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MICHELE CÂNDIDO CAMELO MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA: REALIZAÇÃO DE UMA JUSTIÇA CIDADÃ? DEZEMBRO / 2006 FORTALEZA - CE

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MICHELE CÂNDIDO CAMELO

MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA:

REALIZAÇÃO DE UMA JUSTIÇA CIDADÃ?

DEZEMBRO / 2006

FORTALEZA - CE

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Michele Cândido Camelo

MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA: REALIZAÇÃO DE UMA JUSTIÇA

CIDADÃ?

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e

Sociedade da Universidade Estadual do Ceará

- UECE, em cumprimento aos requisitos

necessários para a obtenção do grau de Mestre

em Políticas Públicas e Sociedade, sob a

orientação do Professor Doutor Francisco

Horácio da Silva Frota.

DEZEMBRO / 2006

FORTALEZA - CE

3

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E

SOCIEDADE - MAPPS

Título do Trabalho: Mediação Comunitária: realização de uma Justiça

Cidadã?

AUTORA: Michele Cândido Camelo

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Francisco Horácio da Silva Frota Orientador

Prof. Dr. Jawdat Abu-El-Haj 1º Examinador

Prof. Dr. José Júlio da Ponte Neto 2º Examinador

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A todos os que acreditam no ser humano.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter inúmeras vezes me sustentado diante das adversidades surgidas nesses anos de pesquisa, por tudo.

Ao meu muito amado pai, Josênio, por ser um exemplo de vida, por ser meu guia, por ter plantado em mim a semente da pesquisa em favor da vida. À minha mãe que tanto amo, por ser simplesmente Socorro, por ter me ensinado valores nobres, por sempre estar ao meu lado, por ter braços fortes pra me sustentar quando preciso. Ao meu amado irmão, por ser tão solidário e atencioso, por ter me emprestado seu computador, quando o meu resolveu falhar. À minha amada irmã, pelas tantas noites em claro a escutar minhas angústias, por ter escutado tanto a ponto de hoje estudar mediação. Ao Eduardo Villaça, por ser dedicado, atencioso e paciente, por ter organizado o mundo ao meu redor para que eu conseguisse finalizar este trabalho, pelo amor sincero. Às amigas Carina, Lia, Illa, Roberta e Renata, pelo sorriso e apoio incondicional. À amiga Amélia Soares, pelas cobranças necessárias e amizade sincera. Ao professor José Geraldo de Sousa Junior, pelo acolhimento em Brasília, pela simplicidade, por ter me feito perceber que o Direito está em todo lugar. À professora Lilia Sales, por ter plantado em mim a paixão pelo estudo da Mediação, pelas necessárias colaborações, por tudo que pude aprender.

Ao professor Francisco Horácio da Silva Frota, por acreditar em mim, por ser paciente e forte em sua orientação. Ao Professor Jawdat por toda a atenção, estímulo, tranqüilidade e às necessárias observações. Ao Professor José Júlio da Ponte Neto, por sua disponibilidade, entusiasmo e atenção desde a graduação.

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À Ana Karine Miranda, pela disponibilidade e humildade necessários a um mediador. À colega Francilene Gomes, por ser exemplo de mulher, por ter sido minha voz na garantia dos espaços públicos de exposição do conhecimento. À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, pelo auxílio material desta pesquisa. À todos os amigos que conheci como colegas nesse Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade – UECE.

A todos os meus amigos e amigas que sabem ler os seus nomes nestas entrelinhas.

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“O princípio inspirador do pensamento democrático sempre foi a liberdade entendida como autonomia, isto é, como capacidade de dar leis a si própria.”

NORBERTO BOBBIO

“Nossa situação é um tanto complexa: podemos afirmar que temos problemas modernos para os quais não temos soluções modernas. E isso dá ao nosso tempo o caráter de transição: temos que fazer um esforço muito insistente para reinvenção da emancipação social.”

BOAVENTURA SANTOS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 10

1. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: A MARCA DO INDIVIDUALISMO............ 18

2. CIDADANIA E MULTICULTURALISMO: LIMITES JURÍDICOS....................... 14

3. MEDIAÇÃO ............................................................................................... 36

4. MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA .............................................................................52

5. MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA E SUA REALIDADE: A CASA DE MEDIAÇÃO

COMUNITÁRIA DA PARANGABA, EM FORTALEZA, CEARÁ............................ 63

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 74

7. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 76

8. ANEXOS ........................................................................................................... 83

8.1. Primeiro Projeto de Lei que teve por objeto a institucionalização e a disciplina

da mediação de conflitos. Projeto de Lei n. 4.827/1998, de autoria da Deputada

Zulaiê Cobra, PSDB...............................................................................................83

8.2. Projeto de Lei, aprovado pelo Senado Federal em junho de 2006. Atualmente se encontra na Câmara dos Deputados................................................................ 86

9

8.3. Questionário aplicado aos mediadores da Casa de Mediação da Parangaba............................................................................................................. 98 8.4. Questionário aplicado aos mediados que receberam uma carta-convite / notificação e procuraram a Casa de Mediação da Parangaba para resolução de seu conflito............................................................................................................. 98 8.5. Questionário aplicado aos mediados que procuraram a Casa de Mediação da Parangaba para solucionar seus litígios................................................................ 99 8.6. Questionário aplicado à coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba..............................................................................................................99 8.7. Fachada da Casa de Mediação da Parangaba............................................ 102 8.8 Recepção da Casa de Mediação da Parangaba. ......................................... 103 8.9. Sala onde se realizam as mediações na Casa de Mediação da Parangaba........................................................................................................... 104 8.10. “Farmácia viva” da Casa de Mediação da Parangaba. ............................. 105 8.11. Exemplo: mediadora que aprendeu a utilizar o computador para colaborar mais amplamente com a Casa de Mediação da Parangaba. ............................................................................................................................. 106 8.12. Responsável pela segurança e participador da Casa de Mediação da Parangaba, Sr. Pessoa. ...................................................................................... 107 8.13. Coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba, em exercício........... 108 8.14. Primeira escuta de um conflito, realizado pela coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba. .................................................................................... 109

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INTRODUÇÃO

O argumento central deste trabalho é que, diante das transformações ocorridas

no mundo contemporâneo, outros meios de realização da justiça podem ser

gestados sob a articulação de um projeto cidadão de nova visão do direito, uma

Justiça Cidadã.

É preciso que se destaque que o termo “justiça cidadã” a que nos referimos no

estudo não pretende insinuar que outras formas de justiça, inclusive a justiça formal,

patrocinada pelo Estado por meio do Poder Judiciário, não são cidadãs, mas tão

somente destacar que a Mediação Comunitária pode ser o caminho para uma forma

de concretização da Justiça, caminho este traçado por meios que instigam a

cidadania.

A justiça realizada por meio da jurisdição obedece a certos padrões, o que cria

determinados obstáculos, muitas vezes difíceis de transpor. Propõe-se, aqui, uma

“justiça tradicional”. A Mediação Comunitária é apresentada como uma forma de

promoção da justiça que existe desde a sociedade tradicional, e que se mantém

existente não somente pela facilidade de operacionalização, mas também porque é

capaz de reconhecer e preservar as “ilhas comunitárias”, estas entendidas como

grupos sociais1 que se mantiveram com perfil tendente ao tradicional mesmo diante

1 Grupos sociais, segundo Bottomore (1967), é o agregado de indivíduos no qual existe pelo menos uma

estrutura e organização, ainda que rudimentares, incluindo regras, rituais, e uma base psicológica na consciência

de seus membros. Os quase-grupos, ainda segundo o autor, é um agregado ao qual falta estrutura ou organização

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das transformações geradas pelo Mercado.2

Destaque-se que o Estado detém o monopólio do exercício da atividade

jurisdicional, ou seja, apenas cabe ao Estado, enquanto poder soberano, editar

normas, a serem aplicadas, segundo o caso concreto, por meio de deduções

racionais advindas da autoridade da lei ou dos precedentes jurisdicionais. Assim, o

Estado substitui a vontade dos cidadãos, a fim de manter a ordem social.

Para fortalecer e legitimar a atividade jurisdicional, a Constituição Federal de

1988, em seu texto, apresentou uma série de princípios de natureza processual

dentre o rol dos direitos e garantias fundamentais. Observe-se que o processo, como

técnica estatal, visa à solução do conflito de interesses por um ato de autoridade

imparcial e desinteressada. Dessa forma, hoje é possível se falar em “Teoria

Constitucional do Processo”. A inclusão destes princípios ressalta a preocupação do

Estado na melhor e mais humana prestação jurisdicional ao cidadão.

Existem, contudo, os chamados “equivalentes jurisdicionais”, que são formas

de resolução de conflitos autorizadas pelo Ordenamento Jurídico. Perpassaremos

brevemente sobre eles, até chegarmos propriamente na Mediação, entendida por

nós como o método capaz de proporcionar o “empoderamento” da parcela da

sociedade beneficiada por esse meio de comunicação para se chegar à solução da

questão conflituosa.

Na autotutela uma das partes decide a questão. É um meio muitas vezes

egoísta de solucionar o conflito, por isso somente excepcionalmente admitido.

Aponta-se o direito de greve como meio de autotutela, tendo em vista que a parte

insatisfeita da relação procura impor seu desejo pela paralisação.

A autocomposição é forma de solução de conflito pelo consentimento

espontâneo de um dos contentores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em

e cujos membros podem não tem consciência, ou tem, porém com menor intensidade, da existência do

agrupamento. Como exemplos de quase-grupos cita-se os grupos de idade, sexo. Ocorre que a definição entre

grupos e quase-grupos é muito tênue, especialmente porque de quase-grupos podem surgir grupos, como é o

caso das associações de mulheres que surgiram de um aglomerado de mulheres. As ilhas comunitárias são quase-

grupos ou mesmo grupos, que possuem como característica básica por nós elencada nesse trabalho o

tradicionalismo. 2 O mercado, esclareceremos adiante, exerce forças estruturantes e desestruturantes. Ao mesmo tempo

em que é capaz de modificar uma sociedade, incutindo nela valores da igualdade e da liberdade, é

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parte, em favor do interesse alheio. É solução altruísta, e pode ocorrer fora ou dentro

da atividade jurisdicional.

A arbitragem é forma heterocompositiva de solução de conflito, ou seja, um

terceiro é capaz de interferir na autonomia dos indivíduos que estão em situação

litigiosa. As “partes”, por livre e espontânea vontade, escolhem determinada pessoa

para resolver o problema que elas, sozinhas, não são capazes de solucionar. Assim,

a autoridade do árbitro não deriva de um poder superior, mas da própria autonomia

de vontade das pessoas, que optam por esta forma de solucionar uma pendenga.

Interessante observar que a legislação pátria valoriza de tal forma este “método

alternativo” de solução de conflitos que a decisão do árbitro poderá ser prontamente

exigida judicialmente, sem que para isso se questione a legitimidade dela.

A outra forma de solução enquadra-se na chamada autocomposição mediada,

na qual o terceiro que participa da tentativa de solução apenas orienta os

conflitantes a chegarem ao consenso. Aqui se encontra a mediação. Antes, contudo,

de adentrar na questão propriamente dita da Mediação de Conflitos, é preciso refletir

acerca do conflito. Questiona-se: o conflito deve ser aniquilado? Todos os conflitos

devem ser resolvidos de igual forma? Qual o papel do conflito na sociedade em que

vivemos?

Durante muito tempo os estudiosos entenderam como uma das funções

basilares do Direito era busca da paz social, com o conseqüente combate ao

conflito. Ocorre que as discordâncias são inevitáveis, e o são porque refletem a

busca de algum interesse, seja ele particular, seja coletivo. O fato é que não há

como pensar em convivência sem imaginar o conflito. Assim, a visão de que a

sociedade, para ser harmônica, deve ter abolidas as tensões entre as pessoas, não

poderia prosperar. O Direito não é capaz de anular os conflitos sociais, seja porque a

sociedade é dinâmica, seja porque as pessoas são diferentes3.

Alexandre Araújo Costa (2004:163) ressalta bem a distinção entre conflito e

disputa, fundamental para compreensão de que, se os conflitos não são iguais, a

desestruturante ao passo que transforma o homem tradicional em homem moderno. Sob esse cerne detém-se boa

parte de nossa pesquisa. 3 Sobre o direito a ser diferente, nos dedicaremos quando tratarmos do multiculturalismo.

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forma de resolvê-los também não pode ser igual. E, no caso da Mediação, mais que

isso, percebemos que há a possibilidade de, através do conflito, estimular o diálogo

emancipatório. São palavras do estudioso:

Uma das percepções fundamentais é a de que a disputa não é conflito, mas

uma decorrência do conflito, portanto, resolver a disputa não põe fim ao

conflito subjacente. Quando o juiz determina com quem ficará a guarda do

filho, isso põe fim a uma determinada disputa (...), mas, além de não

resolver a relação conflituosa, muitas vezes acirra o próprio conflito, criando

novas dificuldades para os pais e para os filhos. Então, torna-se claro que o

conflito, ao menos em muitos casos, não pode ser resolvido pelo acordo.

Mais profunda que essa mudança é a percepção de que o conflito talvez

não seja algo a ser anulado, mas que as relações humanas tem uma

dimensão conflitiva que as integra. As tensões não são frutos simplesmente

de interesses divergentes (ou seja, de desejos diferentes que podem ser

avaliados dentro de uma mesma visão de mundo), mas de diferentes

maneiras de perceber o mundo. Essas diferenças não podem ser reduzidas

sem violentar o direito de cada um a sua própria identidade.

O conflito, destaque-se, é inerente à vida humana. A existência de relações

conflituosas indica que o direito à diferença está sendo garantido, tendo em vista

que é possível apresentar-se diferente. Numa sociedade antidemocrática a simples

diferença é ameaça à ordem.

O direito à diferença é visto por Rawls (1993:197), num contexto liberal, de

forma utópica, tendo em vista que, de acordo com o estudioso, não é possível

garantir a todas as concepções permissíveis de bem condições suficientemente

favoráveis para se desenvolver em uma sociedade liberal-democrática justa.

Partilhamos, contudo, do entendimento de que é possível desenvolver

condições favoráveis para vivenciar idéias de “bem” em concepções permissíveis,

tendo em vista que essa é a garantia do direito real à diferença. Rawls tem razão

quando sugere que todos os cidadãos deveriam estar conscientes de todas as

instituições básicas da sociedade, bem como das decisões políticas, especialmente

aqueles que estão em condições sociais desvantajosas, para que assim seja

satisfeita a legitimidade política.

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Sob o ponto de vista rawlseano, como seria possível fazer com que todos os

cidadãos obedecessem a um complexo normativo sem que eles se sentissem, no

mínimo, entendedores desta necessidade? Bobbio (1986: 83) trata da questão

destacando a dificuldade que há de ser livre, realidade nas sociedades liberal-

democráticas, e, ao mesmo tempo, se sujeitar à obediência normativa:

O problema mais difícil para uma teoria racional (ou que pretende ser

racional) do Estado é o de conciliar dois bens a que ninguém está disposto

a renunciar e que são (como todos os bens últimos) incompatíveis: a

obediência e a liberdade.

Essa alteridade, esse sentimento de coletividade, limitado na sociedade

contemporânea, somente pode ser desenvolvido se fomentada a cidadania. É da

consciência de que se faz parte do todo, e que esse todo é mais amplo do que sua

rotina, que se estabelecerá uma lógica coerente entre o dever ser e o poder ser. E,

como disse o sociólogo Pedro Demo (2005: 10) “levar a sério o outro, e em particular

sua diversidade, é um dos desafios maiores da convivência humana”.

Cabe ao Estado fazer com que seu cidadão aja de acordo com seu próprio

arbítrio, e este seja compatível com uma concepção permissiva de bem. Para isso

faz-se necessário o desenvolvimento de uma consciência social forte. Tratar do livre

arbítrio e do direito à diferença parece afastar a obrigação do Estado de garantir,

também, o direito à igualdade. Este se cinge no direito ao acesso qualificado aos

bens sociais e políticos. Falar em direito a ser diferente sem que se atente para a

necessidade básica de oferecer iguais oportunidades, bem como de promover a

própria desigualdade quando esta se servir para tornar menos distante determinadas

realidades, é perigoso. Isso ocorre porque sem esta base igualitária, qualquer

diferença substantiva existente pode se tornar hierarquicamente inferior,

desvalorizada. Em nossos dias, a negação de categorias universais tem dado

espaço a subjetividades que tornam o âmbito privado de tal forma relevante que se

mostra difícil a revitalização do igual para ser diferente.

A unificação do que seja o bem, contudo, não é possível, nem aceitável em

uma democracia, tendo em vista que correríamos o risco de desenvolver o que

Tocqueville (1969) temia já em sua obra Democracia na América, a tirania da

maioria.

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Ora, os valores e as percepções de mundo, os interesses, os costumes, as

condições pessoais e sociais variam de estado federativo para estado federativo; de

cidade para cidade; de bairro para bairro e de pessoa para pessoa. Enclausurar os

cidadãos em um determinado sistema normativo seria uma violência ao direito que

cada um tem de ser diferente do outro e de se apresentar distinto. No mais,

conforme dito acima, e ainda dentro do pensamento de John Rawls, acreditamos ser

possível fomentar concepções permissíveis de bem, sem que, com isso, cause

desordem. Afasta-se o caráter utópico desta realidade com a Mediação, pois nela é

desenvolvido o que convencionamos aqui denominar de “diálogo cidadão”, tendo em

vista que se desenvolve a alteridade, ao passo que estimula o diálogo enquanto

forma de se colocar enquanto ser dotado de necessidades e capaz de expor sua

concepção de mundo, conforme será apresentado no decorrer da pesquisa.

Dispensa-se um terceiro impositor de uma vontade e concepção de mundo alheias à

realidade do interessado real na resolução da questão e passa-se a valorizar a

pessoa que discute seu problema. Este se torna sujeito dotado de autonomia para

lidar com determinado evento que lhe causa incômodo. Como destacou a estudiosa

do tema, professora Lilia Maia de Morais Sales (2004:52):

A mediação é um procedimento colaborativo que visa a estabelecer ou

restabelecer o diálogo entre as partes, para que delas surja escolha de

soluções. Através da mediação, o mediador, terceiro imparcial, capacitado,

diligente, auxilia as partes a entenderem os seus reais conflitos e a

buscarem soluções criativas, de modo a facilitar a resolução satisfatória para

ambas as partes.

No texto do trabalho será discutida a questão da norma imposta. Desde logo,

contudo, se torna necessário esclarecer que a vemos como essencial à manutenção

da ordem social. Embora reconheçamos a sua fundamental importância,

observamos também que não há somente uma norma válida.

A lei acompanha, é inegável, o desenvolvimento da cidadania. O Ordenamento

Jurídico é contraditório nesse sentido, tendo em vista que ao mesmo tempo em que

representa uma história de luta, pois acaba por refletir uma época, o desejo por

normas mais democráticas e justas, representa, também, a estagnação. Como

preceitua o professor José Geraldo de Sousa Junior, o direito é achado na rua, ou

seja, nasce no seio da sociedade, da necessidade de um povo, no clamor pela

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regulamentação, para que depois se insurja enquanto norma posta4. Assim, a lei

apresenta-se sempre em defasagem quanto à realidade social, embora possa

também simbolizar o que se conquistou com as lutas sociais.

Sendo o Direito “achado na rua”, este, portanto, se insurge em momento

pretérito à norma. Ao menos em tese, deve se admitir que existam impasses não

alcançados pelo ordenamento imposto. Reconhecem-se, também, diferentes tipos

de discordâncias, pelas quais dedicaremos análise no decorrer do trabalho.

À vista das informações até o momento apresentadas, fazemos uma

indagação: pregar esta forma “alternativa” de solução de conflitos implica em admitir

que o Estado abra mão de suas prerrogativas básicas, como a de equilibrar e

arbitrar tensões sociais? Seria, esta, a privatização de uma função eminentemente

estatal? Estaria o Estado destinando uma “justiça oficial” aos socialmente incluídos,

enquanto que para os excluídos destinar-se-ia uma “justiça capenga”?

Existem, de fato, defensores de ambos os lados. Mencionar aqui que a

Mediação é singular porque oferece, ao menos potencialmente, um padrão

dialógico, horizontal e participativo não satisfaz às indagações, mas servirá de início

para discussão levantada neste estudo.

Podemos dividir este documento em duas partes: na primeira exporemos

algumas considerações teóricas sobre o contexto histórico-social indicador da

importância da Mediação, ressaltando aí as implicações nas relações interpessoais.

