de seu estudo o campo literário da França de
meados do século XIX, Bourdieu observa que seus participantes se
encontravam em simultâneas relações de concorrência e solidariedade entre
129 BOURDIEU, 1996b, p. 162. 130 Idem. 131 Cf. Ibidem, p. 78.
si, o que determinava sua produção literária. Ele demonstra que as variações
nas tomadas de posição dos artistas e literatos correspondiam às alterações
do relacionamento existente entre os artistas e os campos econômico e
político. Tal demonstração explicita as condições sociais de possibilidade de
emergência destes grupos, invalidando, assim, a concepção romântica do
artista como um gênio.
Desse modo, sobretudo a partir do golpe de estado de Luís Napoleão
Bonaparte, que instaurou o Segundo Império, haveria os defensores de uma
arte social, que acreditavam na produção artística como expressão dos
conflitos existentes na sociedade, coexistindo com os defensores da arte pela
arte, que priorizavam as questões da linguagem artística em detrimento dos
conteúdos abordados, em nome de uma pesquisa sempre renovada da
linguagem. Haveria, ainda, os literatos que encaminhavam sua produção
diretamente ao mercado (os artistas burgueses), que produziam obras de
consumo imediato, com bom retorno financeiro, mas sem maiores
preocupações substantivas ou formais. 132
Bourdieu se interessa principalmente pelos defensores da arte pela
arte, como Gustave Flaubert e Charles Baudelaire, e explicita a existência de
determinações de classe subjacentes que operavam nas tomadas de posição
dos diferentes participantes deste campo. Se os defensores da arte social
eram, em sua grande maioria, membros das classes médias ou populares, os
defensores da arte pela arte vinham de camadas mais abastadas da
132 Cf. Ibidem, p. 89-91.
sociedade francesa e precisavam esperar por um reconhecimento material e
simbólico de seu trabalho.
Partindo-se do pressuposto de que condições sociais distintas tendem
a produzir disposições distintas nos indivíduos de uma sociedade, ter-se-ia
como conseqüência a produção de um habitus de classe, isto é, grupos que,
partilhando certas características em comum, se articulam por esta via
indireta com as diferentes posições objetivas das classes sociais.
O habitus seria um mediador entre as chamadas condições objetivas
que regem o funcionamento de certa sociedade (a existência de um mercado,
que pressupõe a divisão entre trabalho material e intelectual, o estágio em
que se encontram as relações entre as classes sociais e a esfera política, etc.)
e as aptidões subjetivas dos indivíduos que constituem esta sociedade,
concebidas, por estes últimos, como talentos inatos. A existência do habitus
mostra-se, então, ao mesmo tempo, condição de existência de um
determinado campo e produto de seu funcionamento dentro de uma
estrutura específica. Para Bourdieu:
A estrutura do campo é um estado da relação de força entre os agentes ou as instituições engajadas na luta ou, se preferirmos, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratégias ulteriores. Esta estrutura, que está na origem das estratégias destinadas a transformá-la, também está sempre em jogo: as lutas cujo espaço é o campo têm por objeto o monopólio da violência legítima (autoridade específica) que é característica do campo considerado, isto é, em definitivo, a conservação ou a subversão da estrutura da distribuição do capital específico.133
Ao analisar o romance A educação sentimental, de Gustave Flaubert,
Bourdieu conclui que: 133 BOURDIEU, 1983, p. 90.
[...] a estrutura da obra, que uma leitura estritamente interna traz à luz, ou seja, a estrutura do espaço social no qual transcorrem as aventuras de Frédéric [personagem central de A educação sentimental], é também a estrutura do espaço social no qual seu próprio autor estava situado.134
A partir de uma análise sociológica, portanto, Bourdieu evidencia que
haveria uma relação de homologia entre o texto literário e o espaço social em
que ele foi produzido. A obra passa, portanto, a ser compreendida dentro de
suas condições sociais de produção, possibilitadas pela estrutura do campo
literário em um determinado momento. Assim, a fim de ratificar essa
relação, Bourdieu demonstra que o comportamento do jovem protagonista de
A educação sentimental, Frédéric, é marcado por tensões, uma vez que oscila
entre espaços sociais distintos: o personagem circula entre os salões de
empresários e também nas reuniões dos literatos intelectualizados:
Resta Frédéric. Herdeiro que não quer tornar-se o que é, ou seja, um burguês, ele oscila entre estratégias mutuamente exclusivas e, à força de recusar os possíveis que lhe são oferecidos [...] acaba por comprometer todas as suas possibilidades de reprodução. 135
O espaço social em que circula Frédéric seria, segundo Bourdieu,
homólogo àquele em que se encontrava Flaubert. Ao criar o romance,
Flaubert recria o campo literário e artístico em um momento preciso,
estruturado como um sistema de relações objetivas constituinte do espaço
de concorrência que opõe diferentes agentes, que se posicionam dentro do
campo a partir de fatores como trajetórias pessoais e sociais, disposições e
escolhas dentro dos espaços possíveis. Assim sendo, a posição ocupada por
134 BOURDIEU, 1996b, p. 17. 135 Ibidem, p. 33.
determinado autor ou artista no campo de produção associa-se à trajetória
social que o conduziu a essa posição.
A análise de uma obra e de suas condições de produção passaria, de
acordo com uma lógica relacional, pela análise das relações entre os
diferentes agentes engajados na vida intelectual – autores e críticos, autores
e editores -, mas implicaria também no exame das relações objetivas, bem
menos evidentes, entre as posições relativas que uns e outros ocupam no
campo, ou seja, na análise da estrutura que determina a forma das
interações.136
Ao se entender o campo de produção dos textos e seus agentes como
integrados ao meio social, torna-se também necessário que se entendam as
relações entre a comunidade que ocupa determinado espaço para, assim,
descobrir os códigos e costumes que determinam a vida em comunidade, que
pode ser marcada por conflitos, às vezes, não aparentes. As obras seriam,
então, para Bourdieu, resultantes de um processo de práticas, que têm no
contexto social o elemento imprescindível para a sua existência,
indissoluvelmente ligado à sua inserção histórica. O sujeito está, portanto,
presente na produção do texto.
Desse modo, parece fundamental, ao se analisar a obra de um
determinado escritor, levar em consideração a articulação entre a sua
trajetória e o conceito de campo ou de espaço social. Trata-se de conceber a
idéia de que o indivíduo é capaz de produzir mudanças, de que esse
indivíduo tem a possibilidade de agir segundo a sua posição social e o valor
136 Cf. Ibidem, p. 208.
de seu capital simbólico acumulado. Ou de manter-se fiel às práticas sociais
e submisso às leis do funcionamento do campo. Enfim, não se pode pensar a
trajetória de um escritor sem situá-la, de forma relacional, dentro do espaço
global ou específico no qual se encontra, em sua relação com outros agentes
e forças institucionais que constituem o campo.
4.1 Guy de Maupassant e sua trajetória
O conceito de trajetória, segundo Pierre Bourdieu, define-se como a
“série de posições sucessivamente ocupadas por pelo mesmo escritor em
estados sucessivos do campo literário [...]”.137 Ao se pensar a trajetória
literária de Maupassant, é possível observar essa vinculação entre seus
posicionamentos sucessivos ao longo de sua carreira literária e jornalística e
os espaços sociais que freqüentava. Há uma relação direta entre os diversos
momentos da trajetória do escritor com seus posicionamentos e adesões e as
instâncias enunciadoras de suas produções em gêneros e meios variados.
De acordo com Dominique Maingueneau, esses posicionamentos não
são considerados apenas “doutrinas estéticas mais ou menos elaboradas;
são indissociáveis das modalidades de sua existência social, do estatuto de
seus atores, dos lugares e práticas que eles investem e que os investem”.138
Posicionar-se no âmbito de um campo literário, isto é, numa configuração
relativamente autônoma de práticas discursivas que delimitam certa região
no universo do discurso, seria então, colocar em relação certa tomada de
137 BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. (Trad. Mariza Corrêa). São Paulo: Papirus, 1996a, p. 71. 138 MAINGUENEAU, 2006, p. 151.
palavra, legitimada, no caso, pela realização ou publicação de uma obra,
com um percurso, uma trilha já aberta, ou fundada no próprio gesto da
enunciação dessa obra.
Como visto anteriormente, Maupassant passou sua infância e boa
parte de sua juventude na Normandia, espaço enunciativo constante em sua
obra. Assim como optava por situar a maior parte de suas histórias na
região normanda, também optava por criar personagens baseados em tipos
característicos que conhecera. Mesmo mais tarde, já instalado em Paris, não
deixou de voltar periodicamente à região para visitar sua mãe,
estabelecendo, dessa maneira, contatos com tipos locais, como fidalgos e
nobres, pequenos camponeses, caçadores e pescadores, que serviram de
modelo para os diversos personagens das narrativas que compuseram Miss
Hariet, coletânea de doze narrativas publicadas nos periódicos Gil Blas e Le
Gaulois, de maio de 1883 a abril de 1884.
Assim que se mudou para Paris para estudar direito, foi surpreendido
pela guerra franco-prussiana, durante a qual foi mobilizado, embora não
tenha participado efetivamente das batalhas, pois seu pai conseguiu que
fosse dispensado, podendo, assim, retornar a Paris. O episódio da invasão
prussiana na Normandia está presente em boa parte de sua vasta obra,
destacando-se na novela Boule de Suif, que o consagrou no meio literário.
Acredita-se que o tio de Maupassant, Charles Cord’homme (1825-
1905), tenha lhe contado uma história verídica que acabaria sendo o tema
da novela. Ele teria conhecido Adrienne Legay (1841-1892), jovem que teria
se instalado em Ruão aos vinte anos, tendo optado por se prostituir depois
de ter sido amante de um oficial de cavalaria e em seguida, de um
comerciante da cidade. Alguns anos mais tarde, Maupassant retomaria essa
história para criar a prostituta bonapartista Boule de Suif, personagem
eponimo da novela.139
Nessa experiência, Maupassant não deixou de perceber os valores e
ideais de sua época, procurando explorar as mazelas humanas, com seus
desejos e podridões, como mostra no conto. Nele, o narrador questiona a
incoerência da guerra e dos homens que a praticam, e que, para isso,
rompem ensinamentos religiosos e a própria razão humana:
(...) o exército glorioso que trucida os que se defendem, aprisiona os restantes, saqueia em nome da Espada e rende graças ao seu Deus, ao troar dos canhões – são todos uns horrorosos, flagelos que desconcertam qualquer crença na Justiça Eterna, qualquer confiança que nos ensinaram a ter na proteção do Céu e na razão do Homem. 140
Com o sucesso de Boule de Suif, em 1880, Maupassant atinge o status
de escritor renomado, posicionando-se no campo literário como um fiel
observador da realidade de seu tempo, trabalhando com os possíveis que lhe
permitiam o campo literário, e se estabelecendo nele como um dos grandes
contistas da época.
No que diz respeito à questão do status, Bourdieu explicita que a sua
busca por indivíduos ou grupos dentro do campo literário sempre está
presente, uma vez que a constituição de um campo artístico se dá na
disputa, no reconhecimento entre seus pares e na criação de uma estrutura
autônoma capaz de julgar e avaliar quem pode ou não participar daquilo que
139 Cf. MONGLOND, op. cit, p. 116. 140 MAUPASSANT, Guy de. Bola de Sebo e Outros contos. Trad. Mário Quintana, Casimiro Fernandes. Rio de Janeiro: Globo, S. A. 1987, p. 9.
será chamado de arte. No caso da literatura, trata-se da criação de regras
que permitam ver um texto literário como digno de ser um objeto artístico e,
portanto, digno da posteridade. O escritor buscaria, portanto, o status e,
conseqüentemente, a acumulação do que Bourdieu denomina de capital
simbólico, isto é, reconhecimento artístico frente aos outros escritores e à
sociedade. Assim sendo, o capital simbólico permite que um indivíduo
desfrute de uma posição de proeminência frente a um grupo, e tal
proeminência é reforçada pelos signos distintivos que reafirmam a posse
deste capital, por ser um tipo de bem que permite um reconhecimento
imediato da dominação do elemento que o possui sobre os demais elementos
do campo.
No caso de Maupassant, o sucesso junto ao público leitor,
impulsionado pela vendagem dos jornais e revistas, o reconhecimento de
seus pares fazem com que o capital simbólico adquirido ao longo de sua
trajetória se converta em capital econômico. Visando uma melhor
compreensão de como essa conversão de capitais aconteceu para
Maupassant, segue um exemplo relativo às suas mudanças de moradia: de
1869 a 1876, Maupassant ainda vivia na casa do pai, mais tarde, já tendo
iniciado sua carreira literária, mudou-se para um pequeno apartamento de
dois cômodos, passando, então, a morar sozinho. Em 1880, sobretudo após
a publicação de Boule de Suif, mudou-se novamente, mas desta vez, para
um apartamento de três cômodos, no segundo andar. Em seguida, de 1884 a
1889, instalou-se em uma mansão particular de três andares, em estilo
gótico, construída em 1880 pelo primo Louis Le Poittevin, a quem pagava os
aluguéis. Nesta casa, Maupassant estava instalado no térreo, o que, na
época, evidenciava uma posição privilegiada na hierarquia das classes
sócias.141
A existência e a manutenção de um campo literário se dão pela
constante tensão entre seus pares, pela necessidade de afirmação e
reconhecimento interno e externo. Interno em relação a seus pares e
concorrentes e, externo em relação aos meios de divulgação que, no caso da
França, na segunda metade do século XIX, era praticamente representada
pela imprensa, que avançava cada vez mais tecnologicamente, como será
visto no próximo capítulo, consagrado à carreira jornalística de Maupassant.
Assim, constata-se que, ao abandonar a sua carreira no Ministério público e
optar pela carreira de jornalista, Maupassant buscava o reconhecimento,
propiciado pelas publicações de seus textos em importantes jornais.
Buscava, além do prestígio social, uma recompensa financeira, ou seja, nas
palavras de Bourdieu, capital econômico. Em suma, é possível afirmar que o
capital simbólico, enquanto elemento indicador de prestígio, pode ser
convertido em dado momento em capital cultural ou econômico, na medida
em que os acessos a estas outras modalidades de capital são facultados pelo
efeito de valorização exercido pelo indivíduo detentor deste capital. No caso
de Maupassant, a partir do momento em que se consagra no campo literário
como escritor, através de suas inúmeras colaborações com alguns dos mais
importantes periódicos de sua época, como Le Figaro, Gil Blas e Le Gaulois,
nota-se que ele passa a ser detentor de um capital simbólico significativo,
141 Cf. MONGLOND, op. cit, p. 37-39.
circulando cada vez mais em diferentes salões literários e produzindo
inúmeros textos para dar conta das variadas demandas dos mais diversos
periódicos, o que servia, na verdade, para que o próprio autor divulgasse as
suas produções, defendesse a sua posição estética e se firmasse cada vez
mais no campo literário.
Assim sendo, suas contribuições regulares com os jornais deram-lhe
autoridade para escrever contos, crônicas e romances, sem ser questionado
como escritor, abusando de uma escrita simples, marcadamente irônica e
considerada, inúmeras vezes, fria, por querer retratar a vida tal qual ela se
apresentava.
4.2 - Maupassant periodista
Em 1878, incitado por Émile Zola a colaborar com o periódico francês
Le Gaulois – já que era um bom meio de obter êxito financeiro –, Maupassant
inicia sua carreira de jornalista.
Ainda que Flaubert, seu padrinho literário, não mostrasse interesse
pelo jornalismo enquanto profissão, seu apoio foi significativo para
Maupassant, no momento em que este decidiu abandonar seu emprego de
funcionário público para se dedicar à carreira jornalística, uma vez que
Flaubert já era um autor prestigiado e muito conhecido nos principais
veículos de comunicação da época. Maupassant via na imprensa um meio
através do qual poderia prosperar na sociedade, bem como participar dos
círculos literários e intelectuais que já havia conhecido por meio de Gustave
Flaubert.
Ao alívio e satisfação sentidos por Maupassant quando tomou a
decisão de trocar seu posto de funcionário público do Ministério da Marinha
pelo de jornalista se uniu a certeza de que o jornalismo era um meio
privilegiado para se observar a realidade. O escritor logo observou que esta
posição particular sobre a realidade não era implícita ao exercício
periodístico, mas que o periodista deveria conquistar este lugar privilegiado
através de seu pensamento e, sobretudo, de sua maneira de olhar, como
evidenciou em um fragmento de uma carta escrita a Maurice Vaucaire:142
Je crois que pour produire, il ne faut pas trop raisonner. Mais il faut regarder beaucoup et songer à ce qu'on a vu. Voir : tout est là, et voir juste. J'entends par voir juste, voir avec ses propres yeux et non avec ceux des maîtres. L'originalité d'un artiste s'indique d'abord dans les petites choses et non dans les grandes.143
Esta maneira de entender o trabalho do periodista devia-se também à
aparição de uma nova figura nos periódicos: o repórter. Com a reportagem,
impôs-se aos periodistas um novo comportamento: diferentemente do
sedentarismo tradicional dos homens da imprensa, os repórteres deveriam
estar presentes nos lugares dos acontecimentos para assim, darem conta da
realidade. A principal missão do repórter foi aprender a olhar de forma exata
e precisa. Assim, em seis de julho de 1881, Maupassant foi enviado para a
África do Norte, como repórter do Gaulois, para estudar, durante pouco mais
142 A carta em sua quase totalidade se encontra no presente estudo, na seção 3.6 dessa dissertação. 143 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=415] Acesso em 10 de abril de 2008
de um mês, as condições do colono e do nativo e também se informar sobre
uma possível insurreição.144 Mas, como ele mesmo evidenciou, a viagem
parece ter significado mais do que apenas um trabalho: « Le voyage est une
espèce de porte par ou l’on sort de la réalité comme pour pénétrer dans une
réalité inexplicable qui semble un revê. »145
Para Maupassant, o trabalho do escritor e do periodista eram
distintos. Entretanto, seus textos publicados em periódicos continham
traços de suas obras literárias e de sua experiência enquanto escritor. Assim
como suas crônicas e reportagens foram marcadas pelo literário, suas obras
de ficção apresentaram vínculo estreito com o jornalismo.
Muitas das idéias e dos personagens apresentados pelo escritor em
suas crônicas, freqüentemente publicadas nos diversos periódicos da época,
não caíram no esquecimento, uma vez que, na maioria das vezes, tais idéias
se repetiam de maneira mais desenvolvida, compondo as tramas de seus
contos e novelas, nos quais os personagens reapareciam como protagonistas.
Assim, Bel-Ami, novela publicada no Gil Blas, entre 6 de abril e 30 de maio
de 1885, é considerada uma síntese do que Maupassant já havia publicado
em suas crônicas no período de 1881 a 1884.146
De 1876 a 1884, a participação de Maupassant na imprensa foi
constante. Dentre os periódicos e revistas com os quais Maupassant
colaborava, destacam-se : L’Écho de Paris, Le Figaro, Le Gaulois, Gil Blas, La
Mosaïque, La Nouvelle Revue, Panurge, La Réforme Politique et Littéraire, La
144 Cf. MONGLOND, op. cit., p. 234. 145 MAUPASSANT apud idem. 146 Cf. LE BLAY, Frédéric. Guy de Maupassant. Bel Ami. Rosny: Bréal, 1999,p. 23.
République Française, La République des Lettres, La Revue Bleue, La Revue
des Deux Mondes, La Revue Indépendante, La Revue Politique et Littéraire e
La Vie Moderne.
Em apenas cinco anos, desde seu primeiro texto publicado, em 1876
no periódico La République des Lettres, até as publicações de suas crônicas
no Gil Blas, em 1881, Maupassant conseguiu se destacar, tanto na
imprensa, quanto nos principais círculos literários de sua época.
A sua boa relação com Zola, a quem foi apresentado por Flaubert,
ajudou-o a entrar para a equipe de redatores de La République des Lettres.
