Medição de vazão

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ALGUNS FUNDAMENTOS DE HIDROLOGIA 46 Medição de vazão azão é o volume de água que passa por uma determinada seção de um rio dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume é dado em litros, e o tempo é medido em segundos, a vazão pode ser expressa em unidades de litros por segundo (l.s -1 ). No caso de vazão de rios, entretanto, é mais usual expressar a vazão em metros cúbicos por segundo (m 3 .s -1 ), sendo que 1 m 3 .s -1 corresponde a 1000 l.s -1 (litros por segundo). A medição de vazão em cursos d’água é realizada, normalmente, de forma indireta, a partir da medição de velocidade ou de nível. Os instrumentos mais comuns para medição de velocidade de água em rios são os molinetes, que são pequenos hélices que giram impulsionados pela passagem da água. Em situações de medições expeditas, ou de grande carência de recursos, as medições de velocidade podem ser feitas utilizando flutuadores, com resultados muito menos precisos. Figura 5. 1: Molinete para medição de velocidade da água. Ca p ítul o 5 V

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Medição de vazão

azão é o volume de água que passa por uma determinada seção de um rio dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume é dado em litros, e o tempo é medido em segundos, a vazão pode ser expressa em unidades de litros por segundo (l.s-1). No caso de vazão de rios, entretanto, é mais usual

expressar a vazão em metros cúbicos por segundo (m3.s-1), sendo que 1 m3.s-1 corresponde a 1000 l.s-1 (litros por segundo).

A medição de vazão em cursos d’água é realizada, normalmente, de forma indireta, a partir da medição de velocidade ou de nível. Os instrumentos mais comuns para medição de velocidade de água em rios são os molinetes, que são pequenos hélices que giram impulsionados pela passagem da água. Em situações de medições expeditas, ou de grande carência de recursos, as medições de velocidade podem ser feitas utilizando flutuadores, com resultados muito menos precisos.

Figura 5. 1: Molinete para medição de velocidade da água.

Capítulo

5

V

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Os molinetes são instrumentos projetados para girar em velocidades diferentes de acordo com a velocidade da água. A relação entre velocidade da água e velocidade de rotação do molinete é a equação do molinete. Esta equação é fornecida pelo fabricante do molinete, porém deve ser verificada periodicamente, porque pode ser alterada pelo desgaste das peças.

A velocidade da água é, normalmente, maior no centro de um rio do que junto às margens. Da mesma forma, a velocidade é mais baixa junto ao fundo do rio do que junto à superfície. Em função desta variação da velocidade nos diferentes pontos da seção transversal, utilizar apenas uma medição de velocidade pode resultar em uma estimativa errada da velocidade média. Por exemplo, a velocidade medida junto à margem é inferior à velocidade média e a velocidade medida junto à superfície, no centro da seção, é superior à velocidade média.

Para obter uma boa estimativa da velocidade média é necessário medir em várias verticais, e em vários pontos ao longo das verticais, de acordo com a Figura 5. 2 e a Figura 5. 3. A Tabela 5. 1 adaptada de Santos et al. (2001), apresenta o número de pontos de medição em uma vertical de acordo com a profundidade do rio e a Tabela 5. 2 apresenta o número de verticais recomendado para medições de vazão de acordo com a largura do rio.

A Tabela 5. 1 mostra que são recomendados muitas medições na vertical, porém, freqüentemente, as medições são feitas com apenas dois pontos na vertical, mesmo em rios com profundidade maior que 1,20 m.

Figura 5. 2: Perfil de velocidade típico e pontos de medição recomendados.

Figura 5. 3: Seção transversal com indicação de verticais onde é medida a velocidade.

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Tabela 5. 1: Número e posição de pontos de medição na vertical recomendados de acordo com a profundidade do rio (Santos et al. 2001).

Profundidade (m) Número de pontos Posição dos pontos 0,15 a 0,60 1 0,6 p 0,60 a 1,20 2 0,2 e 0,8 p 1,20 a 2,00 3 0,2; 0,6 e 0,8 p 2,00 a 4,00 4 0,2; 0,4; 0,6 e 0,8 p > 4,00 6 S; 0,2; 0,4; 0,6; 0,8 p e F

Tabela 5. 2: Distância recomendada entre verticais, de acordo com a largura do rio (Santos et al., 2001).

Largura do rio (m) Distância entre verticais (m) < 3 0,3 3 a 6 0,5 6 a 15 1,0 15 a 30 2,0 30 a 50 3,0 50 a 80 4,0 80 a 150 6,0 150 a 250 8,0

> 250 12,0

Portanto, a medição de vazão está baseada na medição de velocidade em um grande número de pontos. Os pontos estão dispostos segundo linhas verticais com distâncias conhecidas da margem (d1, d2, d3, etc.) (Figura 5. 4). A integração do produto da velocidade pela área é a vazão do rio. Considera-se que a velocidade média calculada numa vertical é válida numa área próxima a esta vertical de acordo com a Figura 5. 5.