Além disso, traremos reflexões acerca dos limites jurídicos ao desenvolvimento da

cidadania e da preservação da multiculturalidade, para após, esclarecermos

detalhadamente a Mediação, tanto nos seus aspectos descritivos e práticos, quanto,

na Mediação Comunitária, como inserida dentro da teoria política, ao passo que

trata da autodeterminação, observando sob outro ângulo o papel do conflito.

No segundo momento exporemos o delineamento da pesquisa de campo,

realizada na Casa de Mediação da Parangaba, bairro localizado na periferia de

4 O Direito achado na rua é uma linha de pesquisa do Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos

Humanos. Baseado na Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR) de Roberto Lyra Filho, o Direito achado na rua é

o encontro dos Novos Movimentos Sociais e o Direito, indo além do legalismo, procurando achar o direito na

“rua”, no espaço público.

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Fortaleza, Ceará. A pesquisa realizada foi eminentemente qualitativa, tendo se

utilizado da observação e entrevistas.

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1. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: A MARCA DO

INDIVIDUALISMO.

A sociedade de mercado possui duas marcas, a liberdade e a igualdade. Esses

valores, aparentemente contraditórios, constituem a realidade contemporânea. O

capitalismo requer que vigore a liberdade para contratar, porém exige que as

pessoas estejam em situação de igualdade, ao menos potencial, para que haja

possibilidade de negociação. Em meio à busca pela inclusão nas leis do mercado

existem diferentes realidades, pessoas plenamente adaptadas, grupos

completamente excluídos, outros em processo de inclusão, alguns negando a

aderência às mudanças, enfim, há desigualdade de inclusão neste processo

chamado Mercado.

Embora a realidade brasileira reflita uma enorme desigualdade social, é

possível que uma pessoa que nasceu sob uma condição de vida extremamente

precária venha a se inserir em uma classe social abastada economicamente. Este

fato, que parece irrelevante, tendo em vista a razoabilidade empiricamente difícil,

embora possível, não foi possível em determinadas épocas, quando as pessoas

tinham “sangue azul”, e quem nascia com esse status, morreria com este, assim

como quem nascesse pobre morreria pobre. Como explica Boaventura de Sousa

Santos (2007):

Então, é uma sociedade que pela primeira vez cria essa tensão entre

experiências correntes do povo, que às vezes são ruins, infelizes, desiguais,

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opressoras, e a expectativa de uma vida melhor, de uma sociedade melhor.

Isso é novo, já que nas sociedades antigas as experiências coincidiam com

as expectativas; quem nascia pobre morria pobre; quem nascia iletrado

morria iletrado. Agora não: quem nasce pobre pode morrer rico, e quem

nasce em uma família de iletrados pode morrer como médico ou doutor.

Este fato revela uma não mais coincidência entre experiência e expectativa,

revelando a potencialidade que existe em mudanças, embora, destaque-se, no que

tange à cidadania e à adaptação às normas mercadológicas, existam discrepâncias

de realidades, conforme veremos em capítulo posterior.

A sociedade contemporânea, repleta de contraditoriedades, trouxe consigo

uma forte idéia de fragmentação generalizada. Nossa sociedade é marcada pela

segmentaridade, o que gera uma distorção natural do que seja coletivo e social.

Como esclarece Norberto Bobbio (1992: 03):

Passou-se da prioridade dos direitos dos súditos à prioridade dos direitos

dos cidadãos, emergindo um modo diferente de encarar a relação política,

não mais predominantemente do ângulo do soberano, mas sim daquele do

cidadão, em correspondência com a teoria individualista da sociedade,em

contraposição à concepção organicista tradicional.

Marilena Chauí, para tratar do que seria o pós-modernismo, referindo-se à

sociedade contemporânea, elencou uma série de antagonismos:

Se a modernidade acredita na importância de construir o poder político

como esfera pública impessoal separada da sociedade civil e capaz de

regulá-la por intermédio do Estado, tido tanto como instrumento de

racionalização (pelos liberais) quanto como instrumento de dominação de

classes (pela esquerda socialista e comunista), a pós-modernidade afirma

que o poderio do Estado é ilusório e ilusória a dominação de classes, pois a

realidade social é tecida por micropoderes capilares e disciplinadores da

vida privada e sociopolítica. Se a modernidade trabalhava com grandes

categorias como indivíduo e o homem (no liberalismo) ou classes sociais

(no socialismo e no comunismo) ou o homem e os movimentos sociais (no

anarquismo), a pós-modernidade fala nas pessoas, cuja identidade importa

pouco, pois seu ser é dado pelo sistema de diferenças que cria a alteridade

ou o 'outro': mulheres, homossexuais, negros, indios, crianças, idosos, sem

teto, religiosos. (CHAUÍ, 1999:346)

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A Modernidade ocidental resulta de uma sobreposição da razão à fé. Surgiu

com a Modernidade o sonho de não mais ter governantes com poderes absolutos

(teocracia), a possibilidade de a ciência entender a natureza, e, assim, dominá-la.

Em diversos segmentos este estágio pôde ser sentido; no âmbito da cultura, com o

renascimento; da política, com a fortificação dos Estados, também com a Reforma

Protestante e a Revolução Científica. Tudo isso culminou em uma mudança forte na

estrutura social. Seria, então, alcançada a segurança?

O sonho da Modernidade, nesse aspecto, se mostrou excessivamente

pretensioso. Por esta razão Ken Wilber prefere chamar de desastre da modernidade:

“uma patologia, que logo permitiu que uma poderosa ciência monológica colonizasse

e dominasse as outras esferas (a estético-expressiva e a religiosa-moral)” (WILBER,

1998:55).

A esperança de que a ciência, nome máximo da razão, trouxesse este lugar

democrático e harmônico desmoronou com a Segunda Guerra Mundial,

especialmente com o acontecimento em Hiroshima. O sociólogo polonês Zygmunt

Bauman ressalta, assim, que a dúvida da “pós-modernidade” é aquela que “desafia

o direito de a ciência validar e invalidar, legitimar e deslegitimar – em suma, de traçar

a linha divisória entre conhecimento e ignorância” (BAUMAN, 1999: 257).

Preferimos tratar acerca do que seriam características da sociedade

contemporânea do que discutir acerca da existência ou não da chamada “pós-

modernidade”. Discute-se se esta “pós-modernidade” seria oriunda de uma crise da

Modernidade, ou de uma crise na Modernidade, a partir disso se problematiza a

questão do rompimento, ou não, com aquela. Fala-se em “pós-modernidade” como

algo novo. Teria, então, havido alguma ruptura com a Modernidade? Se esta pode

ser sintetizada como razão, estaríamos em tempos irracionais?

Boaventura de Sousa Santos, tratando da modernidade faz consideração ao

que seja pós-modernidade, simplificando a polêmica que há em sua existência.

O paradigma da modernidade constituiu-se antes do modo de produção

capitalista ter se tornado dominante e extinguir-se-á antes de esse último

deixar de ser dominante. A sua extinção é complexa porque é em parte um

processo de superação e em parte um processo de obsolescência.(...)Tanto

o excesso no cumprimento de algumas das promessas, como o défice no

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cumprimento de outras são responsáveis pela situação presente, que se

apresenta superficialmente como de vazio ou de crise, mas que é, a nível

mais profundo, uma situação de transição. Como todas as transições são

simultaneamente semi-cegas e semi-invisíveis, não é possível nomear

adequadamente a presente situação. Por esta razão lhe tem sido dado o

nome inadequado de pós-modernidade. Mas, na falta de melhor, é um

nome autêntico na sua inadequação. (SANTOS,2005:76)

Conforme se fez notar o autor, a pós-modernidade é fato no sentido de que é

transição da modernidade, e, como toda transição, como toda crise, possui

características próprias, daí a criação desta categoria. Mas antes de esclarecer as

características da chamada pós-modernidade, que aqui chamamos de

contemporaneidade, faz-se necessário entender o que é a Modernidade.

Nesta discussão nos manteremos na linha de pensamento de Boaventura. A

Modernidade, segundo o estudioso, se assenta em dois pilares: regulação e

emancipação. Cada um desses pilares possui três princípios. No que tange à

regulação, o primeiro princípio é o Estado, cuja articulação se deve primordialmente

a Hobbes. O segundo princípio é o Mercado, ressaltado bastante em Locke. O

terceiro princípio é o da comunidade, destacado em Rousseau.

O pilar da emancipação é constituído pelo que Boaventura chama de "três

lógicas de racionalidade", quais sejam: a racionalidade ético-expressiva da arte e da

literatura; a racionalidade moral prática da ética e do direito; por fim a racionalidade

cognitivo-instrumental da ciência e da técnica.

É possível perceber, contudo, que os pilares da regulação e da emancipação

se entrelaçam, havendo afinidade entre os princípios de um e as racionalidades do

outro. Assim, o princípio da comunidade possui estreita ligação com a racionalidade

estético-expressiva, pois é no seio da comunidade que são realizados laços de

identidade e comunhão, sem os quais não é possível a contemplação da estética. O

princípio do Estado, por sua vez, possui afinidade com a racionalidade moral-prática,

tendo em vista que o Estado, enquanto instituição dotada de soberania, legitimidade

e autodeterminação, deve pautar-se na ética, bem como por ser o titular do direito de

produção de normas positivadas, também da coação para cumprimento destas. A

racionalidade cognitivo-instrumental liga-se ao princípio do mercado, pois neste se

encontram as idéias de individualidade e de concorrência, como também por ser a

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ciência uma força produtiva. (SANTOS, 2005:77)

O entrelaçamento entre o princípio do Estado e o princípio do mercado

fortaleceu ambos, enquanto que o princípio da comunidade, estabelecido na

obrigação política horizontal cidadão a cidadão, restou enfraquecido. Isto é

conseqüência do que observou Boaventura (2006):

(...) o reconhecimento político da cooperação e a solidariedade entre

cidadãos foi restringido às formas de cooperação e de solidariedade

mediadas pelo Estado. (...) Politizar a questão social significou submetê-la a

critérios não capitalistas, não para a eliminar, mas tão só para a minorar e,

nessa medida, manter sob controle o capitalismo enquanto conseqüência (a

questão social) significou legitimá-lo enquanto causa.

Pensar nesses dois pilares de forma abstrata é aparentemente incompatível.

Como conciliar o coletivo com o particular, a solidariedade e a identidade, a própria

emancipação e a regulação? Estes conceitos mostram-se contraditórios, daí a crítica

que Boaventura realizou no trecho supracitado, sendo esse o excesso da

Modernidade. O déficit de que tratou o estudioso reside no fato das racionalizações

e princípios, cada qual com força própria, virem a "dissolverem-se num projeto global

de racionalização da vida social prática e quotidiana." (SANTOS,2005:78)

Chamemos de 'pós-modernidade' ou de 'etapa da modernidade', para cessar

discussão infindável. É preciso reconhecer, contudo, que a fase pela qual a

sociedade passa possui peculiaridades, sendo o individualismo e a segmentaridade

traços marcantes neste contexto.

Como restou a esfera pública diante das características peculiares da "pós-

modernidade"? Hannah Arendt conceitua espaço público como um espaço físico de

reunião, com aparência de ambiente para coletividade, na qual as atividades nestes

realizadas deixam rastro para posteridade. Neste meio os cidadãos são iguais em

termos de oportunidade de participação, onde estes exercem individualidade

tratando de negócios coletivos. As questões são decididas por meio de conversa

incessante, sendo, pois, o consenso o que sustenta a própria esfera pública.

(ARENDT, 2005:50)

Sem dúvida houve uma mudança na relação público-privado. Arendt mostra

23

que os indivíduos modernos são vaidosos, possuindo como preocupação básica

objetos fúteis e consumíveis, e tais necessidades não podem ser permutadas com

outros, o que torna impossível o que ela denomina de "mundo comum". Desde que a

ciência natural tomou força, houve um salto da fé para a dúvida, ou seja, o que antes

estava justificado pela fé perdeu força, e nada mais é certo, salvo o que for provado,

e "ao perder a certeza de um mundo futuro, o homem moderno foi arremessado para

dentro de si mesmo, e não de encontro ao mundo que o rodeava; longe de crer que

este mundo fosse potencialmente imortal, ele não estava sequer seguro do que

fosse real" (ARENDT, 2001:334).

Assim sendo, o homem não retira mais valores homogêneos da sociedade, se

espelhando nestes, porque a sociedade não oferece mais um senso comum, oriundo

de uma discussão do que seriam valores básicos. Estes são retirados do próprio

indivíduo, ou do grupo do qual participe e se identifique, e estes grupos sociais têm

se tornado cada vez mais específicos. Como ressaltou Bottomore, em 1967, "um dos

principais problemas da vida social foi estabelecer e manter a solidariedade social

em grandes grupos, onde as relações íntimas dos grupos primários são impossíveis"

(BOTTMORE, 1967:35). De fato, a especificidade é marca desta fase pela qual

passamos.

Marilena Chauí bem retrata a realidade, conforme trecho acima mencionado,

ao ressaltar que a identidade importa pouco porque seu ser é dado pelo sistema de

diferenças que cria a alteridade ou o 'outro'. O espaço público confunde-se com o

espaço privado, e este com aquele. Referida autora continua dizendo que o espaço

público passou à condição de

marketing, merchandising e midiazação e a do espaço privado à condição

de privacidade intimista, mas sobretudo pela perda da fronteira entre

ambos. (...)Que se passa na esfera privada? Os movimentos sociais se

tornam cada vez mais específicos, e cada vez mais localistas. (...) duram o

tempo em que dura a demanda que, uma vez satisfeita, dispersa os que

estavam unidos numa ação. (CHAUÍ, 1999:387)

24

Assim, a união para melhora na segurança pública de uma cidade termina

quando se constrói uma cadeia; a luta para possibilidade de adoção por casais

homossexuais finda com a legalização; e a luta por uma sociedade mais justa e

igualitária? E a luta pelo acesso à justiça? Essas são lutas gerais, e hoje, como

reflexo do individualismo, não é mais interesse a ser perseguido pela coletividade,

de uma forma geral.

A perda desse laço do homem com a sociedade como um todo,

conseqüentemente o agrupamento em grupos com temáticas específicas, o

desaparecimento da linha demarcatória entre o público e o privado, as grandes

transformações no mundo do trabalho, o veloz avanço tecnológico, a revolução dos

meios de comunicação, a não percepção de alternativas ao modelo neoliberal, o

surgimento de doenças e a fortificação de outras, a super população mundial, a

absurda exclusão social, dentre outros fatores, são traços marcantes da realidade

contemporânea. Como,então, conquistar cidadania em um ambiente onde é ‘cada

um por si'? Aliás, o que é cidadania?

A próxima etapa deste trabalho irá tratar do tema cidadania. Falamos da

possibilidade da Mediação Comunitária ser uma Justiça Cidadã, assim, torna-se

pressuposto explicar a cidadania, e, a partir desta reflexão, questionar como pode

um sistema de justiça ser cidadão.

25

2 - CIDADANIA E MULTICULTURALISMO: LIMITES JURÍDICOS.

O Mercado possui uma força própria, e tal força é de uma voracidade capaz de

estruturar e desestruturar uma sociedade. É estruturante posto que organiza uma

realidade nova, baseada na lógica do lucro, no entanto, é desestruturante, tendo em

vista que desconstitui o homem tradicional, ingênuo, que age pelo coração, e faz

emergir o homem moderno, racional, lógico.

O Mercado, como força estruturante, trouxe dois valores, a igualdade e a

liberdade. É preciso liberdade para contratar e igualdade para que este pacto seja

coerente.

A cidadania, muito mais do que supõe o senso comum, não se limita ao direito

de votar e ser votado. É a qualidade ou estado de cidadão. Ora a cidadania se

apresenta como direito, ora como dever. Segundo João Baptista Herkenhoff (2002),

além do conteúdo civil e político, cidadania apresenta-se em quatro outras

dimensões: social, econômica, educacional e existencial.

Na realidade, cidadania é um conceito difícil de ser expresso em palavras.

Como bem argumentou Nilda Teves Ferreira (2003), “como as cores, que não

podem ser pensadas sem extensão, cidadania só se configura quando encarnada

em um indivíduo, o cidadão”. Portanto, a cidadania não se vê, se exercita, se sente.

Muitas vezes é mais fácil perceber o “não cidadão”, que identificar o cidadão.

Dalmo Dallari entende que:

...a noção de cidadania busca expressar a igualdade dos homens em

26

termos de sua vinculação jurídica a um determinado Estado; portanto, este

tem o poder de definir os condicionantes do exercício da cidadania. O

cidadão constitui uma criação do Estado, que vai molda-lo ao seu interesse.

(DALLARI, 1993)

Sem dúvida alguma não há cidadão sem Estado, mas concluir que o Estado

limita a cidadania do indivíduo não parece ser o mais correto, tendo em vista que tal

afirmação retira do indivíduo uma característica que lhe é inerente: a capacidade de

pensar, de indignar-se, de transformar a sua realidade social.

Embora se diga que a concentração de renda não pode ser considerada como

ponto chave para caracterizar a falta de cidadania ou a democracia, sabe-se que

também não podemos excluí-la por completo deste ínterim. No Brasil, a organização

social é desigual e hierárquica, porque tem por base diferenças de classe, raça e

gênero, sendo estas reconhecidamente a base principal de uma classificação social

que marcou a cultura brasileira.

Weffort (1992:115), ao tratar das condições nas quais a democracia possui

para se insurgir, ressalta a limitação, mas destaca a possibilidade e o

reconhecimento de sua existência. Assim:

A democracia é ‘deformada’ pelas condições sociais nas quais tem que

operar. (...) Tais deformações podem ser entendidas também como

‘possibilidades alternativas’ ou, simplesmente, como mecanismos de

adaptações de qualquer sistema democrático em face das circunstâncias

sociais e econômicas. Aqui, importa reter dessa idéia geral que, em

condições de extrema desigualdade (ou de desigualdade crescente), as

democracias acabam criando seus mecanismos de ajustamento. De certo

modo são essas ‘deformações’ que explicam sua sobrevivência em

condições tão adversas.

Assim, a democracia, em sua definição enquanto forma ideal, pode não ser

sentida em sociedades onde há níveis extremos de desigualdade social, mas,

conforme Weffort (1992), mesmo diante desta limitação, e de tantas outras que

decorrem da mais absoluta discrepância entre as classes sociais, é possível a

existência de uma sociedade democrática, a partir de mecanismos de adaptação.

27

É interessante perceber a semelhança do que expõe Weffort com o que Dahl5

(1977) chama de poliarquia. Segundo o pensador, o termo democracia deve

representar a expressão do ideal, enquanto poliarquia sugere a democracia real.

Nesse sentido, o que a democracia deve ser, seus valores e ideais, são fatores

importantes enquanto referências, no entanto a real democracia reflete aquela como

imperfeita, ou como Weffort expressou, em outras palavras, as poliarquias são

expressões de democracias, com mecanismos de ajustamentos, para que, embora

em sociedades desiguais, possa se reconhecer a existência dela.

Para que haja cidadania, é necessária a possibilidade de participação, ao

passo que, para que se fale em democracia, faz-se necessário a abertura para

participação, assim, não é possível dissociar democracia de cidadania, embora nem

sempre, nas mesmas condições de tempo e lugar estas se desenvolvam em igual

intensidade.

Tocqueville (1969) temia a tirania da maioria exatamente por perceber que a

democracia poderia dar a impressão de harmonia geral, ignorando a existência de

minorias. Assim, o rumo das políticas públicas correria o risco de oprimir uma

parcela da sociedade que não comunga com um certo padrão, daí Alexis de

Tocqueville exaltar a participação, apontando as associações como estruturas

existentes nos Estados Unidos que surpreendiam no fomento à cidadania e à

democracia.

Dahl, em seu realismo democrático, acreditava que seria impossível uma

política pública, por mais democrática que fosse, não oprimir ou gerar algum dano a

algum cidadão. São suas palavras:

Desearía que la respuesta fuera sencilla. Por desgracia, és mucho más

complicada de lo que pueda imaginar. Lãs complicaciones obedecem al

hecho de que prácticamente toda ley o política pública, ya sea adoptada por

uma maioria democrática, uma minoria oligárquica o um dictador benigno,

está llamada a provocar algun dano a algunas personas. (DAHL, 1998: 35)

5 Segundo Robert Dahl a democracia não é um sistema em que os governantes são representantes do povo,

simplesmente, mas um sistema no qual o poder sobre as autoridades é amplamente partilhado. Há um controle

dos líderes por parte do cidadão comum.