Nesta revista, considerada naturalista e dirigida pelo poeta Catulle Mendès
(1841-1909), Maupassant teve a oportunidade de publicar dois textos: o
poema Au bord de l’eau, em 20 de março de 1876, e um artigo dedicado a
Flaubert, em 25 de outubro do mesmo ano, em que prestigia o autor de
Madame Bovary, como ele mesmo explicita, em uma carta a Maupassant, no
mesmo dia da publicação do artigo:
Obrigado pelo seu artigo, meu caro amigo. Você me tratou com um carinho filial. Minha sobrinha está entusiasmada com a sua obra. Ela acha que é o que se escreveu de melhor sobre o seu tio. Eu penso, mas não ouso dizer. 147
Um mês depois, em novembro do mesmo ano, portanto, o escritor
abandonou La République des Lettres, ingressando em La Nation, periódico
dirigido por Raoul Duval (1832-1887), no qual Maupassant publicou, entre
outros textos, o artigo Balzac d’après ses lettres, em 22 de novembro de
147 « Merci pour votre article, mon cher ami. Vous m’avez traité avec une tendresse filiale. Ma nièce est enthousiasmée de votre oeuvre. Elle trouve que c’est ce qu’on a écrit de mieux sur son oncle. Moi, je le pense, mais je n’ose pas le dire. » FLAUBERT, Gustave.http://flaubert.univ-rouen.fr/correspondance/conard/lettres/lettres1.html. Acesso em 20 de maio de 2007.
1876, e Les poètes français au XVIe siècle, em 17 de janeiro de 1877. Já em
1878, o escritor procurou colaborar regularmente com Le Gaulois, mas o
jornal publicou apenas um poema, La Dernière escapade, em 19 de março de
1878. Somente dois anos mais tarde, em 1880 portanto, Maupassant passou
a contribuir de maneira regular com Le Gaulois, periódico mais conservador
do que La Nation, fundado em 1868 pelo jornalista Edmond Tarbé des
Sablons (1838-1900), em Paris.148 Inicialmente, sob a direção de Edmond
Tarbé, o periódico apresentava uma tendência política centro-esquerdista e
tinha publicação cotidiana, sendo considerado como um dos periódicos que
mais circulavam na alta sociedade parisiense. Apoiando a existência de um
Estado centralizado no interesse do povo a partir de posições políticas
esquerdistas, Le Gaulois defendia a independência nacional. Algum tempo
depois, o jornalista Arthur Meyer (1844-1924) tornou-se proprietário do
periódico, fazendo deste o órgão oficial do príncipe imperial, o filho de
Napoleão III.149 Com a morte do príncipe, em 1879, Arthur Meyer decide
fundir Le Gaulois com Le Clairon e Le Paris-Journal, a fim de criar um novo
Gaulois monarquista, conservador e literário da alta sociedade. Novidades
sobre a alta sociedade, a vida nos salões parisienses, contos e novelas
estavam mais presentes nesse periódico do que a política e as noticias do
cotidiano.
Essencialmente lido pela aristocracia e alta burguesia, poderoso
politicamente, mais pelo seu público-leitor do que pelo seu engajamento, Le
Gaulois chegou a ser mais prestigiado do que o agressivo Le Figaro (1825), 148 Cf. MONGLOND, op. cit., p. 29. 149 Cf. idem.
conhecido pelo talento dos redatores Villemot, Aurélien Scholl, Edmond
About, Albert Wolff. Em 1929, Le Gaulois seria finalmente absorvido por Le
Figaro.
Em 1880, Arthur Meyer ofereceu 500 francos por mês a Maupassant
para que ele colaborasse com um artigo por semana.150 A colaboração do
autor com este periódico se deu de maneira regular de maio de 1880 até
1887, com a produção de um ou dois artigos por semana, além de crônicas e
contos assinados com seu próprio nome. Encontravam-se no periódico os
contos de Maupassant cujas histórias remontam ao século XVIII (Jadis, Une
veuve, Le loup, Menuet), os que se referiam à guerra de 1870 (La folle, Walter
Schnaffs, Père Milton, Mère Sauvage, Un duel), ou cujos temas principais
eram o medo (La peur, L’apparition, L’Horrible), a felicidade (L’enfant, Le
pardon) ou a infelicidade (Par un soir de printemps, La rempailleuse, Yvelin
Samoris, Miss Hariet).
Talvez se possa afirmar que nesse intervalo de sete anos de intensa
colaboração com Le Gaulois, Maupassant tenha vivido uma de suas
experiências mais enriquecedoras como redator, já que nesse período foi
enviado como correspondente internacional, pela primeira vez, ao norte da
África. Entretanto, sua relação com Arthur Meyer não parece ter sido fácil e
a falta de entendimento entre os dois provocou a saída de Maupassant do
jornal, no final de 1881.151
150 Cf. idem. 151 Cf. idem.
Ilustração 2
Primeira página do primeiro número do periódico Le Gaulois, publicado em 5 de julho de 1868.152
152 Imagem disponível no site Site http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k519137q Acesso em 15 de julho de 2008.
Ainda colaborando com Le Gaulois, Maupassant foi aceito em La
Nouvelle Revue que, como outros periódicos da época, concorria com a Revue
des deux mondes, fundada em 1829 por Prosper Mauroy et Ségur-Dupeyron,
que tinha como principais colaboradores os escritores franceses Honoré de
Balzac, Alfred Vigny, Charles Augustin Sainte-Beuve e George Sand.
Editado em Paris, fundado e dirigido pela romancista e memorialista
republicana Juliette Lamber em 1o de outubro de 1879, era publicado, pela
primeira vez, o periódico francês bimensal La Nouvelle Revue, vendida, em
1899, a Pierre-Barthélemy Gheusi, primo distante de Léon Gambetta,
advogado e político que contribuiu para a queda do Segundo Império, em
favor da República. Juliette Lamber, viúva de Edmond Adam – deputado da
esquerda republicana e mais tarde senador –, mantinha um salão literário
freqüentado por escritores e políticos da Terceira República como Adolphe
Thiers, Eugène Pelletan, Gabriel Hanotaux, Edmond About, Louis Blanc,
Alphonse Daudet, Camille Flammarion, Georges Clemenceau, o editor Jules
Hetzel, Sully Prudhomme, Émile de Girardin, Gustave Flaubert, Louis de
Ronchaud, Gaston Paris, Victor Hugo, Guy de Maupassant, Ivan
Tourguéniev e Aurélien Scholl. Dentre os freqüentadores desse cenáculo
republicano, expressamente em oposição a Napoleão III, destacava-se a
figura de Gambetta. No entanto, com sua ascensão à presidência da Câmara
dos Deputados, sua presença nas reuniões realizadas no salão de Juliette
Lamber se tornou menos assídua.
O primeiro número do periódico francês esclarecia em seu editorial, À
Nos Lecteurs, inserido na seção Política e escrito por Juliette Lamber, qual
seria o seu principal propósito. Ao iniciar seu texto com a frase “Cada século
tem a sua obra, cada período de século tem a sua tarefa”,153 Juliette Lamber
incita os leitores a participarem, cada vez mais ativa e racionalmente, da
realidade social em que se inserem, mostrando que é através de métodos
empíricos que a ciência, seja ela social, política ou econômica, se desenvolve.
Acreditando na existência de “virtudes hereditárias”154, Juliette Lamber
recorre, ao longo de todo o texto, a alguns intelectuais de épocas passadas
que tiveram sua trajetória marcada por grandes descobertas, como o
matemático e filósofo grego da escola jônica Tales; o filósofo francês René
Descartes; o matemático, físico e astrônomo inglês Isaac Newton; o
naturalista e escritor francês Georges Louis Leclerc Buffon e o médico
francês, fundador da anatomia geral, Marie François Xavier.
Para a fundadora da revista, era preciso continuar a luta pelos ideais
de progresso e patriotismo, sustentada por ela desde 1870. Assim sendo,
desejando oferecer aos seus leitores uma revista que veiculasse ideais e
opiniões de maneira dinâmica, Juliette Lamber optou por recrutar seus
colaboradores em meio a jovens escritores, dentre os quais se destacam
Pierre Loti, Alexandre Dumas Filho, Prosper Mérimée e Léon Daudet.155
Além do texto de apresentação escrito por Juliette Lamber, o boletim
bibliográfico, presente na seção de estudos e críticas literárias de todas as
publicações do periódico, ratifica o propósito da revista de aproximar o seu
público-leitor dos principais eventos literários e sócio-políticos da época,
153 LA NOUVELLE REVUE. Tome I, octobre 1879, p. 5. 154 Ibid., p. 10. 155 Cf. informações disponíveis em: [http://www.aei.ca/~anbou/salonfranc.html consultado em 21 de junho de 2005.]
uma vez que sempre se anunciavam quais seriam as próximas grandes
publicações de obras literárias e científicas bem como quando ocorreriam os
próximos eventos. Assim, apresentando um perfil questionador, La Nouvelle
Revue visava alcançar um público interessado em ciências sociais, políticas,
históricas e econômicas, setores em franco desenvolvimento durante a
Terceira República.
A colaboração de Maupassant com La Nouvelle Revue, não parece
corresponder a uma repentina mudança em suas tendências políticas da
esquerda para a direita, mas a uma questão de estratégia por parte do autor.
Consciente de sua má relação com Arthur Meyer, Maupassant viu em
La Nouvelle Revue, uma maneira de garantir um posto de redator. E por se
manter em uma posição de neutralidade no que diz respeito à política,
evitando se pronunciar contra ou a favor de qualquer tendência,
Maupassant parece ter se sentido livre para circular em veículos de
publicação de ideologias opostas, conseguindo alcançar bons resultados:
colaborar com dois periódicos de prestígio, aumentar sua renda mensal,
além de ser recebido nos diferentes círculos intelectuais e ideológicos, em
voga na época, como os jantares oferecidos por Catulle Mendès, às vezes
presididos por Flaubert; o salão da senhora Adam, no qual sempre estavam
presentes muitos cronistas e editorialistas; o salão da princesa Mathilde, que
acolhia tanto a nobreza do Império, quanto a do Antigo Regime; o salão do
editor Georges Charpentier, onde os principais assuntos eram a literatura e
a política de esquerda, entre outros.
Esta experiência de colaborar com jornais de ideologias políticas
diferentes se repetiu em 1884, quando Maupassant conciliou o seu cargo de
redator no Gil Blas, periódico de tendência política mais próxima da
esquerda, com o seu cargo de cronista, no conservador Le Figaro. Essa dupla
posição na imprensa se prolongou até 1888, ano em que o autor se separou
definitivamente dos veículos de publicação de esquerda para colaborar
apenas com os de direita. Assim, a partir desse momento, Maupassant
conservou seu papel de redator no periódico Le Figaro, de Albert Wolf e
começou a escrever na ultraconservadora Revue des Deux Mondes156 (na
qual publicou sua última novela, Notre Coeur, em 1890) e no periódico
L’Écho de Paris, fundado por Valentin Simond e seu amigo Aurélien Scholl,
onde foram publicados seus dez últimos contos. Seu último conto publicado
no periódico foi L’inutile beauté, em sete de abril de 1890. Em seguida, já
debilitado pela sífilis, Maupassant se afastou de forma definitiva do
jornalismo.
Embora a carreira de jornalista de Maupassant possa parecer a
conseqüência de uma mudança política em direção a posturas mais
conservadoras, seu fraco compromisso e afiliação com qualquer ideologia
aponta para um comportamento calculado e estratégico. Isso é confirmado
na seguinte passagem de uma carta de Maupassant a Cattulle Mendès, em
1876:
Par égoïsme, méchanceté ou éclectisme, je veux n'être jamais lié à aucun parti politique, quel qu'il soit, à aucune religion, à aucune
156 La Revue des Deux Mondes foi fundada em 1829 por Segur-Dupeyron e Mauroy. A partir de 1831, a revista teve um grande êxito de vendas sob a direção de Buloz, que recebia críticas constantes por sua postura despótica.
secte, à aucune école ; ne jamais entrer dans aucune association professant certaines doctrines, ne m'incliner devant aucun dogme, devant aucune prime et aucun principe, et cela uniquement pour conserver le droit d'en dire du mal. Je veux qu'il me soit permis d'attaquer tous les bons Dieux, et bataillons carrés sans qu'on puisse me reprocher d'avoir encensé les uns ou manié la pique dans les autres, ce qui me donne également le droit de me battre pour tous mes amis, quel que soit le drapeau qui les couvre.157
Quanto à hipótese de que Maupassant teria, estrategicamente, optado
por colaborar simultaneamente em jornais de esquerda e de direita, esta
pode ser reforçada a partir da comparação de dados referentes aos seus
salários enquanto funcionário do Ministério da Marinha e das Colônias (de
1872 a 1877) e, em seguida, do Ministério de Instrução pública de Cultos e
de Belas Artes (de 1878 a 1882).158
Segundo esses dados, em 1873, no Ministério da Marinha e das
Colônias, portanto, Maupassant recebia como salário a quantia de 125
francos por mês, mais uma gratificação anual de 150 francos, somando um
total de 1650 francos por ano. Em 1874, ainda nesse Ministério, a soma
total dos salários de Maupassant aumentou para 1800 francos. Dois anos
mais tarde, em 1876, há um novo aumento, e a soma atinge 2100 francos
por ano. Já no Ministério de Instrução pública de Cultos e de Belas Artes,
em janeiro de 1879, após um ano de trabalho, Maupassant obteve uma
soma anual de 2400 francos, o que mostra que seu salário mensal foi de 200
francos durante esse ano de trabalho.
Ainda que estivesse empregado no Ministério de Instrução pública de
Cultos e de Belas Artes, Maupassant decidiu, como visto anteriormente,
157 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=58] Acesso em 9 de junho de 2008 158 Cf. MONGLOND, op. cit., p. 24-28.
começar a colaborar com o periódico Le Gaulois, já que financeiramente seria
uma atividade que lhe seria rentável. Assim, de 1878 a 1880, Maupassant
recebia 60 centavos por linha e em 1880, passa a receber 1 franco. Uma
crônica média, portanto, rendia-lhe por volta de 250 a 300 francos, uma
soma considerável para a época. Outra importante consideração a ser feita é
a de que ao assinar seu contrato com Le Gaulois, Maupassant teria pedido,
inicialmente, três meses de férias pagas e depois um prolongamento de mais
três meses; condições devidamente aceitas.159
Em suma, ao se comparar os salários de Maupassant nos dois
Ministérios e no jornal, tem-se que seu salário como jornalista é bem mais
elevado do que o de funcionário público, o que parece ser um bom motivo
para que o autor colaborasse em qualquer periódico que lhe propiciasse
prestígio e um bom salário, fosse qual fosse sua tendência política.
Ao não se posicionar politicamente, o escritor estaria afirmando sua
independência, a autonomia de idéias que prezava, o direito de ser contra ou
a favor, como revelou na carta a Catulle Mendès.
Ainda que tenha afirmado essa vontade de não-filiação a qualquer
partido político, ainda que se saiba que ele realmente contribuiui com
periódicos de tendências políticas divergentes ao mesmo tempo, foi possível
observar que, na verdade, conforme foi sendo reconhecido no meio literário,
Maupassant passou a dedicar-se aos periódicos de tendência conservadora:
em 1876, iniciou suas contribuições com o periódico de esquerda La
République des Lettres, passou a publicar nos conservadores Le Gaulois
159 Ibid., p. 27
(1880), La Nouvelle Revue (1881),Gil Blas (1882), chegando a contribuir, em
1890, com a ultra-conservadora Revue de Deux Mondes.
5 - MAUPASSANT E O NATURALISMO
Em 1877, graças aos direitos autorais de seu romance L’Assommoir,
Émile Zola realizou a compra de uma casa de campo em Médan, comuna
francesa situada na região da Île-de-France, perto de Poissy; tratava-se de
“[...] um casebre entre Poissy e Triel, em um charmoso povoado à beira do
Sena” como ele mesmo afirma em uma carta escrita à Flaubert em nove de
agosto de 1878.160 Nessa casa, então, Zola receberia, durante algum tempo,
alguns escritores, dentre os quais Paul Alexis, Léon Hennique, Henry Céard,
Joris-Karl Huysmans e Guy de Maupassant, colaboradores do volume Les
Soirées de Médan (1880).
Para chegar até a casa, os convidados de Zola pegavam um trem até
Triel e de lá, em meia hora de caminhada, chegavam a Médan. Maupassant,
no entanto, preferia ir pelo rio, a partir de Bezons, num barco comprado por
Zola, que foi por ele batizado de Nana, já que, segundo Maupassant, “tout le
monde grimpera dessus”.161 Em Médan, conforme afirmou Maupassant, os
dias se passavam de maneira descontraída:
Pendant les longues digestions des longs repas (car nous sommes tous gourmands et gourmets et Zola mange à lui seul comme trois romanciers ordinaires) nous causions. Il nous racontait ses futurs romans, ses idées littéraires, ses opinions sur toutes choses. Quelquefois, il prenait son fusil qu’il manoeuvrait en myope, et, tout en parlant, il tirait sur des touffes d’herbe que nous lui affirmions être des oiseaux, s’étonnant considérablement, quand il ne retrouvait aucun cadavre. Certains jours, on pêchait à la ligne. Hennique alors se distinguait au grand désespoir de Zola, qui n’attrapait que
160 « […] une cabane à lapins entre Poissy et Triel, dans un trou charmant, au bord de la Seine. » ZOLA, Émile. Disponível em [http://bciu.univ bpclermont.fr/integration/bmiu/pages/vie-culturelle/archives/Bibliographies/ParThemes/Jardins/developpementJardins.htm] Acesso em 16 de julho de 200 . 161 MAUPASSANT apud MONGLOND, op. cit, p. 48.
des « savatiers ». Moi, je restais étendu dans la barque, la « Nana », ou bien je me baignais pendant des heures, tandis que Huysmans fumait des cigarettes et que Céard s’embêtait, trouvant stupide la campagne. Ainsi se passaient les après-midi; mais comme les nuits étaient magnifiques, chaudes, pleines d’odeurs de feuilles, nous allions, chaque soir, nous promener dans la grande île, en face. Je « passais » tout le monde dans la « Nana ».162
Ilustração 3
A casa de Médan163
Era, portanto, na sossegada casa em Médan, que Zola e seus amigos
discutiam sobre arte e literatura, até que surgiu a idéia de que cada um dos
escritores escrevesse uma narrativa acerca de um determinado tema e a
apresentasse aos outros. Segundo Léon Hennique, a sugestão do tema, a
guerra de 1970, foi apresentada por Zola:
162 Idem. 163 Imagem disponível no site http://www.cahiers-naturalistes.com/medan.htm Acesso em 23 de abril de 2007
[...] Estamos à mesa de Émile Zola, em Paris, Maupassant, Huysmans, Céard, Alexis e eu. Para variar, a gente conversa sobre vários assuntos e começa a evocar a guerra, a famosa guerra de 70. Muitos dos nossos tinham sido voluntários ou marinheiros: ‘Ora, propõe Zola, por que não fazer um volume sobre isso; um volume de novelas?’164
Na verdade, três das seis narrativas já haviam sido previamente
publicadas em revistas estrageiras: L'Attaque du moulin no Messager de
l’Europe, em 1877 e em La Reforme, em 1878; Sac au dos em L’Artiste, jornal
de Bruxelas, em 1877 e La Saignée, no Slovo165, fato que Maupassant relata
em uma carta destinada a Flaubert, em cinco de janeiro de 1880, em uma
versão diferente da de Hennique:
Zola a publié en Russie, puis en France dans La Réforme, une nouvelle sur la guerre, intitulée L’Attaque du Moulin. Huysmans a fait paraître à Bruxelles une autre nouvelle ayant pour titre Sac au dos. Enfin, Céard a envoyé à la revue russe dont il est le correspondant une très curieuse et très violente histoire sur le siège de Paris, qui s’appelle Une Saignée. Lorsque Zola connut ces deux dernières oeuvres, il nous dit qu’à son avis cela formerait avec la sienne un curieux volume, peu chauvin et d’une note particulière. Alors, il engagea Hennique, Alexis et moi à faire chacun une nouvelle pour compléter l’ensemble [...]. 166
Logo, apenas as narrativas de Maupassant, Céard e Paul Alexis são
inéditas. Assim, escolhido o tema, cada um dos escritores começou a
preparar sua narrativa. Zola inaugurou as apresentações com o texto
L’Attaque du moulin. A idéia geral do cenáculo informal que constituía o
164 HENNIQUE, Léon apud MONGLOND, op. cit, p. 49. « [...] nous sommes à la table d’Émile Zola, dans Paris, Maupassant, Huysmans, Céard, Alexis et moi. Pour changer, on devise à batons rompus, on se met à évoquer la guerre, la fameuse guerre de 70. Plusieurs des nôtres avaient été volontaires ou matelots: ‘Tiens, tiens, propose Zola, pourquoi ne ferait-on pas un volume là-dessus ; un volume de nouvelles ?’” » 165 Cf. MITTERAND, Henri. Zola. Paris: Fayard, 2001, vol. 2, p. 522 e nota 1. 166 MAUPASSANT, apud MONGLOND, op. cit., p. 48.
grupo de Médan era abordar, a partir de um realismo bem distanciado da
estética patriótica em voga na época, o tema da guerra de 1870.
