Mecânica Estatísticafisica.uc.pt/data/20042005/apontamentos/apnt_100_47.pdfMecânica Estatística...

14
Mecânica Estatística Termodinâmica Clássica (Carnot, Clausius, Kelvin, Joule,...) baseia-se num pequeno número de princípios básicos (as leis da Termodinâmica), que são enunciados a partir da análise de um grande número de experiências realizadas sobre sistemas macroscópicos. Estas leis e outros resultados experimentais tais como equações de estado, dispensam em princípio todo o tipo de conceitos atómicos e envolvem unicamente variáveis macroscópicas como pressão, volume, temperatura, capacidades e coeficientes térmicos, ... Mecânica Estatística (Maxwell, Boltzmann, Gibbs,...) aspira a derivar as leis da Física Macroscópica a partir das propriedades atómicas. Mas mesmo conhecendo-se as leis de interacção entre partículas, o número elevado de partículas constituintes de um sistema macroscópico torna impossível tratar as equações de movimento para cada partícula. Procede-se assim a um tratamento estatístico, no qual se tomam médias sobre variáveis microscópicas que não são observáveis, de forma a reduzir as equações matemáticas a equações que envolvam só variáveis macroscópicas. Tal como a Termodinâmica Clássica, também a Mecânica Estatística se dedica ao estudo das propriedades físicas dos sistemas macroscópicos. Trata- se de sistemas com um número muito elevado de partículas constituintes (átomos, moléculas, electrões, fotões, ...), tipicamente da ordem de grandeza do número de Avogadro, N A =6,023 x 10 23 . - Leis da Física Macroscópica - Propriedades dos sistemas macroscópicos

Transcript of Mecânica Estatísticafisica.uc.pt/data/20042005/apontamentos/apnt_100_47.pdfMecânica Estatística...

  • Mecânica Estatística

    Termodinâmica Clássica (Carnot, Clausius, Kelvin, Joule,...) → baseia-se num pequeno número de princípios básicos (as leis da Termodinâmica), que são enunciados a partir da análise de um grande número de experiências realizadas sobre sistemas macroscópicos. Estas leis e outros resultados experimentais tais como equações de estado, dispensam em princípio todo o tipo de conceitos atómicos e envolvem unicamente variáveis macroscópicas como pressão, volume, temperatura, capacidades e coeficientes térmicos, ...

    Mecânica Estatística (Maxwell, Boltzmann, Gibbs,...) → aspira a derivar as leis da Física Macroscópica a partir das propriedades atómicas. Mas mesmo conhecendo-se as leis de interacção entre partículas, o número elevado de partículas constituintes de um sistema macroscópico torna impossível tratar as equações de movimento para cada partícula. Procede-se assim a um tratamento estatístico, no qual se tomam médias sobre variáveis microscópicas que não são observáveis, de forma a reduzir as equações matemáticas a equações que envolvam só variáveis macroscópicas.

    Tal como a Termodinâmica Clássica, também a Mecânica Estatística se dedica ao estudo das propriedades físicas dos sistemas macroscópicos. Trata-se de sistemas com um número muito elevado de partículas constituintes (átomos, moléculas, electrões, fotões, ...), tipicamente da ordem de grandeza do número de Avogadro, NA=6,023 x 1023.

    - Leis da Física Macroscópica- Propriedades dos sistemas macroscópicos

  • Probabilidade estatísticaA probabilidade de obter um resultado i corresponde àfrequência relativa desse resultado (ou evento), quando se realiza um número elevado de tentativas (ou experiências) nas mesmas condições experimentais:

    ��

    ���

    �=∞→ N

    np i

    Nilim

    N → número total de tentativasni → número de vezes que ocorreu o evento ipi → probabilidade estatística do evento i

    Nota : Podemos conhecer pi com tanto maior precisão quanto mais elevado for N. De facto, as flutuações observadas para pi variam com N-1/2 .