28

A estudiosa de Robert Dahl, Daniela Cademartori (2006: 205), aponta que esse

autor pretendeu não somente estudar a democracia, como também promovê-la,

tendo, assim, sugerido os caminhos possíveis para concretização democrática.

Assim, não sendo possível a democracia ideal, Dahl traçou critérios mínimos de uma

real democracia.

Sendo a cidadania a qualidade de ator da sociedade, não importa a classe

social, mas a instrução sobre os direitos civis e políticos. Aqui é que entramos em

mais um questionamento deste trabalho: seria possível promover uma política

pública de emancipação social com o fomento da cidadania?

Antes de entrar neste tema, é interessante inserir dois obstáculos tipicamente

brasileiros, citados por Ênio Rezende, à cidadania: a cultura do imediatismo e a

cultura do conformismo. Opina o estudioso:

Acostumados e desencantados com a eternização de um comportamento

político de baixo nível, com governos incompetentes, com corrupções

impunes em todos os setores, com a progressiva decadência das

instituições, com a deteriorização dos costumes, inclusive com a

convivência ou colaboração de uma mídia que disputa audiência por meio

de programas deseducativos e apelativos, os brasileiros foram se deixando

dominar pelo mal do conformismo, Atitude comparável ao do doente que vê

seu organismo se definhando, mas não se dispões a reagir. Falta

descoberta de um remédio que está dentro de si: a cidadania. (RESENDE,

1992:59)

Possui razão Resende ao mostrar quão difícil é haver cidadania em meio a

este ambiente vivido. Se levarmos em consideração a baixa renda dos brasileiros e

a luta diária pela sobrevivência física, bem como as características já mencionadas

da sociedade contemporânea, chegaremos à conclusão de que fomentar cidadania

exige uma política pública que se utilize das características do tradicionalismo para

atuar no que convencionamos chamar de “ilhas comunitárias”.

Nesse sentido a razão de Weffort quando menciona que as deformações

sociais explicam a sobrevivência da democracia em condições adversas. Assim, a

política pública aqui proposta parte da dificuldade de adaptação à sociedade de

29

mercado que possui alguns grupos sociais, para criar um ambiente em que o

sentimento de igualdade e a sensação de empoderamento sejam liberados.

Boaventura aponta, ainda, uma questão de total importância ao estudo do

tema: há um receio do que ele chama de "sobrecarga democrática", em decorrência

de uma concepção hegemônica de democracia imposta pelos países centrais,

exportadas aos países periféricos, que procura estabilizar a tensão entre democracia

e capitalismo. Deve haver democracia, mas sem excessos, para que não seja

interrompida a prioridade da acumulação sobre a redistribuição de riquezas.

O fato é que a emancipação cidadã, com o reconhecimento do papel de cada

indivíduo na sociedade, possui obstáculos de não somenos importância, que devem

ser levados em consideração no momento da elaboração de qualquer política

pública que vise sinceramente este fim.

Pedro Demo aponta o realismo desta questão em trecho que merece

transcrição:

O processo emancipatório constitui um fenômeno profundo e complexo, de

teor tipicamente político, e que supões, concretamente, um tipo de

competência, ou seja, de saber fazer-se sujeito histórico capaz de pensar e

conduzir seu destino. Assim, está a contestação ou a consciência crítica.

Tudo começa com a capacidade e coragem de dizer não. Não à condição

de massa de manobra pelas elites. Não aos governos clientelistas e

corruptos. Não ao estado tutelar e assistencialista. Não à pobreza política e

material. (...) Trata-se de uma competência humana essencial, que é a de

fazer-se sujeito, negando-se aceitar-se como objeto. Incompetência é ser

excluído sem perceber, aceitar a injustiça sem reagir, permanecer massa de

manobra como se fosse condição humana normal. (DEMO, 1995:133)

A cultura do conformismo dita acima colabora para esta incompetência que

Pedro Demo menciona. É preciso, portanto, fomentar essa capacidade de

pensamento, de se indignar e de se associar com os seus pares a fim de discutir o

melhor projeto para a sociedade. A capacidade de dialogar deve, assim, ser

estimulada, mas antes de discutirmos uma forma de incentivar esta atitude cidadã,

faz-se necessário lembrar que qualquer política pública que exista deve respeitar o

indivíduo, sua cultura, seus valores, ou seja, deve reconhecer o multiculturalismo,

sob pena de já iniciar fadada ao fracasso.

30

Não se pode pensar em uma política pública de saúde sem perceber que

algumas tribos indígenas não comem determinados alimentos após o parto. Não é

possível firmar com sucesso uma política pública de planejamento familiar sem

reconhecer que algumas religiões não permitem o uso de determinados meios

contraceptivos. Não se imagina uma política pública de educação básica sem

preservação de costumes como o do recolhimento judeu aos sábados.Não se pode

pensar qualquer política pública sem obedecer e reconhecer o princípio da isonomia,

ou seja, tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida em

que se desigualam. E mais: reconhecer que não somos iguais, não podendo,

portanto, entender como, por exemplo, a instituição familiar como a família branca,

burguesa de classe média, composta por pai, mãe e filhos como o padrão médio de

nossa sociedade.

Isso não significa fomentar isolacionismos, mas reconhecer uma sociedade

multicultural, uma complexidade de culturas que formam a sociedade. Nesse

contexto Pedro Demo produz uma afirmativa pertinente: "Levar a sério o outro, em

particular sua diversidade, é um dos desafios maiores da convivência

humana”.(DEMO, 2005:17)

Uma sociedade igual é diferente de uma sociedade igualitária. Pedro Demo

comenta tal distinção citando o exemplo da emancipação feminina. Num primeiro

momento, as mulheres reivindicavam igualdade, por entenderem que eram iguais

aos homens, tendo em vista que não havia relação de hierarquia, de superioridade.

Em momento posterior as mulheres percebem que não são iguais aos homens, que

ser mulher não é ser homem, reivindicando também a diferença. Assim, nota-se que

as diferenças não podem ser negadas, não se concebe uma sociedade igual, o que

não é aceitável é a diferença ser transformada em desigualdade. A diferença deve

ser valorizada, permitindo a valorização do próprio cidadão. A distinção deve existir

quando a igualdade descaracteriza o cidadão.

Aqui se coloca um problema: se a sociedade é multicultural e as políticas

públicas devem observar necessariamente este aspecto, o que dizer do Direito? As

normas, em regra, são gerais e abstratas, como podem, assim, serem 'justas' a

todos que estão sob sua égide?

31

O Direito é utilizado como regramento social. O Estado, por meio das funções

legislativas e executivas, elabora normas que devem ser obedecidas e às pessoas

não é dado, via de regra, alegar desconhecimento para furtar-se das conseqüências

sancionatórias impostas. Válido ressaltar que estas normas, em sua maioria, são

produzidas pelo Legislativo, cabendo ao Executivo sancioná-las ou vetá-las. Os

integrantes destes poderes são eleitos pelo voto direto, secreto e universal dos

cidadãos.

Interessante observar o posicionamento de Robert Dahl acerca do que

representa essa democracia, que extravasa um procedimento de governo. Segundo

ele:

Dado que los direchos son elementos necesarios de las instituciones

políticas democráticas, la democracia és también intrinsecamente um

sistema de direchos. Los direchos se encuentran entre los pilares

esenciales de um proceso de gobierno democrático. (DAHL, 1998:60)

No plano da democracia real, o Direito é parte fundadora do sistema

democrático. Embora Robert Dahl não se atenha muito a falar sobre a relação entre

Estado de Direito e Democracia, analisa o papel de uma constituição dentro desse

regime:

Hay, sin embargo, uma tercera possibilidad más interessante: em um país

em el que lãs condiciones no son ni altamente altamente favorables ni

altamente desfavorables, sino mixtas, de forma que la democracia es

insegura pero de ninguna de las maneras impossible, la elección del deseño

constitucional puede tener importância. (...) uma constituición bien deseñada

puede ayudar a que sobrevivan lãs instituiciones democráticas. (DAHL,

1998:148)

A Modernidade fez nascer o ideário do Estado de Direito, bem como a noção

de norma enquanto determinação abstrata dirigida a todos indistintamente,

decorrente de um ato racional. Dahl ressalta a importância da norma, especialmente

da constitucional, mas não vincula uma democracia real ao Direito posto. O que

pode ocorrer é uma tendência maior à Democracia.

A legalidade conquistada representava, inicialmente, a impossibilidade de

retroação da lei para desfazer direitos já conquistados. A Jurisdição enquanto forma

32

de resolver embates, seguindo um procedimento básico, padrão, revelou segurança,

se comparado com a realidade medieval.

A legitimidade oriunda do pacto social tinha assento na relação entre direito e

Estado.

Destaque-se que o Direito é a ciência, e a lei um objeto desta ciência. O que

determina limites à conduta humana é a norma jurídica, que é oriunda do Estado,

mas quem é este ser abstrato que produz os regramentos? Podemos dizer que

basicamente o Poder Legislativo, também o Executivo, por meio de Medidas

Provisórias e decretos autônomos, são os 'produtores' legais.

Essa preliminar deve ser esclarecida, tendo em vista que quem está naqueles

poderes podem tornar uma norma tão mais legítima quanto mais se adeque à

realidade social. Vamos visualizar, então, um exemplo: a norma que proíbe o porte

da arma branca (facões, canivetes, etc) parece relevante e bastante útil à segurança

pública. Quanto menor o uso comum destas armas, menor a probabilidade de

mortes por motivos banais como 'brigas de bar'. Seria justo, contudo, condenar um

sertanejo ao cárcere porque saiu da roça com sua peixeira na cintura e foi ao

mercado comprar o que faltava em casa? Parece que não, mas se trouxermos este

caso para as grandes cidades, será justo repreender esta pessoa, pois a arma

causará grande insegurança. Essa 'justiça' varia de local para local e de época para

época, tendo em vista que o que está em jogo são culturas. A cultura do sertanejo é

tão cultura quanto a cultura do metrossexual da capital, embora distintas.

Outro aspecto do Direito é o emaranhado de normas legislativas, muitas vezes

produzidas de forma casuística, servindo para agradar grupos ou 'calar a boca' da

população. Exemplo claro deste casuísmo é a lei dos crimes hediondos, que, sem

qualquer técnica legislativa, inclui crimes diante de algum acontecimento que

repercuta negativamente na sociedade.

Sobre a legitimidade das normas, o estudioso Roberto Lyra Filho merece

destaque:

A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à

classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a

sociedade politicamente organizada, ficam sob o controle daqueles que

33

comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos meios

de produção.(...) A legislação abrange, sempre, em maior ou menor grau,

Direito e Antidireito: isto é, Direito propriamente dito, reto e correto, e

negação do Direito, entortado pelos interesses classísticos e caprichos

continuístas do poder. (...) O poder autêntico e global não pode ser isolado

em campos de concentração legislativa, pois indicam princípios e normas

libertadores, considerando a lei um simples acidente no processo jurídico, e

que pode, ou não, transportar as melhores conquistas (...) se o Direito é

reduzido à pura legalidade, já representa a dominação ilegítima, por força

desta mesma suposta identidade; e esse 'Direito' passa, então, das normas

estatais, castrado, morto e embalsamado, para o necrotério de uma

pseudociência, que os juristas conservadores, não à toa, chamam de

dogmática. (LYRA, 1999:11)

O estudioso menciona pontos que desafiam o 'Direito correto', dos quais não se

pode fugir. O primeiro ponto é a origem das normas. Ao falarmos em Poder

Legislativo parece mencionarmos um órgão abstrato, todavia este é composto por

pessoas, eleitas pelos cidadãos, e trazem consigo suas virtudes e defeitos. Em

tempos de publicidade de 'mensalão e mensalinho', fica fácil perceber que nem

todos os parlamentares estão realmente preocupados em corresponder aos anseios

da população, ao passo que a população, descrente e pouco integrada ao meio

social em que vive, não se dispõe a cobrar de seu representante o fiel cumprimento

dos fins de seu mandato. Assim surgem as normas jurídicas, algumas legítimas,

outras nem tanto, outras ainda completamente desarrazoadas. A solução seria,

então, por meio de sistema eletrônico de votação, optarmos pela democracia

participativa direta? Concordamos com a opinião de Giovanni Sartori (1994) de que

esta não seria a melhor solução, tendo em vista o conhecimento limitado a alguns

assuntos necessários a cada norma, como por exemplo economia, relações

internacionais, dentre outros, restritos a pequena parcela da população.

Outro ponto de suma importância está na estagnação do Direito. Para os

juristas mais conservadores o objeto do Direito é a norma. Ocorre que a norma está

em um papel, está nas frias letras de um texto, está nos escritos professados pela

elite nacional. Entendemos que o Direito não está no texto legal somente, esta é

34

uma das representações do Direito, este, contudo é "achado na rua"6, e tem por

objeto a vida, este sim é o fim do Direito. Da vida extraímos a necessidade de uma

paz social, da dignidade da pessoa humana, dos direitos políticos, de um meio

ambiente ecologicamente saudável, enfim, o Direito se presta para a VIDA em seu

sentido mais amplo.

Assim sendo, será que podemos negar o Direito ainda não positivado? Ou

mesmo: será que todo Direito posto é adequado aos 'casos concretos'? Será

possível sustentar que de relações homoafetivas não surge qualquer direito

sucessório pelo simples fato da lei não mencionar tal relação como equiparada a

'família'? Será possível abstrair que existem nas comunidades de baixa renda do Rio

de Janeiro normas próprias de convivência, embora não reconhecidas pelo Direito

positivo? Será sensato defender a idéia de que de toda relação sexual com 'menina'

de treze anos presume-se estupro? Ou que o pai que cria durante toda a vida um

filho não é pai por não ser biologicamente o genitor?

Algumas destas questões ultrapassam o objeto deste trabalho, contudo, um

dos pontos merece destaque: o pluralismo jurídico. Toda convivência pressupõe o

estabelecimento de normas. Por exemplo: dois irmãos que dividem um quarto

possuem algumas regras de convivência, assim: um não pode depositar suas roupas

usadas na cama do outro, ou deve reduzir o volume do aparelho de som caso o

outro queira dormir. Em um ambiente de trabalho também possuem normas, por

exemplo, a roupa mais adequada, a necessidade de todos falarem em um tom de

voz que não atrapalhe a produção laboral do outro, dentre tantas outras. Desta

forma, as normas surgem quando há algum agrupamento social, qualquer que seja

ele.

Falamos acima de multiculturalismo, de individualismo, de segmentariedade;

como é viável o Direito ser entendido como restrito às normas positivadas se cada

vez mais as pessoas individualistas, procuram por grupos específicos, fazendo parte

de uma cultura especial? Como pensar uma sociedade instável e conflituosa de

capitalismo periférico com um único padrão normativo? Seria possível existir algum

espaço de democratização, descentralização e participação? Às duas primeiras

6 Expresão criada por Roberto Lyra Filho e encampada pelo professor José Geraldo de Souza Junior,

pessoa responsável por vasta produção literária acerca do tema, bem como por projetos que merecem o aplauso

35

perguntas as respostas nos parece ser o reconhecimento de que o Direito é um

complexo de normas, positivadas ou não, mas sempre oriundas da sociedade, de

suas necessidades e avanços, sendo assim, se apresenta inconcebível a

estagnação do Direito às leis. A esse pensamento dá-se o nome de pluralismo

jurídico. Wolkmer bem o define:

O principal núcleo para o qual converge o pluralismo jurídico é a negação

de que o Estado seja o centro único do poder político e a fonte exclusiva de

toda produção do Direito. Na verdade, trata de uma perspectiva

descentralizadora e antidogmática que pleiteia a supremacia de

fundamentos ético-político-sociológicos sobre critérios técnicos-formais-

positivistas.(...) multiplicidade de manifestações ou práticas normativas num

mesmo espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos,

podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades

existenciais, materiais e culturais. (WOLKMER, 1997:XII)

A última indagação parece a mais complexa, tendo em vista que é difícil

imaginar um espaço público, nos termos expostos por Hannah Arendt, em trecho

citado acima, democrático, descentralizado e baseado na participação. Contudo,

este espaço existe e é o que defendemos neste trabalho.

Conforme já demonstrado, a especificidade da sociedade moderna cria

conflitos sociais que não são acompanhados pelo direito, pois os anseios sociais são

os mais diversos possíveis. Como, então, atender às necessidades da sociedade de

forma eficaz?

A Mediação, como meio "alternativo" de solução de conflitos, é uma resposta

satisfatória para esta situação. Na mediação as pessoas levam seus impasses, dos

mais complicados aos mais “simples”, excluído aqueles de competência exclusiva do

Poder Judiciário, e, de forma “descomplicada”, célere e harmônica resolve seu

problema. Isso porque o título proferido por um mediador poderá ter força apenas

moral, quando não assinado por duas testemunhas, ou pode ter força de título

executivo extrajudicial, se com duas assinaturas, em alguns casos sendo levados

apenas à homologação judicial.

de todos aqueles que crêem em um Direito de todos

36

O processo de Mediação vai variar de acordo com a especificidade cultural,

contudo, em qualquer situação é dado às próprias pessoas envolvidas no conflito

dialogares sobre este, em uma visão de alteridade.

Alguns aspectos do conflito são considerados universais. Por exemplo, as

quatro maneiras em que os seres humanos resolvem seus problemas

(evitando-o, colaborando, recorrendo a uma autoridade e valendo-se de

jogos de poder) são panculturais. Desta forma, a estrutura das cinco etapas

da mediação apresentadas neste livro podem ser utilizadas por partes que

tenham valores e raízes culturais diversas. Outros aspectos do processo de

mediação variam conforme a cultura. Para oferecer auxilio eficaz para as

partes, os mediadores devem prestar atenção a costumes locais referentes

à comunicação, expressões de insatisfação, confronto, práticas religiosas e

os valores associados às várias formas de resolução de conflito. Por

exemplo, sob que condições as partes optarão por jogos de poder (com

uso de força pessoal ou armada) ao invés de caminhos pacíficos? O

mediador deve estar atento às influências culturais que afetam o conflito e

que determinam a forma que uma solução aceitável pode

tomar.”(SLAIKEU, 2004:34)

A mediação comunitária é esta forma de solucionar conflitos que valoriza as

características e valores culturais, fomentando a cultura do diálogo, qualquer que

sejam as peculiaridades locais. Portanto, levando à conscientização de que os

direitos e deveres podem e merecem ser discutidos e trabalhados dentro da

comunidade.

Sobre a Mediação e seus aspectos práticos e teóricos trataremos no capítulo

seguinte.

37

3 - MEDIAÇÃO

Podemos falar de acesso à justiça, sem relacionar, contudo, ao Poder

Judiciário, como é comum associarem. A mediação em nenhum momento busca

contrapor-se ou substituir aquele órgão estatal, o que pretende é oferecer um

procedimento alternativo para que todos, sem exceção, possam usufruir dos

benefícios da justiça e da conscientização de seus direitos. Aqui falamos em justiça

em sentido amplo, daí a idéia de um pluralismo jurídico, pois cada grupo social,

como um bairro, pode possuir normas próprias que são desconhecidas pelo

judiciário. O juiz, na resolução de um conflito, por mais bem intencionado que seja,

em regra, não conhece a realidade daquele grupo social do qual vêm as pessoas

que estão em conflito, e isso faz enorme diferença na solução da pendenga, bem

como no sucesso da sua solução. Além do mais, o cidadão se unir com seus pares a

fim de resolver suas pendências solta as amarras do assistencialismo estatal.

A idéia de mediação é antiga. Nas comunidades religiosas era comum a

existência de alguém que exercia a figura do mediador, solucionando conflitos civis e

religiosos. (MOORE, 1998:32)

O mais importante é que neste processo o diálogo é estimulado. Não é um

terceiro alheio aos problemas quotidianos de cada um que impõe uma decisão, mas

as próprias partes chegam a um acordo.

Com o fortalecimento do comércio e a conseqüente necessidade de

padronização, a mediação foi perdendo força, sendo substituída pelas leis.

38

(VEDANA, 2003:265)

Embora a mediação pareça algo extremamente informal, possui um processo

que a constitui. Neste ínterim, é bem verdade que muitas vezes o acordo pode ser

difícil, pois existem mágoas, ressentimentos, mas o bom mediador consegue

apaziguar os ânimos e sugerir diversos caminhos, consoante o Direito e a moral.