Em 5 de janeiro de 1880, alguns meses antes de ser publicado o
volume Les Soirées de Médan, Maupassant escreveu uma carta para
Flaubert, na qual lhe explicava qual seria o objeto desse volume:
Nous n’avons eu, en faisant ce livre, aucune intention antipatriotique, ni aucune intention quelconque ; nous avons voulu seulement tâcher de donner à nos récits une note juste sur la guerre, de les dépouiller du chauvinisme à la Déroulède, de l’enthousiasme faux jugé jusqu’ici nécessaire dans toute narration où se trouvent une culotte rouge et un fusil. Les généraux, au lieu d’être tous des puits de mathématiques où bouillonnent les plus nobles sentiments, les grands élans généreux, sont simplement des êtres médiocres comme les autres, mais portant en plus des képis galonnés et faisant tuer des hommes sans aucune mauvaise intention, par simple stupidité. Cette bonne foi de notre part dans l’appréciation des faits militaires donne au volume entier une drôle de gueule, et notre désintéressement voulu où chacun apporte inconsciemment de la passion, exaspérera mille foi plus les bourgeois que des attaques à fond de train. Ce ne sera pas antipatriotique, mais simplement vrai. 167
Em 17 de abril de 1880, portanto, era publicado o volume Les Soirées
de Médan, composto das narrativas: L'Attaque du moulin, de Émile Zola,
Boule de Suif, de Guy de Maupassant, Sac au dos, de J.-K. Huysmans, La
Saignée, de Henry Céard, L'Affaire du Grand 7, de Léon Hennique e Après la
bataille, de Paul Alexis. Nesse mesmo dia, era publicado no periódico Le
Gaulois, um texto escrito por Maupassant no qual ele explicava alguns
detalhes sobre a origem do volume e explicitava as afinidades entre os
escritores:
[…] nous n’avons pas la prétention d’être une école, nous sommes simplement quelques amis qu’une admiration commune a fait se rencontrer chez Zola et qu’ensuite une
167 Ibidem, p. 115-116.
affinité de tempérament, une même tendance philosophique ont liés de plus en plus. 168
A publicação da coletânea em livro foi alvo de fortes ataques de uma
parte da crítica literária parisiense, desde 19 de abril. Já os meios literários
fora da crítica, pareceram mais indulgentes em relação ao grupo de Médan.
Flaubert, por exemplo, em uma carta a Maupassant, mesmo afirmando
achar “estúpido” o título da coletânea, não deixou de elogiar Boule de Suif e
seu autor, considerando o “pequeno conto” uma verdadeira “obra-prima” e o
autor, um “mestre”.169 Maupassant, por sua vez, ao responder à carta de
Flaubert, deixou de certa forma entrever que apresentava a mesma opinião,
isto é, a de que a sua contribuição com o volume tinha realmente
ultrapassado em qualidade, se comparada à dos outros escritores. Tal
opinião acerca da grande qualidade da novela acabou sendo mais tarde a de
boa parte dos críticos literários e leitores. Mesmo tendo escrito alguns contos
antes de Boule de Suif, como visto anteriormente, Maupassant somente
obterá celebridade após a publicação desta novela.170
No que concerne Boule de Suif, nota-se que Maupassant observa de
maneira realista o comportamento de um grupo de pessoas de classes
sociais bem diferentes. Através dos personagens e de suas características, o
escritor consegue representar uma micro-sociedade da época; com uma
análise profunda desses personagens, traduzindo seus comportamentos,
sentimentos e reações, ele tenta apresentar ao leitor uma imagem exata da
168 Ibidem, p. 48. 169 Cf. ibidem, p. 118. 170 Em carta a Flaubert, datada de fevereiro de 1880, Maupassant denomina Boule de Suif uma novela e por essa razão, durante esse estudo, lanço mão da mesma denominação.
natureza humana. Na verdade, Maupassant faz uma crítica, sobretudo, à
hipocrisia da alta sociedade e do clero. Talvez a grande reflexão proposta por
ele esteja baseada na moral de sua história: Boule de Suif, personagem
prostituta e protagonista, apresenta um caráter bem mais respeitável do que
as “honestas” burguesas, como mostra a especialista na obra de
Maupassant, Noëlle Benhamou:
[...] as prostitutas são geralmente os agentes do mundo às avessas onde os valores são invertidos. Estas mulheres parecem ter grandes virtudes: são boas mães, mulheres piedosas e patriotas, enquanto que as burguesas ditas honestas, que imitavam as rameiras e se dedicavam à prostituição clandestina, conjugal ou familiar, eram parecidas com elas.171
De fato, através de uma intriga ligada a temas como a guerra, o
dinheiro e a comida, o escritor consegue denunciar bem a relação
conflituosa de indivíduos pertencentes a classes sociais privilegiadas com
uma prostituta ingênua que inspira certa compaixão aos olhos do leitor.
Desse modo, constata-se que Maupassant, através de seus procedimentos
técnicos, de suas observações minuciosas e de sua visão irônica, propôs,
com essa narrativa, mostrar a seus leitores o real sentido dos sentimentos
que povoam o ser humano: como os indivíduos se amam, se odeiam, como
são as lutas nos meios sociais, como lutam entre si os interesses políticos,
burgueses e os da família.172 Admirador de Arthur Schopenhauer, não raro
171 « [...] les prostituées sont généralement les agents du monde renversé où les valeurs sont bouleversées. Ces femmes semblent avoir de grandes vertus: être de bonnes mères, des femmes pieuses et des patriotes, tandis que les bourgeoises dites honnêtes, qui imitaient, les grues et s’adonnaient à la prostitution clandestine, conjugale ou familiale, étaient semblables à elles. » BENHAMOU, Noëlle. Filles prostituées et courtisanes dans l’oeuvre de Guy de Maupassant-Représentation de l’amour venal. Thèse présentée sous la direction de Philippe Hamon, Université de Paris III Sorbonne Nouvelle, Juin 1996. 172 Cf. Idem.
se associa o pessimismo presente nas produções de Maupassant ao filósofo
alemão.173
Apesar desse pessimismo profundo e da constante desilusão presentes
na estética de Maupassant, a sua capacidade em escrever sobre diferentes
acontecimentos que povoam o dia-a-dia do ser humano, baseando-se na
única proposta de ser fiel ao que realmente observa, aliada ao modo como
constrói a psicologia marcante de seus personagens, parece ser o traço
principal de seus textos.
Enfim, Maupassant que, até a publicação coletiva Les Soirées de
Médan, não era tão conhecido no campo literário francês, passava a partir de
então a ocupar uma posição de destaque no cenário literário de sua época,
afastando-se de Zola, mas sem deixar de lado a relação cordial que sempre
os uniu.
5.1 – A relação entre Maupassant e Émile Zola
O primeiro contato entre Maupassant e Zola ocorreu por volta de
1874, na casa de Flaubert. Nessa época, Zola, dez anos mais velho do que
Maupassant, já era um escritor conhecido no campo literário.174 O próprio
Zola relata o encontro ocorrido na casa de Flaubert: “Acabava de concluir o
colegial, ninguém ainda o tinha visto em nosso cantinho literário. [...] Mais
tarde, uma camaradagem estabeleceu-se, ele nos encantou pela narração de
173 Cf. TOGEBY, op. cit., p.102. 174 Cf. MONGLOND, op. cit, p. 47.
suas proezas. [...] Desde então, juntou-se a nós.”175 A partir de então,
Maupassant foi, aos poucos, ocupando seu lugar no grupo.
Nessa mesma década, Maupassant começa a se corresponder com
Zola, escrevendo-lhe suas primeiras cartas e também passa a se encontrar,
semanalmente, com escritores célebres, primeiro, em Paris no café Trapp, e
depois na casa de Médan.176 Dessas reuniões, nasceram a amizade e a
relação profissional entre eles.
Em 1875, data da primeira carta escrita a Zola, Maupassant analisa
brevemente o romance La Faute de l’Abbé Mouret, que acabava de ser
publicado. À primeira vista, sua crítica parece sucinta, vaga, e quase
elogiosa em excesso:
Je viens de terminer la lecture de ce livre, et, si mon opinion peut avoir quelque prix pour vous, je vous dirai que je l'ai trouvé fort beau et d'une puissance extraordinaire, je suis absolument enthousiasmé, peu de lectures m'ont causé une aussi forte impression. J'ai vu, du reste, avec un vrai bonheur, que les journaux, qui jusque-là vous avaient été hostiles, ont enfin été obligés de se rendre et d'admirer.177
Também nesse período, Maupassant, encorajado por Flaubert desde
1872, persiste no ofício de escritor, sem se preocupar em publicar.178 Divide
seu tempo entre a escrita, seu emprego de funcionário público no Ministério
da Marinha e no Ministério do Ensino Público, e os passeios de barco no rio
Sena nos fins de semana. Nesse meio-tempo, embora não publique, o autor
175 « Il sortait à peine du collège, personne ne l’avait encore aperçu dans notre coin littéraire. […] Plus tard, une camaraderie s’établit, il nous émerveille par le récit de ses prouesses. […] Dès lors, il compta parmi nous. » ZOLA apud MONGLOND, idem. 176 Ibidem, p. 48 177 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=41] Acesso em 13 de agosto de 2007 178 Conforme informação contida no capítulo 2 do presente estudo, a primeira publicação de Maupassant ocorreria em 1880, com a publicação do volume Des vers.
produz, sobretudo, poesias e peças de teatro que submete ao juízo de
Flaubert, de Zola e outros amigos. Em 15 de maio de 1877, Maupassant
escreve dois bilhetes curtos, a fim de convidar Zola para a representação de
uma peça de sua autoria, A la feuille de Rose, Maison turque:
Cher Maître, Nous avons essayé hier soir toutes les combinaisons imaginables pour jouer notre pièce un autre jour que jeudi et réellement cela nous est absolument impossible. Nous espérons encore que vous serez libre ce soir-là. Comme vous ne restez pas chez vous le jeudi lorsque vous avez une première, ne pouvez-vous assimiler la « Feuille de Rose » à une première ordinaire ? Songez que c'est uniquement pour vous, Daudet et Ed. de Goncourt que nous avons organisé cette reprise, et que nous serions tous désolés si vous n'y assistiez point. Nous avons pressé nos répétitions et tout quitté pour arriver à être prêts avant votre départ, vous ne voudrez point nous laisser jouer sans nous applaudir. Croyez, cher Maître, à mon dévouement le plus absolu.179
A apresentação ocorreu no ateliê do pintor Becker.180 Em um bilhete
seguinte, vê-se que Maupassant e seus colegas conseguiram o que
desejavam, já que o jovem escritor agradece a Zola, e indica a hora da
apresentação pedindo-lhe, com naturalidade, para não se atrasar: « Merci,
cher Maître [...]. La représentation est annoncée pour 9 heures. Mais comme
il y a toujours des gens en retard, nous ne commencerons qu'à 9 heures
3/4. II vous suffira d'arriver juste à cette heure, mais pas plus tard.
Merci.”181
Em 14 de fevereiro de 1879, Maupassant convidou novamente Zola
para outra peça: Histoire du Vieux Temps, que foi representada pela primeira
179 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/72.html] Acesso em 13 de agosto de 2007 180 Cf. nota contida na carta, idem. 181 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=73] Acesso em 13 de agosto de 2007
vez, cinco dias mais tarde, em 19 de fevereiro, no teatro Dejazet.182 Desta
vez, não só o convida como lhe envia dois convites:
Cher Maître, On jouera ma pièce mercredi prochain au 3e Théâtre-Français. Je vous enverrai mardi deux fauteuils. Je compte sur votre amitié. Pardonnez-moi de vous déranger pour une œuvre si peu importante. Je vous serre les mains et vous prie de présenter à Madame Zola mes compliments respectueux.183
Levando-se em conta as apresentações das duas peças, Maupassant
parece ter conquistado um certo lugar no mundo das letras e do espetáculo:
a apresentação saiu do espaço privado do ateliê do pintor e amigo para
ocorrer em um espaço público, um teatro de Paris. Já no que diz respeito ao
convite feito a Zola, mais uma vez, Maupassant parece apelar para a opinião
de seu colega e se coloca em uma posição de humildade para convencê-lo a
vir, o que também leva a crer que Maupassant sabia que a simples presença
de Zola seria importante para a recepção de sua obra.
Em meio às cartas, há também algumas cujos assuntos não dizem
rspeito à literatura, o que possibilita a aproximação dos escritores em outro
plano que remete para o cotidiano desses artistas do final do século XIX.
Assim, em duas cartas mais extensas, datadas de 2 e 10 de julho de 1878,
Maupassant descreve a compra do barco de Zola, Nana, feita sob sua
supervisão, a pedido do próprio Zola.184 A leitura das cartas revela seu
conhecimento apurado e sua paixão pelos barcos e pela água – o que
aparece em muitos de seus contos –, além de sua dedicação desmedida para 182 Cf. MONGLOND, op. cit, p. 238. 183 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=123] Acesso em 16 de agosto de 2007 184 Ver as duas cartas. A primeira carta está disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/95.html] e a segunda em [http://maupassant.free.fr/corresp/97.html] Acesso em 16 de agosto de 2007
resolver o caso da melhor forma possível. Na primeira, apresenta todas as
informações sobre a compra − detalhes técnicos, financeiros, etc. − e na
segunda, anuncia a entrega do barco, planejada e realizada por ele mesmo.
O relato impressiona a quem não conhece a força física e a paixão pela água
de Maupassant, mas, na verdade, sabe-se que o escritor, desde que mora em
Paris, se dedicou regular e intensamente a seu esporte favorito, a canoagem
no rio Sena.
De modo geral, Maupassant raramente escreve cartas muito longas a
Zola. Em quase todos os casos, usa um estilo telegráfico para marcar ou
cancelar encontros, já que ambos estavam sempre se encontrando com
outros escritores e trocavam permanentemente opiniões acerca das obras
que produziam, publicavam, e encenavam no teatro. Assim, pode-se supor
que um comentário anotado rapidamente no bilhete apenas antecipava uma
discussão mais aprofundada, ao vivo. Através da leitura de algumas cartas e
crônicas de Maupassant, foi possível notar que, apesar de afirmar
regularmente que não queria discutir sobre literatura, foi o que fez, em
particular, em sua carreira de cronista.
No que diz respeito às apreciações de Maupassant acerca das
produções de Zola, percebe-se, como visto anteriormente, um tom
apologético. Na maioria das cartas e bilhetes em que explicita sua opinião
sobre uma obra de Zola, os superlativos e os termos hiperbólicos são usados
de forma corrente e os elogios são numerosos: assim como La Faute de
l’Abbé Mouret é declarado um romance "muito bonito e de uma força
extraordinária", três anos depois, Une Page d’Amour suscita a seguinte
reflexão: « Si ce n'est le plus coloré de vos romans c'est le plus parfait de
style, à mon avis, et un des plus humains, des plus vrais. »185
No que concerne a La Joie de vivre, obra que declara « si puissante et
si exacte », ele confessa a Zola: « j'ai trouvé superbe ce roman. Je n'ose pas
dire que ce soit le plus remarquable que vous avez fait, mais c'est celui qui
me plaît le plus, qui m'a le plus empoigné »186. Zola parece agradar a
Maupassant sobretudo quando consegue, por meio de seus textos, suscitar
uma impressão, estimular uma sensação. As personagens do romance La
Joie de vivre marcam Maupassant pela sua humanidade, como ele mesmo
explicita: « J'ai eu d'ailleurs dans ce livre la sensation d'un bain d'humanité.
C'est vrai à crier, tout cela, et empoignant à faire pleurer. »187 Um ano
depois, o romance Germinal é julgado por Maupassant, pelo seu poder de
evocação:
[…] je veux vous dire tout de suite que je trouve cette œuvre la plus puissante et la plus surprenante de toutes vos œuvres. Vous avez remué là-dedans une telle masse d'humanité attendrissante et bestiale, fouillé tant de misères et de bêtise pitoyable, fait grouiller une telle foule terrible et désolante au milieu d'un décor admirable, que jamais livre assurément n'a contenu tant de vie et de mouvement, une pareille somme de peuple. On sent en vous lisant, l'âme, l'haleine et toute l'animalité tumultueuse de ces gens. L'effet que vous avez obtenu est aussi étonnant que superbe, et la mise en scène de votre roman reste devant les yeux et devant la pensée, comme si on avait vu ces
choses.188
185 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=94] Acesso em 21 de agosto de 2007 186 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=323] Acesso em 13 de maio de 2008 187 Idem. 188 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=385] Acesso em 13 de maio de 2008
Embora essas críticas apontem para uma espécie de admiração
incondicional por parte de Maupassant, a formalidade das reflexões parece
revelar certas restrições à obra de Zola. Analisando-se as expressões iniciais
que usa em todas as suas cartas, nota-se que Maupassant nutria grande
respeito por seu colega mais velho: inicialmente, dirigia-se a Zola chamando-
o de "Caro Senhor", depois de "Caro Mestre", e enfim de "Meu caro Mestre e
amigo", revelando a evolução de sua ligação.
Em abril de 1877, logo depois da publicação do romance L’Assommoir,
Maupassant e alguns amigos jovens escritores do grupo de Médan −
Huysmans, Céard, Hennique, Alexis e Mirbeau − organizam o famoso jantar
do “café Trapp” onde de uma só vez declaram Flaubert, Goncourt e o próprio
Zola, mestres da literatura moderna.189 O título é lisonjeador bem como o
tom das cartas. Contudo, existiam certas divergências no plano das
concepções estéticas, que Maupassant não revelava em suas cartas a Zola,
mas deixava escapar em cartas a outros destinatários, em particular a
Gustave Flaubert, com o qual ele parecia não temer aprofundar sua reflexão
crítica. Assim, em dois de dezembro de 1878, Maupassant escreve a
Flaubert:
Zola nous a lu deux chapitres de Nana ; j'aime peu le second, le troisième me paraît mieux. La division du livre ne me plaît pas. Au lieu de conduire son action directement du commencement à la fin, il la divise, comme le Nabab, en chapitres qui forment de véritables actes se passant au même lieu, ne renfermant qu'un fait ; et, par conséquent, il évite ainsi toute espèce de transition, ce qui est plus facile. Ainsi : 1er chapitre : Une représentation aux Variétés ; 2e chapitre : L'appartement de Nana ; 3e chapitre : Une soirée chez le comte Mupha ; 4e chapitre : Un souper chez Nana. Etc.190
189 Cf. MONGLOND, op. cit, p. 48. 190 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/107.html] Acesso em 10 de dezembro de 2007
Neste caso, o que se observa não é mais uma crítica positiva exaltada,
mas um questionamento da estrutura do romance de Zola. Maupassant
parece sugerir que o mentor do naturalismo ainda não havia encontrado a
forma que o próprio Maupassant imprimia a suas obras e que se baseia
essencialmente na concepção de transição entre as diferentes partes,
transições que representam o verdadeiro valor e a real dificuldade da
composição.