    Exemplo : Consideremos a experiência de registar as contagens, durante um certo ∆t, de um contador Geiger que se encontra nas proximidades de uma substância radioactiva.

    n5-9 → número de vezes que se obteve uma contagem entre 5 e 9

    N n5-9 n5-9 / N

  • Axiomas da teoria de probabilidades

    1- 0 ≤ pi ≤ 1

    2- � pi = 1

    3- Probabilidade de um evento composto:i) Eventos mutuamente exclusivos são eventos que não

    podem ocorrer simultaneamente numa única tentativa (ou experiência). Para eventos mutuamente exclusivos, a probabilidade do evento composto (i+j) (evento i ou evento j) é dada por

    p(i+j) = pi + pj

    ii) Os eventos i e j dizem-se independentes se a probabilidade de que o evento i e o evento j ocorram simultaneamente é dada por

    pi,j = pi pj

    Exemplos :

    1- Probabilidade de obter um às ou um rei ou o sete de copas, quando se tira uma carta de um baralho completo (52 cartas)

    p = (4/52) + (4/52) + (1/52) = (9/52)

    2- Probabilidade de obter simultaneamente o às de espadas de um baralho de cartas e um 6 de outro baralho de cartas

    p = (1/52) * (4/52) = (4/2704)

  • n

    Distribuições estatísticasExperiência : Posicionamos um contador Geiger segundo diferentes direcções em torno de um cristal de fluoreto de lítio, sobre o qual se faz incidir radiação-X. Medimos o número de contagens em ∆t = 10 s como função do ângulo de deflecção.

    Planos cristalográficos

    âng. de difracção

    âng. incidente

    Feixe difractado

    Feixe incidente

    N → número total de contagensni(αi) → número de contagens registadas segundo o ângulo αipi → probabilidade estatística de ter uma contagem segundo o ângulo αi

    ��

    ==i

    ii

    ii

    nNN

    n;

    αα

    ângulo de difracção médio

    ii

    iii

    iN

    pNn ααα �� =��

    ���

    �=∞→

    lim

    No limite N →→→→ ∞∞∞∞

    ( )22)( ααα −=∆ � ii

    ipdesvio padrão, ∆α∆α∆α∆α →→→→ quantifica as flutuações em torno da média

    m.d.v.α = 2θ

    αααα

  • n

    Histograma → Função contínuapi → p(α) dα� pi = 1 → � p(α) dα = 1

    αααα

    Função de distribuição de probabilidade discreta →→→→ Função de distribuição de probabilidade contínua

    → Aumentando o número total de contagens , N→ Aumentando a resolução angular

    αααα

  • Exemplo : distribuição normal ou Gaussiana

    O valor médio, :

    ( )e x

    xx

    xxp 2

    2

    )(2

    21

    )( ∆−−

    ∆=

    π

    ( ) ( )e xxx

    xxxdx

    xdp2

    2

    )(23 2)(1)(

    ∆−−−

    ∆−=

    π

    xxdx

    xdp =⇔= 0)(

    O desvio padrão, ∆∆∆∆x :

    954,0)(

    683,0)(

    2

    2

    =

    =

    �∆+

    ∆−

    ∆+

    ∆−

    xx

    xx

    xx

    xx

    dxxp

    dxxp

    x

  • Vocabulário da Mecânica EstatísticaMacroestado : estado do sistema descrito em termos das ligações externas impostas ao sistema, i.e., condições impostas ao sistema e que obrigam certas variáveis macroscópicas a tomar valores bem definidos (por ex., volume V imposto pelo recipiente de paredes rígidas que contém o sistema, pressão P imposta pelo pistão que faz variar o volume do sistema, etc). Corresponde ao estado termodinâmico, caracterizado por um pequeno número de variáveis macroscópicas.

    Sistema isolado → em equilíbrio, o macroestado do sistema écompletamente caracterizado por (U,V,N) onde N é o número de partículas constituintes do sistema. Enquanto não atingir o equilíbrio, outras variáveis macroscópicas terão de ser especificadas (por ex., a densidade ρ(r,t)). Em geral, vamos designar essas variáveis por α e o macroestado fora do equilíbrio fica descrito por (U,V,N,α).

    Microestado (ou estado quântico) : estado do sistema descrito em termos das suas variáveis microscópicas (posição, momento, energia, spin, etc, de cada partícula).

    Cada macroestado de um sistema compreende um número bem definido de microestados do sistema.

    Peso estatístico de um macroestado, ΩΩΩΩ(U,V,N,αααα) : Número de microestados correspondentes ao macroestado especificado pelas variáveis macroscópicas V,N,α e tendo uma energia no intervalo entre U e U+dU.