Assim, além de estimular o diálogo, as partes saem conhecendo um pouco mais do

Direito em sentido amplo, se sentindo mais cidadãs, inclusas num mundo que até

então era alheio à sua realidade. Os mediados se sentem capazes de resolver seus

próprios conflitos, daí a semente da cidadania, da inclusão social! E a cidadania,

como bem explicitou a professora Teresa Haguette:

“não tem vida própria; qual peste ou epidemia; ela avança inexoravelmente

contagiando a todos com o vírus da igualdade, deixando-lhes a seqüela da

aversão a toda sorte de iniqüidade. Por isso ela impregna a todos com o

sentimento da rainha das virtudes: a justiça, que representa o sangue

circulante do seu ser, necessitando de invólucros para materializar-se: os

atores sociais, os indivíduos. (HAGUETTE, 1992)

Esse vírus que a mediação quer colocar em cada mediado é a sensação de

inclusão que se propõe a tal instituição, bem como seu objetivo imediato, que é a

pacificação social.

Warat argumenta que:

As práticas sociais de mediação se configuram num instrumento ao

exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a

produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões sem a intervenção de

terceiros que decidem pelos afetados por um conflito. Falar de autonomia,

de democracia e de cidadania, em um certo sentido, é se ocupar da

capacidade das pessoas para se autodeterminarem em relação e com os

outros; autodeterminarem-se na produção da diferença (produção do tempo

com o outro). A autonomia como forma de produzir diferenças e tomar

decisões com relação a conflitividade que nos determina e configura, em

termos de identidade e cidadania. (WARAT, 2004)

39

Se formos definir Mediação, de forma simples, diríamos que é espécie

“alternativa” de resolução de conflitos, no qual o mediador servirá como pacificador e

canal de discussão, em nada interferindo nas decisões a serem tomadas (o

mediador não possui poder de decisão), mas apenas auxiliando as partes em como

chegar a uma decisão satisfatória para ambas.

Ainda segundo Warat (2004: 67):

A mediação é:

A inscrição do amor no conflito/

Uma forma de realização da autonomia/

Uma possibilidade de crescimento interior através dos conflitos/

Um modo de transformação dos conflitos a partir das próprias identidades/

Uma prática dos conflitos sustentada pela compaixão e pela sensibilidade/

Um paradigma cultural e um paradigma específico do Direito/

Um modo particular de terapia/

Uma nova visão da cidadania, dos direitos humanos e da democracia.

Afirmar, contudo, que a Mediação é forma “alternativa” de solucionar conflitos

pressupõe que haja uma forma padrão básica de fazê-lo, que seria a intermediada

pelo Estado. Considerar a jurisdição como forma primeira de se solucionar um

impasse significa subestimar a capacidade inerente ao ser humano de organizar seu

pensamento em palavras e resolver suas pendências.

Tocqueville (1969) percebeu que, nos Estados Unidos, as pessoas, diante de

uma divergência, buscavam imediatamente resolver entre si o embate, e, em não

sendo possível, recorriam ao aparelho estatal. Não o faziam antes porque não se

fazia necessário, porque existia uma cultura de cidadania. O Estado existia e se

colocava disponível, apenas não era necessário.

Mediação é forma de solução de conflitos baseada no diálogo. É forma

amigável e colaborativa, na medida em que as próprias partes buscam a melhor

solução. Por meio da mediação, buscam-se laços entre as partes que possam vir a

40

amenizar a discórdia e facilitar a comunicação (Sales, 2003). É uma

autocomposição assistida. A mediação obedece a alguns princípios. Inicialmente

podemos mencionar a liberdade das partes. Esta liberdade abrange duas premissas:

a escolha da forma de solução do conflito e a liberdade na melhor escolha para

solução do conflito. Em seguida, há o princípio da não competitividade, pois o

interesse foca-se na harmonização das partes. O poder de decisão das partes, é o

princípio que limita o mediador a apenas facilitar a solução, pois cabe às partes a

decisão. Importante princípio é o da participação de terceiro imparcial, necessário à

justa composição da pendenga. A competência do mediador é fundamental à

realização de uma mediação eficaz. Isso significa dizer que deve realizar a atividade

de facilitador da comunicação, com sagacidade, inteligência, paciência,

sensibilidade, criatividade, confiabilidade, humildade, objetividade e prudência. O

princípio da informalidade do processo tem por objeto buscar a melhor maneira de

solucionar o conflito, tornando-se descomplicado, de fácil entendimento. Por fim,

confidencialidade do processo, pois corrobora tal princípio para a confiabilidade na

mediação, tendo em vista que ali estão sendo expostos impasses que somente

àquelas partes interessam.

Não é todo conflito, contudo, que pode ser submetido ao processo de

Mediação nos termos aqui estudados, seja porque há um impedimento legal, seja

porque seria inviável do ponto de vista psicológico. Sob o segundo aspectos, é

preciso reconhecer que existem tipos de conflitos.

Os tipos de conflito dependerão do tipo de agir dos discordantes. Assim, o

confronto será adequado a esse ou àquele método de solução, dependendo da

postura de um ou de ambos conflitantes. Esclareça-se: nem todos os agentes do

conflito são adversários e buscam é o máximo de prazer com o mínimo de dor, ou

seja, nem todos os sujeitos do embate têm interesse exclusivo em sua satisfação

pessoal, desprezando completamente o bem estar do outro.

Seria excessivamente pretensioso tentar elencar todos os tipos de agir e

vinculá-los a uma determinada espécie de embate. Assim, procuraremos debater,

ainda que de forma breve, as diferentes situações possíveis, aprofundando na que

importa especificamente para esta pesquisa, conforme demonstraremos.

41

O chamado agir estratégico-indiferente aos interesses das partes envolvidas é,

geralmente, o mais comum na concepção jurisdicional, tendo em vista que nesse se

busca apenas maximizar os ganhos, o que geralmente implica a perda da outra. É o

caso da colisão de veículos, no qual o motorista culpado se recusa a arcar com o

prejuízo do prejudicado.

Alexandre Costa (2005: 167) dedica interessante comentário à crítica da visão

de que a maior parte dos conflitos está vinculado ao agir estratégico indiferente:

Porém, reduzir todos os conflitos a esse modelo seria um exagero, pois há

também uma variedade de casos em que uma das partes tem, sim,

interesse na satisfação dos interesses da outra. Não se trata de satisfazer

parcialmente os interesses de uma das partes como forma de maximizar o

seu interesse individual, mas de considerar o respeito aos desejos do outro

como um objetivo autônomo. Nesse caso, o modelo ideal não seria do de

dois adversário que buscassem maximizar seus interesses particulares,

ainda que em detrimento do outro, mas de duas pessoas que buscassem

criar uma situação que seja a mais justa, maximizando o bem comum e não

apenas seus interesses particulares.

No agir comprometido o interesse de um dos conflitantes se apresenta

relevante à satisfação do interesse do outro. “Assim caracterizando o agir

comprometimento pelo fato de que o outro é percebido como uma pessoa cujos

desejos não são indiferentes”, segundo as palavras do pesquisador Alexandre

Costa.

Classifica-se, ainda, o agir estratégico, sendo aquele em que, numa análise de

perdas e ganhos, se mostra recomendável que se preservasse o interesse do outro.

É muito comum em relações comerciais e consumeirista, em que, por exemplo, para

se manter a fidelidade de um cliente, o fornecedor do produto reconhece seu direito.

A Mediação se dedica ao agir comprometido, se prestando, pois, a “ajudar as

partes a desenvolverem formas autônomas para lidar com as tensões inerentes ao

seu relacionamento, e não a buscar acordos que dêem fim a uma controvérsia

pontual” (COSTA, 2004: 180). Daí a amplitude, o poder deste instituto, capaz de

fomentar o diálogo e a percepção do outro.

A assistência é feita por um terceiro, como já mencionado. Este nada deve ter

42

de interesse na solução das diferenças, devendo atuar como investigador da

situação exposta. Muitas vezes as partes buscam a mediação para solucionar

determinada pendenga, entretanto, o interesse é outro. Quando o mediador tem

sensibilidade para notar qual o real conflito, consegue desarmar a posição de

confronto assumida pelas partes, facilitando o diálogo. As próprias partes devem

concluir quais seus problemas e acharem suas soluções, mas neste esforço o

mediador atua como agente hábil, discreto, imparcial e diligente, fazendo com que

as partes, por si sós, cheguem a um acordo.

Não podemos deixar de mencionar o papel do Estado neste processo, seja de

forma direta ou indireta. Não há como negar a descrença no Estado, como forma de

socorrer-se dos males causados pela própria sociedade. Isso ocorre, como explica a

professora Teresa Haguette (1994), pela herança autoritária que intrincada no íntimo

dos brasileiros, tanto mais velhos, como mais novos, que faz refletir um sentimento

anômalo e disfarçado de repúdio a toda sorte de regras e normas; o que propiciou o

imbróglio entre as concepções de autoridade e autoritarismo, com a conseqüente

rejeição da primeira, tida como assemelhada ao segundo, provocando uma crise de

autoridade cuja jurisdição lícita se encontra no âmago das instituições sociais, que

dita autora vê, especialmente na família e na escola.

Outras vezes, afastando de lado esta impressão da sociedade acerca das

instituições estatais, encontra-se a questão da precariedade, do ponto de vista da

atuação, do Poder Judiciário. É inegável que a extensão temporal, os custos e o

formalismo do processo judicial desanimam o cidadão a recorrer a este órgão

estatal. Muitas vezes o cidadão menos favorecido economicamente se vê no dilema

entre ou fazer justiça com as próprias mãos, ou conformar-se em ver seu direito

violado, ou passar anos esperando uma decisão judicial que satisfaça sua

pretensão. Ora, se a Justiça tarda, ele falha, então esse último meio é mitigado.

Nesse contexto a mediação se mostra instrumento hábil. Não se quer aqui minorar,

é bom ressaltar, o valor do Poder Judiciário. O Judiciário é uma função estatal

essencial. O processo é o instrumento de que se vale o Estado para alcançar os

escopos da jurisdição (social, político e jurídico), que são os escopos dele próprio, já

que jurisdição é manifestação do poder estatal soberano. 7

7 Sobre o Poder Judiciário e Mediação de Conflitos, trataremos no capítulo seguinte.

43

Fala-se, portando da Mediação como meio alternativo, não como justiça

alternativa, mas no sentido de coexistência a atividade jurisdicional como

embasamento legal concreto e não interpretações alheias às normas pré-

constituídas. (GRUNWALD, 2004)

Carlos Montano (2003), fundamentadamente, ressalta a questão da escassez

de recursos como um pretexto para afastar o Estado de sua responsabilidade social,

transferindo esta obrigação para o terceiro setor. Ressalta que a justificativa estatal

se baseia em uma pretensa nova questão social. Ocorre, como argumenta o autor,

que o que se passa são novas manifestações da velha questão social. Montano

destaca que

... o projeto neoliberal, que elabora esta nova modalidade de resposta à

'questão social', quer acabar com a condição de direito das políticas sociais

e assistenciais, com seu caráter universalista, com a igualdade de acesso,

com a base de solidariedade e responsabilidade social e diferencial. (...)

Assim, tais respostas não constituiriam direito, mas uma atividade

filantrópica/voluntária ou um serviço comercializável; também a qualidade

dos serviços reponde ao poder de compra da pessoa, a universalização

cede lugar à centralização e focalização, a 'solidariedade social' passa a ser

localizada, pontual, identificada à auto ajuda e ajuda mútua.

Este olhar de Montano chama a atenção para uma dificuldade: como sugerir

uma política pública eficaz, de caráter universalista, em que todos tenham igualdade

de acesso, respeitando as multiculturalidades e que seja atrativo ao Estado

implementá-la (ou tutelar este projeto)? Antes de discutir esta questão é necessário

melhor explicar o fato de a política pública ser atrativa à Máquina. Na verdade, não

podemos escapar à realidade do neoliberalismo. Podemos criticá-lo, sugerir um novo

modelo, todavia o neoliberalismo existe, é real. Sendo assim, a política social deve

se adequar, ao menos em parte, a esta realidade se quiser efetivamente ser

implementada e durar mais que um mandato político.

A mediação não vem inibir o Judiciário, não vem fortalecer a idéia do Estado

mínimo, pelo contrário, aquele poder é essencial à considerável parcela dos

conflitos. O que a Mediação Comunitária preza é o estímulo ao diálogo, à

consciência de que o cidadão pode solucionar sua pendenga de forma amigável,

sem necessidade de recorrer ao "juiz", pessoa que muitas vezes não compreende os

44

códigos cognitivos daquele conflito em razão do multiculturalismo fortemente

presente em nosso país. Daí ser mais fácil o cidadão cumprir o acordo que ele

mesmo firmou, por entender mais conveniente, que cumprir uma decisão que um

terceiro (magistrado), que nada conhece de sua realidade, impôs.

A mediação não se coloca como mero método de solução de disputas, mas

como forma de emancipação social, tendo em vista que promove a manutenção dos

valores daquele grupo social, mantendo, assim, sua harmonia interna. Além do mais,

se mostra mais independente do Estado. Tocqueville já dizia no século XIX:

“O governo da democracia leva a noção de direitos políticos ao nível dos

cidadãos mais humildes, do mesmo modo que a disseminação da riqueza

leva a noção de propriedade ao alcance de todos os homens; na minha

opinião essa é uma de suas vantagens maiores. Não digo que seja fácil

ensinar aos homens o exercício dos direitos políticos; mas afirmo que,

quando for possível, os efeitos que disso resultam são altamente

importantes; e acrescento que, se jamais chegou a ocasião de disso se

tentar, esta ocasião é agora. Não se vê que a crença religiosa está abalada,

e a noção divina de direito, declinando? (...) Quando me dizem que as leis

são fracas e o povo turbulento, que as paixões estão excitadas e a

autoridade da virtude paralisada, e que, portanto, não se devem tomar

medidas que aumentem os direitos da democracia, respondo que, por essas

mesmas razões, é que devem tais medidas serem tomadas (...) pois os

governos podem perecer, mas a sociedade não pode morrer.”

(TOCQUEVILLE, 1969:30)

Os objetivos da Mediação são eminentemente quatro: a solução dos conflitos,

a prevenção da má administração dos conflitos, a inclusão social e a paz social.

A prioridade imediata é a própria solução do conflito, aparente e oculto, levado

à Mediação. O que é preciso se destacar é que somente se chega à solução do

conflito com o estabelecimento de um diálogo. Não há, como já amplamente

explicitado, qualquer imposição de decisão. Nesse sentido esclarece a professora

Lilia Sales (2007):

“Destaque-se que o acordo configura-se uma conseqüência da mediação e

não seu objetivo. A mediação objetiva a facilitação de diálogo,

solucionando e prevenindo conflitos, pacificando e incluindo. O acordo

pode vir ou não, desde que o diálogo tenha efetivamente ocorrido. O fato

45

de confundir o acordo com o objetivo da mediação pode comprometer todo

o andamento do processo. Em alguns casos o mediador poderia estar tão

preocupado em chegar a um acordo que deixa de seguir os passos

necessários para uma mediação adequada.

Nessa perspectiva pode-se asseverar, inclusive, que, ao conseguir facilitar

um diálogo, já se pode considerar uma mediação exitosa, mesmo que no

momento imediato do diálogo as partes não cheguem a uma solução.

Muitos são os casos nos quais durante a mediação não se chega a um

consenso. Dias depois, no entanto, há uma mudança de comportamento e

o conflito é solucionado. Portanto, a facilitação do diálogo em si pode ser

considerada um objetivo da mediação”. (SALES, 2007:34)

É ponto de fundamental importância a busca pelo diálogo para a solução do

conflito, tendo em vista que é a partir da discussão sobre seus direitos e a resolução

realizada pelas próprias pessoas da comunidade que se faz possível constituir uma

Justiça realmente cidadã.

É por isso que, no processo de Mediação, o mediador esclarece que as

pessoas envolvidas têm o poder de decisão do conflito que foi levado ao debate, não

o mediador. É exatamente por esta razão que os acordos tendem a ser cumpridos,

porque são as próprias partes envolvidas que decidem o que é melhor, em uma

relação em que ambas saem ganhando, em que o foco da questão é retirado de si e

transferido para uma situação geral: família, bairro, sociedade, outro.

Também objetivo da Mediação é a prevenção da má administração dos

conflitos. Algumas situações existem e subsistem por muito tempo, cada vez mais

desgastadas e podendo chegar até à violência, pela ausência do diálogo, finalidade

primordial da Mediação.

“A mediação estimula a prevenção da má administração do conflito, pois

incentiva: a avaliação das responsabilidades de cada um naquele momento

(evitando atribuições de culpa); a conscientização da adequação de

atitudes, dos direitos e deveres e da participação de cada indivíduos e para

a concretização desses direitos e para as mudanças desses

comportamentos; a transformação da visão negativa para a visão positiva

dos conflitos (percepção do momento do conflito como oportunidade para o

crescimento pessoal e aprimoramento da relação); e, finalmente, o

incentivo ao diálogo, possibilitando a comunicação pacífica entre as partes

46

criando uma cultura do ‘encontro por meio da fala’, facilitando a obtenção e

o cumprimento de possíveis acordos.” (SALES, 2007:36)

Como terceiro objetivo da Mediação, a inclusão social somente consegue ser

proporcionada a partir do momento em que as pessoas passam a se encarar como

responsável pela solução dos seus próprios problemas, por meio de uma

característica do cidadão: a voz. O diálogo horizontal é pedagógico na medida em

que se preservam características de cada comunidade e fomentam em cada

indivíduo a noção de que são autores e atores de sua própria história.

Segundo o Professor José Geraldo de Sousa Junior:

A partir da constatação derivada dos estudos acerca dos chamados

movimentos sociais, desenvolveu-se a percepção, primeiramente

elaborada pela literatura sociológica, de que o conjunto das formas de

mobilização e organização das classes populares e das configurações das

classes constituídas nesses movimentos inauguravam, efetivamente,

práticas políticas novas, em condições de abrir espaços sociais inéditos e

de revelar novos atores na cena política capazes de criar direitos. (SOUSA

JUNIOR, 2002:45)

Coadunando com o pensamento do Professor José Geraldo de Sousa Junior,

CASTELLS:

Pelo fato de que nossa visão histórica de mudança social esteve sempre

condicionada a batalhões bem ordenados, estandartes coloridos e

proclamações calculadas, ficamos perdidos ao nos confrontarmos com a

penetração bastante sutil de mudanças simbólicas de dimensões cada vez

maiores, processadas por redes multiformes, distantes das cúpulas do

poder. São nesses recônditos da sociedade, seja em redes eletrônicas

alternativas seja em redes populares de resistência comunitária que tenho

notado a existência de embriões de uma nova sociedade, germinados nos

campos da história pelo poder da identidade.

O caráter sutil e descentralizado das redes de mudança social impede-nos

de perceber uma espécie de revolução silenciosa que vem sendo gestada

na atualidade. (CASTELLS,2000:426-427)

Assim, proporcionar a inclusão social é objetivo e conseqüência do poder do

47

diálogo cidadão. O mediador é artícife de novas redes de solidariedade. Não a toa,

como veremos no último capítulo, a Casa de Mediação Comunitária da Parangada,

em Fortaleza, Ceará, foi construída única e exclusivamente pelas pessoas e com

recursos da comunidade, após ter sido o projeto abandonado pelas políticas

públicas estaduais. Com esforço comum se construiu e se mantém um espaço

público de discussão.

Por fim, é objetivo da Mediação a pacificação social. Neste prisma, a Mediação

se presta a pacificar imediatamente conflitos de várias ordens, agindo no momento

correto e de forma a incutir no cidadão a capacidade de, por meio do diálogo e da

colaboração, resolver suas pendengas.

Para se resolver um conflito existem quatro alternativas possíveis. Quem sofre

uma agressão pode tentar evitar o conflito deixando o tempo passar, sem tomar

qualquer atitude para mudar a situação.

É possível que se utilize do jogo unilateral de poder, que pode ou não fazer uso

da força, mas necessariamente fará alguma pressão. São os casos das greves, etc.

Outra alternativa viável é se recorrer a uma autoridade, o que implicará na

existência de uma pessoa em posição hierarquicamente superior, que se encontra,

em tese, apta a resolver os litígios surgidos na sociedade. São exemplos a jurisdição

estatal e a arbitragem.