Mais tarde, em janeiro de 1879, é a representação teatral de
L’Assommoir que suscita um comentário de Maupassant:
L'Assommoir est un succès. Par exemple, c'est interminable et pas très mordant. Mais les décors sont superbes, et il y a des scènes bien venues. Le delirium tremens fait évanouir les femmes. On ira voir. La première a été fort bonne. Quelques murmures ébauchés ont été arrêtés par trois salves d'applaudissements. Je crois que la pièce tiendra longtemps.191
Sob a ironia do discurso, Maupassant deixa entrever uma crítica não
apenas à peça, como também a seu sucesso. Através da leitura de uma carta
a Flaubert, escrita em 26 de fevereiro de 1879, Maupassant nos leva a crer
que já não se mostrava tão próximo ao grupo naturalista. Já no final da
carta, comenta o sucesso da representação de sua peça L’Histoire du Vieux
Temps, e diz que Zola ainda não tinha dado o seu parecer e que o “bando” de
Zola nem o cumprimentou pela peça:
Zola n'a rien dit. J'espère que c'est pour lundi. Du reste sa bande me lâche ne me trouvant pas assez naturaliste. Aucun d'eux n'est venu me serrer la main après le succès. Zola et sa femme ont applaudi beaucoup et m'ont vivement félicité plus tard. D'autres
191 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=118] Acesso em 15 de dezembro de 2007
journaux en ont parlé avec éloge, je n'ai pu encore me les procurer.192
Em abril do mesmo ano, Maupassant se declara, em outra carta
destinada a Flaubert, contra a vaidade declarada de Zola:
Que dites-vous de Zola ? Moi, je le trouve absolument fou. Avez-vous lu son article sur Hugo ? Son article sur les poètes contemporains et sa brochure La République et la Littérature. « La République sera naturaliste ou elle ne sera pas. » - « Je ne suis qu'un savant. » !!! (Rien que cela ! Quelle modestie.) - « L'enquête sociale. » - Le document humain. La série des formules. On verra maintenant sur le dos des livres : « Grand roman selon la formule naturaliste. » Je ne suis qu'un savant !!!! Cela est pyramidal !!! Et on ne rit pas...193
Assim, Maupassant se afasta de Zola e de seus partidários. Não vê
com bons olhos os procedimentos publicitários de Zola para vender jornais e
livros. Por ocasião da publicação de Nana, em 1879, envia esse comentário
irônico a Flaubert:
On voit sur les boulevards et dans les rues des files d'hommes en blouse portant des bannières sur lesquelles on lit NANA par Émile Zola, dans le Voltaire ! Quelqu'un me demanderait si je suis homme de lettres, je répondrais « Non Monsieur, je vends des cannes à pêche » tant je trouve cette folle réclame humiliante pour tous.194
Contudo, conhecendo-se alguns dados da biografia de Maupassant,
pode-se afirmar que, ao criticar nessa época (1879) os meios usados por Zola
para promover sua obra, Maupassant parece cair em contradição, uma vez
que, em algumas ocasiões, ele mesmo não hesitou em se servir da
experiência e do renome de Zola para obter sucesso. Um exemplo dessa
constatação está em uma carta escrita por Maupassant, em maio de 1880,
na qual ele pede a Zola um favor, ou melhor, lembra a Zola a promessa que
192 MAUPASSANT apud MONGLOND, op. cit, p. 238. 193 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=133] Acesso em 15 de dezembro de 2007 194 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=150] Acesso em 15 de dezembro de 2007
ele havia feito de escrever um artigo sobre seu livro de poesia, Des vers: «Je
viens vous demander un service que vous m'avez, du reste, promis le
premier, c'est de dire quelques mots de mon volume de vers dans votre
feuilleton du Voltaire ».195 Alguns dias depois, a promessa é cumprida.
Nessa mesma carta, Maupassant confessa que precisaria de um bom
empurrão para assegurar a venda completa da obra e revela também
necessitar dos conselhos de Zola sobre os preços a serem atribuídos aos
livros:
La vente va bien, du reste, et la première édition est presque épuisée, mais j'aurais besoin d'un bon coup d'épaule pour enlever les 200 exemplaires qui restent. La 2e édition est prête. Laffite m'a demandé une nouvelle que je lui fais. J'ai refusé de fixer le prix, voulant vous consulter à ce sujet.196
Assim sendo, é possível notar que Maupassant, apesar de ter feito
críticas severas de Zola a Flaubert, quando lhe foi conveniente, não abriu
mão de consultar Zola antes de negociar seus próprios textos com os
proprietários de jornais e com os editores. A partir desta constatação,
aventa-se a hipótese de que Maupassant teria feito um jogo duplo: enquanto
se mostrava para Flaubert um escritor sério, preocupado em discutir
questões literárias, para Zola, apresenta-se como um escritor ambicioso e
preocupado com o marketing de seus textos e com o prestígio que estes
poderiam lhe propiciar.
Em 1883, o editor Albert Quantin, por intermédio de Paul Bourget,
pediu a Maupassant que escrevesse um texto sobre Zola e outro sobre
195 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=178] Acesso em 15 de dezembro de 2007 196 Idem.
Edmond de Goncourt para uma coletânea de retratos contemporâneos,
“Celebridades contemporâneas”. Em sua resposta, Maupassant deixa claro
que apesar de algumas divergências estéticas, o respeito e a amizade que
nutria por Zola se mantinham, aceitando prontamente. Escreve a Quantin:
Je viens de recevoir une lettre de mon ami Paul Bourget qui me demande, de votre part, de faire une étude sur Zola et une étude sur Goncourt pour une collection de portraits contemporains dont vous entreprenez la publication. Je me chargerai très volontiers de ce travail, et je serai heureux d'analyser ces deux talents si divers et raconter sur ces deux maîtres, qui sont mes amis, ce que je sais et ce que je pense…197
Em 10 de março de 1883, na crônica intitulada "Émile Zola"198,
publicada na Revue politique et littéraire − texto que figura no mesmo ano
como prefácio ao livro Émile Zola da coleção "Célébrités contemporaines" −,
Maupassant, após uma apresentação e análise da obra e vida do colega,
conclui:
Quel que soit le succès futur de ces essais dramatiques, il semble prouvé, dès à présent, que ce remarquable écrivain est doué surtout pour le roman, et que cette forme seule se prête en tout au développement complet de son vigoureux talent.199
Embora reconhecesse que Zola era um “revolucionário” em seu estilo
ousado, às vezes brutal, grosseiro, “voltando com isso às tradições da
vigorosa literatura do século XVI”200, Maupassant não deixou de fazer uma
crítica sincera e direta de seu estilo e de sua obra. Segundo ele, a poesia do
início da carreira literária de Zola reduziu-se a uma:
197 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=259] Acesso em 23 de outubro de 2007 198 MAUPASSANT, Guy de. "Émile Zola", Revue politique et littéraire, 10 mars 1883. Disponível em [http://maupassant.free.fr/chroniq/zola2.html] Acesso em 22 de outubro de 2007. 199 Idem. 200 Idem.
[…] poésie abondante, facile, trop facile, comme je l'ai dit, visait plus la science que l'amour ou que l'art. C'étaient, en général, de vastes conceptions philosophiques, de ces choses grandioses qu'on met en vers parce qu'elles ne sont point assez claires pour être exprimées en prose. […] C'est de la poésie sans caractère déterminé et sur laquelle M. Zola ne se fait du reste aucune illusion.201
Quanto aos ensaios dramáticos, mais tardios, contemporâneos de seus
romances, também parecem não ter agradado a Maupassant, que afirmou :
« il ne semble pas avoir encore dégagé la formule nouvelle, pour employer
son expression favorite, et ses essais jusqu'à ce jour n'ont pas été victorieux,
malgré le mouvement qui s'est fait autour de son drame Thérèse Raquin. » 202
No que concerne ao estilo de Zola, Maupassant via nele algumas
qualidades, contudo, acreditava que Zola não procurou aperfeiçoar a sua
escrita:
Né écrivain, doué merveilleusement par la nature, il n'a point travaillé comme d'autres à perfectionner jusqu'à l'excès son instrument. Il s'en sert en dominateur, le conduit et le règle à sa guise, mais il n'en a jamais tiré ces merveilleuses phrases qu'on trouve en certains maîtres. Il n'est point un virtuose de la langue, et il semble même parfois ignorer quelles vibrations prolongées, quelles sensations presque imperceptibles et exquises, quels spasmes d'art certaines combinaisons de mots, certaines harmonies de construction, certains incompréhensibles accords de syllabes produisent au fond des âmes des raffinés fanatiques, de ceux qui vivent pour le Verbe et ne comprennent rien en dehors de lui.203
Mais adiante, em seu texto, Maupassant parece abrandar a crítica
feita e esclarece que, ao se considerar o público leitor de Zola e seus
objetivos de denunciar a hipocrisia da sociedade, Zola, na verdade, nunca
precisou aperfeiçoar a sua escrita:
201 Idem. 202 Idem. 203 Idem.
Il serait inutile de parler musique aux gens qui n'ont point d'oreille. Émile Zola s'adresse au public, au grand public, à tout le public, et non pas aux seuls raffinés. Il n'a point besoin de toutes ces subtilités ; il écrit clairement, d'un beau style sonore. Cela suffit.204
Maupassant conclui afirmando que foi justamente graças a esse estilo
e a uma força de trabalho extraordinária que o escritor conheceu a riqueza e
a celebridade durante sua vida.
Apesar das críticas diretas presentes nesse texto, Émile Zola parece
não ter guardado mágoas de Maupassant, visto que em 7 de julho de 1893,
escolhido pela Sociedade das Pessoas de Letras e pela Sociedade dos Autores
Dramáticos, Zola homenageou Maupassant pela última vez, explicitando, ao
iniciar seu discurso, a duradoura relação que mantivera com Maupassant:
“Conheci Maupassant há aproximadamente vinte anos, na casa de Gustave
Flaubert.”205 Em uma outra ocasião, na inauguração do monumento em
homenagem a Guy de Maupassant, no Parque Monceau, em 24 de outubro
de 1897, Zola novamente destaca em seu discurso essa relação:
Sou apenas um amigo, falo simplesmente em nome dos amigos, não dos amigos desconhecidos e inumeráveis que lhe valeram suas obras, mas dos velhos amigos que o conheceram, amaram, o seguiram em seus passos até a glória. [...] Devo dizer em voz alta que Maupassant sempre foi um amigo fiel, sempre estendeu a mão a seus antigos irmãos de guerra e sempre teve o coração aberto.206
204 Idem. 205 ZOLA, Émile. Obsèques de Guy de Maupassant (7 juillet 1893). Eloges d'écrivains, discours prononcés aux obsèques de Gonzalès, Cladel, Maupassant, Houssaye, Goncourt, Daudet, Alexis (1891-1901). Disponível em [http://www.bmlisieux.com/curiosa/zola06.htm]. Acesso em 22 de outubro de 2007. 206 ZOLA, Émile. Inauguration du monument de Guy de Maupassant au Parc Monceau (24 octobre 1897) Eloges d'écrivains, discours prononcés aux obsèques de Gonzalès, Cladel, Maupassant, Houssaye, Goncourt, Daudet, Alexis (1891-1901). Disponível em [http://www.bmlisieux.com/curiosa/zola06.htm]. Acesso em 22 outubro 2007. « Je ne suis qu'un ami, je parle simplement au nom des amis de Maupassant, non pas des amis
Assim, durante os vinte anos que puderam conviver, ainda que
tenham existido diferenças, que ambos os escritores tenham se distanciado
no que se referia às suas concepções de arte literária, foi construída uma
relação de respeito mútuo.
Conforme já explicitado anteriormente, os posicionamentos
divergentes de Maupassant apontam para um jogo de interesses que ao
mesmo tempo em que privilegiava sua relação com Flaubert – para quem
parecia adotar um posicionamento de escritor sério, preocupado com
questões estéticas, ignorando o retorno financeiro e o prestígio –, não
deixava de lado sua relação com Zola, com quem não tinha pruridos em
admitir suas preocupações financeiras, seu desejo de sucesso e de quem
esperava apoio simbólico e prático.
Enfim, pela relação epistolar entre os escritores ditos naturalistas,
também é possível notar que as diferenças estéticas que os distanciavam não
foram capazes de promover verdadeiras rupturas (levando-se também em
conta que não formavam realmente um grupo literário coeso). As diferenças,
que sempre foram evidentes entre eles, cabiam no que Zola chamava de
temperamento, ou a nota original de cada artista.207
inconnus et innombrables que lui valurent ses œuvres, mais des amis de la première heure qui l’ont connu, aimé, suivi dans sa marche vers la gloire. […] il faut dire hautement que Maupassant resta toujours un ami fidèle, eut toujours pour ses anciens frères d’armes la main tendue et le cœur chaud. » 207 Sobre a questão das falsas rupturas entre os membros do grupo naturalista, sobretudo entre Zola e Huysmans, cf. CATHARINA, Pedro Paulo G. F. À Rebours : ‘cet étrange roman si en dehors de toute la littérature contemporaine’. Excavatio International Review for Multidisciplinary Approaches and Comparative Studies related to Emile Zola and his Time, Naturalism, Canada: University of Alberta / AIZEN, 20 (1), dec. 2005a, p. 133-145.
5.2 – O Romance Experimental e o Prefácio de Pierre et Jean
Voltando a atenção para a estética realista, sabe-se que seu advento
está diretamente ligado ao desenvolvimento das correntes de pensamento
cientificistas do século XIX. Com o grupo naturalista, mas sobretudo com
Émile Zola, o realismo perde o seu caráter de categoria artística ou método
de construção formal, para se tornar uma doutrina. Zola sentiu-se atraído
pelas principais correntes de pensamento que dominavam a cena cultural na
Europa, especialmente pelas idéias do médico e fisiologista Claude Bernard,
do filósofo e historiador Hippolyte Taine, pelo filósofo positivista Auguste
Comte e pelo naturalista inglês Charles Darwin, criador da então
revolucionária tese sobre a evolução das espécies.
Publicado pela primeira vez na Rússia, em setembro de 1879, na
revista Le Messager de l’Europe, e um mês depois no jornal Le Voltaire, o
ensaio O Romance Experimental, encabeçou a coletânea de artigos críticos
publicada em 1880, com o mesmo título.208
Já nas primeiras linhas de O Romance Experimental, Zola revela a
fonte de suas reflexões: a Introdução ao Estudo da Medicina Experimental, do
fisiólogo francês Claude Bernard. Assim como Bernard, o escritor pensava
ser possível a adequação do rigor metodológico empregado nas ciências dos
corpos brutos às ciências dos corpos vivos e, por conseguinte, dos homens.
Zola, baseado no caráter experimentalista das ciências naturais, tenta
implementar uma aproximação entre ciência e literatura através da proposta 208 Cf. CATHARINA, Pedro Paulo Garcia Ferreira. Estética naturalista e configurações da modernidade. In: MELLO, Celina Maria Moreira de. & CATHARINA, Pedro Paulo Garcia Ferreira (org.). Crítica e movimentos estéticos: configurações discursivas do campo literário. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006, p.113.
de um método de composição artística denominado romance experimental.
Para o escritor francês, assim como o método experimental conduzia ao
conhecimento da vida física, ele também deveria conduzir ao conhecimento
da vida passional e intelectual:
Em uma palavra, devemos trabalhar com caracteres, as paixões, os fatos humanos e sociais, como o químico e o físico trabalham com os corpos brutos, como o fisiólogo trabalha com os corpos vivos. O determinismo domina tudo. É a investigação científica, é o raciocínio experimental que combate, uma por uma, as hipóteses dos idealistas, e substitui os romances de pura imaginação pelos romances de observação e experimentação.209
Zola observa ainda que não interessa ao estudioso explicar por que os
fenômenos acontecem e sim como eles ocorrem:
Ele (Claude Bernard) chama "determinismo" a causa que determina o aparecimento dos fenômenos. Esta causa próxima, como ele a chama, nada mais é senão a condição física e material da existência ou da manifestação dos fenômenos. O objetivo do método experimental, o termo de toda pesquisa científica é, portanto, idêntico para os corpos vivos e para os corpos brutos: consiste em encontrar as relações que prendem um fenômeno qualquer à sua causa próxima, ou em outras palavras, em determinar as condições necessárias à manifestação deste fenômeno. A ciência experimental não deve se preocupar com o porquê das coisas; ela explica o como, e nada mais.210
209 « En un mot, nous devons opérer sur les caractères, sur les passions, sur les faits humains et sociaux, comme le chimiste et le physicien opèrent sur les corps bruts, comme le physiologiste opère sur les corps vivants. Le déterminisme domine tout, C'est l'investigation scientifique, c'est le raisonnement expérimental qui combat une à une les hypothèses des idéalistes, et qui remplace les romans de pure imagination par les romans d'observation et d'expérimentation ». ZOLA, Émile. Le Roman Experimental. Disponível em [http://www.ac-orleans-tours.fr/lettres/coin_prof/realisme/roman-experimental.htm] Acesso em 20 de maio de 2007. 210 « Il appelle "déterminisme" la cause qui détermine l'apparition des phénomènes. Cette cause prochaine, comme il la nomme, n'est rien autre chose [sic] que la condition physique et matérielle de l'existence ou de la manifestation des phénomènes. Le but de la méthode expérimentale, le terme de toute recherche scientifique, est donc identique pour les corps vivants et pour les corps bruts: il consiste à trouver les relations qui rattachent un phénomène quelconque à sa cause prochaine, ou, autrement dit, à déterminer les conditions nécessaires à la manifestation de ce phénomène. La science expérimentale ne doit pas s'inquiéter du pourquoi des choses; elle explique le comment, pas davantage. » Idem.
O romancista chega a prever que um dia a ciência será capaz de
encontrar o determinismo das manifestações cerebrais e sensuais do ser
humano. Como Bernard utilizou esse raciocínio para elevar a medicina à
categoria de ciência experimental, Zola tencionava fazer o mesmo com
literatura. Assim, o seu objetivo literário passa a ser conhecer o
determinismo dos fatos sociais para poder dirigi-los. Por considerar que a
experiência era o único critério válido para a obtenção dos resultados que
almejava, passa a defender a tese de que o escritor, assim como o cientista,
deveria abster-se de qualquer capricho ou crença pessoal, fossem elas
religiosas, filosóficas ou mesmo científicas, a fim de que somente a
autoridade dos fatos observados prevalecesse.
O Romance Experimental constituiu, portanto, uma reação contra o
homem metafísico e contra o idealismo apresentado no romantismo, pois,
segundo Zola, o romancista experimentador tem por função uma
investigação geral sobre a natureza do homem. Ancorados nessas
observações, podemos compreender a matriz da estética naturalista zoliana:
ela gira em torno de questões teóricas e metodológicas nascidas nas ciências
naturais, daí seu pendor cientificista tão mencionado pela crítica literária.
Ao invés do idealismo e da imaginação preconizados pelo romantismo, o
escritor naturalista cria personagens verossímeis a partir das observações
feitas na vida cotidiana. Em virtude disso, o cenário que outrora focalizava,
por exemplo, os bailes da corte, passa a enfatizar o dia-a-dia burguês,
pequeno-burguês e operário, com seus ambientes e vícios.
Indo além de suas idéias iniciais, no livro Do romance (1989),
compêndio que reúne vários estudos, Zola defende que o escritor naturalista
deve ter o senso do real, que se fundamenta em representar a natureza
humana tal qual ela é, e para tanto, deve utilizar a pesquisa empírica.
Observador-experimentador, o romancista-naturalista deveria redigir a ata
de uma experiência, conceber uma intriga, na qual as personagens provem,
pelo seu comportamento, que a sucessão dos fatos é conforme ao
determinismo dos fenômenos estudados e descrever o mecanismo das
perturbações cerebrais e sensuais que comprometem a saúde do corpo
social. Em outras palavras, ele defende que o papel do escritor é fazer uma
experiência para “mostrar” e, a partir daí, caberá à sociedade continuar
reproduzindo esse fenômeno, ou não, conforme seu resultado seja útil ou
perigoso.