  • Ensemble : Conjunto de um número muito grande (no limite → ∞) de sistemas idênticos. A probabilidade de um resultado é a fracção de sistemas no ensemble para a qual se obtém esse resultado.

    Ensemble microcanónico → ensemble de sistemas isolados, para os quais a energia tem um valor bem especificado, entre U e U+dU

    Ensemble canónico → ensemble de sistemas em contacto com um reservatório de calor a uma temperatura T bem definida

    Ensemble grande canónico → ensemble de sistemas em contacto com um reservatório de calor e de partículas com valores bem definidos de T e de µ .

    Sistema isolado(N,V,U)

    Sistema (N,V,T)

    Res. de calor

    ↔∆U

    Sistema (µ,V,T)

    Res. de calore de partículas

    ↔∆U∆N

  • Equilíbrio de um sistema isolado

    Sistema isolado(N,V,U)

    Postulado Fundamental da Mecânica EstatísticaPara um sistema macroscópico isolado, caracterizado pelos valores de U,V e N (fixos), todos os microestados compatíveis com esses valores de U,V e N são igualmente prováveis.Como consequência deste postulado, a probabilidade do sistema se encontrar num macroestado (ou estado termodinâmico) especificado por (U,V,N,αααα) é proporcional ao peso estatístico ΩΩΩΩ(U,V,N,αααα). α designa aqui as grandezas que podem tomar valores variáveis durante um processo que ocorra no sistema isolado.

    U1,V1,N1 U2,V2,N2

    Exemplo:Sistema isolado separado em 2 subsistemas 1 e 2 por meio de uma parede móvel, diatérmica e porosa.

    varia mas .,

    varia mas .,

    varia mas .,

    121

    121

    121

    NconstNNN

    VconstVVV

    UconstUUU

    ==+==+

    ==+

    (U1, V1, N1) correspondem neste caso às variáveis globalmente designadas por α.

  • Definição de Boltzmann para a entropiade um sistema isoladoBoltzmann avançou a hipótese de que a entropia de um sistema isolado num certo macroestado (U,V,N,α) está relacionada com a probabilidade do sistema ocupar esse estado (macroestado), i. e., com o peso estatístico Ωdesse macroestado:

    )(ΩΦ=S

    Determinação da forma da função ΦΦΦΦ(ΩΩΩΩ)Sejam A e B sistemas independentes (i.e., não interagem entre si) e com pesos estatísticos ΩA e ΩB, respectivamente. De acordo com a hipótese de Boltzmann,

    SA = Φ(ΩA)SB = Φ(ΩB) .

    Consideremos o sistema A+B, composto pelos dois subsistemas A e B. Do mesmo modo

    SA+B = Φ(ΩA+B) .

    Mas como os sistemas são independentes, o número de microestados para o sistema composto é

    ΩA+B = ΩA ΩB .

    Quanto à entropia do sistema compostoSA+B = SA + SB .

    EntãoΦ(ΩA ΩB ) = Φ(ΩA) + Φ(ΩB) Φ(Ω) = κB lnΩ

    ),,,(ln),,,( ακα NVUNVUS B Ω=

    Constante de Boltzmann1231038,1 −−×== JKNR

    ABκ

  • Modelo simplificado de um sólidoparamagnético isolado

    Pelo facto das partículas terem spin ½, só duas orientações dos seus momentos dipolares magnéticos podem ocorrer relativamente à direcção (suponhamos Z) do campo externo B: paralelamente (↑↑↑↑) ou antiparalelamente (↓↓↓↓) ao campo.

    - Sistema isolado de N partículas distribuídas pelos nós de uma rede cristalina;- Cada partícula possui spin ½; - Associado ao spin, cada partícula possui um momento dipolar magnético de spin, µ- É aplicado um campo externo B.