O conflito também pode ser resolvido por colaboração. Nesse caso, as próprias

partes tomam suas decisões, seja pela negociação, seja pela mediação. Na

negociação as partes se comunicam diretamente, ou por meio de procuradores, no

intuito de chegarem a uma solução. Na mediação, uma terceira parte, escolhida ou

não pelas pessoas em conflito, as reúne, as ouve, conjunta e/ou separadamente, e

conduz a reuniões conjunta e separadamente, para auxilia-las a chegar a uma

solução. A maior característica na mediação, é de as pessoas envolvidas serem

responsáveis pela solução, pelo resultado.

O fato é que, independente da cultura, em uma sociedade minimamente

democrática são possíveis estas quatro opções de solução de conflitos: evitar o

conflito, agir em colaboração mútua para que o conflito de resolva, recorrer a uma

48

autoridade superior e realizar um jogo unilateral de poder.

Para esclarecer as atividades, forma de tomada de decisões, enfoque primário,

forma construtiva, forma destrutiva e momento de utilização, abaixo colacionaremos

quando explicativo (SLAIKEU, 2004:27).

Opções Evitar o Conflito Colaboração Recorrer a Autoridade Superior

Jogo Unilateral de Poder

Atividades Esperar para ver Evitar a pessoa Mudar o próprio comportamento

Negociação (direta) Mediação (formal e informal)

Interna (cadeia de comando) Externa (tribunais, litígios)

Ação Política Greves, desobediência civil Força Física

Tomada de Decisões

A partir da sorte.

A partir das partes. A partir de terceiros. A partir da força.

Enfoque Primário

Isolamento do problema.

Solução integrativa baseada em interesses e outros fatos.

Certo e errado, de acordo com critérios objetivos.

Disputa de poder.

Forma Construtiva

(a) Esperar para ver se a passagem do tempo traz mudanças - Mudar o próprio comportamento para resolver problemas sem esperar que o outro lado mude

Tanto para a negociação como para a mediação: 1. Direitos individuais são protegidos A. Alternativas são consideradas C. Todas as partes se dispõem a conversar uma com a outra tanto em discussões diretas como com o auxílio de um mediador 1. Desequilíbrios de poder são identificados e ajustes são feitos para se proteger os indivíduos

- Devido processo observado - Direitos legais individuais das partes são protegidos - Equilíbrio entre interesses públicos e individuais Reconhecidos - Recurso à mediação para o controle de custos e/ou para permitir outra oportunidade de decisão consensual

- Estratégias políticas e não violentas são a primeira escolha, com a violência como último recurso - Recursos à Mediação estão disponíveis assim como em casos de submissão à Autoridade maior

Forma Destrutiva

- Negação da existência do problema - Evitar o conflito por falta de habilidade em negociação

Tanto para a negociação como para a mediação: 1. Direitos individuais legais não são protegidos 2. Outras opções não consideradas ou oferecidas 3. Uma ou mais partes forçadas a entrar no processo 4. Desequilíbrios de poder não

1. Sem o devido proceso 2. Direitos individuais legais não são protegidos 3. Sem equilíbrio entre “bem” público e privado 4. Sem possibilidade de recurso a outras opções

5. Proceder usando de violência sem exaurir outros meios

49

ajustados Quando Utilizar

- Não há oportunidade de falar com a outra parte - A passagem do tempo pode ajudar - O adiamento não é prejudicial - Outras possibilidades de ação estão obstruídas no momento

- A concordância de cada parte é importante par ao eventual sucesso do acordo - Há vontade de preservar o relacionamento após a disputa - Há interesse em proteção contra decaimento emocional ou outros efeitos colaterais de resoluções por autoridades superiores

1. É necessário estabelecer um precedente legal ou administrativo 2. É importante que a política institucional manifeste sua posição, bem como sua decisão para o caso 3. A colaboração foi rejeitada

4. Atividades requisitadas em todas as outras opções falharam 5. Quando leis percebidas como “injustas” ou políticas institucionais não possam ser mudadas por outros meios 6. Ao lidar com o mal

O processo de Mediação, embora varie de comunidade para comunidade,

possui um padrão mínimo de organização. Assim, podemos dividir o processo de

Mediação em algumas fases, como passaremos a tratar.

O primeiro passo para quando uma pessoa procura a Mediação é ouvi-la. A

escuta é muito importante, não só para tranqüilizar, mas também para que o

mediador possa obter um sumário do problema. Será perguntado quem está mais

incomodado com a situação, se houve alguma tentativa de alcançar a solução, se

existe um prazo para solucionar o conflito, bem como se a Mediação foi discutida.

Sendo caso de Mediação, esta pessoa será orientada acerca do que é mediação,

destacando a voluntariedade do processo, bem como esclarecendo que a decisão

será tomada pelas pessoas envolvidas.

O mediador, nesta fase, deverá destacar acerca do próprio processo de

mediação, não olvidando de mencionar a confidencialidade, igualdade de

oportunidades, os honorários do mediador, caso haja.

Após, o outro pólo da relação conflituosa será chamado e será realizado o

mesmo procedimento. Será marcada, então, a primeira reunião, que poderá ser em

momento seguinte à escuta do outro pólo da relação. O espaço de tempo entre a

primeira escuta e a mediação deve ser utilizado para a mudança no conceito de

conflito, que não deve mais ser visto como perde ou ganha, mas como ganha e

50

ganha.

É importante que se destaque que o mediador, por mais absurda que seja a

situação, não poderá comportar-se como se árbitro fosse, impondo seus valores.

Nesta fase inicial atuará como um ouvidor, disposto a apenas escutar os dois lados,

realizando perguntas abrangentes.

Em momento seguinte, as partes se reúnem com o mediador em uma sala em

que a mesa será preferencialmente redonda, para que não haja aparente situação

de superioridade e elas apontam quem deve iniciar a falar. Esta colocação

aparentemente simbólica tenta anular aparentes distorções de imagens entre as

pessoas em conflito, como o mais forte, ou o mais fraco.

O mediador irá ouvir, e não propor soluções, fazendo questionamentos de

forma aberta.

Ao final, o mediador faz um resumo do que foi apresentado, solicitando que

caso haja alguma incoerência, haja intervenção. Neste momento, é importante a

serenidade para não impor seus valores à interpretação que está sendo feita.

Após o resumo, o mediador mostra os pontos de convergência no discurso de

ambos, demonstrando que há congruência em seus discursos. Este passo é

importante para mostrar que os mediados não discordam em tudo, e, apenas no que

discordam é preciso buscar uma solução. Este momento é importante para fomentar

a idéia de que o conflito é algo natural, como é natural seu fim. Mostrar aos

mediados que ambos estão buscando algo comum, a solução, é salutar para

mudança de paradigmas em relação ao conflito

Passada esta fase, as partes passam a um diálogo direto, apresentando as

maiores contradições, indefinições e obscuridades. Nesta etapa, o mediador deve

saber intervir para evitar desgastes maiores, tendo em vista que é possível que as

partes se agridam verbalmente. Para que a emoção não limite a mediação, o

mediador precisará ser firme.

Com as partes mais calmas, passa-se às conclusões. O mediador sintetiza o

diálogo, estimulando nas pessoas o raciocínio em busca de soluções satisfatórias,

esclarecendo que não estão ali com a obrigação de acordarem, devendo o acordo

51

ser espontâneo e possível de ser cumprido. As soluções podem ser as mais criativas

possíveis, desde que passíveis de cumprimento pelas partes.

Assim, por exemplo, se uma avó e neta moram juntas, contudo não se toleram

mais em virtude do choque de gerações, da mediação pode-se formar um acordo em

que fique estipulado que a avó dará um voto de confiança à neta, restando a esta a

obrigação de lavar a louça do jantar, não chegar depois das onze horas em dias

úteis, dentre outros pontos. Este acordo, embora bastante fora do padrão de

conflitos levados a um terceiro, representa que o diálogo ocorreu, que as pessoas

reconheceram seu papel dentro daquela relação, bem como que somente elas foram

capazes de resolvê-los, porque apenas elas estavam conscientes de suas limitações

e disposições. Neste exemplo, impossível a imposição de acordo que reduziria a

tensão.

Chegado ao acordo, o mediador irá redigir a termo, em linguagem simples e

especificando todos os detalhes. Os mediados saem da sessão de mediação

sabendo o que acordaram e com a consciência de que eles mesmos chegaram

àquele acordo, por meio do diálogo.

Na mediação o cidadão se vê possuidor de direitos e deveres que ele mesmo

reconhece, e, para chegar à melhor solução dialoga, ainda que intermediado por

alguém, mas discute qual a melhor estratégia de resolução da diferença. O agente é

co-responsável pelo acordo, não mero espectador.

52

4 - MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA: UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA.

É preciso, antes de se discutir a proposta emancipatória da Mediação

Comunitária, relembrar assunto comentado anteriormente e retomar o debate: é

possível se estabelecer uma verticalidade e linearidade de normas em sociedades

heterogêneas como as das democracias contemporâneas? É preciso e possível

delegar a autonomia – de ser agente de pacificação social - dos cidadãos, ao

Estado, minimizando a potencialidade que existe em cada ser humano de se mostrar

sujeito de seu direito?

Pensar nesta verticalidade é pensar no sistema jurisdicional, enquanto modelo

predominante de pacificação social nas democracias ocidentais. Nesse sentido,

defendeu a magistrada Gláucia Falsarelli:

A jurisdição formal é, por excelência, palco da justiça da Modernidade, já

que inspirada em princípios universais baseados em imperativos de uma

razão profundamente intrínseca a todos os seres humanos. Essa é a justiça

que, codificada, aplica o mesmo procedimento a casos tão diferentes, com

base em deduções racionais advindas das autoridades da lei ou dos

precedentes.

Nas democracias ocidentais, a legitimidade do parlamento está no

procedimento democrático por meio do qual os membros são eleitos. O

pressuposto é que os indivíduos são livres e racionais, capazes de eleger

seus representantes. Essa lógica, quando transferida para resolução de

disputa, é a de que, quando em conflito, os indivíduos – sujeitos de direitos

– provocam o Estado para “dizer o direito” no caso concreto. Nessa esfera,

os representantes desse estado legítimo são os juízes que, com

53

imparcialidade e saber jurídico, aplicarão a lei, que fora expedida pelo

parlamento democrático, ao caso concreto. (FALSARELLI, 2003: 62)

Nas palavras acima, traduziu-se a visão de Jurisdição. Em nossa concepção, a

maior falha deste sistema adversarial está em limitar às situações distintas um

padrão de lei igual, desrespeitando a diversidade cultural, lingüística e étnica.

O Direito não pode servir ao monoculturalismo, sob pena de tornar-se um

sistema contraditório em si mesmo. A contemporaneidade é marcada por uma

realidade multicultural, que necessita de várias alternativas para resolver as diversas

demandas sociais. Nesse contexto, a Mediação Comunitária se mostra uma delas,

não a única, destaque-se, como meio não alternativo de solucionar conflitos. Com

suas especificidades, apresenta alguns aspectos que a diferencia dos demais meios

de autocomposição mediada, são eles o momento de inserção no conflito, a

flexibilidade processual, a presença do mediador na comunidade, o estímulo à

autonomia e ao empoderamento da comunidade, bem como a execução dos

acordos obtidos.

Em regra, quando se recorre a qualquer meio heterocompositivo de solução de

conflitos, já se tem chegado a um estágio de incômodo tamanho que torna difícil a

possibilidade de diálogo. Se a opção for recorrer ao Poder Judiciário, a espera é

tanta que desestimula o próprio ingresso. Como disse Mauro Capelletti

(CAPELLETTI, 1988:8):

(...) da ruptura da crença tradicional na confiabilidade de nossas

instituições jurídicas e inspirando-se no desejo de tornar efetivos – e não

meramente simbólicos – os direitos do cidadão comum, ele exige reformas

de mais amplo alcance e uma nova criatividade.

Coadunando com Capelletti, Boaventura (SANTOS, 2007) trata do tema:

O direito e a justiça, para serem exercidos democraticamente, têm de

assentar numa cultura democrática, e esta é tanto mais preciosa quanto

mais difíceis são as condições em que ela se constrói. (...)

Em geral, o sistema judiciário não corresponde à expectativa e,

rapidamente, passa de solução a problema. A terceira razão para a reforma

judicial está no impulso democrático dos cidadãos que tomam consciência

dos seus direitos. Essa consciência revela que a procura efetiva de direitos

54

é a ponta do iceberg. Para além dela há a procura suprimida.

É a procura dos cidadãos que têm consciência de seus direitos, mas que

se sentem impotentes para os reivindicar quando violados. Intimidam-se

ante as autoridades judiciais que os esmagam com a linguagem esotérica,

o racismo e o sexismo mais ou menos explícitos, a presença arrogante, os

edifícios esmagadores, as labirínticas secretarias. Se a procura suprimida

for considerada, levará a uma grande transformação do Judiciário.

A Mediação Comunitária não surge em razão da procura suprimida, mas em

razão da consciência dos direitos, e, mais ainda, da consciência de que tais direitos

podem ser satisfeitos de forma autocompositiva, ou seja, de forma que quem irá

decidir serão as próprias pessoas envolvidas.

O fato do Poder Judiciário ser estruturado de forma a não parecer tão

confortável ao leigo e ao menos favorecido economicamente pode representar, de

fato, um obstáculo à Justiça Estatal, mas em momento algum a Mediação se propõe

a ser alternativa a este meio, ou mesmo se colocar como melhor forma de resolução

de conflitos, embora, em relação às críticas elencadas por Boaventura em trecho

descrito acima, a Mediação Comunitária se apresente mais convidativa a boa

parcela da demanda que a procura.

Analisemos, pois, os pontos que distanciam o Poder Judiciário do cidadão,

gerando a chamada procura suprimida. Inicialmente a linguagem falada pelos

magistrados, advogados, promotores e defensores não facilita o entendimento e a

participação da chamada “parte”. Um exemplo clássico de linguagem comum no

âmbito judicial é “execução”. O processo de execução se presta para compelir o

devedor a honrar seu débito. No caso da dívida alimentícia a Constituição Federal

admite a prisão civil, e o Superior Tribunal de Justiça restringe a possibilidade aos

casos de atrasos por, no mínimo, três meses. Assim, quando o juiz esclarece ao

devedor, em audiência, que se o mesmo não pagar o que deve poderá ser

executado, esta advertência pode soar como uma ameaça de morte. Pior ainda,

pode ser que se tente esclarecer que em uma execução o devedor poderá se

defender por meio de embargos ou exceção de pré-executividade, que é espécie

excepcional de defesa em processo de execução. Convenhamos que, para um leigo,

estas expressões, tão comuns para um operador do Direito, são incompreensíveis.

Nos corredores do fórum, até mesmo na sala de audiência ou nas secretarias das

55

varas, não há outro vocabulário que não este. Na hipótese descrita acima o

magistrado adverte as partes, contudo, o mais comum é que o diálogo exista

somente entre os operadores do Direito. O processo não foi feito, regra geral, para

que os mais interessados na solução, as “partes”, interajam.

A palavra parte simboliza dois ou mais lados contrapostos, quando na

realidade deveriam ser pessoas, na busca de um interesse comum: a solução do

conflito. Aliás, conforme já dito aqui, a mediação busca a mudança do conceito

tradicional de conflito como algo negativo, passando a ser encarado como natural,

positivo.

O formalismo judicial, sem dúvida, é ponto a desestimular o acesso ao Poder

Judiciário. Existem leis que disciplinam o processo, tanto cível, quanto criminal,

quanto administrativo. O rito que irá ser adotado para solucionar os conflitos

apresentados varia de acordo com a matéria envolvida, o valor da causa, as

pessoas que litigam. Em regra, as normas são rígidas, assim, mesmo que para

melhor solução da pendenga precise haver uma variação, não há como alterar o

procedimento.

A longa duração do processo também é fator que desestimula o acesso ao

Judiciário. O brocardo popular que diz que “a Justiça tarda, mas não falha” está

errado. Se tardou, se não solucionou em tempo breve o conflito, falhou, constrangeu

as pessoas envolvidas, frustrou expectativas, ampliou o conflito. Daí uma grande

vantagem na Mediação, o momento de inserção no conflito, que ocorre no início.

Muitas vezes o que as pessoas procuram quando recorrem a um terceiro para

resolver suas pendências, conforme já explicitado neste trabalho, não se trata da

solução do conflito aparente, mas de um incômodo oculto. Por exemplo, uma mãe

que aparentemente busca uma pensão alimentícia aos filhos muitas vezes quer ser

escutada, quer voltar à convivência com o companheiro. Pode ser que uma vizinha

reclame da música alta que seu vizinho ouve, mas, na realidade fica incomodada

com o fato do vizinho possuir uma sistema de liberação da água da chuva que faz

com que arraste resíduos da rua para frente da sua casa. O mediador deve ser

pessoa sensível para perceber qual o conflito mediato e real existente.

Assim, como disse Gláucia Falsarelli (2003:86), o mediador comunitário atua

56

como um pastor, em uma comunidade religiosa, que reúne técnicas de controle

direcionadas para os detalhes da vida de cada membro da comunidade:

“Tal qual um pastor que, em sua tarefa religiosa, dedica-se a atender às

necessidades espirituais, o mediador comunitário deve ouvir as partes,

reconhecer os seus clamores e suas emoções e, ao fornecer um ambiente

seguro, permitir que as raízes do conflito floresçam. Nesse sentido, há um

aspecto restaurativo na justiça comunitária, pelo qual os disputantes podem

reconhecer uns aos outros e, desenvolvendo aptidões para a comunicação,

trabalham na direção de cura dos danos causados pelo conflito, assim

como na aptidão para evitar problemas futuros. O empowerment é

resultado de um processo que proporciona autoconhecimento e

reconstrução das auto-identidades por meio do conflito.” (Falsarelli,

2003:86)

Como um pastor, o mediador, inserido em uma comunidade tem a tarefa de

escutar, e, somente quando a escuta findar, passa à mediação propriamente dita,

com a facilitação do diálogo entre as pessoas envolvidas no conflito. Tira-se o foco

de si mesmo e busca-se uma essência maior, assim, como explica a professora Lilia

Sales:

“Tirar o foco de si mesmo e colocá-lo no todo (família, empresa,

vizinhança) é fundamental para facilitar a compreensão da

responsabilidade de cada um para solução do problema. Busca-se aqui a

percepção da relação existente entre os atos individuais e o seu resultado

na relação como um todo. As pessoas agem sem a percepção real do

impacto de sua atitude para o relacionamento. (...)

Se o diálogo se mantiver apenas nas posições, no ‘egoísmo’ de cada um,

ficará difícil a cooperação. Além de buscar os interesses e as posições, o

mediador deve conseguir que as partes percebam a importância do todo

envolvido nesse conflito – como fica a ‘nossa’ família? O que é importante

para ‘nossa’ família?

Em virtude do vocabulário, das roupas, do ambiente físico, o magistrado se

distancia do povo que atende. A democratização do Judiciário é uma tendência real,

mas lenta. No município de Cascavel, Paraná, um trabalhador rural não pôde

permanecer na audiência de seu interesse porque calçava chinelos, segundo o

magistrado. Posturas como esta afasta os menos favorecidos economicamente.

57

“O juiz da 3ª Vara do Trabalho de Cascavel/PR, Bento Luiz de Azambuja

Moreira, decidiu não realizar uma audiência, em 13/06, porque o

reclamante, um trabalhador rural, usava chinelo de dedos. No termo de

audiência, ressaltou o magistrado que ‘o calçado é incompatível com a

dignidade do Poder Judiciário’, e marcou nova audiência para o próximo

dia 14 de agosto. O advogado Olímpio Marcelo Picoli protestou, aduzindo

que seu cliente é pessoa humilde, analfabeta e desempregada, e que ‘foi

com a melhor roupa que tinha’, mas seus argumentos não modificaram o

entendimento do julgador”. (POLÍZIO, 2007)

Nas entrevistas realizadas para fins de estudo deste trabalho, conforme será

apresentado no capítulo seguinte, um dos pontos indicados como obstáculo ao

Poder Judiciário foi a roupa necessária ao ambiente.

Na Mediação Comunitária o mediador é pessoa da própria comunidade, que

entende e fala como todos os que auxilia, que se veste de forma compatível com o

local, que é ambiente simples, limpo, organizado.

Além do local, da linguagem, da informalidade, à Mediação Comunitária ainda

é acrescentada uma característica de fundamental importância, já apresentada nos

capítulos anteriores: a valorização do homem enquanto ser dotado de características

culturais próprias.