O Romance Experimental nasce, portanto, do desejo do escritor de
atribuir à literatura o mesmo status de ciência experimental que Claude
Bernard acabara de conseguir para a medicina. Com o objetivo de vivenciar,
na prática, o seu novo método literário, Zola tenta empregar os preceitos
teóricos desenvolvidos no Romance Experimental para contar a saga dos
Rougon-Macquart, um conjunto de vinte livros em que o escritor, a partir da
árvore genealógica de uma família, narra os dramas e as paixões vivenciadas
por seus membros, durante o Segundo Império. Nos romances que
constituem a série Rougon-Macquart, nota-se a preocupação do autor em
concretizar na arte literária a tese sustentada pelos pensadores positivistas e
deterministas de que o comportamento humano é a resultante de duas
forças: os caracteres hereditários e o ambiente social. No entanto, estudos
mais recentes apontam para o fato de que O romance experimental era,
sobretudo, uma maneira que Zola encontrou para chamar a atenção sobre si
e sobre o grupo de escritores naturalistas, ainda com fraco capital simbólico
no campo literário. Serviu igualmente para reforçar o lançamento do
romance Nana, publicado na mesma época. Nem o próprio Zola seria fiel aos
preceitos do romance experimental.211
Oito anos depois da publiação por Zola do Romance experimental, e
opondo-se à idéia de reprodução exata da realidade, era a vez de
Maupassant lançar um estudo contendo suas principais concepções
estéticas. Assim, era publicado, em 7 de janeiro de 1888, no periódico
francês Le Fígaro, “Le Roman”, texto que serviria como prefácio ao quarto
romance do escritor, intitulado Pierre et Jean. Nesse prefácio, Maupassant
afirma não tratar especificamente da obra que introduz, mas da arte
romanesca em geral:
Je n'ai point l'intention de plaider ici pour le petit roman qui suit. Tout au contraire, les idées que je vais essayer de faire comprendre entraîneraient plutôt la critique du genre d'étude psychologique que j'ai entrepris dans Pierre et Jean. Je veux m'occuper du Roman en général.212
O autor normando afirma ainda que um bom crítico não deveria
esperar que um artista correspondesse às suas expectativas, ao seu conceito
de arte, mas sim analisar as obras sem parti-pris ou preconceitos e admitir
qualquer tipo de pesquisa estética. Forçar um escritor a seguir normas
rígidas seria tentar modificar sua própria natureza:
211 Cf. CATHARINA, 2006, p. 118. 212 MAUPASSANT, 1986, p. 131.
Un critique, qui mériterait absolument ce nom, ne devrait être qu'un analyste sans tendances, sans préférences, sans passions, et, comme un expert en tableaux, n'apprécier que la valeur artiste de l'objet d'art qu'on lui soumet. Sa compréhension, ouverte à tout, doit absorber assez complètement sa personnalité pour qu'il puisse découvrir et vanter les livres même qu'il n'aime pas comme homme et qu'il doit comprendre comme juge.213
Em seguida, faz um paralelo entre o escritor romântico – que buscava
captar a vida em seus momentos excepcionais e contentava-se em divertir o
seu leitor – e o escritor realista, que a observa em seu estado normal,
estimulando uma reflexão.
Neste prefácio, Maupassant discute alguns aspectos da evolução do
romance, do romantismo até o naturalismo e emite importantes opiniões
acerca do realismo literário. Para o escritor, comete-se um grave erro quando
se opõem os termos “Realismo” e “idealismo”, dada a convencional
identificação deste último com as obras românticas. O idealismo não se
encontra no ato de escrever histórias que distorcem a visão do mundo
através de um lirismo desenfreado, atitude que Maupassant julga pertencer
a um romantismo caduco. O verdadeiro ideal a ser ambicionado, ao
contrário, é de ordem artística e reside na busca pela ilusão realista, que se
deve manifestar através de um texto revestido de verossimilhança, capaz de
dar ao leitor uma idéia precisa da vida.
A busca pelo efeito de verossimilhança não significa, porém, que o
texto literário se preste a uma tarefa de mera cópia da realidade. Conforme
afirma em “Le Roman”, a obra de arte é uma criação eminentemente pessoal,
uma vez que a realidade se revela uma abstração complexa e extensa para
213 Idem.
caber no texto. Assim, é necessário que o escritor selecione os episódios
dessa realidade que ele julgue mais representativos para comunicar uma
determinada idéia e, em seguida, adapte-os convenientemente ao texto, a fim
de veicular uma visão de mundo mais ampla.
Essa escolha tendenciosa dos fatos possibilita a criação de um
simulacro artístico da realidade exterior, aparentado a ela, mas
independente. Tal simulacro atua como um artifício, reconstituindo o mundo
consoante uma mentalidade específica. Isso permite chegar à conclusão de
que a realidade é relativa, dependente de uma subjetividade interpretativa.
Por conseguinte, o texto literário, veículo dessa subjetividade, não reproduz o
real, mas ao contrário, constrói uma realidade própria, com o material da
ficção. Em sua crônica Question littéraire, publicada em 18 de março de
1882, em Le Gaulois, Maupassant já teria sugerido uma autonomia da obra
de arte em relação a uma realidade que lhe é extrínseca, apesar de lhe servir
de modelo: « L’art nous donne la foi dans l’invraisemblable, anime ce qu’il
touche, crée une réalité particulière, qui n’est ni vraie, ni croyable, et qui
devient les deux par la force du talent. »214 Para Maupassant, portanto, a
importância atribuída à originalidade é patente com a reivindicação de total
liberdade de expressão estética.
A relativa independência entre realidade e arte ocasiona uma sutil
distinção entre o verossímil e o verdadeiro. De fato, ocasionalmente, o
verdadeiro, isto é, aquilo que acontece na realidade, pode não ser verossímil
numa obra artística, como já escrevia Boileau, citado por Maupassant em 214 MAUPASSANT, Guy de. Question Littéraire. Disponível em [http://maupassant.free.fr/chroniq/question.html] Acesso em 20 fevereiro de 2007.
“Le Roman”: “A verdade pode, às vezes, não ser verossímil.”215 A título de
exemplificação, Maupassant aponta a questão dos acidentes, que na vida
real, são transtornos comuns que se tornam, muitas das vezes, fatais. No
entanto, em um romance, a verossimilhança impede que o protagonista se
acidente e morra no meio da narrativa, já que a história é focada nele. O
grande poder do artista reside, portanto, na construção de uma nova
realidade a partir de sua obra e no convencimento daqueles que a apreciam,
de sua verossimilhança. Enfim, não se trata de fotografar a vida, mas de
transmitir uma idéia mais convincente do que ela própria. Faire vrai
consistiria em dar uma ilusão completa da verdade:
Il y a, dans tout, de l'inexploré, parce que nous sommes habitués à ne nous servir de nos yeux qu'avec le souvenir de ce qu'on a pensé avant nous sur ce que nous contemplons. La moindre chose contient un peu d'inconnu. Trouvons-le. Pour décrire un feu qui flambe et un arbre dans une plaine, demeurons en face de ce feu et de cet arbre jusqu'à ce qu'ils ne ressemblent plus, pour nous, à aucun autre arbre et à aucun autre feu. C'est de cette façon qu'on devient original.216
Assim sendo, Maupassant chega à conclusão de que os realistas de
talento deveriam, na verdade, ser chamados de ilusionistas:
Le réaliste, s'il est un artiste, cherchera, non pas à nous montrer la photographie banale de la vie, mais à nous en donner la vision plus complète, plus saisissante, plus probante que la réalité même. [...] J'en conclus que les réalistes de talent devraient s'appeler plutôt des illusionnistes.217
Ainda em “Le Roman”, o escritor estabelece a diferença entre o
romance de análise e o romance objetivo. Neste segundo caso – representado
215 « Le vrai peut quelquefois n’être pas vraisemblable » BOILEAU apud MAUPASSANT, 1986, p. 139. 216 MAUPASSANT, 1986, p. 151. 217 Idem.
por Flaubert –, as personagens são conhecidas por suas ações, enquanto
que para o primeiro – representado por Paul Bourget – seria necessário
contar todas as minúcias que levam a personagem a “agir” dessa ou daquela
maneira. A “ação” fica em segundo plano. Maupassant também defende o
desprezo pela linguagem rebuscada em prol da simplicidade, o poder de
evocação das palavras, a valorização do texto enxuto, ou seja, dizer o
máximo com o mínimo de recursos e a habilidade em sugerir:
Quelle que soit la chose qu'on veut dire, il n'y a qu'un mot pour l'exprimer, qu'un verbe pour l'animer et qu'un adjectif pour la qualifier. […] Il n'est point besoin du vocabulaire bizarre, compliqué, nombreux et chinois qu'on nous impose aujourd'hui sous le nom d'écriture artiste, pour fixer toutes les nuances de la pensée ; mais il faut discerner avec une extrême lucidité toutes les modifications de la valeur d'un mot suivant la place qu'il occupe. Ayons moins de noms, de verbes et d'adjectifs aux sens presque insaisissables, mais plus de phrases différentes, diversement construites, ingénieusement coupées, pleines de sonorités et de rythmes savants. Efforçons-nous d'être des stylistes excellents plutôt que des collectionneurs de termes rares.218
Vistos os principais princípios estéticos de Zola e de Maupassant,
nota-se que, ainda que Maupassant defenda – assim como Zola – o princípio
de uma escrita impessoal, ele se afasta de outras propostas, como por
exemplo a da escrita artista dos Goncourt. De acordo com Zola, em O
Romance Experimental, o romacista é “observador” e “experimentador” e sua
escrita caracteriza-se por registrar os “mecanismos” sociais, as “engrenagens
das manifestações intelectuais e sensuais”. Na verdade, Maupassant se
distancia da análise objetiva e científica dos fatos, da fotografia banal e da
reprodução exata da vida, da escrita rebuscada pautada em longas
218 Idem.
documentações, como propôs Zola. Segundo Maupassant, a verdade não
existe.
Desse modo, pode-se concluir que, apesar de ter se mantido próximo
de Zola e do grupo de escritores de Médan, Maupassant procurou em “Le
Roman”, afirmar sua independência no que diz respeito aos seus princípios
estéticos.
5.3 – O naturalismo e seus diferentes gêneros
Como evidenciado anteriormente, o Positivismo de Augusto Comte, o
Evolucionismo de Charles Darwin e, principalmente, o Determinismo de
Hypolyte Taine animaram os escritores do final do século XIX. A partir de
então, começou a surgir um número notório de textos em prosa
caracterizados pela exposição do psicológico das personagens diante de
inúmeras situações.
Esse tipo de romance experimental surgiu com Zola, que apontou
soluções sociais por meio de exposições baseadas na vida das camadas
sociais menos favorecidas e também enfatizou as reflexões a partir de teorias
biológicas e filosóficas. Na técnica, a escrita de Zola foi marcada por um
método narrativo objetivo, imparcial e pelo acentuado cuidado na descrição.
No caso de Zola, ressalta-se ainda a importância dada à realização de
documentação de fundo histórico. Apesar da semelhança de método, há
algumas diferenças que percorrem a escrita de Zola e Maupassant, conforme
veremos a seguir.
Tendo em vista a freqüente associação da estética naturalista a Zola,
ao grupo de Médan e aos seus princípios científicos, David Baguley, em Le
naturalisme et ses genres (1995), procurou evitar certa tradição crítica que
interpreta os textos naturalistas como meros “documentos humanos”,
seguindo, portanto, radicalmente a proposta de Zola do Romance
experimental.219
Segundo Baguley, os escritores que freqüentavam habitualmente as
reuniões em Médan não constituíam de fato, um grupo coeso, exceto Paul
Alexis – amigo de Zola desde 1869 e tido como o mais fiel de seus discípulos.
Os escritores em torno de Zola não compartilhavam plenamente a doutrina
do mestre.220 Apesar da falta de consenso estético entre Paul Alexis, Henry
Céard, J.-K. Huysmans, Léon Hennique, Maupassant e Zola, nota-se, a
partir do prefácio escrito por Maupassant ao volume das Soirées de Médan,
que havia uma idéia em comum:
Les nouvelles qui suivent ont été publiées, les unes en France, les autres à l'étranger. Elles nous ont paru procéder d'une idée unique, avoir une même philosophie. Nous les réunissons. Nous nous attendons à toutes les attaques, à la mauvaise foi et à l'ignorance dont la critique courante nous a déjà donné tant de preuves. Notre seul souci a été d'affirmer publiquement nos véritables amitiés, et, en même temps, nos tendances littéraires.221
Assim, a obra coletiva Les Soirées de Médan foi publicada em 1880
apresentando como projeto comum, o seguinte:
[...] tratava-se de, quase dez anos após o fim da guerra, desmistificar o fato histórico, através da “terapêutica naturalista da verdade”, pois o exército francês era
219 Cf. BAGULEY, David. Le naturalisme et ses genres. Paris: Nathan, 1995, p. 6. 220 Cf. Ibidem, p. 22. 221 MAUPASSANT apud BAGULEY, 1995, p. 26.
romanticamente incensado por uma certa literatura patriótica e revanchista que se propagou após o fim da guerra, da qual a França saiu perdedora.222
Primando por demonstrar e analisar alguns textos da ficção
naturalista, Baguley propõe uma divisão do naturalismo em dois
subgêneros: o naturalismo trágico e o naturalismo da desilusão. O primeiro,
utilisa características da tragédia clássica, como a predestinação do
protagonista ao sofrimento, desencadeando uma série de acontecimentos
que obedecem a uma certa estrutura narrativa e encaminham o personagem
para a queda final. Quanto ao segundo subgênero, diferentemente do
primeiro, explora o tédio e o desinteresse pela vida, através de um texto
repetitivo e monótono. A estagnação é atingida através de uma narrativa
linear, que não provoca expectativas.
Levando-se em conta os dois subgêneros propostos por Baguley, pode-
se afirmar que a estética naturalista de Maupassant se aproxima do
naturalismo da desilusão. O estudioso propõe como exemplo de obra de
Maupassant, seu primeiro romance Une vie (1883), através do qual se torna
evidente a indiferença de Maupassant face aos acontecimentos históricos da
época. O romance se situa no início do século XIX, contudo, em nenhum
momento Maupassant faz alusão à Restauração e à Monarquia de Julho. Há
apenas a preocupação com as perturbações da vida cotidiana de Jeanne, a
protagonista. O romance é marcado por momentos alternados de ilusões e
222 CATHARINA, 2006, p. 110.
desilusões, esperanças e sonhos, crises, decepções e desastres, evidenciando
a insignificância da vida humana.223
A falta de preocupação com a influência dos acontecimentos históricos
por parte de Maupassant já demonstra uma das diferenças – talvez a maior
delas – entre ele e Zola, para quem a relação do indivíduo com o meio em
que se insere é de significativa importância, como o próprio escritor mostrou
em L’Assommoir (1876-1877), narrativa marcada por um naturalismo trágico
cujo espaço foi rigorosamente determinado para a permanência dos
personagens que ali seriam analisados em diversas situações.224
Comparando-se as duas narrativas, Une vie e L’Assommoir, é possível
notar que Zola se apresenta como um escritor voltado para o social, o
coletivo, enquanto que Maupassant, para quem os problemas sociais não
são significativos, ocupa-se com a psicologia individual. Segundo o crítico
literário Knud Togeby, “os romances de Zola revelam conhecimentos sociais
muito mais extensos e variados do que os de Maupassant”225, uma vez que
leva ao conhecimento do seu leitor aspectos da vida de diversos segmentos
da sociedade:
[Zola] nos introduz no mundo do clero (La faute de l’abbé Mouret, 1875), da política (Son excellence Eugène Rougon, 1876), dos operários (L’Assomoir, 1876-1877), das cortesãs (Nana, 1880), da doméstica (Pot-Bouille, 1882), do comércio (Au Bonheur des Dames, 1883), dos mineiros (Germinal, 1885), dos camponeses (La terre, 1888), da finança (L’argent, 1891) e do exército (La débâcle, 1892).226
223 Cf. BAGULEY, 1995, p. 97-99. 224 Cf. Ibidem, p. 86. 225 « Les romans de Zola révèlent des connaissances sociales beaucoup plus étendues et variées que celles de Maupassant. » TOGEBY, 1954, p. 49. 226 « Il nous introduit dans le monde du clergé (« La faute de l’abbé Mouret » 1875), de la politique (« Son excellence Eugène Rougon » 1876), des ouvriers (« L’assomoir » 1877), des courtisanes (« Nana » 1880), des domestiques (« Pot-Bouille » 1882), du commerce (« Au
Maupassant também tratou de muitos desses temas em sua obra, no
entanto, com um enfoque diferente. Assim, apenas a título de
exemplificação, no conto Le Saut du Berger, publicado em março de 1882,
Maupassant evoca a figura do padre, mas não para analisar o seu papel na
sociedade e sim para mostrar seu lado mais sádico: trata-se de um padre
violento, austero e cujo fanatismo o leva à demência. Em 1883, em Aux
champs, Maupassant trata da vida de duas famílias de camponeses pobres,
os Tuvache e os Vallin. Cada uma dessas famílias compõe-se de oito filhos.
Uma senhora que não podia ter filhos decide, então, comprar o filho mais
novo da família dos Tuvache, mas não consegue. Assim sendo, propõe a
outra família, que aceita. Com o passar dos anos, o jovem Jean, filho dos
Vallin, volta de carro para o lugar de onde saiu com a senhora que o
comprou e provoca no filho mais novo da outra família uma grande inveja;
este diz à mãe que nunca a perdoará por também não o ter vendido.227
Maupassant poderia ter abordado a questão do problema financeiro das
famílias, buscando encontrar suas causas, no entanto, procurou enfatizar o
lado sórdido daquela família.
Maupassant também apresenta uma estética naturalista diferente da
dos irmãos Goncourt, sobretudo no que concerne o assunto de seus textos.
Se os Goncourt são conhecidos por tratarem de assuntos corriqueiros que
agucem a curiosidade, para Maupassant não é uma questão de curiosidade,
mas de realidade:
Bonheur des Dames » 1883), des mineurs (« Germinal » 1885), des paysans (« La terre » 1888), de la finance (« L’argent » 1891) et de l’armée (« La débâcle » 1892). » Ibidem, p. 50. 227 Cf. MONGLOND, op. cit, p. 136.
Enquanto Maupassant não para de nos pintar a realidade que ele conhece, os Goncourt estão sempre em busca de meios bizarros e de efeitos surpreendentes, hediondos ou até mesmo patológicos. Maupassant também conhece os estados patológicos; no entanto, para ele, não se trata de curiosidades, mas de realidades cruéis.228
Assim como buscavam um efeito surpreendente com os temas
escolhidos, os irmãos Goncourt também procuravam obter esse efeito no
estilo da escrita, contra o qual Maupassant, adepto de um estilo claro e sem
erudições e artificialidades, reagiu de maneira incisiva em seu prefácio a
Pierre et Jean, como visto anteriormente.
Já em relação à Huysmans, é possível notar uma proximidade das
estéticas, sobretudo quando se toma como referência os romances Une vie,
de Maupassant, publicado em 1883 e En ménage, de Huysmans, publicado
em 1881. De acordo com Baguley, ambos são exemplos do que considera ser
o naturalismo da desilusão, pois o tédio e o desinteresse pela vida são
repetidamente explorados, enfatizando-se uma visão amarga e pessimista da
vida.
A partir dos estudos de Baguley, foi possível notar que mesmo
considerando o romance Une vie, de Maupassant, um exemplo do que
denominou ser o naturalismo da desilusão, do desencanto, Baguley não
excluiu a importância da ironia, tanto nos textos de Maupassant, como nos
textos dos outros escritores de Médan. Desse modo, inicia seu capítulo “Nos
modos irônicos” afirmando que “os historiadores da literatura associam as
origens do realismo (e do naturalismo) às tradições literárias que exploravam 228 « Tandis que Maupassant ne cesse de nous peindre la réalité qu’il connaît, les Goncourt sont toujours à la recherche de milieux bizarres et d’effets surprenants, hideux ou même pathologiques. Maupassant connaît aussi les états pathologiques ; cependant, pour lui il ne s’agit pas de curiosités, mais de réalités cruelles. » TOGEBY, op. cit., p. 48.
plenamente esses modos irônicos.”229 Tais modos apresentam um aspecto
verbal e um situacional. Assim, constatada uma presença mais evidente e
imediata dos sinais da voz do narrador, as formas verbais podem ser as mais
variadas: a ironia verbal como antífrase, a sátira verbal como diatribe, a
paródia verbal como pastiche. Ao contrário, no que diz respeito ao outro
aspecto, “estas formas tendem a convergir, pois a mesma situação,
principalmente nos textos realistas em que o narrador é, como se diz
“ausente”, pode ser ao mesmo tempo irônica, satírica e paródica.”230
Segundo Baguley :
É evidente que a sátira e a paródia convêm, portanto, para a manutenção da ilusão de imparcialidade realista, preenchendo discretamente as funções retóricas da literatura naturalista. Elas também têm a vantagem, para o escritor naturalista, de conciliar a teoria e a prática, a estética e a pragmática.231
Pensando, por exemplo, em Boule de Suif, nota-se esta conciliação,
uma vez que Maupassant lança mão de uma ironia evidente ao analisar a
moral idealizada das pessoas “honestas” de Rouen, com suas crenças e
princípios, e seus reais comportamentos hipócritas e egoístas, na prática.
Em diversas crônicas, Maupassant também lança mão do uso da ironia,
sobretudo, quando o assunto gira em torno de políticos, da burguesia de
maneira geral e das instituições.