Figura 5. 4: Exemplo de medição de vazão em uma seção de um rio, com a indicação das verticais, distâncias (d) e profundidades (p) – os pontos indicam as posições em que é medida a velocidade no caso de utilizar apenas dois pontos por vertical.

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Figura 5. 5: Detalhe da área da seção do rio para a qual é válida a velocidade média da vertical de número 2.

A área de uma sub-seção, como apresentada na Figura 5. 5 é calculada pela equação abaixo:

( ) ( ) ( )

−⋅=

+

−+

⋅= −+−+

2ddp

2dd

2ddpA 1i1i

ii1i1ii

ii

onde o índice i indica a vertical que está sendo considerada; p é a profundidade; d é a distância da vertical até a margem. Na Figura 5. 5, por exemplo, a área da sub-seção da vertical 2 é dada por:

( )

−⋅=

2ddpA 13

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As pequenas áreas próximas às margens que não são consideradas nas sub-seções da primeira nem da última vertical (Figura 5. 6) não são consideradas no cálculo da vazão. Assim, a vazão total do rio é dada por:

∑=

⋅=N

1iii AvQ

onde Q é a vazão total do rio; vi é a velocidade média da vertical i; N é o número de verticais e Ai é a área da sub-seção da vertical i.

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Figura 5. 6: As áreas sombreadas junto às margens não são consideradas na integração da vazão.

E X E M P L O

1) Uma medição de vazão realizada em um rio teve os resultados da tabela abaixo. A largura total do rio é de 23 m. Qual é a vazão total do rio? Qual é a velocidade média?

Vertical 1 2 3 4 5

Distância da margem (m) 2,0 5,0 8,0 17,0 22,0 Profundidade (m) 0,70 1,54 2,01 2,32 0,82 Velocidade a 0,2xP (m.s-1) 0,23 0,75 0,89 0,87 0,32 Velocidade a 0,8xP (m.s-1) 0,15 0,50 0,53 0,45 0,20

Para cada uma das verticais de medição é determinada a área da sub-seção correspondente. Considera-se, para isso, que as velocidades medidas na vertical ocorrem em uma região retangular de profundidade pi e largura 0,5x(di+1 – di-1) . A vazão total é dada pela soma das vazões de cada sub-seção.

Vertical 1 2 3 4 5 Total

Distância da margem (m) 2,0 5,0 8,0 17,0 22,0 23 Profundidade (m) 0,70 1,54 2,01 2,32 0,82 Largura da vertical (m) 2,50 3,0 6,0 7,0 3,0 Área da sub-seção (m2) 1,75 4,62 12,06 16,24 2,46 37,13Velocidade a 0,2xP (m.s-1) 0,23 0,75 0,89 0,87 0,32 Velocidade a 0,8xP (m.s-1) 0,15 0,50 0,53 0,45 0,20 Velocidade média na vertical (m.s-1) 0,19 0,63 0,71 0,66 0,26 Vazão na sub-seção (m3.s-1) 0,33 2,91 8,56 10,72 0,64 23,16

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A vazão total é de 23,16 m3.s-1. Este valor pode ser arredondado para 23,2 m3.s-1 porque normalmente os erros das medições de velocidade, distância e profundidade não justificam tanta precisão.

A velocidade média é igual à vazão total dividida pela área total, ou seja,

62,013,3716,23v ==

A velocidade média é de 0,62 m.s-1.

A curva-chave O ciclo hidrológico é um processo dinâmico, governado por processos bastante aleatórios, como a precipitação. Para caracterizar o comportamento hidrológico de um curso d’água ou de uma bacia não basta dispor de uma medição de vazão, mas sim de uma série de medições. É desejável que esta série estenda-se por, pelo menos, alguns anos, e é necessário que o intervalo de tempo entre medições seja adequado para acompanhar os principais processos que ocorrem na bacia, isto é, permitam acompanhar as cheias e estiagens. Em um rio muito grande, de comportamento lento, isto pode significar uma medição por semana. Por outro lado, em um rio com uma área de drenagem pequena, em uma região montanhosa, com rápidas respostas durante as chuvas, pode ser necessária uma medição a cada minuto.

A medição de vazão, conforme descrita no item anterior, é um processo caro, o que impede medições de vazão muito freqüentes. Normalmente a medição de vazão em rios exige uma equipe de técnicos qualificados e equipamentos como molinete, guincho e barcos. Em função disso, as medições de vazão são realizadas com o objetivo de determinar a relação entre o nível da água do rio em uma seção e a sua vazão. Esta relação entre o nível (ou cota) e a vazão é denominada a curva-chave de uma seção. Com a curva-chave é possível transformar medições diárias de cota, que são relativamente baratas, em medições diárias de vazão.