A Mediação Comunitária, na medida em que se baseia no diálogo horizontal e

na percepção do outro, valoriza as especificidades de cada comunidade, de cada

bairro, de cada família. Pedro Demo (DEMO, 2005:20), com propriedade, disse que:

“a graça da sociedade não está em compor indivíduos justapostos e

apenas replicados, mas individualmente polarizados. (...) Assim como não

somos capazes de copiar uma cultura – ao contrário, geramos cultuas

diferentes - não somos capazes de reproduzir simplesmente as pessoas,

mesmo quando são gêmeos ditos idênticos.” (DEMO, 2005:20)

O quadro que se desencadeia é bastante claro. O judiciário é um aparato

moderno e beneficia ao setor moderno da sociedade. Numa sociedade, onde

domina as relações tradicionais e comunitárias, ou que, pelo menos, boa parte a

sociedade não se enquadra no perfil moderno, pode não se mostrar interessante,

tendo em vista a demanda reprimida, se utilizar desse recurso para a resolução de

seus conflitos, por todas as dificuldades até então apresentadas.

58

Quando a sociedade faz um esforço para a inclusão social, isso significa

transferir a lógica do mercado para as relações sociais. A contemporaneidade é

marcada pelo individualismo e a exclusão, e esta é uma nova linguagem que o setor

tradicional não conhece e tem que aprender. Essa nova gramática coloca o

Judiciário numa situação de instância de resolução de conflitos de forma legítima,

mas padronizar seria excluir.

Nesse contexto é que a Mediação Comunitária se apresenta como forma que

ultrapassa a simples eficácia na resolução de conflitos, sendo capaz de gerar o

diálogo cidadão, uma Justiça cidadã. A percepção do diferente, a alteridade, a

simplicidade, a informalidade, a possibilidade de se estabelecer um diálogo em um

meio onde o individualismo é marca, a organização que pressupõe ser ouvido, são

características que garantem a viabilidade de uma Justiça baseada no fomento da

cidadania.

Baseada nessa idéia da solução tradicional, bem como da possibilidade de se

estabelecer uma Justiça eficaz, que fomente a cidadania, sugiu, em diversas

comunidades, inclusive no Ceará, uma organização em que pessoas da própria

localidade, líderes, se propõem, em regra voluntariamente, a colaborar com a

pacificação social e cidadania, como facilitadores do diálogo na busca da

pacificação.

A facilidade com que se chega ao grupo, e a facilidade que tem o mediador em

reconhecer o problema e identificar o cerne da questão incentiva a busca pelo

programa. É justiça sem jurisdição, porém justiça. Daí o menor lapso temporal entre

o desentendimento e a procura pela solução ser menor.

Os programas de Mediação Comunitária também se destacam por sua

flexibilidade quanto ao processo. Interessante observar que o rito tende a se repetir,

mas cada comunidade aplica ao procedimento as características peculiares ao local.

Sintetiza Vilson Vedana (2003: 269):

“Tradicionalmente, o processo de mediação inicia com uma declaração de

abertura por parte do mediador, que serve para estabelecer as regras que

deverão ser respeitadas na mediação. Posteriormente a esta, segue-se uma

etapa em que ambas as partes têm liberdade para expor as questões em

disputa. Nesse momento, o mediador identifica as questões, os interesses e

os sentimentos de cada parte e, a partir de então, começa a aplicar técnicas

59

específicas visando à resolução do conflito. Uma das técnicas de aplicação

freqüente é a das sessões privadas. Nestas o mediador se reúne

individualmente com cada uma das partes para esclarecer as questões e

estimular a geração de opções para um eventual acordo. A grande maioria

dos programas segue esse modelo, notadamente nos Estados Unidos. Há,

todavia, outros modelos.” (VEDANA, 2003: 269)

A imparcialidade pode ser comprometida pelo contato inicial com o mediador,

daí a importância da escolha do facilitador. Em regra é escolhido entre membros da

própria comunidade. Interessante ressaltar que a postura do mediador nem sempre

é considerada imparcial, mas a comunidade tende a achar justa, daí a credibilidade

e aceitação da Mediação.

Outra relevante distinção da Mediação Comunitária é o fato de que esta

estimula a autonomia e o empoderamento8 da comunidade. Esse fato pode ser

constatado não apenas porque a comunidade passa a perceber o poder que possui

de, com seus próprios meios, e de forma justa, promover a pacificação social. Disso

resulta o fato de que se fortificam laços pessoais e a alteridade, reação inversa à

tendência pós-moderna de isolacionismo.

Não sendo o poder uma estrutura, mas uma relação, a concepção de “poder

com” remete a uma reação horizontalizada, compartilhada. Nesse sentido, a

mediação comunitária pode ser palco do exercício de empowerment na medida em

que promove a capacitação para a autogestão, sob uma perspectiva relacional. Há,

pois, uma profunda relação entre empowerment e reconhecimento do estatuto do

outro.

A Mediação, conforme já explanado, não se presta, contudo, a resolução de

todos os tipos de conflitos. É necessário que o Estado atue em parte, tendo em vista

que não é possível somente à sociedade civil resolver conflitos que envolvam riscos

a ela própria, como é o caso da maioria dos crimes, também quando envolverem o

próprio Estado, que não pode dispor de seus bens como um cidadão comum.

Acerca da balança de competências possíveis, Rousseau, já no século XVIII,

8 O termo empoderamento é tradução da palavra “empowerment”, que possui bastante utilização na área

de psicologia. A expressão passa a idéia da capacidade que possui a comunidade de apoderar-se de sua

autonomia, de depender cada vez menos de políticas assistencialistas.

60

tratava do contrato social:

“Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter os

ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence,

instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam

obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que,

submetendo igualmente a interesses mútuos o poderoso e o fraco, reparem

de certo modo o capricho da fortuna. Numa palavra, em lugar de voltar

nossas forças contra nós mesmos, reunamo-nos no poder supremo que

nos governe segundo sábias leis, que protejam e defendam todos os

membros da associação, expulsem os inimigos comuns e nos mantenham

em concórdia eterna”. (ROUSSEAU, 1989: 196)

Segundo Rousseau, o Estado é o espaço de “Soberania Popular”, espaço este

onde parte da liberdade do cidadão é cedida em prol da felicidade, em meio a uma

sociedade para o povo. Assim, as Casas de Mediação Comunitária fazem parte da

parcela de liberdade inerente à sociedade civil, e os direitos tutelados pelo Estado, à

parcela de direitos administrados pela própria sociedade.

Mas quais são os direitos que podem ser administrados pela sociedade por

meio da Mediação Comunitária? Não existe uma norma que discipline o tema,

assim, cabe analisar cada ramo do Direito e sua maleabilidade.

Acredita-se que a Mediação pode ter como objeto conflitos que versem sobre:

• “questões familiares, separação ou divórcio, alimentos, revisão de

pensão e guarda de filhos, conflitos entre pais e filhos adolescentes,

conflitos entre irmãos. Para dar validade jurídica deve o acordo ser

encaminhado ao Poder Judiciário para apreciação do juiz

(homologação);

• conflitos escolares: entre professores e diretores, professores e alunos,

professores e professores, alunos e alunos, enfim, todos os problemas

vivenciados pelos indivíduos no ambiente escolar;

• conflitos de vizinhança: questões de convivência, conflitos variados que

perturbem a convivência pacífica;

• cuestões cíveis: situações patrimoniais, como aluguel, recálculo de

dívida, financiamentos, indenizações em acidentes de veículos

automotores;

61

• comercial: títulos e crédito, frete, seguro e entregas de mercadorias,

comércio, cheques;

• consumidor: revisão de compra e venda de mercadoria etc.;

• ambiental: poluição sonora, poluição ambiental etc.;

• hospitalar: conflitos entre todos os seguimentos (médicos, enfermeiros,

funcionários) do meio médico-hospitalar;

• empresarial: conflitos entre pessoas que formam a empresa.” (SALES,

2007: 121)

Há, contudo, dois Projetos de Lei que regulamentam a Mediação, o PL 4827 de

1998, e a versão mais atualizada, o Projeto de Lei 94 de 2002 – anexo B, que é uma

versão mais atualizada do anterior.

Especialmente o Projeto de Lei 94 fortalece a Mediação, reconhecendo sua

eficácia a partir do momento em que institui como obrigatória no contexto do

processo, incidentalmente. Esclarece a norma, contudo, que não será aceita a

Mediação incidental quando for ação de interdição, quando autor ou réu forem

pessoas jurídicas de direito público e a controvérsia versar sobre direitos

indisponíveis; quando a demanda tratar de falência, concordata ou insolvência civil,

quando houver incapazes no inventário ou arrolamento; quando a ação for de

usucapião, reivindicatória ou versar sobre imissão de posse de bens imóveis;

quando a demanda buscar retificar registros públicos; quando o autor optar pelo

procedimento do juizado especial ou arbitragem; quando se tratar de ação cautelar e

quando a mediação prévia tiver ocorrido, sem resultado, nos 180 (cento e oitenta)

dias anteriores ao ajuizamento da ação.

62

63

5 - MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA E SUA REALIDADE: A CASA DE

MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA DA PARANGABA, EM FORTALEZA,

CEARÁ.

É comunitária a mediação realizada nas periferias das metrópoles, com a

finalidade de resolver conflitos, prevenir sua má administração, fomentar a inclusão

social e promover a paz social, por meio do diálogo horizontal e participativo.

Analisamos nesta pesquisa, até então, as características da

contemporaneidade, apontando o individualismo e a cultura do isolacionismo, sua

relevante marca, o que proporciona, cada vez mais, a perda do diálogo, e, por

conseqüência, uma possibilidade de se estimular a cidadania pela comunicação

entre pessoas. Estudamos, também, o multicuturalismo e os limites jurídicos legais

relacionados a esta questão. Após, tratamos do que é Mediação, apontando seus

aspectos sociais, bem como seu processo. Estudamos, então, a mediação

comunitária e apontamos que esta pode ser palco de uma justiça cidadã, não uma

“justiça para pobres”, mas uma Justiça capaz de elevar o cidadão a ator de sua

própria vida, consciente de que possui direitos e deveres, através do diálogo

horizontal em um espaço público voltado à comunidade.

Para averiguarmos se realmente é possível a realização de uma Justiça

Cidadã, ou seja, se realmente é possível que a Mediação Comunitária fomente a

cidadania ao passo que se pretenda discutir conflitos, realizamos um estudo

empírico de um contexto institucional particular: a Casa de Mediação da Parangaba,

em Fortaleza, Ceará.

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Os questionamentos do estudo de campo eram dois:

(i) A Mediação Comunitária se apresenta como saída tradicional de resolução

de conflitos, que perpassa a história e chega à contemporaneidade

revelando uma proposta inovadora de reinvenção do Direito?

(ii) Quando comunitária, a Mediação pode se inserir na teoria política, na

medida em que trata de autodeterminação, reelaborando o papel do

conflito e realizando uma Justiça capaz de fomentar a cidadania?

A partir desses questionamentos pudemos amadurecer reflexões (i) sobre as

soluções criativas do conflito, não se apoiando diretamente na letra das leis, bem

como (ii) acerca do empoderamento de grupos, com uma nova forma de pensar o

conflito, instigando a cidadania.

O objeto da pesquisa foi a Casa de Mediação Comunitária da Parangaba,

bairro de Fortaleza, Ceará.

Casa de Mediação Comunitária – CMC é um programa do Governo do

Ceará, o qual foi inicialmente executado pela Ouvidoria Geral (1988),

depois pela Ouvidoria Geral do Meio Ambiente (SOMA) até fevereiro de

2003, em função das mudanças administrativas do novo governo estadual,

passou a ser coordenado pela Secretaria de Justiça e Cidadania. (SALES,

2003:203)

O projeto Casa de Mediação existe em sete pontos no estado do Ceará, sendo

três na capital, três no interior e um na região metropolitana. Em Fortaleza, se situam

nos bairros: Parangaba, Tancredo Neves e Pirambu. As Casas de Mediação no

interior do estado se localizam nos municípios de Juazeiro do Norte, Russas e

Maracanaú. Finalmente, na região metropolitana de Fortaleza, localiza-se no bairro

de Caucaia, Jurema (SALES, 2007:209).

A professora Lilia Sales (2007), com propriedade, relata a criação das Casas

de Mediação Comunitária no estado do Ceará, a partir da colaboração do Governo

do Estado, em 1998.

“A Ouvidoria Geral do estado do Ceará, em 13.09.1998, reuniu

profissionais de várias áreas de conhecimento para discutir a criação e o

modelo operacional de um programa governamental que desse formas e

instrumentos para solução de conflitos nas comunidades.

65

Após discussões entre os participantes e tão logo foi revelado o interesse

deste órgão em proporcionar à população de baixa renda meios e

instrumentos alternativos de composição de conflitos, apresentou-se a idéia

da mediação comunitária, como forma de bem administrar as divergências

naturais do relacionamento humano. (...)

Para criação das Casas de Mediação Comunitárias participaram

profissionais da área do Direito, da Psicologia, da Psiquiatria, do Serviço

Social e de uma consultoria especializada, formando, assim, uma equipe

multidisciplinar, pois a técnica seria criada para as pessoas da comunidade

e com trabalho voluntário. O bairro escolhido para a instalação foi o

Pirambu, visto que este bairro possui alto índice de conflitos e

criminalidade. (SALES, 2007:205-206)

A Casa de Mediação do Pirambu subsiste, e depois dela surgiram, então, mais

seis Casas de Mediação no Ceará.

A proposta para o estudo da Casa de Mediação da Parangaba teve como

intenção a observação dos mecanismos de cooperação, confiança, solidariedade,

reciprocidade e dos sistemas de participação cívica, com soluções criativas para as

questões apresentadas no contexto do experimento em tela. Implicava também

identificar o tipo de representação efetiva das ações desenvolvidas: se apenas na

esfera individual (resolução de conflitos entre pares, com assistência de um terceiro

neutro) ou se as demandas da comunidade como um todo, também eram

recepcionadas (direitos difusos e coletivos).

O critério para escolha da Casa de Mediação da Parangaba para o estudo foi a

representatividade e organização, em relação às demais Casas de Mediação do

estado do Ceará. Intimamente, o que chamou a atenção na Casa de Mediação da

Parangaba foi que, em determinado momento, conforme relataremos, o governo do

estado, embora não tivesse abandonado formalmente o projeto, pediu que a Casa

saísse do local onde funcionava há mais de um ano, cedendo um terreno limpo

alguns metros depois. Empolgados com a atividade, mediadores da Casa de

Mediação da Parangaba e comunidade se uniram a fim de angariar recursos e

levantar uma nova casa. Para tanto precisavam de material, mão-de-obra, um

projeto, boa vontade e muita dedicação em prol de todos.

O fato é que em muito pouco tempo a Casa de Mediação da Paragaba estava

de pé. A foto da fachada contendo a placa do Governo do Estado do Ceará,

66

conforme é possível ver nos anexos, mostra que o programa pertence ao Governo

do Estado, mas a constatação que tivemos, foi a de que ele só existe porque os

moradores da Parangaba resistem às adversidades, que não são poucas.

A fim de realizar uma pesquisa qualitativa, optou-se pela pesquisa por meio de

entrevistas individuais com mediadores, mediados e com a coordenadora da Casa

de Mediação. A maior dificuldade era saber como medir cidadania e analisar se a

Mediação Comunitária seria um espaço de realização de uma Justiça Cidadã,

necessitando, pois, de estratégias de entrevistas que dariam o respaldo necessário

à construção da análise e da compreensão mais ampla do problema delineado. Tal

enfrentamento foi sendo superado na medida em que se passou a fazer um

conhecimento prévio do campo a ser estudado. Assim, após ter definido o objeto

dessa pesquisa, foram feitos muitos contatos junto à Casa de Mediação da

Parangaba, projeto escolhido para pesquisa, especialmente com a coordenadora do

centro, Sra. Ana Karine Pessoa Cavalcante Miranda.

Após, passou-se às entrevistas pessoais. Estabeleceu-se um mínimo de

entrevistas, que poderiam ser ampliadas caso não se mostrassem plenamente

compreensíveis.

Numa metodologia de base qualitativa o número de sujeitos que virão a

compor o quadro das entrevistas dificilmente pode ser determinado a priori

– tudo depende da qualidade das informações obtidas em cada

depoimento, assim como da profundidade e do grau de recorrência e

divergência destas informações. Enquanto estiverem aparecendo ‘dados’

originais ou pistas que possam indicar novas perspectivas à investigação

em curso as entrevistas precisam continuar sendo feitas.” (DUARTE,

2002:144).

As técnicas utilizadas para pesquisa de campo foram a observação, sempre

como sujeito externo ao núcleo, e entrevistas em profundidade. Quantitativamente,

analisou-se a pesquisa realizada sob a orientação da Professora Lilia Sales, na

Casa de Mediação da Parangaba, durante o período de 20/02/2000 até o dia

30/05/20009.

Passemos, então, à apresentação da Casa de Mediação da Parangaba, bem

como dos resultados que pudemos retirar do estudo de campo.

9 A pesquisa a que se refere foi publicada na obra Mediação de Conflitos: Família, Escola e Comunidade, de

autoria da Professora Lilia Maia de Morais Sales, Florianópolis, Editora Conceito Editorial, em 2007.

67

A Casa de Mediação da Parangaba foi inaugurada no dia 26 de junho de 2000.

Hoje conta com sete anos.

Teve uma experiência no Pirambu que deu certo, houve uma redução no

índice de criminalidade, e, então, o promotor de justiça do Juizado Especial

achou interessante ter uma, também, na Pagangaba. Então ele deu toda

força, inclusive para arranjar estrutura. Conseguiu-se um local, onde hoje

funciona a 7ª Companhia da Polícia, ocorre que logo no segundo ano a

casa pecisou ser desocupada para que passasse à polícia, então foi cedido

um terreno onde hoje está a Casa de Mediação da Parangaba.

Sendo que só foi cedido o terreno, então a comunidade toda se mobilizou.

Não houve doação de recursos financeiros pela SOMA (Secretaria e

Ouvidoria-Geral do Meio Ambiente) do Governo do Estado, nem de

material. Os comerciantes da área, o Poder Judiciário, por meio das penas

pecuniárias revertidas à Casa de Mediação da Parangaba, etc. e cada um

dava uma coisa, uma porta, uma janela.

A casa só deu certo por uma mobilização social, com a ajuda do Promotor

de Justiça, Dr. Landim. A Socorro França, antiga Procuradora-Geral de

Justiça, também colaborou com a escolha inicial da Parangaba. Na época

em que começou, era um paraíso. A SOMA ajudava, fazia

confraternizações. Naquela época as Mediações eram marcadas para dois,

três dias depois, porque tinha um motoqueiro à disposição. Agora para

enviarmos as cartas precisamos deixá-las na Secretaria de Justiça, e lá

eles se encarregam de entregar. Por isso hoje marcamos mediações para

quinze dias depois, o que acaba com a celeridade da Mediação. Daqui a

pouco estamos marcando por ano que vem! (coordenadora da Casa de

Mediação da Parangaba)

Assim, o promotor de justiça da 17ª Unidade do Juizado Cível e Criminal, Dr.

Francisco Edson de Sousa Landim, bem como a diretora do Colégio Eudoro Correia,

Professora Lady Lima, foram personagens decisivas para a existência, hoje, da

Casa de Mediação da Parangaba.

A Casa de Mediação da Parangaba está localizada na rua Júlio Braga, nº 161,

e funciona nos dias úteis, das 14 horas às 17 horas.

Com a mudança de governo, que surgiram na gestão de Tasso Jereissati, em

1998, perpassando para gestão do ex-governador, Lúcio Alcântara, houve uma

transição das Casas de Mediação que antes se vinculavam à SOMA (Secretaria e

Ouvidoria-Geral do Meio Ambiente), passando a se vincular à SEJUS (Secretaria de

68

Justiça). Com essa transição, as Casas de Mediação tornaram-se “filhos sem pai e

sem mãe, e teve que alguém cuidar lá de alguma forma, sendo que não cuidaram da

maneira correta” (coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba).

Assim, verificamos a descontinuidade na política institucional para o projeto das

Casas de Mediação, que, embora ainda existente, não está inserido em qualquer

organograma, sendo um programa solto do governo do Estado.

O governo do Estado, contudo, arca com os custos com a energia elétrica, o

material de expediente, a água e a conta de telefone da Casa de Mediação da

Parangaba, bem como realiza a entrega das notificações de comparecimento

elaboradas pelos mediadores, por meio do serviço de correios e telégrafos.