229 « On se rappelle que les historiens de la littérature rattachent les origines du réalisme (et du naturalisme) à des traditions littéraires qui exploitaient pleinement ces modes ironiques. » BAGULEY, 1995, p. 111. 230 « ... ces formes tendent à converger, car la même situation, surtout dans des textes réalistes où le narrateur est, comme on dit, « absent », peut être à la fois ironique, satirique et parodique.» Ibidem, p. 112. 231 « Il est évident que la satire et la parodie conviennent donc au maintien de l’illusion de l’impartialité réaliste, tout en remplissant discrètement les fonctions rhétoriques de la littérature naturaliste. Elles ont ainsi l’avantage pour l’écrivain naturaliste de concilier la théorie et la pratique, l’esthétique et la pragmatique. » Idem.
Assim, em Pensées libres, crônica publicada em Le Gaulois, em 14 de
novembro de 1881, um ministro republicano, Paul Bert, é ironizado pelo
escritor, por ter desejado impor aos alunos das escolas parisienses,
exercícios militares.232 Maupassant também ironiza, em 28 do mesmo mês, e
no mesmo periódico, o fracasso do jornalista, político francês e polemista,
Henri Rochefort, diretor do periódico L’Intransigeant, no processo
empreendido pelo cônsul da França na Tunísia, Roustan, por difamação.233
Como visto, através de um tom marcado pela ironia e pelo cinismo, e
se posicionando face às inúmeras questões do cotidiano, o escritor
normando explicitava suas idéias, o seu modo de ver o mundo.
Retomando a idéia defendida por Baguley, de que não houve uma
efetiva afinidade estética no grupo de escritores de Médan, Maupassant
parece, realmente, ter tido outro motivo para entrar no grupo. Em uma carta
destinada ao amigo Robert Pinchon, em fevereiro de 1877, deixa entrever
que ao começar a fazer parte do grupo de escritores de Médan, o que
buscava, efetivamente, era uma estratégia de entrada no campo literário:
Je fais partie d'un groupe littéraire qui dédaigne la poésie. Ils me serviront de repoussoir ; c'est pas bête : je pousse au naturalisme dans le théâtre et dans le roman, parce que plus on en fera, plus ça emm... et c'est tout bénef pour les autres. Gare la réaction, les amis !...234
232 MAUPASSANT, Guy de. Pensées Libres. Disponível em [http://maupassant.free.fr/chroniq/pensees.html]. Acesso em 15 de julho de 2007. 233 MAUPASSANT, Guy de. Choses du jour. Disponível em [http://maupassant.], na seção Chroniques. Acesso em 15 de julho de 2007. 234 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=61] Acesso em 11 de abril de 2007
Segundo André Vial, foi no início de 1882 a última vez que
Maupassant escreveu a palavra “naturalista”.235 Sabendo-se que
Maupassant se consagrou como escritor de contos em 1880, com a
publicação de Boule de Suif, na coletânea de novelas naturalistas, o fato de
lançar mão do uso da palavra “naturalista” somente até 1882, demonstra
certo distanciamento por parte de Maupassant, do rótulo de escritor
naturalista que lhe era atribuído, evidenciando que o escritor tinha
consciência de que sua estética se diferenciava da dos demais escritores.
Contudo, mesmo existindo divergências, Maupassant sabia reconhecer os
méritos dos outros colegas de profissão. E é através desse reconhecimento
que o escritor nos dá a possibilidade de conhecer um pouco mais de sua
estética.
Ao elogiar, como analisado anteriormente, o romance La Joie de vivre,
de Zola, Maupassant apresenta algumas de suas principais exigências
enquanto escritor: suscitar impressões, quando diz a Zola que a paisagem
marítima descrita lhe deu “cette illusion d’une chose que j’aurais vue” e
estimular sensações, já que afirmou ter tido “la sensation d’un bain
d’humanité”.236 Já ao tecer comentários acerca de Une Page d’amour,
também de Zola, revela outros dois de seus princípios estéticos: a perfeição
formal - pois considera ser este romance “le plus parfait de style”237 - e a
235 VIAL, 1954, p. 254. 236 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=323] Acesso em 13 de maio de 2008 237 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=94] Acesso em 21 de agosto de 2007
economia lexical em detrimento da grandeza de sentido – já que afirma que
“Cette oeuvre est d’une ligne simple et grande, avec d’adorables pages.”
Empenhado na concretização de uma estética da observação rigorosa,
preocupado em afirmar seu procedimento de escrita, Maupassant parece ter
apoiado a sua estética em um naturalismo satírico, ora amargo, ora
divertido, e às vezes também abrandado pelo sentimento de pena, como
ocorre, por exemplo, em relação à protagonista da novela Boule de Suif, que
mesmo sendo uma prostituta e, portanto, mal vista socialmente, ao colocar
em prática algumas de suas virtudes durante a narrativa, acaba se tornando
uma personagem digna da compaixão do leitor. Ou ainda, como acontece
com a empregada Rosalie, do seu romance Une vie que, mesmo tendo sido
amante de Julien, marido de sua patroa, Jeanne, acaba tendo a
cumplicidade do leitor por ter permanecido ao lado da patroa, cuidando dela
em todos os momentos de sofrimento, até o fim.
Após uma análise da estética naturalista de Maupassant e da
referência a escritores que compunham o grupo de Médan ou que com ele se
relacionavam, foi possível observar que ainda que tenha havido certa
semelhança – a presença da ironia, a crítica mordaz ao patriotismo vigente
na época, uma afinidade de temperamentos -, Maupassant cultivou, com o
tempo, uma estética particular, caracterizada não pela documentação
escrita, mas por uma acuidade marcadamente visual, observadora. Não se
pode, portanto, afirmar que houve uma coesão do grupo naturalista. O que
houve, na verdade, foi uma aproximação por admiração e interesse, de
escritores ainda não consagrados, como Maupassant e Céard, por exemplo, e
de Zola, já reconhecido e detentor de certo capital simbólico, portanto. Ao se
aproximar de Zola, Maupassant buscou, principalmente, reconhecimento no
campo literário.
6 – INVESTIMENTO GENÉRICO, UMA QUESTÃO DE
POSICIONAMENTO
Em Discurso Literário (2006), Maingueneau atenta para a estreita
relação que existe entre o posicionamento, a memória intertextual e o
investimento em algum gênero; a título de exemplificação, explica que ao
escrever um pantum (gênero poético revelado por As orientais, de Victor
Hugo), Baudelaire, através de sua escolha, explicita sua filiação a Hugo.238 O
pesquisador evidencia ainda que, ao defender um determinado
posicionamento, o autor determina que as obras devem investir em certos
gêneros e não em outros: “Os escritores naturalistas, por exemplo, não
escrevem romances de maneira contigente; seu posicionamento é, na
verdade, indissociável do emprego desse gênero.” 239
Em sentido estrito, pode-se dizer que o gênero é “um meio para o
indivíduo localizar-se no conjunto das produções textuais (…)”240, ou seja,
diferentes modos de expressões textuais possuem organizações discursivas
calcadas em certos padrões comunicativos. Assim, todo enunciado se
depara, no processo enunciativo, com a inscrição de seu enunciado em um
ou mais gêneros, uma vez que “qualquer enunciação constitui um certo tipo
de ação sobre o mundo cujo êxito implica um comportamento adequado dos
destinatários, que devem poder identificar o gênero ao qual ela pertence. ”241
A escolha de um gênero para um autor, é, portanto, uma forma de se
238 MAINGUENEAU, 2006, p. 167. 239 Ibidem, p. 168. 240 CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004, p. 249. 241 MAINGUENEAU, 1995, p. 65.
posicionar no campo literário e a opção genérica determina, de certa
maneira, a obra, já que esta se constrói com a consciência da existência de
gêneros distintos.
Conhecidos os gêneros aos quais Maupassant se dedicou durante a
sua carreira literária, nota-se que o escritor investiu, sobretudo, na
produção de contos e crônicas, primeiramente publicados em jornais para
apenas depois serem publicados em forma de coletâneas. O que se nota nas
crônicas, nas narrativas e nos contos de Maupassant, é que a realidade
transposta para o papel se apresenta como um real construído e marcado
por situações vividas pelo escritor.
Como apontado no início do presente estudo, Maupassant escreveu
mais de cem crônicas, aproximadamente trezentos contos, e apenas sete
romances, um volume único de versos e três narrativas de viagem. A
disparidade desses números aguçou, portanto, o interesse em refletir acerca
do que o teria impulsionado a investir, sobretudo, na produção de contos e
crônicas. Assim, serão apresentadas algumas reflexões a partir do que se
estudou até agora da trajetória do autor. É preciso esclarecer que para tais
reflexões, os dados apresentados no capítulo 4, sobretudo na seção 4.2
intitulada “Maupassant periodista”, foram de fundamental importância.
Pensar no investimento de Maupassant em gêneros como o conto e a
crônica, portanto, significa pensar em sua carreira de jornalista.
O jornalismo representou para o escritor um bom meio de exercitar
sua escrita, além de lhe ter permitido ser conhecido pelo público-leitor da
época. Diferentemente de Flaubert, a quem o jornalismo parecia não
agradar, Maupassant parece ter tido certa estima pela imprensa, não
desprezando nem os jornalistas e nem o próprio jornalismo, como mostra em
« La Politesse », crônica publicada em 11 de outubro de 1881, no Gaulois:
« Mais là ou il faut saisir les habitudes de vie d’un peuple, sa manière d’être
habituelle, c’est dans la presse quotidienne, qui représente exactement la
physionomie intime du pays. »242 Gérard Délaisement, um dos especialistas
da produção jornalística de Maupassant, afirma que “o romancista, o
contador, em Maupassant, é antes um cronista”.243
No que diz respeito às suas crônicas, é possível observar que elas
apresentam sempre um tema relacionado à atualidade. As peripécias da vida
parisiense ou nacional, a morte de uma pessoa importante da época, são
exemplos de temas que ofereciam à Maupassant a idéia para escrever uma
crônica. Assim, a morte do príncipe Pierre Bonaparte e a lembrança de um
episódio de sua vida constituíram a ocasião de escrever sobre o respeito, na
crônica Le Respect, publicada em 22 de abril de 1881, no Le Gaulois.244 Se
Maupassant zombava, freqüentemente, do “parisianismo” ambiente, dos
cronistas e dos “boulevardiers”, para os quais não existia nada fora de Paris,
ele sabia que seus leitores eram majoritariamente parisienses. O ponto de
partida de seus artigos era, não raro, portanto, um acontecimento, “fait
divers” ou incidente da vida parisiense.
242 MAUPASSANT, Guy de. « La Politesse ». Disponível em [http://maupassant.free.fr/chroniq/politesse.html] Acesso em 10 de maio de 2008. 243 DELAISEMENT, Gérard. La Modernité de Maupassant, Paris : Editions Rive droite, 1995, p. 25. « [...] le romancier, le conteur, chez Maupassant, est d’abord un chroniqueur » 244 MAUPASSANT, Guy de. Le Respect. Disponível em [http://maupassant.free.fr/chroniq/respect.html]. Acesso em 16 de maio de 2008.
Analisando a produção de Maupassant, de 1876, ano de sua primeira
crônica, até 1891, ano da última crônica publicada, nota-se que até 1880,
ano da publicação de Boule de Suif, que lhe deu visibilidade no campo
literário, só foram publicadas três crônicas, todas no periódico La Nation:
Gustave Flaubert, em 22 de outubro de 1876; Balzac d’après ses lettres
(assinado por Guy de Valmont), em 22 de novembro do mesmo ano, e Les
poètes français du XVIe siècle, em 17 de janeiro de 1877 (também assinado
por Guy de Valmont). Foi, de fato, a partir de 17 de abril de 1880, data da
publicação de Boule de Suif, no volume Les Soirées de Médan, que
Maupassant passou a contribuir regularmente com periódicos da época.
Como se pode notar, antes de obter reconhecimento no campo literário
francês, Maupassant se posicionou como um jovem escritor ainda inseguro
quanto ao seu talento, preferindo não assinar com seu nome verdadeiro,
suas primeiras produções.
Em abril de 1880, Boule de Suif obteve grande sucesso, mas
Maupassant publicou poucos contos nos meses seguintes. Em 1880, Les
Dimanches d’un bourgeois de Paris foi o único conto publicado (no período de
trinta e um de maio a dezesseis de agosto) e apareceu no Le Gaulois,
contendo como principais temas a crítica social e a política. Todavia, o
número de crônicas publicadas no mesmo ano, em 1880, passou de dez,
sendo que de agosto a dezembro, as publicações foram mensais. Assim
sendo, pode-se aventar a hipótese de que nesse ano, Maupassant não
investiu massivamente na escrita de contos, justamente porque enquanto
cronista, precisava cumprir prazos para a entrega de suas crônicas, não
dispondo, portanto de muito tempo para a produção de contos, que são
textos mais complexos, que demandam uma estrutura de maior densidade e
intensidade, pois como afirma Massaud Moisés, “cada palavra ou frase há de
ter a sua razão de ser na economia global da narrativa, a ponto de, em tese,
não se poder substituí-la ou alterá-la sem afetar o conjunto.”245 Retomando
a questão do uso de pseudônimos, apenas a crônica Étretat foi assinada por
Chaudron du diable e não pelo nome verdadeiro de Maupassant. Como
Chaudron du diable é uma expressão que denomina uma das falésias de
Étretat, talvez a escolha por esse pseudônimo tenha sido apenas para dar
mais veracidade a sua história, inserindo o autor em uma mesma topografia.
Já em maio de 1881, foi publicada a novela La Maison Tellier, que
segundo o próprio escritor, em uma carta de janeiro do mesmo ano enviada
a sua mãe, “c'est au moins égal à Boule de Suif, sinon supérieur.”246
Paralelamente, Maupassant colaborava com crônicas assinadas com seu
próprio nome, no Le Gaulois, e também com o Gil Blas, a partir de 29 de
outubro de 1881, mas assinando com o pseudônimo Maufrigneuse. Segundo
Monglond, a explicação para o fato de que Maupassant tenha lançado mão
do uso do pseudônimo nas colaborações com o Gil Blas, reside no fato de
que o escritor já se encontrava comprometido com o Le Gaulois, como foi
explicitado no início do presente estudo.
De 1881 a 1885, sobretudo, a produção de contos e novelas é
consideravelmente grande, o que evidencia a idéia de que após o sucesso de
Boule de Suif, Maupassant passou a se dedicar com mais regularidade aos 245 MOISÉS, 2006, p. 41. 246 MAUPASSANT apud MONGLOND, op. cit., p. 158.
contos, posicionando-se, então como um escritor de narrativas breves. A
partir de 1885, no entanto, sua produção de contos apresenta uma queda
significativa, cedendo espaço para a produção de romances. Tais
constatações levam a crer que Maupassant teria realizado durante anos uma
espécie de treino de sua escrita, para que pudesse, enfim, se sentir seguro
para publicar romances. Em uma carta escrita em 21 de janeiro de 1878,
para sua mãe, Maupassant comenta sobre seu projeto de um romance que
Flaubert teria elogiado:
Flaubert, par contre, s'est montré fort enthousiaste du projet de roman que je lui ai lu. Il m'a dit : « Ah ! oui, cela est excellent, voilà un vrai roman, une vraie idée. » Avant de m'y mettre définitivement, je vais encore travailler mon plan pendant un mois ou six semaines.247
Como explicar, então o começo de um projeto de romance - que seria
Une vie -, ainda em 1877, no início de sua carreira literária? Como será
constatado a seguir, foi preciso que Maupassant interrompesse por diversas
razões a escrita desse romance.
Em outra carta a sua mãe, datada de 15 de fevereiro, ele escreve que
espera acabar o romance em janeiro de 1879 e talvez até antes, pois sabe
que durante o verão não coseguiria avançar muito. Provavelmente se
desligaria do seu romance no verão por ser esta estação providencial para
um apaixonados pelo mar e pela canoagem, como era Maupassant:
Je travaille ferme à mon roman et j'espère que j'en aurai un bon bout de fait avant l'été ; car tu sais que je n'avance plus beaucoup une fois cette saison arrivée. Enfin, avec beaucoup
247 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=83] Acesso em 15 de abril de 2008.
de retards, je finirai toujours certainement pour le jour de l'an prochain. Et peut-être aurai-je terminé bien avant.248
Já em vinte e um de março, afirma ter interrompido a escrita do
romance para terminar sua Vénus rustique:
J'ai interrompu en ce moment mon roman pour finir ma Vénus rustique, à laquelle je travaille avec violence parce qu'après la publication de la Dernière Escapade il peut devenir indispensable que je fasse paraître une pièce nouvelle d'ici à 3 semaines ou un mois.249
Em seguida, ele retoma o romance no verão e no outono, chegando ao
sétimo capítulo, mas logo depois, foi preciso que interrompesse durante dois
anos a escrita, por conta de sua mudança do Ministério da Marinha para o
Ministério de Instrução pública, o que lhe custou um aumento de trabalho e,
portanto, menos tempo disponível.250 Em treze de janeiro de 1879, já
desanimado, Maupassant escreve a Flaubert: « Je me sépare de plus en plus
de mon pauvre roman : j'ai peur que le cordon ombilical soit coupé. »251
Durante a primavera ele retomou o romance e acredita-se que o rascunho
tenha, enfim, terminado por volta de maio de 1882.252 Em vinte e sete de
fevereiro de 1883, então, eram publicadas, em forma de folhetim, as
primeiras páginas do romance.
Ainda que tenham existido todas essas interrupções, não se pode
negar que esta longa espera para a publicação do romance propiciou a
248 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=a&num=87] Acesso em 15 de abril de 2008 249 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=89] Acesso em 15 de abril de 2008 250 Cf. MONGLOND, op. cit., p. 183. 251 MAUPASSANT apud MONGLOND, idem. 252 Cf. idem.
Maupassant a possibilidade de exercitar e melhorar cada vez mais a sua
escrita. Contudo, poder-se-ia afirmar que Maupassant, mesmo consciente do
sucesso que obteve com os seus contos, menosprezava esse gênero em
detrimento do romance? Esta foi uma das principais perguntas que
nortearam a pesquisa, uma vez que, à medida em que ia tendo acesso aos
seus textos e suas cronologias, constatava que foi realmente apenas no fim
de sua carreira que Maupassant se dedicou ao gênero romanesco. Para
tentar respondê-la, portanto, lanço mão das palavras do próprio escritor, em
uma carta escrita em 1891, a um diretor de revista não identificado:
Mon cher confrère, Depuis que j'ai vu M. de Fleury, j'ai réfléchi et je me suis absolument décidé à ne plus faire de contes ni de nouvelles. C'est usé, fini, ridicule. J'en ai trop fait d'ailleurs. Je ne veux travailler qu'à mes romans, et ne pas distraire mon cerveau par des historiettes de la seule besogne qui me passionne. Je pourrai vous donner, lorsque l'œuvre à laquelle je travaille depuis deux ans sera terminée, quelques récits de voyage mouvementés. J'ai reçu des masses de propositions. Je n'ai rien accepté. Tout travail futile m'assomme. Je vous donnerai aussi des physionomies peu connues de Bouilhet et de Tourgueneff. Mais je veux absolument vivre tranquille en ce moment et je quitte Paris pour cela...253
A partir do que nos esclarece Maupassant, a resposta parece ser
afirmativa: sim, Maupassant, ao final de sua carreira literária, se mostra
cansado da produção de contos e novelas, admitindo já ter escrito demais,
além de considerá-los como “historinhas” que o distraíam e acreditar ser
rídiculo continuar a se dedicar a esse gênero de narrativas curtas. Ao
afirmar que não deseja mais “distrair” seu cérebro com essas historinhas,
253 MAUPASSANT, Guy de. Disponível em [http://maupassant.free.fr/corresp/cadre.php?ord=c&num=728] Acesso em 15 de setembro de 2008.
Maupassant se posiciona como um escritor que acredita ser o gênero
romance um gênero sério, diferentemente do conto e da novela, os quais
chega a considerar “fúteis”.
Na verdade, ao se estudar a estética de Maupassant, fundada na
busca pela produção de um texto revestido de verossimilhança, capaz de dar
ao leitor uma idéia precisa da vida, constata-se que, de fato, a crônica e o
conto são os gêneros que melhor corresponderam às ambições financeiras do
escritor, no início. No entanto, no final de sua carreira literária, já
estabilizado financeiramente e detentor de um significatico capital simbólico,
Maupassant passou a investir no que considerava um gênero sério, o
romance.