Para gerar uma curva-chave representativa é necessário medir a vazão do rio em situações de vazões baixas, médias e altas. A Figura 5. 7 apresenta, de forma gráfica, o resultado de 62 medições de vazão realizadas entre 1992 e 2002, no rio do Sono no posto fluviométrico Cachoeira do Paredão, no Estado de Minas Gerais. Cada ponto no gráfico corresponde a uma medição de vazão. Observa-se que há mais medições de vazão na faixa de cotas e vazões baixas. Isto ocorre porque as vazões altas ocorrem apenas durante as cheias, que podem ser bastante rápidas e raramente coincidem com os dias programados para as medições de vazão.

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Figura 5. 7: Dados de medição de vazão do rio do Sono, de 1992 a 2002.

A curva chave é uma equação ajustada aos dados de medição de vazão. Normalmente são utilizadas equações do tipo potência, como a equação a seguir:

( )b0hhaQ −⋅=

onde Q é a vazão; h é a cota; h0 é a cota quando a vazão é zero; e a e b são parâmetros ajustados por um critério, como erros mínimos quadrados.

A Figura 5. 8 apresenta uma equação do tipo acima ajustada aos dados do rio do Sono.

Figura 5. 8: Equação do tipo potência ajustada aos dados de medição de vazão do rio do Sono de 1992 a 2002.

A curva chave de uma seção de rio pode se alterar com o tempo, especialmente em rios de leito arenoso. Modificações artificiais, como aterros e pontes, também podem

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modificar a curva chave. Por isto é necessário realizar medições de vazão regulares, mesmo após a definição da curva.

Em trechos de rios próximos à foz, junto ao mar, lago ou outro rio, a relação entre cota e vazão pode não ser unívoca, isto é, a mesma vazão pode ocorrer para cotas diferentes, e cotas iguais podem apresentar vazões diferentes. Nestes casos o escoamento no rio está sob controle de jusante. O nível do rio, lago ou oceano, localizado a jusante, controla a vazão do rio e não é possível definir uma única curva-chave. Este problema pode ser superado gerando uma família de curvas-chave, através da combinação da vazão, da cota local e da cota de jusante (Santos et al., 2001). É claro que esta alternativa é bastante trabalhosa e deve ser evitada, dando-se preferência à instalação de postos fluviométricos em locais livres da influência da maré, ou do nível de jusante.

Este texto apresenta uma introdução às técnicas de medição de vazão e determinação da curva chave. Maiores detalhes podem ser encontrados em textos específicos, como o de Santos et al. (2001).

Vertedores e calhas Em cursos d’água de menor porte é possível construir estruturas no leito do rio que facilitam a medição de vazão. Este é o caso das calhas Parshal e dos vertedores de soleira delgada.

Vertedores de soleira delgada são estruturas hidráulicas que obrigam o escoamento a passar do regime sub-crítico (lento) para o regime super-crítico (rápido) para as quais a relação entre cota e vazão é conhecida. Assim, o nível a água medido a montante com uma régua ou linígrafo pode ser utilizado para estimar diretamente a vazão (Figura 5. 9).

Figura 5. 9: Vertedor triangular para medição de vazão em pequenos cursos d’água.

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Um vertedor triangular de soleira delgada com ângulo de 90º (Figura 5. 10), por exemplo, tem uma relação entre cota e vazão dada por:

5,2h42,1Q ⋅=

onde Q é a vazão em m3.s-1 e h é a carga hidráulica sobre o vertedor que é a distância do vértice ao nível da água (Figura 5. 10), medido a montante do vertedor, conforme indicado na Figura 5. 9.

Esta relação pode ser utilizada diretamente, embora na maioria dos casos seja desejável a verificação em laboratório.

Figura 5. 10: Vertedor triangular com soleira delgada em ângulo de 90º.

A Calha Parshal é um trecho curto de canal com geometria de fundo e paredes que acelera a velocidade da água e cria uma passagem por escoamento crítico. A medição de nível é feita a montante da passagem pelo regime crítico, e pode ser relacionada diretamente à vazão. As calhas Parshal são dimensionadas com diferentes tamanhos, de forma a permitir a medição em diferentes faixas de vazão.

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Figura 5. 11: Calha Parshall para medição de vazão em pequenos córregos ou canais.

A principal vantagem das calhas e dos vertedores é que existe uma relação direta e conhecida, ou facilmente calibrável, entre a vazão e a cota. A calha ou o vertedor tem a desvantagem do custo relativamente alto de instalação. Além disso, durante eventos extremos estas estruturas podem ser danificadas ou, até mesmo, inutilizadas.

Medição de vazão com equipamento Doppler Em rios médios ou grandes, alguns medidores eletrônicos de velocidade, como o ADCP, substituem os molinetes com grandes vantagens. Estes instrumentos permitem medir a velocidade em muito mais pontos ao longo da seção transversal de um rio em muito menos tempo. Além disso, estes instrumentos comunicam-se diretamente a microcomputadores, transferem os dados de velocidade e calculam a vazão automaticamente, reduzindo substancialmente o tempo necessário para preencher planilhas no campo e para digitar estes dados, posteriormente, no escritório. A grande desvantagem destes instrumentos é o custo de aquisição.

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Exercícios 1) O que é a curva-chave?

2) Para que servem as calhas Parshal?