Com isto, a Casa não conseguiria sobreviver, tendo em vista que existam

gastos outros com a própria estrutura do local. Assim, constantemente recebem

doações e realizam bazares. Colaboram com o eventuais bazares pessoas da

própria comunidade. O dono do mercadinho doa alimentos, o dono da padaria doa

pão, o sapateiro doa sapatos usados, mas em bom estado, as donas de casa doam

roupas, enfim, cada um participa de uma forma ou de outra para que a Casa de

Mediação não deixe de existir.

Os mediadores são pessoas da comunidade. A seleção dos mesmos,

inicialmente, foi feita com a divulgação de uma reunião em que se explicou o projeto,

qual a missão e os objetivos, qual o perfil do mediador e suas atribuições, bem como

se esclareceu que o ofício é voluntário. As pessoas cadastradas e interessadas,

então, foram recrutadas e esclarecidas sobre demais indagações.

Hoje a Casa de Mediação da Parangaba conta com dez mediadores. Alguns

formaram a casa desde sua inauguração, estando, pois, há sete anos em atuação.

Outros mediadores foram recrutados depois. Para ser mediador é preciso que tenha

vocação, estando ciente de que não receberá remuneração para o exercício da

atividade, e que tenha realizado um curso de Mediação.

Os primeiros mediadores fizeram o curso patrocinado pelo governo do Estado,

os demais, para se tornarem mediadores, precisavam ter feito o curso, ainda que

com recurso particular.

O ideal é que os mediadores se aperfeiçoem com cursos de reciclagem. Em

2006 foi realizado o último curso, porém até o dia 16 de novembro de 2007 ainda

não receberam o certificado do mesmo.

69

No curso de formação do mediador, além do aprendizado da atividade de

mediar, os mediadores aprendem noções de Direito, tendo em vista que precisarão

encaminhar os casos em que não é possível fazer mediação para o órgão

competente, seja Juizado Especial, Ministério Público, Delegacia ou Defensoria

Pública. O papel do mediador é de fundamental importância, tendo em vista que sua

postura não será somente necessária à finalização do acordo ou à efetivação do

diálogo entre as partes, mas sobretudo à visão que o cidadão tem da Justiça

Comunitária que ali se realiza.

O respeito que os mediadores conquistarem no desempenho de sua

função, com perícia e honestidade, será decisivo para que a mediação

comunitária se estabeleça no Brasil como processo eficaz para resolução

se controvérsias. (SALES, 2007:209)

Uma das questões que despertou dúvidas iniciais tratava-se da postura do

mediador no tocante à sua visão acerca da função que exerce. O receio era de que

o mediador tomasse para si uma postura autoritária ou de autoridade, não de um

agente comunitário que busca o estímulo ao diálogo e a conseqüente resolução de

um conflito.

Nas entrevistas gravadas, os mediadores foram indagados acerca de como

vêem sua função na comunidade. As respostas foram no sentido de se perceberem

como facilitadores do diálogo.

Acho que o mediador tem que encorajar os mediados a pensarem,

refletirem na solução de um problema e ver que essa solução está em cada

um deles, porque o que a gente percebe é que para a pessoa, e isso é uma

coisa cultural, fica bem mais fácil querer levar seu problema para os outros

resolverem. Aqui na mediação elas vão se deparar com uma situação

muito diferente, o mediador não vai resolver os problemas por ninguém, e

sim fazer com que as pessoas vejam a situação do outro e por si só

resolvam seus conflitos. Eu vejo que existe uma falta de diálogo muito

grande entre as pessoas, por exemplo, os conflitos que mais chegam aqui

envolvem família e vizinhos. (mediador da Casa de Mediação da

Parangaba)

Para evitar que o mediador desvirtue sua função, são feitas reuniões mensais,

com todos os mediadores, mas cotidianamente são realizadas observações acerca

da atuação de cada um.

70

Eu não acho que os mediadores exerçam autoridade. O mediador tem que

manter a postura de ouvidor, realizando um controle invisível para que as

partes se sintam à vontade. A humildade é característica necessária ao

mediador, pois seus valores não devem influir na conversa com os

mediados. Há casos em que o mediador pede para passar para outro

colega a mediação porque não se sente apto a realizar aquela específica.

Nós, para mantermos a harmonia, observamos os mediadores e discutimos

em reunião, mas no dia-a-dia já expomos. Assim, quando um mediador

pertence ao mesmo bairro do mediado, pedimos que passe para outro

mediador. (coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba)

A maior dificuldade que a coordenadora percebe é a ausência de um regimento

interno e um código de ética válido para todas as Casas de Mediação. Isso porque

as dificuldades financeiras são vencidas com a solidariedade da comunidade, que se

viu em um ambiente social digno de um cidadão.

O espaço em que se realizam as sessões de mediação são salas, com mesas

redondas. No local é servido água, café e chás. Na Casa de Mediação da

Parangaba existe uma farmácia viva, onde a comunidade planta as ervas utilizadas

na feitura do chá.

A segurança é feita por um policial militar, que também é responsável pelo

atendimento das pessoas, e direcionamento aos mediadores.

Ao todo, treze pessoas exercem atividades na Casa de Mediação da

Parangaba, sendo dez mediadores, um policial, um sócio-educando e uma

coordenadora. Dentre todos, os únicos remunerados são a coordenadora, o policial

e um homem que cumpre uma pena de prestação de serviços à comunidade10.

Os conflitos levados à Casa de Mediação da Parangaba são de diversas

ordens: família, criminal, vizinhança, poluição ambiental, direitos patrimoniais,

direitos do consumidor, direitos trabalhistas, conflitos de locação, dívida escolar,

ameaças, lesões leves, etc.

Assim, constatou-se que os conflitos envolvidos não tratam somente do âmbito

privado dos mediados, mas também de conflitos coletivos, especialmente no que

tange às questões ambientais, consumeristas e trabalhistas.

10

A pena de prestação de serviços à comunidade é aplicada alternativamente a uma pena restritiva de liberdade,

ou em uma transação penal quando o delito praticado é de menor potencial ofensivo. Necessariamente há um

processo criminal.

71

Na pesquisa quantitativa realizada sob orientação da professora Lilia Sales,

constatou-se que 38% dos conflitos são familiares; 18% comerciais; 18% penais,

referindo-se a crimes contra a honra, constrangimento ilegal, lesão corporal,

apropriação indébita, ameaça, violação de domicílio, perturbação do sossego e

agressão ao idoso; 18% comunitários, e aqui envolvendo conflito entre vizinhos,

condomínio, trânsito, associação e escolar; 1% ambiental; 4% civil, abrangendo

despejo, dano material, invasão de propriedade, imóvel e locação; e 2% trabalhista.

Em nossas entrevistas, indagamos aos cidadãos que procuram a Casa de

Mediação da Parangada se na decisão a que chegaram, a opinião do entrevistado

foi relevante. As respostas foram positivas em todos os casos em que se conseguiu

acordo.

Eu achei que os dois falaram, que os dois mostraram suas razões. O

mediador foi muito bom, mas a decisão foi nossa. (mediado11)

Quando indagados sobre a aptidão para resolver pessoalmente os conflitos, as

pessoas que passaram pela mediação de conflitos responderam que sim, em todos

os casos.

Sim, essa mediação ajuda a ver melhor os problemas e como resolver sem

fazer muita briga. (mediado)

Acho que ajuda a gente a conversar mais, a pensar melhor nos nossos problemas. (mediado)

Os acordos, por serem feitos por membros da própria comunidade, que

passam por cursos especializados, no qual aprendem técnicas de comunicação, de

trabalho em equipe, do processo de mediação e de noções de direitos, não estão

aptas a organizar um acordo nos termos e limites legais, mas o fazem de forma

criativa, nos termos propostos pelos mediados, e da forma que eles entendem

passíveis de cumprimento.

Na realidade, o mediador somente estimula o diálogo, que ao final irá resultar

em um acordo. As pessoas envolvidas decidem os termos da forma que melhor lhes

aprouver, sem contudo, ferir a noção de moral e bons costumes daquela

comunidade.

11

Mediado é a pessoa que passa pela mediação de conflitos, também chamada de “parte”.

72

Indagados acerca da razão pela não procura do Poder Judiciário, a maioria

respondeu que preferem a mediação por ser descomplicada, célere bem como por

nela se sentir melhor. Respondeu que preferia resolver o problema judicialmente um

mediado notificado para comparecer à Casa de Mediação, tendo como ponto a ser

discutido o reconhecimento de paternidade.

No meu caso, ir pro Judiciário seria melhor, porque lá pediriam o exame de DNA. Essas coisas. Aqui fica mais complicado porque é minha palavra contra a dela. (mediado) É melhor aqui porque é resolvido democraticamente, ficamos bem a vontade. (mediado)

São inúmeras as instâncias pelas quais é possível a resolução de conflitos,

contudo, percebemos que a mediação é procurada pelos moradores da Parangaba e

imediações por ser um local onde são bem recebidos, o conflito é rapidamente

resolvido e os acordos são realizados por meio do diálogo horizontal.

Durante as sessões de mediação os envolvidos são colocados como co-

responsáveis em relação ao conflito e à harmonia coletiva, o que induz os membros

da comunidade a participarem ativamente da Casa de Mediação, bem como a

buscarem resolver aquela situação conflituosa.

O conflito é levado aos interessados de forma ampla, sem definir os limites da

lide. A raiva, o medo, a inveja, os sentimentos de todas as ordens, as ações que

deram origem ao conflito podem ou não ser desprezadas ou sistematizadas, o que

vai variar de acordo com o conflito real levado à discussão.

Na medida em que o Estado se apresenta incapaz de solucionar os conflitos

dos excluídos socialmente, a mediação, enquanto forma tradicional de resolução de

pendengas se legitima junto ao seio social porque funciona, de fato, como regulador

da vida em sociedade. Não à toa a procura pela Casa de Mediação da Parangaba

dobrou, sendo o número de processos abertos, inicialmente, aproximadamente trinta

mensais, chegando hoje a uma média de sessenta.

Ao contrário da Justiça formal, que se mostra aos olhos dos membros da

comunidade como lenta, burocrática, sem humanidade, a mediação promove a

participação direta dos membros da coletividade, resgatando e valorizando o perfil

do mediador, de pacificador, bem como o poder da voz do mediado.

A análise das conclusões desse estudo revela que a mediação comunitária é

uma prática emancipatória na medida em que revela no cidadão a capacidade que o

mesmo possui de, por si só, reconhecer direitos e deveres e administrá-los. A

73

mediação transfere a capacidade de determinação do Estado para o cidadão, além

de colocá-los como co-responsáveis pelo conflito existente e pela harmonia coletiva.

A Justiça Cidadã, a que se espera, é uma Justiça em que as pessoas

envolvidas, seja mediadores ou mediados, tenham noção de que são atores de suas

próprias vidas e de que fazem parte de uma coletividade, fomentando a participação

social, como ocorreu com a possibilidade de extinção da Casa de Mediação da

Parangaba, quando os membros da comunidade se organizaram em mutirão para

que não deixasse de existir. A Casa de Mediação da Parangaba é, pois, uma prática

emancipatória.

74

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realidade contemporânea, plural e fragmentada, exige uma concepção de

Direito que se adeqüe a estas características. No tocante à realização da Justiça, a

racionalidade moderna celebra a universalidade e verticalidade, incompatíveis, com

o reconhecimento do multiculturalismo e das complexidades lidadas na atualidade.

Objetivou-se, com esta pesquisa, analisar se a Mediação Comunitária é capaz

de gestar uma Justiça Cidadã, ou seja, a realização de uma Justiça baseada na

horizontalidade dialógica, modificando a visão negativa que se tem acerca do

conflito, com fundamento da alteridade e na percepção do todo. Investigou-se se é

possível, a partir da Mediação Comunitária, desenvolver o senso no ser humano de

que ele faz parte de um contexto maior, bem como que é capaz de, por si mesmo,

reconhecer seus direitos e deveres, chegando, por conseguinte, à resolução dos

conflitos.

Para tanto, realizou-se, inicialmente, estudo sobre os aspectos sociais da

contemporaneidade, explorando o individualismo como traço marcante. Nesse

contexto, mostramos a dificuldade existente em se dialogar, bem como de firmar

grupos que lutam por valores maiores, tendo em vista a especificidade destes,

conseqüência do individualismo contemporâneo.

A dificuldade de se estimular a cidadania, a conscientização do ser humano

como agente e ator da vida em sociedade, é registrada pelo individualismo e pela

cultura de “cada um por si”.

75

Estudou-se, em seguida, os limites jurídicos existentes em uma sociedade

multicultural. Sob este prisma, a jurisdição, enquanto modelo estatal regulatório, é

necessária à manutenção da ordem, contudo não pode ser encarada como única

possibilidade de resolução de conflitos.

Constatou-se que em situações nas quais o conflito é violento e não há

viabilidade de um diálogo, a Jurisdição é necessária a garantir a coesão social e a

preservação dos direitos.

É preciso, contudo, que se reconheça que o monopólio da Jurisdição deve

ceder espaço à repolitização do Direito, para que se traga a resolução de conflitos

para o âmbito da cidadania, nos espaços onde os cidadãos constroem suas

relações. São nestes espaços onde são formadas opiniões, sendo o real especo

público.

A repolitização a que nos referimos permite o surgimento de novas práticas e

novos atores sociais, a partir do diálogo horizontal em substituição à violência e à

coerção.

A solidariedade é inserida no diálogo, tendo em vista que a idéia de alteridade

e de coletividade é insistentemente mencionada, além da busca do reconhecimento

de direitos e deveres.

Passou-se ao estudo da Mediação e de seu processo, apontando como

método de resolução de conflitos potencialmente emancipatório, na medida em que

se transpõe ao sistema oficial, implementando um padrão dialógico, horizontal e

participativo. As pessoas discutem seus problemas, discutem a sociedade, buscam

uma forma de resolverem mutuamente. O conflito deixa de ser algo negativo, que

afasta as pessoas, e passa a ser algo pelo qual as pessoas lutam para mudar.

Estudou-se especificamente a Mediação Comunitária, apontando

características importantes, como o fato de serem realizadas por mediadores da

própria comunidade, que entendem as angústias, problemas e linguagem

vivenciadas no local.

Por fim, analisou-se a Casa de Mediação da Parangaba, que faz parte de um

programa do governo do estado do Ceará. Percebeu-se inicialmente o sentimento

76

de solidariedade existente naqueles que exercem suas atividades na Casa de

Mediação, bem como nos moradores da região, que chegaram a construir, sem

recursos públicos, a sede da Casa de Mediação da Parangaba.

Constatou-se que as pessoas que procuram a Casa de Mediação da

Parangaba para resolução de conflitos, os decidem com base no diálogo, sem

qualquer imposição do mediador. Observou-se que as pessoas que passaram pela

Casa, a partir de um novo olhar sob o conflito, se sentem mais encorajadas a

resolver os problemas surgidos por si mesmo, por meio do diálogo.

Notou-se, também, que a Casa de Mediação da Parangaba possui, para sua

existência, ampla participação popular, por meio de doações, oferecimento de

cursos, atividade dos mediadores, etc.

Conclui-se que a Mediação Comunitária é uma Justiça cidadã, na medida em

que confronta o princípio da igualdade, representados pela cidadania, com a ética da

alteridade, e o princípio da diversidade, que preserva a diversidade cultural.

77

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84

8 - ANEXOS

8.1 Primeiro Projeto de Lei que teve por objeto a institucionalização e a

disciplina da mediação de conflitos. Projeto de Lei n. 4.827/1998, de autoria da

Deputada Zulaiê Cobra, PSDB.

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO

REDAÇÃO FINAL

PROJETO DE LEI Nº 4.827-B, DE 1998

Institucionaliza e disciplina a mediação,

como método de prevenção e solução

consensual de conflitos.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Para os fins desta Lei, mediação é a atividade técnica exercida por

terceira pessoa, que, escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as escuta e

orienta com o propósito de lhes permitir que, de modo consensual, previnam ou

solucionem conflitos.

Parágrafo único. É lícita a mediação em toda matéria que admita conciliação,

reconciliação, transação, ou acordo de outra ordem, para os fins que consinta a lei

civil ou penal.

85

Art. 2º Pode ser mediador qualquer pessoa capaz e que tenha formação

técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito.

§ 1º Pode sê-lo também a pessoa jurídica que, nos termos do objeto social, se

dedique ao exercício da mediação por intermédio de pessoas físicas que atendam

às exigências deste artigo.

§ 2º No desempenho de sua função, o mediador deverá proceder com

imparcialidade, independência, competência, diligência e sigilo.

Art. 3º A mediação é judicial ou extrajudicial, podendo versar sobre todo o

conflito ou parte dele.

Art. 4º Em qualquer tempo e grau de jurisdição, pode o juiz buscar convencer

as partes da conveniência de se submeterem a mediação extrajudicial, ou, com a

concordância delas, designar mediador, suspendendo o processo pelo prazo de até

três meses, prorrogável por igual período.

Parágrafo único. O mediador judicial está sujeito a compromisso, mas pode

escusar-se ou ser recusado por qualquer das partes, em cinco dias da designação,

aplicando-se-lhe, no que caibam, as normas que regulam a responsabilidade e a

remuneração dos peritos.

Art. 5º Ainda que não exista processo, obtido acordo, este poderá, a

requerimento das partes, ser reduzido a termo e homologado por sentença, que

valerá como título executivo judicial ou produzirá os outros efeitos jurídicos próprios

de sua matéria.

Art. 6º Antes de instaurar processo, o interessado pode requerer ao juiz que,

sem antecipar-lhe os termos do conflito e de sua pretensão eventual, mande intimar

a parte contrária para comparecer a audiência de tentativa de conciliação ou

mediação. A distribuição do requerimento não previne o juízo, mas interrompe a

prescrição e impede a decadência.

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala da Comissão,

Deputado LÉO ALCÂNTARA

86

8.2 – Projeto de Lei, aprovado pelo Senado Federal em junho de 2006. Atualmente se encontra na Câmara dos Deputados.

Institucionaliza e disciplina a mediação,

como método de prevenção e solução

consensual de conflitos na esfera civil, e dá

outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei institui e disciplina a mediação paraprocessual nos conflitos de

natureza civil.

Art. 2º Para fins desta Lei, mediação é a atividade técnica exercida por terceiro

imparcial que, escolhido ou aceito pelas partes interessadas, as escuta, orienta e

estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes permitir a prevenção ou

solução de conflitos de modo consensual.

Art. 3º A mediação paraprocessual será prévia ou incidental, em relação ao

momento de sua instauração, e judicial ou extrajudicial, conforme a qualidade dos

mediadores.

Art. 4º É lícita a mediação em toda matéria que admita conciliação,

reconciliação, transação ou acordo de outra ordem.

Art. 5º A mediação poderá versar sobre todo o conflito ou parte dele.

Art. 6º A mediação será sigilosa, salvo estipulação expressa em contrário pelas

partes, observando-se, em qualquer hipótese, o disposto nos arts. 13 e 14.

87

Art. 7º O acordo resultante da mediação se denominará termo de mediação e

deverá ser subscrito pelo mediador, judicial ou extrajudicial, pelas partes e

advogados, constituindo-se título executivo extrajudicial.

Parágrafo único. A mediação prévia, desde que requerida, será reduzida a

termo e homologada por sentença, independentemente de processo.

Art. 8º A pedido de qualquer um dos interessados, o termo de mediação obtido

na mediação prévia ou incidental, poderá ser homologado pelo juiz, caso em que

terá eficácia de título executivo judicial.

CAPÍTULO II

DOS MEDIADORES

Art. 9º Pode ser mediador qualquer pessoa capaz, de conduta ilibada e com

formação técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito, nos termos

desta Lei.

Art. 10º Os mediadores serão judiciais ou extrajudiciais.

Art. 11. São mediadores judiciais os advogados com pelo menos três anos de

efetivo exercício de atividades jurídicas, capacitados, selecionados e inscritos no

Registro de Mediadores, na forma desta Lei.

Art. 12. São mediadores extrajudiciais aqueles independentes, selecionados e

inscritos no respectivo Registro de Mediadores, na forma desta Lei.

Art. 13. Na mediação paraprocessual, os mediadores judiciais ou extrajudiciais

e os co-mediadores são considerados auxiliares da justiça, e, quando no exercício

de suas funções, e em razão delas, são equiparados aos funcionários públicos, para

os efeitos da lei penal.

88

Art. 14. No desempenho de suas funções, o mediador deverá proceder com

imparcialidade, independência, aptidão, diligência e confidencialidade, salvo, no

último caso, por expressa convenção das partes.