7- CONCLUSÃO
Durante a pesquisa de Iniciação científica, estudei, sobretudo as
técnicas descritivas empregadas por Maupassant, primeiramente na
narrativa de viagem En Bretagne, comparando-as com as de um guia
turístico, e em um outro momento da pesquisa, comecei a realizar um
estudo comparativo entre as técnicas descritivas presentes nesta narrativa e
na crônica Le pays des korrigans, levando-se em consideração o fato de
serem genericamente diferentes. No entanto, com o avançar da própria
pesquisa, com os avanços da leitura da obra de Maupassant e também de
textos teóricos e críticos, a pesquisa tomou um outro rumo. Meu foco deixou
de ser o estudo comparativo dos dois textos do escritor para ser um estudo
pautado na busca por uma melhor compreensão da trajetória de
Maupassant no campo literário francês da segunda metade do século XIX e
de seus posicionamentos.
Assim, minha primeira motivação, na presente dissertação, foi
apresentar, a partir do conceito de bio/grafia de Dominique Maingueneau,
como se deu a relação da vida e da obra de Maupassant. A partir de dados
de sua biografia, procurei evidenciar que a sua região de origem, com seus
hábitos e tradições, formaram importantes elementos de sua história pessoal
ao mesmo tempo em que constituíram intrinsecamente cenários e temas de
suas novelas.
Em seguida, afastando-me da pretensão de definir cada um dos
gêneros literários, procurei abordar, através de um panorama geral, os
principais gêneros aos quais Maupassant se dedicou, uma vez que,
conhecidos alguns textos de cada um dos gêneros e seus principais modos
de estruturação, tornar-se-ia mais fácil a compreensão das tomadas de
posição de Maupassant, por exemplo, ao investir em um ou outro gênero, em
determinado momento de sua trajetória. Esta seção do estudo foi, portanto,
sobretudo um panorama geral da obra de Maupassant. No entanto, foi a
partir das análises nela realizadas que foi possível a formulação de algumas
hipóteses para se entender o posicionamento de Maupassant no campo
literário. Em suma, através dessa seção, foi visto que, como se quisesse
marcar melhor a diferença que fazia entre seus versos e suas primeiras
peças e sua obra futura que permaneceria, Maupassant assinava quase
sempre suas poesias com o pseudônimo Guy de Valmont, Maufrigneuse ou
Joseph Prunier. De todos os seus pseudônimos, Guy de Valmont foi o que
mais foi empregado pelo escritor. A peça intitulada Au bord de l’eau, assim
como La Dernière escapade, que foram publicadas pela primeira vez em La
République des Lettres, em 1876, estão assinadas por Guy de Valmont. Nesse
mesmo ano de 1876, Maupassant publicou, em La République des Lettres,
um estudo sobre Flaubert. Assim, ao mesmo tempo em que aceitava
imprimir seus primeiros versos, Maupassant publicava alguns ensaios de
crítica.
Analisados os gêneros aos quais se dedicou, foi possível notar que
seus textos eram sempre primeiramente publicados nos periódicos – como
era o hábito editorial à época – para só então serem publicados em forma de
livro. Através desta constatação, não se podia deixar de destacar o período
em que Maupassant, jovem literato, dedicava-se, paralelamente, ao
jornalismo. Na verdade, nesse estudo, procurei tratar da carreira e do
posicionamento de Maupassant e também de sua trajetória no jornalismo.
Vimos, através dos estudos de Bourdieu, que não se pode pensar a trajetória
de um escritor sem situá-la, de forma relacional, dentro do espaço global ou
específico no qual se encontra, em sua relação com outros agentes e forças
institucionais que constituem o campo. Pensando então na trajetória de
Maupassant e igualmente tomando conceito de posicionamento de
Maingueneau, foi possível notar que a trajetória literária de Maupassant é
caracterizada pela vinculação entre seus posicionamentos sucessivos ao
longo de sua carreira literária e jornalística e os espaços sociais que
freqüentava. Assim, tem-se que a lembrança de seu começo no jornalismo,
as impressões que havia captado no mundo da imprensa proporcionaram a
ele temas de inspiração para seus contos e novelas. Toda a ação de seu
romance Bel-Ami se desenvolve na sociedade que se agita ao redor dos
jornais, das salas de redação, dos gabinetes de direção, onde o debutante
havia levado pela primeira vez seus artigos e poesias, dos salões literários,
dos meios políticos. Esses são os principais espaços percorridos pelo
protagonista Georges Duroy, que nos remete, de imediato, aos espaços
percorridos pelo próprio escritor.
Analisando-se a trajetória jornalística de Maupassant, constatou-se
que Maupassant buscou fazer parte do jornalismo, sobretudo, pela ambição
financeira. Não lhe faltou apoio: Zola parece ter sido o responsável por
introduzir Maupassant na imprensa e mesmo Flaubert, que não contribuía
com nenhum periódico, não deixou de indicar os textos de Maupassant aos
jornais que conhecia, até porque, com a ajuda de Flaubert e Zola, como se
constatou, seria mais fácil para Maupassant começar a contribuir com os
periódicos, uma vez que os dois escritores mais experientes, nessa época já
eram detentores de um significativo capital simbólico e social, o que lhes
conferia significativa credibilidade na imprensa.
Pouco a pouco, a colaboração de Maupassant passou a ser mais
solicitada e sobretudo a partir de 1880, seu nome já era encontrado em
diversos periódicos: Le Gaulois, Gil Blas, Le Fígaro, L’Echo de Paris, entre
outros.
A partir desses dados analisados ao longo da presente dissertação,
pode-se afirmar que mesmo no início de sua carreira, Maupassant não se
dedicou a investir seus esforços apenas na poesia. Desde 1875 já pensava no
conto e na novela e, como já elucidado, preparava-se a partir desses dois
gêneros para dedicar-se ao romance. É possível que tenha esperado para
poder se decidir quanto à sua orientação literária em função da recepção de
Boule de Suif e de Des Vers, que foram publicados no mesmo ano. O êxito
obtido através de Les Soirées de Medan, em 1880, foi, de fato, o que deu a
Maupassant destaque no cenário literário da época, permitindo-lhe
abandonar seu emprego no Ministério para se dedicar exclusivamente às
letras.
Se a consagração efetiva do jovem escritor normando no campo
literário francês do século XIX aparece com a publicação da novela Boule de
Suif, não se poderia deixar de lado esta etapa tão significativa da carreira do
escritor. Assim, procurei estudar como Maupassant começou a fazer parte
do círculo de escritores naturalistas de Médan e se realmente houve uma
filiação em relação a Zola e sua estética naturalista. Na verdade, constatou-
se que, embora tenha havido semelhanças, tais como a presença da ironia, a
crítica mordaz ao patriotismo que se encontrava em voga na época e uma
afinidade de temperamentos, Maupassant impôs, com o tempo, um
temperamento próprio.
Ainda segundo os estudos de Baguley, verificou-se que dentre os dois
subgêneros do naturalismo propostos pelo crítico, o naturalismo trágico -
caracterizado por uma predestinação do protagonista ao sofrimento - e o
naturalismo da desilusão - através do qual se exploram o tédio e o
desinteresse pela vida -, a estética de Maupassant se aproxima do segundo.
No que diz respeito aos princípios estéticos de Maupassant e de outros
escritores filiados ao naturalismo, foi possível observar que, ao se posicionar
contra um ou outro princípio, Maupassant estava, na verdade, defendendo a
sua estética. Assim, ao criticar, por exemplo, a escrita erudita dos irmãos
Goncourt, o escritor normando se posicionava a favor de uma escrita clara,
sem artificialidades. Todavia, Maupassant não se posicionava apenas a
partir de suas críticas negativas. Assim, ao elogiar alguns romances de Zola,
defendia algumas exigências próprias, enquanto escritor, como provocar
impressões e sensações em seus leitores. A partir das constatações
sintetizadas acima, procurei elucidar que não houve uma efetiva coesão do
grupo naturalista, e sim uma aproximação por interesses comuns. Isto é,
escritores ainda não consagrados, como Maupassant e Céard, por exemplo,
buscaram, principalmente, reconhecimento no campo literário, através da
aproximação de Zola, já reconhecido e detentor de certo capital simbólico.
Finalmente, buscando uma melhor compreensão acerca dos
investimentos genéricos realizados por Maupassant, tentei, a partir dos
estudos de Maingueneau, mostrar que, em diferentes fases de sua carreira
literária, Maupassant determinou os gêneros em que deveria investir ou não.
Assim, no início de sua carreira, de 1875 a 1880, dedicou-se sobretudo aos
poemas e ao teatro, não assinando suas produções com seu nome
verdadeiro, mas com pseudônimos, demonstrando certa insegurança quanto
à qualidade de seus textos, ao memo tempo em que tentava obter fama e
sucesso nesses gêneros – que não lograram êxito. A partir de 1880, no
entanto, com o sucesso de Boule de Suif, sua produção de contos e crônicas
aumenta consideravelmente, aliada ao fato de ainda estar empregado no
Ministério, de onde saiu somente em 1882. Faltava-lhe tempo para se
dedicar ao romance.
Através dos contos e das novelas, Maupassant chegaria, então, ao
romance. Em sua primeira tentativa, Une Vie, a trama se passa quase que
totalmente (exceto o episódio de viagem dos noivos), no país normando,
região em que praticou durante anos o exercício da observação minuciosa,
vista em suas narrativas curtas. A sua descrição é tão minuciosa que parece
ao leitor que a intriga caracteriza-se pela transposição de uma série de
aventuras vividas ao redor do próprio Maupassant e por personagens com os
quais já havia, de alguma forma, tido contato. Conhecendo-se a obra do
autor, foi possível observar que vários episódios de Une Vie se encontram em
alguns de seus contos, em que as impressões, as paisagens normandas e o
povo normando constituíram boa parte dos temas: La Maison Tellier,
Mademoiselle Fifi, que são anteriores ao romance, Les Contes de la Bécasse,
do mesmo ano que Une vie, Clair de lune e Les Soeurs Rondoli, que
apareceram no ano seguinte, estão repletos de aventuras de caça ou pesca,
histórias normandas e costumes rurais. Enfim, o primeiro romance de
Maupassant também obteve sucesso e a partir de então, suas antologias de
contos e novelas são publicadas sem qualquer interrupção, durante seis
anos. Foram anos de prosperidade e reconhecimento para o escritor.
A principal hipótese que norteou todo o estudo era a de que
Maupassant consideraria o romance um gênero superior e teria, portanto,
lançado mão de sua vasta produção de contos e novelas para exercitar a sua
escrita até que atingisse a complexidade formal e estrutural que demanda o
gênero. Após ter percorrido a obra de Maupassant e ter conhecido seus
posicionamentos ao longo de sua carreira literária, e sobretudo, a partir de
suas próprias idéias defendidas em sua correspondência pessoal, confirma-
se tal hipótese. Maupassant acreditou ser o conto e a novela um gênero
menor, mas soube valorizá-lo e fazer uso dele no momento em que lhe foi
conveniente, em que desejava obter reconhecimento e lucros. Os
investimentos genéricos que fez ao longo de sua carreira foram efetivamente
estratégicos, estando diretamente relacianado com as suas necessidades no
momento. Assim, sua dedicação ao jornalismo representou, além de um bom
meio de exercitar sua escrita, uma maneira de ser rapidamente conhecido
pelo público-leitor da época, uma vez que a partir de 1880, ano da
publicação de Boule de Suif, que lhe deu visibilidade no campo literário, sua
colaboração, com periódicos da época era constante. Verificou-se ainda que,
ao se posicionar de maneira neutra, politicamente, evitando se pronunciar
contra ou a favor de qualquer tendência, Maupassant teve a possibilidade de
poder circular em meios de publicação de tendências opostas, obtendo,
portanto, algumas vantagens: colaborou com periódicos de prestígio,
aumentando a sua renda mensal, além de ter freqüentado diferentes círculos
intelectuais, em voga na época, como os jantares oferecidos por Catulle
Mendès e o salão da senhora Adam, onde sempre se podiam encontrar, além
de políticos e artistas, muitos cronistas e editorialistas, por exemplo.
Enfim, entre a poesia, o teatro e a prosa, Maupassant pôde ter acesso
a diversas experiências literárias, além de ter usufruído de uma vida bem
agitada, na qual pode adquirir, pouco a pouco, a consciência de suas
faculdades de artista. Pela observação consciente dos meios que atravessava,
pela absoluta independência de idéias e pela disciplina que adquiriu durante
os anos de cumprimento de prazos exigidos pelos diversos jornais em que
veiculava seus textos, pode-se afirmar que Maupassant consagrou-se como
escritor, mesmo distanciando-se do homem de letras convencional, que
geralmente se filia a escolas literárias ou a partidos políticos.
8 – REFERÊNCIAS
ADAM, J.-M. & PETITJEAN, A. Le texte descriptif: poétique et linguistique textuelle. Paris: Nathan, 1989. ARTINIAN, Artine. Pour et contre Maupassant: enquête internationale (147 témoignages inédits). Paris: Nizet, 1955. BAGULEY, David. Le naturalisme et ses genres. Paris: Nathan, 1995. BANCQUART, Marie-Claire. Maupassant conteur fantastique. Lettres Modernes: Minard, 1976. ______. Maupassant, un homme énigmatique. Paris: Ministère des Affaires étrangères, 1993. BATALHA, Maria Cristina. O fantástico como mise-en-scène da modernidade. Niterói: Instituto de Letras da UFF, 2003. (Tese de Doutoramento) BENHAMOU, Noëlle. “Filles prostituées et courtisanes dans l’oeuvre de Guy de Maupassant-Représentation de l’amour venal”, thèse présentée sous la direction de Philip Hamon, Université de Paris III Sorbonne Nouvelle, Juin 1996. ______(org.). Guy de Maupassant – études réunies par Noëlle Benhamou avec des documents inédits. Amsterdam-New York : Rodopi, 2007. BESNARD-COURSODON, Micheline. Étude thématique et structurale de l’oeuvre de Maupassant : Le piège. Paris: A.G Nizet, 1973, pp. 219-266. BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Trad. Jeni Vaitsman. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. ______. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. (Trad. Mariza Corrêa). São Paulo: Papirus, 1996a. ______. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996b. BURY, Mariane. Une vie de Guy de Maupassant. Paris: Gallimard, 1995. (Foliothèque, 41) CALAIS, Etienne. Une vie de Maupassant. Paris: Nathan, 1990. (Balises, 21) CARPEAUX, Otto Maria. Relendo Maupassant. Publicado no suplemento “Letras & Artes”, do jornal A Manhã, de 20 de julho de 1947, p. 1 e 8.
CATHARINA, Pedro Paulo G. F. À Rebours : ‘cet étrange roman si en dehors de toute la littérature contemporaine’. Excavatio International Review for Multidisciplinary Approaches and Comparative Studies related to Emile Zola and his Time, Naturalism, Canada: University of Alberta / AIZEN, 20 (1), dec. 2005a. ______. Quadros literários fin-de-siècle; um estudo de Às avessas, de Joris-Karl Huysmans. Rio de Janeiro: 7letras-Faculdade de Letras UFRJ, 2005b. ______. Estética Naturalista e configurações da modernidade. In: MELLO, Celina Maria Moreira & CATHARINA, Pedro Paulo G. F. (org.). Crítica e movimentos estéticos: configurações discursivas do campo literário. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006, p. 105-136. CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992. _______. & MAINGUENEAU. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004. CHARTIER, Roger & MARIN, Henri-Jean. Histoire de l’édition française ; Le Temps des éditeurs : du Romantisme à la Belle Époque. Tome III. Promodis : Paris, 1985. DELAISEMENT, Gérard. Maupassant, journaliste et chroniqueur. Paris : Albin Michel, 1956. ______. La Modernité de Maupassant. Paris : Rive droite, 1995. DUMESNIL, René. « La Normandie de Maupassant », Le Mercure de France, CCXLI, 1er janvier 1933. Disponível em [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k202152q] Acesso em 13 de junho de 2008. FAGUET, Émile. Guy de Maupassant. La Revue Bleue, t. LII, 15 juillet 1893. FLAUBERT, Gustave. Correspondance. Paris: Louis Conard, 1930. FORESTIER, Louis. Préface In: MAUPASSANT, Guy de. Romans. Paris : Gallimard, 1987. GENETTE, Gérard. Figures III. Paris : Seuil, 1972. ______. Nouveau discours du récit. Paris : Seuil, 1983. ______. Seuils. Paris : Seuil, 1987.
GIACCHETTI, Claudine. Maupassant : espaces du roman. Genève : Droz, 1993. GOULEMOT, Jean M., LIDSKY, Paul & MASSAU, Didier. Le voyage en France. Anthologie des voyageurs français et étrangers en France, aux XIXe et XXe siècles (1815-1914). Paris: Robert Lafont, 1997. HAEZEWINDT, Bernard P.R. Guy de Maupassant : de l’anecdote au conte littéraire. Amsterdam-Atlanta : GA, no 70, 1993. HAMON, Philipe. Du descriptif. Paris: Hachette, 1993 (1981). ______. Introduction à l’analyse du descriptif. Paris : Hachette, 1981. HERVOT, Brigitte. Vencer ou vencer: a ética do arrivista. Assis: UNESP, 1993, 220 p. (Dissertação de Mestrado) ______. Maupassant: um amigo e um crítico de Zola. Patrimônio e Memória: Acervos pessoais. Biografias, autobiografias e diários: memórias de si. São Paulo: UNESP – FCLAs – CEDAP, v.3, n°1, 2007. LE BLAY, Frédéric. Guy de Maupassant. Bel Ami. Rosny: Bréal, 1999. LECLERC, Yvan. Chronologie. Magazine Littéraire, n° 310, Paris, mai 1993, p. 16-27. LEMOINE, Fernand. Guy de Maupassant. Trad. José Manuel Ramos González. Pontevedra, março 2006. Disponível em [http://www.iesxunqueira1.com/maupassant/Libros/biografialemoine.pdf] LINTVELT, Jaap. La polyphonie de l’encadrement dans les contes de Maupassant. In: Maupassant et l’écriture. Actes du colloque de Fécamp (dir. de Louis Forestier). Paris : Nathan, 1993. LOUVEL, Liliane. La description “picturale”; pour une poétique de l’iconotexte. Poétique. Paris: Seuil, n° 112 , 1997, p. 475-490. MAINGUENEAU, Dominique. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins Fontes, 1995. ______. Discurso Literário. Trad.: Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006. MAUPASSANT, Guy de. Au soleil. Paris : Ollendorf, 1902. ______. La vie errante. Paris : Ollendorf, 1903.
______. Oeuvres complètes. Paris : Louis Conard, 1908. ______. Les Soirées de Médan. Comment ce livre a été fait. In : ___. Œuvres complètes. Avec une étude de Pol Neveux. Paris : Louis Conard, 1907-1910. ______. Œuvres complètes. Paris : Louis Conard, 1910. 2 v. _______. Contes et nouvelles. (dir.de Albert-Marie Schmidt). Paris: Albin Michel, 1972. 2t. ______. Œuvres Complètes de Guy de Maupassant. Paris : Louis Conard, 1930. 2t. ______. Contes et nouvelles. Paris: Gallimard, 1974, t. I. (Bibliothèque de la Pléiade) ______. Le Horla (1e version e 2e version). In: ___. Contes et nouvelles. Gallimard, 1979, t.II, p. 822-830 ; p. 913-938. ______. Pour Gustave Flaubert. Préface de Maurice Nadeau. Paris : Complexe, 1986. ______. Romans. Paris : Gallimard, 1987a. ______. Bola de Sebo e Outros contos. Trad. Mário Quintana, Casimiro Fernandes. Rio de Janeiro: Globo, S. A. 1987b. ______. Contes et nouvelles, 1875-1884, et Une Vie. Paris: Robert Laffont, 1988. ______. Sur l’eau. Paris : Gallimard, 1993a. (Folio Classique) ______. Sur l’eau : Cannes, Saint-Raphaël, Saint-Tropez. Préface de Henri Mitterand. Paris : Complexe, 1993b. ______. Correspondance à Gustave Flaubert. Disponível em: http://maupassant.free.fr/ ______. Des vers. Disponível em http://maupassant.free.fr/cadre.php?page=oeuvre ______. La paix du ménage. Disponível em http://maupassant.free.fr/theatre/paix/piece.html ______. Pierre et Jean. In : ___. Oeuvres complètes illustrées. [Dessins de Géo Dupuis ; gravure sur bois de G. Lemoine]. Paris : Paul Ollendorff, s/d.