    B�

    B� Energia potencial de interacção

    do momento dipolar com o campo magnético:

    BB µµε −=⋅−=��

    7

    6

    8

    2

    5

    3

    9

    4

    1

    7

    6

    8

    2

    5

    3

    9

    4

    1

    ↓↓↓↑↑↓↓↓↓=

    ↑↓↓↓↓↑↓↓↓=

    j

    i

    ψ

    ψ

    O peso estatístico do estado anterior é:

    36)!29(!2

    !929

    =−

    ≡���

    ����

    �=Ω Número total de combinações de 2 dipolos (↑↑↑↑) escolhidos entre um total de 9 dipolos (ou de 7

    dipolos (↓↓↓↓) escolhidos entre 9).

    Se as partículas não estivessem localizadas (nós da rede), seria impossível distinguir os microestados i e j. Tratar-se-ia nesse caso de um único microestado. Como estão localizadas, elas são distinguíveis.

    Na figura, 2 microestados compatíveis com o estado “2 dipolos (↑↑↑↑) +7 dipolos (↓↓↓↓)”:

    Nota: Um sistema de N partículas de spin ½ num campo B, possui ao todo 2N microestados possíveis.

  • n → nº de dipolos magnéticos (↑) , com energia (-ε)N - n → nº de dipolos magnéticos (↓) , com energia (+ε)

    Energia interna de um macroestado com n dipolos (↑↑↑↑) :

    εεε )2()()( nNnNnnU −=−+−=(se o sistema está isolado, n tem de se manter constante)

    Peso estatístico desse macroestado

    )!(!!

    )(nNn

    Nn

    Nn

    −≡��

    ����

    �=Ω

    nº de maneiras de escolhermos ndipolos (↑) a partir de um número total N de dipolos.

    Entropia desse macroestado

    )!(!!

    ln)(ln)(nNn

    NknknS BB −

    =Ω=

    Aproximação de Stirling: Para N inteiro muito elevado,

    NNNN −≈ ln!ln

    ��

    ���

    ��

    ���

    � −��

    ���

    � −+��

    ���

    �−≈− N

    nNn

    Nn

    Nn

    NnNn

    N1ln1ln

    )!(!!

    ln

    Exercício: demonstrar o resultado seguinte, utilizando a aproximação de Stirling

    - Energia mínima com todos os dipolos (↑)- Energia máxima com todos os dipolos (↓)

    De uma forma mais geral, o número total de arranjos de N partículas distinguíveis com n1 partículas no estado quântico 1, n2 partículas no estado quântico 2, ..., ns partículas no estado quântico s é:

    !!...!!

    21 snnnN≡Ω

  • Mudança de variável (m.d.v.):

    Então

    ��

    ��� +

    ��

    ���

    � ++−��

    ���

    � −−=2

    1ln

    21

    21

    ln2

    1)(

    xxxxNnS Bκ

    - entropia (e peso estatístico) máxima para U=0 (metade dos dipolos (↑) e a outra metade (↓))- entropia mínima quando todos os dipolos estão paralelos (peso estatístico 1, entropia nula)

    21

    21x

    Nn

    Nn

    NU

    x−=−==

    ε

    Energia interna em função de T :

    TB

    BNxNUBκ

    µµε tanh−==

    Temperatura

    NBNBNB xS

    NdUdx

    xS

    US

    T ,,,

    11��

    ���

    ∂∂=�

    ���

    ∂∂=�

    ���

    ∂∂=

    ε

    xxN

    xS B

    NB +−=�

    ���

    ∂∂

    11

    ln2,

    κ xx

    TB

    +−=

    11

    ln2

    κ

    ���

    ����

    �−=

    Tx

    Bκε

    tanh

    Exercício: demonstrar que

    U

    U

    TBκβ 1≡

  • Momento magnético total do sistema :

    ( )BU

    nNnNNM −=−−=−= ↓↑ )]([µµ

    TB

    NMBκ

    µµ tanh=

    Capacidade térmica :

    ���

    ����

    ���

    ����

    =��

    ���

    ∂∂=

    TB

    TB

    NTU

    C

    B

    BB

    BNB

    κµ

    κµ

    κ2

    2

    , cosh

    i) Para um paramagnete cujo momento dipolar por partícula é devido ao spin de um electrão , vemµ = e h / 4 π me = 5,788 x 10-5 eV/Tii) Suponhamos B = 1 T

    De i) e ii), µB = 5,8 x 10-5 eV

    À temperatura ambiente, κBT ≈ (1/40) eV

    TB

    TB

    BB κµ

    κµ ≈tanh1