Art. 15. Caberá, em conjunto, à Ordem dos Advogados do Brasil, aos Tribunais

de Justiça dos Estados e às pessoas jurídicas especializadas em mediação, nos

termos de seu estatuto social, desde que, no último caso, devidamente autorizadas

pelo Tribunal de Justiça do Estado em que estejam localizadas, a formação e

seleção de mediadores, para o que serão implantados cursos apropriados, fixando-

se os critérios de aprovação, com a publicação do regulamento respectivo.

Art. 16. É lícita a co-mediação quando, pela natureza ou pela complexidade do

conflito, for recomendável a atuação conjunta do mediador com outro profissional

especializado na área do conhecimento subjacente ao litígio.

§ 1º A co-mediação será obrigatória nas controvérsias submetidas à mediação

que versem sobre o estado da pessoa e Direito de Família, devendo dela

necessariamente participar psiquiatra, psicólogo ou assistente social.

§ 2º A co-mediação, quando não for obrigatória, poderá

ser requerida por qualquer dos interessados ou pelo mediador.

CAPÍTULO III

DO REGISTRO DE MEDIADORES E DA FISCALIZAÇÃO

E CONTROLE DA ATIVIDADE DE MEDIAÇÃO

Art. 17. O Tribunal de Justiça local manterá Registro de Mediadores, contendo

relação atualizada de todos os mediadores habilitados a atuar prévia ou

incidentalmente no âmbito do Estado.

§ 1º Os Tribunais de Justiça expedirão normas regulamentando o processo de

inscrição no Registro de Mediadores.

89

§ 2º A inscrição no Registro de Mediadores será requerida ao Tribunal de

Justiça local, na forma das normas expedidas para este fim, pelos que tiverem

cumprido satisfatoriamente os requisitos do art. 15 desta Lei.

§ 3º Do registro de mediadores constarão todos os dados relevantes referentes

à atuação do mediador, segundo os critérios fixados pelo Tribunal de Justiça local.

§ 4º Os dados colhidos na forma do parágrafo anterior serão classificados

sistematicamente pelo Tribunal de Justiça, que os publicará anualmente para fins

estatísticos.

Art. 18. Na mediação extrajudicial, a fiscalização das atividades dos

mediadores e co-mediadores competirá sempre ao Tribunal de Justiça do Estado, na

forma das normas específicas expedidas para este fim.

Art. 19. Na mediação judicial, a fiscalização e controle da atuação do mediador

será feita pela Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de suas seccionais; a

atuação do co-mediador será fiscalizada e controlada pelo Tribunal de Justiça.

Art. 20. Se a mediação for incidental, a fiscalização também caberá ao juiz da

causa, que, verificando a atuação inadequada do mediador ou do co-mediador,

poderá afastá-lo de suas atividades relacionadas ao processo, e, em caso de

urgência, tomar depoimentos e colher provas, dando notícia, conforme o caso, à

Ordem dos Advogados do Brasil ou ao Tribunal de Justiça, para as medidas

cabíveis.

Art. 21. Aplicam-se aos mediadores e co-mediadores os impedimentos

previstos nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil.

§ 1º No caso de impedimento, o mediador devolverá os autos ao distribuidor,

que designará novo mediador; se a causa de impedimento for apurada quando já

iniciado o procedimento de mediação, o mediador interromperá sua atividade,

lavrando termo com o relatório do ocorrido e solicitará designação de novo mediador

ou co-mediador.

90

§ 2º O referido relatório conterá:

a) a) nomes e dados pessoais das partes

envolvidas;

b) b) indicação da causa de impedimento ou

suspeição;

c) c) razões e provas existentes pertinentes do

impedimento ou suspeição.

Art. 22. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o

mediador informará o fato ao Tribunal de Justiça, para que, durante o período em

que subsistir a impossibilidade, não lhe sejam feitas novas distribuições.

Art. 23. O mediador fica absolutamente impedido de prestar serviços

profissionais a qualquer das partes, em matéria correlata à mediação; o impedimento

terá o prazo de dois anos, contados do término da mediação, quando se tratar de

outras matérias.

Art. 24. Considera-se conduta inadequada do mediador ou do co-mediador a

sugestão ou recomendação acerca do mérito ou quanto aos termos da resolução do

conflito, assessoramento, inclusive legal, ou aconselhamento, bem como qualquer

forma explícita ou implícita de coerção para a obtenção de acordo.

Art. 25. Será excluído do Registro de Mediadores aquele que:

I – assim o solicitar ao Tribunal de Justiça, independentemente de justificação;

II – agir com dolo ou culpa na condução da mediação sob sua

responsabilidade;

III – violar os princípios de confidencialidade e imparcialidade;

IV – funcionar em procedimento de mediação mesmo sendo impedido ou sob

suspeição;

V – sofrer, em procedimento administrativo realizado pela

Ordem dos Advogados do Brasil, pena de exclusão do

Registro de Mediadores;

VI – for condenado, em sentença criminal transitada em julgado.

91

§ 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados, em cooperação, consolidarão

mensalmente relação nacional dos excluídos do Registro de Mediadores.

§ 2º Salvo no caso do inciso I, aquele que for excluído do Registro de

Mediadores não poderá, em hipótese alguma, solicitar nova inscrição em qualquer

parte do território nacional ou atuar como co-mediador.

Art. 26. O processo administrativo para averiguação de conduta inadequada do

mediador poderá ser iniciado de ofício ou mediante representação e obedecerá ao

procedimento estabelecido pelo Tribunal de Justiça local.

Art. 27. O processo administrativo conduzido pela Ordem dos Advogados do

Brasil obedecerá ao procedimento previsto no Título III da Lei nº 8.906, de 1994,

podendo ser aplicada desde a pena de advertência até a exclusão do Registro de

Mediadores.

Parágrafo único. O processo administrativo a que se refere o caput será

concluído em, no máximo, noventa dias, e suas conclusões enviadas ao Tribunal de

Justiça para anotação no registro do mediador ou seu cancelamento, conforme o

caso.

Art. 28. O co-mediador afastado de suas atividades nos termos do art. 19,

desde que sua conduta inadequada seja comprovada em regular procedimento

administrativo, fica impedido de atuar em novas mediações pelo prazo de dois anos.

CAPÍTULO IV

DA MEDIAÇÃO PRÉVIA

Art. 29. A mediação prévia pode ser judicial ou extrajudicial.

Parágrafo único. O requerimento de mediação prévia interrompe a prescrição e

deverá ser concluído no prazo máximo de 90 dias.

92

Art. 30. O interessado poderá optar pela mediação prévia judicial. Neste caso,

o requerimento adotará formulário padronizado, subscrito por ele ou por seu

advogado, sendo, neste caso, indispensável à juntada do instrumento de mandato.

§ 1º Distribuído ao mediador, o requerimento ser-lhe-á encaminhado

imediatamente.

§ 2º Recebido o requerimento, o mediador designará dia, hora e local onde

realizará a sessão de mediação, dando ciência aos interessados por qualquer meio

eficaz e idôneo de comunicação.

§ 3º A cientificação ao requerido conterá a recomendação de que deverá

comparecer à sessão acompanhado de advogado, quando a presença deste for

indispensável. Neste caso, não tendo o requerido constituído advogado, o mediador

solicitará à Defensoria Pública ou, na falta desta, à Ordem dos Advogados do Brasil

a designação de advogado dativo. Na impossibilidade de pronto atendimento à

solicitação, o mediador imediatamente remarcará a sessão, deixando os

interessados já cientificados da nova data e da indispensabilidade dos advogados.

§ 4º Os interessados, de comum acordo, poderão escolher outro mediador,

judicial ou extrajudicial.

§ 5º Não sendo encontrado o requerido, ou não comparecendo qualquer das

partes, estará frustrada a mediação.

Art. 31. Obtido ou não o acordo, o mediador lavrará o termo de mediação,

descrevendo detalhadamente todas as cláusulas do mesmo ou consignando a sua

impossibilidade.

Parágrafo único. O mediador devolverá o requerimento ao distribuidor,

acompanhado do termo de mediação, para as devidas anotações.

93

Art. 32. A mediação prévia extrajudicial, a critério dos interessados, ficará a

cargo de mediador independente ou daquele ligado à instituição especializada em

mediação.

Art. 33. Em razão da natureza e complexidade do conflito, o mediador judicial

ou extrajudicial, a seu critério ou a pedido de qualquer das partes, prestará seus

serviços em regime de co-mediação com profissional especializado em outra área

que guarde afinidade com a natureza do conflito.

CAPÍTULO V

DA MEDIAÇÃO INCIDENTAL

Art. 34. A mediação incidental será obrigatória no processo de conhecimento,

salvo nos seguintes casos:

I – na ação de interdição;

II – quando for autora ou ré pessoa de direito público e a controvérsia versar

sobre direitos indisponíveis;

III – na falência, na recuperação judicial e na insolvência civil;

IV – no inventário e no arrolamento;

V – nas ações de imissão de posse, reivindicatória e de usucapião de bem

imóvel;

VI – na ação de retificação de registro público;

VII – quando o autor optar pelo procedimento do juizado especial ou pela

arbitragem;

VIII – na ação cautelar;

IX – quando na mediação prévia, realizada na forma da seção anterior, tiver

ocorrido sem acordo nos cento e oitenta dias anteriores ao ajuizamento da ação.

Parágrafo único. A mediação deverá ser realizada no prazo máximo de 90 dias

e, não sendo alcançado o acordo, dar-se-á continuidade ao processo, .

Art. 35. Nos casos de mediação incidental, a distribuição da petição inicial ao

juízo interrompe a prescrição, induz litispendência e produz os demais efeitos

previstos no art. 263 do Código de Processo Civil.

94

§ 1º Havendo pedido de liminar, a mediação terá curso após a respectiva

decisão.

§ 2º A interposição de recurso contra a decisão liminar não prejudica o

processo de mediação.

Art. 36. A designação inicial será de um mediador, judicial ou extrajudicial, a

quem será remetida cópia dos autos do processo judicial.

Parágrafo único. As partes, de comum acordo, poderão escolher outro

mediador, judicial ou extrajudicial.

Art. 37. Cabe ao mediador intimar as partes por qualquer meio eficaz e idôneo

de comunicação, designando dia, hora e local para seu comparecimento.

§ 1º A intimação deverá conter a recomendação de que as partes deverão se

fazer acompanhar de advogados, quando indispensável à assistência judiciária.

§ 2º Se o requerido não tiver sido citado no processo judicial, a intimação para

a sessão de mediação constitui-lo-á em mora, tornando prevento o juízo, induzindo

litispendência, fazendo litigiosa a coisa e interrompendo a prescrição.

§ 3º Se qualquer das partes não tiver advogado constituído nos autos do

processo judicial, o mediador procederá de acordo com o disposto na parte final do §

3º do art. 30.

§ 4º Não sendo encontrado o requerido, ou não comparecendo qualquer das

partes, estará frustrada a mediação.

Art. 38. Na hipótese de mediação incidental, ainda que haja pedido de liminar,

a antecipação das despesas do processo, a que alude o art. 19 do Código de

Processo Civil, somente será devida após a retomada do curso do processo, se a

mediação não tiver resultado em acordo ou conciliação.

95

Parágrafo único. O valor pago a títulos de honorários do mediador, na forma do

art. 19 do Código de Processo Civil, será abatido das despesas do processo.

Art. 39. Obtido ou frustrado o acordo, o mediador lavrará o termo de mediação

descrevendo detalhadamente todas as cláusulas do acordo ou consignando sua

impossibilidade.

§ 1º O mediador devolverá a petição inicial ao juiz da causa, acompanhada do

termo, para que seja dado prosseguimento ao processo.

§ 2º Ao receber a petição inicial acompanhada do termo de transação, o juiz

determinará seu imediato arquivamento ou, frustrada a transação, providenciará a

retomada do processo judicial.

Art. 40. Havendo acordo, o juiz da causa, após verificar o preenchimento das

formalidades legais, homologará o acordo por sentença.

Parágrafo único. Se o acordo for obtido quando o processo judicial estiver em

grau de recurso, a homologação do mesmo caberá ao relator.

CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 41. A mediação será sempre realizada em local de fácil acesso, com

estrutura suficiente para atendimento condigno dos interessados, disponibilizado por

entidade pública ou particular para o desenvolvimento das atividades de que trata

esta Lei.

Parágrafo único. O Tribunal de Justiça local fixará as condições mínimas a que

se refere este artigo.

96

Art. 42. Os serviços do mediador serão sempre remunerados, nos termos e

segundo os critérios fixados pela norma local.

§ 1º Nas hipóteses em que for concedido o benefício da assistência judiciária,

estará a parte dispensada do recolhimento dos honorários, correndo as despesas às

expensas de dotação orçamentária do respectivo Tribunal de Justiça.

Art. 43. O art. 331 e parágrafos da Lei nº 5.869, de 1973, Código de Processo

Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 331. Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções

precedentes, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo máximo de

trinta dias, para qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se

representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.

§1º Na audiência preliminar, o juiz ouvirá as partes sobre os motivos e

fundamentos da demanda e tentará a conciliação, mesmo tendo sido realizada a

tentativa de mediação prévia ou incidental.

§2º A lei local poderá instituir juiz conciliador ou recrutar conciliadores para

auxiliarem o juiz da causa na tentativa de solução amigável dos conflitos.

§3º Segundo as peculiaridades do caso, outras formas adequadas de solução

do conflito poderão ser sugeridas pelo juiz, inclusive a arbitragem, na forma da lei, a

mediação e a avaliação neutra de terceiro.

§4º A avaliação neutra de terceiro, a ser obtida no prazo a ser fixado pelo juiz,

é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade

exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.

§5º Obtido o acordo, será reduzido a termo e homologado pelo juiz.

§6º Se, por qualquer motivo, a conciliação não produzir resultados e não for

adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, na mesma audiência, fixará os

97

pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as

provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se

necessário” (NR)

Art. 44. Fica acrescentado à Lei nº 5.869, de 1973, Código de Processo Civil, o

art. 331-A, com a seguinte redação:

“Art. 331 – A. Em qualquer tempo e grau de jurisdição, poderá o juiz ou tribunal

adotar, no que couber, as providências no artigo anterior”.

Art. 45. Os Tribunais de Justiça dos Estados, no prazo de 180 dias, expedirão

as normas indispensáveis à efetivação do disposto nesta Lei.

Art. 46. O termo de mediação, de qualquer natureza,

frustrado ou não o acordo, conterá expressamente a fixação

dos honorários do mediador, ou do co-mediador, se for o caso.

Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do mediador,

no termo de mediação, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal

estipulação, o mediador requererá ao Tribunal de Justiça que seria competente para

julgar, originariamente, a causa, que os fixe por sentença.

Art. 47. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala da Comissão,

Presidente

Relator

98

8.3 – Questionário aplicado aos mediadores da Casa de Mediação da Parangaba.

1. Por que razão você é mediador?

2. Na sua opinião, qual o papel do mediador em uma comunidade?

3. Por que você acha que as pessoas buscam a Casa de

Mediação, ao invés de procurar o Poder Judiciário?

4. Como estimular os mediados a encarar de forma diferente o

conflito, e, a partir daí, resolverem seus conflitos?

5. Você é remunerado?

6. Você fez algum curso para ser mediador?

7. Você sabe como se mantém a Casa de Mediação da

Parangaba?

8. O que já foi feito pela comunidade para manutenção da Casa de

Mediação?

9. Você já participa de algum desses eventos?

10. Como as pessoas são recebidas quando chegam aqui?

11. Qual o procedimento realizado desde o momento em que a

pessoa chega à Casa de Mediação da Parangaba até a formalização do

acordo?

8.4 – Questionário aplicado aos mediados que receberam uma carta-convite / notificação e procuraram a Casa de Mediação da Parangaba para resolução de seu conflito.

1. Qual o motivo que lhe trouxe à Casa de Mediação? (família, problema com

vizinho, contrato com alguma empresa/pessoa,...)

2. É a primeira vez que é chamado?

3. Houve êxito na resolução do conflito?

a. Se houve: sentiu que quem decidiu foram vocês, que chegaram a uma

decisão comum?

b. Se não houve, a que atribui isso?

4. Durante a mediação se discutiu exclusivamente o problema levado?

99

5. Sua opinião foi relevante para solução?

6. Se fosse resolvido pelo Judiciário, acha que seria melhor ou pior o resultado?

Por que?

8.5 – Questionário aplicado aos mediados que procuraram a Casa de Mediação da Parangaba para solucionar seus litígios.

1. Qual o motivo que fez lhe resolver seu conflito na Casa de Mediação?

(família, problema com vizinho, contrato com alguma empresa/pessoa,...)

2. É a primeira vez que procura?

3. Houve êxito na resolução do conflito?

a. Se houve: sentiu que quem decidiu foram vocês, que chegaram a uma

decisão comum?

b. Se não houve, a que atribui isso?

4. Durante a mediação se discutiu exclusivamente o problema levado?

5. Sua opinião foi relevante para solução?

6. Se fosse resolvido pelo Judiciário, acha que seria melhor ou pior o resultado?

Por que?

7. Você procuraria a Casa de Mediação novamente?

8. Se sente mais apto a discutir seus problemas?

8.6 – Questionário aplicado à coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba.

PERGUNTAS RELACIONDAS AO TRABALHO DA COORDENADORA DA

CASA DE MEDIAÇÃO DA PARANGABA.

1. Há quanto tempo é coordenadora da Casa De Mediação Da

Parangaba?

2. Qual seu trabalho aqui?

3. Como é o relacionamento com os mediadores?

4. Houve algum obstáculo ou dificuldade por não ser da comunidade?

5. A sua função é remunerada por quem?

100

PERGUNTAS RELACIONADAS À CASA DE MEDIAÇÃO DA PARANGABA.

1. Quando e como surgiu a Casa De Mediação Da Parangaba?

2. Por que a Parangaba?

3. Como é o apoio do Governo do Estado?

4. Como a Casa De Mediação Da Parangaba se sustenta?

5. Como a comunidade se articula para auferir renda?

6. Como a comunidade reage aos eventos promovidos pela Casa De

Mediação Da Parangaba?

7. Quantas pessoas exercem atividade na Casa De Mediação Da

Parangaba?

8. Quais essas funções?

9. Alguém é remunerado?

10. Quais os tipos de conflito a que se destina a resolução de conflitos na

Casa De Mediação Da Parangaba?

11. Quem faz a triagem e como é administrada a data das mediações?

12. Do dia em que o mediado procura a casa de mediação ao dia em que

se realiza a primeira sessão, quanto tempo demora, em média?

13. Houve um aumento no número de pessoas que procuraram a Casa De

Mediação Da Parangaba?

14. Como é feita a segurança da Casa De Mediação Da Parangaba?

15. Qual o objetivo de uma mediação?

PERGUNTAS RELACIONADAS AOS MEDIADORES.

1. Há uma escolha ou seleção para alguém ser mediador na Casa De

Mediação Da Parangaba?

2. Os mediadores passam por algum curso de capacitação? Há uma

freqüência?

3. São pessoas da comunidade?

4. Por que você acha que eles se tornaram mediadores?

5. São remunerados?

6. Eles exercem alguma atividade remunerada para compensar o

voluntariado?

101

7. Como a comunidade sente os mediadores (como juízes, como

“pastores”, como colegas, como orientadores, etc)?

8. Como não desvirtuar a função do mediador?

9. Como motivar os mediadores para que não abandonem suas funções?

10. Há quanto tempo está na Casa de Mediação da Parangaba o mediador

que atua há mais tempo?

PERGUNTAS RELACIONADAS AOS MEDIADOS.

1. Qual a freqüência de pessoas que procuram a Casa De Mediação Da

Parangaba?

2. A que você atribui esta procura?

3. Qual o perfil de quem procura a Casa De Mediação Da Parangaba?

4. Essas pessoas costumam retornar por ter sido o acordo descumprido?

102

8.7 - Fachada da Casa de Mediação da Parangaba.

103

8.8 – Recepção da Casa de Mediação da Parangaba.

104

8.9 – Sala onde se realizam as mediações na Casa de Mediação da Parangaba.

105

8.10 – “Farmácia viva” da Casa de Mediação da Parangaba.

106

8.11 – Exemplo: mediadora que aprendeu a utilizar o computador para colaborar mais amplamente com a Casa de Mediação da Parangaba.

107

8.12 – Responsável pela segurança e participador da Casa de Mediação da Parangaba, Sr. Pessoa.

108

8.13 – Coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba, em exercício.

109

8.14 – Primeira escuta de um conflito, realizado pela coordenadora da Casa de Mediação da Parangaba.

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