______. Balzac d’après ses lettres. LA NATION, nov. 1876. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/balzac.html ______. Le pays des Korrigans. LE GAULOIS, déc. 1880. Disponível em : http://hypo.ge-dip.etat ge.ch/athena/selva/maupassant/textes/bretagne.html. ______. Les poètes français du XVIe siècle. LA NATION, jan. 1877. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/poetes.html ______. La Lysistrata moderne. LE GAULOIS, déc. 1880. Disponível em: http://maupassant.free.fr/chroniq/lysistrata.html ______. Le Respect. LE GAULOIS, avr. 1881. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/respect.html ______.La Politesse. LE GAULOIS, oct. 1881. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/politesse.html ______. Pensées Libres. LE GAULOIS, déc. 1881. Disponível em : http://maupassant.free.fr/chroniq/pensees.html ______. Choses du jour. LE GAULOIS, déc. 1881. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/choses.html ______. Les employés. LE GAULOIS, jan. 1882. Disponível em http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/ChrLesEmployes.html ______. Les causeurs. LE GAULOIS, jan. 1882. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/causeurs.html ______. Question Littéraire. LE GAULOIS, mars 1882. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/question.html ______. Chronique. LE GAULOIS, mai. 1882. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/chronique.html ______. Les bas-fonds. LE GAULOIS, juin 1982. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/basfonds.html ______. L'homme de lettres. LE GAULOIS, nov. 1882. Disponível em http://maupassant.free.fr/cadre.php? ______. La finesse. Gil Blas, déc. 1883. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/finesse.html
______. Le fantastique. LE GAULOIS, oct.1883 Disponível em http://www.maupassantiana.fr/Oeuvre/ChrLeFantastique.html ______. Émile Zola. REVUE POLITIQUE ET LITTÉRAIRE, mars 1883. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/zola2.html ______. Par-delà. GIL BLAS, juin 1884. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/pardela.html ______. Messieurs de la chronique. GIL BLAS, nov. 1884. Disponível em http://maupassant.free.fr/chroniq/messieurs.html MAUPASSANTIANA. Informations sur Maupassant et son oeuvre. Paris: nos 25-28, 2006.254 MELLO, Celina Maria Moreira de. L’Artiste: contexto e ethos romântico. In.: PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino & GAVAZZI, Sigrid. Texto e Discurso; mídia, literatura e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003, p. 153-164. ______. A literatura francesa e a pintura. Ensaios críticos. Rio de Janeiro: 7letras-Faculdade de Letras UFRJ, 2004. MITTERAND, Henri. Zola. Paris: Fayard, vol. 2, 2001. MOISÉS, Massaud. A crônica. In: ___. A Criação Literária. São Paulo: Cultrix, 1982. ______.A criação literária. Prosa I. 20a ed. São Paulo: Cultrix, 2006. MONGLOND, Brigitte. Notices et notes. In : MAUPASSANT, Guy de. Contes et nouvelles, 1875-1884, et Une Vie. Paris: Robert Laffont, 1988. NOUVELLE REVUE (LA). Paris: 1879-1884. [Tomos consultados: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 34, 43]. OSWALD, Thierry. La nouvelle. Paris: Hachette, 1966.
254 Noëlle Benhamou, doutora em Letras, professor na Universidade de Picardia, França, responsável pelo sítio da revista eletrônica francesa Maupassantiana tem sido meu contato junto à comunidade de especialistas da obra de Maupassant, desde abril de 2006. Ela me foi útil ao conseguir a crônica En Carême, publicada no periódico Le Gaulois, em 21de fevereiro de 1883 e que pode ter contribuído, assim como Le pays des Korrigans, para a produção da narrativa de viagem En Bretagne, em 1884. Esse contato com especialistas certamente me facilitará no desenvolvimento da pesquisa. A revista MAUPASSANTIANA existe desde abril de 2004, reúne informações sobre Guy de Maupassant e sua obra e tem por objetivo anunciar e tornar disponíveis as novidades e os acontecimentos relativos ao autor.
REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de narratologia. 4ª ed. Coimbra : Livraria Almedina, 1994. SALEM, Jean. Phylosophie de Maupassant. Paris: Elipses, 2000. SCHMIDT, Albert-Marie. Maupassant par lui-même. Paris : Seuil, 1962. (Écrivains de toujours) THIBAUDET, Albert. Histoire de la Littérature Française: de 1789 à nos jours. Paris: Stock, 1936. THORAVAL, Jean. L’Art de Maupassant d’après ses variantes. Paris : l’Imprimerie nationale, 1950. TODOROV, Tzvetan. Introduction à la littérature fantastique. Paris: Seuil, 1970. TOGEBY, Knud. L’oeuvre de Maupassant. Paris: PUF, 1954. TROYAT, Henri. Maupassant. Paris: Flammarion, 1989. VIAL, André. Du Roman de moeurs au Roman psychologique. In :___. Maupassant et l’art du roman. Paris: Nizet, 1954. WOLFZETTEL, Friedrich. Les discours du voyageur. Paris: PUF, 1996. ZOLA, Émile. Obsèques de Guy de Maupassant (7 juillet 1893). Inauguration du monument de Guy de Maupassant au Parc Monceau (24 octobre 1897). In : ___. Eloges d'écrivains, discours prononcés aux obsèques de Gonzalès, Cladel, Maupassant, Houssaye, Goncourt, Daudet, Alexis (1891-1901). Disponível em [http://www.bmlisieux.com/curiosa/zola06.htm]. ______. Les Soirées de Médan. Paris : Frasquelle, 1930. ______. Du Roman. Paris : Éditions Complexe, 1989. ______. Le Roman Experimental. Disponível em [http://www.ac-orleans-tours.fr/lettres/coin_prof/realisme/roman-experimental.htm]
Sítios conexos
http://www.aei.ca/~anbou/salonfranc.html
http://artgauth.regnabit.com/francais/Grasset.php
http://autourduperetanguy.blogspirit.com/media/00/00/1376675767.jpg
http://bciu.univbpclermont.fr/integration/bmiu/pages/vieculturelle/archiv
es/Bibliographies/ParThemes/Jardins/developpementJardins.htm
http://www.bmlisieux.com/curiosa/zola06.htm
http://www.bnf.fr
http://www.bris.ac.uk/dix-neuf/ressources.htm#litterature
http://www.cahiers-naturalistes.com/medan.htm
http://www.ccfr.bnf.fr
http://flaubert.univ rouen.fr/correspondance/conard/outils/1873.htm
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k519137q
http://jydupuis.apinc.org/vents/Maupassant-vers.pdf
http://maupassant.free.fr/
http://www.maupassantiana.fr/
9 – ANEXOS
Quadro de crônicas escritas por Guy de Maupassant entre 1876 e 1891 Ano Crônica Periódico
22/10 - Gustave Flaubert La République des Lettres
1876
22/ 11- Balzac d'après ses lettres (assinado por Guy de Valmont)
La Nation
1877 17/01 - Les Poètes français du XVIe siècle (assinado por Guy de Valmont)
La Nation
17/04 - Les Soirées de Médan. Comment ce livre a été fait
Le Gaulois
20/08 - Etretat (assinado por Chaudron du diable)
Le Gaulois
23/08 - Souvenirs d'un an. Un après-midi chez Gustave Flaubert
Le Gaulois
06/09 - Gustave Flaubert d'après ses lettres Le Gaulois
27/09 - La Patrie de Colomba Le Gaulois
05/10 - Le Monastère de Corbara Le Gaulois
12/10 - Bandits corses Le Gaulois
09/11 - Madeleine Bastille Le Gaulois
21/11 - L'Inventeur du mot « NIHILISME » Le Gaulois
03/12 - Chine et Japon Le Gaulois
10/12 - Le Pays des Korrigans Le Gaulois
19/12 - Madame Pasça Le Gaulois
1880
30/12 - La Lysistrata moderne Le Gaulois
01/01 - Gustave Flaubert dans sa vie intime La Nouvelle Revue
07/01 – Les Cadeaux Le Gaulois
08/01 - Médaillons féminins La Vie moderne
23/01 - La Verte Erin Le Gaulois
31/01 - L'Art de rompre Le Gaulois
13/02 - Les Inconnues Le Gaulois
09/03 - Les Moeurs du jour Le Gaulois
12/03 - Maison d'artiste Le Gaulois
23/03 - Au Muséum d'histoire naturelle Le Gaulois 30/03 - Amoureux et primeurs Le Gaulois
1881
04/04 - Art et artífices Le Gaulois
06/04 - Bouvard et Pécuchet Supplément du Gaulois
10/04 - La Guerre Le Gaulois
22/04 - Le Respect Le Gaulois
29/04 - Propriétaires et lilas Le Gaulois
12/05 – Balançoires Le Gaulois
19/05 - Enthousiasme et cabotinage Le Gaulois
26/05 - Le Préjugé du déshonneur Le Gaulois
09/06 - L'Echelle sociale Le Gaulois
19/06 - L'Esprit en France Le Gaulois
23/06 - Les Poètes grecs contemporains Le Gaulois
30/06 - Vive Mustapha Le Gaulois
05/07 – Zut ! Le Gaulois
17/07 - Alger à vol d'oiseau Le Gaulois 20/07 - Lettres d'Afrique ( assinadas por Un colon)
Le Gaulois
26/07 - Autour d'Oran Le Gaulois
- Lettre d'Afrique (assinada por Un colon) Le Gaulois
28/07 - Le Prisonnier Le Gaulois
- Lettre d’Afrique ( assinada por Un officier) Le Gaulois
31/07 - Sur les Hauts Plateaux Le Gaulois
02/08 - Lettre d'Afrique (assinada por Un colon) Le Gaulois
11/08 - Les Oulad Naïl Le Gaulois
20/08 - Lettre d'Afrique Le Gaulois
23/08 - En Afrique Le Gaulois
25/08 - Le Ramada Le Gaulois
29/08 - Les Incendies em Algérie Le Gaulois
31/08 - La Vie arabe Le Gaulois 03/09 - Le Feu en Kabylie (assinada por Un colon)
Le Gaulois
07/09 - Lettre d'Afrique (assinada por Un colon) Le Gaulois
08/09 - Va t'asseoir ! Le Gaulois
14/09 - Les grands chefs indigènes en Algérie (assinada por Un colon)
Le Gaulois
20/09 - Dans le Désert - Paysages d'Afrique Le Gaulois
27/09 - Les Oasis et le Mzab Le Gaulois
04/10 - Autour d'un livre Le Gaulois
11/10 - La Politesse Le Gaulois 19/10 - Le Pays du sel Le Gaulois 25/10 - Camaraderie ? Le Gaulois 27/10 - Une réponse Le Gaulois
29/10 - Les Femmes (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
01/11 - L'Art de gourverner Le Gaulois
08/11 - Adieu mystères Le Gaulois 10/11 – Politiciennes (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
17/11 - Galanterie sacrée (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
24/11 - A Figaro (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
29/11 – Styliana Le Gaulois
03/12 – Afrique Le Gaulois
08/12 - Le Duel (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
09/12 - Deuxième barbe (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
22/12 - La Pitié Le Gaulois
28/12 - Choses du jour Le Gaulois
04/01 - Les Employés Le Gaulois
14/01 - Emile Zola Le Gaulois
15/01 - Un combat mortel L’Escrime
20/01 - Les Causeurs Le Gaulois
23/01 - L'Adultère Le Gaulois
25/01 - A qui la faute ? Le Gaulois
01/02 - Les Femmes de théâtre Le Gaulois
08/02 - Les Scies Le Gaulois
09/02 -Phoques et baleines (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
14/02 - L'Honneur et l'argent Le Gaulois
18/02 - Les Théories littéraires de Maître Rousse La Revue littéraire et artistique
20/02 - Vengeance d'artiste Le Gaulois
23/02 - Fini de rire (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
01/03 - Les Héros modestes Le Gaulois
09/03 - En lisant Le Gaulois
18/03 - Question littéraire Le Gaulois
23/03 - Les Foules Le Gaulois
04/04 - Comédie et drame Le Gaulois
12/04 - Choses et autres (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
22/04 - Les Amies de Balzac Le Gaulois
1882
26/04 - Romans (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
02/05 - Chronique Le Gaulois 08/05 - Chez la mort Le Gaulois
13/05 - George Sand d'après ses lettres Le Gaulois
17/05 - Notes d'un démolisseur » (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
01/06 - Profils d'écrivains (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
14/06 – Chronique Le Gaulois
25/06 - Les Vieilles Le Gaulois
27/06 - A propos du divorce Le Gaulois
16/07 - En Bretagne Le Gaulois
18/07- Discours académique (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
20/07 - Chronique Le Gaulois
28/07 - Les Bas-Fonds Le Gaulois
01/08 - La Belle Ernestine (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
02/08 - Coins de pays. La Pointe du Raz (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
16/08 - Une femme (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
21/08 - Louis Bouilhet Le Gaulois
07/09 - Poètes (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
06/11 - L'Homme de lettres Le Gaulois
29/11 - L'Anglais d'Etretat Le Gaulois
03/01 - Pot-Pourri Le Gaulois 09/01 - Chez le Ministre (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
31/01 - Méditation d'un bourgeois Le Gaulois
08/02 - L'Exil Le Gaulois
14/02 - En rôdant Le Gaulois
21/02 - En carême Le Gaulois
27/02 - En séance (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
06/03 - Vieux Pots Gil Blas
10/03 - Emile Zola La Revue politique et littéraire)
16/03 - Le Haut et le bas Le Gaulois 22/03 – Bibelots Le Gaulois 15/04 – Bazaine Le Gaulois
24/04 - Les Femmes de lettres Le Gaulois
1883
30/04 - Le Monopole Hachette Le Fígaro
01/05 - M. Victor Cherbuliez (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
08/05 - Sèvres (assinada por Maufrigneuse) Gil Blas
22/05 - L'Amour des poètes (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
05/06 - Les Masques (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
19/06 - De Paris à Rouen (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
25/06 - L'Egalité Le Gaulois
17/07 - Petits Voyages. En Auvergne (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
28/08 - Petits Voyages. Au Creusot (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
05/09 - Ivan Tourgueneff Le Gaulois
06/09 - Ivan Tourgueneff (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
07/10 - Le Fantastique Le Gaulois 16/10 - Les Inconnues (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
28/10 - Bataille de livres Le Gaulois
19/11 - A propos du peuple Le Gaulois 27/11 - Les Audacieux (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
03/12 - Sursum Corda Le Gaulois
11/12 - La Guerre Gil Blas 25/12 - La Finesse » (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
? - Fille de fille Gil Blas
? - Celles qui osent Gil Blas
01/01 - En Bretagne La Nouvelle Revue
02/01 - Ayez donc de l'esprit Le Gaulois 15/01 - Les Trois Cas (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
19 e 26/01 - Gustave Flaubert La Revue politique et littéraire
25/02 - Causerie triste Le Gaulois
25/03 - Les Boulevards (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
14/04 – Chronique Le Gaulois
1884
21/04 - L'Aristocratie Le Fígaro
27/04 - La Jeune Fille Le Gaulois
29/04- Notes d'un mécontent (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
27/05 - La Galanterie Le Gaulois 10/06 - Par-delà Gil Blas
12/06 - Le Divorce et le Théâtre Le Fígaro
30/06 - Sur et sous l'eau Le Gaulois
03/07 - La Femme de lettres Le Fígaro
17/08 - La Lune et les poètes Le Gaulois 26/08 - Petits Voyages. La Chartreuse de la Verne
Gil Blas
16 /09 - Les Attardés (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
07/10 - Vérités fantaisistes Gil Blas
14/10 - Le Fond du coeur » (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
04/11 - Contemporains (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
11/11 - Messieurs de la chronique Gil Blas
04/12 – Souvenirs Le Gaulois
22/12 - Les Academies Gil Blas
10/03 - Mépris et respects Gil Blas 17/03 - Fin de saison (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
31/03 - La Chine des poètes (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
07/04 - Philosophie-Politique Gil Blas
05/05 - Venise Gil Blas
12/05 - Ischia Gil Blas
13/05 - La Sicile. Palerme Le Fígaro
22/05 - La Sicile Le Fígaro
06/06 - En Sicile Monréale. Les Brigands Le Fígaro
07/06 - Aux critiques de Bel-Ami. UNE RÉPONSE Gil Blas
09/06 - Alma Mater Gil Blas
20/06 - Les Grands Morts Le Fígaro
23/06 - Les Enfants Gil Blas
30/06 - Les Amateurs d'artistes (assinada por Maufrigneuse)
Gil Blas
07/07 - Les Juges Gil Blas
14/07 - L'Etna Gil Blas
1885
08/09 - Temples grecs Gil Blas
29/09 - Le Soufre Gil Blas
24/11 - Lettres à un Provincial. Un dimanche au Grenier d'Edmond de Goncourt
Gil Blas
08/12 - L'Arétin Gil Blas
17/12 - Les Grandes Passions Tout-Pari
01/01 - Un prophète Le Fígaro 12/01 - Sur une Vénus Gil Blas 10/02 - Nos optimistes Le Fígaro
30/03 - A propos de rien Gil Blas
30/04 - Au salon I Le XIXe siècle
02, 06, 10 e 18/05 - Au salon II Le XIXe siècle
09/05 – Un miracle Gil Blas
06/07 - L'Amour dans les livres et dans la vie Gil Blas
28/09 - La Vie d'un paysagiste Gil Blas
19/10 - La Tour... prends garde Gil Blas
1886
15/11 - La Sicile La Nouvelle Revue
01/03 - Tremblement de terre. Antibes Gil Blas
15/03 - Pêcheuses et Guerrières Gil Blas
29/06 - Loi morale Gil blas
09/07 - En l'air Le Fígaro
03/08 - A 8.000 mètres Le Fígaro
09/08 - La Fortune Gil Blas
12/08 - Livre de bord Le Gaulois
06/09 - Aux bains de mer Gil Blas
1887
15/11 - Nouveau Scandale ? Gil Blas
07/01 - Etude : le Roman Le Fígaro
21/01 - Les Femmes et l'Esprit en France La Revue politique et littéraire
?/06 - Chez les bêtes El Djerad
11/06 - Le Style épistolaire Le Gaulois
30/06 - Sur les nuages L'Illustration
03/12 – Afrique Le Gaulois
1888
11/12 - Mosquée et Zaouïa Le Gaulois
10/01 - Tunis Le Gaulois
01/02 - Vers Kairouan La Revue des Deux-Mondes
12/02 - Promenade à travers Tunis Le Gaulois
15/06 - Les Africaines L'Echo de Paris
1889
?/10 – L'Evolution du roman au XIXe siècle Revue del'Exposition universelle de 1889
23/12 - Danger public Le Gaulois
02/07 - Un empereur Le Fígaro
24/11 - Gustave Flaubert L'Echo de Paris
1890
- Flaubert et sa maison Supplément du Gil Blas
07/04 - Une fête arabe. La Route L'Echo de Paris 1891
13/04 - Une fête árabe L'Echo de Paris
Quadro de prefácios escritos por Guy de Maupassant
Ano Prefácio
Prefácio à Baronnette, romance de Ernest Garennes, Paris, Lalouette, 1882
1882
Prefácio à reedição de Thémidore ou mon histoire et celle de ma maîtresse, de Claude Godard d'Aucour, Bruxelles, Kistemaeckers, V-153 p.
Prefácio à Les Tireurs au pistolet. Le Sport à Paris, do Barão Charles-Maurice de Vaux, Paris, Marpon et Flammarion, VI-X-261 p.
Prefácio à Celles qui osent !, de René Maizeroy, Paris, Havard, 302 p.
1883
Prefrácio à Fille de fille, de Jules Guérin, Bruxelles, Kistemaeckers, V-322 p.
Prefácio à Lettres de Gustave Flaubert à George Sand, Paris, Charpentier, 1884, LXXXVI-289 p.
1884
Prefácio de L'Amour à trois, de Paul Ginisty, Paris, Baillière, 1884, XII-209 p.
1885 Prefácio à reedição de Histoire de Manon Lescaut et du chevalier Des Grieux, do abade Prévost, Paris, Launette, 1885, XXII-207
1888 Prefácio à La Grande Bleue, de René Maizeroy, Paris, Plon, Nourrit et Cie., 1888, 251 p.
1889 Prefácio à La Guerre, de Vsevolod Michailovitch Garchine, Paris, Havard, 1889, VIII-310 p.
1891 « Notes sur Algernon Charles Swinburne », prefácio à Poèmes et Ballades, de Algernon Charles Swinburn, Paris, Savine, 1891, XXVI-372 p.